O Sítio Neolítico Das Casas Velhas Do Coelheiro (Salvaterra De Magos, Portugal): Notícia Da Sua Identificação
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*Arqueólogo; FCT; UNIARQ – Centro de Arqueologia da Uni- O sítio neolítico das Casas versidade de Lisboa, Portugal. [email protected] Velhas do Coelheiro **UNIARQ – (Salvaterra de Magos, Portugal): Faculdade de Letras da Universidade de 1 Lisboa, Portugal. notícia da sua identificação [email protected] ***Técnico de Arqueologia. César Neves* [email protected] Mariana Diniz** Gonçalo Lopes*** 1 Uma versão deste texto foi apresentada na revista MAGOS (2014). A opção por publicar na Revista Portuguesa de Arqueo- logia resulta de esta apresentar objetivos editoriais distintos e um público-alvo mais iden- tificado com as ques- tões em análise. Assim, procedeu-se a uma revisão do texto, tendo em atenção os novos dados que, entretanto, foram publicados sobre o tema, acentuando o carácter científico da RPA. Resumo O presente trabalho tem como objetivo dar a conhecer a identificação do sítio arqueológico de Casas Velhas do Coelheiro, localizado em Muge (Salvaterra de Magos, Portugal). Tendo em conta a análise dos elementos da cultura material recolhidos, bem como o registo arqueológico existente na área da margem esquerda do Baixo Tejo, propõe-se uma leitura crono-cultural e funcional para o sítio. As Casas Velhas do Coelheiro, considerando os dados superficiais obser- vados, parecem corresponder a um sítio de habitat ocupado durante as primeiras fases do pro- cesso de neolitização, num espaço previamente e fortemente relacionado com os últimos grupos de caçadores-recoletores e pescadores do Mesolítico. Abstract This paper aims to present an archaeological site located in Muge (Salvaterra de Magos, Portugal). According the analysis of the recovered material culture and the archaeological record known for the left bank of the lower Tagus valley, we propose a crono-cultural and functional view for this site. According to the surface data, Casas Velhas do Coelheiro seem to be a habitat occupied during the early stages of the Neolithic, in an area strongly connected with the last groups of hunter-gatherers and fishers of the Mesolithic. 27 Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 27–40 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 27 27-10-2015 10:45:26 César Neves | Mariana Diniz | Gonçalo Lopes Fig. 1 – Casas Velhas do Coelheiro – Loca- lização. À esquerda: na Península Ibérica (base cartográfica: Gonçalves, 1989 – adaptado); à direita: na CMP à escala de 1:25 000 (Folhas 377 e 378 – excerto); em baixo: a plataforma onde se implanta o sítio, junto à Ribeira do Coelheiro (foto de Andrea Martins). 1. Introdução Este texto tem como objetivo principal a apre- sentação deste sítio arqueológico que terá tido Em 2001, durante um trabalho para a finali- ocupação humana durante as primeiras fases zação da sua licenciatura, um dos signatários do Neolítico nesta região. deste texto (GL) mencionou pela primeira vez Os dados arqueológicos agora expostos possibi- o sítio das Casas Velhas do Coelheiro (Lopes, litam a prossecução de uma reflexão acerca das 2001). Após reconhecer diversas áreas de con- últimas comunidades de caçadores-recoletores centração de material arqueológico, onde se e dos primeiros grupos das antigas sociedades destacavam “Cerâmicas manuais com e sem camponesas na margem esquerda do Baixo Tejo, decoração, lâminas de sílex (…) núcleos de iniciada em 2005, através do projeto de inves- sílex, lascas residuais de sílex e quartzito, obje- tigação intitulado Neolítico antigo e médio na tos unifaciais sobre seixos de quartzito, termo- margem esquerda do Baixo Tejo (NAM) (Neves, clasto;” Lopes não teve dúvidas em classificar o Rodrigues & Diniz, 2008b), e seguida nos anos sítio como um habitat enquadrado no Neolítico imediatamente posteriores com o estudo (ainda) (Lopes, 2001, p.19). Porém, a sua identificação parcial da Moita do Ourives e com a análise por este autor remontava a 1993, numa das integral do sítio do Monte da Foz 1 (Neves, muitas incursões que fez pela área da fregue- Rodrigues & Diniz, 2008a; Neves, 2010). sia de Muge, na procura de locais com interesse A informação que aqui se abordará não resulta histórico-arqueológico. de trabalhos de escavação arqueológica, mas Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 27–40 28 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 28 27-10-2015 10:45:29 O sítio neolítico das Casas Velhas do Coelheiro (Salvaterra de Magos, Portugal): notícia da sua identificação Fig. 2 – Casas Velhas do Coelheiro na Carta Geológica de Portugal – excerto da Folha 31C 1:50 000, Serviços Geológicos de Portugal. Fig. 3 – Casas Velhas do Coelheiro. Aspeto A localização do ponto com maior concentração geral do sítio com o de material arqueológico, e de onde resultam a Paul do Concelho/ maioria das recolhas em análise, é a seguinte: Ribeira do Coelheiro ao fundo (foto de Gauss, datum Lisboa (militares): Andrea Martins). M = 151938 P = 235487 A = 14 m A região onde se inserem as Casas Velhas do Coelheiro integra-se na Bacia Hidrográ- fica do Rio Tejo. O sítio localiza-se na margem sim