Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e UNIVERSIDADECiências Sociais – Ano 13 FEDERAL Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809FLUMINENSE-3264 FACULDADE DE EDUCAÇÃOPágina 1 de 188

REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 13 Número 31 Volume 3 ISSN – 1809-3264

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REVISTA QUERUBIM NITERÓI – 2017

N I T E R Ó I RJ Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 2 de 188

Revista Querubim 2017 – Ano 13 nº31 – vol. 3 - 188p. (fevereiro – 2017) Rio de Janeiro: Querubim, 2017 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital

Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – ) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil)

Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira

Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Hugo Carvalho Sobrinho Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Mayara Ferreira de Farias Paolo Vittoria Pedro Alberice da Rocha Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 3 de 188 Sumário 01 O professor como sujeito autônomo na construção do conhecimento – José Watla dos 04 Santos Faustino e Arônio Dias Cipriano 02 A implantação do curso normal regional do Instituto Samuel Graham (1953-1964) – Kamila 07 Gusatti Dias e Ademilson Batista Paes 03 Políticas públicas de incentivo ao uso do software livre na perspectiva da inclusão digital e da 14 educação para a liberdade – Liliane Silveira Bonorino e Ilse Abegg 04 Expectativas na escolha da profissão: um estudo com acadêmicos do curso de Educação 20 Física – Magali Facco Biguelini e Vania Mari Rossato 05 Intertextualidade intergenérica: o caso das mensagens religiosas que circulam no Facebook – 29 Marcos Helam Alves da Silva e Francisco Romário Paz Carvalho 06 Percepções dos docentes sobre o uso de recursos tecnológicos no ensino superior como 41 processo facilitador da aprendizagem – Marcus Vinícius Domingos Barbosa, Wesley Alves silva e Keila Cristina Belo da Silva Oliveira 07 Utilização de sementes e plantio de mudas de espécies nativas do cerrado como recurso 48 didático em aulas de biologia – Maria Aparecida da Silva Leite e Marcos Augusto Schliewe 08 A mulher e o movimento feminista: uma ideologia pessoal em busca da transformação social 55 – Maria Isabel Batista Oliveira e Marlene Almeida de Ataíde 09 Ecodesign uma adoção da prática sustentável: um estudo de caso na Empresa Angatu no 65 Município de Campina Grande-PB – Mônica Araújo da Silva Chaves e Kettrin Farias Bem Maracajá 10 O trabalho em equipe no âmbito hospitalar: experiências e desafios do programa de 73 Residência Multiprofissional em emergências clínicas e Trauma – Nayara Veras dos Santos e Marlene Almeida de Ataíde 11 A docência no contexto contemporâneo: desafios à vista? – Osmar Hélio Alves Araújo 82 12 Contextualizando o fenômeno da globalização no mundo vivido dos alunos da 3ª série do 87 ensino médio da rede pública de Formosa – GO – Patrícia Borges Valadão 13 O professor/ militante da educação do campo: a igreja como aliada – Paulo Vitor de Souza 94 Pinto e Adriana Penna 14 A importância do RAP na “Escrita Prisional”: o caso sobrevivente André Du Rap – Raíssa 100 Cardoso Amaral e Alfeu Sparemberger 15 Abrindo caminho: uma rede de fios cruzados – Raíssa Tsunoda Kobayashi de Oliveira e 107 Rodrigo da Costa Araújo 16 Algumas peculiaridades das violências no contexto escolar da periferia do Distrito Federal – 115 Rayana Dias de Oliveira, Adriana Lira e Candido Alberto da Costa Gomes 17 A rosa de Lutero no Cerrado tocantinense – Renato Luiz Hannisch e Jocyléia Santana 127 dos Santos 18 O estágio supervisionado enquanto jornada de formação – Rosana de Oliveira Rodrigues 139 Dantas, Raquel Barbosa de Oliveira e Maria Jaiane dos Santos 19 Introdução a tragédia grega: Medeia de Eurípides – Sabrina de Azevedo Soares 142 20 A onomástica em romances machadianos – Sabrina de Azevedo Soares 149 21 Memorias do ensino de história – Sádia Maria Soares Azevedo Rocha e Jocyléia Santana 154 dos Santos 22 Reflexões sobre a compreensão responsiva ativa na formação do professor de língua materna 163 – Silvio Nunes da Silva Júnior 23 Saberes e práticas da produção de hortaliças com alunos do 7° ano da Escola Estadual Profª 173 Zulmira Magalhães: trabalhando os conhecimentos tradicionais – Tânia Maria Silva Ramalho, Diondetson Rocha de Oliveira, Vanderlei Batista Dos Santos e Maria Luiza de Freitas Konrad 24 Refletindo sobre a prática dialógica de – Wansley F. de Freitas e Renata 180 Lourenço 25 Resenha crítica articulada – Marcus Vinícius da Silva 184 26 Resenha – Marcus Vinícius da Silva 187 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 4 de 188

O PROFESSOR COMO SUJEITO AUTÔNOMO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO1

José Watla dos Santos Faustino2 Arônio Dias Cipriano 3

Resumo Este trabalho busca realçar que o professor deve ser um sujeito autônomo na construção do conhecimento. Logo, o professor deve tomar a própria prática como objeto de reflexão. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica a partir de alguns autores que escrevem sobre a profissão docente, como: Freire (1996), Franco (2011), Luckesi (2008), Nóvoa (1999), dentre outros. Concluímos que se faz necessário a escola oportunizar aos professores, e a todos os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, múltiplas situações em que os levem a se questionar, a aprender com os desacertos e, num processo de reconstrução crítico-reflexivo da prática pedagógica, a superar as ações desarticuladas e fragmentadas. Palavras-chave: Docência. Autonomia. Construção do conhecimento.

Resumen Este documento pretende hacer hincapié en que el profesor debe ser un sujeto autónomo en la construcción del conocimiento. Por lo tanto, el maestro debe tomar la práctica misma como objeto de reflexión. La metodología utilizada fue la literatura de algunos autores que escriben sobre la profesión docente, como Freire (1996), Franco (2011), Luckesi (2008), Novoa (1999), entre otros. Llegamos a la conclusión de que si la escuela a crear oportunidades para los maestros es necesaria, y todos los que participan en los procesos de enseñanza y aprendizaje, múltiples situaciones que los llevan a la pregunta, para aprender de los errores y en un proceso de reconstrucción crítica y reflexiva de la práctica pedagógica , para superar las acciones desarticuladas y fragmentadas. Palabras clave: Enseñanza. Autonomía. La construcción del conocimiento.

Introdução

Esta discussão apresenta uma reflexão sobre a necessidade que o professor seja um sujeito autônomo no processo de construção do conhecimento, de modo integrado aos diversos contextos, entre eles, o contexto socioambiental e tecnológico. Compreende-se que os professores tem recebido uma formação onde a mera reprodução do conhecimento não abre espaço para a construção de novos saberes. Nesta perspectiva, os professores não podem ser meros reprodutores de informação, ao contrário, devem sempre construir novos saberes.

Em suma, esta discussão visa recordar que o professor deve ser sujeito da sua história a partir de suas escolhas e caminhos teóricos e pedagógicos. Por isso, o professor deve buscar desenvolver o espirito de pesquisador de forma responsável e comprometida com a construção do conhecimento.

1 Este texto teve como solo embrionário as discussões realizadas a partir do “Fórum de Formação em Pesquisa” da Pesquisa de Iniciação Científica: a formação didático-pedagógica nos Cursos de Letras e Ciências Biológicas da URCA, UD - Missão Velha/CE: vacina de conforto pedagógico? Coordenado pelo Prof. Ms Osmar Hélio Alves Araújo. 2 Graduando em Letras pela Universidade Regional do Cariri-URCA – III Semestre. Atualmente é bolsista do Projeto de Extensão: A inserção da leitura na formação dos licenciandos/as do curso de letras e na formação contínua dos docentes da educação básica. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Letras pela Universidade Regional do Cariri-URCA – II Semestre. Atualmente é bolsista do Projeto de Extensão: A inserção da leitura na formação dos licenciandos/as do curso de letras e na formação contínua dos docentes da educação básica. E-mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 5 de 188 Resultados e discussão

Parte-se aqui das contribuições de Luckesi (2008, p.26) ao assinalar que:

[...] o educador é todo ser humano envolvido em sua prática histórica transformadora. Em nossas múltiplas relações, estamos dialeticamente situados num contexto educacional. Todos somos educadores e educandos, ao mesmo tempo. Ensinamos e somos ensinados, numa interação contínua, em todos os instantes de nossas vidas.

Nesta perspectiva, o docente tem um papel fundamental na formação do homem, por isso, seu papel vai além da mera tarefa de transmitir informações, isto é, o docente tem a missão de pesquisar e proporcionar experiências motivadoras no ambiente escolar, pois, Segundo Freire (1996, p.29), “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”. O mesmo autor assinala ainda que se faz necessário que o professor esteja imerso em um contexto de pesquisa para que possa realizar uma aula dinâmica e estimular a construção de conhecimentos, assim como suplantar as aulas “rotineiras e mecânicas”. Então, cabe trazer à baila que se faz necessário o professor tomar a própria prática como objeto de reflexão, pois, segundo Franco (2011, 2018), “As práticas só se tornarão instrumentos de formação quando iluminadas pela teoria, se transformarem em objeto de pesquisa dos que as exercitam”. É plausível trazer Luckesi (2008, p. 29) para o debate, o referido autor explica que: “O educador nunca estará definitivamente "pronto", formado, pois a sua preparação, a sua maturação se faz no dia-a-dia, na meditação teórica sobre sua prática. A sua constante atualização se fará pela reflexão sobre os dados de sua prática”.

Logo, compreende-se aqui que o professor, por meio da pesquisa, deve vivenciar experiências pedagógicas que permitam solucionar problemas existentes no ambiente escolar, entre eles, as dificuldades advindas da população discente, como a desmotivação, o baixo rendimento, a evasão, entre outros. Desta forma, os professores precisam empreender práticas pedagógicas como instrumentos educativos, facilitadores da aprendizagem, ou seja, como momentos formativos que estimule nos discentes a criticidade, a transformação de si e do mundo, assim como que as referidas práticas sejam instrumentos de reflexão, pois, Nóvoa (2009, p.18), em relação aos problemas que permeiam a formação dos professores, aponta que: “O reforço de práticas pedagógicas inovadoras, construídas pelos professores a partir de uma reflexão sobre a experiência, parece ser a única saída possível”.

É oportuno também trazer para o debate que o professor não deve atuar para atender aos interesses da lógica capitalista vigente, isto é, o professor, assim como todos os sujeitos que compõem a arena escolar, tem o papel de preparar os discentes para enfrentarem a sociedade capitalista e selvagem. Logo, os alunos precisam encontrar sentido para a sua vida pessoal e profissional a partir do processo educativo vivenciado. Entretanto, Charlot (2013) aponta que muitos alunos não compreendem porque devem continuar a ir à escola e por não compreenderem a real função da escola, não se adéquam ao que é proposto pela escola e, desta forma, são rotulados de preguiçosos e que não querem nada.

Deste modo, compreende-se aqui que a educação nessa lógica excludente, antagônica e contraditória não consegue atender seus reais objetivos, os quais seriam de promover aprendizagens que tenha um significado para os alunos. Assim, os estudantes abandonam a escola e a estes é negado o princípio da educabilidade. Consequentemente a negação do princípio da cidadania para uma emancipação consciente social e culturalmente atuante. No rastro do exposto, entende-se que a escola não deve deixar de relacionar as atividades dos alunos com o mundo, com as discussões sobre gênero, família, sociedade e trabalho, pois a escola forma o homem para a construção do trabalho intelectual e não somente para a reprodução deste.

Por fim, vislumbra-se aqui um processo formativo docente que proporcione ao professor condições de trabalho favoráveis para atuar no século XXI, assim como uma formação pautada em uma visão holística e que vise formar um professor autônomo, crítico e reflexivo. Logo, espera-se que esta discussão contribua para a revitalização da formação dos professores, de modo que ela seja Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 6 de 188 um processo contínuo e duradouro, capaz de tornar o professor apto a largar mão do “repetir” em detrimento do construir o conhecimento, a partir de ações interdisciplinares, junto aos alunos e, assim, atuar como facilitador dos processos de ensino e aprendizagem. Cabe ainda, para finalizar, registrar a importância de um olhar investigativo sobre as experiências e vivências em sala de aula, de modo a favorecer a autonomia docente e a autoformação. Assim, torna-se possível uma prática pedagógica significativa e qualitativa.CC

Conclusão

Concluímos que se torna imprescindível a escola oportunizar ao professor, e a todos os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, múltiplas situações em que os levem a se questionar, a aprender com os desacertos e, num processo de reconstrução crítico-reflexivo da prática pedagógica, superar as ações desarticuladas e fragmentadas.

Por fim, com o esteio nas contribuições de Freire (1996), compreende-se que um professor que deseja contribuir para o desenvolvimento da autonomia de seus alunos, quando entra em uma sala de aula, deve ser um sujeito aberto às indagações, curiosidade, questionamentos dos mesmos. Esse professor deve respeitar os saberes dos educandos sem, contudo, negligenciar o ensino dos conteúdos, cabendo a ele assumir uma prática rigorosa e crítica: rigorosa no sentido de conhecer e crítica no que diz respeito ao saber ingênuo do aluno que deve ser superado pelo saber produzido através do exercício da curiosidade epistemológica.

Referências CHARLOT, B. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013. FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro; GILBERTO, Irene Jeanete Lemos. APRÁTICA DOCENTE E A CONSTRUÇÃO DOS SABERES PEDAGÓGICOS. Revista Teias v. 12 • n. 25 • 212-224 • maio/ago. 2011 – Ética, Saberes & Escola. Disponível em: http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/view/705. Acesso em: 02 maio 2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. LUCKES, Cipriano Carlos. O Papel da Didática na Formação do Educador. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). A didática em questão. 28. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. pp. 25-34. NÓVOA, António. Os Professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 7 de 188

A IMPLANTAÇÃO DO CURSO NORMAL REGIONAL DO INSTITUTO SAMUEL GRAHAM (1953-1964)4

Kamila Gusatti Dias5 Ademilson Batista Paes6

Resumo Esse trabalho apresenta contribuições para o conjunto de estudos historiográficos sobre a educação protestante em Goiás, na cidade de Jataí, tendo como foco o Instituto Samuel Graham, uma instituição fundada por presbiterianos. A pesquisa visa examinar a implantação do Curso Normal Regional, que tinha como propósito formar professores Regentes do Ensino Primário. Dessa maneira, optou-se pela pesquisa qualitativa, de cunho documental, ancorada na análise de fontes que delineiam esse recorte cronológico. Para tanto, possibilitou indicar algumas conclusões que servem de subsídios para o estudo da questão da Educação Protestante em Goiás, bem como do contexto brasileiro no período em apreço. Palavras-chave: Curso Normal Regional. Formação de professores. Jataí/GO.

Résumen Ese trabajo presenta contribuciones para el conjunto de estudios historiográficos sobre la educación protestante en Goiás, en la ciudad de Jataí, teniendo como foco el Instituto Samuel Graham, una institución fundada por presbiterianos. La investigación pretende examinar la implantación del Curso Normal Regional, que tenía como propósito formar profesores Regentes de la Enseñanza Primaria. Así, la investigación es de carácter cualitativo y documental, anclada en el análisis de fuentes que enmarcan ese corte cronológico. Ello posibilitó apuntar algunas conclusiones que sirven de sustrato para el estudio de la cuestión de la Educación Protestante en Goiás, bien como del contexto brasileño en el período en estudio. Palabras-clave: Curso Normal Regional. Formación de profesores. Jataí/GO.

Introdução

Ao desvelar a gênese da instituição protestante Instituto Samuel Graham, fundada em 1942 por presbiterianos norte-americanos na cidade de Jataí, no interior do Estado de Goiás, legitimamos seu percurso, no marco temporal delineado de 1942 à 1971, o que nos permitiu um entendimento mais aprofundado dos sujeitos que se relacionaram diretamente com esse estabelecimento educacional e os cursos oferecidos nesse período em apreço.

Esses aspectos serão objetos aprofundados de reflexão, a partir dos quais, sustentados em fatos, faremos alguns apontamentos com o intuito de identificar momentos importantes para a compreensão de sua instalação e de alguns cursos que foram instituídos, a saber o Curso Normal Regional, no ano de 1953. Para isso, além das fontes que analisaremos, vamos nos debruçar nas memórias dos sujeitos que fizeram parte desse processo, por meio de seus depoimentos e de seus

4 Este trabalho resulta do estudo realizado durante a pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação (2014- 2016), na linha Educação, Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – Unidade Paranaíba. 5 Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – Unidade de Paranaíba. Contato: [email protected] 6 Doutor em Educação Escolar. Docente dos cursos de Pedagogia e Mestrado em Educação. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação Brasileira (GEPHEB) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Diversidade e Religiosidades (GEPEDIR). Contato: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 8 de 188 arquivos pessoais, com o objetivo de refletir sobre as práticas e sobre o cotidiano vivido nessa instituição.

Dentre outros aspectos, foram utilizadas, também, para elucidar essa, as seguintes fontes escritas: Regimento Interno, Boletins Informativos, Entrevistas orais de ex-alunos e ex-professores, Legislação Educacional municipal e estadual, no período que delineia o recorte cronológico, deste trabalho.

Nessa perspectiva, consideramos as diversas formas de abordagem que nos permite examinar o interior da instituição educativa. Assim, analisaremos como ela se configurou no cenário educacional jataiense e as relações estabelecidas pelo corpo docente e discente, por meio do Curso Normal Regional, instalado nessa instituição em 1953.

O sonho que se tornou realidade

Samuel Graham, agrônomo e missionário norte-americano, delegado pela Missão Central do Brasil no ano de 1948, a ir para a cidade de Jataí, localizada na região do Sudoeste do Estado de Goiás, a fim de fazer diligências na Escola Evangélica de Jataí7 como diretor dessa instituição. Sua primeira tarefa foi implantar o Curso Normal Regional nessa instituição.

Samuel Graham, vai em busca de apoio financeiro nos Estados Unidos, para realizar essa tarefa, mas um desastre aéreo o faz vítima. Mas, após a trágica morte8 de Samuel Graham em agosto 1952, dona Ruth Graham, sua esposa e também missionária da Missão, recebeu, por meio do Decreto nº 175, de 1º de outubro de 19529, a autorização de funcionamento do Curso Normal Regional Evangélico10, em outras fontes referido como Curso de Regente do Ensino Primário11, sob inspeção estadual a partir de 1955.

O Curso Normal Regional do ISG apresentava a especificidade complementar, oferecendo uma formação para Regentes Primários, em nível de 1º grau, com uma organização didática sistematizada em quatro séries, atendendo aos princípios normativos do Regulamento de Ensino Primário do Estado de Goiás do ano de 1949.

Vale ressaltar que, para pleitear uma vaga no Curso Normal Regional, era necessário prestar os exames de Admissão, que foram instituídos, conforme legislação nacional, no ano de 1931 e perduraram até a promulgação da Lei nº. 5692/197112, de 11 de agosto de 1971. De certa forma, os exames de admissão tornaram-se o elo entre o ensino primário e o secundário, constituído de provas orais e escritas de Português e Aritmética, Geografia, História do Brasil e Ciências Naturais13.

No caso do ISG, o acesso ao Curso Normal Regional se dava por meio do curso de admissão, sem exigência do curso ginasial, haja vista que o Curso Normal Regional era em nível de

7 Sob a diligência do pastor reverendo Robert Emerick Lodwick, o pequeno educandário foi registrado na Diretoria Geral de Educação do Estado de Goiás, com o nome de Escola Evangélica de Jataí. Apresentou o Registro de Escola Evangélica de Jataí na Diretoria Geral da Educação do Estado de Goiás, no ano de 1942. Foi registrada sob a responsabilidade da senhora Loide Emrick e foi destinada a ministrar o Ensino Primário na cidade de Jataí/GO. 8 Um desastre aéreo, em 1952, retira-o do cenário de busca com vistas à ampliação da Escola Evangélica de Jataí. A morte trágica chocou a população presbiteriana da cidade. Em homenagem póstuma, foi dado à escola o nome Instituto Samuel Graham, em junho de 1954. 9 Publicado no Diário Oficial do Estado, de 19/10/1952, Ano 116, nº 6746, p. 1. 10 Essa nomenclatura não aparece nos documentos do Instituto, apenas encontramos nas fontes o nome CURSO NORMAL REGIONAL. 11 Equivalente à docência do magistério de 1º Grau, autorizando a regência em salas de 1ª a 4ª séries. 12 Com a Lei º 5692/71, foi instaurado o ensino obrigatório de 1º grau, com duração de oito anos, integrando os cursos primário e ginásio em um único ciclo de estudos. 13 As regras e programas eram definidos pelo Departamento Nacional de Ensino. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 9 de 188 1º grau. O curso teve seu início a partir dos primeiros Exames de Admissão, ocorridos em fevereiro de 1953, como consta na Ata correspondente. No ano de 1964, quando foi implantado o curso Normal Colegial em nível de 2º grau, os exames admissionais passaram a ser exigidos também como elo entre o ginásio e o curso de 2º grau.

O Exame de Admissão foi regulamentado pela Reforma Francisco Campos, por meio do Decreto nº. 19 890, de 18 de abril de 1931. Em seu capítulo III, constam o local e o período em que as inscrições e as provas seriam realizadas. Versava também sobre o tipo de documentação e a idade mínima dos candidatos, a tipologia das provas, além dos componentes da banca examinadora.

A primeira turma de normalistas ingressantes do ISG, era formada por onze alunos que, ao término das quatro séries, estariam aptos a exercer o cargo de Regente Primário na cidade de Jataí e também por toda a região.

Por meio das fontes sobre o Curso Normal Regional do ISG, como Atas dos Exames de Admissão, Parciais, Finais, de 2ª época, Livro de Matrículas, dentre outras, podemos analisar o perfil desse curso e dos discentes em cada ano. O curso teve seu início, como foi apresentado anteriormente, em 1953 e permaneceu em exercício até 1963, quando passa a se denominar Curso Normal Colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 4024/61, de 20 de dezembro de 1961, Artigo 53. O Ensino Normal, equivalente à formação de docentes para o ensino primário será feito: “[...] b) em escola normal de grau colegial, de três séries anuais, no mínimo, em prosseguimento ao grau ginasial”. (BRASIL, 1961, p. 2).

É mister destacar que o Curso Normal Regional ofertado no ISG seguia as normatizações do Decreto-Lei nº. 8530, de 2 de janeiro de 1946, o qual fixa as diretrizes para a Lei Orgânica do Ensino Normal, baseado no Art. 4º que trata sobre os três tipos de ensino. Em seu parágrafo 1º consta que o “Curso normal regional será o estabelecimento destinado a ministrar tão somente o primeiro ciclo de ensino normal14”. (BRASIL, 1946, p. 1).

Nesse construto, justifica-se a aplicação dos Exames de Admissão ocorridos anualmente para selecionar os candidatos. Cabe ressaltar que, ao longo dos anos de implantação do curso no Instituto, as disciplinas ofertadas foram sofrendo algumas modificações, adequando-se ao ensino de acordo com as exigências legais, sociais e mediante os objetivos de formação religiosa. Compreende-se, dessa forma, que a organização das disciplinas escolares estava baseada no Artigo 7º da Lei Orgânica do Ensino Normal, de 1946:

Art. 7º O curso de regentes de ensino primário se fará em quatro séries anuais, compreendendo, no mínimo, as seguintes disciplinas: Primeira série: 1) Português. 2) Matemática. 3) Geografia geral. 4) Ciências naturais. 5) Desenho e caligrafia. 6) Canto orfeônico. 7) Trabalhos manuais e economia doméstica. 8} Educação física. Segunda série: 1) Português. 2) Matemática. 3) Geografia do Brasil. 4) Ciências naturais. 5) Desenho e caligrafia. 6) Canto orfeônico. 7) Trabalhos manuais e atividades econômicas da região. 8) Educação física. Terceira série: 1) Português. 2) Matemática. 3) História geral. 4) Noções de anatomia e fisiologia humanas. 5) Desenho. 6) Canto orfeônico. 7) Trabalhos manuais e atividades econômicas da região. 8) Educação física, recreação e jogos. Quarta série: 1) Português. 2) História do Brasil. 3) Noções de Higiene. 4) Psicologia e pedagogia. 5. Didática e prática de ensino. 6) Desenho. 7) Canto orfeônico. 8) Educação física, recreação e jogos. § 1º O ensino de trabalhos manuais e das atividades econômicas da região obedecerá a programas específicos, que conduzam os alunos ao

14 O Curso Normal Regional não correspondia ao Ginásio. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 10 de 188 conhecimento das técnicas regionais de produção e ao da organização do trabalho na região. § 2º O curso normal regional, que funciona em zonas de colonização, dará ainda, nas duas últimas séries, noções do idioma de origem dos colonos e explicações sobre o seu modo de vida, costumes e tradições. (BRASIL, 1946, p. 1).

Para Chervel (1990), ao serem constituídas as disciplinas escolares em um sistema escolar, a cultura escolar da instituição é evidenciada por meio dos saberes que são inculcados nos conteúdos curriculares de cada disciplina. Outro historiador das disciplinas escolares, Viñao Frago (2008), sustenta que as apropriações feitas por meio das disciplinas escolares precisam ser investigadas pelos principais agentes que lhe dão vida – os professores.

Essas perspectivas nos levam a analisar o quadro das disciplinas escolares do Curso Normal Regional do ISG a fim de caracterizar seus componentes curriculares.

1 série 2ª série 3ª série 4ª série Português Português Português Português Matemática Matemática História Geral História do Brasil e História do Brasil História da América Anatomia e Fisiologia Geral Ciências Ciências Humana Higiene e Puericultura Desenho Desenho Desenho Desenho Caligrafia Caligrafia Canto Orfeônico Pedagogia Canto Orfeônico Canto Orfeônico Educação Física Psicologia Educação Física Educação Física Trabalhos Manuais Didática e Prática de Trabalhos Manuais Trabalhos Manuais Geografia Regional e Ensino Economia Doméstica Economia Doméstica de Goiás Canto Orfeônico Geografia Geral Geografia Geral e do História Sagrada Educação Física Brasil Inglês Geografia Regional História Sagrada15 Francês História Sagrada Inglês Inglês Francês Quadro 2: Disciplinas do Curso Normal Regional do Instituto Samuel Graham, 1958- 195916 Fonte: Elaborado pela autora. Ata dos Resultados Finais do Curso Normal Regional.

Diante do currículo oficial previsto para o Normal Regional, estabelecido pela Lei n° 8530 de 2 de janeiro de 1946, em seu artigo 7º, que compreende um currículo mínimo para o curso de regentes de ensino primário, o ISG oferecia algumas disciplinas que não se apresentavam como mínimas, mas foram acrescentadas e fizeram parte da cultura escolar dessa instituição. É o caso da disciplina Inglês, que era ofertada a partir da segunda série, e Francês, na terceira e quarta séries. A disciplina de Puericultura e Higiene foi acrescida na quarta série.

A disciplina História foi incluída na primeira e segunda séries, denominadas História do Brasil e História da América. Outras dessemelhanças foram encontradas nas duas últimas séries, com a integração da disciplina Francês.

Mesmo que os currículos apresentem especificidades para uma formação geral em sobreposição a uma formação profissional, o Curso Normal Regional tem um caráter eminentemente profissional e, em muitos locais, foi o único curso que habilitava pessoal docente para atuar no ensino primário. (ROMANELLI, 2013).

15 A disciplina de História Sagrada correspondia à Bíblia. 16 O ano de 1959 não registra alunos matriculados na 1ª série do Curso Normal Regional. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 11 de 188 Dos componentes curriculares apresentados no Quadro 7, aquele que explicitamente poderia atribuir conteúdo confessional ou evangélico era a História Sagrada, que correspondia ao estudo da Bíblia. A disciplina Economia Doméstica e Trabalhos Manuais era ministrada em horários diferenciados e separados por grupos – meninas e meninos.

A preparação das aulas de Trabalhos Manuais acontecia em um prédio construído atendendo às exigências do Programa de Ensino, para que os alunos pudessem realizar tarefas como: construção de móveis para uso do Instituto, preparação da lavoura para plantio e colheita de culturas para uso na alimentação dos próprios alunos e funcionários, e a criação de pequenos animais. Essas atividades eram desenvolvidas pelos meninos. As meninas ficavam acomodadas nas próprias salas de aula, onde recebiam, sob orientação da professora da disciplina Economia Doméstica, um preparo específico de costura, bordado e culinária.

Os internos viviam, na maior parte do tempo, submetidos a uma dura rotina de trabalho e estudo. O trabalho era especificamente braçal, com atividades no campo, mas desvinculadas de uma profissionalização. As tarefas eram realizadas em benefício do próprio ISG, como o cultivo de hortas, pequenas plantações e serviços de jardinagens, além do desempenho das faxinas diárias nos espaços do internato. Essas atividades funcionavam com uma técnica disciplinadora, dificultando as práticas de desvios às regras da instituição.

Com base nisso, estabelecia-se o ritmo da escola. Essas novas instituições representam uma relação permeada de controle, distribuição do tempo e usos diferenciados dos espaços escolares, onde se executam as atividades com regularidade assustadora e em etapas bem delimitadas. (NASCIMENTO, J., 2004).

Nas palavras da depoente Anna Clara de Moraes, as atividades desenvolvidas na disciplina Economia Doméstica ensinavam às alunas internas e às demais:

A práticas de decoração de bandejas de copo e de café, das mesas, dos pratos, de arranjos florais. [...]. Realizávamos essas atividades nas salas e no refeitório do internato. As práticas de etiqueta aprendíamos na sala de aula. As tarefas culinárias nós fazíamos na cozinha da professora Wandir, aprendíamos a fazer bolos, tortas, doces em conserva e outras receitas mais. [...]. (MORAES, 2015).

A disciplina Economia Doméstica tinha como meta preparar às meninas para os trabalhos domésticos e direcioná-las para a liderança do lar e da família, disponibilizando a elas a instrução prática necessária para organizar, higienizar e gerenciar o lar. Para Nascimento (2004, p. 306), essa disciplina tinha o pressuposto de que “o lar é o reino da mulher e ela deveria ser formada para exercer tal papel”.

Essa disciplina fazia com que as internas desempenhassem tarefas, como as noções de etiqueta social, profissional e doméstica. Desenvolviam habilidades artísticas de decoração, organizando ambientes quanto ao método, limpeza e estética. (NASCIMENTO, J., 2004).

A disciplina Economia Doméstica foi instituída no currículo do ISG com base na Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 09 de abril de 1942, e compunha a grade curricular dos dois primeiros anos do curso. Segundo o artigo 25 dessa lei,

Art. 25. Serão observadas, no ensino secundário feminino, as seguintes prescrições especiais: 1. É recomendável que a educação secundária das mulheres se faça em estabelecimentos de ensino de exclusiva frequência feminina. 2. Nos estabelecimentos de ensino secundário frequentados por homens e mulheres, será a educação destas ministrada em classes exclusivamente femininas. Este preceito só deixará de vigorar por motivo relevante, e dada especial autorização do Ministério de Educação. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 12 de 188 3. Incluir-se-á, na terceira e na quarta série do curso ginasial e em todas as séries dos cursos clássico e científico, a disciplina de economia doméstica. 4. A orientação metodológica dos programas terá em mira a natureza da personalidade feminina e bem assim a missão da mulher dentro do lar. (BRASIL, 1942, Título III, Art. 25, p. 2).

Maria Luiza da Silva Gomes, ex-aluna e ex-docente, ministrou a disciplina Educação Física nos períodos de 1963 a 1965 (antes de se formar) e de 1970 a 1994, quando já havia se formado pela Escola Superior de Educação Física de Goiás - ESEFEGO, em Goiânia. Relata em seu depoimento a dificuldade de ministrar aulas enquanto leiga “eu ministrava aquilo que eu aprendi no decorrer do ginasial, porque eu estava começando o magistério né”. Aponta, também, a falta de professores habilitados para trabalhar a disciplina “tinha professores que eram regentes de classe, por exemplo, professor de Geografia, de História e, e que davam Educação Física. Por exemplo, eu tinha uma professora que veio da Bahia, a Dona Zélia, ela dava Geografia e dava aula de Educação Física”. (GOMES, 2015).

Com relação à sua formação pedagógica e continuada, menciona que o fazia por meio de programas de rádio “tinha um programa na Rádio Globo, de madrugada, que era só de exercícios, tinha para idosos, tinha para jovens. Aí eu levantava de madrugada e ouvia a aula no rádio”. (GOMES, 2015).

A estratégia da Missão Presbiteriana, por meio da fundação do Instituto Samuel Graham consistia em difundir o protestantismo e fundar escolas nos municípios com maior índice populacional. No caso de Jataí, a estratégia de se implantar uma escola – e de se estabelecer uma igreja da fé protestante - deu certo, já que teve uma consequência significativa no sistema educativo, religioso e cultural daquela cidade.

Além de conferir instrução e evangelização, a obra missionária inculcava uma educação civilizatória de acordo com preceitos religiosos cristãos, educando meninas e meninos com base na moral, bons costumes, civismo e, principalmente, religião. Dessa maneira:

Considerações Finais

A pesquisa sobre a implantação do Curso Normal Regional no período de 1953-1964, possibilitou indicar algumas conclusões que servem de subsídios para o estudo da questão da Educação Protestante em Jataí/GO, bem como do contexto goiano e brasileiro no período em apreço.

À luz dos fatos apresentados até aqui sobre a implantação desse Curso, podemos constatar que foi o primeiro a ser instalado na cidade de Jataí, com o objetivo de formar professores para atuarem no Ensino Primário. E que de fato, apresentava a especificidade complementar, oferecendo uma formação para Regentes Primários, em nível de 1º grau, com uma organização didática sistematizada em quatro séries, atendendo aos princípios normativos desse Regulamento de Ensino do Estado de Goiás.

Na esteira de reflexões perfilhadas por Romanelli (2013) o currículo do Curso Normal Regional do ISG, apresentava uma formação geral em sobreposição a uma formação profissional, mas teve um caráter eminentemente profissional, sendo que habilitava pessoal docente para atuar no ensino primário, na região de Jataí e em outros municípios vizinhos.

Referências BRASIL. Lei Orgânica do Ensino Normal. Decreto-lei nº 8530 de 2 de janeiro de 1946. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 13 de 188 ______. Lei Orgânica do Ensino Secundário. Decreto-lei nº 4244 de 9 de abril de 1942. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2015. ______. Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015. ______. Lei nº 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990. GOIÁS. Decreto n° 175, de 1 de outubro de 1952. Outorga o mandato ao Curso Normal Regional Evangélico. Diário Oficial do Estado de Goiaz, 1952. GOMES, Maria Luiza da Silva. Entrevista concedida à mestranda Kamila Gusatti Dias. Jataí, 31 de julho de 2015. MORAES, Anna Clara de. Entrevista concedida à mestranda Kamila Gusatti Dias. Jataí, 24 de março de 2015. NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Memórias do Aprendizado: 80 anos de ensino agrícola em Sergipe. Maceió: Edições Catavento, 2004. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 39. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. VIÑAO FRAGO, Antonio. A história das disciplinas escolares. Revista Brasileira de História da Educação, v. 8, n. 3, p. 174-208, 2008. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 14 de 188

POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO AO USO DO SOFTWARE LIVRE NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO DIGITAL E DA EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE

Liliane Silveira Bonorino17 Ilse Abegg18

Resumo: Neste artigo, apresentam-se considerações acerca de políticas públicas de incentivo ao uso do software livre como prática da liberdade e de inclusão social, objetivando promovê-lo como instrumento potencializador de democracia e de inovação. Dessa forma, considera-se que, através da utilização do software livre, pode-se proporcionar o acesso ao conhecimento, na perspectiva da formação de comunidades e no desenvolvimento da liberdade rumo à inclusão digital dos cidadãos. Portanto, almeja-se promover, por meio da essência do software livre, uma educação voltada para a prática da liberdade e para o aprimoramento do cidadão nos aspectos humano, social, político, econômico e educacional. Palavras-chave: Software livre. Inclusão Digital. Educação para a liberdade.

Abstract: In this article, it presents considerations about public politicies to stimulate the use of free software as a practice of liberty and social inclusion, aiming to promote it as an instrument with the potential of democratization and innovation. Thus, it is considered that, through the use of free software, one can provide access to knowledge, in the perspective of community formation and in the development of freedom towards the digital inclusion of citizens. Therefore, it is hoped to promote, through the essence of free software, an education focused on the practice of freedom and for the improvement of the citizen in human, social, political, economic and educational aspects. Keywords: Free software. Digital inclusion. Practice of liberty.

Introdução

Levando em consideração que nossa sociedade pode beneficiar-se com a opção pelo software livre na perspectiva da prática da liberdade e da inclusão digital, este trabalho traz considerações acerca do incentivo de políticas públicas nesse escopo, visando promovê-lo como instrumento potencializador de democracia e de inovação. Nesse viés, Pinheiro (2003) ressalta o fato de que o software livre é um programa usado de forma livre por milhões de pessoas, e que, de maneira democrática, dá a liberdade para a alteração, a distribuição e a sua utilização, possuindo um custo baixo e alta qualidade tecnológica. Então, por que não promover o incentivo de políticas públicas de incentivo à sua implementação? Por que não democratizar o seu acesso? Por que não aproveitar as suas potencialidades para promover a inclusão digital e a educação para a liberdade?

Dessa maneira, considera-se que, ao fazer uso do software livre, tem-se a possibilidade de trabalhar com um software de alta qualidade tecnológica, de forma livre e democrática, em um espaço de autonomia. Segundo Castells (2013, p. 161), “o espaço da autonomia é a nova forma espacial dos movimentos sociais em rede”, sendo considerado um espaço livre das redes de comunicação, envolvendo

17 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Técnica em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do Pampa. 18 Professora Adjunta do Departamento de Metodologia do Ensino da Universidade Federal de Santa Maria, atuando nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Tecnologias Educacionais em Rede. Pesquisadora FAPERGS e Universidade Aberta do Brasil (UAB/UFSM). Possui doutorado em Informática na Educação pela UFRGS.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 15 de 188 movimentos locais e globais. Sendo assim, por que não oportunizar um espaço educacional que oportunize a autonomia e a liberdade dos estudantes?

Hoje, na era das redes digitais, tem-se uma cultura contemporânea “desmaterializada, isto é, digitalizada e reelaborada na esfera da informação”. (SANTOS, 2003, p. 140). Assim, vislumbra-se que, por meio da transformação da inclusão digital em política pública, seja possível ampliar o acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e de democratizá-las. Para tanto, concebe-se o software livre na perspectiva da educação para a liberdade, a fim de promover o aprimoramento do cidadão em face dessa sociedade em rede.

Por fim, como parte da pesquisa, que foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede, da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, almeja-se demonstrar o potencial de políticas públicas de incentivo ao uso do software livre como prática da liberdade e de inclusão digital, sendo produtor de desenvolvimento humano, social, político, econômico e educacional.

Transformando a inclusão digital em política pública

Ao transformar a inclusão digital em política pública, vê-se uma alternativa viável-possível destinada a ampliar o acesso à comunicação em rede, possibilitando a todos os cidadãos a exercer o seu direito à comunicação mediada por computador. Para tanto, segundo Miranda (2003, p. 264), “é preciso encontrar recursos, reunir os diversos setores da sociedade brasileira e formular uma política para o setor de tecnologia de informação, destacando os softwares livres”, a fim de promover “a qualificação profissional, pessoal, cultural e política”. Deste modo, além da implementação de políticas públicas, tem-se a questão da promoção da qualificação, ou seja, não basta apenas instituí-las, mas também é preciso oportunizar um espaço formativo para que os cidadãos aprimoram-se no que tange à utilização das TIC e do software livre em suas práticas pessoais e/ou profissionais.

Para contribuir com esse processo, Silveira (2003) cita a realização de projetos de inclusão digital por ONGs e associações, como também a contribuição das universidades através da disseminação e das reflexões críticas para os segmentos menos escolarizados e mais carentes. Ou seja, o incentivo ao software livre, via políticas públicas possibilita, além da inclusão digital dos menos escolarizados e mais carentes, um processo de aproximação entre estes e as instituições públicas, principalmente as educacionais, favorecendo espaços para formação crítica dos sujeitos. Neste contexto, Michelazzo (2003, p. 268-269) diz que:

Além de politicamente correto, já que permite seu uso e distribuição sem a necessidade de licença ou autorização, o software livre congrega três interessantes características. Primeiramente, a condição de instigar o conhecimento do indivíduo com base na necessidade de “pensar” e não somente “apertar”. Em segundo lugar, a redução de custo até níveis baixíssimos, facilitando assim a adição de software em comunidades que nunca poderiam pensar em ter uma ferramenta de qualidade. Finalmente, a mais interessante das características, o senso de comunidade propiciado pelo software livre.

Do exposto, têm-se três características interessantes do software livre, que são: 1) instiga os indivíduos a “pensar”; 2) reduz os custos com licenciamento; e 3) oportuniza o senso de comunidade, a qual, por sua vez, pode conduzir o cidadão a sentir-se parte desse grupo, encorajando-o a engajar-se, a sentir-se livre para interagir, a sentir-se incluído digitalmente e socialmente na esfera digital. “A ideologia do Software Livre luta contra a exclusão digital, e de certa forma, a exclusão ao acesso à informação e, consequentemente, à educação” (MELLO, 2003, p. 326). Por isso, através de políticas públicas voltadas para a disseminação do uso do software livre poderia favorecer o processo de inclusão digital dos cidadãos nesta era digitalizada, assim como o acesso à escolarização por meio da Educação online, por exemplo.

Para ter-se eficácia nas iniciativas de políticas públicas para a inclusão digital,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 16 de 188 é necessário o envolvimento democrático de várias esferas governamentais. O governo federal deve produzir uma política de inclusão digital em conjunto com estados e municípios. O município é a unidade fundamental do poder público para a inclusão digital, Deve ser envolvido e ouvido, pois a manutenção e o sucesso dos programas de inclusão dependem do convencimento do poder local. (SILVEIRA, 2003, p. 31).

Assim sendo, para terem-se políticas públicas sólidas, faz-se necessário o engajamento de todas as esferas governamentais, mas torna-se vital o apoio local do município, a fim de tornar a ação de inclusão digital mais efetiva.

Ainda, levanta-se a possibilidade de as empresas realizarem parcerias com o poder público, e de as agências de publicidade ser convocadas a realizar propostas inovadoras, com intuito de despertar o interesse dessas empresas a investirem “recursos para políticas públicas de universalização do acesso à Internet, executadas pelo Estado ou pelas ONGs” (SILVEIRA, 2003, p. 32). Nesse sentido, ao oportunizar o acesso à Internet, pode-se viabilizar uma política pública de inclusão digital para o desenvolvimento da cidadania e de dignidade social.

De acordo com Castells (2003, p. 161), “A Internet fornece, em princípio, um canal de comunicação horizontal, não controlado e relativamente barato, tanto de um-para-um quanto de um-para-muitos”. Sendo assim, tem-se, através da Internet, um canal de comunicação para todos os cidadãos, independente de sua condição social e econômica, sendo um espaço possível de se favorecer a inclusão digital. Pois, nesta era da informação, o que acontece hoje é “a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa” (CASTELLS, 1999, p. 414). E por que não ofertá-la por meio de políticas públicas de inclusão digital para ampliar o acesso aos bens comuns e, consequentemente, a cidadania?

Nas propostas de inclusão, Silveira (2003, p. 32-33) aponta três focos: o primeiro consiste na “inclusão digital voltada à ampliação da cidadania, buscando o direito de interagir e do direito de se comunicar através das redes informacionais”; o segundo tem como foco “o combate à exclusão digital”, direcionando-se para a profissionalização e para a capacitação; e “o terceiro está voltado mais à educação”, reivindicando a formação sociocultural através do “fomento de uma inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na sociedade informacional”. Desse modo, vê-se que, num processo de implementação de políticas públicas de inclusão digital, têm-se a perspectiva de ampliar a cidadania, de combater a exclusão, e de promover a educação digital, fomentado, assim, uma inteligência coletiva nesta sociedade informacional.

Quanto a iniciativas que podem ser feitas,

É preciso que prefeituras absorvam e reconheçam a necessidade de proporcionar o conhecimento a todos, que companhias telefônicas disponibilizem acesso à internet e outros provedores de informação, que produtores de hardware forneçam equipamentos subsidiados e que a comunidade de software livre participe ativamente de todo o processo, auxiliando na implementação e disponibilização de conteúdo e de conhecimento a todos. (MICHELAZZO, 2003, p. 270-271).

Dessa maneira, para que políticas públicas de incentivo ao uso do software livre sejam efetivamente implementadas, espera-se que sejam desenvolvidas ações em todos os setores e em todas as esferas (municipal, estadual e federal). Conforme complementa Michelazzo (2003, p. 271), “Além dessas iniciativas, espalham-se por todo o país projetos educacionais de utilização de software livre como ferramenta principal para oferecer conhecimento a centenas de pessoas”. E é assim que as políticas públicas de inclusão digital podem ser implementadas no escopo do software livre.

Ao pensar na questão da implantação de políticas públicas voltadas para a inclusão digital, espera-se universalizar o “acesso ao computador conectado à internet” e proporcionar noções básicas quanto ao seu uso com autonomia, ou seja, “a política de inclusão digital pode ser analisada como uma política pública de acesso a alguns elementos ou instrumentos fundamentais da era Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 17 de 188 informacional” (SILVEIRA, 2003, p. 33). Sendo assim, cabe oportunizar espaços de acesso e de autonomia para o uso do computador.

Portanto, através da utilização do software livre, pode-se proporcionar o acesso ao conhecimento, na perspectiva da formação de comunidades e no desenvolvimento da liberdade rumo à inclusão digital dos cidadãos. O que, por sua vez, é capaz de gerar uma educação para a liberdade, a qual será abordada na próxima seção.

Software livre na perspectiva da educação para a liberdade

Esta nova era da informação, segundo Castells (1999, p. 574) está “marcada pela autonomia da cultura”, a qual pode ser desenvolvida, seguindo a essência do software livre, através da prática da liberdade – da liberdade do ser, do pensar, do agir livremente.

Nesse viés, de acordo com Sen (2000, p. 17), “o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”. Sendo assim, o desenvolvimento promove a liberdade do cidadão. Na perspectiva de liberdade, o software livre é definido como “um movimento baseado no princípio do compartilhamento do conhecimento e na solidariedade praticada pela inteligência coletiva conectada na rede mundial de computadores” (SILVEIRA, 2003, p. 36). Posto isto, através da implementação de políticas públicas de incentivo ao uso do software livre, pode-se fazer um movimento na educação voltado para a prática da liberdade.

Raymond (1998) comparou dois modos de desenvolvimento de software: o “bazar” e o “catedral”. O “catedral” consiste no modo de produção no qual é realizado o desenvolvimento do software proprietário. Já o “bazar” seria o modo de produção como o software livre é desenvolvido, de forma livre e colaborativa. Na educação, pode-se fazer uma analogia com os modos de produção “catedral” e “bazar” com as formas, respectivamente, de ensino tradicional e bancário versus dialógico de forma colaborativa. Na forma tradicional de ensino, não se abre o espaço para que o estudante participe do processo ensino e aprendizagem de forma colaborativa. Diferente do modo “bazar”, a forma colaborativa seria um modo “mais livre” de desenvolver o processo de ensino-aprendizagem, interligando os conhecimentos e promovendo conexões dos conteúdos abordados com a realidade dos estudantes, possibilitando a abertura de diálogo em um tempo de reflexão.

Sen (2000) argumenta que a liberdade individual está relacionada com o desenvolvimento social, visto que o exercício das liberdades das pessoas remete à sua participação através de escolhas sociais e na tomada de decisões públicas, ou seja, são ações que lhes possibilitam pôr em prática o exercício da liberdade. E é nessa perspectiva que a educação pode ser direcionada: para a prática da liberdade, sendo motivadora para a autonomia e a emancipação social dos estudantes. Dessa forma, com base nas considerações de Freire (1967; 1996), entende-se que, ao promover ações educativas no escopo da prática da liberdade, desenvolve-se uma pedagogia da autonomia, a qual instiga a emancipação social dos estudantes.

Segundo Bauman (2010, p. 33), “a cultura é feita na medida da liberdade de escolha individual (voluntária ou imposta pela obrigação). É destinada a servir às exigências desta liberdade”. Assim sendo, vê-se que, a cultura molda-se de acordo com a liberdade de escolha, ajustando-se às necessidades e aos desejos impostos pela sociedade. Ou seja, cultura, segundo Freire (1996, p. 117), como uma incorporação, por isso crítica e criadora, e não como uma justaposição de informes ou prescrições “doadas”. Então, por que não promover uma cultura da prática da liberdade vinculada à inclusão digital via software livre?

No movimento software livre, trabalha-se com a produção de um sistema operacional livre embasado no desenvolvimento compartilhado. Isso posto, por que não desenvolver, na educação, o processo de ensino-aprendizagem voltado para a prática da liberdade, permitindo que os estudantes compartilhem seus conhecimentos, participando da produção de forma crítica e criadora? Por que Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 18 de 188 não promover o acesso e o uso do software livre na educação como forma de produção da cultura e da liberdade? Visto sua essência, o software livre poderia ser inserido nos currículos escolares.

Ainda acerca do modo de produção do software livre, além de ser um trabalho compartilhado e colaborativo desenvolvido com amor, sendo uma vontade relacionada ao que as pessoas gostam de fazer, ou seja, para esclarecer como no Software Livre as coisas são feitas com amor, segue a seguinte explicação:

Muito simples, as pessoas da comunidade têm a liberdade de escolher com que trabalhar, e somente trabalham com aquilo que acreditam. Com o tempo, vão observando o projeto crescer e se tornar algo muito útil e benéfico, e literalmente apaixonam-se pelo seu trabalho. Mais um tabu da sociedade é rompido. Quem disse que “não há como trabalhar com o que se gosta”? (MELLO, 2003, p. 326).

Com isso, no escopo do software livre, pode-se espalhar o senso de se trabalhar com o que se gosta e no que se acredita, instigando os cidadãos a serem mais realizados não só no seu trabalho, como também em sua vida social. Isso é válido também para a escolarização, ou seja, estudar também pode ser algo em que os estudantes acreditam e gostam, apaixonando-se pelo processo de aprender.

Além disso, o trabalho em comunidade possibilita a realização da política da boa vizinhança que, segundo Mello (2003, p. 327), garante a “ajuda das outras pessoas da comunidade, portanto ser gentil com os outros, ser receptivo e elogiar são ações comuns nos projetos de Software Livre”. Deste modo, ao trabalhar na perspectiva do software livre, pode-se despertar este espírito na educação dos cidadãos, a fim de torná-los mais gentis e amigáveis, desenvolvendo e ampliando, assim, a promoção da liberdade humana.

Com base nas considerações de Sen (2000), depreende-se que o desenvolvimento deve ser voltado para a ampliação e promoção da liberdade humana e que, para desenvolvê-la, envolve processos e oportunidades, os quais poderiam ser desenvolvidos também na educação. Desse modo, como alternativa viável de espaço para promover a liberdade e a democratização do acesso à informação, tem-se a rede mundial de computadores, a Internet.

Segundo Silveira (2003, p. 37), “Com a difusão da Internet, o movimento de software livre ganhou o mundo e logrou produzir um sistema operacional livre, completo e multifuncional, o GNU/Linux”. Para o desenvolvimento desse software, foi utilizada a rede mundial de computadores, a qual possibilitou o espaço colaborativo de que precisavam para unir esforços de desenvolvedores localizados em várias partes do mundo, gerando, assim, uma interação multicultural.

Por fim, vale destacar que, segundo Miranda (2003, p. 263), “a filosofia do software livre, sua forma de produção, resgata o que há de melhor na humanidade: conhecimento produzido e apropriado coletivamente”, ou seja, através do seu uso, pode-se desenvolver e praticar o exercício da liberdade para o aprimoramento do cidadão. E é isso que se almeja promover por meio da essência do software livre: uma educação voltada para a prática da liberdade e para o aprimoramento do cidadão nos aspectos humano, social, político, econômico e educacional.

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Conclusões

Após refletir sobre a possibilidade de transformar a inclusão digital em política pública e de conceber o software livre na perspectiva da educação para a liberdade, verificou-se o potencial que as políticas públicas de incentivo ao uso do software livre têm para promover a inclusão social por meio da educação como prática da liberdade.

Dessa maneira, viu-se que, ao serem implantadas políticas públicas voltadas à inclusão digital, à integração do software livre na educação e da capacitação para usá-lo, tem-se um conjunto de atividades voltadas para aderir não só a um software que possa acarretar em uma redução de custos ao governo, como também que aborde uma linha de desenvolvimento que motive os cidadãos a criarem, a compartilharem em rede, a serem parceiros, a serem livres para exercer o seu direito à cidadania, à comunicação em rede.

Enfim, com base na essência do software livre, da promoção da liberdade, da colaboração em rede e do seu potencial democrático, tem-se a possibilidade de desenvolver um espaço de autonomia e emancipação social através de redes colaborativas, de forma a transformar os processos educacionais em prática para a liberdade.

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Magali Facco Biguelini 19 Vania Mari Rossato 20

Resumo Este estudo objetivou investigar os motivos e preferências da escolha profissional, questionando quais as expectativas na escolha profissional na área de Educação Física da Universidade de Cruz Alta. Participaram 97 acadêmicos, (17 a 44 anos), da referida área. Os dados foram analisados a partir da inferência percentual. A maioria dos investigados justificou sua escolha pelo fato de gostar das atividades práticas que o curso proporciona; a sua expectativa para o exercício da profissão é ser um bom professor. Dessa forma conclui-se que os acadêmicos investigados compreendem qual são as atribuições de cada profissional nas distintas formações, licenciatura e bacharelado. Palavras-Chave: Educação Física. Escolha Profissional. Licenciatura. Bacharelado

Abstract This study aimed to investigate the reasons and preferences of the professional choice, questioning the expectations in the professional choice in the area of Physical Education of the University of Cruz Alta. 97 academics (17 to 44 years old) participated in this area. The data were analyzed from the percentage inference. Most of those investigated justified their choice because they liked the practical activities that the course provided; His expectation for practicing is to be a good teacher. In this way it is concluded that the investigated students understand what the attributions of each professional in the different formations, undergraduate and baccalaureate are. Keywords: Physical Education. Choose Professional. Graduation. bachelor degree Keywords: Physical Education. Professional Choice. Degree. Bachelor Degree.

Introdução

A escolha da profissão é um fator decisivo na vida das pessoas, isso pode ser um processo natural e tranquilo ou cheio de dúvidas e inquietações. Esse momento que ocorre não só como privilégio das profissões relacionadas ao curso de Educação Física, mas de todas as áreas, pois quem faz a escolha necessita conhecer detalhadamente como será sua formação e qual seu campo de atuação.

Os primeiros momentos de ingresso no curso escolhido são cheios de expectativas no sentido de verificar (construir), se a escolha efetivada atende ao que era esperado ou imaginado como profissão que começa a se concretizar. A graduação em Educação Física, tanto a licenciatura quanto o bacharelado envolve o ato de ensinar, seja nas aulas de educação física na escola ou um programa de exercícios na academia.

O ensino tem como definição um processo intencional e interpessoal que essencialmente utiliza a comunicação verbal e o discurso dialógico finalizado em uma dada situação, provocando, favorecendo e levando ao êxito a aprendizagem. O profissional do ensino tem que ser reflexivo, pois “ele revê mentalmente seu trabalho e a situação por ele organizada e vivenciada ou que está sendo preparada para otimizar o conjunto de seus atos” (PERRENOUD, 2001. p, 42).

19 Acadêmica do curso de Educação Física da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ, Rio Grande do Sul – Brasil [email protected] 20 Professora ME do curso de Educação Física da UNICRUZ, Rio Grande do Sul – Brasil [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 21 de 188 Para a formação docente em educação física, o currículo acadêmico de formação de professores de educação física é um dos eixos norteadores deve ter como meta a capacidade de reflexão, que em diferentes espaços institucionais possam discutir e anunciar possibilidades de intervenção pedagógica (KUNZ, 2004).

Além de possuir habilidades reflexivas os profissionais de Educação Física através do Conselho Nacional da Saúde são reconhecidos como profissionais da saúde por meio da Resolução CNS 218, 06 de marco de 1997. Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs nos mostram que conteúdos relativos à saúde e doença, desde o século passado, foram sendo incorporados no currículo escolar brasileiro, assim disciplinas como Educação Física, Ciências Naturais e Biologia “divulgaram conhecimentos relativos aos mecanismos pelos quais os indivíduos adoecem ou asseguram sua saúde.” (BRASIL, 1997, p.257). Portanto, o profissional da Educação Física também deve atuar como mediador de um estilo de vida saudável possibilitando a prevenção e manutenção da saúde.

Segundo O Ministério da Educação - MEC e o Conselho Nacional da Educação - CNE estabelecem formações distintas para o curso Educação Física, licenciatura e bacharelado, constituindo assim dois cursos onde o profissional licenciado atuará nas diferentes modalidades de educação básica especifica e especializada com o componente curricular Educação Física, e o bacharelado (impedido de atuar na educação básica) está qualificado para analisar a realidade social, tendo por finalidade aumentar a capacidade de adoção de um estilo de vida saudável e fisicamente ativo, podendo intervir através de atividades físicas ou desportivas (STEINHILBER, 2006).

Conforme mencionado o curso de Educação Física possibilita duas formações distintas, Licenciatura e Bacharelado, cada uma dessas formações possuem definições diferentes, porém ambas são profissões onde o profissional necessita atuar como mediador de seu conhecimento para benefício do seu aprendiz. Assim, tornar-se um profissional desta área requer uma escolha entre estas duas vertentes da Educação Física, escolha a qual deve ser estuda devido as diferentes formas e termos referentes a cada habilitação, ou ainda, pode-se escolher exercer as duas profissões tornando então a formação em Educação Física mais abrangente.

Estudos (SOARES, 2002; MELLO, 2002; BARDAGI, LASSANCE e PARADISO, 2003 e ALMEIDA e MAGALHÃES, 2011) mostram que a escolha profissional em geral é um grande desafio devido à importância nela imposto para si próprio e para a sociedade em que se está inserido. Também é notável que os detentores desta escolha sejam em sua maioria adolescentes e esta fase é caracterizada por mudanças maturacionais que podem influenciar e, por vezes, confundir a escolha.

Concretizar a escolha profissional está relacionado com aspectos sociais e pessoais que podem variar devido a diversas razões e influencias do meio. Considerando que as pessoas que fazem essa escolha são adolescentes, eles estão inseridos em um meio acadêmico onde uma escolha já foi definida, ou seja, escolher qual curso matricular-se, a escolha profissional no curso de Educação Física, em particular, se torna facilitada em virtude da personalidade existente em cada individuo como, por exemplo, um perfil de vida saudável e ativo favorável às atividades que o curso proporciona e de este curso possibilitar duas formações distintas, licenciatura e bacharelado ampliando desta forma o campo de trabalho.

Com base no que foi mencionado este projeto vai investigar os motivos pela escolha profissional de acadêmicos do curso de Educação Física Licenciatura e Bacharelado, mostrando os termos e definições de cada formação e as expectativas dos acadêmicos para o curso escolhido.

Considerando os enunciados acima se justifica a importância deste estudo que teve como objetivo analisar as expectativas dos acadêmicos da Universidade de Cruz Alta em relação à escolha do curso de Educação Física e o exercício da profissão.

Procedimentos metodológicos Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 22 de 188

Este estudo caracteriza-se como descritivo de opinião, conforme Gil (2002) as pesquisas descritivas tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis.

Fizeram parte deste estudo 97 acadêmicos, regularmente matriculados no segundo, quarto e sexto período do curso de Educação Física Licenciatura e segundo e oitavo períodos do Bacharelado em Educação Física da Universidade de Cruz Alta UNICRUZ no município de Cruz Alta – RS.

Quanto às características gerais, o grupo da amostra foi constituído de aproximadamente 51% acadêmicos de sexo feminino e de 49% acadêmicos do sexo masculino com idades entre 17 a 44 anos, foram adotados como critérios de inclusão estar regularmente matriculado no curso de Educação Física Licenciatura e Educação Física Bacharelado, que se dispor a responder o questionário perante a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, devidamente assinado pelo próprio acadêmico ou responsável legal.

Os cursos, em estudo, apresentam reconhecimento do Ministério da Educação e Cultura – MEC, com conceitos três para a licenciatura e quatro para o bacharelado.

Os acadêmicos foram convidados a participar deste estudo e 49 acadêmicos manifestaram aceitar à participação, foi atingido um total de 50,5% de investigados.

Como instrumento para coleta dos dados foi utilizado um questionário composto por questões abertas, elaborado para esta finalidade e validado por três profissionais da área, conforme prevê (LINDELMAN, 1978 e VIANA, 1976).

A coleta dos dados foi efetuada no período de aula dos acadêmicos, sendo solicitada a permissão dos professores para a aplicação do questionário.

O tratamento dos dados foi de forma quantitativa através da inferência percentual e qualitativa, através da organização a partir de categorias de análise descritas em matriz de análise.

A coleta dos dados está respaldada pelos cuidados éticos, por isso foi efetuada mediante solicitação de autorização à coordenação do Curso de Educação Física, bem como mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados e discussão

Todos os acadêmicos investigados estudam na Universidade de Cruz Alta e são ingressantes a partir da mudança de estrutura curricular que determinou a divisão do curso de formação em Educação Física de características generalistas para duas terminalidades, ou seja, em licenciatura e em bacharelado. A tabela a seguir apresenta o perfil dos acadêmicos.

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Tabela 1: Perfil dos acadêmicos investigados Caracterização dos acadêmicos Educação Física UNICRUZ Percentual (%) Masculino 49 Sexo Feminino 51 Sim 95 Trabalha Não 5 Solteiro 81 Estado Civil Casado 19 Sim 20 Filhos Não 80 Licenciatura 47 Habilitação Bacharelado 10 Ambas 43

Os acadêmicos que participaram da pesquisa possuem idade de 17 a 44 anos, e espontaneamente responderam o questionário sugerido, entre eles 51% são indivíduos do sexo feminino e 49% do sexo masculino, 81% são solteiros e 19% casados e ainda 80% não tem filhos e 20% tem filhos. Entre todos os acadêmicos 5% afirmam não trabalhar e 95% deles trabalham, dentre estes 43% já atuam como professores em escola e 6% atuam como instrutores em academia, ou seja, 49% dos acadêmicos já atuam no mercado de trabalho na área do curso escolhido, e 46% atua em outras funções fora do campo profissional de Educação Física. Quando questionados sobre qual habilitação de sua preferência os acadêmicos apontam como resposta de sua preferência, em sua maioria, pelo Curso de Educação Física Licenciatura apresentando 47% do total, seguido de 43% acadêmicos que tem preferência por ambas às habilitações e apenas 10% alegam sua preferência pelo curso de Educação Física Bacharelado.

