Dona Ivone Lara, a Mulher Negra No Ensino De História
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A FORÇA FEMININA INSURGENTE E EMERGENTE NO SAMBA: DONA IVONE LARA, A MULHER NEGRA NO ENSINO DE HISTÓRIA Ana Lúcia da Silva – DHI – PPH - UEM [email protected] Resumo: Com base no aporte teórico dos Estudos Culturais este trabalho valoriza a cultura popular negra. Os Estudos Culturais dão visibilidade e valorizam a cultura popular, sem a hierarquização de culturas, como baixa cultura X alta cultura ou cultura popular X cultura erudita. No simpósio temático: “Pedagogias culturais e mídias”, objetiva-se apresentar a análise das pedagogias culturais de uma das matrizes do samba carioca, ou seja, o samba-enredo “Dona Ivone Lara o enredo do meu samba”, apresentado pela escola de samba Império Serrano, na festa do carnaval em 2012 e na mídia, e que rendeu homenagem a Dona Ivone Lara. Esta mulher negra é uma das Divas insurgentes e emergentes na sociedade brasileira contemporânea, que rompeu com as fronteiras do racismo e do machismo, e fez História no universo do samba. Por meio da trajetória de vida de Dona Ivone Lara, propõe-se analisar as condições de vida, trabalho e educação do povo negro no Brasil após a abolição da escravidão em 1988 e ao longo do século XX, dando visibilidade as mulheres negras na sociedade e no universo do samba, a fim de revisitar a História de nosso país. Essa preocupação está em consonância com a Lei n. 10.639/2003 que tornou obrigatório o estudo da História africana e afro- brasileira nas instituições de ensino e incluiu o dia “20 de novembro” – Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar; e a Resolução n. 2/2015 que trata sobre a formação docente inicial e continuada, priorizando uma Educação democrática, pautada na diversidade, combatendo-se múltiplas práticas de preconceito e de discriminação. Ao depreender que as pessoas, desde a infância a fase adulta, não aprendem apenas na escola, e são interpeladas na vida cotidiana por artefatos culturais da mídia, a análise das pedagogias culturais no samba-enredo possibilitará pensar o samba como um dos recursos pedagógicos no Ensino de História, ao se fazer a abordagem da História do povo negro no Brasil, da História da África e da cultura afro-brasileira. Busca-se expor como a escola de samba Império Serrano e sua comunidade propalaram pedagogias culturais com o samba-enredo e enalteceram Dona Ivone Lara e produziram Arte, ao apresentá- los na festa do carnaval carioca, permitindo-se problematizar questões candentes ao feminismo negro na História do Brasil, dialogando-se com as áreas de Educação, História e Arte. Palavras-chave: História do Brasil; Ensino de História; Samba. 1 Introdução Por mais de trezentos anos africanos e africanas, e seus descendentes trabalharam no Brasil submetidos a escravidão, construindo o atual país com outros povos, o colonizador português, indígenas, imigrantes de diferentes nacionalidades e migrantes de diversas regiões. Após várias insurgências e práticas de contestação do povo negro e de representantes do Movimento Abolicionista contra a escravidão negra no Brasil e luta em prol da liberdade, houve o fim gradual do trabalho compulsório, culminando no fim da escravidão em treze de maio de 1888. A Princesa Isabel assinou a Lei Áurea que pôs fim a escravidão no Brasil, mas não garantiu políticas públicas para a inclusão do povo negro a sociedade. Desta maneira, negros e negras organizados por meio da imprensa negra e do Movimento negro em suas diversas faces e contextos históricos, tiveram que lutar por políticas públicas de combate ao racismo, para o acesso à Educação e ao trabalho, a fim de superar as desigualdades sociais e raciais. Neste início do século XXI, após cento e quinze anos do fim da escravidão no Brasil, uma das grandes conquistas do Movimento Negro foi a aprovação da Lei n. 10.639/2003 que tornou obrigatório o estudo da História africana e afro-brasileira nas instituições de ensino de nosso país e incluiu o dia “20 de novembro” – Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar (BRASIL, Lei n. 10.639, 2003). Além disso, por meio desta lei e da Lei n. 11. 645/2008 tornou-se obrigatório o estudo da História africana, afro- brasileira e indígena na Educação Básica e no Ensino Superior (BRASIL, Lei n. 11. 