Deus É Brasileiro! Mas Que Brasileiro? God Is Brazilian! but What Kind of Brazilian? ¡Dios Es Brasileño! ¿ Pero Qué Brasile

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Deus É Brasileiro! Mas Que Brasileiro? God Is Brazilian! but What Kind of Brazilian? ¡Dios Es Brasileño! ¿ Pero Qué Brasile 26 GÊNERO E RELIGIÃO NAS ARTES Deus é brasileiro! statements about “who God is” and how such statements are related to traditional Mas que brasileiro? masculine gender constructions. Finally, the article discusses how issues of masculinity André Sidnei Musskopf* and religion have been approached in recent studies and points to the need for other ways RESUMO of imagining God that are related to the peo- Este artigo investiga o modo como Deus é re- ple’s experience. presentado em músicas populares brasileiras. Keywords: Masculinity – Images of God – Dá uma introdução geral sobre a cultura bra- Religion – Popular culture – Brazilian popular sileira mostrando como a religião é parte das music. construções identitárias de brasileiros e brasi- leiras e como ela é marcada pela multipli- ¡Dios es brasileño! ¿ cidade, pelo sincretismo e pela hibridação. Analisa, então, duas músicas populares que Pero qué brasileño? fazem afirmações explícitas sobre “quem Deus é” e como estas afirmações estão rela- RESUMEN cionadas com construções de gênero mascu- Este artículo investiga cómo Dios es repre- linas tradicionais. Finalmente, o artigo discute sentado en las músicas populares brasileñas; como questões de masculinidade e religião presenta una introducción general a la cultura têm sido abordadas em estudos recentes e brasileña, mostrando cómo la religión forma aponta para a necessidade de outras formas parte de las construcciones identitarias de de imaginar Deus que estejam relacionadas brasileños y brasileñas y como ella está mar- com a experiência das pessoas. cada por la multiplicidad, el sincretismo y la Palavras-chave: Masculinidade – Imagens de hibridación; analiza, así, dos músicas popula- Deus – Religião – Cultura popular – Música res en las que aparecen afirmaciones explíci- popular brasileira. tas acerca de “quién es Dios” y cómo estas afirmaciones están relacionadas con construc- God is Brazilian! But what ciones de género masculinas tradicionales. Finalmente, el artículo discute cómo los temas kind of Brazilian? de la masculinidad y religión han sido aborda- dos en estudios recientes y apunta hacia la ABSTRACT necesidad de otras formas de imaginar a Dios This article investigates how God is repre- que estén relacionadas con la experiencia de sented in the Brazilian pop music. It gives a las personas. general introduction on the Brazilian culture Palabras clave: Masculinidad – Imágenes de showing how religion is part of the Dios – Religión – Cultura popular – Música identitarian constructions of Brazilian man popular brasileña. and women and how it is marked by multi- plicity, syncretism, and hybridization. It then Introdução 1 – Deus é brasileiro! analyses two popular songs that make explicit Deus é brasileiro! Além de ser parte da sabedo- ria popular no Brasil, este fato também foi atestado * Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia, pelo papa João Paulo II durante sua visita ao Bra- São Leopoldo/RS. Bolsista CNPq. Autor de “Uma brecha no armário: Propostas para uma Teologia Gay” (CEBI, sil, em 1997, quando acrescentou: “Se Deus é 2005) e “Talar Rosa: Homossexuais e o Ministério na brasileiro, o papa é carioca” (JOVEN PAN, n/d). E Igreja” (Oikos, 2005). [email protected]. se a palavra do papa, juntamente com a de milhões 27 de brasileiros e brasileiras, não for suficiente, há ções que impeliram os navegadores portugueses para o uma longa lista de personalidades de várias partes mar e animaram o trabalho dos colonizadores que inven- do mundo que testemunham a este respeito, entre taram o Brasil. Ao contrário do que se possa imaginar, as quais se pode mencionar Bono Vox que, durante esses componentes não ficaram restritos na história, seu último mega concerto no Brasil, disse para mas estão constantemente forjando a cultura brasileira, mais de 73 mil pessoas: “U2 é irlandês. Deus é mostrando como a religião significa o imaginário como brasileiro” (NEVES, 2006). Algumas pessoas têm, um todo. (SCHULTZ, 2005, p. 25-26). inclusive, encontrado provas científicas. De acordo com o matemático Jeffrey Weeks, da NASA: “nos- É por isso que Jorge Ben Jor pode cantar so universo parece um infinito conjunto de “Moro num país tropical, abençoado por Deus, e dodecaedros, como partes de uma bola de futebol bonito por natureza” (País tropical). Mas se esta com uma superfície de doze pentágonos idênticos” natureza é “paradisíaca”, e Deus seu criador e (MUIR, 2003). Se o universo é uma bola de fute- proprietário (e o rei seu administrador), esta ima- bol, Deus definitivamente é brasileiro. gem foi muito cedo oposta à imagem do “inferno Esta identificação entre um ser divino e uma nacio- na terra”, por meio da não menos paradigmática nalidade concreta e localizada, ao invés de representar afirmação de que “não há pecado abaixo do Equa- um nacionalismo xenofóbico, é expressão da religio- dor”, esta