A História Do Homeme Da Empresa

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A História Do Homeme Da Empresa Hans Sterna história do homem e da empresa por Consuelo Dieguez Noite dos Cristais 7 Partida 19 Alumbramento 31 Uma experiência aterrorizante no paraíso 41 Ganhando o pão 45 High Society 55 Um jogo de futebol 63 Uma morte 69 Guerra 73 Carnaval 79 Pedras raras 85 Presente de aniversário 91 Prisão 97 Um acordeão sem uso 105 A invenção de um produto 119 Ruth 133 Está lá fora um general 145 Um vexame real 153 Ipanema 161 São Paulo era mesmo outro país 169 Uma revolução 177 Bota abaixo 189 Lago dos Cisnes 199 Nasce uma joia 207 Colaborações 223 Crise 237 Cerimônia de adeus 243 A família reassume 247 Gênesis 255 capítulo I Noite dos Cristais Madrugada de 9 para 10 de novembro de 1938 O engenheiro Kurt Stern está recostado em uma das mesas do escritório da sua empresa de instalações elétricas industriais, na cidade de Essen, na Renânia do Norte, Alemanha. Seu filho Hans, de 16 anos, encontra-se de pé, com o rosto colado na grande ja- nela envidraçada. Não muito longe dos dois, está Albert Kamp, sogro de Kurt e avô materno do rapaz, sentado em uma cadeira estofada. Ele tem as mãos apoiadas sobre os joelhos e bate com um dos pés no chão de forma cadenciada. Ninguém na sala ousa falar, parecem apenas tentar decifrar o silêncio, carregado de tensão, àquela hora da madrugada.um dos pés no chão. Ninguém na sala ousa falar, pa- recem apenas tentar decifrar o silêncio, carregado de tensão, àquela hora da madrugada. Três dias antes, em 7 de novembro, Herschel Grynszpan, um jovem de 17 anos, judeu refugiado, tocara a campainha da embaixada alemã em Paris trazendo um revólver escondido no bolso do sobretudo. Ao recepcionista que o atendeu, ele disse que desejava ver o embaixador, o conde Johannes von Welczek. O jovem estava tenso, tinha as mãos geladas e trêmulas, mas tentava aparentar calma. Poucas semanas antes, seu pai fora deportado para a Polônia em um vagão fechado e H.Stern A história do homem e da empresa capítulo I Noite dos Cristais Herschel desejava vingá-lo e outros milhares de judeus afetados pela descortinou na frente deles: da janela, eles viram o instante em que perseguição nazista. uma multidão enfurecida, armada com tochas, pedras e paus, surgiu na esquina da rua onde estavam. Ao ser admitido no prédio, Herschel viu um homem de ar cordial encaminhando-se até ele. Era Ernst vom Rath, terceiro secretário Kurt rompeu o estado de paralisia em que se encontravam e gritou da embaixada. Pensando tratar-se do embaixador, Herschel sacou a para que deixassem o prédio. Os três saíram correndo do escritório arma e atirou. Rath morreria dois dias depois. Ironicamente, o ho- e, no escuro, atravessaram as oficinas da empresa, esbarrando em mem executado vinha sendo vigiado há algum tempo pela Gestapo máquinas e equipamentos elétricos, até chegarem à porta dos fundos, por suas posições antinazistas. Ele chegara a se manifestar contra os por onde escaparam. Enquanto fugiam, podiam ouvir o barulho dos sofrimentos impostos à comunidade judaica pelo governo nacional- portões e das vidraças do prédio sendo arrebentados pelos vândalos, -socialista de Adolf Hitler. O jovem judeu, inadvertidamente, matara que logo passaram a destruir máquinas e móveis da empresa, lançan- um aliado. do-os à rua para serem queimados. O episódio, no entanto, serviu para acirrar ainda mais a campanha Naquele momento, no entanto, a única preocupação deles era escapar antissemita. Logo, a eficiente máquina de propaganda nazista tratou daquele terror. Para não serem presos, Kurt e Albert se refugiaram de explorar o fato. A imprensa alemã, habilmente manipulada por Jo- na biblioteca do bispo da cidade. O bibliotecário era conhecido da seph Goebbels, o poderoso ministro da Propaganda de Hitler, passou família e os escondeu. Hans fora deixado na casa de parentes, onde a clamar de forma estridente por justiça. sua mãe, Ilse, já estava. O casarão de dois andares ficava em uma rua tranquila, em Mohrenstrasse, um bairro sofisticado e arborizado. Ali, Kurt, Albert e o jovem Hans, como a maioria dos judeus alemães, sa- não havia sinal de tumulto e Kurt achou que a mulher e o filho esta- biam que o assassinato do secretário da embaixada em Paris lhes cus- riam em segurança. taria caro. Desde aquele dia, não havia casa, empresa, escola judaica, ou sinagoga na Alemanha onde o medo não houvesse se instalado. Por volta das 3h30, Hans e um pequeno grupo de familiares reunidos Era óbvio que os nazistas se aproveitariam do episódio para atacá-los na sala acharam que o pior havia passado. Tudo lá fora estava silen- com maior virulência. Poucos, no entanto, poderiam ter previsto a cioso. Mas, de repente, a rua foi invadida pelos perseguidores. Pedras magnitude do terror que os aguardava. foram arremessadas contra as vidraças das casas dos judeus. Encur- ralada, a família buscou