Negociações Do Feminino Na Novela Lado a Lado: Desafios Românticos Na Contemporaneidade
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NEGOCIAÇÕES DO FEMININO NA NOVELA LADO A LADO: DESAFIOS ROMÂNTICOS NA CONTEMPORANEIDADE Mayara Magalhães Martins 1 Antonio Crístian Saraiva Paiva 2 Resumo: A televisão é conhecida como um dos dispositivos tecnológicos responsáveis pela integração cultural brasileira. A novela é um dos produtos televisivos considerado como um dos mais bem sucedidos no Brasil. A partir da década de 1970 as novelas ganham temáticas atuais e passam a ter uma estética mais realista. Tradicionalmente conhecidas por dialogar com o público feminino, os temas que pautam essas narrativas envolvem o relacionamento amoroso, dilemas familiares e desafios cotidianos relacionados a inserção da mulher no mercado de trabalho vividos por heroínas quase sempre são marcadas pela sua retidão moral. Porém, em Lado a lado, novela de época exibida às 18h, uma das protagonistas, Laura, embora não subverta completamente a moral do que se compreende como a “boa moça” nos dias atuais, é uma personagem como modos bastante avançados para o início do século XX. Laura se divorcia e busca sua autonomia financeira, sem, contudo, abrir mão dos ideais românticos. Neste trabalho busco compreender de que forma mulheres internautas, participantes de um grupo de discussão no Facebook, compreendem a trama da personagem Laura. Como elas negociam as permanências e mudanças femininas através do texto teledramático e como elas conciliam demandas românticas com outras expectativas femininas. Palavras-chave: telenovela, figurações femininas, romantismo, redes sociais Introdução O presente artigo busca apresentar reflexões sobre o amor, a relação conjugal e o feminino na telenovela “Lado a lado” a partir de abordagens metodológicas que começaram a ser desenvolvidas no campo acadêmico: a etnografia virtual e o estudo de recepção na Internet. Nos últimos anos é crescente o número de pessoas que têm acesso ao computador e a Internet. Cada vez mais estas tecnologias são utilizadas como recurso de comunicação, lazer e sociabilidade. As interações on-line e as possibilidades que a tecnologia digital nos oferece transformam nossas formas comunicação e altera nosso ritmo cotidiano. Atividades corriqueiras como assistir televisão são reinventadas. A ideia do telespectador passivo ao conteúdo exibido na televisão torna-se cada vez mais distante. Nas redes sociais os programas televisos são temas recorrentes nas publicações dos internautas. Nesta perspectiva, as telenovelas, um dos programas mais populares e de maior audiência da TV brasileira, também não escapam das críticas e elogios dos usuários da Internet. 1 Doutoranda em Sociologia no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Bolsita Capes. E-mail: [email protected] 2 Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2013. ISSN2179-510X Sobre o gosto do telespectador em conversar sobre telenovelas vale dizer que este hábito não é novo. Martín-Barbero (2009) percebeu em seus estudos que seus interlocutores tinham mais prazer em contar do que em assistir este tipo de programa. Certamente o que se caracterizaria como diferença entre o modo tradicional de se assistir televisão e as práticas mais atuais é que hoje, com o acesso a Internet, a possibilidade de interação no momento em que se assiste a telenovela, ou após a sua exibição, se estende a um grupo maior de pessoas. No mundo contemporâneo não se fala mais sobre as telenovelas apenas com os membros da família ou com grupos de amigos. Na Internet o telespectador pode interagir com qualquer um que assista telenovelas e esteja disposto a falar sobre suas tramas. Pesquisas de caráter mercadológico e estudos acadêmicos como o de Lopes e Mungioli (2012) revelam que o comportamento de ver televisão conectada a Internet é um hábito que os brasileiros vêm cultivando. Atenta a esta nova forma de assistir televisão proponho neste trabalho um breve estudo de recepção na Internet. No início do século XX os estudos críticos na área da comunicação de massa privilegiavam em suas análises o papel do emissor no processo comunicacional. As críticas, sobretudo as formuladas nos estudos ligados a Escola de Frankfurt, concebiam o emissor de mensagens como ativo, produtor absoluto de sentidos, e um receptor passivo, incapaz de produzir conhecimento e discursos com um ponto de vista próprio. A partir de 1980, os chamados estudos de recepção propõem uma nova forma de conceber o processo comunicacional, o receptor deixa de ser compreendido como alguém inerte e passa a ser considerado como um sujeito capaz produzir sentidos (Sousa, 1995). Umas das maiores referências no campo dos estudos de recepção é Jesus Martín-Barbero, num dos