cantada por Chico Buarque de Holanda1. sidade popular, talvez uma afirmação do que a Teo- Esta afirmação supostamente se refere à licencio- logia da Libertação tem chamado de “opção preferen- sidade e promiscuidade do povo que habita esse cial de Deus pelas pessoas pobres”. Uma afirmação paraíso e conduz à compreensão brilhantemente de fé de um povo no meio da luta pela sobrevivência articulada por Adilson Schultz de que, no Brasil, que encontra uma forma de relacionar a experiência embora “Deus está presente – o diabo está no do sagrado com o que parece tornar a vida menos meio” (SCHULTZ, 2005)2. dura: estes momentos extraordinários que irrompem Apesar das disputas entre sociólogos/as sobre na luta ordinária – futebol e carnaval. É verdade que questões de autenticidade e inautenticidade com a sua origem e seu principal uso estão relacionados relação à cultura brasileira (SOUZA, 2000), este com a Copa do Mundo de Futebol e os cinco títulos artigo segue o consenso básico segundo o qual a mundiais, neste caso, outra prova do fato de que identidade brasileira (ou as identidades brasileiras) “Deus é – sim – brasileiro” e usa chuteiras, ao lado é formada por uma complexa mistura, cheia de de uma “nação de chuteiras” (VERMELHO, 2006). sincretismos (culturais e religiosos) e hibridizações Mas é também uma expressão, ou uma que não podem ser reduzidas a um conceito único consequência, de uma longa história de colonização e simples, mas que constituem uma “terra de con- religiosa e da constituição de um “mito de origem” trastes” (BASTIDE, 1979; ver também inscrito na identidade brasileira. Esse mito, consti- CANEVACCI, 1996). Religião, então, é outro in- tuído na perspectiva de um poder político-teológi- grediente, um ingrediente forte, nesta configuração co, compreende “três operações divinas que, no estranha – talvez queer3. Ela é uma forma cultural mito fundador, respondem pelo Brasil: a obra de Deus, isto é, a Natureza, a palavra de Deus, isto é, 1 A expressão “não existe pecado abaixo do Equador” é de a História, e a vontade de Deus, isto é, o Estado” Gaspar Von Barleus, um viajante que visitou o Brasil no século XVII (veja PARKER, 2005; VAINFAS, 1989). (CHAUÍ, 2004, p. 58). Isto se traduz em “o Brasil 2 O autor discute as múltiplas influências que formaram é o paraíso”, “o Brasil é a terra prometida” e “os o “imaginário religioso brasileiro” e como este imaginá- colonizadores e conquistadores agem sob a vontade rio apresenta Deus e o diabo, ou o bem e o mal, de maneira misturada. de Deus” (SCHULTZ, 2005, p. 26-40). Assim, de 3 “Queer” refere-se aqui ao termo inglês que dá nome a acordo com Adilson Schultz: uma corrente teórica – Teoria Queer – que, a partir do ponto de vista dos estudos sobre sexualidade, questiona Este mito fundante do Brasil tem componentes eminen- toda forma de binarismo e dualismo que define identida- des fixas e essenciais (veja TURNER, 2000; SULLIVAN, temente religiosos. A religião esteve na base das motiva- 2003; LOURO, 2004). 28 GÊNERO E RELIGIÃO NAS ARTES que está para além do domínio de qualquer institui- Deus é” a partir de características regionais bem ção eclesiástica, ressignificada no cotidiano das específicas. O Brasil é marcado por fortes dife- pessoas, sendo que uma das formas de sua renças regionais. Seria difícil desenvolver uma materialização é a expressão “Deus é brasileiro”. discussão aprofundada sobre estes regionalismos Além disso, pretende-se analisar como este “Deus num artigo tão breve (sem contar todas as dispu- brasileiro” é “imaginado” e como estas imagens tas sobre a ideia de uma identidade regional e as influenciam e são influenciadas pelos discursos disputas internas sobre o que representa melhor sobre masculinidade. Esta questão será desenvol- algo como uma identidade brasileira). Neste senti- vida a partir do estudo de duas músicas populares do, o principal objetivo é visualizar algumas ima- que apresentam discursos sobre quem Deus é. gens masculinas criadas por intermédio de discur- sos musicais que não são apenas um reflexo das Introdução 2 – A onipresença compreensões gerais sobre os papéis de homens e de Deus na música popular mulheres, mas também informam e legitimam es- brasileira e questões de gênero ses discursos na vida pública, dando a eles uma conotação religiosa/sagrada. Deus é onipresente na música popular brasileira. Deus está presente em cada gênero musical, das O deus-gaúcho músicas mais clássicas a toda variedade de ritmos e estilos contemporâneos. Invocado para cantar as A música Querência amada aparece na lista das belezas do País, a tristeza de estar em uma terra cinco músicas que “melhor traduzem a alma gaú- estranha, as crueldades e instabilidades da vida cha” (RIO GRANDE, n/d). O deputado Giovani diária, a saudade de uma pessoa amada, a esperan- Cherini recentemente submeteu um projeto para ça por um futuro melhor, a revolta diante de dife- estabelecer esta música como “um hino popular e rentes formas de opressão… O fato é que Deus é música símbolo do estado do Rio Grande do Sul” parte do cantar e do dançar, do cotidiano, mistu- (MAIA, 2006).
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