Sendo que uma boa escolha é avaliada pela maneira como é tomada e pelas implicações cognitivas e afetivas que produz, a formação da identidade profissional complementa a identidade pessoal e colabora para a integração da personalidade. (BARDAGI; LASSANCE; PARADISO, 2003).

A respeito de suas escolhas profissionais, estudos realizados entre jovens, sempre têm preconizado concentrações em torno de profissões socialmente conceituadas, já que estas se integram a valores como contentamento, maior segurança, melhor rentabilidade, maior autonomia e maior realização pessoal (COUTINHO et al. 2005). Mesmo sabendo que esta opção profissional pode ser demudada o futuro de um indivíduo não dependa excepcionalmente desta opção, as questões vocacionais têm se tornado cada vez mais importantes para as pessoas (BARDAGI; LASSANCE; PARADISO, 2003).

Tabela 2: Motivos que levaram a escolha do curso Motivos que levaram a escolha do curso Percentual (%) Gostar de praticar esportes 51 Gostar de atividades físicas 36 Atuar na promoção de saúde 26 Atuar na docência 16,3 Vivências de atividades físicas e esportes na infância 10,2 Influencia familiar 8,1 Crescimento profissional na área 6 Gostar de trabalhar com crianças e idosos 4 Por segunda opção 2

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 24 de 188 A tabela 2 mostra os motivos que levaram os acadêmicos investigados a escolherem cursar Educação Física, apresentado dados em porcentagem foi possível observar que a maior influência mencionada tem relação com o prazer pelas atividades que o curso propõe aos alunos como, por exemplo, 51% dos acadêmicos mencionam o apreço pela prática de esportes e 36% por gostar da prática de atividades físicas sendo os motivos mais citado entre os investigados, seguido de (26%) que afirmam gostar de atuar na promoção da saúde, já 16,3% pretendem atuar como docente, 6% crescimento profissional na área e gostar de trabalhar com crianças e idosos 4%. A escolha deve buscar adquirir grande importância no plano individual, já que abrange a definição dos futuros experimentos profissionais, significando, sobretudo, a definição "de quem ser", muito mais do que a escolha "do que fazer". (BOHOSLAVSKY ,1987 apud COUTINHO et al. 2005).

Há diversos fatores de ordem social, familiar e pessoal que intervêm na escolha de uma profissão. Estes se tornam carro-chefe e decisivos mesmo que, em alguns casos, não correspondam à vontade do futuro professor. Entretanto, a professora da fase de entrada na carreira afirmou que o motivo de escolha pela profissão docente estava diretamente relacionado à identificação com a influência de sua professora de Educação Física do ensino fundamental nas séries iniciais. (FOLLE et al. 2009). Considerando a influencia devido à experiência vividas na infância 10,2% relatam alguma vivencia com atividade física que entusiasmou a escolha pelo curso de Educação Física, a influência familiar foi citada por 8,1% dos acadêmicos.

Outros motivos mencionados são crescimento profissional na área 6% os investigados já conhecem e trabalham nesta área e creem que este é um caminho de sucesso a ser seguido, citam também por segunda opção 2% pelo fato de na época ser apenas este curso ofertado pela instituição. A escolha deve considerar os anseios pessoais sem, contudo, desconsiderar a realidade do mercado de trabalho. GATI et al. (apud COUTINHO et al. 2005). Entretanto Frigotto, (2000 apud COUTINHO et al. 2005), analisa a escolha profissional como uma "válvula de escape" em casos difíceis (COUTINHO et al. 2005).

É possível observar na tabela 3 as expectativas dos acadêmicos na escolha da habilitação, Educação Física Licenciatura e Educação Física Bacharelado, no exercício da profissão, uma parte considerável de 42% dos acadêmicos desejam ser bons professores/docentes. O ser professor é constituído por um longo processo que comporta vários momentos integrantes e consecutivos, sugerindo que nem começa e nem termina na graduação, pois a docência, por sua própria complexidade, demanda um contínuo desenvolvimento pessoal e profissional (BAEZ, STOBAUS, 2012).

Tabela 3: Expectativas na escolha da habilitação para o exercício da profissão Expectativas na escolha da habilitação para o exercício Percentual (%) profissional Ser um bom professor 42 Dar aula em escola 16,3 Possibilidades de atuação na área 14,2 Contribuir para uma melhor qualidade de vida 12,2 Passar em um concurso público 12,2 Mudar a concepção de educação física 10,2 Dar aula em academia 8,1 Atuar no ensino superior 6 Atuar no esporte 6 Atuar na área de envelhecimento humano 4

Os acadêmicos também consideraram como expectativas quanto às instituições que anseiam trabalhar, sendo que esperam exercer sua profissão em (16,3%) escolas, (8,1%) academias. Contudo, (14,2%) dos investigados compreendem que há expectativas positivas quanto às possibilidades de atuação na área englobando os distintos campos de formação de Educação Física, conforme esclarece acadêmico de licenciatura: “Primeiramente trabalhar em escolas rede publica ou privada, continuar a formação buscando a pós-graduação para futuramente trabalhar no ensino superior”. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 25 de 188

Entre os investigados 12,2% têm expectativas de contribuir para a melhora da qualidade de vida da população, ou seja, pretendem contribuir para a prevenção e manutenção da saúde das pessoas, formando uma sociedade mais saudável.

Somente por meio de uma alicia de todos profissionais da área de Educação Física, alcançaremos uma reestruturação da sua imagem perante a sociedade e a comunidade escolar. Cabe a nós, professores, darmos bons exemplos provarmos a importância desta área. (BAEZ, STOBAUS, 2012), e dos acadêmicos investigados 10,2% pretendem fazer parte desta aliança declarando como expectativa para exercício profissional mudar a visão da sociedade mostrando o que a Educação Física realmente representa.

Outras expectativas acrescentadas às respostas dos acadêmicos investigados são 12,2% passar em um concurso público 6% atuar no ensino superior, 6% atuar no esporte e 4% atuar na área de envelhecimento humano.

Tabela 4: Conhecimento prévio sobre Educação Física Licenciatura Conhecimento prévio sobre Educação Física Licenciatura Percentual (%) Profissionais que atuam em escolas 63,2 Profissional que atua em ensino superior 8,1 Profissional que atua nas dimensões biopsicossociais 2 Desenvolvem as praticas corporais de movimento 2

Presentemente a sociedade reivindica considerável papel a universidades na formação dos docentes. Então, as universidades procuram cada vez mais definir um perfil desejado para o profissional, esperando assim atender às necessidades do mercado de trabalho (AZEVEDO, PEREIRA, SÁ, 2011).

Os investigados foram questionados sobre o quanto ou o que conheciam sobre o campo de atuação da habilitação licenciatura do curso de Educação Física, 63,2% dos acadêmicos entendem que este profissional tem como ambiente de atuação as escolas, 8,1% atuação em ensino superior, ambos atuam como docentes confirma isso, a fala a seguir: “Entendo que a licenciatura é o ramo que visa as escolas basicamente o professor é o centro (referencia), para as demais séries e anos do ensino médio e também visando o superior quando com especialização em determinada área para a faculdade”.

O professor de Educação Física precisa lançar um conhecimento organizado e evidenciado que permite, nos mais variados contextos, compreender o homem em movimento. É preciso formar um profissional que não seja somente o detentor do saber, mas um profissional que se proponha a compartilhar o poder para fazer surgir o saber múltiplo. Essa competência passa necessariamente por uma formação criativa e histórico-crítica, na qual pensar sobre as próprias ações compõe técnica fundamental da didática (BAEZ, STOBAUS, 2012).

Há também um pequeno percentual 2% dos acadêmicos citam dimensões biopsicossociais e 2% acredita que esta profissão desenvolve as praticas corporais de movimento. Os mesmos acreditam que estes sejam os deveres/compromissos que os profissionais que atuam nesta área devem ter.

A Resolução 01/2002 institui Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, e graduação plena, mostra formas de orientação à formação para atividades docentes e princípios norteadores para o exercício profissional específico. A Resolução 02/2002 estabelece a carga horária dos cursos de licenciatura de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Com no mínimo 2800 horas (duas mil e oitocentas) articuladas entre teórico pratico (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002).

Tabela 5: Conhecimento prévio sobre Educação Física Bacharelado Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 26 de 188 Conhecimento prévio sobre Educação Física Bacharelado Percentual (%) Profissionais que atua em academia, clubes, empresas... 53 Profissionais que atua fora da escola 12,2 Profissão a qual sua procura esta em alta 10,2 Nada 8,1 Profissional que atua a prevenção e promoção de saúde 4 Profissional que trabalha com a estética corporal 4 Profissional que atua no desempenho desportivo 2

A tabela 5 apresenta em percentual a questão em que foi perguntado aos investigados o que lhes já era conhecido sobre Educação Física Bacharelado e (53%) dos acadêmicos responderam que o profissional desta área atua em academias, clubes, empresas e clinicas, (4%) atua na prevenção e promoção da saúde, (4%) trabalha com a estética corporal e (2%) atua no desempenho desportivo.

O campo de atuação do profissional de Educação Física é pleno nos serviços à sociedade, nas suas diversas formas de manifestações no âmbito da cultura e do movimento humano intencional, através das atividades físicas, esportivas e similares, sejam elas formais ou não formais. (PPC, 2014. p,30).

Os acadêmicos (12,2%) também manifestam que o este profissional atua fora do ambiente escolar, sem mencionar o ambiente o qual faz parte, 10,2% afirmam que esta é uma profissão que atualmente sua procura esta em alta. Há 8,1% dos investigados que admitem não ter nenhum conhecimento desta área de atuação da Educação Física.

A preparação dos profissionais para uma Educação Física de qualidade deve ser rediscutida, comparada e ampliada: rediscutida, para que haja harmonia entre os currículos acadêmicos de preparação com as ultimas renovações conceituais ocorridas na Educação Física, congregando inclusive, perspectivas da Educação Continuada, para que seja possível o profissional acompanhar os avanços técnicos e científicos da área, a cada momento de suas trajetórias de atuação; comparada, à preparação de profissionais de Educação Física de países vizinhos, por meio de indicadores efetivos, para que os futuros Tratados de correspondência acadêmica nos blocos socioeconômicos da América Latina sejam nivelados em padrões considerados de qualidade; Ampliada, com as preparações complementares resultante de cursos, eventos, estágios clinicas etc., apresentados por organizações de distintas naturezas, apresentando como compromisso de qualidade (CONFEF, Carta Brasileira de Educação Física, 2014).

Conclusão

Neste estudo foi abordado o tema, expectativas na escolha profissional na área de Educação Física, focando na área de formação em Educação Física, assim como os campos de atuação do profissional. A pesquisa teve como objetivo analisar os motivos que levou os acadêmicos à escolha do curso em andamento para o exercício da profissão. Constatou-se que a maior parte dos investigados justifica sua escolha pelo fato de gostar das atividades práticas que o curso proporciona. Outros motivos tem relação ao interesse nos campos de atuação como, por exemplo, na saúde, na docência, com crianças e idosos, além da influência familiar, vivencias da prática de esportes e atividades físicas na infância que contribuíram para esta escolha.

Como expectativa na escolha da habilitação para o exercício da profissão os acadêmicos investigados em seu maior percentual afirmam desejar ser bons professores e também através desta formação atuar em prol de uma mudança de concepção da Educação Física, além da contribuição para a prevenção e promoção da saúde, atuação no ensino superior, em academias, escolas, atuação na área do esporte e do envelhecimento humano, passar em um concurso publico.

Os investigados têm a concepção de que cada habilitação possui atuações distintas, ou seja, Educação Física Licenciatura entende-se por atuação em escolas de educação básica e ensino superior e Educação Física Bacharelado atuação em academias, empresas, clinicas e instituições não Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 27 de 188 escolares, se sabe que o campo de atuação na área de Educação Física é muito amplo. A Educação Física ocupa os espaços já citados, atuação em escolas e instituições não escolares, e outros não tão divulgados como revelação e descoberta de pequenos atletas e notavelmente hoje a Educação Física é grande aliada na prevenção e promoção da saúde por exemplo.

Este estudo cumpriu com o objetivo que foi proposto, visto que o mesmo demonstrou as expectativas de forma clara e sucinta, permitindo seu entendimento. A partir deste estudo fica possível entender de maneira geral o quão é complexo o processo de escolha, apesar de ser bem restritivo, é visível que implica várias atribuições, atitudes, compreensões, ou seja, um entendimento de si e do que ser quer pra si.

O estudo contribuiu para formação de modo pessoal e profissional, de modo a maximizar o entendimento da importância de buscar conhecer o caminho que quer ser seguido, compreender os significados e atribuições que ele possui.

Referências ALMEIDA, Maria Elisa Grijó Guahyba de; MAGALHAES, Andrea Seixas. Current Occupational choice: individual project and family project. Revista Brasileira de Orientação Profissional. v. 12, n. 2 p.205-214. São Paulo. 2011 . AZEVEDO, E. S; PEREIRA, B. O; SÁ, C. A Percepções docentes acerca da formação inicial na atuação pedagógica: estudo de caso dos professores de educação física. Revista Ibero-americana de Educação n. 56, v. p, 201-226. 2011. BAEZ, Marcio Alessandro Cassio; STOBAUS, Claus Deiter. Relatos de Discentes de Educação Física da PUCRS Campus Urugaiana sobre sua Formação. In: IX ANPED SUL SEMINARIO DE PESUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 2012, Caxias do Sul. Anais do... Caxias do Sul: UCS, 2012, 14p. BARDAGI, Marúcia Patta; LASSANCE, Maria Célia Pacheco; PARADISO, Ângela Carina. Trajetória Acadêmica e Satisfação com a Escolha Profissional de Universitários em Meio de Curso. Revista Brasileira Orientação Profissional. v. 4, n.1-2, p.153-166. São Paulo, 2003. BRASIL, Conselho Nacional de Educação, Resolução nº 1, de fevereiro 2002. Disponível em: Acesso em: 28 de novembro de 2014. BRASIL, Conselho Nacional de Educação, Resolução nº 2, de fevereiro de 2002. Disponível em: Acesso em: 28 de novembro de 2014. BRASIL. Ministerio da educação e do desporto. Secretaria de educação fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Saúde. Brasília 1997. Disponível em: Acessado em: 08 maio 2014. CONFEF Conselho Federal de Educação Física, Carta Brasileira de Educação Física Disponível em: Acesso em: 28 de novembro de 2014. COUTINHO, Miguel Posso; MACHADO, Fabio Alves e NARDES, Leandro Kegler. Educação Física: os motivos dessa escolha profissional. Revista de Educação Física Rio de Janeiro n. 131, p. 23 – 29. 2005. FOLLE, A; FARIAS, O. G; BOSCATTO, D. J; NASCIMENTO, J. V; Construção da Carreira Docente em Educação Física: Escolhas, Trajetórias e Perspectivas. Revista Movimento. Porto Alegre v.15, n.1, p,25-49. 2009. GIL, Antonio Carlos, 1946 – Como elaborar projetos de pesquisa/Antonio Carlos Gil. 4ed. – São Paulo: Atlas, 2002. KUNZ, Eleonor. Didática da educação física – 2.ed. – Ijui: Ed. Unijui, 2004. LINDELMANN, H.M. Testes em Educação. São Paulo: Ibrasa, 1978. MELLO, Fernando Achilles de Faria. O desafio da escolha profissional. Campinas - SP: Papirus Editora, 2002. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 28 de 188 PERRENOUD, P. PAQUAY, P. ALTET, M. CHARLIER, E. Formando professores profissionais: Quais estratégias? Quais competências? – 2.ed. – Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. PPC – Projeto Pedagógico do Curso de Educação Física – Bacharelado da UNICRUZ , 2014. Disponível em: Acesso em: 13 outubro 2014. SOARES, Dulce Helena Penna. A escolha profissional: do jovem ao adulto – 2.ed. – São Paulo: Ed Summus, 2002. STEINHILBER, Jorge. Licenciatura e/ou Bacharelado Opções de graduação para intervenção profissional. Revista Educação Física Ano VI, N.19. p,19-20, 2006. Disponível em Acesso em: 30 mar 2014. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 29 de 188

INTERTEXTUALIDADE INTERGENÉRICA: O CASO DAS MENSAGENS RELIGIOSAS QUE CIRCULAM NO FACEBOOK

Marcos Helam Alves da Silva21 Francisco Romário Paz Carvalho22

Resumo Neste estudo, objetiva-se analisar as formas dos gêneros que surgem no facebook com função de mensagem religiosa, bem como discorrer sobre como as tecnologias têm possibilitado aos seus usuários novas possibilidades de utilizar determinados gêneros. Utilizamos como bases teóricas os postulados de Bakhtin ([1953]1997), Marcuschi (2002, 2008, 2010), Cavalcante, Nobre e Lima-Neto (2011), Lima-Neto e Araújo (2012), Koch e Elias (2006; 2009), Koch, Bentes e Cavalcante (2008), Lima-Neto e Araújo (2012), Dell'isola (2007), dentre outros. Analisamos quatro gêneros com a forma de comprovante de pagamento, tabela periódica, mensagem de notificação, e função de mensagem religiosa. Acreditamos que o fato de a intergenericidade se caracterizar por apresentar forma de um gênero e função de outro contribui para que se perceba como o processo de interação é fundamental nas diversas situações comunicativas, reafirmando a importância dos gêneros dentro da linguagem. Portanto, concluímos que, embora a forma não determine propósito comunicativo do gênero, é fundamental para que a intergenericidade se realize, na verdade, tanto a forma quanto a função possibilitam essa mistura de gêneros que aqui chamamos de intergenericidade. Palavras-Chave: Gêneros Textuais; Intergenericidade; Propósito comunicativo.

Abstract This study aims to analyze the forms of genres that come in with facebook religious message function and discuss how technologies have enabled its users new opportunities to use certain genres. We used as theoretical basis the postulates of Bakhtin ([1953] 1997), Marcuschi (2002, 2008, 2010), Cavalcante, Noble and Lima-Neto (2011), Lima Neto and Araújo (2012), Koch and Elias (2006; 2009), Koch, Bentes and Cavalcante (2008), Lima Neto and Araújo (2012), Dell'isola (2007), among others. We analyzed four genera in the form of proof of payment, periodic table, notification message, and religious message function. We believe that the fact that mixed genres be characterized by presenting as a gender and other function contributes to realizing it as the process of interaction is fundamental in various communicative situations, reaffirming the importance of gender in the language. Therefore, we conclude that, although the form does not determine communicative purpose of the genre, it is essential for the mixed genres takes place, in fact, both the form and function allow this mixture of genres that here we call mixed genres. Keywords: Text Genre; Mixed genres; communicative purpose.

Considerações Iniciais

Uma das grandes contribuições dada por Bakhtin ([1953]1997) ao estudo dos gêneros textuais, que na tradição retórica limitavam-se a três categorias, é a concepção de que os gêneros são artefatos sociais, históricos e predominantemente maleáveis. Os gêneros, por serem muitos em decorrência de nossas práticas sócio comunicativas, são dinâmicos e mutáveis. Com isso, é comum surgirem novos gêneros a partir de outros já existentes como também pode ocorrer de um determinado gênero assumir a forma de outro sem necessariamente alterar a sua função original. Assim, quando dois ou mais gêneros mesclam-se emerge um fenômeno conhecido como

21 Mestre em Letras pela Universidade Federal do Piauí (2016). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação- DEFE (UFPI). Teresina, Brasil. E-mail: [email protected] 22 Graduado em Letras/Português (2016) pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/ CNPq- 2013-2015) por dois anos consecutivos. Teresina, Brasil. E-mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 30 de 188 intertextualidade intergenérica ou hibridização. A intertextualidade intergenérica é uma das ramificações do fenômeno da intertextualidade, que é definida sumariamente como a presença de um texto dentro de outro.

O objetivo deste artigo é analisar gêneros que circulam no facebook com a função de mensagem religiosa apresentando suas características formais e identificando traços que o identificam com a função religiosa. O corpus composto de quatro gêneros de formas distintas será analisado de acordo com função que cada texto assume no momento em que se mesclam a outros gêneros.

Mostraremos no decorrer do trabalho que, mesmo assumindo outra forma o gênero mensagem religiosa não perde sua função original, nem se transforma em outro gênero, o que nos faz perceber que a mistura não objetiva a princípio, a criação de outro gênero, mas a possibilidade de fusão que torna desta forma os gêneros mais criativos interessantes para seus leitores.

Assim, discorremos desde a função e finalidade desses gêneros, sua recorrência na internet através do facebook, os posicionamentos de teóricos sobre gêneros, propósito comunicativo, das influências dos aparatos tecnológicos e seguindo com as análises e conclusões.

Fundamentação Teórica:

Gêneros textuais: definição e função

A língua se realiza em forma de enunciados que são elaborados de acordo com a esfera social da atividade humana, e estão marcados pelo uso tanto em situações informais como conversas nos bares, em família, com os amigos, quanto em situações mais formais e/ou padronizadas como textos científicos, palestras, seminários, discursos, dentre outros; são o que chamamos de gêneros textuais e estão vinculados aos contextos sócio-históricos e cultural, contribuindo para ordenar e estabilizar as situações de comunicação e interação. Para Bakhtin ([1929]1997) a diversidade de gêneros pode se apresentar dependendo das situações de uso, temas ou de grupos sociais.

Os gêneros textuais se caracterizam pela sua infinidade. E o seu uso está ligado a uma necessidade, um propósito. São o resultado de nossas interações enquanto seres sociais. Para Marcuschi (2010), os gêneros são entidades sociodiscursivas e formas de ação social em qualquer situação comunicativa.

No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrigecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos, maleáveis, dinâmicos e plásticos (MARCUSCHI, 2010, p. 19)

Por surgirem de acordo com as necessidades e atividades socioculturais e inovação tecnológica, percebe-se que a quantidade de gêneros existentes hoje em relação às sociedades mais antigas é bem maior. Esse surgimento histórico dos gêneros pode ser observado conforme, Marcuschi (2010), em três fases: na primeira, povos desenvolveram uma quantidade limitada de gêneros, na segunda, com o surgimento da escrita os gêneros multiplicaram-se e numa terceira fase, expandiram-se com a cultura impressa para, no processo de industrialização no século XVIII dá início a uma grande ampliação. Hoje, em plena fase digital, com rádio, TV, telefone, computador, internet, assistimos a uma explosão de novos gêneros tanto na forma oral como escrita.

os gêneros textuais caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devem ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio-pragmáticos caracterizados como práticas sócio -discursivas. (MARCUSCHI, 2010, p. 20)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 31 de 188 A intensidade de usos dos aparatos tecnológicos propiciam o surgimento e a intensidade de uso de determinados gêneros. Entretanto, essas inovações não deixam de ser ancoradas em outros já existentes, Bakhtin([1953]1997) já falava na assimilação de um gênero por outro gerando novos .A esse fenômeno o autor deu o nome de transmutação. Podemos citar como exemplo dessa assimilação o e-mail, que é utilizado na internet para mandar mensagens assim como as cartas e os bilhetes, contudo, o e-mail não é uma carta nem um bilhete, pois ganhou características próprias como maior rapidez tanto do envio quanto na sua recepção.

Bakhtin (1953]1997) defende que os gêneros são tão complexos e tão heterogêneos quanto as sociedades em que circulam, podemos dizer então que estes não se esgotarão, já que as sociedades são heterogêneas e evoluem ao longo do tempo. Desse modo os gêneros se reproduzem ou se readaptam à medida que as nossas necessidades mudam dentro do contexto de interação social.

Nesse entorno, Miller (2009) diz que os gêneros são respostas a situações recorrentes e definidas socialmente, nos eventos reais, objetivos, sociais e históricos dos seres humanos. A partir dessa recorrência se constrói um padrão de ações que serão utilizadas em situações semelhantes que como consequência passam a ser tipificadas e entendidas com gêneros. Assim quanto mais ações tipificadas maior a quantidade de gêneros. O gênero para Miller vai além de uma entidade formal, é um conjunto de formas e se interligam numa dada situação.

Utilizaremos o conceito de gêneros como entidades sociodiscursivas, considerando que os gêneros independem de decisões individuais, e que são operados a partir de relações do coletivo para atender a uma necessidade de uma comunidade e não apenas de um indivíduo. Gêneros textuais não são resultados de invenções individuais, mas eventos comunicativos em práticas comunicativas

Dos gêneros digitais

As tecnologias permitem a criação de ambientes ricos que oferecem desde a simples mensagem por e-mail até o aprendizado formal através de atividades educacionais como o fórum, teleaula, bate papos, etc. Os indivíduos interagem, utilizando as ferramentas tecnológicas para construção e socialização de suas produções. Nesse sentido, o indivíduo faz essa construção de maneira coletiva, colaborativa, e embora pareça ser solitário estar a frente de uma mídia tecnológica, a possibilidade de conexão com várias pessoas ao mesmo tempo, e cada um no seu espaço permite que os sujeitos (re)produzam, (re)avaliem, construam e reconstruam os diversos percursos que levam ao conhecimento e consequentemente ao aprendizado.

Com o advento da internet surgiram novas formas de se comunicar, a sua agilidade e rapidez fez com que algumas necessidades também surgissem, por isso alguns gêneros foram readaptados ou reproduzidos, assim como também novos gêneros emergiram para responderem às necessidades da nova forma de comunicação virtual.

Para Freire (2003, p.70), os gêneros “surgem ao lado de necessidades e de atividades sócio- culturais, assim como as inovações tecnológicas”.Nas situações comunicativas esses gêneros surgem com propósitos específicos e por meio de suas características é possível identificar os vários gêneros digitais existentes. Concordando com a ideia de Freire, Dell'isola (2007, p.1700) diz:

Ao lado dos gêneros que são, de certa forma, prototípicos, familiares do cotidiano, a que as pessoas recorrem para atingir objetivos, têm surgido novos gêneros a partir de transformações dos existentes. A mensagem eletrônica – o “e-mail” – vem sendo citada por vários estudiosos como um gênero com identidade própria que emergiu de uma forma híbrida de carta, telegrama, telefonema, vinculada às condições tecnológicas de produção e a uma comunidade discursiva que a utiliza para alcançar seus propósitos dialógicos. Também a teleconferência ou videoconferência é um novo gênero que emergiu da hibridização e configura-se em uma modalidade interativa de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 32 de 188 telecomunicação mediante a qual pessoas, em diferentes locais, se comunicam ao mesmo tempo via linha telefônica, rede de computadores, radiofonia, etc.

Esses gêneros surgem para organizar a nova forma de comunicar entre seus usuários e dinamizar o processo interacional. As mudanças ocorridas com a inserção dos recursos tecnológicos traz a tona a maleabilidade dos gêneros, como afirma Alves Filho ( 2011,p. 21) " dizer que os gêneros são estruturas dinâmicas implica que eles são maleáveis e se adéquam às situações e que não são modelos predominantemente a serem seguidos". Nesse sentido os gêneros serão respostas às necessidades das pessoas, concordando com Bazerman (2011) que afirma que gêneros são o que as pessoas reconhecem, ou seja, existem apenas nos reconhecimentos e atribuições de seus usuários

Assim, os gêneros digitais caracterizam-se por uma ação de fundamental importância para desenvolvimento da competência discursiva dos usuários, pois o acesso as redes sociais exigem desses usuários o conhecimento a cerca dos gêneros aqui discutidos. Conforme (Pinheiro 2012, p. 11), no contexto da tecnologia digital, “os gêneros digitais, apresentam características muito semelhantes à dos gêneros já conhecidos tradicionalmente, nas suas várias formas de comunicação e na prática da linguagem escrita da sociedade”.

Podemos dizer então que o uso dos gêneros digitais traz consigo uma nova forma de aprendizagem e produção do conhecimento de forma mais dinâmica e rápida, uma nova forma de ver o mundo através de ferramentas como o computador, o celular e outras mídias virtuais.

A Intergenericidade

Os eventos comunicativos são marcados por um conjunto de ações e o gênero é a ação recorrente desses eventos. Conforme Marcuschi (2008), para cada situação dessas teremos gêneros adequados e não adequados. Ainda conforme o autor apesar de possuirmos uma metalinguagem riquíssima e intuitivamente utilizada e confiável, é difícil determinar o nome de cada gênero de texto, já que estes se imbricam para constituírem novos gêneros. Por isso não é plausível acreditar que os gêneros têm uma relação biunívoca como formas textuais, se acreditarmos nessa relação desconsideraremos o fato de um gênero assumir a função de outro, já que em várias situações é o lugar em que o texto aparece que permitirá a determinação do gênero.

A partir dos estudos de Marcuschi (2002) utilizaremos o conceito de intergenericidade como um gênero se apropriando de outro para assumir uma determinada função, ou seja, um gênero com uma forma, mas a função de outro. Neste artigo usaremos gêneros com as formas de tabela periódica, comprovante de pagamento, cartão, lista telefônica, mensagem de notificação, mas com função de mensagem religiosa.

Nessa perspectiva, Dell'isola (2007, p.1695) afirma que:

O princípio da pluralidade textual remete à constatação de que o texto é um microuniverso que contém parcelas de vários outros universos, de várias outras visões. Nos textos orais e escritos, observa-se que é constante o processo de retomada a outros textos. Isso é essencial para a própria existência da atividade textual, inata à prática social humana em seus mais variados níveis e situações. Isto implica dizer que todo texto é uma mescla ou mistura de textos, o que pode se dar através de várias formas, ou seja, tanto de maneira visível e transparente, como de modo implícito ou opaco. É por meio da leitura e interpretação dos vários textos que se desvenda a heterogeneidade inerente aos textos com os quais tomamos contato no nosso dia a dia.

Dessa forma, entendemos que os gêneros textuais se dão de várias formas e assumem várias funções dentro de uma comunidade discursiva e que esses dialogam entre si, não surgem por acaso, constituem um diálogo contínuo, visto que a maleabilidade e a dinamicidade são suas características.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 33 de 188 Muito embora os estudos sobre intergenericidade tenham ganhado relevo na atualidade é importante não esquecer que estudos sobre essa natureza dos gêneros não são recentes. Conforme destaca Lima-Neto e Araújo (2012), as misturas genéricas não são práticas de linguagem atuais, afinal, Bakhtin ([1929] 2005) ao estudar o romance polifônico de Dostoiévski já anunciava a maleabilidade de gêneros praticados na Grécia Antiga.

A linguista alemã Ulla Fix (2006), em seu estudo sobre “O cânone e a dissolução do cânone, é uma das primeiras estudiosas a sistematizar uma observação sobre a intertextualidade tipológica, que ela acentua como sendo um fenômeno da dissolução do cânone. Nas suas palavras, “na terminologia da Linguística Textual, trata-se de fenômenos de montagem de padrões textuais, da mistura de padrões textuais e da transgressão deles” (FIX, 2006, p. 264).

No Brasil, autores como Marcuschi (2002; 2009), Koch e Elias (2006; 2009), Koch, Bentes e Cavalcante (2008), além de Cavalcante, Nobre e Lima-Neto (2011) e Lima-Neto e Araújo (2012) têm se dedicado a estudar e descrever o fenômeno.

Para Marcuschi (2008, p. 165), conforme já citado, a intergenericidade diz respeito a “hibridização ou mescla de gêneros em que um gênero assume a função de outro”. Concordando com as propostas de Fix (2006), Marcuschi (2008) acrescenta que trata-se de uma violação do cânone e uma subversão do modelo global de um gênero. Tentando sistematizar o fenômeno, Marcuschi (2008) propõe o seguinte diagrama:

Figura 1: Intertextualidade intergêneros. Fonte: Cavalcante, Nobre, Lima-Neto (2012). Adaptado de Marcuschi (2008).

No gráfico proposto por Marcuschi (2008), a relação intergenérica se dá da seguinte forma: há dois polos, um gênero A e um gênero B. Ambos possuem características formais – estrutura do gênero – e funcionais, que nesse caso faz referência ao propósito comunicativo. Dessa relação entre os gêneros, Marcuschi (2008) afirma que nascerá um enunciado híbrido, intergenérico, ou seja, um gênero com a função de um gênero A com a forma de um gênero B. De acordo com a proposta do autor, isso não deve gerar nenhum problema de interpretabilidade, já que predominará a função (propósito comunicativo) em detrimento da forma, na interpretação do gênero, evidenciando “a plasticidade e dinamicidade dos gêneros” (MARCUSCHI, 2008, p. 166).

A proposta de Marcuschi (2008) não é isenta de críticas. Ele mesmo afirma que são muitos os problemas envolvidos na questão e que é oportuno o estabelecimento de uma discussão para o estabelecimento de novos parâmetros de classificação. Os trabalhos de Lima-Neto (2009), Lima- Neto e Araújo (2012), por exemplo, afirmam que a classificação de Marcuschi é problemática e carece de reformulação. Para os autores, Marcuschi centra como parâmetro definidor dos gêneros intergenéricos o propósito comunicativo e para eles nem sempre este elemento será o mais importante e nem tampouco, o definidor desse gênero híbrido.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 34 de 188 Além das reflexões de Marcuschi (2002; 2008), Koch, Bentes e Cavalcante (2008) na obra Intertextualidade: diálogos possíveis buscam sistematizar um estudo sobre o fenômeno da intertextualidade, entendido como sendo um dos grandes temas da Linguística Textual e que se caracteriza quando um texto encontra-se inserido em outro texto anteriormente produzido e que encontra-se na memória social dos interlocutores. As autoras pontuam que têm sido relacionadas, cada uma com características peculiares, diversos tipos de intertextualidade: (a) intertextualidade temática, (b) intertextualidade estilística, (c) intertextualidade explícita, (d) intertextualidade implícita, (e) détournement, (f) intertextualidade intergenérica e (g) intertextualidade tipológica.

Conforme Koch, Bentes, e Cavalcante (2008), a intertextualidade intergenérica diz respeito à utilização de um gênero com a função de outro. Segundo as autoras “a mobilização do contexto sociocognitivo” é o elemento essencial para a detecção da ironia, da crítica, do humor e, construção de sentidos do gênero, de acordo suas palavras “caberá ao nosso leitor fazer um exercício para descobrir todos os intertextos neles presentes e checar a extensão de seu repertório” (p.66).

Cavalcante, Nobre e Lima-Neto (2011, p. 180) apresentam a intertextualidade intergenérica como a recorrência a traços superestruturais de gêneros mais institucionalizados utilizados com propósitos distintos dos cânones. Os autores afirmam ainda que a mistura de elementos provenientes de dois ou mais gêneros distintos acaba por conferir humor aos gêneros híbridos. Acreditamos que a constituição intergenérica dá aos gêneros um caráter persuasivo ainda maior, principalmente pela forma que assumem no processo de transmutação.

Ao fazer uso dos gêneros os sujeitos o fazem com um ou vários propósitos comunicativos. Em nosso trabalho as análises serão feitas seguindo como critério para nomear os gêneros o propósito comunicativo, a partir das discussões e análises dos gêneros propostos.

o propósito comunicativo é inevitavelmente refletido na construção cognitiva interpretativa, que, de certa forma, representa as regularidades de organização nele. Essas regularidades devem ser vistas como de natureza cognitiva porque elas refletem as estratégias que os membros de um discurso particular ou de uma comunidade profissional tipicamente usam em uma construção e entendem que aquele gênero alcança determinados propósitos comunicativos. Essa estruturação cognitiva reflete conhecimento social acumulado e convencionalizado disponível para um discurso particular ou uma comunidade profissional (BHATIA, 1993,p.21).

Dessa forma o propósito é utilizado para atingir objetivos num evento comunicativo e conforme Alves Filho (2011, p. 34) “é fundamental compreender que um mesmo gênero pode servir para atender vários propósitos comunicativos”. O autor coloca como exemplo o twitter, que a princípio era utilizado por um usuário para dizer o que estava fazendo em um determinado momento e que à media que aumentou o número de usuários, deixou de ser apenas uma resposta a uma pergunta e adquiriu outras utilidades como de fazer propaganda, por exemplo.

Metodologia

Utilizamos como corpus de análise quatro textos nas formas de comprovante de pagamento, tabela periódica, mensagem de notificação e lista telefônica, com função de mensagem religiosa. Os gêneros mencionados são conhecidos e usados no nosso dia a dia e, embora sejam cotidianos, acreditamos que é importante defini-los e caracterizá-los através das análises propostas.

A realização da pesquisa compreendeu duas etapas: (1) leitura e discussão dos pressupostos teóricos para embasamento da pesquisa e (2) coleta, organização e análise do corpus compostos por gêneros textuais digitais (constituídos por intertextualidade intergenérica) disponíveis no Facebook.

A princípio abordamos os usuários do Facebook para indagar sobre o porquê de uso das mensagens religiosas e envio para os contatos, no entanto, não obtivemos nenhuma resposta desses usuários. Por isso, optamos por analisar os gêneros quanto sua forma e função sem a interferência dos usuários, visto que não foi possível esse contato. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 35 de 188

Análise e Resultados

Faz parte da constituição dos gêneros imbricarem-se e interpenetrarem-se constituindo assim novos gêneros. Assim, sendo, nesse processo de imbricação e interpenetração os gêneros podem mesclar-se e um gênero pode assumir a forma de outro. Vejamos:

Figura 2 – Comprovante de Pagamento Fonte: Facebook, 2014.

Observamos no primeiro exemplar do corpus (figura 1), nos aspectos formais: o nome COMPROVANTE DE PAGAMENTO, o código de barras, além das informações como nome do favorecido, data e o valor do pagamento, levam a crer que trata-se de um genuíno comprovante de pagamento. De acordo com Lima-Neto e Araújo (2012) com base no trabalho de Askchave e Swales (2009), a forma é o primeiro aspecto observado pelo leitor, pois o propósito comunicativo é menos visível que a forma, e em decorrência disso, dificilmente será utilizado para conceitualização do gênero.

No entanto, à medida que o leitor se apodera do texto através da leitura e passa a construir sentido sobre ele, compreende que na realidade trata-se de uma mensagem religiosa. Ao iniciar a leitura do texto e visualizar que o pagante da dívida é Jesus Cristo, que tal dívida foi paga há mais de dois mil anos quando Jesus foi crucificado para nos livrar do pecado, percebe-se a quebra de expectativa levantada pelos aspectos formais. É evidente que, por trás dessa mistura genérica, há uma intenção do autor do gênero em torná-lo mais atrativo, compartilhado com mais rapidez, e acima de tudo lhe conferir um caráter persuasivo ainda maior que as mensagens religiosas nos seus formatos mais tradicionais.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 36 de 188 Há que se considerar, entretanto, que ao vincular uma mensagem religiosa com o formato de um comprovante de pagamento, não há a intenção de dificultar a compreensão e a construção de sentidos do gênero, afinal, o leitor utilizando-se da cognição e da competência metagenérica saberá reconhecer que se trata do propósito comunicativo do gênero B (mensagem religiosa) utilizando-se da forma do gênero A (comprovante de pagamento).

É essa competência que propicia a escolha de dado gênero para determinada situação, possibilita a diferenciação entre os mais variados gêneros textuais e quais as práticas que o solicitam (KOCH; ELIAS, 2009) e nos permite reconhecer que determinado gênero pode cumprir seus propósitos comunicativos assumindo a forma de outro.

Conforme ratifica Koch e Elias (2009, p. 58)nossos modelos se constituem e reconstituem- se a partir de nossas práticas sociais e esses modelos são ativados para organização do texto, seleção de ideias, posicionamentos A escrita é controlada, ou seja ao produzirmos um texto escrito temos um cuidado maior, não escrevemos qualquer coisa Como são produtos sociais, os gêneros não são formas fixas, porém estão sujeitos a mudança, passíveis de novos procedimentos de organização e modificações conforme o lugar atribuído ao ouvinte.

Adotando a fórmula matemática de Cavalcante, Nobre e Lima-Neto (2011, p.182) temos a forma,

Conforme a proposta dos autores numa mistura de gêneros, termo utilizado por eles, como sinônimo de intertextualidade intergenérica, o propósito comunicativo será o elemento definidor do gênero, a função se sobressai à forma, ainda que esta seja necessária para a construção dos sentidos. Sobre a forma os autores dizem ainda “terá outra finalidade, é passível de ser utilizado em função distinta da original, e, na grande maioria das vezes, ela atende a propósitos publicitários e humorísticos”. (CAVALCANTE, NOBRE, LIMA-NETO, 2011, p.182)

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Figura 3 – Lista Telefônica Fonte: Facebook, 2014.

A figura 2, utiliza da forma de uma lista telefônica de emergência para indicar, dependendo da situação em que se encontra o leitor, a leitura bíblica ideal. Ao mobilizar os conhecimentos sociocognitivos, o leitor verificará que não se trata de uma lista telefônica de emergência nos moldes tradicionais como o número de corpo de bombeiros, da polícia ou do pronto socorro, por exemplo, mas, de livros, capítulos e versículos que trazem mensagens religiosas para determinada situação emocional em que o coenunciador se encontra.

Novamente, neste caso de intergenericidade, o propósito comunicativo prevalecerá em detrimento da forma para a definição do gênero, mesmo sendo relevante os aspectos formais de natureza multimodal para colaborar no processo de leitura e construção de sentidos nos gêneros analisados. Advogamos, dessa forma, que ao entrar em contato com gêneros intergenéricos estabelecer uma harmonia entre forma e função é necessária para essa construção de sentidos.

Conforme Fix (2006) cada vez mais caminhamos para uma dissolução do cânone, movimento típico das sociedades modernas. Chama atenção, a autora, ao afirmar que isso está sendo recorrente nos textos, e de modo mais enfático naqueles que tem o objetivo de chamar atenção dos leitores como os gêneros publicitários e jornalísticos, e, também gêneros digitais principalmente os que circulam nas redes sociais, como é o caso dos gêneros que constituem o corpus deste trabalho, e que tomamos a liberdade de inserir em sua lista.

Dessa forma “as costumeiras variações, misturas e transgressões de padrões não se baseiam em padrões teoricamente elaborados pelos usuários de uma língua, mas de conhecimento quotidiano sobre textos, o qual os usuários de uma língua compartilham” (FIX, 2006, p.265) Percebe-se que o pensamento de Fix (2006) dá relevo aos conhecimentos cognitivos situados e a competência metagenérica como um traço importante para a identificação do gênero, considerando-o antes de tudo um constructo sociocognitivo (LIMA-NETO, ARAÚJO, 2011). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 38 de 188

Figura 4 – Mensagem de Notificação Fonte: Facebook, 2014.

A figura assemelha-se a uma mensagem de notificação da conexão de contatos do MSN. No exemplo de intergenericidade os aspectos formais (estrutura do gênero) e funcionais (notificar a conexão de algum contato) são tão próximos que podem gerar uma confusão para o leitor que não atentando-se ao propósito comunicativo de mensagem religiosa, pode pensar que se trata de um gênero em sua forma/função tradicional. Dos casos de intergenericidade este é o que mais se aproxima à sua forma/função original. Em um trabalho com a mesma temática (intergenericidade) que o nosso, Cavalcante, Nobre, e Lima-Neto (2011), possuem um exemplo semelhante em relação a proximidade forma/função. O exemplo dos autores é a mescla da carta oficial com a piada, neste caso de hibridização, a carta tem a função de comunicar a interrupção de um noivado, nele o autor do gênero, usa os aspectos peculiares de uma carta como o léxico estritamente formal, característicos dos gêneros oficiais, somente quando se toma conhecimento do real teor da mensagem – a suspensão temporária do noivado – é que se rompe com a expectativa oficial.

O mesmo ocorre com o exemplo constituinte de nosso corpus, a priori, e levando-se em consideração os aspectos formais trata-se de uma simples notificação do MSN, com a leitura do gênero e mobilização dos aspectos cognitivos e a definição do propósito comunicativo é que se dá a quebra de expectativa e se reconhece o real propósito do gênero, a divulgação de uma mensagem de cunho religioso.

Figura 5 – Tabela Periódica – Fonte: Facebook, 2014.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 39 de 188 Na figura 4, há uma proximidade muito grande entre o gênero híbrido – a Tabela Periódica da Bíblia Sagrada – com o indicativo de mensagens religiosas e o gênero tradicional – a Tabela Periódica dos elementos químicos. A proximidade é tamanha que até o formato utilizado para a identificação do livro, capítulo e versículo, segue a mesma regra do gênero tradicional: o número no canto esquerdo superior e as letras com as iniciais dos elementos no centro.

Neste exemplo, assim como nos demais, a competência mentagenérica e o propósito comunicativo, este de forma mais particular, são os elementos definidores do gênero, já que os elementos formais e conteudísticos assemelham-se ao gênero tradicional.

Como já anunciado no trabalho de Cavalcante, Nobre e Lima-Neto (2011), o propósito comunicativo é a marca que se leva em consideração para a definição do gênero intergenérico, muito embora, a competência metagenerica seja importante. Aplicando a equação matemática dos autores, temos:

Considerações Finais

Com este trabalho, objetivou-se refletir sobre o processo de intertextualidade intergenérica, caracterizado como um fenômeno composicional híbrido em que um gênero assume a forma de outro. O interesse e as investigações sobre a temática não são novos e já são anunciadas na obra pioneira de Bakhtin.

O fenômeno da intertextualidade intergenérica como se pode perceber é uma característica peculiar dos gêneros que sendo formas de ação social (MILLER, 2009) estarão sempre passando por um processo natural de mudanças, readaptações e mesclas para estarem condizentes com as exigências sociais. É válido ressaltar que tal processo é ainda intensificado com o auxílio do computador e da internet, apontando inclusive, a partir dessa interação, para um redimensionamento do fenômeno, aja visto que tomá-lo apenas na sua forma dicotômica forma/função é tratar o fenômeno de forma reduzida (CAVALCANTE; NOBRE; LIMA-NETO, 2011).

No caso das análises realizadas neste trabalho o predomínio da função e consequentemente do propósito comunicativo foram o elemento definidor para caracterização dos casos de gêneros com intertextualidade intergenérica. Esta classificação não trouxe problemas, muito embora, hoje, já se defenda que para a análise de textos com marcas intergenéricas outros elementos como suporte, as tradições discursivas e as crenças devam ser levadas em consideração.

O fato é que o fenômeno marca uma característica primordial nos estudos dos gêneros: a sua dinamicidade oriunda das mais diversas práticas comunicativas, que longe de serem fixas acentuam o caráter dinâmico e de dissolução do cânone (FIX, 2006). Como diz Lima-Neto (2009, p. 202) “as mudanças são a regra”. O presente trabalho encontra-se longe de esgotar o tema e nos chama atenção para essas características dos gêneros, a sua capacidade de mudança, de readaptação e de mistura num intenso movimento de acompanhamento das necessidades comunicativas e sociais. Concluímos ainda que, embora a forma não determine proposito comunicativo do gênero, é fundamental na produção desse gêneros, na verdade tanto a forma quanto a função possibilitam essa mistura de gêneros que aqui reconhecemos como intergenericidade.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 40 de 188 Referências ALVES FILHO, F. Gêneros Jornalísticos: notícias e cartas de leitor no ensino fundamental. São Paulo: Editora Cortez, 2011. ASKEHAVE, I; SWALES, J. Identificação de gênero e propósito comunicativo: um problema e uma possível solução. In.: BEZERRA, B. G; BIASI-RODRIGUES, B; CAVALCANTE, M. M. Gêneros e Sequências Textuais. Recife: UDUPE, 2009. BAKHTIN, M. Os Gêneros Do Discurso. In: Bakhtin, M. Estética Da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, [1953] 1997. BHATIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. London: Longman, 1993. DELL'ISOLA, R. L. P. Intergenericidade e agência: quando um gênero é mais do que um gênero. In: Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais SIGET, 4, 2007, Tubarão. Anais... Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagm/cd/index1.htm .Acesso em: 07 de agosto de 2016. DIONÍSIO, Â. P. Gêneros Textuais e multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M; GAYDECZKA, B; BRITO, K. S. Gêneros Textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. FIX, U. O cânone e a dissolução do cânone. A intertextualidade tipológica – um recurso estilístico “pós-moderno”? Revista de Estudos da linguagem, vol. 14, 2006, p. 261-281. FREIRE, F. M. P. Formas de materialidade linguística, gêneros de discurso e interfaces. In: ALMEIDA, R. Q; AMARAL, S. F; SILVA, E. T. (Orgs.). A leitura nos oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, 2003,128p. KOCH, I; BENTES, A. C; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: Diálogos possíveis. São Paulo: Editora Cortez, 2008. MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. DIONÍSIO, A. ;MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros Textuais e Ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. P. 19- 36. MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: Definição e Funcionalidade. In: DIONÍSIO, Â. P; MACHADO, A. R; BEZERRA, M. A. Gêneros Textuais e Ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M; GAYDECZKA, B; BRITO, K. S. Gêneros Textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. MILLER, C. Gênero com ação social. In: DIONIZIO, A; P.HOFFNAGEL,J. C. (Org). Estudos sobre gênero textual, agência e tecnologia. Trad. e adaptação de Judith Chambliss Hoffnagel et al. Recife. EDUFPE, 2009a, p. 21-44. PINHEIRO, P. A. Gêneros digitais construindo e sendo construídos por gêneros discursivos: repensando as práticas de letramento. In: Simpósio Mundial de Estudos da Língua Portuguesa SIMELP. Anais... São Paulo, 2012. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 41 de 188 PERCEPÇÕES DOS DOCENTES SOBRE O USO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NO ENSINO SUPERIOR COMO PROCESSO FACILITADOR DA APRENDIZAGEM

Marcus Vinícius Domingos Barbosa 23 Wesley Alves silva 24 Keila Cristina Belo da Silva Oliveira25

Resumo Este trabalho teve como objetivo investigar o domínio e a utilização de recursos tecnológicos dos professores de uma faculdade privada. O método escolhido procedeu-se através de aplicação de um questionário. Pensando nesta temática e também visando uma interação com o ser fazer novidade no espaço educacional, o trabalho retrata a utilização de TIC’s para o ambiente acadêmico aprimorando e trazendo para o professor um ar de inovação no ser fazer presente nas atuações educacionais e na sala de aula onde o aluno e ele podem interagir usando as TIC’s como instrumento da ação educacional. Palavras-chave: Tecnologia; Docente; Ensino Superior.

Abstract This work aimed to investigate the mastery and use of technological resources of the teachers of a private college. The method chosen was carried out by means of a questionnaire. Thinking about this theme and also aiming for an interaction with being to make novelty in the educational space, the work portrays the use of ICT for the academic environment improving and bringing to the teacher an air of innovation in being present in the educational activities and in the classroom Where the student and him can interact using ICT as an instrument of educational action. Keywords: Technology; Teacher; Higher Education.

Introdução

O espaço acadêmico é um campo rico para a mediação de conhecimentos e para a formação da cidadania. O ensino e a aprendizagem são ferramentas de emancipação social que, quando aliados a recursos tecnológicos, tem evidenciado uma maior potencialização do alcance e satisfação dos objetivos educacionais, respondendo por uma ampla disseminação do saber.

O ensino superior nos centros de excelência vem seguido o crescimento e aperfeiçoamento das Tecnologias de Informação (TIC’s), o que transforma o modo de “aprender a aprender”, seguindo uma tendência global. As metodologias educacionais atualmente apontam para um modelo híbrido de apresentação do saber que priorize o aluno como protagonista da construção do seu próprio conhecimento. No nível de ensino superior, surge a crescente necessidade da adequação dos currículos e de um trabalho multidisciplinar que seja eficiente na formação de profissionais não só para o mercado de trabalho, mas também, como cidadãos engajado na participação e transformação social.

O ensino superior além de um espaço que o saber se torna caminho e que esta aliada a uma pesquisa continua para aprimoramento e abertura de canais intelectuais em que docente e mediador deste universo de pesquisa. Freire reforça (1996, p. 29):

23 Graduado em Ciências Contábeis pela Faculdade Multivix – ES, pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de São Gabriel da Palha – ES/ FASG. Email: [email protected]. 24 Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros - MG, mestre em Botânica pela UFV - MG. Atualmente professor da Faculdade de São Gabriel da Palha – ES/ FASG. Email: [email protected]. 25 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Filosofia, Ciências e letras Madre Gertrudes de São José - ES, mestre em Educação pela UFES - ES. Atualmente professora da Faculdade de São Gabriel da Palha – ES/ FASG. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 42 de 188

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino contínuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

O campo da educação vive em constante transformação e esta transformação vem para aprimorar e abrir novos olhares e foco para o desafio do ser docente. Nota - se que todo processo de ensino aprendizagem o foco é a melhoria de praticas educacionais com intuito de refazer o espaço da aprendizagem, a sala de aula com quadro de giz em tempos modernos que vivemos não mais motiva os discentes do ensino superior (MORAN, 2000).

Lopes (2004) em seu artigo, A introdução da informática em ambiente escolar, afirma que a tecnologia não causa mudanças apenas no que fazemos, mas também em nosso comportamento, na forma como elaboramos conhecimentos e no nosso relacionamento com o mundo. No entanto, segundo Almeida (2005), a educação se revela como uma das últimas vertentes sociais a ter resistência quanto ao uso do computador no desempenho das atividades. Esse é um dos grandes desafios para ação da escola na atualidade. Viabilizar-se como espaço crítico em relação ao uso e à apropriação dessas tecnologias de comunicação e informação (KENSKI, 2003).

No universo do ensino superior também como todo espaço de aprendizagem e um grande espaço de construção de ideais e praticas onde cada discente orientado pelo seu docente desenvolver seu fazer acadêmico. Uso das TIC’s está como uma ferramenta de suma importância na didática do ensino superior vem exigindo muito de docente um maior domínio destes recursos para que cada momento em sala de aula seja marcado de um universo. Observa-se que todo meio acadêmico do ensino superior deve e exige-se que seja alternativo e dinâmico e essa afirmação vai de encontro com vários recursos que as TIC’s têm a oferecer.

Logo, este estudo, apresenta como objetivo investigar o domínio e a utilização de recursos tecnológicos dos professores de uma faculdade privada. Além disto, verificar o envolvimento desses profissionais com as TIC’s em seus planos de trabalho e na formação profissional em nível superior.

Material e métodos

Abordagem e objetivo da pesquisa

Quanto a sua abordagem, trata-se de uma pesquisa de campo quanti- qualitativa. Segundo Goldenberg (1997), “não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização”. Quanto ao objetivo, revela-se uma pesquisa exploratória, pois de acordo com Gil (2002, p.41), “objetiva proporcionar mais familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”.

Sujeitos e os locais da pesquisa

Este trabalho foi realizado em uma faculdade privada localizada na região Noroeste do estado do Espírito Santo, envolvendo um grupo de 7 professores. Procedimentos para coleta e registro dos dados

No primeiro momento utilizou-se da pesquisa bibliográfica, pois os levantamentos de referências teóricas já analisadas permitem ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. No decorrer utilizou-se também da Pesquisa de Campo, que segundo Gonçalves (2001), é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. A Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 43 de 188 coleta de dados foi feita no mês de novembro 2016. O método escolhido para a coleta dos dados foi através de questionários semiestruturado.

As análises dos dados obtidos foram realizadas utilizando o programa Microsoft EXCEL 2010, usando estatística descritiva.

Resultados e discussão

Perfil dos entrevistados

A partir da entrevista realizada com os 7 (sete) professores do ensino superior que fizeram parte desta pesquisa, foi possível traçar um breve perfil. Em relação ao gênero 57,16% feminino e 42,87% masculino. Os entrevistados têm entre 20 (vinte) e 40 (quarenta) anos de idade. Os professores possuem, em média, entre 3 (três) a 19 (dezenove) anos de atuação na área educacional. Com relação à titulação dos docentes da amostra, foi verificado que 100% possuem como maior título á Especialização. O professor como todos os profissionais necessitam estar em constante atualização, uma vez que a sociedade está sempre em transformação pelo avanço da tecnologia e pelo desenvolvimento humano. Acredita-se que docentes mais jovens tendem a estar mais familiarizados com as novas tecnologias, por fazerem parte da geração das mídias digitais e por conviverem desde cedo com as TIC’s (ALBUQUERQUE, 2011). Desta forma, o perfil dos docentes aponta para o fato de que estes professores estão em processo de formação dos seus saberes e da construção de suas práticas pedagógicas.

Uso pessoal das TIC’s pelos docentes

Como esperado, 100% dos professores apresenta facilidade no uso do computador e acesso a internet. A criação de ambientes de aprendizagem a partir do computador permite novas formas de trabalho e possibilitam ainda pesquisas, simuladores, interação virtual, ideias e experimentos, soluções e construções de novas formas de representações (BARROS, 2009). A pesquisa revela que 100% dos professores utilizam diariamente com frequência o acesso à internet. A conexão do acesso à internet com o computador tem se mostrado uma ferramenta potencial para utilização a nível educativo, capaz de diversificar o processo de ensino-aprendizagem, e enriquecer a prática pedagógica, modificando a forma de pensar e aprender, tornando-as integradas e colaborativas (ALBUQUERQUE, 2011).

A figura 1 revela que se fosse ofertado curso de formação voltado para a utilização das Tecnologias da Informação - TIC’s em seu ambiente de trabalho, 85,71% dos entrevistados participaria com entusiasmo e 14,29% não demonstraria interesse na participação.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 44 de 188 Figura 1: Respostas dos professores sobre a oferta de curso de formação voltado para a utilização das Tecnologias da Informação - TIC’s em seu ambiente de trabalho.

Kenski (2007) destaca que o papel do professor é recuperar a origem e a memória do saber, estabelecendo o direcionamento para as práticas, os conhecimentos e as experiências apreendidos nos mais diversos ambientes de aprendizagem. Desta forma, tornar seu trabalho mais fácil e rentável através da criação de recursos mais simples ou mais complexos (BRIGNOL, 2004).

Os professores foram questionados, se considera a utilização dos recursos tecnológicos como coadjuvantes ao ensino e a aprendizagem nos conteúdos que você ministra (Figura 2). Dos entrevistados, 85,71% afirmam que é extremamente úteis para a aprendizagem dos alunos e 14,29% confirmam úteis para a aprendizagem dos alunos.

Figura 2: Respostas dos professores sobre a utilização dos recursos tecnológicos como coadjuvantes ao ensino e a aprendizagem nos conteúdos que você ministra.

Adequada formação de educadores para a apropriação das tecnologias disponíveis de modo a dominar os principais recursos e compreender características e propriedades inerentes às tecnologias; aprender a integrá-las entre si de acordo com as necessidades que emergem nas situações de uso nos processos de ensinar e aprender, articular teorias educacionais a partir das experiências realizadas com o uso dessas tecnologias (ALMEIDA, 2007). A tecnologia da informação provoca e cria possibilidades de comunicação entre os estudantes e as universidades/faculdades como instituições e também com membros que as compõem, gestores, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 45 de 188 pesquisadores, acadêmicos e funcionários. Os serviços da WEB e os e-mails, as conferências virtuais e os grupos de discussão (chat e fóruns) aumentaram as oportunidades de os alunos acessarem, conhecerem e se comunicarem com suas universidades e com as do mundo inteiro (MORAN, 2000).

Ao serem perguntados sobre com que frequência você utiliza as tecnologias de informação e comunicação na mediação de saberes (figura 3), 71,42% dos docentes participantes responderam que frequentemente e 28,58% esporadicamente. Se a escola for entendida como um local de construção do conhecimento e de socialização do saber, como um ambiente de discussão, troca de experiências e de elaboração de uma nova sociedade, é fundamental que a utilização dos recursos seja amplamente discutida e elaborada conjuntamente com a comunidade escolar, ou seja, que não fique restrita às decisões e recomendações de outros (MAINART, 2010).

Figura 3: Respostas dos professores sobre a com que frequência você utiliza as tecnologias de informação e comunicação na mediação de saberes.

Todos os professores questionados, 57,13% responderam que a qualidade do ensino com o uso das TIC’s cresce no mesmo ritmo que elas são utilizadas e em sequência 28,58% apresenta crescimento parcial à medida que as TIC’s são utilizadas (Figura 4). A grande evolução e utilização das novas tecnologias informacionais vem provocando transformações radicais nas concepções de ciência, e impulsiona as pessoas a conviverem com a ideia de aprendizagem sem fronteiras e sem pré-requisitos. Tudo isso implica em novas ideias de conhecimento, de ensino e de aprendizagem (TAJRA, 2000). Para Bahlis (2005) o impacto das novas tecnologias na vida cotidiana e na sociedade é cada vez mais evidente e só passa hoje despercebido para uns poucos renitentes, que esperam assim fugir aos temores do desconhecido desta nova aventura.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 46 de 188 Figura 4: Respostas dos professores sobre a qualidade do ensino com o uso das TIC’s.

A utilização de tecnologias digitais no ensino/aprendizagem surge novas possibilidades, democratizando o acesso aos diferentes níveis e modalidades de ensino. Desta forma, a contribuição pedagógica para a inclusão na tecnologia exige um aprendizado prévio por parte do professor, conforme o relato dos professores:

Professor 1: “[...] é importante pois propicia uma melhor dinamização da aprendizagem quanto a conteúdos diversos, e oferece ferramentas para a concepção de diferentes processos no ensino [...].”

Professor 2: “[...] o uso de recurso tecnológicos tem muito a melhorar a aprendizagem dos alunos pois traz mais dinamismo, melhora a interação, do aluno com os conteúdos programáticos, da um olhar diferente ao conteúdo exposto[...].”

Professor 3: “[...] estamos na era da informação, levar apenas conteúdo escalados não atrai o aluno e nem propicia a criatividades ao mesmo, e necessário mesclar o conteúdo com os recurso das TIC’s [...].”

As metodologias educacionais atualmente apontam para um modelo híbrido de apresentação do saber que priorize o aluno como protagonista da construção do seu próprio conhecimento. No nível de ensino superior, surge a crescente necessidade da adequação dos currículos e de um trabalho multidisciplinar que seja eficiente na formação de profissionais não só para o mercado de trabalho, mas também, como cidadãos engajado na participação e transformação social.

Uma ampla variedade de recursos tecnológicos está disponível como metodologia alternativa de ensino e aprendizagem. O professor deve ser alguém criativo, competente e comprometido com o advento das novas tecnologias, interagindo em meio à sociedade do conhecimento, repensando a educação e buscando os fundamentos para o uso dessas novas tecnologias, que causam grande impacto na educação e determinam uma nova cultura e novos valores na sociedade (RIBAS, 2008).

Conclusão

Apesar dos sujeitos pesquisados tenham afirmado que usam as TIC’s em sua prática educativa, percebemos que esse uso tem se apresentado mais de cunho tradicional do que inovador, mas mesmo assim é um começo uma vez que estudos revelam que ao professor contemporâneo não cabe somente os saberes teóricos sobre a disciplina que ministra, ele deve ser capaz de concretizar uma leitura mais abrangente do mundo no qual se insere e que saiba conduzir seus Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 47 de 188 alunos, por meio de processos de pesquisa que se vale de todos os recursos possíveis, a uma autoria autônoma e crítica.