por locais onde se proteger. Hans se escon- No final da noite de 9 de novembro, quando os graúdos do partido deu ao lado de um grande armário na sala de jantar. No momento em Nacional-Socialista celebravam o 15º aniversário do Putsch de Mu- que casa foi invadida, ele levou um chute no estômago que lhe tirou nique – a tentativa de golpe dos nazistas contra o governo da Baviera, o ar. Achou que morreria quando o enorme armário tombou sobre em 1923 –, começaram a pipocar, em toda Alemanha, manifestações ele. Por sorte, não chegou a tocar o chão. Ficou inclinado, apoiado contra os judeus pela morte do diplomata Ernest vom Rath. Passava na parede lateral, formando uma proteção sobre o menino. De seu de 1 hora, quando Kurt, Hans e Albert começaram a ouvir urros vin- esconderijo acidental, Hans assistiu quando homens das SS – a tru- dos das ruas, misturados a gritos de pavor e ao som inconfundível de culenta e temida polícia política do partido – misturados à turba, des- vidraças se quebrando. De onde estavam, puderam avistar o céu da- truíram tudo. Lustres foram arrancados dos tetos, móveis quebrados quela escura madrugada ser sinistramente iluminado pelas labaredas e lançados pelas janelas, tapetes rasgados, porcelanas estraçalhadas, dos prédios incendiados. Então, abruptamente, o cenário de terror se livros pisoteados. 8 9 H.Stern A história do homem e da empresa capítulo I Noite dos Cristais Quando os vândalos finalmente deixaram a casa, os moradores saí- Irritado com os dados apresentados, Göring voltou-se para Reinhard ram de seus abrigos. Em pânico, correram pelas ruas se esgueirando Heydrich, o funesto líder da SS, ao seu lado, e berrou: “Preferia que pelos muros, até chegarem à biblioteca do bispo, onde também foram vocês tivessem matado duas centenas de judeus em vez de destruí- acolhidos. Lá ficaram escondidos por três dias esperando que a onda rem tantos valores.”2 Em seguida, pôs-se a maquinar uma saída para a de violência amainasse. crise. Sua primeira proposta às seguradoras foi de simplesmente não indenizarem os judeus pelos prejuízos. As seguradoras, preocupadas Caía uma chuva fina na fria manhã de 13 de novembro quando eles fi- com sua reputação, reagiram, afirmando que ficariam desacreditadas nalmente deixaram a biblioteca e voltaram para suas casas. O enorme interna e externamente se não honrassem com seus compromissos. apartamento onde os Stern viviam tinha sido poupado pela turba, por estar em um prédio onde também moravam não judeus. A empresa Foi então que Göring anunciou uma solução grotesca: elas indeniza- de Kurt, no entanto, estava arruinada. riam os judeus, mas esse pagamento seria confiscado em seguida pelo governo e devolvido parcialmente às seguradoras. O auge da indigni- O saldo daquela noite de terror por toda a Alemanha foram 815 em- dade foi a decisão do marechal de campo de impor também uma multa presas judias totalmente destruídas e 7.500 saqueadas; 119 sinagogas coletiva à comunidade judaica de 1 milhão de marcos pelos estragos em incendiadas e mais 176 completamente destruídas; vinte mil judeus suas propriedades. Exatamente às 14h30, após quatro horas de discus- presos e levados para campos de concentração; outros 36 gravemente são, a reunião foi encerrada e o comunicado, com as decisões, expedido. feridos e mais dezenas deles mortos por assassinato ou chacinados quando tentavam escapar do fogo.1 O governo do Terceiro Reich não Os Stern, no entanto, tinham uma preocupação muito maior do que só ignorou a violência – que secretamente estimulara através de ins- recuperar a firma arruinada e pagar a multa coletiva. Gustav Stern, truções aos líderes da SS – como decidiu impor uma descabida pe- avô paterno de Hans, morava em Nassau, uma cidadezinha de ve- nalidade à comunidade judaica. Através de um bizarro comunicado raneio entre Frankfurt e Wiesbaden, a sofisticada estação de águas do Ministério da Fazenda, os judeus foram avisados de que seriam onde a alta sociedade alemã se divertia. Desde a macabra madrugada responsabilizados pelas pilhagens e destruição de suas próprias pro- de 10 de novembro, que ganhou o sugestivo nome de Noite dos Cris- priedades, “em virtude de seus crimes abomináveis”. tais, pela quantidade de vidros quebrados em todo o país, os Stern não tinham qualquer notícia dele. O plano fora arquitetado, na manhã do dia 12 de novembro, em uma reunião comandada pelo corpulento marechal de campo Hermann Gustav Stern era um homem de 84 anos, de rosto bonachão, cabeleira Göring, com um grupo de ministros do Reich e representantes de branca e postura ereta. Viúvo há muitos anos – sua mulher, Hermi- companhias de seguro. Na reunião, Göring fora informado pelas se- ne, morrera antes de Hans nascer –, ele vivia em sua casa em Nassau guradoras que as perdas com a destruição das propriedades judaicas acompanhado apenas de Rosa, sua governanta.
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