seus trabalhos mais conhecidos, “ Dos meios às mediações ”, o autor reestrutura o modelo analítico do processo comunicacional deslocando a análise do meio de comunicação (o emissor) para onde o sentido é produzido (receptor). Na concepção do autor os sentidos das mensagens transmitidas pelos meios de comunicação são definidos pelos usos sociais que os receptores fazem das mensagens. Os estudos de recepção tentam, portanto, resgatar a complexidade da vida cotidiana para compreender os sentidos produzidos pelos receptores. Por ser um método analítico de caráter micro os estudos de recepção construiu relações estreitas com o método de pesquisa antropológica, a etnografia. Os fundamentos dos estudos de recepção são, pois, a audiência ativa e o conteúdo dos meios, considerados abertos a diferentes interpretações. Nos estudos de recepção na Internet esses 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2013. ISSN2179-510X fundamentos se concretizam na medida em que a audiência tem suas possibilidades de participação ampliadas, mais do que ativo o receptor é, portanto, interativo. Se na etnografia tradicional a convivência com um grupo é o instrumento básico para captar valores subjacentes nos entremeios das práticas sociais, na etnografia virtual a materialidade simbólica conta a favor da pesquisa, pois na web , “para que esses valores culturais sejam compartilhados, necessitam obrigatoriamente perpassar a tela do computador, deixando rastros tangíveis” (Knewitz, 2009, p. 10). Nos estudos de recepção os sentidos produzidos pelos sujeitos são compreendidos a partir de suas relações sociais de poder. Por tentar compreender o receptor em sua subjetividade, os estudos de recepção privilegiaram o ambiente doméstico como campo de pesquisa. Na dinâmica das pesquisas diversas formas de relação de poder são percebidas, dentre as que mais ganharam relevância estão as envolvem as desigualdades de gênero e de classe. No que diz repeito a recepção na Internet é importante considerar os limites de interpretação que se configura com esta nova realidade. Lacalle (2010) mostra que na Internet a noção de espaço se comprime e se converte numa espécie de “não-lugar” (Augé, 1994). Nesta perspectiva, o pesquisador que propõe realizar estudo na Internet deverá perceber que nem sempre marcadores sociais que tradicionalmente são usados em pesquisa face a face serão pertinentes ou poderão ser usados com segurança na pesquisa do campo virtual. Neste caso, o pesquisador deverá engendrar novas categorias compatíveis com seu campo. Se devido à própria estrutura da Internet os limites espaciais se diluem, no caso mais específico das comunidades virtuais dedicadas as telenovelas os limites que determinam as diferenças de classe não são claras, portanto, considerar categoria de classe neste contexto de estudo não é recomendado. No presente estudo escolhi compreender as produções de sentido entre as internautas 3 sob uma perspectiva de gênero, pois além das telenovelas serem produtos culturais voltados para o entretenimento feminino, a participação das mulheres em comunidades virtuais de telenovela é mais expressiva se comparada aos homens. Neste estudo foi tomada como objeto empírico a telenovela “Lado a lado”, escrita por Claudia Lage e João Ximenes Braga, transmitida no horário das 18h pela Rede Globo, de 10 de setembro de 2012 a 09 de março de 2013, teve sua história ambientada no Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o século XX. 3 Uso o artigo feminino antes do substantivo internauta porque nas comunidades dedicadas às telenovelas a participação das mulheres é expressivamente superior aos dos homens. Em todo o texto, quando me referir às participações na comunidade, sempre usarei expressões no gênero feminino. 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2013. ISSN2179-510X Sobre o campo virtual, optou-se por realizar a pesquisa numa comunidade do Facebook, pois esta é atualmente a rede social mais popular entre os brasileiros. No que diz repeito a comunidade selecionada para o estudo foi feita uma pesquisa com a sentença “novela Lado a lado” usando uma ferramenta de busca do próprio Facebook e utilizando um filtro em que apenas comunidades fossem visualizadas. Na seleção da comunidade foi levado em consideração o seguinte critério: a participação diária de vários membros da comunidade. Este critério foi fundamental para a pesquisa porque a matéria-prima deste trabalho foi às publicações dos participantes. É interessante dizer que a participação dos membros do grupo foi tão intensa dentro da comunidade e fora dela (em outras redes sociais) que elas ganharam visibilidade entre os atores de “Lado a lado”, sendo o grupo até mesmo citado em matérias publicadas na Internet. As questões que conduziram este