No ensino superior de maneira específica, o público alvo, é o acadêmico. O mesmo em tem uma carga diferente de conhecimento tecnológico, o professor deixa de ser o foco do aprendizado e se torna mediador, sendo assim, orientando na exploração das informações que essas novas tecnologias oferecem, de maneira segura, para uma utilização futura, na vida acadêmica e na vida profissional pós-formatura. A prática educativa com o uso da tecnologia a levam os alunos a pesquisarem sobre um determinado assunto, leitura de textos diversos (reportagens) e, também, para praticar um conteúdo já aprendido em sala de aula. E é nesse enfoque que surge a importância do educador enquanto capacitor de conhecimento, em transformar essas novas tecnologias em práticas pedagógicas.

Portanto, a inclusão das TIC’s no ensino superior, depende da mudança da instituição e do professor para que estas tecnologias estejam ao alcance do professor e do educando é preciso o mínimo de infraestrutura na instituição de ensino, para que o educador utilize das ferramentas disponível, com intuito de organizar, planejar e melhor apresentar ao educando um novo jeito de aprender.

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Maria Aparecida da Silva Leite26 Marcos Augusto Schliewe27

Resumo O modelo de desenvolvimento socioeconômico das cidades brasileiras têm causado graves problemas ambientais. O desenvolvimento da agricultura e pecuária causam a fragmentação e perda de habitat do Cerrado, segundo maior bioma brasileiro. Torna-se necessária a realização de ações de sensibilização voltadas para a recuperação e a conservação deste bioma. Como contribuição, as sementes e mudas de espécies nativas são utilizadas, neste trabalho, para promover o conhecimento sobre a diversidade e estratégias de adaptação de espécies arbóreas do bioma Cerrado em aulas de Biologia partindo da premissa de que o conhecimento é uma estratégia para percepção da importância da preservação. Palavras-chave: Preservação ambiental. Sensibilização. Conservação.

Abstract The socioeconomic development model of Brazilian cities has caused serious environmental problems. In addition, the development of agriculture and livestock causes the fragmentation and loss of Cerrado habitat, second largest Brazilian biome. In this scene, it is necessary to carry out actions aimed understanding at the importance of recovery and conservation of this biome. As a contribution, seed and seedlings of native species was used, in this paper, to promote knowledge about the diversity and adaptation strategies of tree species of the Cerrado biome in certain Biology classes, based of premisse that knowledge is one of the strategies for the perception of Importance of preservation. Keywords: Environmental preservation. Awareness. Conservation.

Introdução

Assim como o grande e rápido desenvolvimento socioeconômico das cidades brasileiras, os problemas ambientais também crescem em larga escala, pois atividades associadas a este crescimento, como a agropecuária e indústria, em sua maioria, trazem como consequência grande agressão ambiental. O Cerrado é considerado a última fronteira agrícola do planeta e sofre diretamente com os efeitos desse desenvolvimento (BORLAUG, 2002). De acordo com ZAPPI et al (2015) esse bioma possui cerca de 12.097 espécies de plantas, sendo 1.790 espécies de árvores, 3.380 arbustos, 3.185 subarbustos, 5.189 ervas e 1.276 lianas, somente no estado de Goiás são registradas 5.625 dessas espécies. A diversidade florística coloca a flora do Cerrado como a mais rica entre as savanas do mundo contendo 35% de espécies endêmicas (FELFILI; SILVA; SCARIOT, 2005). Apesar do Cerrado ser considerado um dos maiores hotspots mundiais de biodiversidade, o bioma, nos últimos anos, está sendo fragmentado pela perda sistemática de habitat (MYERS et al., 2000).

Fischer; Lindenmayer (2007) afirmam que a modificação da paisagem e fragmentação de habitat ameaçam a biodiversidade mundial podendo afetar negativamente vários grupos taxonômicos, incluindo aves, mamíferos, repteis, anfíbios, invertebrados e plantas. Essa situação

26 Licenciada em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) Campus Formosa. 27 Professor Efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) Campus Formosa - Mestre em Biologia Celular e Molecular (UFG)- Doutorando em Botânica (UnB).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 49 de 188 ameaça a sociobiodiversidade28 local, pois além de modificar fatores ambientais, interfere na vida social das comunidades que dependem dos recursos naturais (BRITO, 2009).

Neste sentido, a coleta de frutos e sementes para a produção de mudas é apresentada como uma alternativa importante para alertar as populações locais quanto as perdas ao longo do tempo devido às ações antrópicas. Costa et al (2014) afirma que as sementes têm o importante papel de manter as vidas nos diversos biomas e de todos os tipos de cadeias alimentares estabelecidas ali. a polinização das flores e a dispersão de suas sementes são processos fundamentais para o equilíbrio. Além disso, a disponibilidade de sementes é importante para trabalhos de recuperação de matas ciliares, sistemas agroflorestais, , artesanatos, produção de óleos e corantes, e base de medicamentos.

Diante dessa problemática, a promoção do conhecimento sobre a vegetação do bioma Cerrado, por meio da utilização de sementes e plantio de mudas de espécies nativas em aulas de Biologia, é testada como alternativa para a promoção da conservação deste bioma, tornando a sala de aula, um ambiente propício para se trabalhar a sensibilização dos alunos acerca da preservação ambiental

Metodologia

Foram realizadas coletas, identificação e armazenamento de sementes de espécies vegetais nativas do bioma Cerrado que, posteriormente foram induzidas à germinação em casa de vegetação. Posteriormente foi realizada intervenção pedagógica em duas turmas de ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, campus da cidade de Formosa em aulas de biologia previamente agendadas com o professor regente das turmas, incluindo aulas expositivas práticas e teóricas. As atividades realizadas encontram-se descritas no quadro 1.

Quadro 1_ Descrição das aulas ministradas durante a intervenção pedagógica Aulas Local Metodologia Objetivo da aula Recursos ministradas utilizada utilizados Aula teórica Sala de aula Aula expositiva Caracterizar o bioma cerrado, Projeção de introdutória discutir sobre a importância das slides em data (90 minutos) espécies e apresentar como show ocorreram as etapas anteriores do (imagens) projeto Exposição Laboratório Aula Promover o conhecimento das Sementes e de frutos e de botânica prática/demonstrativ espécies a partir das características frutos sementes (90 a físicas dos frutos e sementes por identificados minutos) meio dos sentidos. expostos em Estabelecer relações entre a forma bancada. da semente e as formas de dispersão e polinização. Plantio de Pátio Atividade prática Realizar plantio de mudas para Mudas de mudas (90 recuperação de áreas nas espécies minutos) dependências do IFG. variadas. Fonte: elaboração dos autores

Foi utilizada a abordagem da pesquisa qualitativa e quantitativa para avaliar os resultados da intervenção pedagógica. Um questionário semiestruturado foi aplicado aos 54 alunos participantes antes da sequência de aulas a fim de levantarmos um diagnóstico inicial dos alunos a respeito do tema e anotações feitas em diário de bordo durante a intervenção serviram de base para analisar os resultados. Os dados foram analisados de acordo com a análise de conteúdo de Bardin (1977).

28 A sociobiodiversidade, segundo Brito (2009) é “o acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais , resultado do acúmulo de conhecimentos e tecnologias tradicionais, passadas de geração a geração”. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 50 de 188 Resultados e discussões

19 espécies de eudicotiledôneas arbóreas do Cerrado e 2 arbustos foram coletadas, beneficiadas, armazenadas e identificadas, compreendendo 20 gêneros e 13 famílias (quadro 2). Quadro 02_ Relação das espécies coletadas Identificação Científica Nome Popular Frutificação Hábito Anacardium humile Mart. (Anacardiaceae) Cajú Out-Nov Subarbusto Apeiba tibourbou Aubl. (Malvaceae) Escova-de-macaco Set-Nov árvore Aspidosperma macrocarpum Mart. (Apocynaceae) Peroba-do-campo Ago-Set árvore Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze (Lecytidaceae) Jequitibá Jul-Set árvore Cedrela odorata Linn. (Meliaceae) Cedro Jun-Ago árvore Dalbergia miscolobium Benth. (Fabaceae) Jacarandá-do-cerrado Mai-Out árvore Dipteryx alata Vog. (Fabaceae) Barú Set-out árvore Enterolobium ellipticum Benth. (Fabaceae) Tamboril Ago-Nov árvore Guazuma ulmifolia Lamb. (Malvaceae) Mutamba Ago-Set árvore Handroanthus avellanedae (Lorentz ex Griseb.) Mattos Ipê-rosa Out-Nov árvore (Bignoniaceae) Hymenaea stigonocarpa Mart. Ex Hayne (Fabaceae) Jatobá Set-Out árvore Hyptis suaveolens Poit. (Lamiaceae) mata-pasto Ano todo erva Machaerium acutifolium Vog. (Fabaceae) Jacarandá-muchiba Ago-Set árvore Magonia pubescens A. St. Hil (Sapindaceae) Tingui Ago-Set árvore Pterodon emarginatus Vog. (Fabaceae) Sucupira-branca Jun-Out árvore Qualea grandiflora Mart. (Vochysiaceae) Pau-terra Ago-Set árvore Solanum aff. lycocarpum St. Hil. (Solanaceae) Lobeira Ano todo Subarbusto Sterculia striata A. St. Hil. (Malvaceae) Xixá Jun-Ago árvore Terminalia fagifolia Mart. & Zucc. (Combretaceae) Capitão-do-campo Fev-Nov árvore Handroanthus chrysotrichus (Mart. Ex A. DC.) Mattos Ipê-amarelo Out-Nov árvore (Bignoniaceae) Virola sebifera Aubl. (Myristicaceae) Ucuuba Jul-Set árvore Fonte: Elaboração dos autores

Neste trabalho aproximadamente 28% das espécies coletadas pertence à família Fabaceae, contendo o maior número de espécies. Corroborando com Zappi et al (2015) que afirma que a família Fabaceae é a segunda maior em diversidade nos biomas brasileiros. Todas as espécies armazenadas apresentam um comportamento fisiológico tolerante à desidratação, ou seja, tratam-se de sementes ortodoxas, e essa característica permite o armazenamento29 (COSTA et al 2014).

As espécies submetidas à germinação são consideradas pioneiras30. São elas: Enterolobium ellipticum Benth.(tamboril) ,Hymenaea stigonocarpa Mart. Ex Hayne. (Jatobá do cerrado) Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex A. DC.) Mattos ( Ipê amarelo) e Handroanthus avellanedae (Lorentz ex Griseb.) Mattos. (Ipê rosa). O percentual de germinação observado foi de 75% para a espécie Jatobá do Cerrado, 100% para Ipê Amarelo, 38% para Tamboril e 34% para Ipê Rosa. Para as espécies Jatobá do Cerrado e Ipê Amarelo observou-se um percentual superior ao que foi descrito por Salomão, et al (2003) que é de 70%, enquanto que para Tamboril esse número foi inferior aos 90% descrito pelo

29 Armazenamento de sementes é a ação de guardar sementes obtidas numa determinada ocasião, procurando manter a sua máxima qualidade fisiológica, física e sanitária, objetivando o seu uso no futuro. (MEDEIROS, 2001). 30 São espécies arbóreas utilizadas para recuperação de ambientes degradados, pois possuem rápido crescimento e em regeneração natural são as primeiras a surgir. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 51 de 188 autor. A discrepância possivelmente está relacionada aos diferentes ambientes de germinação entre os estudos.

Orientados pelos conceitos dos 3 Rs da sustentabilidade31 e com o compromisso de preservação do meio ambiente, procuramos reduzir a produção de resíduos, utilizando embalagens de ovos como recipientes para germinação. E propomos ainda assim a inclusão de mais um R da sustentabilidade, ressignificando-o em os 4 Rs da sustentabilidade, sendo o último, a Recuperação de nosso bioma Cerrado. Estas embalagens mostraram-se eficientes, sem custos (doações) e biodegradáveis. É necessário cuidado no manuseio, pois tornam-se mais frágeis quando úmidas.

Este trabalho está alinhado aos princípios de Educação Ambiental (EA) previstos na lei 9.795/1999 que define educação ambiental como sendo “[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999).

Representa ainda a prática da grande conquista que o país estabeleceu com a obrigatoriedade da Educação Ambiental (EA) no ensino básico (BRASIL, 1999). Para Cuba (2010) a EA é uma estratégia para alcançar as mudanças desejadas na atual educação.

Deste modo a metodologia utilizada, neste trabalho, despertou o interesse da maioria dos alunos e os envolveu efetivamente nas atividades. Reflexo dos anseios dos alunos por aulas mais proveitosas, participativas e prazerosas que os levem a entender os conteúdos a partir de vivências. Segundo Faria et al (2005)

Muitos multiplicadores do saber por não terem recebido os conhecimentos de forma adequada resumem a Botânica ao estudo de temas complexos, sequenciais e restritos, muitas vezes, a um tema básico como o ciclo das briófitas e pteridófitas.

Estes autores afirmam ainda que a criação de sistemas de organização e de expressões que permitam a desmitificação da Botânica e a construção de maneiras mais adequadas de tornar agradável e prazeroso o aprendizado dos temas relacionados aos vegetais, despertam o interesse dos alunos pelas plantas.

A metodologia aplicada e a análise das respostas dos questionários aplicados, bem como as observações registradas durante a intervenção didática permitiram a discussão de três subtemas: Espécies nativas e áreas degradadas no município de Formosa; Estudo sobre sementes do Cerrado; Plantio de mudas e adoção de plantas do Cerrado.

Sobre as Espécies nativas e áreas degradadas no município de Formosa, o questionário utilizado pediu a opinião dos participantes, se a cidade de Formosa é bem arborizada, 32% dos alunos escolheram a opção sim e 67% não. Foi questionada ainda se eles reconheciam muitas espécies nativas do cerrado plantadas nas vias públicas e parques de Formosa? 72% dos alunos revelaram não reconhecer muitas espécies nativas em vias públicas e parques. As respostas indicam a necessidade de haver mais abordagens sobre o tema Cerrado a fim de ampliar os conhecimentos dos discentes.

Quando questionados se conseguiam reconhecer áreas degradadas do município, 52% dos respondentes afirmaram reconhecer muitas áreas, 35% escolheram a opção “sim, poucas” e 13% disseram que não reconhecem essas áreas degradadas.

Os dados levantados inicialmente neste trabalho por meio do questionário revelam o desconhecimento das espécies nativas por parte dos alunos. Ao participarem das aulas os alunos passaram a reconhecer muitas espécies que realmente são nativas do bioma Cerrado, assim tendo condições de diferenciá-las das espécies exóticas comumente utilizadas para arborização da cidade.

31 Reduzir, Reciclar e Reutilizar. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 52 de 188 Diante disso, destaca-se a necessidade de haver mais plantios de espécies nativas como forma de recompor a flora do ambiente proporcionando benefícios para as populações.

Convidados a sugerir contribuições que eles e a escola poderiam dar para a recuperação das áreas consideradas degradadas no município de Formosa, grande parte dos alunos sugeriram o plantio como contribuição tanto pessoal como institucional. A segunda sugestão mais citada foi “conscientização” seguida da realização de “projetos” de recuperação das áreas degradadas.

Estudo sobre sementes do Cerrado. Segundo Bizerril (2003) o tema Cerrado e a educação ambiental são temas pouco explorados na sala de aula de nossas escolas, o que dificulta a preservação por parte de pessoas que desconhecem o próprio bioma onde vivem. Alguns autores (SIQUEIRA, 2012; BEZERRA, 2014) têm atribuído esse problema à pobreza com que o bioma cerrado é tratado nos livros didáticos. BEZERRA, SUESS (2013) apontam uma desvalorização da flora do Cerrado nos manuais didáticos, tais constatações reforçam a necessidade de projetos de intervenção que leve para as escolas conhecimentos adicionais sobre o bioma Cerrado. Alguns itens do questionário se prestaram a investigar como esse processo ocorre nas aulas de Biologia na visão dos alunos participantes da pesquisa. O percentual de alunos que declararam já terem estudado sobre as sementes e frutos do Cerrado Você já estudou sobre as sementes e frutos do Cerrado? foi de 61%.

Sobre a curiosidade dos alunos com relação às espécies de plantas do Cerrado, 46% afirmaram se considerar curioso e 54% não. Sobre o modo com que o tema Cerrado é tratado nas aulas de Biologia, 35% afirmaram ser suficiente para esclarecer sobre a necessidade de preservação do bioma e 63% não.

Analisar como se dá o estudo sobre as sementes do Cerrado em aulas de Biologia torna-se importante uma vez que buscamos soluções didático-pedagógicas para melhorar o processo de aprendizagem. Os estudos anteriores indicam serem insuficientes as abordagens usualmente adotadas para o ensino do tema e, além disso, é possível observar que muitos alunos simplesmente não demonstram nenhum interesse em aulas de Biologia. Em estudo realizado do Distrito Federal, Bizerril (2003) constatou que há um desinteresse por parte dos professores pelo tema Cerrado.

Os discentes ainda sugeriram atividades que na percepção deles poderiam ser adotadas nas aulas para melhorar o estudo do tema Cerrado. As respostas demonstraram a insatisfação dos alunos com as aulas monótonas, repetitivas que normalmente são executadas, deixando claro o anseio por atividades que superem a leitura de conceitos e transmissão de informações, levando-nos a confirmar que a abordagem comumente utilizada é insuficiente para o sucesso do aprendizado.

Plantio de mudas e adoção de plantas do Cerrado. Durante as aulas, os alunos foram convidados a adotar mudas de espécies de árvores do Cerrado. Essa adoção consistiu em receber uma muda, realizar o plantio em uma área previamente preparada pelo serviço de jardinagem do IFG e fornecer os cuidados necessários para o seu desenvolvimento, visitando-a semanalmente ou sempre que possível. Investigados previamente através do questionário, 76% dos alunos afirmaram que dariam preferência às espécies nativas do Cerrado, caso tivessem a oportunidade de realizar um plantio. Assim, conferimos aos alunos meios para concretizar essa ação dentro do ambiente escolar levando-os a entender a importância de recompor a vegetação.

No penúltimo encontro foi realizada essa atividade com a participação dos alunos e do professor da turma. Já no início do trabalho esse desafio de adotar uma planta, captando para si a responsabilidade em contribuir diretamente para a arborização da área pré-definida foi muito bem aceito pelos alunos. Observou-se posterior ao plantio que grande parte dos alunos vinha realizando com bastante empenho essas funções.

Os resultados evidenciam o interesse em fazer a diferença plantando árvores nativas e contribuindo para o equilíbrio da biodiversidade local. Pôde ser observado durante a realização da Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 53 de 188 atividade de plantio de mudas, o comprometimento e a dedicação dos alunos em contribuir para essa missão que tanto depende do conhecimento, que é a missão de recuperar o bioma Cerrado.

Considerações finais

Neste trabalho, o conhecimento sobre a vegetação do bioma Cerrado por meio da utilização de sementes e plantio de mudas de espécies nativas em aulas de Biologia foi apresentado como forma de gerar a conscientização sobre a importância da recuperação das áreas degradadas, de incentivo ao plantio de espécies nativas, forma de explorar a aprendizagem através dos sentidos e de compreender a importância das plantas para a conservação do meio ambiente. Constatou-se que a metodologia adotada é mais eficiente na nos alunos mais jovens, o que pode ser atribuído ao fato de para alguns terem sido um primeiro contato com o tema abordado e por isso despertou um maior interesse.

Um fator importante é um maior apoio da administração das instituições de ensino às atividades de plantio. O comprometimento de todas as esferas da comunidade escolar é de fundamental importância na realização deste trabalho.

Contudo, o trabalho realizado mostrou que a proposta de uso de sementes é uma importante ferramenta de sensibilização da comunidade escolar para os crescentes problemas relacionados à degradação do bioma Cerrado, seja pela exploração descontrolada do bioma, seja pela falta de informação das pessoas. Neste sentido, acreditamos que a escola diferença é peça chave na luta pela recuperação dessas áreas, na sua função de formar cidadãos dotados de atitudes positivas capazes de modificar o cenário atual levando a recuperação destas importantes áreas. Para tanto, será necessária a adoção e novas metodologias mais eficazes que aproximem os alunos do ambiente em que estão inseridos de modo que estes se reconheçam como parte desse ambiente. Assim, através do conhecimento, poderão colaborar e defender essa causa, pois só é possível preservar aquilo que se conhece.

A proposta deste trabalho mostrou-se eficiente, uma vez que levou aos objetivos almejados, deste modo, poderá posteriormente servir de base para um processo de educação ambiental mais amplo, considerando é claro, que uma ação de EA demandaria maior disponibilidade de tempo e um maior planejamento.

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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 55 de 188 A MULHER E O MOVIMENTO FEMINISTA: UMA IDEOLOGIA PESSOAL EM BUSCA DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL32

Maria Isabel Batista Oliveira33 Marlene Almeida de Ataíde34

Resumo Este trabalho teve como objetivo compreender a atuação da mulher dentro do movimento feminista, e conhecer o perfil das mesmas. Objetivou ainda analisar as categorias relacionadas a esta participação, para trazer à tona através das narrativas, se, por intermédio de determinado movimento feminista há uma denúncia social com relação às políticas voltadas para a mulher, bem como uma insatisfação pessoal ao papel social atribuído a ela. A pesquisa foi desenvolvida na perspectiva qualitativa, pois, só se inicia uma pesquisa quando existe uma indagação, uma dúvida para aquilo que se pretende buscar uma resposta. Pesquisar, portanto, é buscar ou procurar resposta para alguma coisa. Utilizou-se enquanto instrumento da pesquisa, entrevistas semiestruturadas que foram gravadas, transcritas e digitalizadas. Este método foi embasado na metodologia da história oral enquanto suporte investigativo, e, buscou trazer para o texto como enredo as narrativas de mulheres que participam de movimentos feministas, objetivando conhecer suas participações em tais movimentos. Palavras chave: Mulher, Movimentos feministas, Gênero, Protagonismo feminino.

Abstract This study aimed to understand the woman's role within the feminist movement, and know the profile of the same. It aimed to further analyze the categories related to this participation, to bring out through the narratives, if, through certain feminist movement there is a social denunciation regarding policies for women, as well as a personal dissatisfaction to the social role assigned to it . The research was conducted in qualitative terms, therefore, only begins a search when there is a question, a doubt for what we intend to seek an answer. Search, therefore, is to seek or seek answer to something. Was used as an instrument of research, semi-structured interviews were recorded, transcribed and digitized. This method was based on the methodology of oral history as an investigative support, and sought to bring the text as plot women narratives participating in feminist movements, in order to know their interests in such movements. Keyword: Woman, feminist movements, gender, female protagonism.

Introdução

Este Trabalho de Conclusão de Curso – TCC é resultado de uma pesquisa qualitativa, que teve como sujeitos eleitos 5 (cinco) mulheres de ambas as idades e profissões que participam de movimentos feministas na Capital - São Paulo.

No aspecto da problemática foi questionado o que leva a escolha de tal integração e participação, bem como, há quanto tempo àquelas mulheres estão buscando conquistas e quais foram os avanços decorrentes desta busca? Indagou-se ainda quais os desafios enfrentados e a necessidade de expor a escolha de transformação e o não segmento do modelo feminino que lhe foi determinado em tempos passados?

32 Trabalho apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Bacharel em Serviço Social na Faculdade de Serviço Social da Universidade Santo Amaro – UNISA-SP. 33 Assistente Social pela Universidade de Santo Amaro – UNISA-SP. Atua na área da Assistência/Educação. 34 Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 56 de 188 O objetivo geral ficou assim delimitado, ou seja: conhecer as necessidades e motivações que levaram mulheres participantes de movimentos feministas a assumirem tal posicionamento e se tornarem parte de determinado movimento social.

Quanto aos objetivos específicos definiu-se por levantar o perfil das mulheres que participam de movimentos feministas e ainda: analisar se sofrem de discriminações decorrentes do interesse em se auto declarar como feminista; conhecer as necessidades que direcionam e levam mulheres a atuarem em movimentos feministas; verificar quais as mudanças ocorridas em suas rotinas após se tornarem parte do movimento feminista; e por fim, averiguar os limites e as possibilidades para se manterem nos movimentos e se estes os transformam em protagonistas das suas histórias.

No que tange aos procedimentos metodológicos, as entrevistas foram gravadas, e conforme as palavras de Queiroz (1991, p. 57), “A captação de informações, depoimentos, histórias de vida, por meio do gravador representa, sem dúvida, uma ampliação do poder de registro dos pesquisadores”.

Assim, “[...] buscou-se versões dos fatos, pressupondo a existência de lacunas espaciais e temporais e aceitando a subjetividade implícita no relato, tanto da parte do narrador, quanto do pesquisador que procedeu a sua coleta”. (LANG, 1.996, p. 37).

O movimento feminista no Brasil: breve resgate

Resgatar sucintamente a história dos movimentos feministas no Brasil se faz premente para entendermos a articulação de mulheres que possuíram e possuem o mesmo objetivo com relação à participação e vida em sociedade.

Foi na primeira fase do movimento feminista que as mulheres presenciaram a luta de outros países em busca de decisões pessoais, tanto em 1960 com a criação da pílula anticoncepcional, quanto das mulheres que foram contra a ditadura da beleza em 1968 através do marco histórico “a queima de sutiãs”. No Brasil, foi a partir do século XIX que as mulheres conquistaram o direito ao voto político do qual, até então teriam sido discriminadas. Consequente a esta conquista, o movimento feminista se destaca e recebe apoio de várias instituições e outras organizações Em São Paulo nos anos 70 as mulheres começam a se movimentar em busca de direitos básicos, em busca de escolas e creches para seus filhos e por melhores condições de vida e trabalho, o que fica registrado como a segunda onda do movimento feminista. Durante o período da ditadura militar, se posicionaram de forma resistente em fazer parte da esfera política.

O atual feminismo brasileiro nasce, nos anos 70, no panorama internacional que instituía o Ano Internacional da Mulher (1975), favorável, portanto, à discussão da condição feminina e, ao mesmo tempo, no amargo contexto das ditaduras latino-americanas, que calavam implacáveis, as vozes discordantes. O retorno a esta origem, naquele momento e naquele contexto político, nos remete à radicalidade posta na questão da mulher como uma questão fundamentalmente “conflituosa”, tanto nas relações entre o homem e a mulher, quanto em todas as relações de poder socialmente instituídas, articulando gênero e classe, como foi tantas vezes sublinhado sobre o caráter deste movimento, no Brasil. (SARTI, 2001 p.31).

Apesar da luta feminina estar ligada à luta social, a mulher neste período também é excluída, por questões conservadoras que ainda permeavam ás organizações existentes.

As mulheres foram incorporadas às organizações de esquerda, tanto no campo como nas cidades. Mas essas organizações relutaram em absorver a mulher militante de maneira mais adequada ao papel que ela já havia desempenhando Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 57 de 188 nas diversas áreas da vida social e econômica, talvez por considerarem que as ações guerreiras só diziam respeito aos homens. (TELLES, 1994, p 64).

Consideração esta, que nos faz pensar na exclusão baseada em justificativas generalizadas de estrutura física e biológica.

Presume-se que, originalmente, o homem tenha dominado a mulher pela força física. Via de regra, esta é maior nos elementos masculinos do que nos femininos. Mas, como se sabe, há exceções a esta regra. Variando a força em função da altura, do peso, da estrutura óssea da pessoa, há mulheres detentoras de maior força física que certos homens. (SAFFIOT, 1987, p. 12).

Estrutura esta que se tornou objeto de uso, quando havia a necessidade de preparar emboscadas para distrair os militares nas atividades das equipes de busca.

Considerando que durante o período da ditadura militar, ao tratarmos de mobilizações que estivessem direcionados à política, ambos os participantes, fossem homens ou mulheres, estavam proibidos de exaltar suas opiniões e contradições a respeito, e mais uma vez as mulheres brasileiras buscavam caminhos para estarem inseridas no cotidiano, por mais repressivo que fosse tendo em vista que, sensíveis,

[...] às propostas dos partidos políticos clandestinos, muitas mulheres entraram nestas organizações, embora seus militantes fossem em sua maioria homens. Muitos homens e mulheres sobreviveram ás torturas e a repressão, sem, contudo, perder sua integridade ética e política. Outros não conseguiram superar as sequelas daqueles tempos. A constante dos relatos históricos, no entanto, tem sido a omissão ou a diluição da presença feminina. (TELLES, 1994, p. 65).

O Movimento Feminista traz diversas pautas e por este motivo não se torna único, são movimentos feministas, onde nem sempre uma única organização de mulheres irá contemplar todo o contexto de luta, eis que surge a necessidade de pontuar alguns movimentos. Assim como o movimento feminista de mulheres negras;

O Feminismo Negro é um movimento social e um segmento protagonizado por mulheres negras, com o objetivo de promover e trazer visibilidade às suas pautas e reivindicar seus direitos. No Brasil, seu início se deu no final da década de 1970, a partir de uma forte demanda das mulheres negras feministas: o Movimento Negro tinha sua face sexista, as relações de gênero funcionavam como fortes repressoras da autonomia feminina e impediam que as ativistas negras ocupassem posições de igualdade junto aos homens negros. (ARRAES, 2014, s/p).

Resistentes e em contato com outros grupos de mulheres e movimentos feministas, as mulheres deram continuidade ao posicionamento firmado. Agora não mais sozinhas, tem o acompanhamento da Organização das Nações Unidas - ONU, que considerou em 1975, o Ano Internacional da Mulher, no qual as feministas buscavam igualdade de direitos e questionavam o papel de submissão atribuído ao gênero feminino. Neste mesmo ano, o primeiro encontro de mulheres do Rio de Janeiro dá origem ao Centro da Mulher Brasileira e em São Paulo nasce o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira.

A busca por espaços de atuação não cessou, ideias democráticas e políticas deram segmento através das publicações dos jornais que foram construídos por elas a exemplo do Jornal “Nós Mulheres”, “Brasil Mulher” e “Mulherio”, os quais se tornaram numa forma de denunciar a ausência de equipamentos necessários para o desenvolvimento diário de suas rotinas, dialogar sobre o feminismo e fortalecer a articulação entre as outras mulheres. Falando sobre o dia 8 de março: Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 58 de 188

Em 1976, ocorre a primeira comemoração pública dessa data, após 64. No auditório do MASP (Museu de Arte de São Paulo) reuniram-se por volta de 300 pessoas, convidadas pelo jornal Brasil Mulher e pelo movimento Feminino pela anistia. Havia uma maioria de homens no plenário. Ao que parece, havia também alguns outros grupos de mulheres. Na oportunidade foram levantadas algumas reivindicações da mulher, mas a questão da anistia teve maior destaque. (TELLES, 1994, p. 97).

Partindo para a década de 80, o movimento feminista tem como pauta além dos direitos ligados diretamente ao feminino, questões relacionadas à sexualidade, violência, corpo e liberdade. Em 1985 cria-se por Decreto, a Delegacia Policial de Defesa da Mulher.

Em 1980, frente ao Teatro Municipal de São Paulo, um grupo de mulheres se reúne para exigir a implementação de políticas públicas, a visibilidade para o número crescente de violência voltada à mulher e a reformulação do Código Penal tendo como preocupação não apenas a agressão física e sim, todo e qualquer manifesto que originaria este tipo de ação, uma vez que;

Os direitos humanos das mulheres, não foram concedidos, mas conquistados em espaços de negociação demarcados pela tensão entre o nosso direito a ter direitos e a ideia de que o direito deve ser neutro, perante as diferenças de gênero. (SECRETARIA NACIONAL DA MULHER TRABALHADORA, 2009, p. 38).

Em 1984 o Brasil junto ao Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW aderiu à referida convenção a qual define o que se constitui discriminação contra a mulher e estabelece uma ampla agenda de ações a fim de acabar com a discriminação.

Em 1986, foi criada a Comissão Nacional sobre a mulher trabalhadora e que surge com o objetivo de debater a inclusão da temática de gênero nas políticas da Central Única dos Trabalhadores. Desta Comissão surge a Carta Magna das mulheres, e, conforme relato descrito no site da Secretaria de Políticas para as Mulheres traz a seguinte redação:

No processo de luta pela restauração da democracia, o movimento de mulheres teve uma participação marcante, ao visibilizar um conjunto de reivindicações relativas ao seu processo de exclusão, assim como ao lutar pela inclusão dos direitos humanos para as mulheres.

Seu marco foi a apresentação da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes (1988), que indicava as demandas do movimento feminista e de mulheres. A Carta Magna de 1988 incorporou no Artigo 5°, I: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. E no Artigo 226, Parágrafo 5°: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher”. Esses dois artigos garantiram a condição de equidade de gênero, bem como a proteção dos direitos humanos das mulheres pela primeira vez na República Brasileira.

Por outro lado, o dia nacional de redução da morte materna foi instituído no Brasil em 1988, levantando questões sobre o direito das mulheres à saúde sexual e reprodutiva. Data que é comemorada anualmente no dia 28 de maio.

Já em 1993 o Brasil faz adesão ao programa de ação da Conferencia Mundial de Direitos Humanos - Conferencia de Viena da Organização das Nações Unidas, o qual define que os direitos humanos do gênero feminino não podem ser vendidos e cedidos e integra os direitos humanos universais.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 59 de 188 Na esfera política a mulher ganha espaço através do sistema de cotas na legislação eleitoral, obrigando os partidos em 1996, através do Congresso Nacional, incluírem no mínimo 20% de mulheres nas chapas proporcionais. Neste mesmo ano no Brasil, acontece o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas, onde as mulheres se reúnem para discutir e rever seus direitos e conceitos.

Com argumentação política, no ano de 2000, as mulheres do movimento feminista e movimento de mulheres, se organizam juntamente aos trabalhadores da agricultura e com os sindicatos, em busca de políticas públicas contra a fome, a violência sexista e a pobreza. Desde então “A Marcha das Margaridas” como foi nomeado o movimento em homenagem à Margarida Maria Alves (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, de acordo com os registros documentados, foi assassinada à ordem de latifundiários), se torna um dos grandes momentos de articulação das mulheres trabalhadoras rurais em todos os estados brasileiros.

Em 2006 entra em vigor a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em cuja introdução descreve que referida lei,

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (LEI MARIA DA PENHA 11.340; 2006).

O movimento feminista no século XXI segue em meio a marchas e protestos, enfatiza a organização das mulheres e os diversos setores onde, embora tenham ocorrido avanços, não acompanham as gerações existentes. Hoje temos movimentos feministas focados na questão de gênero, em discussões políticas e religiosas, liberdade de escolhas e auto-afirmação.

A articulação das mulheres feministas contra qualquer e todo posicionamento machista e opressor, ocupa espaços aqui no Brasil. Em 2011, através da “Marcha das Vadias”, foram levantadas questões relacionadas à culpabilização das vítimas de todo tipo de violência (com ênfase no estupro), a exploração dos corpos femininos na mídia e no marketing televisionado, que coloca a mulher como objeto ao prazer masculino. Buscam a negação de estereótipos, a liberdade de expressão sexual da mulher, liberdade em sua orientação sexual e o fim do sistema patriarcal e sexista que nega à mulher o direito à vida de acordo com suas escolhas. A marcha das mulheres caminha em busca da legalização do aborto, para que o atendimento à saúde da mulher acompanhe as demandas necessárias, para que os casos em que as mulheres se encontram numa gravidez indesejada, sejam solucionados sem que haja uma negação no atendimento à saúde desta mulher, o qual á colocaria mais uma vez à margem da sociedade.

Apresentação das entrevistadas: Quem são essas mulheres?

As mulheres entrevistadas são militantes do movimento feminista, as quais foram denominadas por um codinome escolhido pelas mesmas tendo em vista se identificarem com outras feministas, bem como para preservar as suas identidades. A pesquisa encontra-se devidamente autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santo Amaro, tendo recebido o CAAE nº 49663215.9.0000.0081.

A primeira participante é uma assistente social, 29 anos, heterossexual, solteira, que há três anos atua na Casa Viviane dos Santos que tem como objetivo atender mulheres vítimas de violência. Denominou-se de Ana. Ao denominar-se pelo codinome mencionado, se refere à Ana Montenegro por uma identificação ideológica e política.

Nas suas palavras,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 60 de 188 A Ana leva o nome do coletivo que eu faço parte, coletivo feminista, classista Ana Montenegro. A Ana foi uma feminista cearense, comunista e nordestina. Ela tinha todas essas características que eu admiro muito. Foi uma grande mulher na luta pela emancipação, pelo menos pela conquista de nossos direitos aqui no Brasil.

A segunda participante, Alexandra Kollontai, 30 anos, lésbica, solteira, mora há três anos com sua companheira, cursa Serviço Social e trabalha a um ano na ONG (Centro de Cidadania LGBT) onde exerce a função de Articuladora Social LGBT, e que se denominou como tal alegando que tomou o conhecimento desta feminista somente em 2015, pois, [...] eu comecei a me encantar muito pelo que ela escreve e trazendo muito um pouco da atualidade. [...] ainda são muito presentes hoje no século XXI, quando a gente fala da questão do trabalho remunerado para as mulheres e ela falava isso no início do século XIX.

A participante que se denominou de Saffioti, homenageia a Heleieth Saffioti, possui 35 anos, heterossexual, casada, mãe de duas crianças, assistente social há cinco anos, atualmente exerce as funções na defensoria Pública de São Paulo. Quanto aos motivos que o levaram a denominar-se de Saffioti, alegou que, [...] a Saffioti, representa uma descoberta. O caminho da descoberta mesmo das discussões sobre gênero sobre a história das mulheres.

A quarta participante denominou-se de Ângela Davis, possui 35 anos, heterossexual, solteira, Formada em Ciências Sociais trabalha há três anos no Centro de Defesa da Mulher onde exerce as funções de Coordenadora. Quanto aos motivos de denominar-se de Ana Davis, ressaltou que,

[...] Ângela Davis, para mim é uma autora feminista, negra, marxista, comunista, uma mulher extremamente brilhante assim, com as coisas que ela escreve, muito lúcida e tem sido uma referência para mim.

A quinta e última entrevista denominou-se de Margarida Maria, possui 31 anos, lésbica, solteira, formada em Serviço Social. Atuante há três meses como Assistente Social na SMADS (Secretaria Municipal Assistência Desenvolvimento Social). Relata a escolha de denominar-se como Margarida Maria, pela seguinte admiração:

Eu escolho a Margarida Maria que é uma Martir da igreja, é da época de, vivia no auge da teologia da libertação e essa mulher escolheu morrer na luta do que morrer de fome, como uma mãe, mulher, trabalhadora, como uma militante, né, por direitos.

Resultados da pesquisa e análises das entrevistas: narrativas que falam

A partir das narrativas colhidas enquanto resultado da coleta de dados torna-se importante trazê-las para o texto como enredo, ou seja, recortar os excertos que são mais significativos no que diz respeito aos objetivos que foram traçados neste estudo.

Nesta direção, no quesito em que se refere aos motivos relacionados à busca do movimento feminista, e a representação destes nas suas vidas os relatos que seguem traduzem como cada participante se introduziu no movimento ao narrarem que: A minha militância e meu processo de militância ele se deu dentro da igreja católica, fiz parte da pastoral da juventude, então eu achava aquele cenário um cenário muito crítico e me chamava muita atenção. (Ana Montenegro)

[...] quando eu conheci o feminismo mesmo de fato, eu tinha 15 anos de idade, que foi uma grande amiga minha, que até a gente ainda é muito amiga que é a Alziane, e a mãe dela tinha um movimento chamado “Maria Sem Vergonha”, ai ela falou: “AH! Vamos lá na reunião com a minha mãe, do movimento”, era um movimento que era da igreja católica. (Alexandra Kollontai)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 61 de 188 [...] eu sempre ouvir falar do feminismo desde pequena, muito de “orelhada”, algumas pessoas que comentavam, a minha mãe ela é uma mulher que por muitos anos desde que eu me entendo assim por gente, participando de algum tipo de movimento. (Saffioti).

[...] eu acho que eu me aproximei um pouco quando a gente começa a si perceber mesmo como mulher. Das injustiças, em casa, muitas vezes você se rebela muito com a educação que você tem que é diferente da educação que seus irmãos recebem, da divisão de tarefas. (Ângela Davis)

A minha história, ela, ligada ao movimento feminista ela se dá muito mais pela minha aproximação ainda no universo religioso, né? Na igreja católica, pastoral da juventude, é... Também ainda no espaço acadêmico, né? Que claro, tem uma relevância imensa. E nesse contexto de vida acadêmica no serviço social, que é uma pegada de militância e num ambiente eclesial com a juventude, com a pastoral mais aberta [...] (Margarida Maria).

Cada narrativa demonstra o modo particular em que cada uma das entrevistadas apresenta os motivos para uma aproximação com o movimento feminista.

Em relação às mudanças significativas que ocorreram do ponto de vista pessoal, mas também social e político, as entrevistadas relatam o quão significativo foi este processo ao afirmarem que:

Por um tempo eu militei no movimento estudantil de serviço social, na verdade durante minha graduação e também militei na pastoral da juventude quando eu era mais jovem, antes de iniciar a graduação (Ana Montenegro).

[...] sou muito grata as feministas antigas, a gente costuma dizer antigas, mas as feministas mais velhas, porque acho que elas me ensinaram muito isso, eu sempre procuro ler algumas coisas sobre o feminismo, e o primeiro livro de feminismo que eu li foi da Amelinha Teles, que foi “A História do feminismo no Brasil” (Alexandra Kollontai).

Perceber por exemplo como é que minha mãe e o meu pai reproduziam toda a desigualdade de gênero, né? Reproduziam entre eles e reproduziam com nós, com os filhos. (Saffioti).

[...]Tem uma coisa que é fundamental, que é um pouco essa história de autoconhecimento, embora a gente fale muito de empoderamento das mulheres e tal, a gente fala de um empoderamento pra luta mas também um empoderamento sobre si. Sobre tomar consciência de quem você é. (Ângela Davis)

Quando eu começo a me deparar nesse movimento acadêmico, pastoral né? Com o (discurso) o movimento feminista eu começo a perceber o quanto eu venho, do meu seio familiar, de uma relação extremamente de violência e o quanto eu já, mesmo sem ter consciência, já tive que me posicionar na relação com os meus pais entre eles mesmos, com os meus irmãos, inclusive física. (Margarida Maria).

As entrevistadas narraram as mudanças que identificaram após se tornarem parte do movimento feminista. O relato de Ana Montenegro, Saffioti e Margarida Maria trazem algo em comum, ou seja, a percepção dos fatos cotidianos com características de violações e desigualdade de gênero, que até então eram naturalizados por elas mesmas e somente após a proximidade com a temática de gênero e feminismo, começaram a identificar o machismo e suas formas de opressão, principalmente, no cenário familiar e na divisão de tarefas domésticas.

Do ponto de vista relativo aos movimentos feministas se estes podem ser considerados ferramentas para a mudança com relação ao sistema patriarcal, verbalizaram as seguintes questões, [...] para nós, nunca nos foi dada a possibilidade da construção política. A gente sempre foi secundarizada em tudo, no campo da esquerda então nem se fala. A gente poder protagonizar, falar num carro de som, organizar um ato, organizar uma marcha, organizar qualquer coisa que seja, para nós é sempre um desafio a ser vencido, pois a nossa construção nunca foi assim, nunca nos foi dado essa possibilidade, porque a gente sempre tem a tripla jornada, a quadrupla jornada, as múltiplas jornadas, seja lá o que for. A vida política muitas vezes acaba sendo secundarizada nesse processo (Ana Montenegro).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 62 de 188 [...] seguiremos em macha até que todas sejamos livres, que eu acho que é isso a gente tem que continuar marchando continuar militando até que todas sabe... onde nenhuma mulher possa mais sofrer violência, que as mulheres possam ter o direito de poder sair, poder se divertir sem ser violentadas, e a gente fala: mexeu com uma mexeu com todas, e eu sou muito nesse sentido assim sabe (Alexandra Kollontai).

Eu acho, eu acho que o movimento é importante, o movimento feminista, é muito importante sim, não vai ter outro grupo, outro espaço que vai pautar, que vai pautar essas questões, essa pauta é do movimento feminista [...] é uma forma de reflexão que desconsidera absurdamente a história, assim, oque que éramos e o que somos. (Saffioti).

A gente vive dentro de uma cultura machista, sexista, e reproduzir isso é muito fácil. A gente tá contra corrente mesmo e precisa saber disso, tá contra corrente, mas se coloca á falar, á desconstruir um pouco essas ideias. Não é fácil e dependendo do lugar, por exemplo com as mulheres, a gente tem muito mais possibilidades (Ângela Davis).

[...] eu acho que o movimento feminista sim, ele contribui, mas tem que ter formação. Tem que dar formação tem que ser aberto para dar formação a quem queira saber sobre. Agora ficar com essa de: ah você é meu inimigo, você é homem, há você é opressor. A gente tem que ter pé no chão. A gente tem que pensar que nós, eu falei no início, muitas vezes eu reproduzo o machismo sem perceber. (Margarida Maria).

As entrevistadas, unanimemente consideram o movimento feminista uma importante ferramenta para que haja uma mudança com relação ao sistema patriarcal que reforça as desigualdades de gênero. Importante ressaltar a narrativa da entrevistada Safiotti ao trazer que “[...] o movimento feminista, é muito importante sim, não vai ter outro grupo, outro espaço que vai pautar, que vai pautar essas questões, essa pauta é do movimento feminista [...] é uma forma de reflexão que desconsidera absurdamente a história, assim, o que que éramos e o que somos”.

Percebe-se que as entrevistadas se posicionam de maneira como auto ferramenta para tal fortalecimento. É importante esta identificação, esta identidade em ser parte do movimento e não apenas esperar que uma articulação transforme a situação atual, pois conforme afirmam o movimento é uma ferramenta importante, mas é necessário que haja uma participação ativa em todas as esferas.

Nas suas avaliações no que tange aos discursos em relação às feministas as narrativas trazem as visões que possuem sobre este assunto a saber;

Para mim esse discurso ele tem dois lados e dois viés, ele tem o lado das mulheres que falam e fazem discursos que nos abala, dependendo de como fala, pois acaba fortalecendo algumas outras falas de senso comum de alguns homens, como: “- Está vendo, tem outra mulher”. (Ana Montenegro).

O discurso direcionado para as mulheres feministas, ainda é carregado de muito preconceito. Algumas pessoas têm o pensamento ou até mesmo nas falas que as Feministas são mulheres mal-amadas, que querem destruir o lar, acabar com os homens e todas outras formas pejorativas existentes na sociedade patriarcal. (Alexandra Kollontai).

Eu acho que é muito preconceito mesmo, mas é um preconceito que ele vem acompanhado de desinformação, eu acho, não sei se é só desinformação, não sei Bel. Eu não consigo avaliar assim o, porque tem preconceito, por exemplo, de gente que é muito bem informada, muito bem formada, pra agir com preconceito. Eu acho que, assim, o feminismo ele traz as ideias, as concepções, ele traz uma possibilidade real de mudança, de mudança estrutural mesmo, sabe? (Saffioti).

É mais uma ideia pejorativa mesmo né? Pra desconstruir o movimento de mulheres, desvalorizar a luta política das mulheres e ai vai ter esses discursos o tempo todo. Não só na rua, mas reforçado pela mídia, né? (Ângela Davis).

E isso pra mim é uma questão que incomoda, porque quando você fala de um lugar privilegiado, não é natural você ter uma sensibilidade á realidade de outras mulheres. Assim como mulheres brancas falar do feminismo a partir da ótica de uma mulher negra, ela não vai ter esse olhar. Por isso que eu acredito muito que os feminismos eles têm que se dialogar (Margarida Maria)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 63 de 188 A entrevistada Ana Montenegro afirma que os discursos direcionados às mulheres que se auto declaram feministas é um discurso ofensivo, e associa tal comportamento ao fato do feminismo mexer com as raízes sagradas da família padrão. As entrevistadas Alexandra Kolontai, Safiotti e Margarida Maria, dissertam que se trata de um discurso preconceituoso, um preconceito que carrega a origem conservadora e que não aceita mudanças. Já a entrevistada Angela Davis, acredita que seja uma forma de desvalorizar a luta política feminina.

Pois, de acordo com Safiotti (1987, p. 87),

Se um grande número de mulheres pode ser reunido em torno de uma reivindicação reconhecidamente justa, este fenômeno é muito mais difícil quando se trata de provocar mudanças profundas na estrutura de poder da sociedade, visando a alterações também profundas na condição feminina.

Considerações finais

O movimento feminista carrega desde sua formação diversos olhares externos que se opõem á sua existência, muitas vezes relacionados à classe social, o religioso e a possível ameaça ao poder masculino. Observar e entender estas resistências torna-se necessário para a desconstrução de barreiras que impediriam o fortalecimento e a permanência desta articulação.

Para os homens, são inadmissíveis e muitas das vezes inaceitáveis que as mulheres se rebelem a ponto de saírem de seu papel de esposa, mãe, filha e irmã cuidadora, mulheres que, neste contexto, devem obedecer às ordens que lhes convém sem que haja questionamentos partindo das mesmas. Quando a mulher não aceita e desvia-se deste campo de submissão e serva, torna-se uma ameaça em meio aos espaços que foram, todavia, direcionados apenas pela ocupação masculina.

Do ponto de vista da pesquisa empírica os resultados apresentados colhidos por intermédio das narrativas dos sujeitos que foram entrevistados, corroboram a análise acima, tendo em vista que as mulheres buscam os movimentos feministas, não apenas por uma opção política, mas também como uma ferramenta que possa vislumbrar uma mudança com relação ao sistema patriarcal que reproduz e reforça as desigualdades de gênero. Importante ressaltar a narrativa a entrevistada autodenominada Safiotti ao trazer que “[...] o movimento feminista, é muito importante sim, não vai ter outro grupo, outro espaço que vai pautar, que vai pautar essas questões, essa pauta é do movimento feminista [...] é uma forma de reflexão que desconsidera absurdamente a história, assim, o que éramos e o que somos”.

É importante esta identificação, esta identidade em ser parte do movimento e não apenas esperar que uma articulação por si só possa transformar a situação atual, pois conforme afirmam o movimento é uma ferramenta importante, mas é necessário que haja uma participação ativa em todas as esferas.

Referências ARRAES, Jarid. Feminismo negro. Disponível em: http://revistaforum.com.br/digital/135/feminismo-negro-sobre-minorias-dentro-da-minoria/ Acesso em 02/04/2016. LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. A palavra do outro: uso e ética. In: XX Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, outubro de 1996. LEI MARIA DA PENHA nº 11.340, 2006. QUEIROZ, M. I. de. Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva. Biblioteca Básica das Ciências Sociais. Série 2. Textos. v. 7. São Paulo, 1991. SAFFIOTI, HELEIETH. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. SARTI, Cyntia. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. In: Cadernos Pagu (16) 2001: p.31-48. SECRETARIA NACIONAL DA MULHER TRABALHADORA, 2009 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 64 de 188 TELLES, Maria Amelia de Almeida. Breve história do feminismo do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 65 de 188 ECODESIGN UMA ADOÇÃO DA PRÁTICA SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO NA EMPRESA ANGATU NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE-PB

Mônica Araújo da Silva Chaves35 Kettrin Farias Bem Maracajá36

Resumo Sustentabilidade tema em grande evidência mundial, por esse motivo cada vez mais empresas estão à procura do alcance de técnicas sustentáveis, seja para melhorar a imagem perante a sociedade, seja em busca de redução de custos na produção como também redução de desperdícios e na geração de resíduos. Neste contexto, esta pesquisa através de seu objetivo principal é analisar as contribuições do Ecodesign na fabricação de móveis em madeira de demolição. Por conseguinte, para tanto foi utilizado uma pesquisa bibliográfica através do conteúdo do referencial teórico sobre o tema Ecodesign como medita de obtenção de técnicas sustentáveis na fabricação de móveis, destacando o reuso de material residual, contribuições e dificuldades da produção. A pesquisa caracterizou-se como descritiva de natureza qualitativa, com orientação de um estudo de caso utilizando a técnica de observação participante. A análise dos dados levou em consideração os dados primários, análise dos dados secundários e inferências do pesquisador utilizando como parâmetros da pesquisa os dez requisitos propostos por Venzke (2002), que verifica com base na proposta desde a obtenção de matéria-prima, passando por todo processo produtivo até seu comprador final. Dessa forma, os processos de obtenção de materiais, produção e acabamento final, alinhado com as técnicas propostas pelo método. Enfim por meio de todo o estudo realizado a conclusão e de que às técnicas sugeridas norteiam o caminho para que empresas tenham como atingir medidas que diminuam sua interferência no meio ambiente, agregando valor a sua imagem com uma proposta viável e geradora de valor. Palavras-chave: Sustentabilidade. Ecodesign. Técnicas sustentáveis.

Abstract Sustainability fears in great world evidence, for that reason companies are more and more in search of the reach of maintainable techniques, to improve the image before the society, search of reduction of costs in the production as well as reduction of wastes and in the generation of residues. In this context, this research through main objective is to analyze the contributions of Ecodesign in the production of pieces of furniture in demolition wood. Consequently, for so much a bibliographical research was used through the content of the theoretical reference on the theme Ecodesign as meditates of obtaining of maintainable techniques in the production of pieces of furniture, detaching the usual of residual material, contributions and difficulties of the production. The research was characterized as descriptive of qualitative nature, with orientation of a case study using the technique of participant observation. The analysis of the data took into account the primary data, analysis of the secondary data and the researcher's inferences using as parameters the research of the ten requirements proposed by Venzke (2002), that it verifies with base in the proposal from the matter obtaining excels, going by every productive process until final buyer. In that way it was observed the processes of obtaining of materials, production and final finish, aligned with the techniques proposed by the method. Finally, through whole the accomplished study the conclusion and that to the suggested techniques they orientate the road for companies to have as reaching measures that reduce interference in the environment, joining value image with a viable and generating proposal of value. Keywords: Sustainability. Ecodesign. Maintainable techniques.

35 Bacharel em Administração, UFCG. 36 Doutora, Professora do curso de Administração, UFCG

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 66 de 188 Introdução

O termo sustentabilidade é utilizado para definir ações e atividades humanas atuais sem que elas prejudiquem o futuro das próximas gerações estando diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico de modo que possa diminuir os impactos gerados ao meio ambiente.

Diante do crescimento econômico desordenado e da utilização cada vez mais indiscriminada dos recursos naturais, o ser humano deixa de lado o seguinte questionamento: a natureza se regenera com a mesma velocidade em que seus recursos estão sendo utilizados. Não havia conhecimento adequado para responder essa questão como ressalta Herculano (1992 apud LIRA et al., 2008), sendo utilizados mais recursos em uma velocidade muito maior do que a natureza poderia se recompor.

Desta forma vem se desenvolvendo técnicas que visam à utilização de medidas que possam diminuir cada vez mais o impacto causado pela produção convencional geradora de grandes quantidades de resíduos sólidos, líquidos, emissão de gases tóxicos desconsiderando os impactos ambientais gerados na produção industrial. Entre essas técnicas está o conceito de design sustentável ou Ecodesign.

A primeira definição que surgiu na Europa durante os anos 60 é do designer Victor Papaneck que definiu em seu livro em 1995, “Green Imperative”, o design como sendo diretamente responsável por um menor impacto ambiental referente aos produtos projetados, de modo que os consumos de bens naturais virgens possam ser cada vez mais reduzidos atingindo assim o desenvolvimento sustentável (ALVAREZ, 2012).

Neste contexto, a pesquisa realizada através de um estudo de caso na empresa Angatu torna-se pertinente para que se conheça as diretrizes do Ecodesign e se está sendo obtido o nível de sustentabilidade desejável ou suficiente para que o móvel proveniente de madeira de reuso seja considerado um móvel ecologicamente correto com contribuições significativas na preservação dos recursos naturais utilizados na produção de móveis.

Diante do apresentado, o estudo de caso baseou-se na metodologia proposta por Fiksel (1996 apud VENZKE, 2002), este modelo também foi escolhido por ser consistente e apresentar critérios de seleção dos indicadores através de parâmetros e de análises específicos, bem como para o desenvolvimento do presente trabalho foram abordados dez requisitos para que se atinja o nível de sustentabilidade desejado de um móvel sustentável. Outrossim, a pesquisa foi realizada através da observação participante na qual se constatou os níveis atingidos pela produção.

Portanto, a necessidade de preservação dos recursos naturais justifica a aplicação dessa pesquisa através das Diretrizes do Ecodesign e como elas podem refletir na preservação dos recursos naturais, tais como na fabricação de móveis em madeira de demolição tendo como a finalidade apresentar uma vantagem competitiva, assim como o crescimento na participação no mercado de móveis de demolição.

Fundamentação teórica

Ecodesign de Móveis

No início da década de 90, Carvalho et al. (2007) citam que as preocupações ecológicas efetivamente se tornaram pré-requisitos técnicos dos projetos de design envolvendo ações de planejar, projetar e desenvolver o produto, desde uma simples embalagem até um automóvel começando a ocorrer a incorporação dos conceitos ecológicos e a minimização dos impactos ambientais como afirma Couto (2006 apud CARVALHO et al., 2007).

O Ecodesign surge como forma de agregar variáveis ao processo produtivo. De acordo com Ramos (2001 apud CARVALHO et al., 2007, p. 5): “optar por atender requisitos ambientais em Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 67 de 188 detrimento de outros requisitos do projeto, escolher estratégias adequadas para a redução dos impactos ambientais, criar conceitos de produtividade de baixo impacto”.

No entanto, para Papaneck (1974 apud ALVAREZ, 2012), o Ecodesign tem o princípio de gerar produtos sustentáveis em toda sua cadeia produtiva, sendo feito de matéria prima limpa e no final do processo ser reciclado. Assim como a natureza tem seu ciclo de vida os produtos devem ter, como destaca Souza et al. (2009 apud HOPPE et al., 2011).

Books (2006 apud LARUCCIA; RODRIGUES, 2011) enfatiza a importância que o designer tem em influenciar as estratégias ambientais quando se amplia o foco de seus esforços, dando definições aos parâmetros de desenvolvimento de produtos mediante a integração do Ecodesign ao desenvolvimento do produto.

Aspectos metodológicos

Para se analisar a aplicação das diretrizes do Ecodesign na linha de móveis da empresa Angatu ocorreu uma observação participante sendo utilizados elementos de integração do Ecodesign, que busca descobrir inovações em produtos que resultem na redução da poluição e de resíduos em todos os estágios do ciclo de vida do produto, além de satisfazer outros objetivos de custo e desempenho (VENZKE, 2002).

O universo ou população da pesquisa, no presente trabalho é a empresa Angatu situada a menos de 1 km de distância do centro da cidade de Campina Grande, e a 132 km de distância da capital João Pessoa, Estado da Paraíba que atua no ramo de criação de espaços gourmets com ambientação focada em móveis rústicos (IBGE,2015).

Ainda segundo Gil (2008), o universo ou população é um conjunto definido por elementos que possuem determinadas características. A amostra é um subconjunto do universo ou população. Na pesquisa foi utilizada uma amostra por conveniência onde o pesquisador seleciona elementos que tem acesso, para serem utilizados como universo da amostra. Para Dhiel e Tatim (2004), para elaborar um plano de amostragem devem estar bem definidos os objetos da pesquisa e a população a ser demostrada, bem como os parâmetros a serem estimados para atingir o objetivo da pesquisa.

Desta forma observou-se o processo de fabricação: coleta e aplicação de materiais utilizados nos móveis provenientes de reuso da madeira, na linha intitulada como móveis de demolição observados pelo pesquisador que é parte integrante da empresa.

A fundamentação desse trabalho ficou dividida em duas partes, a primeira foi realizada através de uma pesquisa bibliográfica de antecedentes históricos do desenvolvimento sustentável, sustentabilidade empresarial, estratégias e diretrizes do Ecodesign e a aplicação em móveis, na perspectiva de aprimorar sua aplicação como adoção de prática sustentável.

A coleta de dados utilizando fontes acadêmicas como artigos científicos, revistas, sites como o do Ministério do Meio Ambiente (IBAMA), dentre outros que serviram para a melhor compreensão. Segundo Diehl e Tatim (2004), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, principalmente livros, revistas e artigos científicos.

A segunda parte foi executada através da observação direta participante, de modo a apresentar a aplicação das diretrizes do Ecodesign como forma de obtenção da prática sustentável na linha de móveis da empresa Angatu. Os critérios de análise foram criados a partir da base de dados observado na empresa e utilizados os parâmetros das diretrizes do Ecodesign, que atendam a base teórica pesquisada e que por sua vez foram adaptados à realidade do processo realizado na linha de moveis da Angatu. Nesta perspectiva, após a compreensão das dimensões e suas variáveis, foram observadas as 10 etapas, propostas por Fiksel (1996 apud VENZKE, 2002), demostradas no Quadro 2, a seguir, todos os princípios do Ecodesign

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 68 de 188 Quadro 2 – Princípios do Ecodesign. Princípios Conceitos e Práticas de Ecodesign Usar matérias-primas que são o mais próximo possível de seu estado natural. Evite misturar materiais não compatíveis, o que dificulta a separação dos componentes para reciclagem. Usar materiais que geram menos poluição no processo de Escolher materiais com baixo impacto produção, durante o uso do produto e durante a ambiental. reciclagem ou eliminação. Usar materiais atóxicos em todas as fases do ciclo de vida do produto (Produção, utilização e reciclagem ou eliminação). Utilizar materiais reciclados ou materiais que requerem menos energia para produzir. Usar materiais que permitam a reutilização de componentes. Os produtos mais simples geralmente envolvem menores custos de produção; utilização menos materiais, e Criar a simplicidade do produto e/ou permitir maior facilidade de montagem e desmontagem. modularidade. Criar produtos cujos componentes podem ser substituídos em caso de defeito ou falha, sem a necessidade de substituir todo o produto. Verificar os componentes de fácil acesso. Embora a incineração seja a forma menos preferível de recuperação de valor a partir de resíduos, ainda é uma Incinerar resíduos, em vez do descarte em opção melhor que o descarte em aterro, especialmente aterro. onde o espaço do aterro é limitado. Garantir que os resíduos sejam incinerados ajuda a minimizar riscos de substâncias perigosas. Na produção: Utilizar o equipamento que é eficiente em termos energéticos e adequadamente dimensionado, usar recursos de economia de energia, tais como iluminação natural. Na distribuição do produto: Considere toda a Reduzir exigências de energia. energia consumida na cadeia do produto de distribuição, desde a compra de matérias-primas até a entrega ao consumidor final. No uso do produto: Desenvolver produtos que incorporem mecanismos de redução do consumo Utilizar fontes de energia renováveis, como solar, eólica e Usar de fontes de energia renováveis. hidroelétrica, em lugar dos combustíveis fósseis.

A multifuncionalidade pode ser dividida em dois tipos: (1) funcionalidade paralela, em que o mesmo produto é usado simultaneamente para mais de um propósito, e (2) Cria produtos multifuncionais. funcionalidade sequencial, na qual o primeiro produto serve para um propósito primário e então se move para uma utilização secundária. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 69 de 188

Continuação do Quadro 2 – Princípios do Ecodesign.

