Machado De Assis, De Acordo Com a Crítica, É Dividida Em Duas Fases: Uma Romântica E Outra Realista
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O REALISMO MACHADIANO Embora seja realista, Machado extrapolou os pressupostos mais caros à estética. Seu realismo se configura na abordagem de situações que guardam estreita relação com a realidade. A maneira, entretanto, como aborda aponta para uma estrutura que foge às características realistas- naturalistas. Machado enceta várias inovações estruturais que, em alguns casos, chegam antecipar características modernistas. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador é um defunto-autor, o que quebra a verossimilhança. Em Dom Casmurro, o narrador quer provar a culpabilidade da esposa, através de argumentos de natureza subjetiva. Em contos, como Uns braços e Missa do galo, a temática é intensamente psicológica, porque toda a trama está centrada nas sensações interiores das personagens. Os pressupostos cientificistas, tão em moda na época, são ironizados em várias de suas narrativas, mas aparecem com mais contundência em O Alienista. AS DUAS FASES MACHADIANAS A produção romanesca de Machado de Assis, de acordo com a crítica, é dividida em duas fases: uma romântica e outra realista. NA FASE ROMÂNTICA, destacam-se romances como A Mão e a Luva, Helena, Ressurreição, e Iaiá Garcia, e alguns contos, como Miss Dólar. A CHAMADA FASE REALISTA, a mais substancial de sua produção, engloba romances e contos, em que se destacam: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, romances, e os contos O Alienista, A Cartomante, Uns braços, O Enfermeiro e Missa do galo. A FASE ROMÂNTICA Os romances da fase romântica apresentam ainda um enredo com estrutura de folhetim, em que a trama parece ser o elemento fundamental, a exemplo do que acontecia com o romance romântico. Entretanto, já é possível perceber a propensão machadiana para esboçar o caráter das personagens, através de um enredo em que se evidencia ações embasadas no interesse e em conflitos psicológicos. A temática do amor platônico, calcada em torno de dois personagens, desaparece nos romances da primeira fase de Machado, ocorrendo um insinuado triângulo amoroso, que será elemento fundamental na fase realista do autor. Também o chamado final feliz, tão caro aos românticos, em suas obras desaparece, dando lugar a um desfecho em que as personagens não conseguem resolver satisfatoriamente os seus conflitos de ordem sentimental. SINTETIZANDO AS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA FASE Os romances dessa fase ainda não possuem densidade psicológica. Os personagens ainda não são complexos, apresentando-se lineares. Os enredos ainda são eivados de peripécias, constituindo-se em romances de ação. Os romances ainda possuem estrutura de folhetim. O enredo é estruturado em torno de uma história de amor, se bem que não seja platônico. Percebe-se já a tendência do narrador aos comentários, às digressões de ordem psicológica. Os personagens já agem por interesse amoroso, inclusive o amor já é materialista. Nos desfechos das narrativas, observa- se já uma ponta de pessimismo. ROMANCES DA PRIMEIRA FASE EM RESSURREIÇÃO, Machado já adverte: Não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro. A trama é centrada em torno do Dr. Félix, que, apesar de não acreditar no amor, se apaixona por uma viúva, a bela Lívia, sendo emocionalmente instável e sacudido a todo momento por impulsões devido ao temperamento desconfiado e inseguro, o que leva Lívia a romper com a situação. Em a Mão e a luva, narra-se a história de Guiomar, moça altiva e segura de si, que procura, com frieza e cálculo, realizar o ambicioso plano de ascender socialmente, compensando a sua modesta origem. A obra relata com ironia o casamento, visto como troca de favores e movido pelo dinheiro e pela ambição. Neste romance, já aparecem personagens com um certo grau de complexidade psicológica, como Guiomar, a heroína, que tem a sua volta três pretendentes: Estevão, sentimental; Jorge, calculista; Luís Alves, ambicioso. A estes três junta-se a baronesa, sob cuja proteção encontra-se a órfã Guiomar e a inglesa Mrs. Oswald, dama de companhia. Em Helena, observa-se a temática da ambição social como elemento condutor da narrativa, mas a trama ainda guarda resquícios da estrutura folhetinesca do Romantismo. A história gira em torno do Conselheiro Vale, um homem importante e rico, que mantém caso amoroso com uma mulher que tinha separado do marido devido a dificuldades financeiras. A