de prospeção no Vale do Coelheiro reali- esquerda do Baixo Vale do Tejo, junto à Ribeira zada em duas fases distintas: uma primeira, já do Coelheiro. Caracteriza-se por uma planície descrita, que resultou na identificação do sítio; aluvial composta por depósitos de sedimentos uma segunda, em 2005, já inserida no referido finos de origem fluvial, marinha e continental projeto de investigação (NAM). (Zbyszewski & Ferreira, 1968). Desta forma, os dados em análise, ainda que Do ponto de vista geológico, o espaço em análise preliminares e condicionados por limitações de enquadra-se na Bacia Sedimentar do Baixo Tejo. ordem arqueográfica, visto que resultam de Numa micro-escala, as Casas Velhas do Coelheiro observações e recolhas de superfície, terão de inserem-se numa região onde dominam os depó- ser interpretados com as necessárias reservas sitos quaternários em contraste com a margem associadas a este tipo de informação. oposta do Tejo, onde estão presentes depósitos detríticos miocénicos. Na área do Baixo Tejo, a evolução plistocénica é caracterizada pelo desen- 2. Espaço e território volvimento de terraços, sendo que a localização topográfica das Casas Velhas do Coelheiro situa- O sítio arqueológico das Casas Velhas do -o na área de desenvolvimento do nível de ter- Coelheiro localiza-se, administrativamente, raço Q4, cujas altimetrias variam entre os 8 e os em Portugal, na freguesia de Muge, conce- 15 m (Zbyszewski & Ferreira, 1968, p. 9) (Fig. 2). lho de Salvaterra de Magos e distrito de Nestes depósitos de terraço, encontram-se casca- Santarém. A área prospetada localiza-se na lheiras de seixos de quartzito e quartzo. Depo- Carta Militar de Portugal, na folha n.º 377, à sitadas estratigraficamente sobre o terraço Q4, escala de 1:25 000 (Fig. 1). surgem as areias superficiais (As), que assumem 29 Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 27–40 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 29 27-10-2015 10:45:35 César Neves | Mariana Diniz | Gonçalo Lopes uma grande extensão na área, caracterizando-se como “…areias amareladas ou acastanhadas, de grão fino a grosseiro, acumuladas a partir do Plistocénico, por transporte fluvial ou torrencial e, em parte, acumuladas pela acção eólica…” (Zbyszewski & Ferreira, 1968, p. 9). O espaço onde terá sido implantada a ocupa- ção, ao ar livre, das Casas Velhas do Coelheiro caracteriza-se por uma área aberta, plana, sobre um substrato arenoso, a baixa altitude e sem quaisquer condições naturais de defesa. Ao nível de recursos naturais, a ocupação terá bene- ficiado da grande proximidade com as Ribeiras do Coelheiro (hoje dominada pelo Paul do Con- celho), e Muge, afluentes de um curso principal, o Tejo, também ele, à data da ocupação, muito próximo do sítio arqueológico (Fig. 3). arqueológicos. Atualmente não existem ves- Fig. 4 – Casas Velhas Esta área é genericamente definida pelo tígios de agricultura recente, e assinala-se a do Coelheiro. Porme- nor dos trabalhos de paleo-estuário do Tejo, formado aquando da presença de um pequeno pinhal localizado, prospeção arqueoló- transgressão flandriana, procedendo a for- de forma aleatória, ao longo de toda a pla- gica (foto de Andrea tes alterações no rio e nos seus diretos tribu- taforma. O sítio não se encontra, de momento, Martins). tários, alcançando o seu máximo em ±5000 ameaçado. BP (Daveau, 1980). O ambiente fluvial distinto do atual, resultante das alterações paisagísti- cas e oscilações climáticas que a região sofreu 3. Espólio arqueológico desde do Plistocénico superior, teve consequên- cias ao nível da diversidade dos recursos exis- As ações de prospeção realizadas nas Casas tentes (Martins, 2004; Freitas & alli, 2006). O Velhas do Coelheiro possibilitaram a recolha regime estuarino então aí registado propor- de um total de 171 artefactos, dos quais 108 cionaria a existência de uma diversidade de correspondem a fragmentos cerâmicos, 60 de recursos alimentares passíveis de ser adquiri- pedra lascada e 3 de pedra polida/afei- dos, sem grande esforço, através de práticas çoada. Procurou-se registar a maior diversi- de caça, recoleção e pesca. Com segurança, dade possível de elementos da cultura mate- é de crer que esta situação terá sido determi- rial, de modo a determinar com maior precisão nante na implantação dos habitats durante as o momento crono-cultural com que o sítio possa primeiras fases do Neolítico, tal como as Casas estar relacionado. Desta forma, não se reco- Velhas do Coelheiro. No entanto, a riqueza lheu a totalidade dos artefactos observados à económica proveniente deste meio contrastaria superfície, sendo ainda hoje possível constatar com a débil aptidão dos solos (com alto teor de a presença de numerosos elementos ao longo salinidade), para eventuais práticas agrícolas. de toda a área. Embora todo o espaço que Os trabalhos de prospeção realizados nas se considera pertencer ao sítio revele mate- Casas Velhas do Coelheiro permitiram obser- riais arqueológicos à superfície, foi na zona var a existência de material arqueológico mais a norte (de onde se retirou a coordenada disperso, ao longo de uma área de cerca de acima mencionada) que a prospeção permi- 3000 m2 (Fig.