Prolongar a vida útil de um produto que contribui Desenvolver produtos com maior significativamente para a ecoeficiência, uma vez que a durabilidade. durabilidade reduz a necessidade de substituição do produto

Criar um mecanismo que permita que a embalagem do produto possa ser recuperada para reutilização ou Prolongar a vida útil de um produto que reciclagem. contribui significativamente para a Produto com opção de refil é exemplo de reutilização de ecoeficiência, uma vez que a durabilidade reduz embalagens. a necessidade de substituição do produto

Evitar o uso de e substâncias perigosas. Eliminar do processo de produção todas as substâncias que podem prejudicar ambiente ou a saúde do pessoal de produção, os consumidores do produto e o pessoal de reciclagem. Usar componentes à base de água (especialmente em solventes, adesivos e tintas) como substitutos de materiais que são à base de hidrocarbonetos. Prevenir acidentes. Empregar abordagens de prevenção de acidentes na concepção de novos produtos e atualização dos produtos existentes. FONTE: VENZKE (2002).

Apresentação e análise dos resultados

A Angatu teve o início de suas atividades no dia 03 do mês de abril de 2009, na cidade de Campina Grande - PB, sendo a mesma uma microempresa familiar que conta hoje com seis funcionários, empresa reconhecida e estabilizada no comercio local por seus produtos e serviços prestados, principalmente no que diz respeito à forma clara e honesta em suas atividades na qualidade e atendimento aos seus clientes incluindo a assistência no pós-venda.

A empresa deu início as suas atividades com móveis rústicos a base de madeira, móveis confeccionados em alumínio e fibra sintética, móveis de cipó, móveis em pedra ardósia e em cana da Índia. Em 2010 surgiu a construção de churrasqueiras, fornos e fogões para áreas gourmets, destinando assim sua linha de móveis para a ambientação desses espaços como forma de direcionar suas atividades a um nicho especifico de mercado. No ano de 2013, a Angatu começa a trabalhar com móveis provenientes de madeira de reuso ou madeira de demolição como é conhecida por seus clientes.

O surgimento da linha de moveis em madeira de demolição com design único, madeiras nobres que possuem uma qualidade superior aos móveis encontrados no mercado e com um valor mais atrativo do que os móveis produzidos com madeira. Outrossim, o design que agrada a decoradores, arquitetos e clientes que buscam qualidade, beleza e requinte em móveis que podem ser utilizados em todos os espaços da casa como cristaleiras, mesas, camas, armários de banheiro e cozinha, conjuntos de jardim.

Acreditar na reutilização de madeiras com alta qualidade resistente a intempéries e pragas, geralmente encontradas em construções antigas dentre elas estão janelas, portas, assoalhos e mobílias antigas que possam ter peças reaproveitáveis, há também as carrocerias de caminhões, grades de ferro, dentre outras possibilidades sendo utilizados materiais adequados para o acabamento dos produtos, que visem à redução da poluição gerada em sua fabricação. A empresa tem em sua cultura e estratégia de produção a necessidade de buscar soluções que diminuam o impacto de suas atividades ao meio ambiente, procurando passar esses conceitos de sustentabilidade aos seus colaboradores e clientes. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 70 de 188

Aplicação das técnicas na produção de móveis

Escolher materiais com baixo impacto ambiental

A matéria-prima da linha de moveis em demolição utilizada pela empresa provém de madeira de reuso, grades de ferro e peças de móveis antigos, geralmente adquiridas em casas demolidas, ferro-velho, sucatas e em residências tendo as seguintes madeiras: Sucupira, Cedro, Muiracatiara, Vinhático, Jatobá, Timburana, etc.

Depois de adquiridas as peças são selecionadas por tamanho e qualidade, recebendo uma primeira limpeza para retirar sujeiras, normalmente sendo estocadas primeiro para depois serem tratadas, isto é: recebem uma limpeza mais profunda com uma lixa grossa nº 60, e são avaliadas quanto à conservação das características da madeira, para saber se será colocada em um tampo ou servira para as laterais ou fundo do móvel. Nesse ponto é decidido que modelo de móvel será produzido com aquela madeira, geralmente devido ao seu tamanho, largura e espessura, por exemplo: tabuas mais largas com uma boa espessura e comprimento geralmente são destinadas a tampos de mesas e aparadores, peças mais resistentes servem para fazer os pés das peças, e peças pequenas servem para trabalhos mais delicados como pequenos tampos em marchetaria.

A partir dessa etapa as madeiras são cortadas, lixadas várias vezes até que cheguem em um bom padrão qualidade. Nesse momento é decidido o modelo final do móvel e como serão utilizadas as peças, se vai ser preciso o uso de vernizes, tintas à base de água, cera de carnaúba ou será preservado a cor original da madeira o que geralmente acontece. As peças de ferro também passam por um processo parecido e são limpas para depois serem estocadas para uso futuro.

Incinerar os resíduos em vez do descarte em aterro

A empresa Angatu por ser de pequeno porte e sua fabricação ser pouca acaba por reutilizar todo o resíduo (Figura 4) gerado na fabricação dos móveis, não existindo a necessidade de incineração ou descarte em nenhum aterro. Outrossim, o resíduo é reutilizado no acabamento das próprias peças servindo para fechar buracos e pequenos defeitos da madeira, além de unir peças como tábuas utilizadas em tampos. Desta forma, parte dos resíduos que não é utilizada pela empresa é doada para artesãos da região que utilizam o pó e as raspas da madeira para confecção de peças artesanais. Uma outra destinação das sobras da madeira é para pessoas que utilizam como forragem para viveiros de pequenos animais como pássaros, preás, etc., que se transforma em um excelente adubo orgânico, evitando a humidade nos viveiros. Assim, quando houver um crescimento da empresa, a mesma pretende fabricar e comercializar briquetes conhecido também por lenha verde. Essa fabricação consiste basicamente em madeira e água que passam por uma prensa hidráulica de fácil armazenamento e transporte devido o seu formato de bloco cilíndrico, utilizado em fornos, lareiras, entre outros.

Reduzir consumo de energia para fabricação das peças

Para o preparo dos móveis se utiliza a energia elétrica, bem como para a montagem dos mesmos. No caso das janelas decorativas, o consumo de energia é baixo, visto que grande parte do acabamento é feito manualmente. As máquinas elétricas utilizadas são: serra de fita, desengrosso, serra de bancada, serra circular, furadeira de bancada, lixadeira, entre outros.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 71 de 188 Recuperar a embalagem do produto

O produto entregue pela loja tem sua embalagem totalmente reutilizada sendo os móveis acondicionados para a respectiva entrega e a embalagem voltando a ser utilizada em muitas outras entregas, sendo estas descartadas apenas quando não há mais como utilizá-las. Para embalar os móveis são utilizadas cordas, papelão e espumas para evitar atrito entre as peças.

Conclusões

A proposta deste trabalho consiste em seu objetivo geral analisar a utilização do Ecodesign na linha de móveis da empresa Angatu Ambientes Externos localizada na cidade de Campina Grande PB, como forma de adoção para o alcance de técnicas sustentáveis.

A utilização dos princípios propostos por Fiksel (1996) e mais tarde aperfeiçoada para a fabricação de móveis por Venzke (2002), a utilização do método se deu por ser uma proposta consistente e adequada para aplicação em uma pequena fabricação de móveis. Os parâmetros e critérios propostos na metodologia propõem dez passos a serem considerados para atingir o nível sustentável esperado para um móvel ecológico, que vão desde a aquisição do material até o consumidor final.

Assim, com a observação aplicada na empresa constatou-se o dos projetos e produtos, parte relevante no conceito de Ecodesign, permitindo-se esclarecer e caracterizar o objeto estudado com foco nas fontes de evidências, analisados parâmetros dos produtos como materiais utilizados, tecnologias e equipamentos que fossem aplicados à metodologia da pesquisa como forma de obtenção das práticas sustentáveis pela empresa.

Considerando a interação da produção de móveis com madeira de reuso com as técnicas do Ecodesign, percebe-se que há um bom nível de alcance das técnicas, a empresa utiliza madeiras provenientes de demolição, materiais de baixo impacto na produção e acabamento das peças, reutiliza todo o resíduo gerado com a fabricação atual. A empresa ainda desenvolve projetos visando o aumento da produção e adequando as necessidades sustentáveis, como a fabricação de briquetes que levam em sua composição apenas pó de madeira e água reutilizando os resíduos da fabricação e servem para abastecer fornalhas no lugar da lenha.

A abordagem qualitativa foi suficiente para que fossem atingidos o objetivo geral e os específicos, sendo escolhida devido à fabricação de móveis em madeira de demolição estar sendo iniciada no mercado nordestino. Com a observação participante na empresa constatou que a maior dificuldade apresentada é a escassez de madeiras na região o que pode ocasionar o encarecimento da produção no caso de obtenção das mesmas em outros estados e dificulta seu crescimento, a não conscientização das pessoas sobre o valor dessas madeiras fazem com que muitas vezes sejam descartadas em aterros ou vendidas para fornos de padarias, pizzarias entre outros.

A avaliação do alcance das técnicas sustentáveis utilizando as diretrizes do Ecodesign pôde ser percebida através de um ótimo alinhamento da fabricação dos móveis com as técnicas em questão, ganho financeiro na redução dos custos de fabricação e na atração de novos clientes, com a imagem de uma empresa que se preocupa realmente com o Meio Ambiente, seja em sua linha de móveis ou em todas as áreas de atuação da empresa, geração de vantagem competitiva com a valorização da imagem perante seus colaboradores e clientes, sempre ressaltando a importância do desenvolvimento sustentável.

Referências CARVALHO, M. et al. https://scholar.google.com.br/scholar. https: //scholar.google.com.br/scholar, 2007. Disponivel em: . Acesso em: 06 junho 2015. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 72 de 188 DIEHL, A. A.; TATIM, D. C. Pesquisa em Ciências Sociais Aplicadas: Mètodos e Técnicas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004. ISBN ISBN 85-879-94-X. FILHO, A. G.; OMETTO, A. R. Integrando o Ecodesign ao Desenvolvimento de Produto. In: SILVEIRA, M. A. D. A Inovação do Design no Atual Ponto de Inflexão. São Paulo: Grafica Bandeirantes, Centro de Tecnologia da Informação Renato Acher, v. 2, 2011. Cap. 5, p. 104. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6º. ed. São Paulo: Atlas, 2008. HERCULANO, S. Ecologia, Ciencia e Politica. Rio de Janeiro: Revan, 1992. 9-48 p. IBGE , 2015. Disponivel em: . Acesso em: 3 JULHO 2015. VENZKE, C. S. O Ecodesign no Setor Moveleiro do Rio Grande do Sul. READ- Edição Especial 30, Porto Alegre, v. 8, n. 6, Nov e Dez 2002. ZAMBON, B. P.; RICCO, A. S. Conselho de Administração/ Espirito Santo. www.craes.org.br/, 2011. Disponivel em: . Acesso em: 18/09/2015 Setembro 2015. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 73 de 188 O TRABALHO EM EQUIPE NO ÂMBITO HOSPITALAR: EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM EMERGÊNCIAS CLÍNICAS E TRAUMA37

Nayara Veras dos Santos38 Marlene Almeida de Ataíde39

Resumo Este artigo apresenta os resultados as pesquisa de parte da monografia do Curso de Residência Multiprofissional - Especialização em Emergências Clínicas e Trauma. Para tanto foi discutida a atuação em equipe multidisciplinar diante do Programa de Residência Multiprofissional, localizado num Hospital do Extremo da Zona Sul-SP, inserido no contexto de Emergências Clínicas e Trauma. A abordagem dos sujeitos da pesquisa se deu a partir de entrevista semi-estruturada com quatro áreas do conhecimento, dentre elas: Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Serviço Social, buscando refletir e compreender as experiências e desafios da primeira turma de residentes multiprofissionais que teve início no ano de 2014, objetivando analisar as narrativas neste período. Palavras Chave: Residência Multiprofissional, Residente, SUS, Atuação.

Abstract This article presents the results of the research monograph of the Multidisciplinary Residency Program - Specialization in Clinical Emergencies and Trauma. For both discussed the performance in multidisciplinary team before the Multidisciplinary Residency Program, Hospital located in the far South-SP Zone, placed in the context of Clinical Emergencies and Trauma. The approach of the research subjects took from semi-structured with four areas of knowledge, such as: Nursing, Pharmacy, Physiotherapy and Social Services, seeking to reflect and understand the experiences and challenges of the first class of multi residents began in 2014, aiming to analyze the narratives in this period. Keywords: Multidisciplinary Residency, Resident, SUS, Acting

Introdução

Em 2005 a Lei Federal 11.129/05 institui a Residência Multiprofissional em área profissional da saúde, abrangendo diversas profissões como: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.

Segundo o MEC (Ministério da Educação e Cultural) o programa visa à inclusão de profissionais da saúde na perspectiva de atuarem com princípios e diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde):

A Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde - CNRMS, instituída por meio da Portaria Interministerial nº1.077, de 12 de novembro de 2009, é coordenada conjuntamente pelo Ministério da Saúde e do Ministério da Educação e tem como principais atribuições: avaliar e acreditar os programas de Residência Multiprofissional em Saúde e Residência em Área Profissional da Saúde de acordo com os princípios e diretrizes do SUS e que atendam às necessidades sócio epidemiológicas da população brasileira; credenciar os programas de Residência Multiprofissional em

37 Monografia apresentada como requisito para a conclusão do Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Residência Multiprofissional – Especialização em Emergências Clínicas e Trauma realizada na Universidade de Santo Amaro – Unisa-SP. 38 Graduada em Serviço Social pela Uniítalo (Centro Universitário Ítalo Brasileiro). Atualmente Assistente Social no segmento da saúde mental (Caps Infantil). 39 Doutora em Serviço Social pela PUC-SP, orientadora da Monografia. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 74 de 188 Saúde e Residência em Área Profissional da Saúde bem como as instituições habilitadas para oferecê-lo; registrar certificados de Programas de Residência Multiprofissional em Saúde e Residência em Área Profissional da Saúde, de validade nacional, com especificação de categoria e ênfase do programa (MEC 29/07/2014).

Sendo assim, a área da saúde é considerada como um ambiente complexo e desafiador. É por meio do embasamento teórico e da pesquisa com os residentes multiprofissionais que se deu a realização deste estudo na busca da relação multiprofissional em que estão inseridos, para narrarem sobre as suas experiências no cotidiano de um Hospital Geral de média complexidade. Portanto, foi de fundamental importância que houvesse a inter-relação entre os diferentes profissionais, na busca de objetivos comuns, visando o paciente como um todo, para assim, compreender a importância de todas as áreas envolvidas.

Reforma Sanitária: breves considerações

O Projeto da Reforma Sanitária inspirou-se na experiência de formulação e implementação de políticas de saúde. Nasceu no contexto da luta e mobilização dos profissionais de saúde, articulados aos movimentos populares, construídos na decada de 80. O ato foi usado para as instituições se empenharem na universalidade e equidade da assistência à saúde, proporcionando transformar este setor e assegurar que o Estado atue em função da sociedade, visando responsabilidade pelas politicas sociais e por conseguinte, pela saúde.

Trata-se de garantir mediante politicas sociais e economicas a redução de riscos e doenças, voltado para ações e serviços que garantam promoção, proteção e recuperação em todos os níveis.

Nesta perspectiva, a Reforma Sanitária envolveu a busca da melhoria das condições de vida da população e os grupos de diversas áreas profissionais contribuiram para discussões politicas:

Grupos de médicos e outros profissionais preocupados com a saúde pública desenvolveram teses e integraram discussões políticas. Este processo teve como marco institucional a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Entre os políticos que se dedicaram a esta luta está o sanitarista Sergio Arouca. As propostas da Reforma Sanitária resultaram, finalmente, na universalidade do direito à saúde, oficializado com a Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A 8ª Conferência Nacional de Saúde trouxe um marco importante na questão da saúde para a sociedade, e, nesse cenário diversos forúns participaram, a exemplo da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Medicina preventiva e Sáude Pública. Outras dimensões de entidades representativas da população também se fizeram presentes: moradores, sindicatos, partidos políticos, associações de profissionais e parlamento. A questão da saúde ultrapassou a análise setorial, referindo à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária (BRAVO,2009).

O Sistema Único de Saúde (SUS)

O SUS pode ser entendido, em primeiro lugar, como uma “Política de Estado”, na qual se efetivou em uma decisão adotada pelo Congresso Nacional, em 1988, na chamada Constituição Cidadã, que considera a saúde como um “Direito de Cidadania e um dever do Estado” (TEIXEIRA, 2011).

A proposta do SUS é pautada nos princípios e diretrizes da Reforma Sanitária e foram de fundamental importância para esta nova percepção de saúde, pois trouxe um sentido mais amplo, na qual, não é mais vista apenas de forma fragmentada, e sim resultante das condições de: alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, atividade física, transporte, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, e tem como premissa básica a defesa da “saúde como direito de todos e dever do Estado”, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, bem como as Leis 8.080 e 8.142, que dispõe sobre as condições para a promoção, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 75 de 188 proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Nesse sentido, o SUS é um projeto que assume e consagra os princípios da Universalidade, Equidade, e Integralidade da atenção à saúde da população brasileira. Diante disso, Teixeira (2011, p. 2) nos diz que,

O princípio fundamental que articula o conjunto de leis e normas que constituem a base jurídica da política de saúde e do processo de organização do SUS no Brasil hoje está explicitado no artigo 196 da Constituição Federal (1988), que afirma: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’.

Complementando Teixeira (2011), a universalidade, trata-se de um princípio finalístico, ou seja, é um ideal a ser alcançado, indicando um caminho ainda em construção. Para se atingir um SUS que venha a ser universal é necessário desencadear (desprender-se) de um processo de universalização. Isto é, um processo que possibilite abrangência, cobertura e acessibilidade aos serviços que são oferecidos a população. Em cena o princípio equidade também é algo a ser realizado como princípio do SUS, Teixeira (2011, p.05) define:

A noção de equidade diz respeito à necessidade de se “tratar desigualmente os desiguais” de modo a se alcançar a igualdade de oportunidades de sobrevivência, de desenvolvimento pessoal e social entre os membros de uma dada sociedade. [...] Em saúde, especificamente, as desigualdades sociais se apresentam como desigualdades diante do adoecer e do morrer, reconhecendo-se a possibilidade de redução dessas desigualdades, de modo a garantir condições de vida e saúde mais iguais para todos.

Sendo assim, é necessário compreendermos que a equidade permite recursos que devem ser oferecidos de acordo com a necessidade de cada um. O processo de saúde é relacionado a toda a trajetória, conjuntura (história de vida), grupos sociais que o indivíduo percorreu durante sua vida, que consequentemente irá impactar no seu processo de adoecimento, tratamento.

Residência Multiprofissional: uma especialização ou a precarização do trabalho dos residentes na área da saúde?

Formar profissionais para atuar no Sistema Único de Saúde sempre foi desafiador. É nesta perspectiva que dentro deste cenário é fundamental que se avalie a pratica do cotidiano, tanto dos profissionais quanto dos gestores e usuários.

Apesar dos avanços, a formação dos profissionais de saúde ainda esta muito distante do cuidado integral. Têm sido demonstrados perfis insuficientes para mudanças das praticas, visando necessidade crescente da educação permanente para esses profissionais, possibilitando fortalecer e (re)significar a atuação e a atenção ao SUS (BATISTA, GONCALVES, 2011). A consolidação de uma saúde que minimize um serviço precário necessita de um trabalho que atue com estratégias em Recursos Humanos, pois, segundo Machado (2003) apud Batista e, Gonçalves (2011).

[...] O desenvolvimento de RH representa hoje um papel de suma importância para consecução de um SUS democrático, equitativo e eficiente. A qualificação de RH na saúde pode ser entendida como efetivação de estratégias e ações para o aproveitamento do potencial dos profissionais, no sentido de enfrentar as mudanças e os desafios gerados no desempenho do trabalho diários e diferentes espaços do SUS.

Diante dessa perspectiva cabe a reflexão se esse vem a ser um dos fatores que tem direcionado o serviço de saúde a uma precarização. Trata-se de aplicar aos profissionais de saúde treinamentos que possibilitem uma intervenção qualificada, sendo capaz de produzir mudanças positivas. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 76 de 188

É possível destacar outras condições que representam a precarização do trabalho na saúde, pois uma pesquisa desenvolvida apontou que:

A questão da motivação no setor público em geral, foi possível encontrar algumas características comuns decorrentes da adoção do modelo de gerência pública baseado no ideário gerencialista. Entre as principais, destacam-se: aumento da carga de trabalho, em razão da redução de pessoal e dos novos imperativos de desempenho e produtividade; incoerência em relação ao grau de autonomia, pois a hierarquia está, em geral, bastante presente e a autonomia reduzida; ausência de reconhecimento pelo trabalho realizado, uma vez que os funcionários sofreram com maior ou menor pesar o discurso sobre sua suposta ineficiência e baixa produtividade; e, por fim, ausência de apoio social oferecido pelos colegas, superiores, subordinados ou usuários dos serviços. [...] outros estudos apontam para ausência de concursos públicos, aviltamento de carreiras e salários, terceirizações aleatórias, contratos temporários, equivocadas avaliações de desempenho, que comprometem a relação dos trabalhadores com a organização das unidades de atenção e prejudicam a qualidade e a continuidade dos serviços essenciais prestados pelo Sistema Único de Saúde – SUS. (CHANLAT, 2002, apud FILHO e NAVARRO, 2012. p.74).

Viana (2012) aponta em pesquisas que as circunstâncias citadas anteriormente sobre o processo de trabalho no setor da saúde têm impactado de diversas maneiras a todos os profissionais, contribuindo com pressões pessoais e sociais demonstrando inadequação de condições de materiais e organização nos estabelecimentos de saúde, que propicia insatisfação no trabalho, diminuição de bem-estar, problema de saúde mental, que traduzindo se adquire transtorno psíquico, fragilização coletiva nos ambientes do trabalho e perca da identidade profissional, do seu sentido ao trabalho.

O Ministério da Saúde visando responder as problematizações discutidas acima tem apresentado diversos programas para “desprecarizar” a saúde. Sua finalidade é implantar e concretizar políticas que valorize o trabalhador de saúde, sendo a pratica o caminho para transformar e incentivar a participação.

Desta forma, Schmaller et al. (2012, p. 2) “[...] um dos programas a ir em busca de reorganizar a saúde, impor mudanças na formação e qualificação profissional é as Residências Multiprofissionais (RMS)”. As Residências agregam amplos campos de saberes e tem por principio o ensino, a pesquisa e a intervenção, envolvendo instituições publicas e privadas em todas as regiões do país.

Ressaltamos que dentre as áreas (treze profissões - RMS) os assistentes sociais se destacam por seu embasamento de formação. Atuam para além do processo saúde-doença, “[...] buscando compreender do micro ao macro, levando em consideração determinantes sociais, econômicos, e culturais estando sempre de acordo com seu Código de Ética a Lei que regulamente a categoria”. (SCHMALLER et al.; 2012, p. 3).

A Residência Multiprofissional em saúde caracteriza-se como ensino de pós-graduação na modalidade lato sensu, destinado às profissões que se relacionam com a saúde. Trata-se de um curso especializado, com orientação de profissionais qualificados, bolsa do Ministério da Saúde e da Educação no valor R$ 2976,26 mensais, com carga horária de 60 horas semanais e a duração de 2 anos.

Segundo o MEC (Ministério da Educação e Cultural) o programa visa a inclusão de profissionais da saúde na perspectiva de atuarem com princípios e diretrizes do SUS. De acordo com Closs (2012) apud Brasil (2006) o primeiro Programa de Residência Multiprofissional no Brasil, ainda não estabelecido por lei, ocorreu na região sul, sendo a referência histórica dessa formação de Residência a Unidade Sanitária São José do Murialdo em Porto Alegre-RS, criada em 1978, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 77 de 188 sendo multiprofissional e composta por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e médicos veterinários.

Trabalho em equipe: do que se trata?

No Brasil e na América Latina, se utiliza a categoria analítica do “trabalho” de acordo com a vertente marxista Marx (1988), pois que é esta vertente que vem pautando os estudos de trabalho em saúde. Desta forma, a palavra trabalho, deriva do latim tripalium, objeto de três paus aguçados utilizado na agricultura e também como instrumento de tortura conforme alguns dicionários. Assim, o trabalho está associado à transformação da natureza em produtos ou serviços. Na área da saúde transforma-se, portanto num serviço para atender as demandas de usuários nas mais diversas especialidades que delas necessitam.

Marx (1988) assinala que é no e a partir do trabalho, ou seja, no seu processo pelo qual passam a produzir a vida material que os homens saltam da natureza e superam seus limites naturais, produzindo a si humanamente.

De acordo com Marx (1988) apud (Ataíde, 2012, p. 331),

[...] antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida.

“Assim, se partirmos do conceito de trabalho como atividade do homem que transforma a natureza e por ela é transformado, no intuito de suprir as suas necessidades, podemos constatar que existe uma lógica dialética entre trabalho e organização social da humanidade” (ATAÍDE, 2012, p. 331).

Se considerarmos o legado de Marx, todo processo de trabalho é um processo de transformação da natureza, mas, ao transformá-la, o homem também transforma a si mesmo (ATAÍDE, 2012)

Nesta perspectiva ao tratar da questão relativa ao trabalho em equipe na área da saúde, Peduzzi (2001, p. 103) enfatiza que,

A proposta do trabalho em equipe tem sido veiculada como estratégia para enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde. Esse processo tende a aprofundar verticalmente o conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar simultaneamente a articulação das ações e dos saberes.

Peduzzi (2001, p. 105-106) alega que há a distinção entre as duas noções que recobrem a idéia de equipe, ou seja: a equipe como agrupamento de agentes e a equipe como integração de trabalhos. Destaca que a primeira noção “[...] é caracterizada pela fragmentação, e a segunda, pela articulação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde”. Entende-se por articulação as situações de trabalho em que o agente elabora correlações e coloca em evidência as conexões entre as diversas intervenções executadas.

[...] o trabalho em equipe multiprofissional consiste uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais. Por meio da comunicação, ou seja, da mediação simbólica da linguagem, dá-se a articulação das ações multiprofissionais e a cooperação (PEDUZZI, 1998, apud PEDUZZI, 2001, p. 108).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 78 de 188 Tem-se ainda que a propositura de se trabalhar em equipe, vem sendo veiculada como uma estratégia para enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde. Esse processo tende a aprofundar verticalmente a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar simultaneamente a articulação das ações e dos saberes. (PEDUZZI, 1998).

Esta articulação das ações envolve além das responsabilidades inerentes dos saberes específicos de cada profissional, há um campo dito de competência e de responsabilidade compartilhada e desta forma torna-se extremamente importante que se desenvolvam práticas que possam contribuir com a qualidade do fazer profissional na cotidianidade de cada profissional e com a troca de conhecimento entre os componentes da equipe e entre os profissionais e usuários, tanto na atenção básica quanto coletiva. Agindo nesta perspectiva significa ter capacidade para planejar juntos, profissionais, usuários e comunidade ações que transformem a realidade do território adscrito não somente do ponto de vista da questão sanitária, mas, principalmente, que leve em consideração os aspectos cultural, econômico e social. (VASCONCELOS & GRILO; SOARES, 2009)

Resultados e método

A pesquisa foi de caráter qualitativo e teve como sujeitos Residentes da primeira turma do curso de Residência multiprofissional de um Hospital localizado na Zona Sul da capital São Paulo. A referida pesquisa foi realizada por intermédio de entrevistas definida por Haguette (1997, p. 86) como um “processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”.

Adotou-se ainda o método da história oral na perspectiva sociológica, por intermédio de um roteiro de entrevista semi – estruturada.

Ao serem indagados sobre suas visões relativas ao 1º ano da 1ª turma de residentes num Hospital Geral, narraram que,

Bom no começo quando eu entrei, eu entrei com muitas expectativas. Eu não sabia bem o que era uma residência, vim meio que sem saber o que era eu pensava que iria ter ser mais que uma graduação, de estudos e também aprender na pratica. Quando cheguei aqui tive dificuldade com relação a carga horária que é bem puxada (Enfermeira A)

Bom pra mim eu também cheguei na residência sem saber o que exatamente o que era uma residência, mas assim desde o momento que eu prestei eu sempre achei que a residência ia ser um lugar onde eu iria aprender. E o inverso do que aconteceu, to aqui vendo hoje, que eu achei que eu iria aprender muito mais com a teoria eu iria ter muito mais teoria do que pratica. Então eu vim pra residência sabendo claro que eu ia ter as duas vivencia, mais eu vim pra residência achando que a teoria ia ser o foco de tudo pra mim e que aqui eu conseguiria também me desenvolver também na pratica, porque querendo ou não todos nós éramos recém-formados, então eu achei que assim ia ser o lugar certo pra gente desenvolver na nossa carreira profissional. (Enfermeira B)

Há! Eu acho assim foi tudo muito novo ne, logo de cara assim, não sabia como seriam distribuídas essas 60 hs. Acho que por ser Serviço Social é a área mais distante da saúde especificamente, acho que teve um pouco de dificuldade com algumas matérias. Levantamos muitos questionamentos em relação à rotina, a flexibilidade. (Assistente Social A)

É eu penso que a nossa chegada a gente sentiu, foi visivelmente que não foi esperada, muitas vezes nem desejada e nunca me senti com alguém daqui no nosso lado, assim vamos dizer pra pensar em coisas positivas pra residência. Abriu-se um campo de “estagio” (abre aspas porque isso aqui não é estagio), onde foi colocado um monte de profissional e vamos trabalhar. O primeiro impacto assim, foi logo de cara o tanto de conflito que a gente teve pra se posicionar, pra conseguir algumas coisas né. (Assistente Social B)

Bom no começo é um choque de realidade ne..porque você esta pelo menos acostumado ne, pelo menos eu, eu tava acostumada a só estudar ne...e a rotina que eu tinha era totalmente diferente. Eu tinha uma rotina de 6 a 8hs as vezes e ai a gente chega no hospital você não conhece ninguém, você não conhece as pessoas que você vai conviver e...é Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 79 de 188 um ambiente assim estressante, um ambiente diferente, você não sabe como lidar nem com as pessoas, nem com os pacientes, se ta crua ne. (Fisioterapeuta 1)

Sobre a residência em si não era um plano da minha vida, não pensava em fazer residência. Não era um plano, desde a graduação eu não pensava em fazer residência. Não sabia bem como funcionava, era uma novidade ainda, não conhecia muito e tal. Quando surgiu a 1ª turma eu não pensei assim a vou tentar, surgiu um pouco de medo e insegurança, porque você acaba de sair da faculdade e você vê que você não sabe nada. Se busca numa pós graduação realmente aprender e se especializar naquele tipo de área que você escolheu. (Fisioterapeuta 2).

Acho que no início foi um choque né... Um choque de realidade foi, porque nunca tinha trabalho em hospital, essas coisas. Mas no início a gente foi bem recebida, pelo menos a área da farmácia. No início acho que não pesou tanto a carga horária, acho que ela foi começando a pesar com o decorrer do ano. Ai foi surgindo dificuldades, o cansaço foi batendo mais forte, ai acho que isso foi o longo do tempo. Mas o início eu achei bem legal assim pelo menos a equipe da farmácia eu achei bem receptiva. (Farmacêutica A).

Eu nunca tinha trabalhado em lugar nenhum, só tinha feito estágios que eram obrigatórios na faculdade, foi tudo muito diferente no começo, muito novo, as 60 hs, realmente acho que eram mais leves no começo, porque a gente já não tava carregando esse peso essas obrigações que a gente carrega agora ne. A gente ta num período meio de exaustão (risos). Então eu acho que foi mais fácil o 1ºano do que o 2º no finalzinho do 1ºano começou a ficar mais difícil. [...] Logo de cara eu achei que as pessoas estavam recebendo a gente bem, que no começo todo mundo foi amiguinho, ai eu ajudo, eu faço, pode perguntar, mas depois acho que foi tudo só porque sei lá, não foi muito sincero a recepção agradável das outras áreas. Acho que com a equipe medica foi muito mais fácil do que com as outras áreas (Farmacêutica B).

As diversas experiências e desafios que o Programa de Residência Multiprofissional proporcionou aos residentes foram vivências das mais complexas relações de trabalho que dentre os sujeitos de pesquisa identificados como questões que envolvem organização do trabalho, satisfação/insatisfação, singularidade, atuação crítica, reflexiva e tecnicamente competente, relacionamento interpessoal e relações de poder. Soma-se a tudo isso, o desejo dos residentes sobre a possibilidade de desenvolver a capacidade de aprender, de desenvolver o trabalho em equipe voltado para soluções dos problemas que foram evidenciados.

Desta forma, Fernandes (2013) afirma que a residência tem o objetivo de refletir a formação dos profissionais de saúde e sobre a melhoria dos serviços prestados:

A Residência tem repercussão na formação dos trabalhadores de saúde e das equipes dos serviços de saúde na qual eles estão vinculados, permitindo a melhoria da qualidade dos serviços prestados por estes trabalhadores (FERNANDES, 2013, p. 54).

Nas narrativas de dois residentes aparecem questões que envolvem a falta de preparo dos profissionais para recebê-los no campo de prática, a resistência de aceitação entre profissionais do hospital e os residentes recém chegados.

Em relação ao pensamento que detém sobre o programa de Residência Multiprofissional, as respostas refletem nas suas narrativas que,

[...] é a 1ª turma as nossas queixas, nossas reclamações deveriam ser vista para o crescimento do programa. Isso não foi visto, todas as vezes que nós solicitamos, fomos ouvidos mas nem sempre atendidos e vistos da maneira que deveria ser visto, como uma melhoria. Mas eu acredito que deve ter essa troca deve ser ouvido tanto os dois lados sempre, pra que haja melhoria, pra que as próximas turmas possam ser melhores, mas que eles estejam abertos a ouvir! (Enfermeira A).

[...] muitas vezes a gente se deparava algumas situações que a gente fazia reunião que iríamos atrás de nossos direito, em busca mesmo dos nossos direito, e eles viam isso como reclamação, como que a gente tava desafiando eles, como que a gente tava é sendo rebelde e na verdade não é isso a gente só queria que cada um visse o direito de cada um aqui Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 80 de 188 dentro, respeitando tutores, preceptor, coordenador, cada um no seu lugar, mas também respeitando os nossos direitos como residente. (Enfermeira A).

Eu acho que não tá definido o que é tutoria, preceptor, coordenador. Eu acho que faltou essa definição clara até pra quem montou essa residência. Porque no regulamento interno diz uma coisa no diário oficial diz outra. E ai quem é o tutor? Quem é o preceptor? Quem é a COREMU? [...] Andou muito distante, a interpretação é muito diferente, não tem flexibilidade em lado nenhum. [...]Se tutor for a nossa professora especifica essa é a que tenho que dar meus parabéns e agradecer o tempo todo, porque se houve um link da teoria com a pratica foi na aula especifica dela. (Assistente Social A).

Quem é a COREMU fui fazer essa pergunta recente, até então eu nem sabia quem é a COREMU. Então quer dizer tem alguém ali dentro me representando e eu nem sabia qual era o objetivo final disso. Não acho que é um espaço democrático, porque não é democrático? Porque eu tenho ali um monte de pessoas de gestão e pra um residente tá representante sozinho ali e eu tenho impressão de quem entra ali é massacrado o tempo todo, porque não me lembro de ter decidido algo ali que fosse bom de fato. [...]A gente é insignificante tenho essa sensação! Pra mim a residência ao dia que entrei ao dia que eu estou saindo a gente está aqui mesmo pra trabalhar, é aprender na pratica mesmo, sem reflexão. (Assistente Social B).

Em questão da nossa coordenadora da residência que também é coordenadora da fisioterapia, um ponto assim negativo, é que por ela ter uma rotina muito pesada, por ela ter outras residências, ela foi sim um pouco ausente. Ausente no sentido de assim, a gente a queria mais próxima, queria que ela passasse mais nos setores, conversasse com a gente. [...] Então isso é uma falha, porque nós somos multi, nós temos que ter esse momento, esse momento de dialogo, de discussão. Não é só discutir sobre o paciente, mas discutir as nossas aflições, problemas, nossa rotina! (Fisioterapeuta A)

Nossa coordenadora que também é nossa tutora ela é muito aberta sim pra ouvir opiniões. Só que assim a gente aprendeu, com o decorrer que foi passando a residência que um determinado momento ela acabou, tendo que não decidir tudo sozinha e ter a opinião dos outros. Mas assim que a gente chegou eu vi que ela tava aceitando as ideias sim. (Fisioterapeuta A)

Eu acho assim que preceptor a gente teve de um monte todo mundo interferindo em tudo. Até quem não cabia da área cuidava (risos). Agora eu vi (risos) a participação da COREMU em alguns momentos, mas pra levar tudo ao contrário do que a gente pede pra nosso favor, algumas questões eles ajudaram, eles ajudaram não posso dizer que foram eles, acho que foi mais por uma influência da coordenadora. Mas que eu também vi muito pouco presente, deveria ser bem mais presente, muito pouco colaborativa com a gente. Tutor foi demais, foi o que mais ajudou sem sombra de dúvida, e até hoje ele ajuda bastante. (Farmacêutico A)

Foi multi, pelo menos a preceptoria foi multi pelo menos, cada um de uma área cuidava da gente um pouco. [...] Já respondi muito pra outras áreas (enfermagem... Fisio). O tutor foi excelente, ele ajudou muito. Até em momentos que a gente pensava em jogar tudo pro alto, ele não, em nenhum momento ele deixa ele ajudou de todos os jeitos, tá ajudando agora, ajudou muito no começo, nas dificuldades também. Agora eu acho que o pessoal lá da COREMU não tive contato nenhum, eu sabia o que a representante trazia, mas nem sei quem participa daquele negócio. Eu não vejo em alguém que a gente pôde apoiar aqui esse tempo todo, sabe aquela pessoa a quem você tem a que recorrer nenhuma figura aqui dentro do hospital. (Farmacêutico B).

As falas evidenciam que quando se trata de reuniões, espaços para expor opiniões há o equívoco das interpretações. Assim, como também é positiva, quando necessário o apoio da coordenação da residência, mas enfatiza a necessidade de ser mais presente no dia-dia, e a importância de disponibilizar um período de dialogo somente entre os residentes, sendo esse um momento de acolher, conviver, discutir uns com os outros. É relevante o conhecimento mínimo do projeto que norteia as profissões, sendo essa uma das visões que minimiza equívocos no momento em que as áreas se posicionam.

Por se tratar de um curso com a carga horária extensa de trabalho para dar conta da teoria e do cenário da prática onde as demandas são intensas e o ambiente propicia estresse, cansaço, duvidas Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 81 de 188 avalia-se como sendo de contribuição positiva na sua produção de trabalho o dialogo entre os residentes e a coordenação e em outro momento somente para os residentes.

Considerações finais

Neste estudo, os residentes multiprofissionais do Hospital Geral tiveram a oportunidade de refletir e expor suas opiniões referentes à visão do 1º ano e 1ª turma do Programa de Residência Multiprofissional. Destaca-se que durante a realização deste estudo foi prazerosa a aproximação com os residentes, que permitiu compartilhar de diversas situações delicadas, por meio do pesquisador que tecnicamente também buscou a interação constante por meio das entrevistas espaço que exige da parte do entrevistador a escuta qualificada, para com os entrevistados o resgate das experiências, sentimentos e percepções.

Os resultados desta pesquisa apontam que grande impacto de mudanças (aceitações, resistências) ocorreu devido a questão de ser 1ª turma, fazendo com que suas experiências e desafios estejam diretamente ligados a um processo de quebra de paradigmas.

Acredita-se serem necessárias novas propostas teóricas, pois teoria e a pratica se complementam e no estudo se identifica que para essa turma teoria e pratica caminharam de formas distintas.

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A DOCÊNCIA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO: DESAFIOS À VISTA?

Osmar Hélio Alves Araújo40

Resumo Este artigo aborda a docência na contemporaneidade abalizada por transformações vertiginosas, sobretudo no campo tecnológico, e pelo despontamento de novos comportamentos, crenças e subjetividades. Com esteio em pesquisas e ensaios importantes sobre o tema, discute os aspectos que mais recorrentemente surgem nesses trabalhos, como: as oportunidades e desafios que a profissão docente enfrenta em face da era digital, como: lidar com alunos imersos em uma sociedade globalizada, na cultura tecnológica digital. Conclui que se faz necessário redesenhar a formação dos professores, pois é possível identificar que as transformações desencadeadas na contemporaneidade tem afetado diretamente a profissão docente. Palavras-chave: Docência. Desafios. Contexto contemporâneo.

Resumen Este artículo trata de la docencia en la contemporaneidad basada en transformaciones vertiginosas, sobre todo, en el campo tecnológico y por la aparición de nuevos comportamientos, creencias y subjetividades. Con base en investigaciones y ensayos importantes sobre el tema, discute los aspectos que más a menudo surgen en esos trabajos, saber: las oportunidades y desafíos que la profesión docente enfrenta face a la era digital, como: saber luchar con alumnos inmersos en una sociedad globalizada, en la cultura tecnológica digital. Se concluye que hace falta redeseñar la formación de los profesores, pues es posible identificar que las transformaciones desencadenadas en la contemporaneidad ha afectado directamente la profesión docente. Palabras llaves: Docencia. Desafíos. Contexto contemporáneo.

Introdução

A contemporaneidade é abalizada pelo crescimento das ciências, dos avanços tecnológicos, pelo despontamento de novos comportamentos, crenças e subjetividades. No entanto, tudo parece ser provisório, pois a globalização, com sua mídia pujante e sua comunicação e artefatos instantâneos, rapidamente vem perpassando e adentrando os diferentes campos profissionais, entretanto, tudo parece ser provisório, por breves momentos. Logo, é preciso reconhecer que a docência na contemporaneidade reclama novas perguntas e à busca por novas respostas, como: quais exigências os novos tempos trazem para a docência? Que novas realidades se irrompem na contemporaneidade? Consequentemente, faz-se necessário dar um passo a mais na discussão da busca por novas respostas às novas perguntas. Posto isso, este artigo discorre sobre a profissão docente na contemporaneidade, desafios e movimentos de (re) construção, pois a docência também vem sendo influenciada a empreender profundas mudanças, assim como a construir novas realidades e legitimar-se em face da chamada sociedade moderna.

Para as breves notas teóricas deste estudo, respaldei-me nas investigações de Charlot (2008), Sibilia (2012), Amorim e Medeiros (2016), Ott (2008), Libâneo (2002), Anastasiou e Pimenta (2002), dentre outros pesquisadores que têm se dedicado às pesquisas e discussões sobre a formação docente, à Didática, à pedagogia da relação com o saber, à escola na contemporaneidade,

40 Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente integra os Grupos de Pesquisas em Formação Docente, História e Política Educacional da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Educação, Trabalho e Formação de Professores - GEPET da Universidade Regional do Cariri (URCA). Assim como estar vinculado a Universidade Regional do Cariri (URCA) como professor temporário.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 83 de 188 dentre outras temáticas. Nesta perspectiva, este corpo apresenta uma discussão sobre a profissão docente em interface ao contexto tecnológico digital.

Almejo que as discussões tecidas neste corpo teórico alimentem, juntamente com as demais pesquisas, o corpo temático desta obra. Entretanto, discutir acerca da docência no contexto contemporâneo é um desafio, haja vista as poucas pesquisas que adentraram para essa dimensão da profissão docente. No entanto, o desejo de contribuir com reflexões a respeito do tema foi um condicionante na empreitada desta discussão.

A docência versus o contexto tecnológico

O debate sobre a profissão docente no contexto contemporâneo, mais especificamente sobre a docência na educação básica em interface ao contexto tecnológico digital, tem se destacado e conseguido relevo nos seminários, encontros e pesquisas acadêmicas, entre outros contextos. À guisa de justificativa para essa realidade aponto aqui as contribuições de Charlot (2008, p. 20) ao explicitar que:

[...] desenvolvem-se em ritmo rápido novas tecnologias de informação e comunicação: computador, Internet, CD-ROM, celular. Dessa forma, nascem e crescem espaços de comunicação e informação que escapam ao controle da escola e da família e que fascinam particularmente os jovens: MSM, Orkut etc.

A partir dessas considerações do autor, assinalo que exercer a docência no contexto contemporâneo requer o domínio das novas linguagens da era digital. Logo, a profissão docente diante da era digital é perpassada de oportunidades e desafios, como: contribuir na formação de alunos imersos em uma sociedade globalizada, na cultura tecnológica digital, assim como em um contexto de inumeráveis e vertiginosas informações. E oportunidade de adentrar a cultura das novas linguagens e, a partir das redes, conectar-se à realidade dos discentes sem apresentar-se como a principal fonte de informações, conhecimentos e saberes, ou seja, faz-se necessário interligar-se aos discentes que hoje povoam o contexto digital e exercer a docência de modo que os mobilizem para uma atividade intelectual significativa e construtiva. O desafio, porém, é integrar-se às novas tecnologias e linguagens e mobilizar os discentes para essa atividade intelectual necessária aos processos de ensino e aprendizagem, pois, na compreensão de Charlot (2008, p. 21), “[...] o professor defronta-se, ainda, com novos tipos de alunos, cujos modos de pensamento pouco condizem com o que requer o sucesso escolar”.

Nesta perspectiva, exercer a docência em face da cultura digital é contribuir na formação do homem como um todo: ajudando-o a ser, a pensar criticamente, a produzir e a intervir no contexto social e, sobretudo, a ser usuário das novas linguagens e tecnologias com ética, autonomia e, acima de tudo, como aponta Pimenta e Anastasiou (2002, p. 81):

[...] a finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e reconstruí-los com sabedoria. O que implica analisá-los, confrontá-los, contextualizá-los. Para isso, há que articulá-los em totalidade, que permitam aos alunos ir construindo a noção de “cidadania”.

Charlot (2008) raciocina de modo semelhante em relação à função da educação diante da sociedade tecnológica. O referido autor explica que os professores devem mobilizar os alunos para que construam saberes a partir do patrimônio de saberes sistematizados pelas gerações anteriores de seres humanos. Entretanto, para se oportunizar essa formação, o professor precisa se empenhar na construção de um ambiente pedagógico agradável e significativo, a partir do qual os discentes se sintam acolhidos e mobilizados a construírem saberes e experiências de modo crítico-reflexivo e consoante às suas necessidades, assim como com arrimo no conhecimento que possuem da própria realidade. Ott (2008) corrobora e entra no debate assinalando que levar o aluno a ver a realidade constitui-se tarefa fundamental da escola, assim como levá-los a descobrir os problemas que perpassam essa mesma realidade e que, sobretudo, os incomodam e que urgem serem solucionados. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 84 de 188

Dessa forma, os professores, diante da cultura tecnológica, são convocados a serem mediadores de uma formação que considera o homem em sua totalidade, enquanto ser humano, ou seja, são convocados a formarem sujeitos culturais e sociais, qualificando-os profissionalmente.

Considerando que nos albores da contemporaneidade a cultura tecnológica tem suscitado novos modos e hábitos de vida, pois novas subjetivas são, hoje, “moldadas” pelas tecnologias, o que se percebe é que os discentes, sobretudo, aqueles que são nativos digitais, fazem parte do contingente de usuários dos aparelhos móveis de comunicação e informação, como os telefones celulares e os computadores portáteis com acesso à internet, entre outros. É nessa direção que se compreende que a docência precisa adquirir os conhecimentos e desenvolver as habilidades inerentes às novas linguagens da cultura tecnológica, pois, como aponta Sibilia (2012), há hoje uma fissura aberta entre a escola e os jovens, ditos nativos digitais, isto é, a escola com todos seus componentes e seus modos de funcionamento já não entram facilmente em sintonia com os jovens do século XXI (SIBILIA, 2012). Isso deixa patente que é uma condição vital para a escolar interligar-se à sociedade e ter um universo comum com as novas gerações incorporando em seu contexto recursos, como: data show, lousa digital, computadores, softwares, internet, dentre outros.

Estudos recentes, como: Sibilia (2012, 2008), Deleuze (1992), evidenciam que os discentes, principalmente, os nativos digitais usam o computador ou notebook e o telefone móvel cotidianamente, assim como tem acesso à internet, sobretudo para a pesquisa. Os mesmos também são usuários assíduos das redes de relacionamento, como do Facebook, Instagram e de sites e blogs. Destarte, sublinha-se aqui que o uso dos instrumentos tecnológicos pelos professores abrirá canais de comunicação com os discentes, assim como diminuirá o abismo aberto entre o contexto escolar e os jovens da contemporaneidade.

Logo, interligar-se ao contexto tecnológico é uma necessidade que perpassa as diferentes profissões, haja vista que os instrumentos tecnológicos, de variados modos, têm suas interfaces com as diferentes atuações. Nesta perspectiva, apreender e transitar nas novas linguagens que a cultura tecnológica digital oferece é uma questão de continuidade na profissão nos mais diversos campos.

Nessa linha e raciocínio, entre os desafios que os professores enfrentam diante da cultura tecnológica digital é serem membros de um universo que se tornou comum, marcado pelas inúmeras transformações emergidas no processo de modernização do mundo, e usuários de uma linguagem que os permitam conectar-se aos migrantes e nativos digitais. Entre outros desafios que a docência lida nos dias hodiernos está a tarefa de ajudar os discentes a fazerem suas escolhas, a produzirem e a interagirem com propostas construtivas nas redes e não simplesmente curtirem e replicarem. Dito de outra forma, contribuir para que os alunos sejam sujeitos de um processo e membros de continente digital com propostas em favor da constituição de sujeitos singulares e insubstituíveis, da cidadania, da criação de vínculos sociais de reciprocidade, entre outros.

Contudo, o cenário descrito até aqui nos leva a asseverar que a sociedade está a exigir uma escola contemporânea que proporcione uma formação consistente e a serviço do desenvolvimento intelectual do homem, ou seja, que proporcione uma educação digna e em plenitude para todos. Uma escola que empreenda um forte esforço pela renovação das práticas pedagógicas, pela constituição de redes de mobilização de saberes e uma escola com presença ativa dos sujeitos que a compõe. Deste modo, compreende-se que se trata de aproximar a escola da realidade atual, do uso das novas tecnologias no contexto escolar e de conectar os professores aos jovens contemporâneos, deixando que os mesmos possam participar ativamente, dando sua colaboração, e a escola, como espaço de formação, ouvindo, olhando e favorecendo que a realidade e os anseios de mudança venham à tona. Entretanto, como aponta Amorim e Medeiros (2016), considerando o crescimento obtido, ainda há inúmeros professores que, infelizmente, não avançaram significativamente no âmbito da conectividade com as tecnologias digitais.

Compreendo ainda que uma das contribuições mais marcantes da docência no contexto contemporâneo diz respeito a uma prática pedagógica coerente às novas formas de ser e estar no Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 85 de 188 mundo, pois, na compreensão de Sibilia (2012), “[...] agora e em toda parte, não surpreende que reverberem outros tipos de sujeitos: novos modos de ser e estar no mundo que emergem e se desenvolvem respondendo às exigências da contemporaneidade [...]”. Logo, exercer a docência de modo coadunado a esses novos sujeitos é fazer emergir muitas e significativas experiências. Assim, percebe-se a necessidade de ampliar a expansão da formação dos professores visando alargar os conhecimentos no que toca ao uso das novas tecnologias.

Para que o processo de renovação e de alargamento da formação dos professores materialize-se é preciso ajudá-los, sobretudo, a se tornarem sujeitos autônomos na construção das suas práticas e construindo uma escola que seja um território que respeita e favorece as dimensões humanas, assim como que a escola seja um espaço onde as pessoas se conhecem, se estimam e se tornam participantes ativas, e não meras espectadoras frias ou público apático ao processo vivenciado. Charlot (2008, p. 27) robustece esta assertiva trazendo a baila que “[...] a escola contemporânea não deve apenas respeitar as diferenças, ela deve, também, fazer aparecer e registrar diferenças entre os alunos”. Nesta direção, pode-se começar pela valorização de experiências docentes bem-sucedidas, ou seja, pela constituição de escolas que não sejam filiais das secretarias de educação, assim como que não sejam estruturas burocráticas e centralizadoras.

Contudo, os professores têm sido bastante instados a inserirem-se no contexto das tecnologias digitais, a construírem práticas a partir também dos avanços tecno-científicos, uma vez que a desmotivação ou desinteresse dos alunos pela escola é atribuído, em parte, ao fechamento do professor em práticas carregadas de um classicismo pedagógico, estabelecidas em tempos remotos e, por isso, como aponta Sibilia (2012, p. 65), “[...] a sala de aula escolar tenha se convertido em algo terrivelmente ‘chato’, e a obrigação de frequentá-la implique uma espécie de calvário cotidiano para os dinâmicos jovens contemporâneos”. Prosseguindo, a referida autora (2012) argumenta que o desinteresse e o pouco entusiasmo que os alunos costumam demonstrar é indício da falta de sentido, evidenciada também a partir dos perceptíveis índices de evasão escolar constatados em diferentes territórios do mundo. Corroborando com o pensamento da autora, importa salientar que, essa mesma geração que parece não mais se interessar pela escola, apresenta-se, sobretudo, tecnologicamente preparada, entretanto, intelectualmente vem sendo sugada pela “modernidade líquida”, metáfora usada para Zygmunt Bauman (2001) ao tratar das transformações aceleradas da contemporaneidade, e, portanto, apresenta-se como uma geração que sofre fortes implicações na sua capacidade de refletir.

Neste sentido, nos dias hodiernos a realidade corrente traz novos desafios à docência, o que se reverbera em dificuldades no cotidiano escolar, assim como, evidentemente, faz emergir a necessidade de se rever alguns elementos da docência e, por consequência, fomenta a necessidade de um professor que seja capaz de interagir qualitativamente com o contexto contemporâneo, em suas diferentes nuances. Tudo isso, porém, desemboca na necessidade de uma formação docente que assegure a atualização profissional dos mesmos, ou seja, uma base teórica, pistas de possíveis e melhores práticas, assim como condições para um novo fazer docente diante de um tempo abalizado por mudanças.

Logo, faz-se necessário suplantar o quadro apontado por Libâneo (2002), de uma formação docente deficiente, aligeirada e insuficiente, pois, se, por um lado, pode haver certo comodismo por parte de alguns professores em relação ao desenvolvimento profissional, por outro, há excesso de trabalho, formação lacunosa e deslocada do contexto escolar, assim como pode haver trabalho demais para os professores por conta de estruturas escolares pouco eficazes. Não nos esqueçamos ainda da quantidade de professores sem a necessária formação pedagógica. Então é preciso renovar as escolas, mas é preciso também pensar e agir para a renovação do modelo de formação docente que ainda norteia os cursos de licenciatura no Brasil, assim como para a efetivação da tão discutida e necessária formação contínua dos professores.

Os professores, portanto, são chamados na contemporaneidade a empreenderem práticas de modo integrado à sociedade contemporânea e, portanto, intimamente ligadas ao trabalho e a humanização do homem que, por consequência, desemboque na promoção da cultura e da vida, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 86 de 188 pois a humanização da sociedade é a primeira e a razão da existência da educação. Por isso, nos dias hodiernos, a docência deve assumir, como metas principais da sua função, a promoção de uma formação a favor da dignidade humana em todas as suas nuances, assim como da justiça, do diálogo, do progresso integral do homem.

Em linhas conclusivas, entendo que a tecnologia digital perpassa todas as esferas da sociedade. Deste modo, a docência não pode se opor a ter de aprender a lidar com os artefatos tecnológicos, sua cultura, linguagem e suas mudanças. Isso, porém, deve ser fruto do próprio esforço do professor, assim como do seu processo de formação e de políticas públicas que visem assegurar o desenvolvimento profissional dos professores. Entretanto, não somente a tecnologia digital é um desafio, mas bem mais o processo de formação dos professores, pois foi, é e será considerando ser um processo inconcluso, inacabado e, portanto, em construção.

Conclusão

À guisa de conclusão, compreendo que a discussão empreendida culmina com alguns apontamentos, entre eles, na necessidade do redesenho da formação dos professores, pois, ao longo do tempo, é possível identificar que as transformações desencadeadas na contemporaneidade têm afetado diretamente a profissão docente. Pois, de que vale um movimento de estruturação das escolas com equipamentos tecnológicos, como preconiza o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), ou qualquer outro projeto bem assessorado, quando os professores estão de mãos atadas, aparentemente paralisados, apenas observando e inteiramente na dependência de investimentos na carreira e na sua qualificação?

Nos dias atuais, portanto, em face dos inúmeros obstáculos que a docência tem a vencer e das turbulências dos dias hodiernos, os professores não podem recorrer a saídas imediatistas, desprovidas de uma boa base teórica e conceitual, incapazes de os possibilitarem interagir com o mundo moderno, ou seja, compreendo que a docência precisa avançar rumo ao contexto tecnológico e, ao virar as páginas obsoletas da sua história, abrir-se ao diálogo com os jovens ditos contemporâneos e suas inventividades.

Por fim, realço a necessidade de novas discussões que abarquem as questões que aqui não foram, considerando a limitação de espaço, discutidas e exploradas, as quais, entretanto, nesses tempos de mudanças, impactam fortemente na cultura escolar, questionando-a e, ao mesmo tempo, desfazendo-a, talvez.

Referências AMORIM, Jamira Lopes de; MEDEIROS, Emerson Augusto de. A política nacional de formação de professores/as da educação básica e o PARFOR/UERN: expansão, desafios e perspectivas. Educação & Linguagem • v. 19 • n. 1 • 125-154 • jan.-jun. 2016. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/EL/article/view/7094/5428. Acesso em: 15 de dez. 2016. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CHARLOT, Bernard. O PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UM TRABALHADOR DA CONTRADIÇÃO. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, jul./dez. 2008. Disponível em:< http://www.uneb.br/revistadafaeeba/files/2011/05/numero30.pdf>. Acesso em: 15 de dez. 2016. DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. OTT, Margot Bertolucci. Ensino por meio de solução de problemas. In: CANDAU, Vera Maria (org.) A didática em questão. 28. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, pp. 25-34. LIBÂNEO, José Carlos. Produção de saberes na escola: suspeitas e apostas. In: CANDAU, Vera Maria (org.) Didática, currículo e saberes escolares. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. pp. 11-45. PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em formação). SIBILIA, Paula. O show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. ______. Redes ou paredes: A escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. Enviado em 31/12/2016 – Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 87 de 188 CONTEXTUALIZANDO O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO VIVIDO DOS ALUNOS DA 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO DA REDE PÚBLICA DE FORMOSA - GO

Patrícia Borges Valadão41

Resumo O presente trabalho é resultado das experiências pedagógicas vivenciadas pela autora durante o Estágio Supervisionado II do Curso de Licenciatura em Geografia, da Universidade Estadual de Goiás. Tem como objetivo central analisar as dificuldades dos alunos em contextualizar o processo da globalização enquanto fenômeno político-social. Nesse sentido, realizou-se uma atividade de sondagem com perguntas relacionadas ao tema, para saber qual a concepção e a maior dificuldade que eles têm sobre globalização. Durante a pesquisa, foram utilizadas sequências didáticas que possibilitaram a mitigação das problemáticas dos alunos de uma escola pública em visualizar o fenômeno da globalização em seu mundo vivido. Palavras-chave: Globalização. Estágio Supervisionado. Práxis Docente.

Abstract This work is the result of the pedagogical experiences of the author during the Supervised Internship II Geography Degree Course of the State University of Goias. It’s central objective to analyze students difficulties in contextualizing the process of globalization as a political-social phenomenon. In this sense, there was a survey of activity with related questions to find out what the design and the greater difficulty they have on globalization. During the research, teaching sequences were used that made it possible to mitigate the problems of the students in a public school in view the phenomenon of globalization in its lived world. Keywords: Globalization. Supervised Internship. Praxis Teacher.

Introdução

O estágio supervisionado é um momento instrumentalizador da práxis docente, isto é, uma importante etapa na formação de um profissional da educação. Assim, a pesquisa no estágio supervisionado proporciona o enriquecimento na formação profissional dos futuros docentes, propondo alternativas que intervenham positivamente no âmbito escolar, além de propor uma nova roupagem para uma etapa burocrática. Neste sentido, o objetivo do presente trabalho é refletir sobre as experiências vivenciadas durante o estágio supervisionado realizado junto aos alunos das 3ª séries “C” e “D” do Ensino Médio do Colégio Estadual Hugo Lobo - CEHL.

Conforme verificado durante as observações realizadas em sala de aula, com diálogos estabelecidos com o professor regente e pela aplicação de uma atividade de sondagem, verificou-se que a maior dificuldade dos alunos das 3ª séries “C” e “D” do CEHL, na disciplina de Geografia, são os conteúdos relacionados à globalização. Sendo que, as maiores dificuldades estão na compreensão, visualização e constatação do fenômeno da globalização. Partindo desse ponto e com intuito de mitigar tais dificuldades, as aulas giraram entorno da promoção da contextualização da globalização enquanto fenômeno político-social.

41 Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e Especialista em Gestão de Políticas Públicas na Educação em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília (UnB) - patrí[email protected] .

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 88 de 188 Como enfoca Souza e Melo,

Para se trabalhar nas aulas um conceito tão complexo como a Globalização, torna-se necessário a utilização de novas metodologias, linguagens, tecnologias, principalmente as informacionais, trazendo exemplos concretos do cotidiano que possibilitem maior capacidade de abstração dos alunos, garantindo a conceituação a partir de suas experiências (2013, p. 76).

Deste modo, levando-se em consideração que o conhecimento é a grande categoria do processo educacional, optou-se por metodologias que levassem o aluno a conceber o fenômeno da globalização enquanto processo político-social e, desse modo, alcançar o objetivo principal da pesquisa: promover a contextualização do fenômeno da globalização pelos alunos do 3º ano do ensino médio.

Metodologia

Com o intuito de verificar as reais dificuldades levantadas pelos alunos com relação ao referente fenômeno, realizou-se uma atividade de sondagem com perguntas relacionadas ao tema, para saber qual a concepção e a maior dificuldade que eles têm sobre globalização. Assim, verificou- se por intermédio da respectiva atividade que a principal dificuldade dos alunos das turmas “C” e “D” do 3ª ano do Ensino Médio do CEHL está na contextualização e visualização do fenômeno da globalização. Nessa direção, priorizam-se metodologias que promovessem a visualização de tal fenômeno político-social. Deste modo utilizou-se de charges durante as aulas expositivas e/ou dialogadas mostrando a origem do fenômeno da globalização instalado no mundo, além de demonstrar as características e os aspectos positivos e negativos desprendidos do processo da globalização.

Uma vez que a charge traz “[...] uma análise superficial, implícita a história e a presença do interdiscurso” (LESSA, 2007, p. 13). Proporcionando a estimulação do senso crítico do aluno e a observação do mundo ao seu redor, tendo em vista que os mesmos apresentaram dificuldades em analisar o seu mundo vivido por meio da globalização. Neste caso, as charges servem como importante instrumento para uma visão crítica acerca do fenômeno da globalização.