mulher já possuía uma filha, que, mais tarde, foi perfilhada pelo amante rico. Helena sabe que não é filha do Conselheiro, mas aceita a situação por interesse na herança, porém acaba se apaixonando por Estácio que, por sua vez, está comprometido com Eugênia, cuja família está interessada na riqueza do rapaz. No desfecho, Helena adoece e morre, antes revelando que amava Estácio e que, na verdade, não era irmão dela, mas a felicidade da possível união amorosa não se concretiza. Em Iaiá Garcia, o enredo se constitui de uma série de incidentes que giram sempre em torno do mesmo ponto, a realização ou a não-realização de um casamento. Todos os atos das personagens são conduzidos, de modo direto ou indireto, para a consecução ou para o impedimento desse objetivo. O romance trata do conflito social entre as classes, aproveitando como eixo o romance entre Jorge, um cavalheiro de alta sociedade e Estela, uma jovem pobre. A adolescente Iaiá funciona como observadora dos fatos que se desenrolam à sua frente. A mãe de Jorge, Valéria Gomes, viúva rica, não quer para seu filho uma esposa pobre e sem lustro social, a moça era filha de Luís Garcia, um ex-empregado de seu falecido pai. Com o retorno de Jorge da guerra do Paraguai, sua mãe já morta, encontros e desencontros, risos e lágrimas, Jorge por fim acaba por se casar com Iaiá. A LINGUAGEM MACHADIANA E A ESTRUTURA DOS ROMANCES REALISTAS. AS OBRAS DA SEGUNDA FASE MACHADIANA Memórias Póstumas de Brás Cubas Quincas Borba Dom Casmurro Esaú e Jacó Memorial de Aires A Maioria dos Contos Nestas obras, Machado inova na linguagem e na estrutura, tornando-se, desta maneira, um precursor do Modernismo. DIÁLOGO COM O LEITOR/ O LEITOR INCLUSO Machado insere o leitor na narrativa com o objetivo de “Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse: eu não tenho que fazer; e, torná-lo cúmplice e ao realmente, expedir alguns magros capítulos mesmo tempo ironizá-lo. para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é No diálogo com o leitor o enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa narrador contração cadavérica: vício grave, e aliás metalinguisticamente ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o estabelece uma teoria da livro anda devagar; tu amas a narração narrativa, constituindo-se, direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e pois, numa inovação para a este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e época. param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...” O NARRADOR INTRUSO, AMBIGUIDADE DO FOCO NARRATIVO E A POLIFONIA O narrador onisciente do romance “Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o realista com Machado penetra na favor de ler as Memórias póstumas de Brás narrativa, dando opiniões, Cubas, é aquele mesmo náufrago da comentando e participando dos existência, que ali aparece, mendigo, fatos narrados. herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena.” Essa atitude provoca ambiguidade, ( ... ) com o narrador oscilando entre “Se a guerra não fosse isso, tais primeira e terceira pessoa. demonstrações não chegariam a dar-se, Embora suas narrativas possuam um pelo motivo real de que o homem só narrador, percebe-se a presença de comemora e ama o que lhe é aprazível ou várias vozes narrativas, o que vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que provoca uma polifonia. virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” INTERTEXTUALIDADE/CITAÇÕES BIBLÍCAS, FILOSÓFICAS, CLÁSSICAS, PROVÉRBIOS POPULARES E PARÓDIAS. Constantemente Machado usa do recurso da intertextualidade para explicar, justificar, ironizar, satirizar e parodiar. As ideias originais citadas são desmistificadas. “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a Segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo, Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo.” DIGRESSÕES/ COMENTÁRIOS/EXPLICAÇÕES As narrativas machadianas são por natureza digressivas, ou seja, comentadas e explicadas, recurso que favorece ao seu realismo atípico, bastante preocupado com o entendimento dos comportamentos. “Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que sou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas.” INTROSPECÇÃO/ O PSICOLOGISMO/ ANÁLISE PSICOLÓGICA E PSICANALÍTICA DAS PERSONAGENS A Machado interessa muito mais sondar a alma humana, entender seus comportamentos interiores do que suas ações. São as chamadas narrativas interiorizadas, introspectivas. Esse recurso machadiano antecipa as narrativas psicanalíticas do século XX.