645/2008). No Estado do Paraná, em 2010, houve a aprovação da Resolução n. 3.399, que tornou obrigatório a organização de Equipes Multidisciplinares nas escolas da rede pública estadual, com o objetivo de promover o estudo e o desenvolvimento de atividades pedagógicas sobre a História africana, afro-brasileira e indígena na Educação Básica (PARANÁ, Resolução n. 3.399, 2010). Nesta perspectiva, essa legislação educacional possibilitou que outros sujeitos históricos ganhassem visibilidade no curricular escolar e nos projetos políticos 2 pedagógicos das escolas e instituições de Ensino Superior, fazendo ecoar outros saberes, outras identidades, narrativas, histórias e práticas culturais; distanciando-se do ensino de História tradicional e eurocêntrico, que por séculos e décadas deu ênfase aos “grandes homens” da esfera política e/ou religiosa, silenciando a História de indígenas, negros, mulheres, crianças, entre outros sujeitos anônimos. O currículo prescrito é um artefato social e cultural, um território ou campo de disputas, permeado por relações de poder, concepções de mundo, ideologias, culturas, entre outros aspectos da vida social. O currículo não é neutro. A seleção de conteúdos que compõem o currículo escolar, pode favorecer a inclusão e/ou a exclusão de saberes de determinados grupos sociais e/ou etnias, identidades, histórias e práticas culturais (BITTENCOURT, 2012; SILVA, 2006; GOODSON, 1995). Por isso, afirma-se que a política curricular enquanto currículo efetua um processo de inclusão e exclusão de saberes e indivíduos no espaço escolar. Enfim, “o currículo estabelece diferenças, constrói hierarquias, produz identidades” (SILVA, 2006, p. 12). Além disso, o currículo é um espaço de significação, intimamente vinculado ao processo de formação de identidades sociais e culturais: [O] currículo também produz e organiza identidades culturais, de gênero, identidades raciais, sexuais... Dessa perspectiva, o currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de transmissão de conhecimentos. O currículo está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz (SILVA, 2006, p. 27). Neste sentido, as Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008, e a Resolução n. 3.399/2010 são conquistas históricas dos Movimentos sociais negro e indígena no Brasil, de professores e professoras atentos a diversidade étnica e cultural de nossa gente, sem a hierarquização de povos, identidades, saberes e culturas. Uma Educação atenta a diversidade, desconstruindo-se o paradigma tradicional e eurocêntrico. Nos Estudos Culturais não há a hierarquização de saberes, culturas, povos e/ou identidades. Os Estudos Culturais dão visibilidade e valorizam a cultura popular, sem a 3 hierarquização de culturas, como baixa cultura X alta cultura ou cultura popular X cultura erudita. Assim, nos Estudos culturais depreende-se a importância da cultura popular negra e da análise das pedagogias culturais nos artefatos culturais da mídia. Os artefatos culturais da mídia propalam pedagogias culturais, ou seja, ensinamentos, práticas culturais, formas de pensar e estar no mundo, produzindo significados, sentidos e subjetividades no mundo contemporâneo (ANDRADE, 2016; ESCOSTEGUY, 2010). Com base no aporte teórico dos Estudos Culturais, neste texto objetiva-se destacar as possibilidades de revisitar a História do Brasil a partir da cultura popular negra, dando visibilidade ao protagonismo da mulher negra ao proceder a análise das pedagogias culturais em um dos artefatos culturais da mídia, o samba-enredo: “Dona Ivone Lara o enredo do meu samba”, apresentado pela escola de samba Império Serrano, na festa do carnaval em 2012 e na mídia, e que homenageou a Dama do samba, Dona Ivone Lara. Esse texto está estruturado da seguinte forma: em primeiro momento, eu ressalta-se as condições de vida do povo negro no Brasil após o fim da escravidão e a luta do Movimento negro; em segundo momento, se apresentará uma breve biografia de Dona Ivone Lara e a análise do samba enredo “Dona Ivone Lara o enredo do meu samba”, da escola de samba Império Serrano, edição do carnaval 2012; e ao final serão tecidas as considerações finais. O negro no Brasil após o fim da escravidão Com o fim da escravidão negra em treze de maio de 1888 o povo negro conquistou a liberdade, porém sem acesso a cidadania. Por isso, negros e negras se organizaram para superar o legado da escravidão, racismo, pobreza e exclusão social. Pois, a elite que adentrou o Estado brasileiro elegeu como prioridade a política de incentivo a imigração e de branqueamento do povo. No século XIX, o processo de abolição da escravidão no Brasil foi acompanhado da política de incentivo a imigração. Na medida em que o governo brasileiro libertava o povo negro gradualmente, por meio de práticas políticas, como a proibição do tráfico negreiro, Lei do Ventre Livre, Lei do Sexagenários conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, até culminar na Lei 4 Áurea de 1888; na vida cotidiana ocorreram várias práticas de resistência negra, como revoltas, fugas, formação de quilombos, entre outras; e a organização do Movimento Abolicionista que também pressionava o Parlamento acerca do fim da escravidão, destacando-se algumas lideranças negras, tais como José do Patrocínio, Luiz Gama, André Rebouças, Castro Alves, Maria Firmina, Chiquinha Gonzaga, entre outros e outras (COSTA, 2010; BRASIL, A cor da cultura - Heróis de todo Mundo, 2004; MALERBA, BERTONI, 2001; MALERBA, 1999; MOTT, 1991). A abolição da escravidão negra no Brasil não foi uma dádiva da princesa Isabel que assinou a Lei Áurea em 1888. Foi um processo gradual o fim do trabalho compulsório em nosso país. Pois, a escravidão já era questionada na vida cotidiana por meio das práticas de resistência negra e o Movimento Abolicionista.