Outro recurso utilizado durante as aulas foi a paródia, pois

[...] por meio da presença do crítico e do humor, elementos os quais os discentes possuem um grande interesse. Além disso, quando um gênero dessa natureza é trabalhado em sala de aula, os alunos aprendem a língua, utilizam a criatividade, desenvolvem a autoestima, por estarem entendendo e utilizando melhor o seu e outros dialetos, e se tornam cidadãos críticos (BONIFÁCIO; BARBOSA, 2014, p. 03).

Destarte, após as aulas expositivas e/ou dialogadas e as atividades realizadas, foi proposto aos alunos de cada turma a confecção de um painel a ser exposto no corredor das salas. Tal atividade foi realizada em grupo, com a sala dividida em cinco equipes ocorreu a confecção de um painel que constou elementos da globalização que fazem parte do dia a dia dos alunos. Para tanto, foram disponibilizadas aos alunos diversas imagens e, que os mesmos selecionaram aquelas relacionadas ao fenômeno da globalização que estejam presentes em seu cotidiano.

Após a seleção, cada grupo confeccionou um cartaz utilizando as imagens escolhidas; que depois de pronto, cada grupo escolheu um integrante para representá-los, onde o membro representante explicou qual a relação que cada imagem possuía com o fenômeno da globalização. Tal atividade possibilitou a contextualização do fenômeno da globalização enquanto processo político-social em seu cotidiano, além de realizar uma revisão geral do conteúdo visto.

Para avaliar se as reais dificuldades ligadas ao processo de globalização foram mitigadas foi aplicada uma atividade final, na qual, os alunos tiveram que dissertar sobre a globalização. Para tanto, foram utilizados os pontos abordados na atividade de sondagem como elementos Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 89 de 188 norteadores da dissertação, no intuito de comparar a real evolução dos alunos ao contextualizarem o fenômeno da globalização em seu mundo vivido.

Resultados e Discussão

O fenômeno da globalização foi construído ao longo da história, sendo influenciado pela forma que a sociedade caminhava (CASTELLAR, 2013). Um dos meios que proporcionou o desenvolvimento do fenômeno foi o progresso da tecnologia, especialmente com as redes de comunicação, que proporcionaram a realização de atividades simultâneas em pontos distintos do planeta.

Tal fenômeno, produtor de uma nova ordem mundial, trouxe consequências indesejáveis “[...] para a maior parte da humanidade, a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar (SANTOS, 2000, p.19).

A noção de globalização surge, pois, em vários campos da sociedade atual. Apesar disso, a compreensão do fenômeno globalização nem sempre é clara, necessitando do uso de vários contextos entrelaçados para explicar a sua essência. No essencial, pode-se dizer que a globalização se tornou o apogeu do mundo capitalista (SANTOS, 2000). Deste modo,

[…] por meio da experiência de tudo – comida, hábitos culinários, música, televisão, espetáculos e cinema –, hoje é possível vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais implicadas em sua produção (HARVEY, 1992, p. 270-271).

Por intermédio de outras palavras, pode-se concluir que o fenômeno da globalização proporcionou a intensificação e rapidez das transformações provocadas pela ação do capital nas relações sociais. Dessa forma, provocou ganhos e, em contrapartida, alicerçou novos problemas.

Nesse contexto, o ensino de Geografia torna-se peça fundamental no entendimento de tal fenômeno. Uma vez que, a compreensão do espaço geográfico, que é em essência humano, é uma das tarefas mais importantes da educação, tendo em vista que o mundo agora parece girar sem destino. Isso porque a globalização é um processo social bastante complexo, sendo de difícil acepção e compreensão.

Por isso, em um mundo repleto de transformações físicas, sociais, ambientais e humanas o estudo da globalização é cada vez mais relevante na medida em que nos traz um entendimento amplo e geral a respeito da realidade em que vivemos. Dessa forma, uma mudança e consolidação da práxis em relação às funções da docência, seus desafios e as superações da compreensão da globalização no Ensino Médio, tornam-se necessário nos dias de hoje. Para isso, o entendimento do movimento real do objeto, isto é, a transposição de uma ideia para o plano concreto é uma parte fundamental no processo de ensino-aprendizagem.

Com isso, o conceito e a teoria que modela o termo globalização necessitam da abstração do aluno, haja vista que a abstração permite a extração e contextualização de uma determinada teoria e, consequentemente, de um conceito. Trata-se de compreender o que passa no “plano das ideias”, isto é, poder contextualizar e indicar em seu mundo vivido um fato relacionado ao fenômeno da globalização. Assim sendo, pode-se considerar que a globalização é um produto da ação mútua dos homens no espaço regido pelo capital. E uma das maneiras de mitigar a ação deturpadora do capital é por meio do ensino.

Nesse sentido, “[...]mostrando para o aluno que essa matéria não é um acúmulo de informação, significa que é um ensino que está preparando o aluno para “ler o mundo” Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 90 de 188 (CASTELLAR, 2013, p. 196). Em outras palavras, compreendendo e conseguindo identificar em seu mundo vivido o fenômeno da globalização o aluno conseguirá interpretar e compreender o porquê de certas coisas acontecerem no mundo atual.

Durante as observações das aulas ministradas pelo professor regente, pode-se constatar que as aulas estavam fundamentadas no ensino tradicional, em que os conteúdos são apenas repassados, o professor permanecia de modo estático e numa fala descritiva e os alunos calados.

Isso nos revela o quanto a geografia tradicional, por muito tempo, se fez presente no processo educacional do Brasil, entretanto, essa realidade ainda se encontra presente em muitas escolas, onde alguns professores transmitem os conteúdos de geografia de forma descritiva e sem contextualizar os assuntos com a realidade do aluno, dificultando assim, a aprendizagem do mesmo (SANTOS NETA; ANDRADE, 2010, p.04)

Toda a experiência aqui analisada contou com um universo de 63 alunos. Sendo que destes, 28 pertenciam a 3ª série “C” e na turma “D”, 35 alunos. A análise da sondagem realizada mostrou que na turma “C” foram apresentadas dificuldades em responder perguntas que exemplificassem características da globalização em seu mundo vivido. Isso é perceptível pelo número de alunos que não conseguiram responder adequadamente uma questão que pedia um exemplo concreto da globalização em seu município. Do montante total, apenas 09 alunos conseguiram respondê-la. Fato que ocorreu também na turma “D”, em que metade da turma não conseguiu responder a questão.

Outra problemática revelada pela atividade de sondagem foi a dificuldade de os alunos vislumbrarem que a globalização atinge o mundo de forma desigual. Para 12 alunos da turma “C” a globalização atinge de forma igual no mundo, na turma “D” 06 alunos tem a mesma percepção. Ao todo, nas duas turmas 07 alunos não responderam a questão.

Neste sentido, optou-se em trabalhar com imagens e com uma paródia intitulada por “Hino da Globalização” durante a exposição do conteúdo, com o propósito de ampliar a visualização e interpretação dos alunos quanto ao fenômeno da globalização.

Para consolidar o conhecimento foi proposto aos alunos a confecção de um painel, que trataria da globalização em seu conceito e exemplos, para verificar se os alunos tinham ampliado a visão sobre o fenômeno. Verificou-se, por intermédio da confecção dos painéis, a importância de se utilizar diferentes metodologias para a construção do conhecimento em sala de aula. Um fato curioso, foi o grande envolvimento por parte dos alunos durante a confecção do painel. No final, a sala de forma espontânea propôs que debatêssemos sobre a atual situação do município de Formosa frente ao avanço da globalização.

Por fim, foi aplicada uma atividade que solicitava aos alunos a dissertação de um texto que tratasse da globalização, para isso o enunciado da atividade apresentou pontos que deveriam estar contidos ao longo do texto e, desse modo, ofertando e permitindo a realização de um comparativo entre as respostas da atividade de sondagem com a final.

O principal motivo da escolha desta forma de atividade foi que ao “[...] exercitar a produção de texto proporciona a comparação entre conhecimentos prévios do dia-a-dia e os saberes ordenados, estabelecidos pela escola e que, sozinhos, não dão conta de evidenciar a explicação e tornar viável um efetivo aprendizado” (PERES; STURM, 2015, p. 07)

As aplicações das atividades de sondagem e do texto dissertativo permitiram comparar a evolução da construção do conhecimento em sala de aula e, assim foi possível a elaboração uma tabela analítica do desempenho dos alunos de cada turma. Veja:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 91 de 188 Tabela 01 – Comparativo das respostas da atividade de sondagem com a final – Turma “C”

Atividade de Sondagem Atividade Final De modo geral as respostavam A globalização ficou como uma estavam ligadas principalmente com integração entre o mundo todo, aonde Definição de algo que acontece no globo terrestre. ocorrem trocas de informações, Globalização Os alunos não conseguiam definir de tecnologias e transações comerciais. forma clara.

Promove tanto a igualde quanto a Características do Promove a igualdade em todos os desigualdade no mundo. Pois, fenômeno aspectos. intensifica a concentração de renda, tecnologia e melhorias.

Exemplos do Celular, computadores, carros, Cartões de crédito, redes sociais, cotidiano instagram, twitter, coca-cola, doritos, Pionner, Syngenta, BretasCencosud, Ruffles, internet, televisão

Grande parte da turma respondeu Desdobramentos Para eles a globalização é um usando exemplos de multinacionais, processo que tornava tudo igual no que para eles são produtos da mundo, trazendo apenas melhorias. globalização, oferecendo muitos empregos em cidade como Formosa. Por outro lado, grandes partes do lucro retornam para a sede da empresa. Fonte: Dados colhidos pela autora durante a atividade de sondagem e a atividade avaliativa.

Tabela 02 – Comparativo das respostas da atividade de sondagem com a final – Turma “D”

Atividade de Sondagem Atividade Final

“transformações culturais e Definição de sociais”, “ integração capitalista Globalização “Tudo que ocorre no mundo”, planetária”, “ tudo que ocorre no “transformações no mundo”, “processo mundo”, “aprofundamento da global” interação internacional”, “integração”, transmissão de informação o mundo”.

Promove tanto a igualdade Características do Promove a igualdade em todos os quanto a desigualdade no fenômeno aspectos. mundo. Pois, intensifica a concentração de renda, tecnologia e melhorias. Crescimento da população, acesso a Internet, músicas internacionais e Exemplos do cotidiano vários meios de comunicação, filmes, jornais, Facebook, telecomunicações, automóveis, Ambev Whatzaap, Syngenta, Pionner, Samsung, McDonalds Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 92 de 188 Para eles a globalização é um processo Para eles, nos dias atuais é Desdobramentos que tornava tudo igual no mundo, impossível não ser atingido pela trazendo apenas melhorias. globalização, sendo que, ela traz pontos positivos e negativos.

Fonte: Dados colhidos pela autora durante a atividade de sondagem e a atividade avaliativa.

Pode-se observar que, os alunos sabiam conceituar globalização, no entanto com as aulas e atividades realizadas o conhecimento referente ao fenômeno da globalização foi lapidado e algumas dificuldades foram mitigadas. Outro ponto observado é que os alunos conseguiram exemplificar e mostrar que a globalização é um fenômeno contraditório, pois ao mesmo tempo em que causa a homogeneidade de certos aspectos na sociedade, promove a heterogeneidade da mesma.

Segundo Meksenas (2005), a educação deve ser pensada como instrumentalizadora da diminuição das desigualdades existentes em nossa sociedade. Dessa forma, a construção do conhecimento de sala de aula com temáticas relacionadas à globalização, que fazem parte do cotidiano do alunado é de suma importância para a construção de indivíduos críticos frente a realidade do mundo que os cerca. Assim, a contextualização de fenômenos como a globalização torna-se fundamental para o reconhecimento de mazelas que os mesmos provocam, além de auxiliar na verificação das melhorias que o mesmo pode trazer para o mundo atual. Isso pode ser verificado durante as apresentações dos cartazes e nas frases que os alunos utilizaram para descreverem elementos de seu cotidiano que estão relacionados com a globalização.

É interessante acrescentar que, projetos em estágios supervisionados provocam a quebra de estigmas relacionados à vivência em sala de aula. Além de colocar o estagiário frente a atual realidade da sala de aula de uma escola da rede pública. Esta situação nos leva a questionar a utilização de metodologias diferenciadas ao do padrão: aulas expositivas, utilizando apenas quadro e giz. Não que tal metodologia esteja errada, mas em uma sociedade aonde a informação reina e novas tecnologias surgem a todo tempo, a captação da atenção dos alunos fica mais difícil e novas metodologias auxiliam na atração da atenção do aluno e em uma construção mais rica do conhecimento dentro de uma sala de aula.

Considerações finais

No intuito de alcançar os objetivos, optou-se por atividades que desenvolvessem a capacidade crítica e reflexiva dos alunos; além de promover novas formas de interpretação do meio em que eles estão inseridos. Assim, a proposição de atividades diferenciadas das que eram aplicadas no cotidiano dos alunos foi a ponte entre o pretendido e o alcançado.

Pelo exposto, os resultados se mostraram satisfatórios quanto aos objetivos pretendidos com os atendidos. Além de mostrar que é necessário que uma perspectiva crítico-reflexivo deve ser construída durante o processo de ensino-aprendizagem, tendo como base o mundo vivido dos alunos; para que os mesmos consigam visualizar os fenômenos estudados.

Ressalta-se que, os momentos vivenciados durante o estágio supervisionado proporcionaram experiências valorosas para a formação da práxis docente. Tais experiências deram o impulso para a construção da identidade docente, pois a prática docente é construída através da experimentação, isto é, da vivência dentro de uma sala de aula.

Referências BONIFÁCIO, Carla Alecsandra de; BARBOSA, Alessandra de Carvalho. Gêneros Textuais em Sala de Aula: a relevância da paródia na educação básica no ensino de Língua Portuguesa. XVII Congreso Internacional Asociación de Linguistica y Filogía de América Latina – ALFAL, João Pessoa – PB, 2014. Disponível em: http://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1143-1.pdf . Acessado em 11/08/2016. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 93 de 188 CASTELLAR, Sônia MariaVanzella. A Globalização: suas interpretações no ensino de geografia. In: CAVALCANTI, Lana de Souza. (Org.). Temas da Geografia na Escola Básica. Campinas: Papirus, 2013. p.179 – 198. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. LESSA, David Perdigão. O gênero Textual Charge e Sua Aplicabilidade em Sala de Aula. Revista Travessias, nº 01, v. 01, 2007. Disponível em: http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_001/linguagem/O%20G %CANERO%20TEXTUAL%20CHARGE%20E%20SUA.pdf. Acessado em: 01/08/2014 MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação: introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Loyola, 2005. PERES, Cristiane; STURM, Ingrid. O Texto Dissertativo Argumentativo no Ensino Médio. LUME UFRGS, v1, n.1, 2015. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/117502/000966916.pdf?sequence=1. Acessado em 10/08/2016. SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000. SANTOS NETA, Maria da Paz; ANDRADE, Ismael Mendes. Estágio em geografia: teoria e prática na formação de professores. XVI Encontro de Geógrafos Brasileiros, realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre – RS. Disponível em: http://www.uesb.br/eventos/ebg/anais/3o.pdf . Acessado em 01/08/2016 SOUZA, Alexsandro Silva; MELO, Josandra Araújo Barreto de. A Globalização como Possibilidade de Intervir no Cotidiano das Aulas de Geografia. Revista de Geografia (UFPE), v. 30, n. 01, p. 73-90, 2013. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistageografia/index.php/revista/article/viewFile/591/482 . Acessado em 11/08/2016. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 94 de 188 O PROFESSOR/ MILITANTE DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: A IGREJA COMO ALIADA

Paulo Vitor de Souza Pinto42

Resumo O presente artigo, trata da importância da Igreja Católica como aliada no processo histórico de permanente construção da educação brasileira, desde o Concilio Vaticano II e os movimentos sociais de luta pela terra, até a formação de uma consciência critica através da educação, como meio de libertação. Palavras chave: Igreja, educação, Libertação.

Resumen Este artículo trata sobre La importancia de La Iglesia Católica como un aliado em el proceso histórico de construcción en curso de la educación brasileña desde el Concilio Vaticano II y los movimentos sociales de lucha por latierra, hasta la formación de una conciencia crítica a través de la educación, como medio de la liberación. Palabras clave: iglesia, la educación, la Liberación.

Introdução

Desde a chegada dos portugueses no Brasil, a igreja tem tido grande colaboração no processo de construção da educação. O objetivo deste artigo, é o aggiornamento43da importância da igreja no processo educacional brasileiro, para as salas de aula dos cursos de licenciatura, em especifico os cursos que se orientam às camadas populares da sociedade, muitas vezes marginalizadas pelo sistema hegemônico opressor.

Considerando a importância da Igreja Católica, não somente no processo de construção da educação brasileira, mas de igual forma, como mediadora de inúmeras lutas sociais, e corresponsável, na formação de uma consciência crítica junto aos movimentos sociais populares, o presente artigo, se faz necessário, afim de tornar atual os fatos históricos que os unem.

Para se compreender a importância da comunidade eclesial, no processo educacional brasileiro, e suas contribuições, junto aos movimentos sociais, na construção de uma consciência crítica, por meio da militância, se faz máster retroceder à história do Brasil.

Atualmente, muito vem sido pesquisado sobre a educação no Brasil, Maria Stephanou, vai definir a área da educação como “um tema de vigorosas publicações”. Observar a historicidade do “continuo processo” educacional brasileiro, não é buscar no passado, soluções, métodos, ou formas de se ensinar, é refletir sobre o que é a educação hoje.

A memória é uma espécie de caleidoscópio composto por vivências, espaços e lugares, tempos pessoas, sentimentos, percepções/ sensações, objetos, sons e silêncios, aromas e sabores, texturas, formas. Movemos tudo isso incessantemente e a cada movimento do caleidoscópio a imagem é diversa, não se repete, há infinitas combinações, assim como, a cada presente, ressignificamos nossa vida. Esse ressignificador consiste em nossos atos de lembrar e esquecer, pois é isso a memória, os atos de lembrar e esquecer a partir das evocações do presente. (STEPHANOU; 2011, p.420)

42 Licenciando do curso Interdisciplinar de educação no Campo, da Universidade Federal Fluminense- UFF,do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior INFES. 43Aggiornamento é um termo italiano, que significa "atualização". Esta palavra foi a orientação chave dada como objetivo para o Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII em 1962. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aggiornamento acessado em: 12 de fevereiro de 2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 95 de 188 Neste artigo, pretendo não trabalhar a Igreja, como instituição divina na terra, mas sim como instituições concretas, formada por homens e mulheres, que caminham juntos no “permanente continuo processo” de construção da educação brasileira. (Chabalgoity, 2015)

A educação jesuítica

A primeira presença da Igreja, na educação brasileira se deu no período colonial, onde a educação escolar estava a cargo dos jesuítas44 Por sua vez, a educação, passou a ser a principal tarefa dos jesuítas. A expansão dos colégios, administrados pela companhia de Jesus, obteveêxito devido a gratuidade do ensino, contabilizando no final do século XVI um total de 372 colégios. (Ghiraldelli, 2009) A educação brasileira teve seu início propriamente dito com o fim do regime de capitanias. O Brasil ficou sob o regime e capitanias hereditárias entre 1532 e 1549. Tal regime terminou quando D. João III criou o Governo Geral. Na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o Padre Manoel da Nóbrega e dois outros jesuítas. Eles foram nossos primeiros professores. (GHIRALDELLI, 2009, p.24)

De fato, é incontestável que a educação jesuítica, a qual nos referimos anteriormente, foi carregada de ideologia e interesses da Igreja Católica45, que muitas das vezes se deram pelo processo de transculturação46 Entretanto, a presença da igreja na educação foi de suma importância para a colônia, se nós levarmos em consideração a decadência do sistema educacional, pós a expulsão dos jesuítas do Brasil.

Inúmeras foram as dificuldades daí decorrentes para o sistema educacional. Da expulsão até as primeiras providências para a substituição dos educadores e do sistema jesuítico transcorreu um lapso de 13 anos. Com a expulsão desmantelou-se toda estrutura administrativa de ensino. A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da educação. ROMANELI, 1991, p.36)

Por sua vez, pode-se considerar essa primeira inserção da igreja na educação, como sendo crucial para a historiografia da educação brasileira, já que os professores que passariam a atuar no lugar dos jesuítas eram frutos dos mesmos.

A igreja e os movimentos sociais: educação em busca da libertação.

Desde o período colonial, a questão agraria esteve entranhada na nossa história. A igreja assim como na educação, também esteve presente, entretanto, a igreja que agora nos referimos, é uma igreja pós-conciliar (1965), e que está embebida de ideias socialistas, que a partir de agora chamaremos de Teologia da Libertação47.

44 Aos jesuítas coube, praticamente, o monopólio do ensino escolar no Brasil durante um tempo razoável. Algo em torno de duzentos anos. Durante esse tempo, eles fundaram vários colégios com vista à formação de religiosos. Ainda que os filhos da elite da colônia não quisessem, todos eles, se tornarem padres, tinham de se submeter a tal ensino. Eram os únicos colégios existentes. (GHIRALDELLI, 2009,P.25). 45 O ensino que os padres jesuítas ministravam era completamente alheio à realidade da vida da Colônia. Desinteressado, destinado a dar cultura geral básica, sem preocupação de qualificar para o trabalho. (ROMANELI, 1991, p.34). 46 Transculturação: trata-se de uma aculturação forçada (por violência física ou simbólica) como a que sofreram os indígenas ameríndios sob o impacto da conquista e da expansão do sistema cristão imperante na Espanha e em Portugal. (BOFF, 1990, p.24) 47 A teologia da libertação não é a origem do cristianismo radical, mas sim, como insistem os próprios teólogos, o produto, o resultado de toda uma prática, de uma experiência anterior - a começar pela JUC brasileira de 1960- 62. Segundo Clodovis Boff, "antes de a Teologia da Libertação (TdL) ter despontado, no final dos anos 60, já havia na Igreja da América Latina toda uma praxis libertadora. Antes do teólogo da libertação tivemos o Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 96 de 188 A fim de cumprir o objetivo deste trabalho, daremos um salto na história, e trabalharemos a partir da década de 1950, ano este, que foi publicado o documento “conosco, sem nós ou contra nós se fará à reforma rural”.48

Este documento descreve a situação de pobreza a que os camponeses estavam submetidos e incita a Igreja para que ela lidere um grande movimento para melhorar a vida destes trabalhadores, pois, do contrário, estas pessoas poderiam ser “vítimas de revolucionários” (BALDUÍNO, 2006 apud NETO, sd. p.2)

Em 1960, a CNBB49 e o Governo, se unem e dão origem ao Movimento de Educação de Bases (MEB)50, promovendo a criação de escolas radiofônicas, que aturam via emissoras católicas.51 (Leal, sd.)

Também foram importantes para a formação mais crítica dos trabalhadores no Cariri a Ação Católica Especializada e as aulas radiofônicas promovidas pela diocese. A Diocese era afiliada ao Movimento de Educação de Base, MEB, que seguia a pedagogia de Freire para a qual educação e conscientização andavam juntas. (ALBUQUERQUE 2012)

A presença da Igreja, nas lutas dos homens e mulheres do campo, é um fato incontestável. Porém, deve-se levar em consideração de que Igreja a qual estamos nos referindo agora, ainda é uma igreja conciliar, que apresentava posturas incoerentes, como o apoio ao golpe de 1964

Mas no seio da hierarquia da Igreja Católica havia o medo do comunismo, o que levou a que diversos setores conservadores desta Igreja, inclusive através de documento oficial da CNBB, apoiassem o “Golpe Militar de 1964”. ( NETO, sd. p.3) Também a Igreja Católica, através de documentos da CNBB, passa a fazer críticas ao modelo ditatorial em vigor e assume a defesa de diversas lutas populares, entre elas a defesa da reforma agrária. Se em 1964, a cúpula da Igreja católica apoiava o golpe militar que, na avaliação desta cúpula, teria salvado o Brasil do comunismo, gradativamente, começa a se afastar dos governos militares e, impulsionada pela Conferência de Medellín, passa a realizar críticas aos governos militares. (NETO, sd. p.4b)

Por sua vez, foi em meio a perseguição do Estado, a qualquer grupo social, com perspectiva socializante, como as “Ligas Camponesas”, em que a Igreja viu a necessidade e a oportunidade de agir com e em favor dos mais necessitados, mobilizando os leigos da Juventude Agraria Católica (JAC) e o Movimento de Educação de Base (MEB), em uma luta em defesa da reforma agrária.52 (Souza 2004) bispo profético, o leigo comprometido e comunidades libertadoras. Isso já é principalmente nos inícios dos anos 60. A teologia, portanto, veio num segundo momento, E veio como expressão desta prática libertadora da Igreja. Isto significa que a TdL é a teologia de uma Igreja de libertação, de uma Igreja que opta preferencial e solidariamente pelos pobres.(LÖWY 1989). 48 Em setembro de 1950, a Igreja Católica torna público o seu primeiro documento discutindo a questão da terra no Brasil. Foi um documento elaborado por Dom. Inocêncio Engelke –Bispo de campanha- MG- e apresentada na Primeira Semana Ruralista. (NETO, sd. p.2) 49 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. (LEAL, sd. p.18) 50o Movimento de Educação de Base foi organizado segundo um modelo de um “sistema”, envolvendo professores, supervisores, locutores e pessoal responsável pela preparação e transmissão de programas, através das emissoras das dioceses locais e da composição de classes. (LEAL, sd. p.18-19) 51A Educação para Libertação de Paulo Freire, a Ação Católica Especializada, o Movimento de Educação de Base e a Ideologia do Desenvolvimento de Comunidades, são elementos para uma compreensão de Igreja diferente daquela dos anos de 1950, uma Igreja apartada da sociedade e da situação em que vivem as populações trabalhadoras. Uma Igreja que estava preocupada unicamente com a salvação dos indivíduos e que via na história apenas a realização da vontade divina, se era vontade divina não tinha como intervir, mas apenas consolar e conformar os pobres por sua situação objetiva de miséria, carência e pobreza. (ALBUQUERQUE 2012) 52 Nos vinte anos seguintes do regime militar (1964-1985), quando se fecharam no país lugares de articulação política, sindical e social, a Igreja foi um espaço de relativa liberdade de organização e de ação. A CNBB e Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 97 de 188 A simples menção da defesa da reforma agrária pelos movimentos de trabalhadores já era considerada, pelos militares, uma proposta “comunista”, que colocava em risco o “direito de propriedade”. Assim, abateu-se sobre as organizações de trabalhadores do campo uma forte repressão, com a intervenções em sindicatos, Federações, Confederações e nas Ligas Camponesas. O movimento sindical conseguiu sobreviver à ditadura através de políticas negociadas e possíveis para o momento, principalmente por parte da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG-. (NETO, sd. p.4a)

A massificação dessa militância, dos movimentos sociais, se dá após a reunião dos Bispos Latino-americanos em Medelín (1963), onde o pobre passa a ser protagonista na vida da igreja e da sociedade, onde se afirma, a “opção preferencial pelos pobres”, garantindo assim a vida das CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base)

Neste novo quadro, em 1971, Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, divulga documento colocando a Igreja ao lado dos trabalhadores do campo. Em 1973, Dom José Maria Pires, Bispo de João Pessoa e Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, divulgam documento de apoio aos trabalhadores do campo. Os apoios passam a crescer e a cúpula da Igreja é instada a se posicionar. Assim, em 1975, em Goiânia, é realizado um Encontro de Bispos e prelados da Amazônia. Este Encontro é de fundamental importância, pois é aprovado um documento apoiando a criação de uma “Comissão de Terras”, ligado a CNBB (BALDUÍNO, 2006) apud (NETO, s.d.p.5)

É a partir desse contexto, que nasce a Comissão Pastoral da Terra (CPT)53. Já em 1971, é divulgado por Dom Pedro Casadáliga, o documento “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social” que une a Igreja aos trabalhadores do campo. Nesta mesma interface, os bispos do nordeste em 1973 Dom José Maria Pires, Bispo de João Pessoa e Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, divulgam o documento “Ouvi os clamores do meu povo”, que de igual forma apoia os trabalhadores do campo, é quando a CNBB, se vê obrigada a partir do encontro dos bispos e prelados da Amazônia, nasce em 1980, um documento publicado pela CNBB , denominado “Igreja e os problemas da terra”54. (BALDUÍNO, 2006) apud (Neto, sd. p.5) & (JUNIOR s.d.)55

Por sua vez, a CPT, teve grande importância na organização dos trabalhadores rurais sem- terra, sendo possível afirmar, segundo Cardoso, que o MST teve sua formação devida, entre outros elementos às ações da CPT. Para ADRIANCE, “há pelo menos duas razões importantes para o estudo do relacionamento da religião com a militância social em áreas rurais: 1- A terra é uma questão fundamental no terceiro mundo; 2- Nas zonas rurais, o relacionamento entre religião e militância é muito mais evidente.”

Com os movimentos sociais e os movimentos eclesiais de base, imbuídos do espirito do Vaticano II, do Documento de Medelín e Puebla, vê-se necessário contrapor o trabalhador do campo e as realidades abarcadas pelos mesmos, cada um em sua peculiaridade, mas sem desprezar o todo. Essa contraposição entre o trabalhador e os aspectos políticos era realizada em encontros regionais, onde em comunidade, se fazia conhecer que a realidade em que viviam era opressora, e onde criavam a consciência de que esta realidade deveria ser combatida pelos próprios homens do campo. A igreja reconhece o seu papel na formação da criticidade do homem do campo, desta vez,

alguns bispos foram, o que se chamou depois, “a voz dos sem voz”. Nesses anos surgiram a Comissão da Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missioná- rio (Cimi) e se desenvolveram a pastoral operária e as pastorais de juventude. (SOUZA 2004, p.81) 53 Reconhecida pela CNBB e com hegemonia católica que, defendendo a reforma agrária, articulando as Pastorais Rurais e encontros de trabalhadores e assessores, publicando cartilhas e denunciando a violência no campo, firmou-se como uma instituição de apoio aos movimentos sociais do campo. (NETO, s.d. p.5) 54 Este documento analisa e denuncia os resultados do desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. (JUNIOR s.d.) 55Texto adaptado pelo autor, com base nas referências supracitadas. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 98 de 188 não como nos anos 1930 com a liga católica, mas desta vez, formar homens e mulheres com uma consciência política em busca de, uma justiça social.56 (Albuquerque, 2012) Por sua vez, é a partir do Concilio Vaticano II, que a Igreja na américa latina, assumirá a postura de auxiliar os movimentos sociais, na luta por seus ideais e na construção da educação popular. A educação popular, segundo Paulo Freire “ é o processo permanente de refletir a militância”57. A pratica educativa por sua vez, torna-se uma pratica politica, sendo assim uma ferramenta para os movimentos sociais, já que a educação popular, pode ser vista como facilitadora da compreensão cientifica, segundo Paulo Freire.

Tendo a educação, como premissa, para a reflexão do sujeito do campo ante à dura realidade a qual está sujeito, está se torna sua ferramenta de libertação, capaz de livra-los das garras do sistema hegemônico opressor. Entretanto essa educação não se pode resumir a uma mera reprodução, de conhecimentos empíricos, baseados no senso comum e disseminados dentro da comunidade, deve-se ser analisado de maneira crítica, afim de construir um raciocínio crítico para que o grupo social possa ter condições de garantir suas demandas. Por fim, podemos concluir, que, a historiografia da educação brasileira, a formação da consciência crítica pela educação popular, perpassaram diretamente pela igreja, sendo impossível refletir sobre tal temática desconsiderando os fatos históricos que perpassaram o mesmo.

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56 A LEC analisava os candidatos a postos eleitorais, a partir de alguns princípios ou exigências que julgava indispensáveis para os interesses da Igreja (indissolubilidade do matrimônio, ensino religioso nas escolas...) e recomendava ou vetava esses candidatos. Isso provocou muitas reações na sociedade, com críticas à ingerência da Igreja na vida partidária. E na mesma Igreja começou um debate sobre se não seria mais apropriada a presença na política numa dimensão mais ampla do que a eleitoral, em função do bem comum da sociedade e a partir de alguns princípios e valores universais. (SOUZA 2004 p.84). 57 FREIRE, 2015, p.24 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 99 de 188 LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação . São Paulo: Cortez, 2011. PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987. RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. “História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão.” Paudéia, julho de 1993. ROMANELI, Otaíza oliveira. História da educação no Brasil. 13ª. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991. SILVA, Ricardo Oliveira da. “A questão agraria brasileira em debate.” Porto Alegre: Universidade Fderal do Rio Grande do Sul, Março de 2008. SOUZA, Luiz alberto Gómes de. “As várias faces da Igreja Católica.” ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004, 2004. STEPHANOU, Maria. Histórias e memórias da educação no Brasil: século XX. Vol. III. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 100 de 188 A IMPORTÂNCIA DO RAP NA “ESCRITA PRISIONAL”: O CASO SOBREVIVENTE ANDRÉ DU RAP

Raíssa Cardoso Amaral58 Alfeu Sparemberger59

Resumo Este artigo discorre sobre a importância da arte para a produção escrita de Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru) (2002), de André du Rap e coordenação editorial de Bruno Zeni. A arte que acompanha a trajetória de vida de André du Rap é justamente o movimento hip-hop e o rap, como o próprio codinome de José André de Araújo evidencia. O aporte teórico que embasa esta pesquisa é específico da área das escritas de si, principalmente os estudos sobre autobiografia. Palavras-chave: Arte. Autobiografia. Sobrevivente André du Rap.

Abstract This paper is going to focus on the significance of art in the literary production Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru) (2002) written by André du Rap and the editorial coordinator Bruno Zeni. André du Rap life’s trajectory is chiefly noticeable by the presence of hip-hop and rap music, as suggested by José André de Araújo’s nickname. The theoretical scope of the current analysis is based on specific contributions both by the writing of the self and autobiographical studies. Keywords: Art. Autobiography. Sobrevivente André du Rap.

Introdução

Na chamada literatura prisional ou “escrita prisional” a maior parte dos textos é produzida por presos políticos, como é o caso exemplar de Memórias do cárcere (1953), de Graciliano Ramos. Sem uma linha forte de continuidade, constata-se, como o fez Palmeira (2011), um movimento novo ocorrido no Brasil a partir dos anos 2000: a publicação de livros de teor testemunhal assinados por presos comuns, como é o caso de Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru), de 2002.

A orelha da obra, elemento paratextual que fornece dados publicitários, mas também informacionais, indica tratar-se do primeiro relato “sobre o Massacre do Carandiru feito em livro por um dos detentos que presenciaram e sofreram a ação da polícia. José André de Araújo fala em nome dos presos assassinados para que a memória do que aconteceu não seja apagada” (DU RAP, 2002, s/p). A ficha catalográfica, por sua vez, aponta para a seguinte classificação terminológica: “Narrativas pessoais” e “Memórias autobiográficas”. Aos dois termos agrega-se uma catalogação geral, que confirma a escrita como originária da memória, do testemunho e de sua natureza carcerária: “Prisioneiros” e “Narrativas pessoais”. No final do livro, o leitor ainda encontra, no ensaio Uma voz sobrevivente, de Bruno Zeni, que

Sobrevivente André du Rap parte da experiência de um homem que presenciou o Massacre do Carandiru. Este livro apresenta o primeiro relato feito por um dos detentos que sobreviveram ao extermínio, relato este elaborado quase dez anos depois da ação

58 Mestranda na área de Literatura Comparada do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas. Bolsista CAPES. Graduada no curso de Licenciatura em Letras - Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Pelotas (2014), com Menção Honrosa. 59 Graduado em Letras pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). Possui Mestrado em LETRAS pela Universidade Federal de Santa Catarina (1989) e Doutorado em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Cultura Brasileira. Professor Pesquisador.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 101 de 188 policial que resultou na morte de 111 presos da Casa de Detenção de SP (lembro, desde já que 111 é o número oficial de mortos). O objetivo desta obra, é portanto, somar à história do Massacre mais uma narrativa, construída do ponto de vista de quem sofreu o trauma na carne e no espírito, e dessa forma tornar essa história mais rica, mais completa e também mais complexa (ZENI, 2002, p. 199).

Nos trechos citados, evidencia-se o caráter de “primeiro relato” feito por um detento que sobreviveu ao massacre. É também neste ensaio que Bruno Zeni ressalta o caráter político do livro do André, pois “[...] se pretende uma peça de resistência, dentro de um sistema que tem por norma excluir e massacrar, para que nada de semelhante ao que se fez no Carandiru em 1992 volte acontecer” (ZENI, 2002, p. 218).

Tais observações críticas afirmam uma textualidade centrada no eu, numa escrita de si, nomeadamente, portanto, no campo da autobiografia e do testemunho. O primeiro marco dessa escrita, diluidora da distância entre o eu narrador e a experiência vivida, inscreve-se no campo da verdade dos fatos narrados. De outro modo, a manifestação testemunhal/autobiográfica de uma voz “marginal” que busca seu espaço na “cidade letrada” encontra no rap e no hip hop formas de contestar a escrita dominante e de ocupar um espaço no mundo literário, transformando este construto ideológico dos setores sociais dominantes num território escritural movediço. O rap e o hip hop atuam, deste modo, como propulsores desta fala marginal(izada).

O trauma, a verdade e o pacto autobiográfico

Grande parte da fortuna crítica dedicada a Sobrevivente André du Rap enfatiza a ideia de que esta história precisa ser lida para que não se repita, algo semelhante com o que aconteceu pós ditadura civil-militar no Brasil. comenta que entre as décadas de 60 e 70 “[...] a ideia do nunca mais se sustenta no fato de que sabemos a que nos referimos quando desejamos que isso não se repita” (SARLO, 2007, p. 20).

É no próprio discurso de André du Rap que aparece a ideia de que a sua experiência traumática deve ser narrada para que não se repita: “Eu quero falar a verdade, contar a minha história pra ela não se repetir” (DU RAP, 2002, p. 104). De acordo com as pesquisas de Maria Rita Palmeira, na condição de sobreviventes, tais relatos “trazem em suas narrativas a ideia de que são mensageiros dessa realidade, tarefa à qual não podem se furtar” (2006, p. 03).

A autobiografia, segundo Philippe Lejeune, é o texto no qual existe uma identidade em comum entre autor, narrador e protagonista, pois o que “define a autobiografia para quem lê é, antes de tudo, um contrato de identidade que é selado pelo nome próprio” (LEJEUNE, 2014, p. 39). Sobrevivente André du Rap nos parece estar em sintonia com este conceito. A primeira definição de autobiografia oferecida por Lejeune diz que se trata de uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE, 2014, p. 16). Em texto mais recente, Autobiografia e ficção, Lejeune afirma que a “autobiografia se inscreve no campo do conhecimento histórico (desejo de saber e compreender) e no campo da ação (promessa de oferecer a verdade aos outros), tanto quanto no campo da criação artística” (LEJEUNE, 2014, p. 104).

O gênero autobiográfico é um gênero contratual. O pacto autobiográfico pressupõe um duplo compromisso do autor com o leitor: pacto de referencialidade – o que se narra se apresenta como algo realmente acontecido e o autor precisa convencer o leitor de que o “eu” no texto é a mesma pessoa que assina a capa, ou seja, autor, narrador e protagonista são a mesma pessoa. Conforme explica Lejeune, o nome próprio articula o vínculo entre pessoa e discurso. O pacto autobiográfico se estabelece com elementos concretos, como é o caso dos paratextos.

Em A Autobiografia dos que não escrevem, Lejeune (2014) comenta que “relato de vida” é um termo vantajoso de ser utilizado, pois deixa em suspenso dois pontos centrais: o problema do autor (único ou múltiplo?) e do meio de comunicação pelo qual foi produzido (fala e/ou escrita), quando estes textos são escritos “a quatro mãos”, como é o caso do livro aqui em análise. O autor ressalta Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 102 de 188 que “Somos sempre vários quando escrevemos, mesmo sozinhos, mesmo nossa própria vida” (LEJEUNE, 2014, p. 137).

Bruno Zeni soube escutar o relato de André e se metamorfosear em narratário virtual e organizar o relato do sobrevivente. A autobiografia aparece, assim, como o fascínio pelo outro, pelo que é diferente de mim. Quando se lê Sobrevivente André du Rap, o conceito de autobiografia compartilhada é necessário, pois, em tal setor autobiográfico em colaboração, “os editores (ou organizadores) não são simples engrenagens de transmissão, mas em geral tomam a iniciativa e assumem a responsabilidade considerável quanto à existência e à própria forma do livro” (LEJEUNE, 2014, p. 145-146).

Luiz Costa Lima (2007), de outra parte, considera a autobiografia e as memórias como essenciais para se pensar os conceitos modernos de sujeito e literatura. O crítico relaciona as memórias e as autobiografias com a metáfora de substitutos dos espelhos: a imagem refletida assinala o desgaste e procuramos lembrar o que fomos, pelo que passamos. É um espelho que não vai refletir o sujeito na atualidade, mas no passado. Em Autobiografia como questão, Costa Lima (2007) identifica a regra básica da leitura de memórias e autobiografia: o leitor parte do pressuposto de que é um relato de boa fé, algo passível de ter acontecido.

Desse modo, há diferenças consideráveis entre as ideias propostas por Philippe Lejeune e Luiz Costa Lima: “Para Lejeune, a autobiografia “é uma questão de tudo ou nada” (1975, p. 25). Já Costa Lima considera seu estatuto ambíguo” (KLINGER, 2012, p. 36). O argumento de Costa Lima, de certa forma, desmonta o de Lejeune, pois analisa a autobiografia como algo ambíguo, sem possibilidade de um pacto ser efetuado.

O processo de criação do livro de André du Rap inicia da seguinte forma: Bruno Zeni esclarece, em seu ensaio Uma voz sobrevivente, na última parte do livro, que no dia 20 de junho de 2001 os dois se conheceram no julgamento do coronel Ubiratan Guimarães (comandante do Massacre do Carandiru) e expressaram um objetivo comum: contar o que ocorreu no Massacre pela visão de um sobrevivente. O livro está organizado em seis “partes”: Depoimento, Fragmentos de uma correspondência, Free Style (De improviso), Aliados, Uma voz sobrevivente (o já referido ensaio do coordenador editorial) e uma nota Sobre os autores. A estrutura deixa clara a intenção de evidenciar “a ideia da rapidez com que o Massacre foi absorvido pela ‘normalidade’ do cenário político do país” (ZENI, 2002, p. 200). Mas revela o registro da experiência transmitida pelo pacto memorialístico/autobiográfico, consignado pela “narrativa pessoal” do indivíduo, e pela “escrita prisional” que configura o registro testemunhal/histórico, unidos pelo denominador comum da expressão última da verdade.

A narração da experiência, como assinala Beatriz Sarlo, “está unida ao corpo e à voz, a uma presença real do sujeito na cena do passado. Não há testemunho sem experiência, mas tampouco há experiência sem narração” (SARLO, 2007, p. 24). O testemunho de André du Rap está publicado em formato de livro, mas há outra manifestação artística, o rap, que também funciona como forma de depoimento e denúncia, bem como superação do trauma vivido no Massacre.

No próximo tópico, a análise da importância da arte em formato de música – o rap – será esmiuçada, pois esta é essencial para a compreensão da trajetória de vida de José André de Araújo, o sobrevivente.

A importância da arte na vida (dentro e fora da prisão) de André Du Rap

Bruno Zeni (2004) assinala a estreita relação existente entre as manifestações artísticas do rap e o universo degradante da prisão, especificamente em São Paulo. Para o jornalista, a violência e o racismo estão enraizados na cultura brasileira de tal forma que “é normal ver os negros pobres, presos ou mortos” (ZENI, 2004, p. 03). As letras de músicas do rap possuem justamente um caráter de denúncia do preconceito racial sofrido pelos negros, além de expor o cotidiano violento da Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 103 de 188 periferia. Assim sendo, constituem um documento ou depoimento das relações sociais do presente, além da inconteste denúncia da repressão e da marginalização de grupos minoritários.

O codinome de André – du Rap – é sintomático, afinal, ele incorpora esta arte em sua vida. O rap é uma manifestação artística que engloba a música, a dança, poesia, artes plásticas e mobilização social. Nesse sentido, cabe salientar que a realidade social da população brasileira de baixa renda se agravou nos últimos trinta anos, e a imensa presença de homens de pele negra no sistema penitenciário do país é indício de que a desigualdade de classe continua a ser sentida de maneira mais grave entre os negros. O rap tem grande aceitação nos presídios porque tematiza o universo da cadeia, as leis que a regem, a opressão e a violência que os homens de farda exercem sobre os presos. Quanto a esta última podemos citar um dos trechos da música Negro drama, do Racionais Mc’s, afirma que “recebe o mérito a farda que pratica o mal”. Assim, a relação do rap com o universo prisional é de intimidade e reciprocidade (ZENI, 2004, p. 06).

O rap Diário de um detento, de Jocenir, é amplamente mencionado no artigo de Bruno Zeni (2004), especificamente pelos seguintes motivos: tematiza o massacre do Carandiru, ocorrido em 02 de outubro de 1992, e apresenta incontestável qualidade literária. A letra de Diário de um detento foi composta numa parceria entre , dos Racionais, e o ex-detento Jocenir, motivada por forte consciência política, como é possível visualizar neste trecho: “Mas quem é que vai acreditar no meu depoimento? Dia 3 de outubro, diário de um detento”, que aponta justamente para o silenciamento forçado de vozes marginalizadas.

O artigo de Bruno Zeni finaliza com uma frase que dialoga com o livro Sobrevivente André du Rap, pois o leitor, ao deparar-se com um relato de vida como o de José de André de Araújo, está em contato com relatos “de homens que percorreram trajetórias marcadas pela ilegalidade e pela criminalidade e que encontraram no rap e na literatura uma forma de expressar suas dores, suas dúvidas e seus desejos nunca satisfeitos” (ZENI, 2004, p. 10).

Na epígrafe de Sobrevivente André du Rap, a influência da arte na vida do José André de Araújo está visível: “Dedico este livro ao irmão Natanael Valêncio, pela revolução e evolução dentro do movimento hip-hop. Descanse em paz”. Um companheiro morto, mas que teve seu reconhecimento. Nos agradecimentos finais, André menciona os Racionais MC’s, que “foi o primeiro grupo a dar uma oportunidade a vários irmãos dentro do sistema na gravação do clip Diário de um detento” (DU RAP, 2002, p. 223).

É justamente na primeira parte do livro, intitulada Depoimento, que André du Rap fala da solidão que sentia na cadeia, quando via os presos descerem para a visita e ele permanecia sozinho, época em que a família estava revoltada com sua prisão. Em uma espécie de confissão, André relata o envolvimento com os grupos de rap e também com a sua atividade de compositor:

O único conforto que eu tinha era a caneta e o papel. Escrevi muitos poemas nessas horas. Comecei a buscar outros meios de me expressar. Eu gostava muito de rap, comecei a compor. Eu já compunha antes, mas lá eu compunha mais. Antes de ser preso, eu tocava e trabalhava com promoção de eventos. Sempre que dava eu subia no palco e os caras deixavam eu fazer duas ou três viradas no toca-disco. (...) Era época de Thaíde e DJ Hum, MC Jack, Geração Rap Irmãos Metralha, Irmãos Cara-de-Pau, Região Abissal, o pessoal do Jabaquara Breakers. A gente se reunia nessa época, de 84, 85 até 89. Era época que tava pegando no Centro da cidade. Mas era muita discriminação. A polícia não deixava você dançar, você cantar (DU RAP, 2002, p. 47- 48).

A repressão sofrida pelos compositores de rap e envolvidos com o hip hop estende-se ao universo da prisão, na forma de blitz, que cerceiam o trabalho criativo dos prisioneiros:

Então, quando fui pra Detenção, eu subia na minha jega e ficava lembrando daqueles tempos. Ficava compondo, escrevendo alguma coisa. Dali saía uma estrofe de uma música, um pedaço de um poema. Eu guardava os papéis, mas quando tinha alguma Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 104 de 188 blitz, os caras rasgavam e a gente tinha que escrever tudo de novo (DU RAP, 2002, p. 47-48).

Em outra passagem, André reitera que uma das formas de preencher o tempo na cadeia é contar histórias. Essas experiências se transformam conteúdo para montar uma letra, um poema ou um livro:

Então tudo é conteúdo. É uma forma de você ocupar a mente. Lá dentro tem vários escritores, tem os caras que escrevem, pegam a caneta, montam várias histórias baseadas na sua história. A literatura é muito grande lá dentro, é infinita. Eu escrevia mais letra de rap, poesia, sempre gostei mesmo de usar a mente pra música (DU RAP, 2002, p. 54).

Apesar de ter seu objetivo realizado com a publicação do livro, o veio artístico de André voltava-se para a música, para o rap. A terceira parte do livro é intitulada Free style (De improviso), na qual André du Rap gravou seus depoimentos sozinho (agosto de 2001) e teve a intervenção editorial de Bruno Zeni na seleção dos trechos que foram publicados em livro. Free Style ocorre quando os cantores de rap improvisam uma letra, comumente desafiam um ao outro na rima. Na nota explicativa acerca de sua intervenção no livro, Bruno Zeni acha que Free Style “é uma definição justa para o depoimento que André fez com toda a liberdade, sem minha mediação” (ZENI, 2002, s/p). De qualquer modo, a intervenção editorial opera num terreno delicado da escrita, transformando um discurso oral em escrito, obrigado a um conjunto de singularidades distintas. A preservação da oralidade objetiva, conforme assinalamos a respeito do escrito autobiográfico/testemunhal, deve priorizar a manutenção da verdade, da autenticidade documental.

A respeito da importância do rap na trajetória de vida de André du Rap, ele próprio afirma que “O momento hip-hop faz a revolução através das palavras” e mais:

É o jogo da palavra, é você pegar os conteúdos e transformar num ritmo, numa poesia, numa realidade. Porque nós somos o único movimento que representa o Primeiro Mundo em pensamento. Porque a gente fala a verdade doa a quem doer, e a gente fala a nossa realidade. Por que a gente não está na mídia, porque a gente não estoura, não tem um canal aberto pro hip-hop? Porque eles não querem ver essa realidade. Como eu, tem milhares de sobreviventes, mas todos eles sofrem represálias, como eu sofro também (DU RAP, 2002, p. 185).

Do mesmo modo, as diferentes manifestações de grupos minoritários e periféricos têm como matriz, em variados exemplos, o movimento hip hop e as produções de rap. Este é o caso da obra Capão Pecado, de Férrez, em que o autor estabelece sólida relação com o movimento hip hop, em similar notação ao impacto que o rap produz na vida de André, fazendo da literatura um “território contestado”, de múltiplos espaços e de consagração dos discursos, como assinala Regina Dalcastagné:

Mais do que na literatura, a busca de auto-expressão dos grupos dominados sempre passou pela música popular e, nessa, hoje, em especial pelo rap – que também possui uma estrutura eminentemente discursiva e narrativa. [...] O importante é observar que o rap brasileiro gerou seus próprios códigos e seus próprios espaços de consagração, à margem do mercado [...] (2012, p. 46).

Há uma parte do livro Sobrevivente André du Rap que dá espaço a fragmentos de cartas, depoimentos de aliados e percebemos o carinho especial que André tem por Eliana: “[...] ela é uma pessoa que faz parte da minha vida. Sempre vai fazer, independente de estar ou não estar ao meu lado. Está ali, marcado na minha história, na minha vida. É uma história de vida” (DU RAP, 2002, p. 82). As cartas funcionam como um elo com o mundo “fora das grades” e uma necessidade que André sentia de se comunicar com pessoas “além das grades”. Nesse sentido, a literatura que se produz a partir da prisão pode ser lida “[...] como tentativa, por parte de seus autores, de reinserção ao mundo além-grades” (PALMEIRA, 2011, p. 81).

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Em uma possível aproximação entre os livros Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes e Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru), tanto Luiz como André – autores e sobreviventes – salientam que essa é a história deles (a experiência prisional) e precisa ser contada, como é possível visualizar nos seguintes trechos: “Há também o fato de que, boa ou ruim, esta é a minha história. Quer dizer: sou o que resulta daí. E há substância em minha história” (MENDES, 2009, p. 415) e “Esta história tem que ser contada e não esquecida, porque foi uma vergonha pro nosso país” (DU RAP, 2002, p.177). Em relação às diferenças entre os dois livros, Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru) [...] tem uma estrutura mais fragmentada e a marca de uma dupla fonte autoral [...] Mendes opta por um modelo literário mais tradicional, mais próximo de um realismo convencional, ao invés de aderir a uma estética da fragmentação que, na sua forma descontínua, mimetiza a catástrofe representada (SELIGMANN-SILVA, 2006, p. 37).

Além da dupla fonte autoral, em Sobrevivente André du Rap temos uma voz que fala por uma coletividade, pois “André du Rap fala em seu nome e também no dos que estiveram presentes nessa mesma cena traumática” (MARTINS, 2013, p. 200). A partir de suas lembranças, ele rememora que, durante o Massacre, “A primeira coisa que a gente percebeu, quando eles entraram foi o barulho das balas e o latido dos cachorros” (DU RAP, 2002, p. 20), ou seja, é em nome dos companheiros mortos e dos companheiros traumatizados que não gostam sequer de lembrar o que aconteceu em 02 de outubro de 1992, que a voz de André du Rap surge, visto que “A narrativa legitima-se, pois, na (e pela) própria experiência” (MARTINS, 2013, p. 201).

Considerações Finais

No caso da experiência autobiográfica, Duque-Estrada comenta que “O eu presente ao olhar-se como eu objeto passado oscila entre sua própria subjetividade e objetividade” (DUQUE- ESTRADA, 2009, p. 48-49). Bruno Zeni afirma que a memória de André acerca do Massacre “parece ser capaz de exercer essa função de nos aproximar a todos, tecendo na sua narrativa uma história que é sua, mas também daqueles que morreram” (ZENI, 2002, p. 206).

A atual cultura midiática produz uma crescente visibilidade do privado, uma espetacularização da intimidade e a exploração da lógica da celebridade, manifestada justamente nos livros autobiográficos (cf. KLINGER, 2012). Assim, a escrita de si na ficção contemporânea possivelmente demonstra que é um tipo de ficção que está em sintonia com o espírito da época. O interesse de contar sua vida faz parte da sociedade midiática. André du Rap, no exemplo aqui explorado, detém a memória e a experiência de ser um sobrevivente do Massacre do Carandiru: “Como produto da lógica da cultura de massas, cada vez mais o autor é percebido e atua como sujeito midiático” (KLINGER, 2012, p. 30).

No que concerne ao fato de André ser “a voz sobrevivente” e Bruno Zeni funcionar como o jornalista ouvinte que organiza e dá sentido ao livro, Gagnebin assinala que

Testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro: não por culpabilidade ou por compaixão, mas porque somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do sofrimento indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra história, a inventar o presente (GAGNEBIN, 2006, p. 57)

André du Rap, ao contar sobre sua experiência prisional e sua sobrevivência ao Massacre, cria a seguinte metáfora: “Ninguém sabe o peso que tem uma grade” (DU RAP, 2002, p. 186). A única voz e o único corpo possível de falar a respeito disso, de prestar um depoimento da “vida real”, são aqueles que, de algum modo, passaram pela experiência.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 106 de 188 Referências DALCASTAGNÉ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2012. DU RAP, André. Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru). Coordenação editorial: Bruno Zeni. São Paulo: Labortexto Editorial, 2002. DUQUE-ESTRADA, Elizabeth Muylaert. Im/Possibilidades da Autobiografia. In: Devires autobiográficos; a atualidade da escrita de si. Rio de Janeiro: Nau/Ed. PUC-Rio, 2009. FERRÉZ. Capão pecado. São Paulo: Objetiva, 2005. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006. KLINGER, Diana. A escrita de si – O retorno do autor. In: KLINGER, Diana. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. 2ª ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012. LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico; de Rousseau à Internet. Trad. Jovita Maria Gerheim; Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014. LIMA, Luiz Costa. Capítulo V - Júbilos e misérias do pequeno eu. In: Sociedade e discurso ficcional. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. MARTINS, Aulus Mandagará. “O corpo e a voz da prisão: testemunho e experiência na literatura de cárcere”. In: Acta Scientiarum Language and Culture. Maringá, v. 35, n. 3, p. 193-202, Jul/Set., 2013. Disponível em: Acesso em: 10 out. 2015. MENDES, Luiz Alberto. Memórias de um sobrevivente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. PALMEIRA, Maria Rita. “Cada história, uma sentença: anotações sobre Sobrevivente André du Rap”. In: Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 27, 2006. PALMEIRA, Maria Rita Sigaud Soares. “Neste mundo fora do mundo”: Estigma e literatura nas escritas prisionais recentes. In: Itinerários, Araraquara, n. 32, p. 75-82, jan./jun. 2011. RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2008. SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. SELIGMANN-SILVA. “Novos escritos dos cárceres: uma análise de caso. Luiz Alberto Mendes, Memórias de um sobrevivente.” In: Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 27, 2006. ZENI, Bruno. “O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva”. In: Estudos Avançados, vol, 18, n. 50. São Paulo: Janeiro/Abril, 2004. São Paulo: Janeiro/Abril, 2004. Disponível em: Acesso em 05 out. 2015. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017

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ABRINDO CAMINHO: UMA REDE DE FIOS CRUZADOS

Raíssa Tsunoda Kobayashi de Oliveira60 Rodrigo da Costa Araújo61

Resumo Este ensaio apresenta uma leitura do livro Abrindo Caminho (2004), de e suas relações lúdicas com os intertextos, a leitura e a literatura infantojuvenil. Nesse recorte, buscam-se reforçar o viés crítico do trabalho com a literatura e com a ilustração da obra. Palavras-chave: Leitura - Literatura infantojuvenil - Ana Maria Machado

Abstract This essay presents a reading of Ana Maria Machado's book Abrindo Caminho (2004) and her playful relationships with intertexts, reading and children's literature. In this section, we try to reinforce the critical bias of the work with the literature and with the illustration of the work. Keywords: Reading - Children's Literature - Ana Maria Machado

Primeiras entradas

Esta leitura da obra Abrindo Caminho (2004), da autora Ana Maria Machado, é uma história de caminhos que foram abertos, desbravados, descobertos. Um mundo, cujos heróis possuem “pedras”, “rios”, “desertos” “no meio de seus caminhos”. Uma narrativa cujo enredo é apresentado de forma carinhosa ligando, assim, a criança à história; fazendo com que o leitor se sinta atraído por esta narrativa, por cada aventura apresentada e, por fim, sinta-se incluso neste fantástico mundo criado pela autora.

Ana Maria Machado é jornalista, professora, pintora e escritora carioca, nascida em 24 de dezembro de 1941. Considerada, pela crítica, uma das escritoras brasileiras mais versáteis e completas. Ganhadora de diversos prêmios, tanto nacionais quanto internacionais, destacam-se dois por sua Literatura Infantil: o Iberoamericano SM de Literatura Infantojuvenil (2012) e o Hans Christian Andersen (2000) - o mais importante prêmio nessa categoria.

A extensa obra infantojuvenil, criada por ela, reúne títulos como: Abrindo Caminho (2004), Avental que o vento leva (1994), Menina bonita do laço de fita (1986) e Palmas para João Cristiano (2004). Cada história envolve um imaginário afetivo que conecta a criança a esse mundo literário, cheio de mistérios a serem desvendados no decorrer das páginas, e é para este público tão especial que cada trama é desenvolvida.

O pai da literatura infantil no Brasil

José Bento Renato Monteiro Lobato (Taubaté, 18 de abril de 1882 - São Paulo, 04 de julho de 1948) foi um dos mais influentes e representativos escritores brasileiros do século XX. Foi um relevante editor de livros e autor de importantes traduções. Seguindo ao precursor Figueiredo Pimentel (Contos da Carochinha) da literatura infantil brasileira, ficou popularmente conhecido pelo

60 É aluna do 5º Período de Letras/Licenciatura Plena em Letras, da FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. 61 Mestre em Ciência da Arte (2008) pela Universidade Federal Fluminense. Professor de Literatura infantojuvenil e Arte Educação da FAFIMA - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Macaé. Coautor das coletâneas Literatura e Interfaces, Leituras em Educação (2011) e Literatura Infantojuvenil: diabruras, imaginação e deleite (2012), todas lançadas pela Editora Opção. E-mail: [email protected]

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 108 de 188 conjunto de sua obra de livros infantojuvenis, que constitui aproximadamente metade da sua produção literária.

Antes de Lobato, a literatura para crianças e jovens no Brasil despontou no final do século XIX e utilizava várias traduções e adaptações de contos de fadas europeus e clássicos universais aqui chegados via Portugal.

Lobato foi o primeiro a dedicar-se à literatura infantil e a libertar o gênero da tutela escolar e didático-moralizante para alçá-lo à categoria de arte maior. A começar pelas traduções, Lobato não só se propunha a refazê-las, levando em conta “o linguajar” brasileiro, como a adaptar as obras à realidade das crianças.

Em 1921, publicou Lúcia ou A menina do Narizinho Arrebitado e O Saci; em 1922, Fábulas e O Marquês de Rabicó; em 1924, A caçada da onça; em 1932, Viagem ao céu; em 1933, História do mundo para crianças e Novas reinações de Narizinho; em 1935, Aritmética da Emília e Geografia de Dona Benta; em 1936, Memórias de Emília; em 1937, Serões de Dona Benta, Histórias de Tia Nastácia e O Poço do Visconde; em 1939, O Minotauro e O Sítio do Picapau Amarelo; em 1942, A chave do tamanho; e, em 1944, Os doze trabalhos de Hércules.

Sem dúvida nenhuma, Lobato - conhecido como pai da literatura infantojuvenil brasileira - foi o primeiro escritor brasileiro a acreditar na inteligência da criança, na sua curiosidade intelectual e capacidade de compreensão. Autor engajado, comprometido com os problemas de seu tempo, tinha um projeto definido: influir na formação de um Brasil melhor por meio das crianças.

Pela abrangência e significação de sua obra, Lobato deixou inúmeros seguidores e até hoje influencia muitos autores que se consideram seus herdeiros. Sem dúvida, ao criar o Sítio do Picapau Amarelo deu ambiência brasileira às histórias; povoou-o com personagens tipicamente tropicais, instaurando um ciclo de criação norteada pelo nacionalismo, pelo humor e pela ironia que estão presentes em todas as direções tomadas pelo conjunto de sua obra: o folclore, os mitos, as lendas, a fantasia, os domínios do inconsciente, a informação e o realismo, além da tradução de clássicos universais, sempre procurando resgatar criticamente o real.

Literatura infantil ou apenas literatura?

Pensar a literatura infantil é, primeiramente, pensar em algumas reflexões. O que é uma literatura voltada para o público “infantil”? O que distingue esse gênero da literatura destinada ao público adulto? Qual a ideologia por trás da obra dita infantojuvenil? Essas são, dentre várias, algumas perguntas plurais que podem circular num primeiro contato com textos literários ou livros voltados para o público “infantojuvenil”.

Refletindo sobre essas perguntas, a literatura infantil configura-se enovelada nas questões que envolvem a educação, na intenção (e tensões) das relações adulto/criança, no texto e no leitor, na dependência infantil em relação ao adulto, na emancipação do receptor, nas intricadas relações em que predominam o didatismo do texto e os valores estéticos.

A literatura infantojuvenil, não obstante as amplas conquistas na sociedade pós-moderna, ainda infelizmente tem sido vista por muitos leitores e pseudo-escritores de forma pejorativa ou simplesmente como mero instrumento de intenção didático-pedagógico-educativa. Muitas vezes isso leva a crer ou mesmo induz a pensar que o significante “infantil” assume, semanticamente, para muitos, o valor de infantilidade, como se a menoridade do leitor infantil fosse transferida (e transcrita) ao texto literário, tornando-se assim, erroneamente, uma espécie de pseudoliteratura ou uma literatura marginal.

Com esse pensamento, o lugar ocupado pela literatura infantojuvenil na arte literária reflete, de algum modo, o lugar ocupado pela criança na sociedade, já que ela, inserida na concepção de mundo regida pelo adulto, ocupa um lugar de “inferioridade social”. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 109 de 188

Esse mesmo viés de leitura é estudado criticamente em Ligia Cadermatori ao refletir sobre o conceito de literatura infantil; por isso ela afirma: “a principal questão relativa à literatura infantil diz respeito ao adjetivo que determina o público a que se destina” (1994, p. 8). A literatura infantil, então, atrelada a um adjetivo, pressupõe que sua linguagem, seus temas e o seu ponto de vista objetivam um tipo de destinatário em particular, diz a estudiosa no assunto. A literatura, puramente enquanto substantivo, ao contrário, não predetermina seu público, supondo que este seja formado por quem quer que esteja interessado nela.

Por outro lado, como afirmam Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1984), apesar da depreciação com que o gênero é reiteradamente considerado, tem se tornado um relevante segmento da indústria editorial, além de integrar os currículos universitários. O fato é que, mesmo sendo considerada “menor” ou “marginal”, a obra infantil parece ainda mais difícil que a voltada para os adultos, uma vez que precisa superar o ranço pedagógico e utilitário e o comprometimento com as “facilidades sentimentais”.

Críticos como Khéde (1983) e Cadermatori (1994) observam, portanto, que essa adjetivação do gênero denota uma limitação em razão da escolha de um público específico - “infantil” e “juvenil” - como distinto e separado dos receptores da obra literária em geral. E isso, na opinião de Khéde, tem como causa o próprio contexto cultural em que se verifica a bipartição entre o mundo do adulto, com seus valores a serem alcançados, e o mundo infantil, com seus “defeitos” a serem “corrigidos”.

Nesse sentido, e contrariamente a todas essas limitações, pensar a literatura infantil é antes de tudo pensar literatura. Não podemos, de forma alguma, desvincular a literatura da literatura infantojuvenil. Elas não se opõem, muito pelo contrário. Dialogando e reforçando esse discurso, Ana Maria Machado, em Contracorrente (1999) e Texturas (2001), sublinha que o importante ao pensar a literatura infantil é o substantivo literatura e não o adjetivo infantil. Dessa forma, não se trata simplesmente de livros para crianças; antes trata-se de literatura, de textos, que, rejeitando o estereótipo, apostam na invenção, na criatividade e no valor estético.

Assim compreendido, o espaço textual da literatura infantil, como o da literatura, é formado por um conjunto de elementos semiambivalentes. O deciframento é sempre uma escolha. E se o texto ou obra infantil entendidos como jogo barthesiano da escritura-leitura só passarão a existir a partir de sua recriação numa leitura subjetiva e individual, a cada fruidor - seja infantil, juvenil ou adulto -, a obra se apresentará, diferentemente, entre si mesma e ao mesmo tempo completa e incompleta.

Nesse plano, o texto literário é entendido como objeto de prazer que está constantemente estruturando-se, mantendo-se num estatuto da enunciação. Essa estruturação infinita do texto, que Barthes chama significância - espaço específico onde se redistribui a ordem da língua -, faz-se sensorial: o sentido das coisas nasce de nossos sentidos, é o sentido produzido sensualmente, o corpo e sua vivência, a fragmentação e a cultura, disseminação de suas características segundo fórmulas desconhecidas.

De qualquer forma, é preciso pensar que o que importa para a qualidade na literatura infantil é o valor literário do texto, a sua literariedade, sem perder de vista os aspectos sociais, históricos, religiosos e filosóficos que perpassam o texto. Portanto, é sempre importante lembrar algumas reflexões sobre esse gênero:

I. A literatura infantojuvenil é, antes de tudo, literatura; II. Ela deve ser conceituada pelos elementos internos na condição de obra literária, mas não pelo seu receptor ou pela intenção ideológica veiculada por uma escola ou autor; III. O livro para crianças, inserido na sociedade pós-moderna, capitalista e altamente consumista, é um objeto sedutor, atraente e, por isso mesmo, utiliza recursos como ilustração, formato, funcionando como suporte ou intenção, muitas vezes, para fins mercadológicos. Outras Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 110 de 188 vezes, por trás da aparência escondem-se valores distorcidos ou uma “falsa literatura infantojuvenil”; IV. O interesse da criança por alguma obra está relacionada a vários fatores, dentre eles o contexto social em que vive, o tipo de relação com o livro, seu estágio psicológico, o contato anterior com outros livros etc. Portanto, querer que a obra seja escolhida, definida e conceituada pelo receptor exclusivamente – a criança – pode gerar muitos conflitos ou fortalecer o mercado capitalista e a continuação de um sistema de dominação; V. A literatura infantojuvenil deverá ser, na maioria das vezes, em primeiro lugar, a obra de um artista, um artesão da palavra, que provocará o prazer e o diálogo, a imaginação, o lúdico por meio do dramático de sua técnica, mas principalmente um trabalho que realiza com a linguagem pela palavra; VI. Os textos e a literatura infantil vivem no mundo discursivo da textualidade e dos diversos meios expressivos; portanto, é preciso ler esses recursos linguísticos com a organização de linguagens, na maioria das vezes como prática intersemiótica; VII. A literatura infantil contemporânea, semelhante às ideias levantadas por Lucrécia Ferrara em A estratégia dos signos (1981), deve refletir sobre questões essenciais da modernidade: o estranhamento, o distanciamento, a recepção, o dialogismo e a paródia; a dialética escritura-leitura; VIII. A literatura infantojuvenil não pode desprezar a figura do receptor e seu processo de recepção, diferentes em qualquer outra produção-recepção artística; IX. O livro aparentemente ingênuo esconde outros discursos, outras linguagens, inúmeras leituras; X. O texto, a leitura e o leitor e, muitas vezes, o autor estão intimamente relacionados no trabalho com a literatura infantojuvenil. Enfim, apesar do forte apelo mercadológico que a escola apresenta, a literatura infantojuvenil tem se libertado do pedagogismo e do moralismo que a aprisionavam e a tornavam problemática. No entanto, permanece nesse gênero a dificuldade que lhe é inerente: a de ser escrita por adultos para crianças.

Ela, de qualquer forma, no contexto contemporâneo e influenciada pelos meios de comunicação, impõe uma reflexão sobre as diversas linguagens que interferem no código literário, obrigando-o a novas transformações. Do diálogo com o cinema e com as artes plásticas surgem obras que privilegiam a imagem, a fragmentação, a montagem, a intertextualidade, a citação dos diversos discursos, sem, contudo, perder o jogo lúdico e atraente. Desse recurso híbrido, a ilustração surge extremamente aperfeiçoada e integrada à narrativa, porém amplificada pelos diversos recursos, revitalizando a obra em si.

IV. Abrindo caminho, a leitura e a rede de significações

A obra analisada se caracteriza, por ser uma soma de intertextos, o que faz com que haja uma “mistura de tempos”, ou seja, os tempos cronológico, psicológico e histórico existem concomitantemente na história. O tempo cronológico, sendo a passagem natural dos acontecimentos, medida por relógios, é o momento em que a obra é lida; o psicológico é aquele que possui uma carga dramática, acontece na mente dos personagens, não possui materialidade; e, o tempo histórico está relacionado às mudanças na sociedade. Cada história, que se entrecruza com outra, possui seu próprio tempo, mas a autora consegue entrelaçá-las de tal forma que, é possível dizer, configura uma essência textual.

O espaço, tal qual o tempo, é multifacetado, ou seja, desdobra-se de acordo com a necessidade dos personagens. O espaço físico da obra é variado, mudando de acordo com cada personagem; por exemplo, para Dante Alighieri (1265-1321) é a selva escura, enquanto que para Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) são os vales de Minas Gerais e Tom Jobim (1927- 1949), Copacabana, - no Rio de Janeiro. O espaço social é representado pelo espaço das personagens figurantes; a título de exemplo, os personagens figurantes - que antes inimigos agora amigos - de Marco Polo (1254-1324) e sua caravana representam o Oriente; enquanto que os personagens secundários de Cristóvão Colombo (1451-1506) representam a América; já os de Dante Alighieri, simbolizam os perigos e mistérios da selva. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 111 de 188

Figura 2 Livro Abrindo Caminho, p. 3

Os personagens construídos por Ana Maria Machado fazem parte da história do Brasil e do mundo, são eles: Dante Alighieri, Carlos Drummond de Andrade, Tom Jobim, Alberto Santos Dumont (1873-1932), Marco Polo, Cristóvão Colombo e o próprio leitor é inserido como um dos personagens. Eles são heróis por terem enfrentado cada obstáculo colocado em seu caminho - “No meio do caminho de Dante tinha uma floresta”, “No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra”, “No meio do caminho de Tom tinha um rio”, “No meio do caminho de Marco tinha inimigo e deserto”, “No meio do caminho de Cris tinha um oceano”, “E tinha muita lonjura no caminho de Alberto” e “No meio do meu caminho tem coisa que não gosto. Cerca, muro, grade tem. No meio do seu aposto tem muita coisa também” - e, assim, transformaram o mundo, cada um a seu modo.

Figura 3 Livro Abrindo Caminho, p. 1

Desde o texto não-verbal ao verbal, essa obra cria uma linguagem afetiva e atraente para o leitor de todas as idades, além de possuir uma carga literária e de conhecimento de mundo muito grande; exigindo, assim, uma leitura mais atenta. A construção da narrativa de Abrindo Caminho (2004) é feita a partir de intertextos que, ao unirem-se, dão origem a essa obra. Sendo essa, então, uma narrativa de caráter híbrido. Essas intertextualidades que existem estão presentes desde o peritexto até o paratexto62. Tomando para análise o trecho: “No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra.” fica evidente que se trata de um eco da poesia No meio do caminho, de Carlos Drummond

62 Segundo Genette (1982, p. 9), designa-se por paratexto o conjunto dos enunciados que contornam um texto: título, subtítulo, prefácio, posfácio, encartes, sumário etc. O paratexto é destinado a tornar presente o texto, para assegurar sua presença ao mundo, sua “recepção” e seu consumo.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 112 de 188 de Andrade que é um intertexto com Nel mezzo del camin, de Olavo Bilac, que, por sua vez, é um “reflexo” do Nel mezzo del cammin – Inferno, de Dante Alighieri.

Existe, também, um intertexto com a canção Águas de Março, de Tom Jobim, no seguinte trecho: “É pau, é pedra, é o fim do caminho” que se repete ao longo do livro, e pelo trecho que funciona como encerramento do livro: “É a promessa de vida no teu coração”. Além de fazer menção a elementos extra-textuais, como em: “Beco que vira avenida./ Muro que cai para o irmão./ Esperança renascida/ escancarando a prisão.” que retrata o momento histórico da queda do Muro de Berlim, em 1989, que permitiu que amigos, familiares se reencontrassem após terem sidos separados por 21 anos e 155 km de extensão de muro dividiam a Alemanha Ocidental (capitalista) e a Alemanha Oriental (comunista).

A narrativa se desenvolve de maneira não linear, ou seja, constrói-se através de cortes de imagens e rupturas no tempo e espaço das ações que ali acontecem. Cada aventura - pelo oceano, deserto ou céu – mostra que o tempo cronológico mistura-se ao psicológico da duração da vivência dos personagens; esta não linearidade é que faz com o narrador seja na 3ª pessoa. Somente na última parte do texto, o leitor-personagem aparece com questionamentos que possuem a marca da 1ª pessoa do singular – meu caminho, meu coração.

O elemento visual do livro é de extrema importância, porque a leitura não se limita ao campo das tarjas escritas, mas a ultrapassa. As imagens mostram sua imponência desde o seu tamanho até a sua interpretação; a própria construção da imagem mistura-se à linguagem, criando, assim, nessa obra, o conceito que o linguista russo Mikhail Bakhtin chamou de polifonia63. A imagem da menina leitora sugere a existência desse conceito polifônico, as prateleiras repletas de livros, no qual se destacam alguns títulos, é possível observar que esses elementos misturam-se com a obra, num todo textual, assim como o ambiente exterior, criado pela imagem de um ambiente através de uma janela; a Divina Comédia, de Dante Alighieri, Drummond, fazendo menção à obra de Carlos Drummond de Andrade. A capa do livro é um objeto estético atrativo, por causa de seu tamanho - maior que a muitos livros - e cor - vermelho: uma cor que estimula o sistema nervoso e chama a atenção, representa a juventude, a beleza e a emoção.

Esta obra pós-moderna traz consigo uma nova maneira de ler o mundo, além de ser extremamente importante para a Literatura Infantojuvenil; Ana Maria Machado consegue estabelecer um diálogo entre as mais variadas obras e acontecimentos. A autora apresenta, também, a possibilidade do leitor conhecer lugares, pessoas e tempos diferentes do seu próprio, dando-se ao prazer de entregar-se à leitura; seja essa, de literatura estrangeira ou nacional, canção ou poesia ou referência histórica dos povos.

A Literatura Infantil é, antes de tudo, Literatura. Segundo Araújo (2014) “o que importa para a qualidade na literatura infantil é o valor literário do texto, a sua literariedade, sem perder de vista os aspectos sociais, históricos, religiosos e filosóficos que perpassam o texto”. Aproximando esta fala com a obra Abrindo Caminho, é possível agregar um enorme valor a ela para com a Literatura, por cumprir cada aspecto destacado e ainda leva a criança a sair da sua zona de conforto e abrir os seus horizontes para o mundo e para os livros.

A obra literária tem o poder de existir por si própria, o leitor é o sujeito cuja função é ser o mediador entre a obra e o mundo. Quando lê a obra, o leitor deve ser leitor de si mesmo. Segundo

63 Em linguística, polifonia é, segundo Mikhail Bakhtin a presença de outros textos dentro de um texto, causada pela inserção do autor num contexto que já inclui previamente textos anteriores que lhe inspiram ou influenciam. A polifonia é um fenômeno também identificado como heterogeneidade enunciativa. Bakhtin usa o conceito de polifonia para definir a forma de um tipo de romance que se contrapõe ao romance monofônico. Os textos que serviram de base às suas reflexões acerca desta temática são os de Dostoiévski. Na releitura de Kristeva, sobre Mikhail Bakhtin, ela afirma que “[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto [...]” (1974, p. 64).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 113 de 188 Antoine Compagnon, “o leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos compreender o livro do que compreender a si mesmo através do livro; aliás, ele não pode compreender um livro se não se compreender ele próprio graças a esse livro.”. Nesta narrativa, o leitor não é só o detentor da história, mas um personagem e agente modificador do rumo da continuação da mesma no seu próprio mundo; e, graças a essa narrativa híbrida, a autora, através de recorte-colagem, apresenta uma “promessa de vida no meu coração”, de cada leitor.

Conclusão: costurando os fios

“[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade instala-se a de intertextualidade, e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla” (KRISTEVA, 1974, p.74).

Desde muito tempo o homem procura por respostas que o façam entender o universo em que se encontra, e, na maior parte das vezes, descobre novas perguntas. Definir, encontrar uma explicação exata para tudo, e que seja aceita universalmente, nem sempre é possível. A Literatura é um dos temas em que não existe probabilidade de definição. Por mais que não seja fácil conceituar a Literatura, podendo ser alvo de contradições, vários conceitos foram criados ao longo da história da humanidade.

Todavia, o que é Literatura Infantojuvenil? Ela é, por essência, a porta de entrada ao mundo da Literatura, é o espaço em que a criança aprende a amar essa atividade esplêndida que é a leitura e o meio pelo qual desenvolve a sua criticidade. A Literatura Infantojuvenil é, ainda, nos dias de hoje, vista como um objeto de valor “inferior” devido à predominância de pedagogismo, moralismo e esteticismo na maioria das obras literárias desse gênero. E é a literariedade que determina a qualidade das obras literárias - para isso, critérios como a beleza, imagens poéticas, emoção, trama, metáforas, a relação do mundo real com o imaginário, a criatividade são analisados; uma obra cuja leitura é feita de forma mais sensitiva, afetiva, que cause um estranhamento, explore o lúdico nesse mundo da infância.

A Literatura antes de ser adjetivada com o item lexical infantil é, sobretudo, um substantivo que nomeia um objeto artístico em prosa ou verso, que tem função catártica e representa o nível mais alto de expressividade em uma língua.

O adjetivo infantil vem como uma predeterminação de público, além de carregar uma carga pejorativa de inferioridade do objeto - uma redução para algo “tolo”, “pueril” -; no qual, o uso desse pressupõe a linguagem, temas e valores a serem utilizados para esse grupo em específico. O ônus que esse predicativo sugere é enfrentado como um problema que deve ser corrigido, por isso, muitas vezes, obras literárias infantojuvenis apresentam uma predominância de pedagogismo, moralismo e esteticismo. Com esse pensamento, a literatura infantil deixa de ser um objeto de prazer, em que o invencionismo e a criatividade liga-se a uma estética sedutora, para ser uma pseudo-literatura, apenas mais um objeto didático no mercado capitalista.

Por tal motivo, a Literatura Infantojuvenil deve se renovar a cada dia para que seja, novamente, essa literatura na qual a criança encontre o seu primeiro amor na forma de um livro, sua primeira paixão perdida entre as páginas, suas palavras favoritas e descubra todo dia um novo lugar, uma nova maneira de viver e assim leia no mundo real ou ficcional as suas próprias aventuras.

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ALGUMAS PECULIARIDADES DAS VIOLÊNCIAS NO CONTEXTO ESCOLAR DA PERIFERIA DO DISTRITO FEDERAL

Rayana Dias de Oliveira 64 Adriana Lira65 Alberto da Costa Gomes Camdido66

Resumo Este artigo tem como objetivo identificar a ocorrência de violências nas escolas no contexto de cidades satélites de Brasília, a partir de informações dos estudantes. Trata-se de uma pesquisa quanti-qualitativa que reúne a amostra de 783 estudantes do ensino fundamental de cinco escolas públicas do Distrito Federal - DF e entrevista com 05 gestores escolares. Aqui são analisados aspectos como: autoria, vitimação e punição segundo o sexo, a idade e a série dos alunos. Os dados, analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), permitiram traçar um perfil dos estudantes vítimas e autores, aspecto relevante que podem subsidiar as escolas na superação das violências e para o qual nem sempre estão atentos os gestores e demais envolvidos. Serão as meninas e meninos igualmente vítimas das violências? Qual é o perfil dos estudantes intimidadores? Quais as medidas adotadas para lidar com os agressores? Estas foram algumas das questões que nortearam o aprofundamento dos dados de pesquisa realizada, em 2008, pela Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília. Os resultados, comparados a outras pesquisas, permitiram traçar um perfil tanto das vítimas quanto dos agressores e das medidas punitivas adotadas pelas escolas, aspectos imprescindíveis para as quais devem estar atentos professores, gestores, pais e também os próprios estudantes para que se possam alcançar resultados positivos no processo de superação das violências que tanto intentam as escolas. Palavras-chave: Violência Escolar. Ensino Fundamental. Vitimação. Autoria. Punição.

Abstract This article describes a quali-quantitative study that set out to identify the occurrence of violence in schools in the satellite cities of Brasília, based on students’ declarations. A research survey was made of a sample of 783 students taken from government-run schools offering primary and lower secondary (mandatory) education in the Federal District and included interviews with 05 school administrators. Aspects analyzed include: the profiles of victims and aggressors and the nature of punitive actions adopted; the variables include gender, age and schooling year. Data analysis used the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software to delineate profiles of student victims and aggressors with a view to aiding schools to address and overcome violence, which often goes unnoticed or is ignored by school administrators and others involved. Are boys and girls equally liable to be victims of violence? What is the profile of those intimidating them? What measures should be taken in regard to aggressors? Those were the underlying questions that guided the analysis of the data gathered in the research survey that the UNESCO Chair in Youth, Education and Society at the Catholic University of Brasilia undertook in 2008. The results have been compared with those of similar studies and made it possible to delineate the profile of victims, aggressors and the various kinds of punitive actions adopted by schools; all useful information to enable teachers, administrators and parents, who need to be constantly on the alert, to obtain positive results in overcoming the violence that is currently so prevalent in schools. Key words: School violence. Compulsory Education. Victimization. Authorship. Punishment.

64 Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: [email protected] 65 Mestre e Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Professora adjunta da UCB e Secretaria Executiva da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da mesma Universidade. E-mail: [email protected] 66 Professor titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Católica de Brasília. Doutor em Educação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA. [email protected]

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 116 de 188 Introdução

Sabemos que o problema de violência no contexto escolar é uma problemática desde séculos passados e que tem ganhando a atenção de vários pesquisadores que buscam entender esse fenômeno a fim de encontrar metodologias e formas de intervenção que possam minimizar as ocorrências de violências nas escolas. Embora tenhamos consciência de que a violência é um problema visto de forma geral, pesquisas nos alertam para a forma singular que as violências vêm acontecendo, inclusive no Brasil. Dentre as singularidades podemos considerar o fato de que a própria instituição de ensino tem sido geradora de violências (NEVES; VIANNA, 2006). A ascendente presença feminina na prática de violência tem causado preocupação à sociedade. Além disso, o elevado número de jovens e adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e até homicídios, que, por sua vez, são estudantes de escolas de estados do país. O presente artigo, elaborado como trabalho final de curso de Graduação em Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), a partir dos dados da pesquisa realizada pela Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da UCB para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), com o qual mantém parceria, embasado na literatura nacional e internacional, explora um conjunto de dados importantes para tentar compreender as peculiaridades de tal fenômeno e, desta forma, subsidiar os diferentes profissionais da Educação. Para tratar desta problemática, foram consideradas as seguintes variáveis na análise dos dados: vitimação, autoria e punições sofridas, segundo o sexo, idade e série dos estudantes pesquisados com o objetivo de identificar se existe um grupo predominante de autores e/ou de vítimas, quais as violências praticadas ou sofridas por cada um e quem sofre mais punições e que tipo de punição cada um sofre. De acordo com pesquisa realizada em Lisboa e no Brasil, o grupo constituído apenas por vítimas ou apenas por autores é pequeno, sendo que, geralmente, a ocorrência é de autores e vítimas mútuos (ABRAMOVAY, 2006; SEBASTIÃO, 2009). Pretendemos nesta análise identificar como ocorre esse fato nas escolas pesquisadas. Considerando ainda que, autor é aquele que pratica a violência com o objetivo de intimidar e/ou anular as capacidades de defesa do indivíduo que a sofre, seja por meio da agressão física, verbal ou psicológica; ao contrário da vítima que é aquela pessoa incapaz de se defender diante dos processos de dominação dos agressores (SEBASTIÃO, 2009).

A análise segundo o sexo é um fator importante, visto que o estereótipo de violento está mais ligado ao sexo masculino que ao feminino, porém, pesquisas já mostram que o índice de violência entre meninas vem aumentando significativamente. Embora exista uma singularidade em relação às violências praticadas por meninas, essas têm se destacado não apenas como vítimas, mas também como autoras de violência, sejam entre si ou entre meninos (ABRAMOVAY, 2006; SEBASTIÃO, 2009; ORTEGA, 2010; SÁNCHEZ; ORTEGA, 2010). Já as variáveis idade e série nos oferecem dados importantes que revelam quem são os alunos que mais sofrem ou praticam a violência, a faixa etária predominante e em qual série estão concentrados, o que permite conhecer quem necessita de maior atenção para que sejam desenvolvidos trabalhos preventivos. Segundo pesquisas já realizadas no Brasil e exterior, verificou-se que a faixa etária de 13 a 15 anos representa os principais agressores, mas nem sempre as principais vítimas, sendo que em alguns casos alunos de 10 a 14 anos tendem a ser mais vítimas, o que confirma que agressores, ao contrário das vítimas, tendem a ser mais velhos, de séries mais avançadas e do sexo masculino (OLWEUS, 1998; ABRAMOVAY, 2006; FICHER ET AL, 2010; SÁNCHEZ; ORTEGA, 2010). A partir dessa perspectiva, dedicamo-nos a análise dos dados de um estudo de casos múltiplos a fim de melhor compreender o fenômeno das violências no contexto escolar.

Violências nas escolas no Brasil – generalidades

A violência como uma questão global apresenta-se como um dos sintomas da sociedade moderna, e este problema, frequentemente encontrado nas escolas, tem tornado-as territórios de agressões e conflitos. A problemática de violência nas escolas não é um assunto novo, visto que estudos mostram que ela ocorre desde séculos passados, e nesse meio tempo têm crescido nas últimas décadas o número de ocorrências de violência no contexto escolar, envolvendo seus principais atores. Segundo Ferreira (2009, p. 90), ocorrem “violências significativas dentro e fora da escola” seja violência entre os estudantes, destes contra seus professores ou destes últimos contra Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 117 de 188 os discentes. Ainda de acordo com Ferreira (2009), é possível também identificar os docentes também como autores. Isso é percebido, por exemplo, por meio das punições injustas, omissão quanto ao seu papel de educador, desrespeito, autoritarismo, assédio, entre outros, fazendo com que esse perca a sua autoridade dentro do espaço escolar. E ainda, a figura do professor passa a representar ameaça aos estudantes através das violências praticadas e que, muitas vezes, não são percebidas e muito menos denunciadas por aqueles que as sofrem. Outro fato é que estudantes também têm praticado violência contra os docentes. A violência dos estudantes contra professores é uma prática que cresce a cada ano, algo que preocupa os profissionais da área, os motivos para que isso ocorra podem ser variados, alguns são da ordem das interações sociais, outros são estimulados pela organização da escola e um terceiro elenco pela própria estrutura da sociedade, conforme destaca Abramovay (2006, p. 102).

Ainda destacam-se as ocorrências de violências entre os próprios estudantes. Segundo a Pesquisa Bullying Escolar no Brasil (FICHER et al, 2010), mais de 12,0% dos alunos sofreram violência simbólica praticadas pelos próprios colegas no último ano, e isto comprova o que temos presenciado na mídia e o que várias outras pesquisas já vêm tratando, que a prática de violência entre os discentes tem sido frequente nas escolas brasileiras. Sejam meninos ou meninas, ambos têm sofrido ou praticado violência no contexto da escola, ainda que existam aqueles que são mais vitimados e outros que se sobressaem como autores, independente da série e idade, a violência entre estudantes é um dos fatos mais notados no ambiente escolar.

Violência entre estudantes - variação por sexo: para que lado recaem mais as punições?

A concepção que temos hoje quando se fala em violência, seja ela escolar ou não, é de que sua autoria é predominantemente masculina. Esse processo de evidenciar a figura masculina como principais autores de violência pode ser consequência da hierarquização entre os sexos, reforçado pela cultura machista desde séculos passados. A escola, por sua vez, tende a reproduzir essa postura imposta pela estrutura social, destacando a violência quando praticada por meninos e ignorando as violências quando praticadas por meninas, trazendo a estas a invisibilidade, já questionada por alguns pesquisadores como, por exemplo, Neves e Viana (2006). Várias pesquisas têm destacado a crescente presença feminina na prática de violência no espaço escolar, porém é importante considerar a singularidade das violências praticadas por meninas e por meninos. Segundo pesquisa realizada por Canadá (2011), meninas empregam tanto violência direta quanto indireta, esta última utilizando garotos para praticá-las. As violências praticadas pelas meninas são predominantemente morais, enquanto os garotos mais praticam as físicas. Pesquisa em escola de Belgrado, Sérvia, também confirma que meninas usam mais as formas indiretas de violência, ao contrário dos meninos (RADOJKOVIC, 2007). Ainda, segundo Sánchez e Ortega (2010), existe o predomínio de maus tratos físicos e diretos entre garotos, como vítimas e autores, já as meninas se utilizam mais de maus tratos indiretos e psicológicos. Porém, essa concepção começa a ser questionada em outras pesquisas, quando se presencia atos de agressões físicas e verbais por parte das meninas contra elas mesmas e contra meninos, como destacam Neves e Vianna (2006). Conviver com a ideia de subordinação, imposto pela sociedade, pode gerar resistência nas meninas, manifestada através de agressões e atos violentos como forma de se opor a esse poder masculino. Isso nos deixa evidente que “as agressões físicas não são mais uma particularidade dos meninos, mas também das meninas” (NEVES; VIANNA, 2006, p. 95) e, ainda, “a solução violenta de conflito praticada pelas jovens do sexo feminino na instituição escolar pode colocar em xeque a relação entre violência e masculinidade” (NEVES E VIANNA, 2006, p.154).

Uma resenha das pesquisas canadenses alerta para o fato de que meninas com dificuldades escolares e com violência intrafamiliar tendem a praticar a violência física. Meninas agressivas fisicamente se sentem inferiores aos garotos e não buscam a igualdade, mas sim, conquistar poder ao atrair os garotos dominantes (CANADÁ, 2011). Porém, segundo Radojkovic (2007), meninas violentas fisicamente são rejeitadas por não corresponderem aos padrões de feminilidade.

Importante também destacar que, embora haja uma prática de violência crescente por parte das meninas, estas muitas vezes são ignoradas ou não percebidas. Violências femininas são menos Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 118 de 188 visíveis para os educadores. Por isso mesmo, os garotos tendem a ser mais frequentemente punidos que as garotas (RADOJKOVIC, 2007), o que também é confirmado por Carra (2009) que afirma que punições recaem mais sobre os meninos. E ainda, meninas se declaram mais como vítimas que autoras, ao contrário dos meninos (CARRA, 2009). Porém, segundo Gavray (2010), existe uma correlação elevada entre ser autor e ser vítima, tanto entre meninos quanto meninas o que põe em questionamento o fato dos garotos serem mais punidos. Todavia, Lira e Gomes (2010, p.57) destacam que “no processo de superação das violências as medidas de punição adotadas são importantes para a educação do aluno. Elas devem ser justas e capazes de fazer o aluno reparar o dano”. No entanto, as constatações da presente pesquisa não condizem com esse objetivo. Pelo contrário, confirma o que Carra (2009) e Gavray (2010) também constataram que as punições adotadas são perigosas, uma vez que, elas de nada contribuem para que o aluno reflita sobre os seus erros.

Violência entre estudantes - variações por idade e série: punições e o fracasso escolar

A faixa etária dos estudantes no cenário tem sido alvo de discussão em diversas pesquisas. De acordo com Carra (2009), em pesquisa realizada em escolas francesas, com a idade crescem as declarações de vitimação e autoria de violências, talvez porque os alunos tomam maior consciência do que são violências. Em pesquisas europeias, foram percebidos que maus tratos declinam a partir dos 8-9 anos de idade, mas outro grupo de pesquisas indica que os maus tratos diminuem significativamente dos 8 aos 14 anos. Todavia, com o aumento da idade, reduzem-se as violências físicas e diretas, passando a predominar as simbólicas e indiretas. Alunos maiores tendem a vitimar alunos menores (SÁNCHEZ; ORTEGA, 2010). Podemos confirmar essa evidência na pesquisa realizada por Sebastião (2009) em Lisboa, onde a faixa etária daqueles que praticam a violência concentra-se com maior intensidade na idade dos 14 anos, seguido da faixa etária de 15 a 19 anos, e as vítimas estão mais concentradas entre os 10 e 14 anos. Segundo Ficher et al (2010), em pesquisa sobre bullying escolar no Brasil, as vítimas de bullying em escolas brasileiras estão concentradas no intervalo de 11 a 15 anos e diminuem a partir dos 16 anos. Ainda em relação ao bullying, as pesquisas clássicas de Olweus (1998) mostraram que os agressores, ao contrário das vítimas, tendem a ser mais velhos, de séries mais avançadas e do sexo masculino, o que em parte coincide com esta investigação.

Abramovay (2006) confirma que a autoria das violências está mais concentrada nos estudantes do ensino fundamental com faixa etária entre 10 e 12 anos e também estudantes de 13 a 15 anos, visto que esse percentual diminui quando a idade dos estudantes aumenta. É importante destacar que a ocorrência de violência se dá tanto entre alunos da mesma faixa etária quanto entre os de faixa etária diferente, principalmente casos de maiores que agridem os menores e em diferentes ciclos de ensino. Agora no que se refere às punições também podemos encontrar contradições, pois enquanto em algumas pesquisas os mais agressores são alunos mais velhos estes também se encontram entre os mais punidos. Como confirma Carra (2009), as punições também estão associadas à idade, pois elas aumentam de acordo com a idade dos estudantes. Já de acordo com Caeiro (2010), em pesquisa realizada no ano letivo 2008/2009, as ocorrências disciplinares nas escolas portuguesas diminuíram significativamente do 5º ao 9º ano (10-14 anos).

Sobre a pesquisa

‘A presente pesquisa, um estado de casos múltiplos, foi realizada em cinco escolas públicas do Distrito Federal localizadas em quatro diferentes regiões administrativas. Estas ofereciam os anos finais do ensino fundamental e turmas de aceleração, todas indicadas pelo Ministério Púbico do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) como as que possuíam maior histórico de violências para que fosse feita à segunda avaliação do Projeto de Segurança Escolar.

Trata-se de pesquisa de caráter quanti-qualitativo de natureza descritivo-analítica, exploratória e declaratória realizada pela Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade no primeiro semestre de 2008. Para tabulação dos dados quantitativos, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) e para os dados qualitativos foi feita a análise de conteúdo proposta por Bardin (2004). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 119 de 188

A investigação reúne, pois uma amostra de cinco gestores escolares que participaram da entrevista semiestruturada e 783 estudantes com o preenchimento do questionário, sendo 44, 6% do turno matutino e 55,4% no vespertino. Quando analisados os dados por sexo, verificou que 411 estudantes, isto é, 54,7% dos questionários foram respondidos por meninas e 372 ou 45,3% representavam os meninos. No que se refere à idade desses estudantes, verificou-se que a faixa etária de 13 a 15 anos foi predominante, mais da metade deles (63,6%) representavam o total de questionários respondidos. Importante destacar que elevado percentual destes estudantes (22,6%) encontra-se em atraso escolar, ou seja, pertencia a turmas de aceleração, aspecto importante para análise da autoria e vitimação a que se propôs este artigo.

Resultados e discussão

Autoria

Autoria das violências em geral

A análise dos dados revelou uma tendência de alunos omitirem a prática de violências (61,2% a 77,2%). Embora mais da metade dos alunos pesquisados negue a autoria, é importante se atentar para alguns tipos de violência como, por exemplo, as brincadeiras de mau gosto onde 26,8% dos alunos declaram ter praticado. Essa é a categoria com maior porcentagem de respostas afirmativas, o que nos permite inferir que para os alunos esse tipo de violência não seja tão grave, pois como afirma Fischer et al (2010: 44) as agressões verbais (xingamentos, apelidos, insultos e ameaças), muitas vezes são interpretadas pelos próprios alunos envolvidos como brincadeira. Porém, as brincadeiras de mau gosto é uma das características de prática de bullying, e que ocorre com frequência no ambiente escolar. No entanto, essas “brincadeiras”, incluídas nas várias manifestações de bullying, podem ter um sentido lúdico para os seus perpetradores, mas não para as vítimas (OLWEUS, 1998).

Quando averiguadas as práticas das diversas violências, percebe-se o elevado percentual de respostas em branco, fato que merece uma atenção especial, uma vez que o não posicionamento pode ser indicativo do medo de se expor, omissão ou até mesmo banalização das violências. Por exemplo, uso de arma de fogo (22,3%), agressão sexual (21,7%), discriminação por cor ou gênero (20,6%), o roubo/furto (20,3%) e agressão física (19,0%), que quando colocados em números, tem- se aproximadamente 174 alunos que preferiram não se pronunciar. Embora tenhamos o percentual de mais de 60,0% dos alunos que negam a prática de algum tipo de violência, esses dados podem ser questionados nas tabelas 3, 4, 5 e 6 que se seguem, onde o número de alunos que praticam algum tipo de violência pode ser maior quando desagregamos esses dados segundo o sexo, idade e série.

Autoria - variação por sexo

Analisou-se a autoria das violências segundo o sexo. Essa análise nos permite perceber a prática de violência entre meninas e meninos e conhecer se existe entre ambos aquele que se sobressai como autores, e ainda se entre os tipos de violência existem aquelas mais praticadas por meninos e outras por meninas. As respostas quanto à prática de violência por parte dos meninos nos mostram um percentual muito elevado daqueles que declararam o uso de drogas ilícitas (80,0%), o uso de armas de fogo (78,6%), ter praticado brigas (77,3%) e agressões físicas (73,0%). Embora entre esses tipos de violências haja uma representatividade de mais de 70,0% dos alunos, as demais como brincadeiras de mau gosto, ameaça, agressão verbal, roubo/furto, agressão sexual, discriminação por cor e gênero, uso de bebidas alcoólicas, também tem um número bastante expressivo, com mais de 50,0% dos alunos que declaram ter praticado algum desses tipos de violência. Temos ainda os atos de vandalismo, uso de armas brancas, pichação e depredação com mais de 45,0% de declarações afirmativas. Já em relação ao sexo feminino, a pichação (54,6%), prática de atos de vandalismo (52,8%), uso de armas brancas (52,2%) e a depredação (51,5%) têm uma representatividade de mais de 50,0% das alunas que declararam essa prática. As violências Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 120 de 188 como brincadeiras de mau gosto, ameaça, agressão verbal, roubo/furto, agressão sexual, discriminação, têm mais de 40,0% de autoria por parte das meninas. As agressões físicas, brigas, uso de bebidas alcoólicas, uso de drogas ilícitas e uso de armas de fogo têm um percentual menor; porém não menos preocupante, pois varia entre os 20,0% e 30,8%. Alguns dados chamam a atenção quando comparamos a autoria entre os sexos. As respostas dos meninos revelam que 73,0% dos alunos declararam a prática de agressões físicas, já em relação às meninas apenas 27,0% fazem a mesma afirmação. Outras violências como agressões físicas, brigas, uso de drogas ilícitas, uso de armas de fogo são práticas de maior predominância do sexo masculino. Os atos de vandalismo, uso de armas brancas, depredação e pichação são práticas mais frequentes do sexo feminino. Essa evidência confirma outras pesquisas já realizadas, onde houve a mesma constatação em que meninas tendem a praticar mais as violências indiretas e não físicas como estão mais propícios os meninos (RADOJKOVIC, 2007; GAVRAY, 2010; CANADÁ, 2011).

Quando comparados os sexos dos respondentes, verificou-se que os meninos se destacam na prática da maioria violências listadas, porém, o percentual feminino também é bastante alto, e em algumas categorias estas se sobressaem em relação aos meninos, confirmando singularidade nas formas de violências praticadas por meninas que vem crescendo significativamente.

Autoria – variação por idade

Averiguar à prática de violências, considerando a variação por idade, nos permitiu conhecer em qual faixa etária se concentra os principais agressores. Em primeira análise, podemos perceber nitidamente que os alunos entre 13 e 15 anos saem na frente quanto à prática de violências. O uso de armas brancas (78,3%), as ameaças (74,0%), a depredação (70,8%), agressão física (70,3%), agressão sexual (70,0%) e agressão verbal (69,2%) são as violências com maior percentual de declarações afirmativas entre alunos dessa faixa etária. Os alunos com idade entre 10 e 12 anos ficam em segundo lugar na prática de violências. Já os estudantes de 16 a 19 anos possuem um menor percentual em relação aos dois primeiros grupos. Porém, é importante destacar que quanto ao uso de armas de fogo (35,7%), atos de vandalismo (22,2%) e à agressão física (16,2%) e estes últimos saem na frente em relação aos alunos de idade entre 10 e 12 anos.

Quando consideradas a autoria por faixa etária, pode-se perceber que cada idade tem percentual mais elevado em determinados tipos de violências. Por exemplo, a idade de 10 a 12 anos tem percentual mais elevado nas declarações de prática de brincadeiras de mau gosto, agressão verbal, brigas, discriminação e pichação que nos outros tipos de violências. Na faixa etária de 13 a 15 anos, embora sejam os principais agressores em relação aos outros dois grupos, existem aquelas violências que são mais praticadas por estes como a ameaça, agressão física e sexual, uso de drogas ilícitas, armas brancas e a depredação. Já a idade de 16 anos ou mais, percebemos que as principais violências declaradas são agressão física, atos de vandalismo, uso de drogas ilícitas e uso de armas de fogo. Essa diferenciação no percentual entre as faixas etárias revela que, apesar de haver uma idade que se destaca como agressor, cada faixa etária pratica violências com características diferentes. Abramovay (2006), em pesquisa realizada em cinco capitais do Brasil, confirma que a faixa etária de 10 a 12 anos e 13 a 14 anos, são os que mais praticam violência, o que podemos confirmar através dos dados da tabela acima. Já Sebastião (2009), na pesquisa realizada em Lisboa, constata que os autores estão concentrados entre a faixa etária de 14 e 19 anos. Na presente pesquisa, podemos concluir que, à medida que aumenta a faixa etária dos alunos, a proporção daqueles que se dizem agressores vai diminuindo. Apesar disso, para Olweus (1999) e Carra (2009) quanto mais idade, maior a tendência para a prática de violências pelos alunos. Embora a variável sofra alguma alteração entre os países, podemos destacar que nas três pesquisas a faixa etária de 14 anos se destaca na autoria de violências. Esse fato é inquietante, pois, segundo o Mapa da Violência 2006 (cf. WAISELFISZ, 2007), os jovens do Brasil na faixa etária de 14 anos é a que tem um pico mais elevado quanto ao crescimento de homicídios no Brasil, pois cresceu 63,1% na década de 1994/2004. Este é um dado de alerta e que revela a necessidade de uma política de intervenção principalmente para os alunos dessa faixa etária. Além da evidência de que a faixa etária de 13 a 15 anos se destaca como agressores, outro dado que chama a atenção é que quando analisamos as respostas nulas e em branco esta idade também sai na frente quanto aqueles que preferiram não Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 121 de 188 fazer declaração sobre a prática das violências listadas. E ainda, alunos de 10 a 12 anos tiveram um percentual de respostas nulas e em branco muito elevado nas várias formas de violências.

Autoria - variação por série

A análise dos dados, segundo a série dos alunos, revelou que na maioria dos tipos de violência, os estudantes das turmas de aceleração se declararam autores com um percentual elevado em relação às outras séries, isso remete a fala da diretora de uma das escolas pesquisadas onde afirmou que a ocorrência de violências aumentou depois que a escola passou a ofertar a aceleração: “Esse ano a violência tá bem complicada em relação aos outros anos, que tinha dado uma melhorada, acho que devido às turmas de aceleração, por causa dos alunos de idade e série defasada. Todo dia tem briga aqui.”. Essa é uma série onde os estudantes estão em distorção idade-série e podemos ver que existe uma relação entre violência e fracasso escolar destes, e ainda pelo fato de se destacarem como principais autores que pode ser interpretado como forma de revolta, falta de expectativa quanto ao futuro, expresso nas diversas formas de violências declaradas. Continuando a análise percebemos que o percentual está mais elevado na 5ª e 6ª série. Dentre as violências mais praticadas pela 5ª série estão o roubo/furto (27,8%), as brincadeiras de mau gosto (25,0%), agressão física (24,3%), depredação (24,2%), pichação (23,5%), discriminação (23,3%), brigas (22,7%) e os atos de vandalismo (22,2%). Já a 6ª série pratica mais o uso de armas de fogo (28,6%), a agressão verbal (27,7%), agressão sexual (23,3%) e uso de bebidas alcoólicas (23,1%). Essa análise nos permite perceber que as violências mais praticadas por um grupo não são as mesmas praticadas pelo outro, coincidindo apenas as brincadeiras de mau gosto entre as duas séries, mas no geral a característica das violências praticadas por ambos são diferentes. A 7ª série possui um percentual elevado em algumas violências das violências listadas como agressão física (24,3%), brigas (22,7%), uso de drogas ilícita (26,7%), uso de armas brancas (43,5%) e depredação (25,8%). E por fim, vem a 8ª série que entre todas as séries apresenta o menor percentual de violências, chegando a 0,0% em alguns casos como agressão física, uso de bebidas alcóolicas, uso de drogas ilícitas etc.

Vitimação

Após analisarmos as violências segundo a autoria, foram averiguados os dados daqueles que se declararam vítimas dos tipos de violências listadas. Para essa análise, formulamos uma questão com a seguinte afirmação: “Nunca fui vítima de...” , com diversas violências elencadas para que as identificassem segundo a escala de Likert. Os estudantes que concordam que nunca foram vítimas saem na frente. Porém, o número de estudantes que discordam que nunca foram vítimas é bastante considerável, varia entre 25,2% a 31,8%, entre os tipos de violências, ou seja, esses alunos foram vítimas de algumas dessas violências pelo menos uma vez. Entre as violências sofridas pelos alunos as mais frequentes são o roubo/furto (31,8%), seguido das violências sexuais (29,2%), uso de drogas ilícitas (29,9%), porte de armas brancas (29,9%) e de fogo (29,5%), brigas (28,4%), ameaças (28,3%), agressão verbal e física (27,9%), discriminação (27,3%) e ações de gangues (26,3%), em números temos cerca de 234 alunos que já foram vítimas de alguma dessas violência. Ainda se observarmos os dados da coluna “não concordo nem discordo” e da coluna “em branco” e somados esses dados teremos um percentual muito elevado daqueles que ficaram “em cima do muro”, isto é, indecisos. Fato este que nos permitem inferir que para esses estudantes se confessarem como vítimas podem ser interpretado como sinônimo de fraqueza ou até mesmo a demonstração de vergonha de se declarar como vítima.

Observou-se que o número de alunos que afirma nunca ter praticado violência é contestado com o número de alunos que discordam que nunca foram vítimas. Isso nos deixa alguns questionamentos, existem mais vítimas que agressores? Um pequeno grupo de autores seria capaz de fazer um número tão alto de vítimas? Podemos conhecer nessa comparação, por exemplo, o medo de se expor como autor de algum tipo de violência, revelado por aqueles que já foram vítimas que é um número consideravelmente maior.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 122 de 188 Vitimação – variação por sexo

Em nossa análise sobre a vitimação, segundo o sexo, de modo geral, podemos perceber que as meninas saem na frente como principais vítimas, porém o percentual de meninos que se declararam vítimas também é bastante alto e em alguns casos ambos sofrem na mesma medida. Quando perguntados se já foram vítimas de ameaças ou agressão verbal tanto meninas (54,3%) quanto meninos (54,5%) afirmam já ter sofrido, levando ambos a quase uma equiparação como vítimas dessas violências. Em alguns tipos de violência, as meninas se destacam como principais vítimas. Os roubos e furtos (56,0%), discriminação por cor ou gênero (57,0%), ação de gangues (59,4%) e porte de arma de fogo (54,0%) são ações sofridas mais por meninas. Temos que levar em consideração que, embora o percentual das meninas como vítimas seja maior, o percentual de meninos que declararam ter sofrido algumas dessas violências também é bastante alto.

Pesquisa realizada em Québec, Bruxelas e Liége revela correlação entre ser autor e ser vítima, tanto em meninos quanto meninas (GAVRAY, 2010). Fato semelhante foi percebido em relação à vitimação, com os dados da pesquisa em questão, onde embora no que se referem à autoria, os meninos saem na frente, no que diz respeito a ser vítima essa correlação é bastante visível.

Em algumas pesquisas já realizadas no Brasil e em outros países foi percebida uma variação entre os sexos na ocorrência de vítimas. Carra (2009) em pesquisa realizada nas escolas francesas constatou que as meninas se declaram mais vítimas que meninos, o que também foi identificado por Olweus (1998), onde as garotas se declararam com maior frequência vítimas e menos autoras das violências. Porém, Sebastião (2009) teve um resultado diferente na pesquisa realizada em Lisboa, onde a maior ocorrência de vítima eram os alunos do sexo masculino. Pesquisa realizada por Abramovay (2006) no Brasil também relata que os meninos são as principais vítimas. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), sobre bullying nas escolas brasileiras (MALTA, 2009), e a pesquisa Bullying Escolar no Brasil (FICHER ET AL , 2010), os meninos se sentem mais vitimados que meninas. No entanto, na presente pesquisa foi percebido que tanto meninos quanto meninas se declararam vítimas das violências listadas, ficando as meninas um pouco à frente dos meninos.

Vitimação – variação por idade

Para essa análise, dividimos os alunos em três grupos de faixa etária, o primeiro grupo com idade entre 10 e 12 anos (que corresponde a 17,6%, dos alunos pesquisados), segundo grupo, alunos entre 13 e 15 anos (63,6%) e, por último, os alunos de 16 a 19 anos (18,2%). Entre os três grupos de faixa etária podemos perceber um percentual parecido quanto às violências sofridas. Porém, cada grupo tem um percentual maior em relação aos outros em alguns tipos de violências. A faixa etária entre 10 e 12 anos sofre ação de gangues (58,9%), discriminação (55,6%), ameaças (53,2%), violência sexual (51,5%), brincadeiras de mau gosto (51,4%), uso de bebidas alcoólicas (51,1%), agressão verbal e física (51,0%) e porte de arma de fogo (50,3%), com mais freqüência em relação aos outros dois grupos. Já os alunos entre 13 e 14 anos sofrem mais agressão verbal (54,8%), roubos/furtos (53,0%) e o uso de drogas ilícitas (50,7%). A faixa etária entre 16 e 19 anos são as principais vítimas de brigas (50,0%).

Na pesquisa realizada por Sebastião (2009), a faixa etária em que mais se concentra as vítimas de violências é entre alunos de 10 a 14 anos, sendo que a maior evidência está entre os alunos de 14 anos, diminuindo as ocorrências entre os alunos de 15 a 19 anos. Na pesquisa nacional de bullying escolar no Brasil (FICHER et al, 2010), as vítimas se concentram entre os 11 e 15 anos, diminuindo a partir dos 16 anos.

Assim como a vitimação por sexo, podemos perceber uma correlação entre as idades dos alunos no que se refere a ser vítimas. Embora alguns sejam mais vitimados em alguns tipos de violência, todos têm um percentual elevado nas mais variadas ocorrências. Vitimação - variação por série Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 123 de 188

A análise dos dados, segundo a vitimação por sexo, revelou algumas contradições e dúvidas se comparados aos dados da autoria como, por exemplo, a 7ª série que ficou em primeiro lugar como os que mais sofrem violências, porém, seu percentual de autoria é menor em relação à vitimação, dado que nos permite deduzir que estes, por sua vez, sofrem violências praticadas por colegas de outras séries. Em sequência, temos a aceleração e 6ª serie que aparecem com um percentual elevado nos diversos tipos de violências. A 8ª série é a que possui um percentual menor em relação às outras séries o que coincide com os dados da autoria, praticam menos violências e também são menos vitimados. Ao contrário da aceleração, 6ª e 5ª série que estão ente os principais autores de violências, são eles que também aparecem como os mais vitimados.

Punições

Quais as medidas adotadas para punições dos estudantes agressores? Qual o tratamento dados às meninas e meninos autores das violências? Estas foram algumas das questões exploradas no conjunto de dados da pesquisa. Verificou-se na literatura que uma educação escolar não é possível sem a definição e a imposição de um conjunto de regras que devem ser respeitadas, já que elas constituem um meio de alunos adquirirem certos valores, certos hábitos (cf, p. ex., GOMES, 2009). No entanto, pesquisadores como Valerien (1993) e Gomes (2005) ressaltam que quando as normas da escola, como, por exemplo, as aqui observadas, são debilmente articuladas, elas tendem a provocar mais violências, já que punições muito severas podem gerar efeitos contrários.

Assim como se procedeu com a análise dos dados de vitimação e autoria, exploraram-se os dados de punição relacionando as categorias sexo, idade e série que passamos a apresentar.

Punições - variação por sexo

A análise dos dados, segundo a autoria e vitimação dos alunos, permitiu-nos conhecer no contexto pesquisado quem são os principais agressores e quem mais sofre violência. Agora analisaremos dentro das mesmas variáveis: sexo, idade e série, quem é mais punido e que tipo de punição este sofre. A análise feita segundo o sexo dos alunos nos mostra que meninos são mais punidos que meninas. Na pesquisa realizada em escola de Belgrado, Sérvia, por Radojkovic (2007), foi constatado que o maior número de estudantes punidos (70,0%) também são garotos. Isso, segundo a mesma autora, se dá pelo fato de que as violências femininas são menos visíveis para os educadores. Por isso mesmo, os garotos tendem a ser mais frequentemente punidos que as garotas.

Na presente pesquisa, as punições como ser mandado de volta para casa (85,0%), ser transferido de escola (77,3%), ser encaminhado ao conselho tutelar (76,2%), ser mudado de turma (66,7%), ficar sem recreio (67,5%), perder ponto (64,7%), receber advertência (64,7%), ficar na escola depois do horário (60,8%) são as punições mais sofridas pelos meninos, com um percentual de mais de 60,0% em todas elas. Já às meninas são mais atribuídas punições como a convocação dos responsáveis a comparecer à escola (51,5%), realização de atividades extras (47,4%), encaminhamento à polícia (47,2%), suspensão (44,6%), encaminhamento à direção da escola (42,0%), mandadas para fora de sala (42,0%), encaminhamento de bilhete ao responsável (41,3%); e como se pôde ver, mais de 40,0% das meninas já sofreram essas punições.

Ao analisamos as principais punições sofridas por meninos e meninas, notou-se que existe uma variação quanto à aplicação das punições de acordo com o sexo. E entre esses dados existem dois que chamam bastante atenção, pois entre as punições mais sofridas por meninos, ser mandado de volta para casa é a que se apresenta com o percentual mais elevado, 85,0%. Essa constatação é bastante preocupante visto que é dever da escola manter os alunos em segurança, dentro de seus aposentos, e não costuma fazer contato com os pais para comunicá-los e se certificar se existe alguém em casa para receber os alunos ou ainda para conscientizá-los do fato. Em relação às meninas, a punição com maior percentual é convocar os responsáveis a comparecer a escola (51,5%). Esse dado revela que existe um tratamento diferenciado entre os sexos, meninas mais Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 124 de 188 protegidas e com maior presença dos responsáveis em sua vida escolar e meninos expostos aos riscos fora da escola e com punições menos criteriosas.

Punições - variação por idade

Os dados de punições segundo a idade nos mostram que os alunos entre 13 e 15 anos, por sua vez, os principais autores de violência, são também os que mais sofrem punições. No entanto, ao analisar as punições mais sofridas percebemos que a perda de ponto (75,3%), ser transferido de escola (72,7%), ser mandado para fora de sala (72,5%) e fazer atividades extras (70,0%) são as punições mais aplicadas a essa faixa etária. A faixa etária de 10 a 12 anos vem em segundo lugar entre os mais punidos, dado que também coincide com os dados de autoria por idade. Dentre as punições mais sofridas por estes, estão o encaminhamento à direção (31,9%), a convocação do responsável a comparecer à escola (30,4%), o encaminhamento ao conselho tutelar (23,8%) o encaminhamento à polícia (23,6%). As duas últimas punições mais sofridas por estes estudantes são preocupantes tendo em vista a pouca idade desses alunos e punições tão sérias serem aplicadas a estes, o que trás questionamentos sobre a que condições esses alunos são encaminhados ao conselho tutelar e polícia, os mesmos são acompanhados pelos responsáveis? São tais punições aplicadas capazes de contribuir para mudança de conduta dos alunos? Em relação aos alunos de 16 anos ou mais, temos um percentual menor em relação às outras faixas etárias, sendo que entre as principais punições sofridas estão: ser mandado de volta para casa (30,0%), ser encaminhado ao conselho tutelar (28,6%), receber advertência (20,6%) e até a transferência para outra escola (18,2%), ou seja, punições que não favorecem a conscientização ou reparação do dano/problema pelo aluno.

Punições - variação por série

No que se refere às punições, de acordo com a série, percebemos que os estudantes da aceleração de aprendizagem são os mais punidos, seguidos dos estudantes da 5ª série e a partir daí a incidência tende a declinar. Entre as punições mais sofridas pela turma de aceleração da aprendizagem estão: ser mandado de volta para casa (50,0%), receber advertência (44,1%), perda de pontos (42,4%) e ser mudado de turma (42,3%). As principais punições percebidas pela 5ª série foram mudança de turma (31,1%), ficar na escola depois do horário (26,5%), encaminhamento de bilhete ao responsável (26,0%), ser encaminhado à direção (25,2%), o responsável foi convocado a comparecer à escola (25,0%) e ser mandado para fora de sala (24,9%). À 6ª série são atribuídas punições como ser encaminhamento ao conselho tutelar (28,6%), encaminhamento à direção (23,5%), retirada do recreio (22,9%), convocação do responsável à escola (22,7%) e encaminhamento de bilhete ao responsável (22,5%). A 7ª série, por sua vez, sofre menos punição em relação às três primeiras séries, porém, também tem algumas punições que são mais percebidas que outras como, por exemplo, fazer atividades extras (24,5%), ficar sem recreio (20,5%), ser encaminhado à direção ( 20,2%) e ser encaminhado ao conselho tutelar (19,3%). Já em relação à 8ª série, continuam confirmados os dados de autoria e vitimação sendo também os menos punidos tendo como principais punições a realização de atividades extras (14,4%) e a suspensão (14,0%).

Considerações Finais

O presente estudo buscou investigar, através dos dados dos questionários respondidos pelos alunos e as informações prestadas pelos gestores, as ocorrências das violências considerando a autoria e vitimação no contexto escolar, e ainda as punições percebidas por estes segundo as variáveis: sexo, idade e série. Na análise, foi possível perceber, de modo geral, uma divergência entre os dados de autoria e vitimação, enquanto mais de 60,0% dos alunos negaram praticar as violências listadas, mais de 25,0% declararam que já sofreram algum dos tipos de violências, chegando algumas categorias a mais de 31,0% de vítimas. Essa disparidade está no fato de que, o número de agressores, de acordo os dados gerais, é menor que o número de vítimas e quando analisados de forma desagregada, segundo sexo e idade, verificou-se que o número de agressores é maior.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 125 de 188 Além disso, no que tange à autoria das violências segundo sexo, os dados corroboraram outras pesquisas, onde os meninos se destacaram como principais autores, levando, contudo a uma preocupação para o número elevado de meninas que também declararam a prática de violências. A questão do aumento da presença feminina nos atos de violência também já foi percebida por outros pesquisadores e requer atenção especial para medidas adequadas nesse caso. Em relação à vitimação as meninas se apresentam com um percentual um pouco maior na maioria das violências relacionadas, porém, do mesmo modo na autoria no que se refere à vitimação não existe uma diferença muito grande em relação ao o número de meninos que também se apresentam como vítimas. Portanto, verificou-se que existe uma semelhança muito grande em ser vítima, tanto quanto autoras por meninas e meninos. Agora em relação à autoria e vitimação por idade, conclui-se que a faixa etária entre 10 e 15 anos se destacou na autoria das violências, com maior evidência na idade de 13 a 15 anos, e diminuindo, portanto, essa ocorrência entre alunos de 16 anos ou mais, confirmando que à medida que os alunos crescem diminui a participação na prática de violência. Porém, considerando a vitimação dos alunos segundo a faixa etária, foram percebidos que os três grupos (10 a 12 anos, 13 a 15 anos e 16 anos ou mais) são vitimados de forma considerável na maioria das violências e que, portanto, existe variação de acordo com as categorias listadas. No entanto, em geral, todos sofrem algum tipo de violência, ficando os alunos entre 16 e 19 anos apenas um pouco abaixo em relação às outras duas faixas etárias. No que diz respeito à autoria e vitimação por série, percebemos que as turmas de aceleração da aprendizagem são os principais autores de tipos de violências, porém no que se refere à vitimação a 7ª série é que sai na frente. A análise dos dados a respeito da percepção dos alunos sobre as punições sofridas revelou que meninos são mais punidos que meninas, sendo que estas, mesmo com um percentual elevado na declaração de prática da maioria das violências listadas, são menos punidas. Comprovando a invisibilidade das meninas nos atos de violência e reforçando o estereótipo de que os meninos são mais violentos, por isso, mais punidos. No que se referem à idade, os dados convergiram entre si, pois, alunos de 13 a 15 anos são os mais punidos. Na autoria, eles se destacam e desse modo também aparece na frente em relação às punições sofridas. Continuando a análise percebemos que alunos de 10 a 12 anos vêm em segundo seguidos da faixa etária de 16 anos ou mais. Nas punições percebidas por série, alunos da aceleração saem na frente quanto aos mais punidos, seguidos da 5ª, 6ª e 7ª séries. Alunos da 8ª série, como vimos nas análises apresentadas, possuem o menor percentual em autoria e vitimação, e também nas punições sofridas. Alguns pontos chamaram a atenção nos dados sobre punições, pois se pode perceber que as punições aplicadas pelas escolas não são justas, pelo contrário muitas são antididáticas, como a perda de pontos, fazer atividades extras e ser mandado para fora de sala, já que esse tipo de ação pode reforçar o fracasso escolar, além da exposição dos estudantes ao perigo ao mandá-lo de volta para casa ou transferi-lo de escola.

Enfim, foi possível perceber correlação entre alguns dos dados do presente artigo e de pesquisas já realizadas no Brasil e em outros países, porém em outros pontos explicitados houve divergência. O resultado dessa investigação nos permitiu conhecer o contexto pesquisado de acordo com as variáveis autoria, vitimação e punição, segundo o sexo, idade e série dos alunos para os quais devem estar atentos todos os envolvidos no acompanhamento dos estudantes, quer seja na escola ou fora dela. Conclui-se que a autoria e vitimação dos alunos nas escolas pesquisadas acontecem de forma peculiar e nos remetem para a necessidade de se trabalhar pontualmente e de forma adequada de acordo com cada faixa etária, sexo e série, para que haja uma medida preventiva de modo a diminuir as incidências de violências no contexto escolar. E por fim, verifica-se a urgente necessidade de a escola rever as punições adotadas para que estas possam contribuir para mudar a conduta do aluno de forma positiva e, desta forma, alcançar resultados mais positivos na superação das violências como pretendem boa parte das escolas.

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Renato Luiz Hannisch67 Jocyléia Santana dos Santos68

Resumo A pesquisa relata a implantação da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, no Estado do Tocantins e a organização do primeiro grupo de luteranos no Estado. O período enfocado circunscreve aos anos de 1992 a 1997, contexto do surgimento do Centro Educacional Martinho Lutero, do Instituto Luterano de Ensino Superior (atual Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA) e da Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor. A pesquisa deu-se no campo bibliográfico sobre o Protestantismo/Luteranismo europeu, documentos e em entrevistas semi-dirigidas com personagens que participaram do Luteranismo no Tocantins. Palavras-chave: Martinho Lutero, Rosa de Lutero, ULBRA, Educação Confessional.

Resumen La encuesta reporta la aplicación de la Universidad Luterana de Brasil - ULBRA en el Estado de Tocantins y la organización del primer grupo Luterana en el estado. El período centrado circunscribe los años 1992-1997, el contexto de la emergencia del Centro Educativo Martín Lutero, el Lutheran Instituto de Educación Superior (ahora Lutheran University Center Palmas - CEULP / ULBRA) y la Congregación Evangélica Luterana Cristo Redentor. La investigación se llevó a cabo en el campo bibliográfico del protestantismo / luteranismo Europea, documentos y entrevistas semiestructuradas con los personajes que participaron en el luteranismo en Tocantins. Palabras clave: Martin Luther Rose Luther ulbra, enseñanza de su fe.

Introdução

A pesquisa sobre a História da Educação é um tema bastante instigante, considerando que a Educação Confessional, desde o período jesuítico (1549-1759), mostra-se presente e atuante em solo brasileiro e na escrita da história do nosso país (SAVIANI, 2011).

No mesmo período em que Jesuítas aportavam no Brasil, a Reforma Protestante estava se expandindo na Europa, sendo uma de suas principais bandeiras a valorização da Educação, como afirmou o Reformador Martinho Lutero em 1530, estimulando os pais e a sociedade a enviarem os jovens à escola e oferecer “escolas nas quais se educam jovens nas ciências, na disciplina e no verdadeiro culto a Deus, onde aprendem a conhecer a Deus e a sua palavra, para depois se tornarem pessoas capazes de governar igrejas, países, pessoas, casas, filhos e criadagem” (LUTERO, v. 5, p. 330).

Transpondo os limites do continente europeu, a Educação Confessional Protestante também aportou no Brasil com os imigrantes que aqui chegaram, especialmente após a Independência do Brasil, em 1822. A partir de então, conforme o artigo 5º da Constituição Imperial de 1824, “a existência de outras religiões era permitida de forma privada, em locais destinados para este fim, sem formas exteriores que as caracterizasse como igrejas”(REHFELD, 2003, p. 19). Apesar de não oferecer liberdade total para os Protestantes, “a tolerância religiosa imperial fez com que a imigração fosse mais atrativa para não-católicos do que em épocas anteriores” (REHFELDT, 2003, p. 19).

67Mestre em Educação pela UFT.Teólogo. Professor da ULBRA _ TO. Artigo elaborado na disciplina “História, Memória e Educação” ministrada pela professora Jocyléia Santana. 68 Doutora e Mestre em História pela UFPE. Historiadora. Coordenadora da PPGE/UFT. Líder e pesquisadora do grupo de Pesquisa CNPq/Plataforma Lattes/UFT - História, Historiografia, Fontes de Pesquisa em Educação.. E-mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 128 de 188

Após a Proclamação da República, em 1889, o Presidente Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, por meio do Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 189069, extinguiu o padroado e concedeu plena liberdade de culto no Brasil, permitindo, desta maneira, que diferentes confissões religiosas tivessem o direito de estabelecer igrejas, agremiações e institutos.

Apesar de formarem-se diversos grupos religiosos no Brasil a partir de 1824, a situação regional do antigo norte Goiano era diferente das cidades litorâneas ou cidades de médio porte do interior do Brasil: as ordens religiosas protestantes, e, até mesmo as católico-romanas, demoraram muito para chegar à região, especialmente no que diz respeito à questão Educacional.

Os primeiros relatos sobre a Educação Confessional no antigo norte Goiano são do início do século XX, por meio da Educação dos Dominicanos que se instalaram em Porto Nacional.70

Somente três décadas depois, a partir do trabalho de missionários batistas, foi criada a primeira escola Protestante no Tocantins (antigo norte Goiano). Conforme registros,

Nasce então, em 1936, a Coligação das Igrejas Batistas do Vale do Tocantins, na mesma data da organização da Igreja Batista de Tocantínia. [...] Ocorre também, neste período, a criação da escola batista de Tocantínia, que mais tarde ganharia o nome de Colégio Batista do Tocantins. Para lá foi nomeada a professora-missionária Beatriz Rodrigues da Silva (SANTANAet alii, 2010, p. 89).

Quase cem anos depois da concessão de liberdade religiosa no Brasil, aconteceu, em 1988, a promulgação da nova Constituição Federal e, paralelamente, a criação do Estado do Tocantins. Diante da nova conjuntura política e buscando novos campos de trabalho, luteranos estabelecidos no Estado do Rio Grande do Sul elaboraram o plano de expansão e de implantação da Educação Confessional Luterana neste novo Estado da Federação.

No entanto, somente a partir de 1992, a Universidade Luterana do Brasil iniciou sua implantação no Tocantins, encontrando nele solo fértil para o plantio da Rosa de Lutero, logomarca desta instituição.

Como existem poucos registros sistematizados sobre esta história, o presente estudo adentra ao tema, buscando, por meio de informações documentais e da narrativa de sujeitos desta implantação, registrar fatos desta história, concentrando-se nos cinco primeiros anos da atuação Luterana no Tocantins (1992-1997).

Para registro de vivências de sujeitos que participaram deste Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense, buscou-se, conforme orienta Alberti, “selecionar os entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos” (ALBERTI, 2005, p.32).

Para esclarecimento aos leitores, nas transcrições das entrevistas manteve-se o seu caráter integral, não sendo realizada nenhuma correção ou limpeza do texto, optando-se pela permanência de repetições, frases sem concordância e situações onde há discordância da Nova Ortografia Brasileira.Seguindo-se, assim, a orientação de Alberti para a manutenção integral dos relatos nos casos onde falta experiência aos transcritores (ALBERTI, 2005).

69 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d119-a.htm. (Último acesso em 23/11/2013). 70 Conforme Histórico do Colégio Sagrado Coração de Jesus (s/d), o mesmo foi inaugurado no dia 15 de setembro de 1904, com 19 alunas matriculadas. (DOURADO, 2013, p. 66). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 129 de 188 A Rosa de Lutero: do solo europeu ao solo brasileiro

No início do séc. XVI o mundo estava passando por várias mudanças. Neste contexto de profundas mudanças e descobertas conhecido como Renascimento figura um monge católico de nome Martinho Lutero (Martin Luther), o qual encabeçou um protesto contra os abusos eclesiásticos da Igreja Católica Apostólica Romana, publicando, em 31 de outubro de 1517, suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, Alemanha, “provocando a maior revolução na história da Igreja Cristã”, e, sendo considerado “um dos poucos homens de quem se pode dizer que sua obra alterou profundamente a história do mundo” (WALKER, 1981, v. II, p.9).

As ideias de Lutero tiveram repercussões por toda a Europa, dando origem a um movimento conhecido como Reforma Protestante, o qual, pouco a pouco, contou com a participação de religiosos, políticos e diferentes pessoas da sociedade.Durante a expansão da Reforma religiosa proposta por Lutero, o reformador incentivou a criação de universidades e escolas, exortando os cidadãos e autoridades a investir na educação da juventude (BECK, 1988). Lutero, reforçando os ideais da Reforma no campo educacional, escreveu: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão (1520); Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas cristãs (1524); Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530).

Atribuída a Lutero a frase “ao lado de cada igreja, uma escola”, tem-se na mesma um bom resumo da concepção educacional da igreja que nasceu a partir da Reforma Protestante. Lutero, por meio de suas pregações e escritos, mostrava publicamente que as escolas deveriam ser locais nos quais “se educam jovens nas ciências, na disciplina e no verdadeiro culto a Deus, onde aprendem a conhecer a Deus e a sua palavra, para depois se tornarem pessoas capazes de governar igrejas, países, pessoas, casas, filhos e criadagem” (LUTERO, 1995, p.330).

Para auxiliar as pessoas a entenderem suas ideias teológicas, Martinho Lutero criou um ícone, conhecido como “Rosa de Lutero”. No ano de 1530, em carta enviada a Lazarus Spengler, Lutero escreve a respeito da criação deste seu brasão ou selo. Nesta carta ele explica que o brasão foi confeccionado de tal forma que seja um resumo dos seus ensinamentos.71 Figura 1 - Selo ou Brasão de Lutero

71“Graça e paz por parte do Senhor. Como você deseja saber se o selo pintado, que você me enviou, acertou o alvo, devo responder de forma amigável e lhe dizer sobre meus pensamentos e razões originais porque meu selo é um símbolo da minha teologia. Primeiro, deve haver uma cruz preta dentro de um coração – o qual retém a sua cor natural – para que eu seja lembrado que a fé no Crucificado nos salva. Pois quem crê de coração será justificado (Romanos 10.10). Embora seja uma cruz preta, que mortifica e que também deve causar dor, ela deixa o coração em sua cor natural. Ela não corrompe a natureza, isto, ela não mata, mas mantém vivo. "O justo viverá por fé" (Romanos 1.17), mas pela fé no Crucificado. Tal coração deve estar no meio de uma rosa branca, para mostrar que a fé dá alegria, conforto e paz. Em outras palavras, ela coloca o crente em uma rosa branca, de alegria, pois esta fé não dá paz e alegria como o mundo dá (João 14.27). É por isso que a rosa deve ser branca, e não vermelha, pois o branco é a cor dos espíritos e dos anjos (conforme Mateus 28.3; João 20.12). Tal rosa deve estar numa área de azul celeste, simbolizando que tal alegria em espírito e fé é o começo da futura alegria celestial, que já começa, mas é obtida em esperança, pois ainda não é revelada. Ao redor dessa área está um círculo dourado, simbolizando que tal bênção no céu dura para sempre; é sem fim. Tal bênção vai além de toda a alegria e bens, assim como o ouro é o melhor metal, o mais valioso e precioso. Este é o meu compendium theoligae [o sumário da teologia]... Essa explicação aparece em uma carta de Lutero enviada a Lazarus Spengler, datada de 8 de julho de 1530. Ela aparece em diversas fontes, como na Edição Weimar das Obras de Lutero (Briefe Vol. 5:444f) e na edição inglesa das obras de Lutero (Luther's Works: American Edition, Vol. 49:356-359)” FONTE: http://www.portal- luterano.org.br/index.php/extensions/martinho-lutero/rosa-de-lutero. (Último acesso em 07/01/2014).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 130 de 188

Fonte: http://cyberbrethren.com/2012/10/10/the-story-of-the-luther-seal-or-luther-rose/

Séculos depois, a Reforma Protestante cruzou os mares por meio dos imigrantes europeus que aportaram nas Américas. No ano de 1900, os primeiros missionários luteranos da Lutheran Church Missouri Sinod (LC-MS) aportaram no Brasil, organizando Congregações, Paróquias e Distritos, fundando, em 24 de junho de 1904 a Der Brasilianishe District der deutschen evangelish- luterischen Synode von Missouri, Ohio und andern Staaten (Distrito Brasileiro do Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri, Ohio e Outros Estados, tradução nossa), vindo a se chamar, a partir de 1943, de Igreja Evangélica Luterana do Brasil – IELB. (REHFELDT, 2003).

É importante observar que muitos grupos de imigrantes luteranos, a partir do momento que tinham um pastor para atendê-los, organizaram escolas antes mesmo de se organizarem, oficialmente, em congregações, como destaca Mahler em sua obra que registra os primeiros 25 anos da história da IELB (25 Jahre unter dem Suedlichen Kreuz – 25 anos sob o Cruzeiro do Sul, tradução nossa): “A escola ocupa o primeiro plano em todas as congregações. É especialmente por causa da escola que se formam as congregações. A escola é a estabilidade da congregação” (MAHLER apud REHFELD, 2003, p. 51).

Em 1911, uma destas Congregações filiadas à IELB, a Comunidade Evangélica Luterana “São Paulo” (CELSP), começou a desenvolver atividades educacionais de Ensino Fundamental, atendendo, primeiramente, os filhos dos seus próprios membros, pois

havia também a necessidade de ensinar os filhos a ler, escrever, e de inteirá-los dos conteúdos bíblicos. Na época, havia na região apenas as escolas estaduais, com lições em português, e escolas católicas maristas. As crianças das CESLP pouco ou nada entendiam de português, e seus pais desejavam uma educação luterana (KUCHENBECKER, 1994, p. 11).

Em 1972, a CELSP iniciou suas atividades com a Faculdade Canoense de Ciência Administrativa, culminando, no ano de 1998, na criação da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA , espalhando-se por cidades do Rio Grande do Sul e pelo Norte do país, “em benefício social daquelas regiões, que, comparativamente ao Sul e Sudeste, recebem pouca atenção de instituições particulares” (KUCHENBECKER, 1994, p. 52)

A ULBRA, fazendo uso do ícone acima citado (figura 1), estilizou a Rosa de Lutero, adotando-a como logomarca. Acrescentou-lhe parte do versículo bíblico do evangelho de João 8.32, em latim: VERITAS VOS LIBERABIT (A verdade vos libertará) e, em números romanos, o ano de sua autorização de funcionamento: MCMLXXXVIII (1988), conforme segue:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 131 de 188 Figura 2 - Logomarca da Universidade Luterana do Brasil

Fonte: http://www.ulbra.br/novo-comuns/pages/logomarca-da-ulbra.html.

A rosa de Lutero no Cerrado tocantinense72

No ano de 1988 deu-se a criação do Estado do Tocantins. Diferentes denominações religiosas já realizavam, neste período, o trabalho evangelístico e educacional na região do antigo norte Goiano, especialmente, instituições católico-romanas e batistas.

Entre semelhanças e diferenças na ação missionária destas denominações religiosas, é importante destacar que, diferentemente do trabalho da Universidade Luterana do Brasil e da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, as denominações católicas e batistas, na missão de evangelizar o antigo norte Goiano, começaram seus trabalhos organizando igrejas, para, posteriormente, fundar instituições educacionais. Exemplo disso, verificamos em relato sobre a história da Educação Confessional Batista, que iniciou suas atividades missionárias na atual região geográfica do Tocantins, com a organização da primeira congregação da igreja batista “em 1927, na cidade de São Vicente do Araguaia, hoje Araguatins, no extremo norte do Estado, região conhecida como Bico do Papagaio” (SANTANAet alii, 2010, p. 83), ao passo que a Educação Batista iniciou, de fato, somente a partir de 1936, na cidade de Tocantínia, com a chegada da missionária Beatriz Rodrigues da Silva (SANTOS, 2009).

Ainda sobre estas diferenças, é necessário destacar que as missões católico-romanas presentes no antigo norte Goiano também não iniciaram suas ações, de imediato, com a implantação de colégios. Exemplo disso é a cidade de Porto Nacional, que recebeu forte influência da Ordem dos Dominicanos que vinham da Europa, no final do século XIX, com o objetivo de fortalecer a fé católica, mas que fundaram o primeiro Colégio nesta região apenas no ano de 1904 (DOURADO, 2010).

A Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense, ao contrário, se iniciou por meio das atividades da Universidade Luterana do Brasil, antes mesmo de haver uma igreja ou congregação

72 Para a futura publicação deste artigo, manteve-se o nome real dos sujeitos entrevistados, expondo a memória e versão de cada um dos entrevistados. Pois, concordando com Alberti, “conhecer sua biografia permite compreender melhor o relato de sua experiência, seu discurso e suas referências mais particulares.” (ALBERTI, 2005, p. 90). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 132 de 188 organizada, conforme relatado73 pelo primeiro Diretor e implantador da ULBRA no Tocantins, Professor Wolfgang Teske:74

O certo é que era 7 de setembro de 1992, quando então o Reitor me liga, eu tava lá em Belém do Pará... e faz o convite pra eu vir pra Palmas. E conforme na crônica, você vai ver e pode usar como um documento, eh... se desenvolve, se desenrola uma conversa, néh... e eu vou descobrindo que eu tenho um convite pra vim pra Palmas prum local que não tinha nada. (...) Na realidade não conhecia a Universidade, não conhecia a pessoa do Reitor, não conhecia, a não ser aquele contato casual, eventual. E ele me liga e diz que tem um convite pra mim, pra vim pra Palmas e eu vou perguntando néh: - O que é que tem? - Não tem. -É... Quantos prédios têm? - Não tem prédio... (risos) -É... Quantos, quantos professor tem? ...não sabia se tem professor, que tinha que ter alguém aqui pra chamar os professores. É..., não tinha documento encaminhado, não tinha conta bancária aberta, não tinha... não tinha nada, nada, nenhuma construção, não tinha nada e sequer sabia onde eu ia morar. Nem isso ele sabia... Então, em últimos casos, ele disse: se não tem nenhum lugar pra alugar então, como de fato não tinha, então que eu ficasse num hotel, porque até aquele momento também não sabia se existia. Mas já existia hotel pequeno e tal, mas já tinha, néh, já existia... Bom, é... quando então eu pergunto: -Sim, mas pra quando, néh...essa escola? E ele diz assim: apesar de tão ter nada lá, já está decidido pelo Conselho Universitário que dias, eu não me lembro exatamente mas me parece que era 7,8,9 e 10 de fevereiro daquele ano, do ano seguinte, 1993. Veja bem: já tava em setembro, era 07 de setembro, de 92, e o vestibular era quatro dias. Vestibular tá marcado... pros cursos de Letras, Pedagogia e Administração, além disso vai funcionar, na época chamava, néh, o 1º Grau que hoje é o Fundamental e o Ensino Médio que na época se chamava 2º Grau. E as aulas vão começar dia 1º de março de 1993. Agora você imagina o susto que eu levei em saber que não tinha nada, nem obra, nem construção, nem material de construção, nem peões, nem pedreiro, nem carpinteiro, nada, nada, nada... nem o projeto pedagógico encaminhado pra, pro Conselho de Educação, nada...

Figura importante neste processo do Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense, o professor Teske ressalta que o objetivo inicial das atividades não era a criação ou fundação de uma congregação, apesar de ser algo implícito ao trabalho da ULBRA, já que faz parte da sua essência levar a Palavra de Deus e, ainda mais, sendo ela uma instituição Educacional de caráter Confessional. O objetivo inicial era “implantar um complexo educacional”, como o próprio professor Teske enfatizou em outro momento de seu depoimento.

Assim, a partir de outubro de 1992, após aceitar o convite do então Reitor da ULBRA, Ruben Eugen Becker, o professor Teske teve em mãos a missão de contratar funcionários, organizar a construção, organizar documentos e fazer contatos com pessoas direta e indiretamente envolvidas com o projeto de implantação daquele que viria a ser o primeiro campus da ULBRA no Tocantins, o Centro Educacional Martinho Lutero, como ele mesmo relata:

É... no dia, eu tenho um diário ali do, do começo, mas me parece que foi no dia 16 de outubro eu fiquei 3 dias aqui em Palmas: 16,17 e 18. (...) É... descemos, e aí, tinha sido combinado em Santarém e Manaus que eles mandariam na frente o arquiteto Conrado Carlos Kindler. Então esse arquiteto ia vim, porque ele tava com as plantas e tal pra orientar e o que era o... a... Mestre de Obras, seu Antônio, que tinha construído Ji-

73Entrevista concedida a Renato Luiz Hannisch no dia 16 de Setembro de 2013. 74Wolfgang Teske foi pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, implantou o projeto Educacional da ULBRA no Tocantins, sendo Diretor Geral deste campus de 1992 a 1997. É mestre em Ciências do Ambiente/Cultura e Meio Ambiente, Especialista em Docência do Ensino Superior, possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo e graduação em Teologia. É professor no Curso de Comunicação Social, Jornalismo, da Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Folkcomunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: Quilombolas, Roda de São Gonçalo e Cultura. Possui ampla experiência na gestão em causas sociais e administração educacional. Membro efetivo da Academia Palmense de Letras, cadeira nº 17, cujo patrono é o escritor José de Alencar (2012) e possui o Título de Cidadão Palmense (2013). Atualmente, participa como membro e colaborador da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Palmas-TO. (Informação fornecida pelo entrevistado). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 133 de 188 Paraná, ele tinha construído Santarém, ele tinha construído Manaus, (...)e... ele era o responsável. Então o... puxa, como é que é? O... chefe da... da obra... o Mestre de Obras e ao mesmo tempo comandava. Eles disseram: Oh, nós vamos te mandar esse cara pra te ajudar. Mas tá bom. Aí quando cheguei em Palmas fui recepcionado pelo arquiteto que tinha vindo uns dias antes e tinha se instalado no hotel Turim. Então tá bom. Aí fomos conhecer a área, que não tinha nada. Então não tinha nada, nada construído. É... conhecer, fomos dar uma volta na cidade e foram três dias de... muito intensos, visitando a Assembleia Legislativa, visitamos a Margarida Lemos Gonçalves, que era a presidente do Conselho Estadual de Educação. É... mantivemos, assim, contato com várias, com várias pessoas. E...aí o, o Arquiteto disse que ele ficaria aqui até começo de dezembro, até o primeiro dia de..., até o final de novembro.

Assim, após alguns meses de construções e encaminhamentos legais para a abertura do campus de Palmas e a realização do primeiro vestibular da ULBRA, que aconteceu nos dias 08, 09 e 10 de fevereiro de 1993, iniciaram-se as aulas no dia 1º de março de 1993.

Neste período em que a ULBRA estava iniciando suas atividades no Tocantins, cabe ressaltar, também estava acontecendo em Palmas uma maciça junção de indivíduos vindos de vários lugares e culturas. Suprindo a carência de mão-de-obra de vários setores na jovem capital em construção cada um trazia consigoseus sonhos e medos.

Muitas pessoas fizeram planos, deixaram familiares e amigos, e vindo para Palmas alimentados por este sonho de construção e crescimento. Assim, também, alimentada e alimentando este sonho de crescimento, a ULBRA tornou-se pioneira na Educação Confessional do recém-criado Estado do Tocantins e da cidade de Palmas, pois além da Educação Básica, ofereceu o Ensino Superior desde o início de suas atividades.

Sobre a vinda de migrantes atraídos pelo pujante desenvolvimento de Palmas, Cecília Maria do Socorro Gonzaga Müller75 , auxiliar de Secretaria naquele período, relata:76

Nós casamos no dia 23 de janeiro e no dia 02 de fevereiro estávamos aqui... de 93. Aí já chegamos e ao mesmo tempo já começamos a trabalhar ali. Era vestibular néh. Já trabalhava com essas coisas de vestibulares, néh. É... as inscrições já tinha acontecido, mas tava naquela organização pra arrumar sala, lista, néh, essas coisas todas pra, pra, pro vestibular.

Estimulados pela vinda da ULBRA para o Tocantins, membros luteranos de outras regiões foram convidados pelo professor Teske a virem para Palmas para trabalharem neste projeto. Além disso, havia aqueles luteranos que chegaram a Palmas, sequer imaginando que existiria um campus da Universidade Luterana do Brasil se instalando no cerrado Tocantinense. Sobre este fato, Ambrósio Dolny77 relata:78

E, um dia, aí por agosto de 1992, passando por esse queijinho onde está hoje o Colégio Estadual, é... o... a Ulbrinha, nós vimos uma placa, néh: Aqui em breve Universidade Luterana do Brasil. Néh... comentamos: Báh, nossa, que coisa, néh!!! Luteranos, néh e tal... e dali um mês já começou aí o movimento de terraplanagem, de construção e

75Cecília Maria do Socorro Gonzaga Müller é Secretária do Centro Educacional Martinho Lutero (Colégio ULBRA Palmas), graduada em Administração de Empresas e membro-fundador da Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor de Palmas-TO. Ocupou o cargo de conselheira no Conselho Estadual de Educação, representando as Escolas Privadas no biênio 2012/2013. Ocupa o cargo de Secretária da Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor, eleita para o biênio 2013/2014. (Informação fornecida pela entrevistada). 76 Entrevista concedida a Renato Luiz Hannisch no dia 28 de Setembro de 2013. 77 Ambrósio Dolny é licenciado em História (UNICENTRO), Pós-graduado em Teoria e Produção do Conhecimento Histórico (UNICENTRO), professor da rede municipal de ensino de Palmas (desde 2004). Membro-fundador da Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor de Palmas-TO. (Informação fornecida pelo entrevistado). 78Entrevista concedida a Renato Luiz Hannisch no dia 16 de novembro de 2013. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 134 de 188 muitos homens trabalhando e máquinas, e...tinha uma Toyota, néh... e o Teske já estava. Não, não conhecíamos quem era, néh?!? Ele se instalou ali e fez o escritório meio de madeira, assim, começou a construção e num dia nós fomos ali, eu o Celso pra conversar quem era o..., néh. Fomos lá e nos apresentamos, néh. Ele nos recebeu no escritório ali e, feito qualquer jeito ali, de madeira, néh. Aí já tinha uma mesa néh, um ventilador pelo menos, néh (risos), e sentamos e fomos... éh, levar o currículo pra pegar aula, néh. E não falamos que éramos luteranos. Néh, não nos apresentamos como luteranos. Fomos como, pra ver se conseguia uma vaga no trabalho. (...) Aí já ligamos pro Sul. Eu mesmo confesso que até então eu não sabia da existência da ULBRA, como depois euvim a conhecer, néh. Da coisa grande, néh, da Universidade... até então não. Aí conversamos e já pegamos aula, néh.

Após o início do período letivo, em 1º de março de 1993 e, observando a quantidade de pessoas luteranas que já se encontravam em Palmas, o professor Teske, que naquele tempo era atuante no ministério pastoral, liderou o grupo existente para iniciarem as atividades da Igreja Luterana local.

Sobre o início das atividades religiosas do primeiro grupo de luteranos, Cecília relata que “...tinha o sr. Hegel, acho que era um advogado... eu não sei. O sr. Hegele79. Aí já tinha a família do Celso, do Ambrósio, a gente, o Nei, néh. O... A família do Teske. Eram aqueles ali que já eram luteranos.”

Assim, sob a liderança do professor Teske, o grupo de luteranos passou a se reunir no dia 21 de março de 1993, como Cecília relata: “Aí a gente se reuniu num primeiro momento numa sala, numa sala de aula, presidida pelo Teske, néh. Que ele sempre era o que tinha... Eu acho que de todos, ele era o cabeça ‘vamos nos reunir’, ‘vamos fazer assim...’.”

Figura 3 – Grupo de luteranos e visitantes reunidos no primeiro culto da Igreja Evangélica Luterana no Tocantins, em 21 de março de 1993, ocorrido nas dependências do Centro Educacional Martinho Lutero.

Fonte: Arquivo pessoal do Professor Wolfgang Teske

79O nome correto deste senhor é Telmo Hegele. Foi membro da Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor de Palmas até dezembro de 2004, quando recebeu transferência para outra Congregação do país. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 135 de 188

Além disso, é interessante notar no relato de Cecília que a união do grupo de luteranos fez uma grande diferença para que O Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense não acontecesse somente no aspecto do trabalho educacional da ULBRA. Além dos impactos educacionais, sociais, políticos e econômicos que a ULBRA estava realizando no Estado do Tocantins e na cidade de Palmas, a realização de reuniões do grupo de luteranos já existentes, desenvolveu o espírito de união, de companheirismo, de proximidade, acrescentando ao trabalho iniciado pela ULBRA, novos aspectos. Recordando estes fatos, Cecília Müller, com saudosismo, relata:

O grupo de amigos era esses da igreja, que era Nei, Ana, Celso, Serginho... ah, daí tinha a Luciana. A Luciana eu não sei se ela era da Confissão ou, ou, não sei. A Luciana, a Kelen, que eram professores da ULBRA, os mais jovens, néh. A Luciana, a Kelen, então essas pessoas que, que... tinha a Rai, irmã da Ana, que, que veio logo depois. O Aguinaldo, também, que veio logo depois. Já era mais no segundo ano, ali. O Aguinaldo. Então eram essas pessoas mais jovens. Tinha uma menina da biblioteca – Edinéia. Então, esses grupos reunia na maioria das vezes na casa do Celso, que ele tinha espaço. Ele tinha espaço maior. Se reunia lá, assava uma carne, e daí ficava nas brincadeiras, nas graças. Era um grupo muito saudável, até. Então, eram esses luteranos. Nós, o... fora o Teske ali, néh, que eram os mais jovens, néh. Então a gente se reunia, ia pra pizzaria, ia pra esses lanches, néh. Pros lanches, ou então na casa do Celso. E a gente ficava até madrugadas, às vezes, nisso, néh. Alguns bebiam, outros não bebiam, néh. E voltaram pra casa assim, pelas madrugada, néh. Fora os finais de semana que o Teske promovia na casa dele, néh. Quando ele já, quando ele tinha... Primeiro ele morou naquela casa, depois ele passou pra casa onde agora o Ari mora, néh. Então esse grupo de amigo era muito bom. Às vezes eu fico me perguntando, assim: onde é que aconteceu o rompimento, que quase a gente não, hoje, néh, quase a gente não se encontra mais?!?

Depois de iniciado o funcionamento do campus da ULBRA no Centro Educacional Martinho Lutero (na Avenida JK), a ULBRA procurou desenvolver cada vez mais suas ações como propagadora do conhecimento e da Educação. Relatando os projetos educacionais e a influência que a ULBRA desenvolveu na cidade de Palmas e região, o professor Teske relata a participação e organização do projeto e ações educacionais realizadas:

Ainda em 93, o 1º Encontro Estadual de Meio Ambiente foi dentro da ULBRA. O auditório nós começamos a ceder pros encontros. Seja pra igrejas, seja pra atividades do Estado, seja pra organizações, é... por exemplo como Lions, o Rotary, é... principalmente o Lions se encontrava ali, néh. (...) Com essa velocidade com que a gente construiu a ULBRA, com que a gente implantou os projetos, e... o tipo de projetos implantados, isso chamou a atenção de todo o Estado e fora do Estado. Então, nós cuidávamos da comunicação, nós cuidávamos da construção, cuidávamos do meio ambiente, nós cuidávamos dos projetos, nós cuidávamos da qualificação dos professores. (...) E em março daquele ano ainda começamos a igreja, a reunir o primeiro grupo.

O professor Teske na liderança do primeiro grupo de luteranos no Tocantins,ajudou a organizar, não só de maneira espiritual, mas, também, de maneira legal, a existência deste primeiro grupo, fundando, oficialmente, em 15 de agosto de 1993, a Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor de Palmas e, posteriormente, trabalho missionário desta Congregação no Bairro Jardim Aureny.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 136 de 188 Figura 4 – Extrato da ata de Fundação da Congregação Ev. Luterana de Palmas, aos 15 de agosto de 1993.

Fonte: livro rol de membros da Congregação Ev. Luterana Cristo Redentor de Palmas-TO

No dia 14 de maio de 1995, a Universidade Luterana do Brasil, membros da Igreja Luterana de Palmas e demais pessoas convidadas, realizaram o culto para lançamento da pedra fundamental do Instituto Luterano de Ensino Superior (ILES), atual Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA).

Neste mesmo ano, 1995, a Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor chamou o seu primeiro pastor para dedicar-se ao trabalho da igreja local, sendo o pastor Laudir França da Rosa, instalado para esta função no dia 29 de outubro de 1995.80

É importante ressaltar, que, além dos envolvidos no Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense já mencionados, participaram deste projeto, como capelães do Centro Educacional Martinho Lutero e do Instituto Luterano de Ensino Superior, o pastor Milton Mauer (a partir de março de 1995), sucedido pelo pastor Sérgio Becker da Silveira (a partir de janeiro de 1997), os quais tiveram o desafio de propagar e fortalecer os ideais da fé cristã luterana neste contexto da Educação Confessional.

Conforme registros da ULBRA, em 1996/2, o Instituto Luterano de Ensino Superior de Palmas contava com 1.076 alunos matriculados. O Centro Educacional Martinho Lutero contava com 435 alunos matriculados no 1º grau e 49 alunos matriculados no 2º grau. E, conforme ata da Assembleia Geral realizada no dia 15 de Dezembro de 1996, a Congregação Evangélica Luterana Cristo Redentor contava com um rol de 78 membros.

80 O pastor Laudir França da Rosa também assumiu aulas de Ensino Religioso no Centro Educacional Martinho Lutero durante os primeiros anos de atuação como pastor da Igreja Luterana em Palmas. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 137 de 188

Assim, entre obstáculos transpostos ou não, O Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense tevevários momentos marcantes, encerrando-se este primeiro período de sua história que foi marcado pelo trabalho do então Diretor, o pastor e professor Wolfgang Teske.

O professor Wolfgang Teske foi sucedido pelo professor Hugo Lüdke, que assumiu a Direção Geral do campus da ULBRA em Palmas em junho de 1997, inaugurando uma nova fase desta história.

Considerações Finais

No ano em que se completavam 475 anos da Reforma iniciada por Martinho Lutero na Europa (1517), a ULBRA, com os ideais da Educação Luterana, iniciou, junto com o povo que chegava a Palmas à procura de um lugar para concretizar seus sonhos, o Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense.No ano seguinte, em 1º de março de 1993, deixou registrada na história da cidade de Palmas e do Estado do Tocantins o momento onde iniciou, de fato, a sua atuação na Educação Básica e Superior.

O registro da história e memória daqueles sujeitos que protagonizaram esta história de educação e fé, se faz necessário pois, é algo “comum” à várias outras pessoas que, assim como o professor Teske, a secretária Cecília ou o professor Ambrósio, tiveram que tomar decisões em suas vidas e que fizeram de Palmas o seu lugar para viver, trabalhar e educar sua família.

Ao analisarmos os depoimentos dos sujeitos entrevistados, é importante observar que muitas vezes se tem em mente que a maioria das pessoas que vieram para Palmas durante o período de sua construçãobuscavam somente emprego, melhores salários e condições de vida. No entanto, podemos concordar com a ideia de Thompson, citada por Santhiago, aplicando-a aos aspectos subjetivos da história dos pioneiros (migrantes) de Palmas.

Paul Thompson acrescenta outro valor importante para a história oral [...] mencionando a migração,observa que existem em grande volume estatísticas sobre componentes comoorigem, gênero, trabalho e salário – mas que elas não explicam porque nem todasas pessoas migram.No fundo, o que ele quer dizer é que, embora as estruturas sociais formem umcontexto social que favoreça certa ação, elas não são o único fator determinante.As condições necessárias estão presentes para todos, mas quais são as questõessuficientes que permitem certa ocorrência? Cruzam-se aí questões pessoais, mesmode ordem psicológica, igualmente relevantes para as análises dos temas. Sãoconteúdos que, dentro do campo da História, a História Oral pode contemplar (SANTHIAGO, 2008, p. 38).

Assim, podemos afirmar que nem todos os sujeitos que marcam O Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense vieram para Palmas somente em busca de sonhos mensuráveis no aspecto econômico: está implícito o aspecto social, religioso e, podemos dizer, da participação na escrita da História desta nova polis que se edificava.

Plantar a Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense, certamente não foi fácil: exigiu responsabilidade, zelo e muito trabalho. Cabendo, aos que receberam este plantio já em andamento, zelarem e trabalharem, com responsabilidade e igual empenho, para que os ideais pronunciados na Reforma iniciada por Martinho Lutero continuem a ser cultivados e que, os benefícios possam ser colhidos por gerações e gerações.

Nas palavras de Martinho Lutero dirigidas “Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas cristãs”, resume-se bem a singularidade do Plantio da Rosa de Lutero no Cerrado Tocantinense:

Agora, o progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da construção de muros e fortificações, de casas bonitas, de muitos canhões e Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 138 de 188 fabricação de muitas armaduras. Inclusive, onde existem muitas coisas dessa espécie e aparecem alguns tolos enlouquecidos, o prejuízo é tanto pior e maior para a referida cidade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem-educados. Estes então também podem acumular, preservar e usar corretamente riquezas e todo tipo de bens (LUTERO, 1995, p. 309).

O desabrochar da Rosa continua com a formação contínua de profissionais em várias áreas de trabalho no Estado do Tocantins. A evangelização se perpetua nas igrejas e nos colégios de ordem confessional.

Referencias ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. BECK, Nestor. Igreja, Sociedade, Educação: estudos em torno de Lutero. Porto Alegre: Concórdia, 1988. DOURADO, Benvinda Barros.Educação em Porto Nacional: uma perspectiva histórica. Porto Nacional: O Paralelo 13, 2013. KUCHENBECKER, V.; SEIFERT, P. A.; THUMS, J.; BECK, N. As origens da Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Editora da ULBRA, 1994. LUTERO, Martinho. Obras selecionadas. v. 5. Porto Alegre e São Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 1995. REHFELDT, Mário L. Um grão de mostarda: a história da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Porto Alegre: Concórdia, 2003. SANTANA, J. S. dos; SANTOS, J. B.; OLIVEIRA, J.; SEREJO, F.; História da educação em instituições escolares confessionais no Tocantins (1871-2003). In: SANTOS, J. S. dos; MACÊDO. M.; MELO, O. C.; CABRERA, O. Instituições Educativas: histórias (re)construídas. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2010. Cap. 5, p. 81-100. SANTOS, Jocyléia Santana dos. Sacerdotisas do Sertão: histórias religiosas. In: Revista Mosaico. v.2, n.2, jul./dez., 2009, p. 134-140. Disponível em: http://seer.ucg.br/index.php/mosaico/article/view/971/679. (Último acesso em 27 de outubro de 2013). SANTHIAGO, Ricardo. Da fonte oral à história oral: debates sobre legitimidade. João Pessoa: Saeculum – Revista de História, 2008. SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil.3ª ed. Campinas: Autores Associados. 2011. WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. 3. ed., v. 2. Rio de Janeiro e São Paulo: JUERP/ASTE, 1981. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 139 de 188 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO ENQUANTO JORNADA DE FORMAÇÃO 81

Rosana de Oliveira Rodrigues Dantas82 Raquel Barbosa de Oliveira83 Maria Jaiane dos Santos84

Resumo Este trabalho visa é realçar a importância da valorização do estágio supervisionado na formação inicial do professor. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, e análise teórica de autores que escrevem sobre estágio supervisionado e formação docente, como: Lima e Pimenta (2009), Monteiro (2002), Franco e Gilberto (2011). Concluímos que quando se resume o estágio como mera prática instrumental está admitindo-se a dissociação entre teoria e prática e como consequência causando um empobrecimento das práticas nos espaços escolares. Em contrapartida, sublinha-se aqui que a partir da experiência da Prática de ensino o professor revelará suas opções, valores e formação política, por isso o estágio não pode ser considerado um espaço neutro. Palavras-chave: Estágio supervisionado. Formação docente.

Resumen Este trabajo tiene como objetivo es poner de relieve la importancia de valorar la formación supervisada en la formación inicial del profesorado. La metodología utilizada fue la literatura, y el análisis teórico de los escritores de entrenamiento supervisado y la formación del profesorado, como Lima y Pimienta (2009), Miller (2002), Franco y Gilberto (2011). Llegamos a la conclusión de que cuando se llega al escenario como mera práctica instrumental está asumiendo la disociación entre la teoría y la práctica y, en consecuencia, provocando un empobrecimiento de las prácticas en los espacios escolares. Por otro lado, se observa aquí que a partir de la práctica de la enseñanza experiencia Profesor revelan sus opciones, los valores y la formación política, por lo que la etapa no se puede considerar un espacio neutral. Palabras clave: formación supervisada. la formación del profesorado.

Introdução

Parte-se do pressuposto que a formação do professor é um meio de atingir a tão sonhada mudança na educação, apesar das dificuldades e dos desafios existentes entre o entrelaçamento da teórica com a prática. Logo, a formação do professor deve ser vista como um dos componentes essencial para a reconstrução das práticas pedagógicas.

81 Este texto teve como solo embrionário as discussões realizadas a partir do “Fórum de Formação em Pesquisa” da Pesquisa de Iniciação Científica: a formação didático-pedagógica nos Cursos de Letras e Ciências Biológicas da URCA, UD - Missão Velha/CE: vacina de conforto pedagógico? Coordenado pelo Prof. Ms Osmar Hélio Alves Araújo. 82 Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri-URCA – VIII Semestre. Tem experiência como professor da Educação básica. Atualmente é bolsista do Projeto de Extensão: A inserção da leitura na formação dos licenciandos/as do curso de letras e na formação contínua dos docentes da educação básica. E- mail: [email protected] 83Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri-URCA – VIII Semestre. Tem experiência como professor da Educação básica. Atualmente é bolsista do Projeto de Extensão: A inserção da leitura na formação dos licenciandos/as do curso de letras e na formação contínua dos docentes da educação básica. E- mail: [email protected] 84 Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri-URCA – VIII Semestre. Tem experiência como professor da Educação básica. Atualmente é bolsista do Projeto de Extensão: A inserção da leitura na formação dos licenciandos/as do curso de letras e na formação contínua dos docentes da educação básica. E- mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 140 de 188 Nesta perspectiva, este corpo teórico traz à baila a importância do estágio supervisionado para a formação do professor, assim como sobre a relevância da prática de pesquisa na formação docente. Entende-se que por meio do estágio irá ocorrer uma maior aproximação entre universidade e a escola, pois muitas vezes ocorre uma dicotomia entre estes dois espaços de ensino.

Metodologia

A partir de um referencial teórico constituído por Lima e Pimenta (2009), Monteiro (2002), Franco e Gilberto (2011) esboçamos algumas reflexões que convergem para o entendimento do estágio supervisionado como arena de formação.

Entrelaçando as ideias, materializando a discussão

Nosso ponto de partida é a compreensão que se faz necessário resgatar à importância da valorização do estágio supervisionado na formação inicial do professor, pois, de fato, sabemos que ainda são poucos os espaços formativos que conseguem articular bem suas atividades e procurar entrelaçar, de modo producente, teoria e prática na formação docente. Entretanto, Lima e Pimenta (2009) esclarecem que os estágios supervisionados podem funcionar como arenas de formação, como atividades articuladoras de pesquisas coadunadas às problemáticas especificas da profissão docente, o que exige que todas as disciplinas sejam agrupadas a partir de um projeto político para a formação dos professores. Outra reflexão procedente é a de Monteiro (2002, p. 141). A referida autora assinala que:

A prática de ensino pode se constituir num momento marcante da vida profissional, onde as primeiras experiências de ensino são realizadas com apoio de professores e colegas, que auxiliam a superação de barreiras e medos suscitados por uma atividade que tem no relacionamento humano, com todos os seus imponderáveis, o principal eixo de atuação.

Entretanto, traz-se à baila aqui que são inúmeras as fragilidades que perpassam a formação inicial do professor, haja vista que este processo é marcado, principalmente, pelo entrelaçamento fraquejante da teoria e da prática, o que ocasiona a mesmice no tocante às metodologias na hora da vivência do estágio supervisionado. Nesta perspectiva, entende-se que a má formação ou o baixo desenvolvimento de conhecimentos dentro da formação inicial do professor é bastante preocupante, todavia, é perceptível a reprodução da mesma metodologia do professor formador pelo professor iniciante, ou seja, o professor não é formado de modo crítico-reflexivo e construtivo. Assim, desemboca em um eterno repetir estratégias elaboradas por outros. Entre os inúmeros fatores que prejudicam a formação inicial do professor, podemos sublinhar a realidade de muitos espaços formativos, nos quais não há uma aproximação entre os professores em formação85 e os professores formadores86 para juntos compartilharem e debaterem a respeito da prática docente que está sendo desenvolvida na arena acadêmica.

Na direção do exposto, é oportuno trazer Franco e Gilberto (2011) para o debate ao assinalarem que por meio do estágio o professor em formação poderá se envolver no processo educativo e nas atividades da escola, o que desembocará em uma formação docente mais significativa e contribuirá para a construção da identidade profissional dos docentes. Por essa razão, vale ressaltar que a partir do momento que os professores são inseridos no contexto escolar, acompanhando a rotina pedagógica da instituição escolar, uma formação docente mais significativa e robusta se sedimentará e contribuirá para a construção da identidade dos professores. Assim, faz- se necessário, como diz Lima e Pimenta (2009), uma formação docente centrada no fazer pedagógico. No entanto, cabe aqui a advertência de Monteiro (2002, p. 142), “[...] é preciso que a

85 Optou-se pelo termo professor em formação para fazer referência aos discentes (licenciandos) dos Cursos de licenciaturas. 86 Optou-se pelo termo professor formador para fazer referência aos professores que atuam nos Cursos de licenciaturas. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 141 de 188 Prática de Ensino se desenvolva em novos moldes. Não vamos mais propor a reprodução de modelos de aulas e, sim, a vivência de experiências significativas”.

Neste sentido, advoga-se aqui uma formação docente que instigue os professores a mirarem as práticas pedagógicas, ou seja, a arena escolar, a partir de um olhar critico-reflexivo e que busquem, por consequência, construírem saberes, pois, como enfatiza Franco e Gilberto (2011, p. 217), “[...] se quisermos ter bons professores, teremos que forma-los como sujeitos capazes de produzir ações e saberes, consciente de seu compromisso social e político”. Logo, será possível suplantar o quadro constituído por professores acomodados e satisfeitos com uma formação que pouco, ou quase nada, fomenta a pesquisa e a construção crítica do conhecimento a partir das práticas pedagógicas empreendidas. No entanto, convém salientar que as práticas só se tornam instrumentos de formação quando, iluminados pela teoria, se transformam em objeto de pesquisas dos que exercitam (FRANCO; GILBERTO, 2011).

Em linhas gerais, realça-se aqui a importância do estágio supervisionado para a formação do professor. O qual poderá ser vivenciado por meio de projetos que permitam o professor em formação intervir na arena escolar, ou seja, vivenciar a prática da pesquisa à medida que se insere no contexto escolar. Como explica Lima e Pimenta (2009, p. 2019):

[...] a realização de estágios sob a forma de projetos de pesquisa, de interação e de intervenção mostra-se como um caminho teórico-metodológico que melhor possibilita a concretização dos fundamentos e objetivos do curso: proceder à mediação entre o processo formativo e a realidade no campo social.

Por fim, conclui-se que quando se resume o estágio como mera prática instrumental está admitindo-se a dissociação entre teoria e prática e como consequência causando um empobrecimento das práticas nos espaços escolares. Ao afirmarmos, que a profissão de professor é antes de tudo uma prática social, estamos levando em conta que nós professores somos formadores de pessoas e, por isso esse termo prática social, pois mais no futuro esses alunos que passaram por nós voltarão para a sociedade e daí a importância de termos práticas engajadas com a realidade social e que tente transformar o que não está nos agradando. Por isso, também a prática do professor é também política.

Em jeito de conclusão

Conclui-se assinalando que o estágio supervisionado é um importante momento da formação docente, pois é lá que o processo didático se constituirá como espaço de ensino e aprendizagem. Na experiência da Prática de ensino o professor revelará suas opções, valores e formação política, por isso o estágio não pode ser considerado um espaço neutro. Por todo o exposto, entende-se que o estágio supervisionado é de fundamental importância, entretanto, se faz necessário professores orientadores que tenham o compromisso com uma educação de qualidade, com uma formação docente coerente e transformadoras das estruturas caducas que ainda permeiam os processos de ensino e aprendizagem. Enfim, diante de tudo isso o estágio surge como instrumento que possibilita a construção de saberes.

Referências FRANCO, Maria Amélia Santoro; GILBERTO, Irene Jeanete Lemos. A prática docente e a construção dos saberes pedagógicos. Revista Teias v. 12 • n. 25 • 212-224 • maio/ago. 2011 – Ética, Saberes & Escola. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24177/17155. Acesso em: 18 ago. 2016. MONTEIRO, Ana Maria. A prática de ensino e a produção de saberes na escola. In: CANDAU, Vera Maria (org.) Didática, currículo e saberes escolares. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 129-148. PIMENTA, Selma G.; LIMA, Maria Socorro L. Estágio e Docência. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2009. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017

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INTRODUÇÃO A TRAGÉDIA GREGA: MEDEIA DE EURÍPIDES

Sabrina de Azevedo Soares87

Resumo Este artigo desenvolveu-se a partir do projeto obrigatório da disciplina Pesquisa e Prática de Ensino. O tema surgiu a partir da leitura da peça Medeia de Eurípides e de estudo anterior relacionado à tragédia grega nas aulas de Literatura e Cultura Grega. Palavras-chave: Tragédia; literatura grega; papel da mulher.

Abstract This article has developed from the subject “Pesquisa e Prática de Ensino”. The theme arose from reading the play Medeia by Euripides and previous study related to Greek tragedy. Keywords: Tragedy; Greek literature; Role of women.

Introdução

O presente artigo desenvolveu-se a partir do projeto obrigatório da disciplina Pesquisa e Prática de Ensino. O tema surgiu a partir da leitura da peça Medeia de Eurípides e de estudo anterior relacionado à tragédia grega nas aulas de Literatura e Cultura Grega.

Conforme a leitura sobre o Gênero Trágico foi avançando, percebemos a importância dessas obras e como tais textos abarcam temas que envolvem o homem, a sociedade, a política, a cultura, a história e outros tantos temas contemporâneos. Ao percebermos, que são temas tão discutidos ainda hoje e que, provavelmente, os pesquisadores contemporâneos beberam dessas fontes para responder questões tão pertinentes a nossa sociedade, nos interessamos em apresentar uma pesquisa que expusesse esse conteúdo e gerasse um debate.

Sabendo que não seria possível debater sobre todos os temas dos quais se ocupam a tragédia grega, escolhemos Eurípides e sua Medeia. Eurípides era o tragediógrafo das paixões e isso remete ao que é humano. Seus temas certamente seriam os mais próximos de nós e os mais sucessíveis a debate.

As origens do gênero trágico

A tragédia grega nasceu do culto ao deus Dioniso. Segundo Romilly (1997), as tragédias só eram encenadas nas festas deste deus. O grande evento no período clássico era a festa das dionísias urbanas, que se celebrava na primavera; mas havia também concurso de tragédia na festa das leneanas, que ocorria no final de dezembro.

O nome “tragédia”, provavelmente, derivou-se de tragoidia, uma palavra formada por duas outras: tragoi (bodes) e oide (canto). Podendo significar “canção dos bodes”. Entretanto, alguns teóricos preferem interpretar de outro modo: eles acreditam que o bode era o prêmio dado ao melhor participante ou era oferecido em sacrifício.

87 Licencianda em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É bolsista de Iniciação à docência no subprojeto de Língua Portuguesa da mesma Universidade. Atualmente é monitora de Língua Inglesa na rede particular de ensino. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 143 de 188 Para Jones (1997), dada à origem dionisíaca da tragédia, pode parecer estranho que tão poucas peças tenham sido sobre Dioníso. Em sua maioria, com exceção de Os Persas- a mais antiga tragédia de Ésquilo e que tem como tema um acontecimento histórico- as tragédias têm como tema mitos.

Ao se basear nos mitos, o autor se eximia da criação de novas tramas, pois ele tinha de escrever três tragédias e um drama satírico por ano. Saber o final da história não afastava o público, pelo contrário, o atraia, pois todos desejavam saber o tratamento dado ao mito, porque para um grego antigo, o mito era sua história.

Quanto à sua forma, a tragédia era composta de : prólogo ( apresentação da peça, é nele que tomamos conhecimento de qual mito será tratado); párodo (primeira aparição do coro); episódio ( de três a cinco intercalados com os estásimos); estásimos (cantos corais entre as cenas) e o êxodo ( saída dos atores e do coro).

Quanto à sua estrutura, o teatro grego era composto de uma grande área circular, a orkhestra- local onde o coro se movia dançando e cantando. Um longo edifício que fazia as vezes de palácio, choupana ou até camarim, a skené. E entradas dos lados chamadas de párodos.

A primeira definição objetiva de tragédia foi dada por Aristóteles. Segundo o filósofo: “ A tragédia é a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão, num estilo ornamentado, (…) ação apresentada que suscitando a compaixão e o temor, tem por efeito a purificação dessas emoções.”Aristóteles valorizava a parte referente à organização dos fatos, pois a tragédia não é imitação de pessoas, mas de ações. A boa sorte ou o infortúnio humano depende de suas ações. Para ele, o homem possui certas qualidades pelo caráter, mas são bem ou mal-aventurados pelas ações que praticam.

Desse modo, concluímos que as tragédias não eram apenas elemento de distração. Elas eram um elemento pedagógico utilizado para formar cidadãos aptos a trabalharem na pólis, pois a catarse fazia com que o público utilizasse a razão ao invés das emoções provocadas no juízo.

Eurípides: o “pai” de Medeia

Não existem muitos dados biográficos sobre Eurípides, algumas coisas advêm das peças de Aristófanes. Não é possível afirmar se ele se dedicou a pintura. Eurípides nasceu em 480 a.C. na ilha de Salamina e morreu em 406 a.C. na Macedônia, para onde se mudou em 408 a.C., a convite do rei Arquelau. Mnesarco, seu pai, era proprietário de terras.

Sua estreia num concurso trágico ocorreu em 455 a.C. Ele não foi devidamente reconhecido no seu tempo e só participava dos festivais porque havia uma classe de leitores que o admiravam e o indicavam para os festivais. Era um autor muito realista e se colocava contra a guerra do Peloponeso. Ele não obteve muitas vitórias nos concursos, apenas quatro primeiros prêmios. São atribuídas a ele muitas peças, mas apenas 18 chegaram até nós, das quais 15 são datadas com precisão: Alceste (438 a.C.), Medeia (431 a.C.), Heráclidas (430 a.C.), Hipólito (428 a.C.), Andrômaca (425 a.C.), Hécuba (424 a.C), Suplicantes (423 a.C.), Electra (420 a.C.), Troianas (415 a.C.), Íon (413 a.C.), Helena (412 a.C.), Fenícias (410 a.C.), Orestes (408 a.C.), Bacantes e Ifigênia em Áulis (405 a.C.). Destas peças apenas Hipólito alcançou o 1º lugar e a peça que iremos analisar neste projeto, Medeia, ficou em último lugar. Ao contrário do que aconteceu com Ésquilo e Sófocles, Eurípides não se envolveu com a política de Atenas. Segundo Romilly(1998:101)

Sua carreira literária provocou grande impacto, como atestam as constantes referências de Aristófanes; mas ele jamais alcançou aprovação indiscutível [...] Por fim, ele nunca participou da vida política, chegando mesmo, no fim da sua vida, a romper com Atenas, indo viver na distante corte do rei da Macedônia, onde morreu, em 406 a.C.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 144 de 188 O mito de Medeia

Para entendermos melhor o mito, é necessário remontar um outro mito: o velocino de ouro e os Argonautas. Brandão (1987:.175-91) conta a seguinte versão do mito: em Iolco, na Tessália, reinava Esão, o qual foi destronado pelo irmão Pélias. Mais tarde, Jasão, filho de Esão, reivindicou o trono que tinha direito por herança. No entanto, Pélias pra livrar-se do sobrinho, impôs como condição que este conquistasse o velocino de ouro consagrado ao deus Ares em um bosque da Cólquida. Buscando pelo velocino, Jasão chefiou uma grande expedição no navio Argos.

Após longas aventuras, os argonautas chegaram à Cólquida, onde foram recebidos pelo soberano local, Eetes. Ao tomar conhecimento dos objetivos da expedição, o rei fingiu aceitar o pedido, desde que Jasão cumprisse quatro provas impossíveis para um simples mortal. As provas eram: subjugar dois touros de pés e chifres de bronze, lavrar com eles uma grande área e semear os dentes de um dragão, matar os gigantes que nasceriam desses dentes, e eliminar o dragão que guardava o velocino de ouro nos jardins de Ares.

Dispostos a retornar a Iolco, porque era impossível vencer sozinho as provas, Jasão foi socorrido por Medeia. Apaixonada pelo herói, Medeia, que era filha do rei Eestes, relatou ao tessálio que seu pai pretendia mata-lo e o ajudou com seus dons de magia a cumprir as tarefas. Com posse do velocino, Jasão e Medeia fugiram. Aí se inicia uma trajetória de amor, ódio, vingança e morte.

Devemos notar que quando trabalhamos com mitos, uma das maiores dificuldades são suas origens. Muitos mitos, como o de Medeia, encontram-se fundidos, passaram por um processo de interpretação, o que na maioria das vezes, faz com que sua forma só seja reconhecida quando fazemos uma comparação com outros.

A Medeia de Eurípides

O poeta Eurípides, nascido por volta de 485 a.C, não criou a Medeia, pelo contrário, ele se inspirou num ciclo muito antigo de mitos, dos quais- como vimos- apenas fragmentos foram conservados. Como podemos perceber, a Medeia das tradições helênicas era muito mais importante e poderosa do que a euripidiana. O nome Medeia (em grego Mideia) significa “a do bom conselho”, se relaciona linguisticamente com o nome da deusa da sabedoria Métis, e em todas as versões ela é apresentada como conhecedora da arte de curar e dotada de inteligência superior.

De acordo com Rinne (1988:11) “ provável que originalmente, Medeia fosse uma deusa pré-helênica da arte de curar e da sabedoria e que com o tempo, tivesse sido minimizada, obscurecida e personificada até mergulhar no mundo das lendas.”

Resumo da peça

A peça Medeia foi apresentada pela primeira vez no concurso dramático de 431 a.C., conseguindo apenas o terceiro lugar. A ação se passa na cidade de Corinto, onde Jasão e Medéia vivem exilados com seus filhos e tem a duração de apenas um dia.

Medeia descobre que Jasão vai se casar com a filha do rei Creonte e é ameaçada de expulsão da cidade. Então, ela resolve se vingar matando a noiva, e por último seus filhos. Seu único empecilho é a ausência de um lugar para se exilar.

No entanto, essa dificuldade é superada quando o rei de Atenas, Egeu, chega à Corinto para solicitar sua ajuda. Numa troca de favores, Medeia consegue arrumar um abrigo. Ela consegue que seus filhos levem presentes para a princesa, os quais estavam envenenados. A noiva morre e o rei vendo sua filha agonizar tenta socorrê-la e também morre. Jasão corre para casa tentando capturar Medeia, mas ao chegar lá encontra seus filhos mortos e a esposa fugindo no carro do deus Sol, que era seu avô. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 145 de 188

Para Eurípides, Medeia já não era uma deusa. Ele a trata como uma mortal que, embora sábia, larga tudo que tinha para fugir com Jasão. O poeta a pinta como infanticida, pois faz parte do objetivo da tragédia provocar nos espectadores uma catarse.

Eurípides é tido como o primeiro autor que defendeu os direitos das minorias. Tomando como exemplo Medeia, percebemos que ele apresentou de forma modelar, a situação das mulheres de sua época, as quais diferiam em poucos aspectos das escravas.

No início da peça, o poeta desperta compaixão e simpatia por Medeia, que surge como vítima do egoísmo masculino. Rinne (1988:13):

A figura ambivalente de Medeia é o símbolo de um período de transição do matriarcado para o patriarcado. Da sua passagem, ou, mais exatamente, de seu rebaixamento de deusa da cura e da sabedoria para feiticeira poderosa, inteligente, e, por fim, esposa ciumenta e infanticida, pode-se deduzir como a feminilidade e, acima de tudo, a feminilidade dotada de poder foi desvalorizada e vista como demoníaca na mesma proporção do crescimento do poder patriarcal.

A tragédia de Eurípides é uma elaboração literária dos mitos sobre Medeia. Ele os transportou para sua época, os adaptando aos conceitos que desejava transmitir ao público.

Papel da mulher

A mulher não possuía direito à cidadania e não tinha nenhuma influência política. Faltava para ela as condições fundamentais para que aproveitasse a liberdade que estava à sua disposição; faltava, sobretudo, confiança em si mesma e valor.

Crescer como mulher numa sociedade patriarcal significava- e infelizmente significa- estar exposta a constantes ofensas à própria dignidade.

A ciumenta Medeia

Medeia mostra o que o ciúmes pode provocar. Como diz Rinne (1988:17):

Uma mulher que vê, no seu relacionamento amoroso com o homem, um sentido exclusivo e um conteúdo da sua vida, acaba de mãos vazias quando o seu homem se devota a uma outra ou ela acredita não estar mais correspondendo aos ideais masculinos relativos à beleza e à atração sexual.

Na sociedade patriarcal, o adultério do homem não valia como motivo para divórcio. Por outro lado, o da mulher obrigava o homem a repudiá-la, caso contrário, ele perdia os direitos como cidadão. Quando desejava se divorciar, ao homem bastava dizer “eu te repudio” na presença de testemunhas, ao passo que para a mulher, o divórcio era algo difícil que trazia má fama.

Supõem-se que Medeia conhecia seus direitos. Não estava disposta a se submeter aos poderosos. Tomada pela fúria, tramou um golpe monstruoso cujos efeitos ressoam até hoje. Atualmente, admite-se que ela foi motivada pelo ciúme.

Após matar a filha de Creonte, Medeia estava num impasse. O que aconteceria com seus filhos? Ela preferiu matá-los com as próprias mãos para que outra pessoa não o fizesse.

Desde a Antiguidade, as mulheres são tidas como ciumentas. Sobre a sua Bornemann diz “em todas as sociedades apenas depois que duas linhas bem determinadas de desenvolvimento formam um nó: a ascendência através da sua sua sucessão masculina e dos bens hereditários particulares.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 146 de 188 Freud diz “o ciúme faz parte dos estados sentimentais que, do mesmo modo que a tristeza, podem ser considerados normais. Quando ele parece não existir no caráter ou no comportamento de um ser humano, justifica-se a suposição de que ele tenha sido violentamente reprimido e, por isso, desempenha papel ainda maior na vida psíquica insconciente.”

Medeia e Jasão

A tragédia Medeia deu a Eurípides o terceiro lugar no concurso dramático de 431 a.C, ano em que foi apresentada pela primeira vez. A peça narra a estória de uma mulher que depois de haver traído seu pai, abandonado sua pátria, cometido crimes, como assassinar o próprio irmão, em nome de um amor, vê-se abandonada, traída e trocada por outra pelo seu marido Jasão, decide então vingar-se de forma monstruosa - matando a mulher com que seu marido casaria e também seus próprios filhos. No prólogo a ama anuncia o que está para acontecer e como Medeia se sente:

NUTRIZ [...] Se há concordância entre o casal, a paz no lar é plena. O amor adoece agora, instaure-se o conflito, pois Jasão Deitou-se com a filha de Creonte. Rebaixa a própria esposa e os descendentes. Medéia amealha a messe da miséria, Soergue a destra, explode em jura, evoca O testemunho dos divinos: eis A paga de Jasão com que lucra! Se corpo carpe, inane ela se prostra, Delonga o pranto grave assim que sabe o quanto fora injustiçada[...] Versos 15-26

[...] Tremo só de imaginar que trame novidades. Sua psique circunspecta suporta mal a dor. Conheço-a de longa data e não descarto a hipótese de que apunhale o fígado depois que entrou sem voz rumo ao leito...ou será que mata o rei e o marido, agravando o quadro mais? Ela é terribilíssima[...] Versos 36-44

Medeia era uma mulher forte, determinada e muito famosa em Corinto por seu conhecimento em fármacos, era uma conhecida e poderosa feiticeira. Depois de o plano arquitetado, havia um único obstáculo, ela sabia que depois de cometer tais crimes precisaria de um lugar para exilar-se. Esta questão foi resolvida com a chegada do Rei de Atenas - rei Egeu- que viera a Corinto obter ajuda de sua amiga feiticeira. E prometendo ajudá-lo Medeia garante assim o juramento de seu amigo, este promete oferece - lá abrigo. Agora, nada mais a impede de pôr em prática seu plano. Ela consegue com que Jasão permita a entrada de seus filhos no palácio, sob o pretexto de numa tentativa de deixar as crianças bem aos olhos da princesa, com quem Jasão casaria, entregar alguns presentes. E estes presentes, na verdade, estavam envenenados, ao usar os presentes que tratavam se de um diadema e um véu, a princesa morre e ao tentar socorrê-la, morre também seu pai o Rei Creonte. Jasão procura Medeia para castigá-la e depara-se com os cadáveres de seus filhos e a feiticeira fugindo no carro de seu avô. O rei Sol, pelos ares.

Mas, o que levaria uma mãe a assassinar os próprios filhos? Quais seriam as razões de Medeia? Ela era a personificação da paixão, tão presente nas obras de Eurípides, que foi ousado ao representar o homem preso à suas paixões e aos efeitos disso. Heróis que obedecem às suas paixões, dominados por ela, outros dominados por seus interesses, medíocres, egoístas. É um teatro em que o amor é representado pela primeira vez. Muitos eram os motivos que Medeia tinha para vingar-se de Jasão, era uma mulher movida não só pela paixão, pelos ciúmes, mas também pela Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 147 de 188 honra, pelo arrependimento de ter abandonado a pátria. Para um grego não ter pátria era um dos piores castigos que poderia acometê-los. Medéia se viu sem pátria, sem honra e com risco de ser expulsa de Corinto sozinha com os filhos, sem ter para onde ir, sem terra, sem destino.

NUTRIZ [...] em lamúrias pelo pai, pelo país natal, que atraiçoou por quem sem honra a tem agora. Aprende o quanto custa renegar o sítio natal[...] Versos 31-34

Essa questão da perda da pátria atinge o âmago de Medeia, e em vários trechos da tragédia ela deixa esse problema claro para o expectador, essa foi para ela uma escolha infeliz. A honra também é para ela uma questão importante, preciosa. Então, ao se ver desonrada pela traição e abandono, sem pátria, ela sofre e não vê outra maneira melhor de se vingar que não fazer sofrer porque se sofre.

Medeia é uma mulher de personalidade forte, determinada, apaixonada, tem bons argumentos, sábia (Sophía). Jasão ao contrário, é fraco, sem paixão, interesseiro, egoísta, cínico. Mas ele é apresentado dessa forma sem razão, seu caráter é determinante para a tragédia, provavelmente para justificar as atrocidades cometidas por Medeia, também tornar aceitável o castigo ao qual Jasão será submetido e culpá-lo de alguma forma.

Jasão além de infiel apresenta-se como ingrato e é essa ingratidão de Jasão que desequilibra Medeia e provoca nela um sentimento de desonra. Tudo o que Jasão tem, inclusive a vida, ele deve a Medeia e ele tenta justificar afirmando que também é responsável pelo que a ex-esposa é, dizendo que proporcionou a ela uma condição de vida superior a que tinha em sua terra natal, graças ao sua sabedoria, a seu reconhecimento Corinto, ou seja, graças a seus dotes naturais e o desequilíbrio esta justamente aí, já que Medeia foi responsável pelo sucesso do ex-marido na expedição dos argonautas, e este se dependesse de seus dotes naturais estaria morto.

MEDEIA [...] Que rumo hei de tomar? O da morada paterna que traí, tal qual a pátria? E as míseras pelíades me abririam a porta, a mim, algoz cruel do pai? Não ignoro que em casa me detesta quem mais amo. Só tem por mim rancor quem, para te agradar, prejudiquei. Ganhei o quê? A boa aventurança, Na opinião corrente ente as helênicas. Infeliz, que marido fiel, notável, A mim foi dado ter, se me exilarem só, com os filhos sós, vazia de amigos... que glória para os neocasados: filhos à míngua...e eu que te salvei. Versos 502-515

JASÃO [...]Se o barco não naufragou, foi por querer de Cípres. Chega de autolouvor! Foi Afrodite! És sutil, mas te irrita o fato de Eros, Por meio de sues dardos indesviáveis, Ter te forçado a me salvar a pele. Evitarei minúcias de somenos; Não desmereço teu pequeno auxílio, Mas não comparo o que me deste o que eu, Salvando-me, te propiciei. Me explico: Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 148 de 188 Teu logadouro é grego, não é bárbaro, Gregos unânimes, aclamam: "Sapientíssima!". Celebridade, alguém recordaria Teu nome em tua terra tão longíqua? Versos 527- 541

Medeia não era uma mulher comum, era neta do deus sol e já tinha sua fama reconhecida por Jasão e pela comunidade, aí residia a fama e honra, tão importantes para ela. Então perder a fama e a honra tornaria a heroína motivo de riso e isso Medeia não suportaria, teria assim de se vingar. No momento em que Jasão a abandona tão covardemente, sua honra é atingida. A protagonista é totalmente movida pelas paixões (PATHÓS), as paixões românticas, sexuais, mas também o pathos, sofrimento, dor, tristeza e embora seja uma mulher racional, consciente, ela sabe que o crime que esta prestes a cometer será terrível e causará sofrimento a ela, no entanto, segue motivada psiquicamente, em um âmbito não racional, a pulsão é furiosa. Romilly diz que "uma das maiores descobertas de Eurípides foi reconhecer que o campo do sentimento é o campo do irracional" (1998 [1970]. p. 115). E Medeia embora firme em seu propósito até o fim, hesita em um único momento, ao olhar seus filhos, chega a imaginar que não será capaz. Mas ao lembrar-se do deboche, do abandono daquele a quem amava, um homem infiel, egoísta, cínico e interesseiro, ela executa seu plano. Jasão passa a não ter nada, não tem descendente e não mais tem a possibilidade de uma descendência futura, visto que sua noiva foi morta. Ele fica sozinho e Medeia parte para viver com o Rei Egeu em Atenas.

Referências bibliográficas ARISTÓTELES, Poética. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. EURÍPIDES. Medéia. Tradução Bilíngue de Trajano Vieira. 1ª Ed. São Paulo: Editora 34, 2010. RINNE, Olga .Medeia: o direito à ira e ao ciúme. 1998 ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia Grega. Tradução de Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998 Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017

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A ONOMÁSTICA EM ROMANCES MACHADIANOS

Sabrina de Azevedo Soares88

Resumo No presente artigo é abordado brevemente o jogo onomástico que se faz presente nas obras de Machado de Assis. Com reflexões a respeito da importância do nome e da definição de ciência onomástica, analisamos os nomes dados a alguns personagens criados pelo escritor: Félix (Ressurreição), Cristiano Palha e Sofia (Quincas Borba), Bento Santiago (Dom Casmurro) e os gêmeos Pedro e Paulo (Esaú e Jacó). Palavras-chave: Machado de Assis; romance; onomástica

Abstract In this article is broached the onomastic in Machado de Assis’ books. With reflections about the importance of the names and definition of onomastic science. We analyzed the names given to some character created by Machado: Félix, Cristiano and Sofia Palha, Bento Santiago and the twins Pedro and Paulo. Keywords: Machado de Assis; novel; onomastic

Da importância do nome

Qual a importância real de um nome? Os seres humanos utilizam palavras para designar e distinguir objetos, animais, plantas e pessoas. Todas as coisas, na linguagem humana, possuem um nome e, o que não possui, é imediatamente batizado, sejam elementos químicos ou novas espécimes de plantas, animais, micro-organismos.

Acaso se não possuíssemos nomes seríamos iguais uns aos outros? Deixaríamos de reconhecer, por exemplo, uma macieira por não haver um substantivo que a identifique? As características físicas superpõem-se a nomenclaturas? Ou seriam os nomes algo totalmente arbitrário, atribuídos por simples convenção?

“É apenas teu nome que é meu inimigo; tu és tu mesmo, e não um Montecchio. E que é um Montecchio? Não é mão, nem pé, nem braço, nem rosto, nem qualquer outra parte que pertença a um homem. Oh! Sê qualquer outro nome! O que é que existe num nome? Aquilo a que nós chamamos rosa teria o mesmo perfume embora lhe déssemos outro nome! Assim, Romeu, ainda que não se chamasse Romeu, conservaria a mesma perfeição que agora possui. Romeu, renuncia ao teu nome, e em vez dele, que não faz parte de ti mesmo, apodera-te de mim!” (SHAKESPEARE, William. 1988, p. 29)

Para os amantes desafortunados de Shakespeare, o nome é a maldição que os separa e os impede de viver o amor. Mas a importância da nomenclatura transcende o drama inglês e remonta aos filósofos clássicos gregos. Sócrates defende:

“O princípio de que os nomes devem assemelhar-se quanto possível à coisa representada; porém receio muito que (...) seja bastante precária a tal força de atração da semelhança e que nos vejamos forçados a recorrer a esse expediente banal, a convenção, para a correta imposição dos nomes. (...) Quem descobre o nome descobre também a coisa por ele designada?” (PLATÃO, 2001, p. 218-219)

88 Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Fluminense e bolsista de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 150 de 188 Nomes possuem significados e carregam histórias. Nem sempre os pais dão nomes a seus filhos baseando-se no sentido que carregam, mas o escritor habilidoso tem os nomes em suas mãos e os utiliza para dar ao leitor conhecedor da onomástica, ou de um contexto específico, uma nova dimensão da estória. Assim, na Literatura Machadiana, a pergunta de Sócrates é respondida com um sim. Quem descobre o nome também descobre a coisa por designada, ou, ao menos, parte de sua estória.

A ciência onomástica

A onomástica (do grego antigo ὀνομαστική, ato de nomear, dar nome) é a ciência que se dedica ao estudo dos nomes próprios de todos os gêneros, das suas origens e dos processos de denominação no âmbito de uma ou mais línguas ou dialetos. Trabalhando em linha documental, utiliza-se de dados oficiais (como documentos) e lexicográficos, pesquisando não somente a história da nomenclatura como sua relação com movimentos e contextos histórico e sociais.

Surgindo no século XIX, a onomástica é um ramo da linguística que está mais ligado à História. Essa ciência está dividida em: toponímia ( τόπος , “lugar”, e ὄνομα ,” nome”, literalmente nome de lugar) e antroponímia ( άνθρωπος, "homem" e ὀνομα, "nome").

O presente trabalho focará na antroponímia presente nos nomes machadianos, buscando esclarecer suas motivações.

Machado de Assis tem presente em seus textos características irônicas e bem humoradas num estilo próprio. Os nomes com os quais batiza suas personagens não são, portanto, aleatórios. Antes, dizem respeito a características pessoais ou ao destino que o escritor lhes reservou.

Nas obras machadianas, o nome não tem a simples função de designar, diferenciar, identificar ou “catalogar”. Indo mais além e escrevendo quase de forma subliminar, Machado, através dos nomes escolhidos, revela-nos pedaços escondidos das suas personagens e pequenos vislumbres de suas vidas como se houvesse um texto escondido dentro de texto.

O Shakeaspeare do Cosme Velho

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908. Foi jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo.

Aclamado por seus romances complexos e que podem ser lidos em vários níveis, Machado de Assis, por desnudar a alma humana e focar em sua parte vil, é por muitos chamados de Shakespeare brasileiro.

O escritor “investigando os motivos da conduta humana, somente vê nela o egoísmo, a mentira, o interesse, a luxúria, a falsidade. Por trás dos atos aparentemente bons e honestos surgem as segundas intenções, as hipocrisias, o orgulho, a vaidade.”

Sua escrita contém, muitas vezes, um certo diálogo com o leitor. Machado de Assis costuma assumir a postura de escritor/narrador. Um exemplo é o capítulo CLVIII de Memórias Póstumas, em que o narrador assume o leitor como um crítico e se dirige a ele:

Meu caro crítico, algumas páginas atrás, dizendo eu que tinha cinquenta anos, acrescentei: Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias. Talvez aches esta frase incompreensível, sabendo-se o meu estado atual; mas eu chamo a tua atenção para a sutileza daquele pensamento. O que eu quero dizer não é que esteja agora mais velho do que quando comecei o livro. A morte não envelhece. Quero dizer, sim, que em cada fase da narração da minha vida experimento a sensação correspondente. Valha-me Deus! É preciso explicar tudo.

Em Quincas Borba, no capítulo IV, ele quebra a objetividade do narrador em 3ª pessoa: Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 151 de 188

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado e inventor de uma filosofia.

Da análise do nome nas obras

Ressurreição

Primeiro romance publicado em 1872 conta a estória de um solteirão que não acredita mais no amor e vê uma possibilidade de ressurreição para seu coração quando se apaixona por uma viúva. Contrariando as obras românticas, o desfecho do livro não resulta em felicidade. 1.1- Félix

Personagem principal de Ressurreição, primeiro romance machadiano. Uma de suas principais características é a insegurança, o que contraria o significado do seu nome. O nome félix tem origem latina e significa “aquele que se considera feliz ou afortunado”, a personagem mostra-se o oposto – é caracterizado como inseguro, triste e frio. Teria Machado consciência desse joguete? A perspicácia machadiana ultrapassa qualquer sentido que queiramos dar.

Podemos notar traços dessa contradição no nome de Félix nos seguintesfragmento:

“Duas faces tinha o seu espírito, e conquanto formassem um só rosto, eram todavia diversas entre si, uma natural e espontânea outra calculada e sistemática. Ambas porém se mesclavam de modo que era difícil discriminá-las e defini-las. Naquele homem feito de sinceridade e afetação tudo se confundia e baralhava.” (Capítulo I)

Quincas Borba

No ano de 1891, Machado publica em forma de folhetim o romance Quincas Borba. A obra Quincas Borba gira em torno da vida de Rubião, amigo e enfermeiro particular do rico filósofo Quincas Borba que vivia em Barbacena e, ao morrer, deixa uma herança ao amigo Rubião. Enganado por Cristiano e Sofia Palha, Rubião é levado à loucura deixando seus bens para o dissimulado casal. Louco e explorado até ficar na miséria, o destino trágico de Rubião exemplifica a tese do Humanitismo.

Sofia

O nome Sofia tem origem no grego sophia que significa sabedoria, ciência. Tanto Rubião quanto Quincas morreram por sofia: Rubião por filo a Sofia (amor à Sofia) e Quincas pela filosofia (amor à sabedoria). O perfil de Sofia se define assim: vaidosa, orgulhosa, dominadora, fria, cautelosa, ambiciosa, sedutora, caráter ambivalente, frívola, sensual, dissimulada. Sofia é o símbolo da personagem feminina em Machado de Assis. Não desejava ser possuída, queria ser desejada. Seduzia, através de suas técnicas, as vitimas que o casal escolhia sem jamais chegar ao adultério. Como no capitulo CIII, no qual Rubião diz:

“- Não é segredo para a senhora que lhe quero bem. A senhora sabe disso, e não me despende, nem me aceita, anima-me com seus bonitos modos. A senhora é má, tem gênio de cobra; que mal lhe fiz eu? Vá que não goste de mim; mas, desenganar-me logo...”.

Nos romances de Machado de Assis há um destaque para as figuras femininas. Porém, a mulher é muitas vezes retratada com traços de mau caráter, embora em alguns casos ele a privilegie como ser dotado de inteligência e cultura. Exemplo de Virgília e Sofia, mulheres ambiciosas e interesseiras, capazes de cometer adultério para satisfazer seus anseios pessoais.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 152 de 188 Palha

Em Quincas Borba, Cristiano Palha, marido de Sofia, tem seu nome relacionado ao Cristianismo significando literalmente o “ungido”, porém ao longo da narrativa mostra-se o oposto, já que não apresenta nenhum traço cristão ao se aproveitar da ingenuidade de Rubião. Seu sobrenome Palha, também demonstra um pouco de sua característica, ele mostra-se um homem sem identidade, facilmente manipulável pela mulher, que “voa para todo canto”. Esse seu traço ambicioso e hábil pode ser notado no seguinte fragmento:

“Prata, ouro eram metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que aqui está na sala, um Mefistófeles e um Fausto.” (Capítulo III)

Dom Casmurro

Publicado em 1899, Dom Casmurro é sem dúvida um dos mais famosos, polêmicos e revirados romances do autor. Bento Santiago, personagem principal e narrador, pretende “atar as duas pontas da vida” contando suas memórias da infância, sua vida na companhia de Capitu e seu ciúme, que é o tema da trama.

Bento Santiago

Bentinho ao ter seu nome analisado, explica sua própria trajetória. O primeiro nome, Bento, advindo do Latim, significa “louvado”. O nome Santiago divide-se em dois, Santo e Iago.

Sendo assim, Bentinho divide-se: Bento, a parte Católica, herança de sua mãe que o obriga a entrar no Seminário coexiste com Santo, que pode ser visto como uma representação do Otelo fiel, corajoso e confiável. Ambos, porém, são envenenados por sua parte de Iago que, assim como na peça de Shakespeare, destrói e corrói o Otelo original, transformando-o em uma criatura ciumenta e vingativa.

O paralelo entre as duas obras é visto claramente no livro quando Bento, após assistir a encenação da peça Otelo, imagina-se tomando o lugar do protagonista e matando, no lugar de Desdêmona, Capitu que, segundo seus olhos, é culpada.

Assim como Brás Cubas, personagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Bento Santiago morre, não fisicamente, mas em todos os aspectos de si: já não é mais Bento, Santo e nem Iago. Torna-se apenas Casmurro, ainda sem personalidade única, forte ou definida, apenas isolado e sozinho em seu mundo, sem esposa, sem filhos só ele e sua ideia fixa de traição.

Esaú e Jacó

Esaú e Jacó é o penúltimo livro escrito por Machado de Assis, lançado em 1904. Iniciando-se com a visita de Natividade e da irmã Perpétua à cabocla e adivinha Bárbara, o livro segue narrando a vida dos gêmeos Pedro e Paulo, a paixão destes por Flora que, indecisa, não sabe de qual gosta mais, as ambições do pai Agostinho Santos e a tentativa de Natividade, a mãe, de conciliar os filhos.

Mas, se “todos os contrastes estão no homem”, as semelhanças com os apóstolos não são suficientes para Pedro e Paulo. Embora idênticos no exterior, são opostos em quase tudo. Um estuda medicina, outro direito.

A obra tem lugar num Brasil de transição da monarquia para o império e é narrada a partir das memórias do Conselheiro Aires, amigo da família e personagem que, mais tarde, recebe um romance próprio: Memorial de Aires.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 153 de 188 Pedro e Paulo

Da mesma forma que no conto A Cartomante, publicado vinte anos antes, Machado de Assis inicia Esaú e Jacó envolto numa aura sobrenatural.

A vida dos gêmeos Pedro e Paulo é prevista para ser grande – Coisas futuras! – mas, ao mesmo tempo, também é anunciada uma eterna divisão entre eles, tendo sido a primeira no ventre materno.

Os gêmeos que, de idênticos, só possuem o exterior, são opostos em praticamente tudo. Apoiando-se em um versículo bíblico que relata uma briga dos apóstolos Pedro e Paulo, Machado de Assis assim os nomeia.

Embora sejam irmãos, Caim e Abel não são gêmeos. Esaú e Jacó são, mas a briga deles nasce por ambição e luta pelo poder, a de Pedro e Paulo, embora seja, sim, pelo poder, não é fruto de ambição, é algo que vem desde o ventre. É como se alguém colocasse duas pessoas antagônicas na mesma embalagem. Esaú e Jacó dá nome ao livro, mas não faria justiça aos personagens se lhes fossem dados estes nomes.

A escolha do nome dos gêmeos, seguindo o clima do início do romance, dá-se também envolta no sobrenatural: Perpétua, tia dos meninos, ao rezar e dizer os nomes dos apóstolos sente “uma coisa no coração”.

Ainda, Pedro, monarquista, é homônimo de São Pedro, apóstolo de Cristo e primeiro Papa da Igreja Católica um cargo, de certa forma, monárquico.

Paulo, republicano, é batizado com o mesmo nome de São Paulo, notável perseguidor de Cristãos (que tinham como líderes, veja só, Pedro). O ideal revolucionário presente em Paulo pode ser relacionado com o militarismo de Saulo, rebatizado para Paulo após sua conversão, ficando na História como um dos maiores evangelizadores.

A ligação dos personagens aos Santos Católicos fica explícita no capítulo XV – Teste David cum Sibylla, na coincidência dos oráculos, quando o pai dos meninos, Agostinho Santos pondera se “não seriam os dois meninos os próprios espíritos de são Pedro e de são Paulo, que renasciam agora”.

Bento XVI, quando ainda Papa, disse, em ocasião da festa dos apóstolos que “eles eram uma coisa só. Embora tenham sido martirizados em dias diferentes, eram uma coisa só. Pedro precede, Paulo segue.” (VATICANO, 29 de jun. 2012.) E essa, de fato, é a ambição da jovem Flora, que Pedro e Paulo juntem-se em um só, formando seu ideal. Numa aparente tentativa de contrariar o determinismo de Taine e concordar com Santo Agostinho quando ele afirma que, ainda que gêmeos, dois seres humanos nunca serão iguais. Machado dá vida à duplicidade de Pedro e Paulo que, de iguais, só possuem o exterior.

Referências bibiográficas CALDWELL, Helen. O Otelo Brasileiro de Machado de Assis – Um estudo de Dom Casmurro. Ateliê Editorial. RAMOS, Ricardo Tupiniquim. BASTOS, Gleyce Ramos. Onomástica e possibilidades de releitura da História. Disponível em: http://www.unisuam.edu.br. Acesso em 20 jan. 2015. SHAKESPEARE, William. Otelo. L&PM. 1999. SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. América do Sul. 1988. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 154 de 188

MEMÓRIAS DO ENSINO DE HISTORIA

Sádia Maria Soares Azevedo Rocha89 Jocyléia Santana dos Santos90

Resumo A pesquisa relata as atividades desenvolvidas no Parfor - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, do Curso de Pedagogia de Palmas na Universidade Federal do Tocantins, especificamente nas disciplinas pedagógicas relacionadas à história da educação (História Geral da Educação, História da Educação Brasileira e Metodologia do Ensino de História). O objetivo foi investigar a formação do aluno de Pedagogia ao ingressar no Parfor no período de 2010 a 2014 e explicitar os saberes adquiridos no processo ensino- aprendizagem estabelecendo uma conexão deste conhecimento com prática pedagógica de história na educação básica. A pesquisa de campo deu-se através de entrevistas com docentes de municípios distintos do estado do Tocantins com intuito de obter uma visão diversificada dos profissionais que trabalham com a educação. Inferimos que, as educadoras ao se apropriarem dos saberes descobriram que a pesquisa foi a alternativa para melhoria do processo educacional, tanto do ponto de vista teórico e quanto do ponto de vista conceitual. Esta conscientização crítica foi proporcionada pelas leituras dos textos históricos que propiciou uma formação teórica consistente com envolvimento e participação imediata na vida escolar e nas atividades sócio-culturais no entorno da escola. A partir das narrativas dos docentes compreendemos a influência e o impacto das disciplinas de História em sua formação pedagógica no contexto de sala de aula do sistema Parfor. O discurso revisionista está sendo adotado e as práticas pedagógicas paulatinamente modificadas. Palavras-chave: Ensino de História, História Oral, Pafor , Tocantins

Resumen El estudio informa de las actividades en parfor - Plan Nacional de Formación de Maestros de Educación Básica, a partir del curso Educación Palmas en la Universidad Federal de Tocantins, específicamente en la enseñanza de temas relacionados con la historia de la educación (Historia General de Educación, Historia de la Educación de Brasil y Metodología de Enseñanza de la Historia). El objetivo fue investigar la formación de los estudiantes de Pedagogía para entrar en el período parfor 2010-2014 y explicar los conocimientos adquiridos en el proceso de enseñanza- aprendizaje mediante el establecimiento de una conexión de este conocimiento con la práctica pedagógica de la historia en la educación básica. La investigación de campo se realizó a través de entrevistas con profesores de diferentes municipios del estado de Tocantins con el fin de obtener una visión diversa de los profesionales que trabajan con la educación. Deducimos que los educadores de la apropiándose del conocimiento encontraron que la investigación fue la alternativa para mejorar el proceso educativo, tanto desde un punto de vista teórico y como el punto de vista conceptual. Esta conciencia crítica fue proporcionado por la lectura de los textos históricos que proporcionaron una constante teórica con la implicación y participación inmediata en la vida escolar y las actividades socioculturales que rodean la escuela. A partir de las narrativas de los profesores comprender la influencia y el impacto de la historia de las disciplinas en su formación pedagógica en el contexto del aula parfor sistema. El discurso revisionista está siendo adoptado y modificado gradualmente las prácticas pedagógicas. Palabras clave: enseñanza de la historia, la historia oral, Pafor, Tocantins

89 Mestre em Educação UFT – Universidade Federal do Tocantins, Professora de Língua Portuguesa da Educação Básica, na Secretaria Estadual de Educação do Tocantins. Licenciada em Letras. E-mail: [email protected] 90 Doutora e Mestre em História pela UFPE. Historiadora. Coordenadora da PPGE/UFT. Líder e pesquisadora do grupo de Pesquisa CNPq/Plataforma Lattes/UFT - História, Historiografia, Fontes de Pesquisa em Educação. Orientadora da Pesquisa. E-mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 155 de 188 Introdução

Quando lembramos nossos tempos de escola sabemos que foi isso que ficou, que nos marcou. Essas lembranças poderiam ajudar-nos a entender que situa aí nossa docência, nosso ofício, nada se perde e muito se ganha. (ARROYO, 2000)

Se for certo recordarmos somente o que nos interessa, trago do subsolo da memória recordações de um passado de não tão longa duração. Mas... nesses registros feitos pela memória, encontramos fontes de luz para inspiração de novas práticas e de imersão numa outra docência nunca antes imaginada. Experiência de uma nova jornada educativa... Interpretando Arroyo, (2000), aí está nossa docência, muito mais do que conteúdos educativos, matérias. São tramas de experiências e valores, de saberes, de formas e de recursos que passo a contar.

A pesquisa relata as atividades desenvolvidas no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Palmas, especificamente nas disciplinas pedagógicas relacionadas à história da educação (História Geral da Educação, História da Educação Brasileira e Metodologia do Ensino de História). O objetivo foi investigar a formação do aluno de Pedagogia ao ingressar no Parfor, no período de 2010 a 2014 e explicitar os saberes adquiridos no processo ensino- aprendizagem estabelecendo uma conexão desse conhecimento com a prática pedagógica de história na educação básica.

O trabalho de campo deu-se por meio de entrevistas com docentes de municípios do estado do Tocantins com intuito de obter uma visão diversificada dos profissionais que trabalham com a educação. A opção pela história oral possibilitou conhecer os docentes como sujeitos da história e como se veem dentro dessa história. A memória pode proporcionar o conhecimento de fatos não relatados no contexto educacional histórico, dando identidade àqueles que a vivenciaram, sendo esses também personagens que traduzem a história no cotidiano da sala de aula.

Contextualizando

Este trabalho se configurou com um conjunto de procedimentos que iniciou com aulas de história no curso de Pedagogia/Parfor. O Parfor é um programa emergencial de cursos de licenciaturas que tem como um dos seus principais desafios a profissionalização docente mediante a relação Universidade/Escola com vistas à melhoria do ensino na educação básica. Esse programa tem como objetivo induzir e fomentar a oferta de educação superior para professores em exercício na rede pública de educação básica, para que esses profissionais possam obter a formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN e contribuam para a melhoria da qualidade da educação básica no país (BRASIL, 2013, s/p.).

O programa, na modalidade presencial, foi instituído para atender o disposto no artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. A política foi implantada em regime de colaboração entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os estados, os municípios, o Distrito Federal e as instituições de educação superior – IES. Houve oferta de turmas especiais para primeira licenciatura, destinada há docentes em exercício na rede pública da educação básica que não tinham formação superior ou que tinham interesse em realizar curso de licenciatura na disciplina em que atuavam em sala de aula. Também foi ofertada segunda licenciatura para professores licenciados que estivessem em exercício há pelo menos três anos na rede pública e que atuassem em área distinta da sua formação inicial. Além do curso de formação pedagógica para docentes ou tradutores intérpretes de Libras, graduados não licenciados que se encontrassem no exercício da docência na rede pública da educação básica.

Anualmente, a Capes divulga o calendário de atividades do Parfor em que estão definidos os prazos e as atividades a serem realizadas pelas secretarias de educação estaduais, municipais e do Distrito Federal, os fóruns e as IES e o período das pré-inscrições. Para concorrer aos cursos ofertados, os professores devem: a) realizar seu cadastro e pré-inscrição na Plataforma Freire; b) Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 156 de 188 estar cadastrado no Educacenso na função Docente ou Tradutor Intérprete de Libras na rede pública de educação básica; e c) ter sua pré-inscrição validada pela secretaria de educação ou órgão equivalente a que estiver vinculado (BRASIL, 2013). Com a intenção de atender ao compromisso de profissionalização docente, visando à melhoria da qualidade da educação básica no país, em 2010, a UFT aderiu ao Parfor, ofertando 570 vagas, em 19 cursos, nos sete campus da instituição. Em Palmas, foram ofertados os cursos de Artes, Informática, Matemática e Pedagogia.

O curso de Pedagogia/Parfor/Palmas ofereceu a disciplina História Geral da Educação, ministrada por Jocyléia Santana, pioneira, juntamente com o coordenador do curso - Prof. Damião Rocha, a Pró-Reitora de Graduação (PROGRAD) - Profª Isabel Cristina Auler, o Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação (PROPESQ) - Prof. Márcio Silveira, o Reitor da Universidade Federal do Tocantins - Alan Barbiero. Na perspectiva de Santos (2014), o curso foi [...] desafiador, pois era um momento marcante na vida daquelas professoras, elas pertenciam há uma realidade carente de 20 anos ou mais sem capacitação. Ministrar as aulas de história era conscientizá-las acerca do papel do docente, de transformar o entorno de sua cidade, da escola e de sua região, o Tocantins. As atividades foram desenvolvidas com metodologias de ensino, como possibilidades de discussão, com narração de suas histórias locais, com investigação, pesquisas relacionadas à história com a intenção de contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem das disciplinas de história, história da educação e metodologia de história na educação básica. (SANTOS,2014)

Tivemos contato com as professoras em julho de 2014 e elas concordaram em dar as entrevistas para o projeto inicial. Gravamos as entrevistas em locais adequados, conforme a disponibilidade das entrevistadas, com tempo de duração, transcrições, conferências dos produtos escritos, autorização para uso e publicação dos resultados por meio de termos de consentimento livre e esclarecido. Os cuidados éticos foram considerados, como garantia de que nada seria divulgado sem a prévia autorização das depoentes.

Meihy e Holanda (2010) destacam que as entrevistas obedecem às fases de transcrição absoluta e de textualização, etapa em que são eliminadas as perguntas e reparadas as palavras sem peso semântico, como algumas repetições, de forma a manter a oralidade das docentes, respeitando as normas da língua portuguesa.

As entrevistas foram circunscritas ao desempenho profissional das educadoras no espaço acadêmico e no contexto escolar. Roteiro: – Professor (a), você consegue fazer uma avaliação do seu desempenho profissional ao ingressar e ao finalizar o curso de Pedagogia, na disciplina História Geral da Educação, ofertada pelo PARFOR? – Qual a influência e o impacto da disciplina História Geral da Educação sobre o contexto de sala de aula? – Como foi o processo de construção metodológica nas disciplinas História Geral da Educação, História da Educação Brasileira e Metodologia do Ensino de História? Como se dá a utilização dos materiais ofertados pelo Parfor no contexto da educação básica?

Narrativas e memórias

Nossa docência não está separada da realidade e da vida de nossos alunos. Tantas histórias foram contadas em nossas aulas... histórias de sofrimento... de perdas... de esposos ciumentos... de corações partidos. Traços de uma didática autêntica que pede para não ser esquecida... uma experiência alfabetizante singular.

Como não narrar os primeiros dias de ansiedade e angústia para oralizar os seminários de história com temas tão desconhecidos. Essa é a intenção.Vejamos alguns trechos dessa trajetória acadêmica no curso de pedagogia nas disciplinas de história.

[...] quando iniciei, a história para mim não tinha muito fundamento, porque era só diretamente dos livros, não tinha uma orientação para sala de aula. Materiais que a gente, hoje, sabe que precisa levar, antes não levava, era só o livro do aluno, do professor [...] Naquele tradicionalismo de questionários: perguntas e respostas, o aluno Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 157 de 188 tinha que saber era o que o professor ensinava, não tinha essa autonomia para pesquisar. [...] Hoje eu consigo providenciar materiais diversificados, trabalhos que deixa o aluno incentivado em participar. (NASCIMENTO, 2014)

Se a docência é entendida como a base do ser professor, o Parfor provocou uma metamorfose na vida da docente. Marcas em tendências de processos de ‘ensinagem’ e de aprendizagem, de ideologias e pedagogias.Traduzindo, não tinham conhecimento de outras formas de ensinar e aprender. Estavam sempre limitadas ao livro didático, não sabiam dar outra dimensão pedagógica às suas aulas. O curso proporcionou autonomia intelectual e didática.

A perspectiva linear e positiva da história, sempre sob o ângulo dos vencedores, foi significativa para Aquino (2014). A experiência com os filmes, a leitura de textos críticos e outras abordagens teóricas renderam questionamentos sobre como a disciplina História é importante no currículo escolar.

Quando ingressei, não via que história era importante para a vida, para a comunidade em que eu trabalho [...] Abriu minha mente [...] Mudou, porque antes a gente trabalhava só “aquele conteúdo” e não queria que os alunos dessem opinião de nada, nós professores queríamos que fosse só daquele jeito e pronto. -Menino tem que ser desse jeito e pronto. O menino ia dar uma opinião. -Não, não aceito. A opinião era só do professor, e depois dessas aulas eu pude perceber que não é assim, a gente tem que ouvir a opinião dos alunos (AQUINO, 2014).

Na ótica de Nogueira (2014), a formação anterior à graduação não oferecia o desenvolvimento do senso crítico, pesquisador.

Quando ingressamos nós tínhamos uma formação técnica em magistério, que não produz um trabalho de maneira que o aluno seja crítico. Essa participação acadêmica produz um professor crítico, pesquisador e proporciona ao professor mais conhecimentos e esses conhecimentos geram saber para o educando NOGUEIRA (2014).

Nos relatos, é possível identificar o retorno da autoestima, a possibilidade de narrar, de dialogar, refletir sobre suas experiências, bem como produzir uma memória coletiva em torno das ações realizadas. As mudanças de formulações de pensamento se refletem em posturas e aplicações das metodologias apreendidas.

[...] antes eu vivia no tradicionalismo, hoje de acordo com o aprendizado que eu tive aqui na UFT, eu mudei a forma de pensar, de tratar as crianças, de como trabalhar, porque a partir do momento que você tem a visão de mundo, você melhora. [...] Porque antes era uma questão de livro, livro, livro e livro! [...] hoje não, você vê um filme, lê uma notícia SILVA (2014).

Para além da banalização da experiência autêntica, em seus diversos discursos, as entrevistadas sinalizaram uma mudança considerável de comportamento pessoal e profissional, com relevantes aspectos no que se refere ao processo de autoconhecimento e de conhecimento. Pimenta (2011, p.33) acredita que a educação (objeto de conhecimento) constitui e é constituída pelo homem (sujeito do conhecimento), que se modifica parcialmente quando tenta conhecer-se, assim como, à medida que é conhecido, induz a alterações naquele que conhece. A partir das narrativas e dos dados coletados de profissionais com vários anos de vivência em sala de aula, pudemos perceber o processo contínuo de transformação.

Quando indagadas sobre a influência e o impacto da disciplina História Geral da Educação no contexto de sala de aula, as educadoras relataram que os estudos possibilitaram uma revisão de suas práticas. Para Silva (2014), “[...] a disciplina História Geral da Educação é um instrumento de transformação. Transformação social e compreensão, ela é um processo de ação, de reflexão e de ação novamente”.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 158 de 188 Reforçam que o estudo da disciplina induziu à reflexão sobre sua prática. O saber do conteúdo é diferente do mero registro de informações. Elas precisam ser processadas... ruminadas.compreendidas.

[...] a influência é entendermos o desejo de nos aperfeiçoarmos, ir em busca de conhecimentos. [...] Estarmos ingressados na universidade, nos proporcionou um novo pensar, novo olhar. Possibilitou uma reflexão na nossa prática, mediamos à necessidade de uma nova observação [...] Fazendo do livro didático, não nosso único apoio, mas indo em busca de novos dados [...] Que esse educando seja também um pesquisador, não se conforme com apenas o conhecimento com que é dado a ele (NOGUEIRA, 2014).

Em Aquino (2014), a influência perpassa pelas pesquisas, metodologias, tecnologias. Apreensões de um novo ambiente de aprendizagem.

Aqui, nós tivemos muito que pesquisar, antes não sabíamos como pesquisar, nós não víamos que era importante os filmes. -Fico até encabulada... -Meu Deus! Tanta coisa que é importante [...] e a gente não tinha prazer de ver aquela coisa... Hoje, ao invés de ficar copiando aquele tanto de coisa e ficar só naquele livro, vou atrás de pesquisas (AQUINO, 2014).

Nos relatos das professoras, fica explícita a influência do conhecimento adquirido na academia; a pesquisa é a grande descoberta como possibilidade de inserção de novas formas de ensinar e aprender (aprender versus ensinar) no contexto escolar. Segundo Zeichner (1993, p.20) “o professor na qualidade de prático reflexivo, é aquele que pensa sobre a sua prática, sobre sua ação.” A reflexão é um processo que ocorre antes, depois e durante a ação do professor, constituindo um processo de reflexão na ação e sobre a ação.

Na prática docente, manifesta-se a insatisfação da educadora Aquino (2014) com o atual sistema de ensino, com relação à dificuldade para inovar no seu espaço de trabalho. Muitas vezes depois que eu aprendi, a gente quer inovar a sala da gente, mas através de pessoas, eles querem mudar totalmente o que a gente aprendeu [...] E quando eu chego lá, eu fico até assim [...] - Minha nossa! Eu aprendi isso, mas eu quero repassar e a gente é podada. -Não, não é assim (AQUINO, 2014).

Durante o Parfor foram utilizados vários materiais no processo de ensino- aprendizagem no contexto da educação básica. Nogueira (2014) revela como vê esse trabalho com as disciplinas de história.

O processo partiu do incentivo a valorização nossa, para que continuássemos estudando, não ficássemos apoiados naquilo que nos era dado, compartilhando outras bibliografias, de outros autores da história. Atividades em sala foram: metodologias de trabalhos em grupos, colagem de gravuras, montagem de painéis. De uma maneira significativa as três disciplinas que ela trabalhou conosco, incentivou e ampliou esse novo olhar, nova prática de ensino de história.

Nascimento (2014) relata que, após a formação do Parfor, diversificou os materiais em sala aula.

[...] depois desta formação, os materiais que a gente leva para sala de aula são: oficinas de trabalho, pesquisas nas apostilas, nos livros, na internet. A gente procura fazer gincana, com objetos mais antigos para conciliar com os novos, atualizados. Panelas de ferro, ‘aqueles ferros antigos de passar’. preparo o pessoal da secretaria para saber o que eu estou querendo com aquilo e convido, inclusive para participar (NASCIMENTO, 2014).

Os depoimentos destacam a diversidade de metodologias de aprendizagem, a valorização do professor, a reflexão docente, as formas de pensar e agir e a tentativa de fazer os envolvidos no contexto escolar compreenderem os novos processos educativos. Para além da pessoa do Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 159 de 188 professor, o educador Nóvoa (1995, p.28) indica que a formação precisa entender o sentido da diversificação dos modelos e práticas de formação de forma a instituir novas relações dos professores com o saber pedagógico e científico. A formação deve passar pela experimentação, pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico e por uma reflexão crítica sobre a utilização dos materiais disponíveis. Faz-se necessário que a formação passe por processos de investigação diretamente articulados com as práticas educativas.

Saberes docentes

A formação continuada considera os saberes docentes como forma de interação entre instituição escolar, professor e aluno. O saber está relacionado com a pessoa, a identidade, a experiência de vida e a história profissional. É impossível compreender a natureza do saber dos professores sem colocá-los em íntima relação com o que fazem, pensam e dizem nos espaços de trabalho cotidiano. Tardif (2012, p. 36) expõe que

[...] primeiro são os saberes de formação profissional, transmitidos pelas instituições de formação de professores. Neste caso, o professor e o ensino constituem objetos de saber para as ciências humanas e para as ciências da educação. O segundo como disciplinares que correspondem às diversas áreas do conhecimento, as disciplinas (História, Língua Portuguesa e Matemática,), o terceiro são os curriculares - programas escolares (discursos, objetivos, conteúdos, métodos). O quarto são os saberes experienciais, adquiridos pelos próprios professores no exercício de suas funções e na prática de sua profissão.

A formação continuada de professores relacionada aos saberes depende da incorporação destes nos programas de formação de professores. A formação para o magistério prevalece na maioria das ações voltadas para o conhecimento disciplinar, sem nenhuma conexão com a ação profissional que é exercida sobre eles. Nesse sentido, é um desafio compreender a subjetividade dos professores no cerne das pesquisas sobre o ensino, ao verificar que eles, às vezes, são apenas atores do seu aprender e ensinar, considerados técnicos que aplicam teorias produzidas por pesquisadores, por peritos em currículo, funcionários das secretarias e ministérios da educação. O processo de internalização desse conhecimento percorre diversas vias, como

[...] cognição, pela vida pessoal e profissional, recorre às categorias, às regras e às linguagens sociais que estruturam a experiência dos atores nos processos de comunicação e de interação cotidiana. A formação de professores deveria basear-se nos conhecimentos profissionais, ou seja, sua prática e sua experiência, bem como os agentes envolvidos e condicionantes do seu trabalho, sejam eles materiais, contextuais ou ideológicos. Se queremos saber acerca de como realizar um determinado trabalho, o procedimento normal seria aprender com os que efetuam o trabalho. “Por que seria diferente no caso do magistério?” (grifos no original) (TARDIF, 2012, p. 241)

O professor deve ser considerado em seu contexto histórico de nascimento, de vivência, de autoformação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada. Esses saberes são fundantes na identidade da profissão docente. A identidade é construída da significação social da profissão.

Neste sentido, Pimenta (1999) identificou três tipos de saberes da docência: a) os da experiência, aprendidos pelo docente quando aluno com os professores que apresentaram estratégias de trabalho significativas e no exercício da docência com um processo de reflexão e troca de experiências entre os colegas; b) os dos conhecimentos, que compreende a revisão da função da escola na transmissão dos conhecimentos e as suas especificidades em um contexto contemporâneo e c) os saberes pedagógicos, que envolve o conhecimento juntamente com o saber da experiência, dos conteúdos específicos e que serão construídos a partir das reais necessidades dos professores.

Pimenta (1999, p. 30) enfatiza, ainda, a importância da superação da fragmentação entre os diferentes saberes, considerando a prática social como objetivo principal, como possibilidade para a Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 160 de 188 ressignificação dos saberes na formação dos professores. Reforça, também, que a formação passa sempre pela mobilização de vários tipos de saberes: os da prática reflexiva, da teoria especializada e de uma militância pedagógica. O que coloca os elementos para produzir a profissão docente, dotando-a de saberes específicos que não são únicos no sentido de que não compõem um corpo acabado de conhecimentos, pois os problemas da prática docente comportam situações problemáticas que requerem decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores.

É relevante considerar a superação da fragmentação entre os diferentes saberes, a partir da história de vida e prática social como objetivo principal, como possibilidade para a ressignificação do conhecimento na formação de professores. A análise sobre formação continuada está inserida em um debate amplo sobre a profissão docente e as políticas educativas. Nóvoa (2002) ressalta a pessoa-professor e a organização-escola como referências para a formação, o que pressupõe uma transversalidade que permite a mobilização de tradições e correntes científicas diversas. Nessa visão, o processo formativo implica investimento pessoal em uma revisão dos percursos e projetos do próprio professor com vistas à construção de uma identidade.

As propostas de formação docente devem considerar ainda a situação educativa, que Tardif e Gauthier (2010) apresentam como complexa, porém fluída e menos rígida, e o papel do docente como o profissional da intervenção pedagógica. O docente é visto como tomador de decisões em interação com os alunos, que devem recorrer a todos os seus conhecimentos para avaliar a situação. Os autores abordam a situação educativa como um contato obrigatório, repetido e prolongado entre um docente e os alunos, que, em razão de um conteúdo cultural dado, inscreve-se numa dinâmica em que o ritmo dos acontecimentos é rápido.

Na prática pedagógica, atuam a cada dia contradições difíceis de superar e que cobram tomadas de decisões.

[...] esquecer de mim em benefício do outro ou pensar em mim? Privilegiar as necessidades do indivíduo ou as da sociedade? Respeitar a identidade de cada um ou transformá-la? Avançar no programa ou responder às necessidades dos alunos? Desenvolver a autonomia ou o conformismo? Impor-se para ser eficiente ou negociar longamente para obter a adesão? Enfatizar os saberes, os métodos, a instrução, ou os valores, educação, a socialização? Valorizar a competição ou a cooperação? Dar a cada um a impressão de que ele é competente ou levá-lo à maior lucidez? Preferir a estruturação do pensamento e da expressão ou estimular a criatividade e a comunicação? Acentuar uma pedagogia ativa ou uma pedagogia magistral? Respeitar a equidade formal ou oferecer a cada um segundo as suas necessidades? Amar todos os alunos ou deixar falarem as simpatias e antipatias?(PERRENOUD, 1993, p.177)

O contexto de sala de aula é complexo e na prática deve-se permanentemente escolher como agir, saber qual decisão tomar. Sendo assim, as propostas de formação de professores devem levar em consideração, além de outros aspectos, a situação real de sala de aula.

Compartilhando a história oral

A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história. É uma prática de apreensão de narrativas feita por meios eletrônicos e destinada a recolher testemunhos, promover análises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato.

Os registros sobre a utilização da história oral, no Brasil, demonstram que é uma prática recente. Santhiago (2008) informa que foi na década de 1970 que a história oral começou a se sedimentar no Brasil, por meio de uma ação pioneira da Fundação Getúlio Vargas, que criou o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) e o Programa Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 161 de 188 de História Oral, cujo objetivo era registrar relatos orais de membros da elite brasileira sobre a política e economia do país.

Nos anos de 1980 a 1990, os registros e acervo do Cpdoc foram enriquecidos com entrevistas que visavam a outros projetos, como formação de instituições estatais (Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, BACEN e outras), constituição de entidades de ensino público e privado (Capes, universidades privadas e outras), atividades de seguro, de urbanismo, governamentais e não governamentais (ALBERTI, 2005).

A história oral é uma prática social possivelmente geradora de mudanças que transformam tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. A história oral altera o enfoque da própria história e revela novos campos de investigação, podendo derrubar barreiras entre alunos, professores, gerações e instituições educacionais (THOMPSON, 1992).

Nesta perspectiva, Meihy (2010), contribui com essa discussão apontando que o ponto de partida das entrevistas em história oral são os procedimentos feitos no presente, com gravações, que envolvem expressões orais emitidas com a intenção de articular ideias orientadas a registrar ou a explicar aspectos de interesses planejados em projetos. Em história oral, é importante lembrar que há uma discussão historiográfica que interfere na qualificação do elemento essencial dessa matéria, a palavra dita e gravada, para além de seu valor documental como gravação, precisa ser vertida para a linguagem escrita a fim de facilitar o trânsito, a reflexão e os estudos.

O referencial teórico de formação de professores e a metodologia história oral nos possibilitou compreender o que pensam as professoras sobre a formação nas disciplinas de história no curso Pedagogia/Parfor/Palmas e como atuam no cotidiano escolar, a partir das experiências vividas no contexto acadêmico.

Na pesquisa, consideramos a formação de professores de história, no contexto da educação superior, com ênfase na educação básica, a partir da compreensão do professor como pesquisador e autor do seu próprio conhecimento.

Observamos que as práticas de ensino podem percorrer caminhos diversos, porque cada indivíduo é único. As dificuldades de aprendizagem são pontuais, cabe ao aluno encontrar, no do espaço social, no conhecimento adquirido na formação, na convivência com os pares e com os professores, alternativas para propiciar o aprendizado.

Inferimos que as educadoras, ao se apropriarem dos saberes, descobriram que a pesquisa foi a alternativa para melhoria do processo educacional tanto do ponto de vista teórico quanto do conceitual. A conscientização crítica foi proporcionada pelas leituras dos textos históricos que propiciaram uma formação teórica consistente com envolvimento e participação imediata na vida escolar e nas atividades sócio-culturais no entorno da escola. A partir das narrativas das docentes, compreendemos a influência e o impacto das disciplinas de história na formação pedagógica do programa Parfor. O discurso revisionista está sendo adotado e as práticas pedagógicas paulatinamente modificadas.

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REFLEXÕES SOBRE A COMPREENSÃO RESPONSIVA ATIVA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNA

Silvio Nunes da Silva Júnior91

Resumo Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a compreensão responsiva ativa, teoria relacionada aos estudos do círculo bakhtiniano quando o percursor da perspectiva dialógica na filosofia da linguagem se detém a abordar a atitude do eu quando sobreposto ao discurso do outro, numa espécie de réplica. Nesse sentido, observamos que esse tipo de noção é de extrema relevância quando o assunto é o ensino-aprendizagem de língua materna, uma vez que é o docente de língua materna que atua como principal responsável pela prática de leitura e escrita em sala de aula. Compreendemos, nessa perspectiva, que o professor, ao adotar uma concepção dialógica de linguagem estará mais preparado para entender a situação do aluno, sabendo que o processo de ensino-aprendizagem da linguagem se desenvolve como algo concreto e, nesse contexto, deve ser apresentado ao aluno como concretização no processo enunciativo (ZOZZOLI, 2012) com base nos variados gêneros do discurso. Assim, recorrendo a alguns postulados de Bakhin (1998, 1981, 1992, 2003 [1979]), apresentamos, aqui, algumas discussões importantes sobre a temática abordada, iniciando com uma abordagem sobre a noção de compreensão responsiva ativa em estudos da atualidade ancorados no chamado círculo em interface com as noções de gênero do discurso que concretizam o ato da enunciação, seguindo com considerações sobre a constituição da concepção de linguagem do professor, para então apresentar as possíveis contribuições da noção de compreensão responsiva ativa para/na formação de professores atuantes da educação básica, principalmente no concernente as práticas de leitura e escrita em sala de aula. Palavras – chave: Perspectiva Dialógica. Discurso. Escrita.

Abstract This paper aims to reflect on the active responsive understanding, theory related to studies of Bakhtin circle when the precursor of the dialogical perspective in philosophy of language stops to address the attitude of I when superimposed on the speech of others, a kind of replica. In this regard, we note that this kind of notion is extremely important when it comes to teaching and learning of mother tongue, since it is the teaching of mother tongue that acts as primarily responsible for the practice of reading and writing in the classroom. We understand this perspective, the teacher, to adopt a dialogical conception of language will be more prepared to understand the situation of the student, knowing that the teaching-learning language process develops as something concrete and in this context, it must be submitted to student achievement as the enunciation process (ZOZZOLI, 2012) based on different genres of discourse. So, using some postulates Bakhin (1998, 1981, 1992, 2003 [1979]), we present here some important discussions on the theme discussed, starting with a discussion of the notion of active responsive understanding in today's studies anchored in called circle interface with gender notions of discourse embodying the act of enunciation, following with consideration of the constitution of the teacher's conception of language, and then present the possible contributions of the concept of active responsive understanding for / in the training of teachers working basic education, mainly concerning the practices of reading and writing in the classroom. Keywords: Dialogic Perspective. Speech. Writing.

91 Graduando em Letras: Língua Portuguesa e Literatura correspondente pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Bolsista do PIBIC/FAPEAL na linha de Linguística Aplicada. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 164 de 188

Considerações iniciais

Na educação básica (no concernente ao ensino fundamental e médio) e superior (com maior ênfase nos cursos de licenciatura plena), podemos observar um emaranhado de precauções que professores e teóricos têm sobre como e por onde ensinar a linguagem em sala de aula de maneira correta e corroborante com os documentos oficiais divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e as teorias referentes a linguística, a educação e áreas afins que tanto refletem a prática de ensino-aprendizagem de línguas materna e estrangeira na educação hodierna, o que remete, necessariamente, a formação do professor de línguas92.

Nesse sentido, alguns estudos apontam que é de suma relevância que os professores de língua materna adotem uma concepção de linguagem (OHUSCHI & AMORIM, 2011; ROHLING & RODRIGUES, 2015), a qual situara-lo na prática profissional. Assim, com os avanços da linguística moderna, o desenvolvimento e aparição de concepções de linguagem se concretiza de forma emergente, fazendo com que muitas maneiras de conceber a linguagem permaneçam na identidade de muitos professores de língua materna.

Diante disso, o objetivo geral desse artigo é desenvolver um apanhado teórico/metodológico no âmbito dos estudos dialógicos que Mikhail Bakhtin (1998, 1981, 1992, 2003 [1979]) publicou na perspectiva filosófica da linguagem, através de noções importantes como a de gênero do discurso e a de compreensão responsiva ativa que o autor aponta em alguns trechos de seus principais estudos.

O nosso foco, isto é, ponto de partida para refletir a compreensão responsiva ativa na produção de enunciados que concretizam os gêneros do discurso é a formação de professores, a qual implica em maior escala no processo de ensino e de aprendizagem de língua materna, como também, de línguas estrangeiras modernas, respondendo questões como: De que forma empregar os conhecimentos dialógicos em sala de aula? Como os estudos bakhtinianos podem implicar no processo de ensino-aprendizagem?

Defendendo essa linha de pensamento, o nosso estudo está dividido em três tópicos. Primeiramente, buscamos relacionar duas noções presentes no círculo bakhtiniano: a de gênero do discurso e de compreensão responsiva ativa no processo enunciativo; seguindo com considerações sobre as concepções de linguagem presentes no campo da linguística e da filosofia da linguagem; e, por fim, apresentando um tópico de análise e proposta para o trabalho com leitura e escrita em sala de aula de língua materna, mostrando, nesse sentido, formas interessantes para o professor facilitar o desenvolvimento da competência crítica e reflexiva dos alunos ao assumir a concepção dialógica de linguagem.

A compreensão responsiva ativa e os gêneros do discurso no processo enunciativo

Mesmo sabendo da grande importância que estudos antecedentes aos de Bakhtin tiveram na constituição de uma perspectiva dialógica de linguagem, partiremos desse autor para discorrer sobre o tema, uma vez que o seu pensamento “é certamente um dos mais fascinantes acontecimentos das ciências humanas deste século” (FARACO; CASTRO; TEZZA, 2007, p. 9). Para o filósofo da linguagem, a relação entre língua e linguagem é indissociável, ou seja, não se distanciam, mas sim, se aproximam cada vez mais, construindo, com o passar dos alunos, uma concepção de linguagem “tecida em conexão direta com sujeito, história, historiografia, sociedade, cultura, ética, estética, situação de produção, circulação e recepção” (BRAIT, s/d, p. 1), isso explica as múltiplas relações que Bakhtin tem com os estudos da linguística, da filosofia e da literatura; o que impede que o consideremos como linguista, mesmo diante das tamanhas contribuições que trouxe para esse campo.

92 Nesse trabalho, direcionamos as discussões para a língua portuguesa como língua materna. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 165 de 188

Bakhtin/Volochinov (1999) estabeleceram no chamado círculo uma visão de língua/linguagem estritamente centrada na condição dialógica do eu com o outro, ou seja, tudo que o eu pronuncia deriva de uma ação do outro, ou então, precisa do outro para se concretizar. Nas palavras do autor, “toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade” (BAKHTIN, 1981, p.113). Assim, viabiliza-se que a linguagem é um todo e as palavras servem como pontes, uma lançada em mim sobre mim, e outra “lançada entre mim e os outros” (id. ibid). Com base nesse sistema foi que Bakhtin constatou que a linguagem se estabelece por teias comunicativas como a palavra em situações sociais, como também, que as palavras evocam questões coletivas ou individuais (Cf. BAKHTIN, 1998) em cada falante/usuário da língua.

Convém dizer que “qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (BAKHTIN, 1981, p. 112). Entendemos, assim, que o conceito de enunciado, pertencente à concepção dialógica, só acontece durante a interação verbal. Nessa linha de pensamento, quando entramos mais a fundo na filosofia de Bakhtin, numa perspectiva interna sobre/de gênero do discurso, lembramos que a constituição dos enunciados isolados e, dessa forma, individual, faz-nos afirmar que esses enunciados isolados são considerados gêneros do discurso (BAKHTIN, 1992, p. 279) desenvolvidos pelos falantes na interação verbal, ou seja, oral ou escrita, o que permitiu a algumas pesquisas apontarem a existência de gêneros pré-estabelecidos nas relações discursivas em esferas sociais distintas, uma vez que “há falantes que não dominam na prática as formas de gênero de dadas esferas" (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 284). Quando enfatizam-se os aspectos externos do gênero do discurso, podemos visualizar a sua caracterização com base no propósito comunicativo que o falante pretende realizar (Cf. BHATIA, 2001).

Como assinala Lima (2010, p. 117), “nos últimos tempos, observa-se que grande tem sido a preocupação dos pesquisadores com o ensino de diferentes gêneros do discurso no espaço escolar”, porém, essa preocupação direciona os olhares de muitos pesquisadores para a adoção de muitos gêneros textuais/discursivos, como a carta, a resenha, o artigo e opinião etc, deixando de lado um gênero do discurso praticado constantemente no âmbito escolar que é a aula, a qual, como lembra Marcuschi (1997), integra a categoria de gêneros textuais e, por consequência, de discurso. Assim, o processo que visualizamos na educação hodierna é a adoção de vários gêneros na prática discursiva de um gênero isolado em que os alunos e os professores já dominam há algum tempo, onde, nesse caso, o gênero se relaciona intimamente com a prática pedagógica.

No âmbito da linguística aplicada, alguns estudos tomam como base as reflexões de Bakhtin para solucionar e aprimorar os tão debatidos problemas de uso da linguagem. Um desses estudos que muito se destacou foi o de Bhatia (2004, p. 202 apud ROJO, 2008), que questionou “em que medida as práticas pedagógicas devem dar conta de ou refletir as realidades do mundo do discurso? ” Essa questão é explicada por Rojo (2014) quando apresenta a distinção entre o gênero do texto e o do discurso, visto que o texto é a materialidade do discurso, que, diante da abrangência de estudos que corroboram e divergem essa concepção, constroem uma polifonia. Nesse sentido, a perspectiva de língua/linguagem presente na dialogicidade remete-nos a pensar o ensino e a aprendizagem de língua de maneira mais abrangente quando pensamos na prática docente que desenvolve a “aula” como gênero discursivo.

Nesse sentido, é interessante que haja uma preocupação em efetivar de forma mais abrangente o gênero aula através de novas práticas, principalmente em aulas de língua materna que é o nosso foco, e, diante disso, a sala de aula esteja apta a emancipar sujeitos responsivos ativos. Retomando a nossa abordagem sobre a perspectiva dialógica de bakhtiniana, é necessário lembrar que, segundo Bakhtin/Volochinov (2006), a compreensão dos que utilizam a linguagem deve ser ativa e conter-se já no germe de uma resposta ativa, ou seja, a maneira em que o enunciado é produzido tomando como base a relação entre eu e o outro, esse deve ser seguido por uma resposta ativa do interlocutor. Isto posto, Bakhtin ([1952-53] 2003, p. 272) ainda lembra que “o próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente...e pressupõe não só a existência do sistema da Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 166 de 188 língua que utiliza, mas também a existência de enunciados anteriores”, onde o “seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe conhecido do ouvinte” (id. ibid).

Isso nos leva a constatar que o enunciado é “uma ‘resposta’ aos enunciados precedentes de um determinado campo: ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta” (BAKHTIN, 2003, p. 297). Dessa forma, qualquer enunciação que fazemos está apta a ser correspondida por várias respostas criadas em forma de réplica (Cf. BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006), onde, em seu esboço, o falante é capaz de aprender um tema (Cf. ZOZZOLI, 2012). Nesse contexto, o sujeito responsivo ativo (Cf. CAVALCANTE, 1999) desenvolve, ao mesmo tempo, uma autonomia que, para Zozzoli (2006, p 120), é relativa, uma vez que “a autonomia é concebida como dependente da intersubjetividade que se dá no plano histórico-social. Além disso, é “relativa” também porque se apresenta oscilante, nunca estável, mesmo no que concerne um único sujeito”. O sujeito relativamente autônomo (Cf. ZOZZOLI, 2002), carece estar situado em espaços sociais onde a leitura e a escrita atuem com maior ênfase.

A importância da concepção dialógica de linguagem na formação docente

É visível em diversos estudos no campo da linguística (Cf. CAMILLO, 2007; FUZA, OHUSCHI e MENEGASSI, 2011; DORETTO e BELOTI, 2011) que o sujeito apto a trabalhar com a linguagem em sala de aula precisa adotar uma concepção de linguagem. Com isso, discutiremos, aqui, brevemente sobre quatro concepção de linguagem, sendo a última, a que mais corroboramos: a concepção dialógica trazida pelos estudos de Bakhtin e seu círculo no âmbito da filosofia da linguagem. A primeira concepção apresentada é oriunda dos estudos estruturalistas fundados com o Curso de Linguística Geral (CLG); as demais: de linguagem como forma de pensamento, a linguagem como instrumento de comunicação e a linguagem como interação, nominadas por Geraldi (1984) em seus estudos bakhtinianos.

Todos os períodos históricos que a língua portuguesa passou ao longo dos anos, permitiu que muitos estudos fossem realizados, levando, dessa maneira, diversos teóricos a investigar a língua de maneiras diferentes, contribuindo em grande escala para o desenvolvimento da ciência da linguagem que ainda pode se considerar nova quando comparada a outras. Vale salientar, nesse sentido, que as linhas de pesquisa em linguística surgem de maneira emergente, o que nos leva a pensar que os períodos passam rapidamente e, diante disso, deixam suas marcas na formação de todos que tiveram contato com as teorias e as metodologias criadas com base nelas.

Considerando a expansão da linguística como ciência dada através da publicação do CLG, em 1916, observamos que a concepção estruturalista trazida pelos estudos de Saussure (2006 [1916]) foram extremamente relevantes, porém, as suas noções forma muito contestadas por teóricos até mesmo pertencentes ao formalismo (CHOMSKY, 2008 [1954]). Nessa perspectiva, para explicar essa concepção de linguagem, recorremos a dicotomia forma X substância, onde o autor entende a língua como sistema abstrato formal e social e a fala como ato expressivo. Ao preocupar-se exclusivamente com a língua, Saussure detém-se apenas com a forma do conteúdo e a forma de expressão, deixando de lado a substância da expressão na linguagem.

Quando refletimos essa concepção com o processo de ensino aprendizagem de língua materna, viabilizamos que o ensino de língua pautado no estruturalismo linguístico segue um padrão extremamente mecanicista, o que, para algumas tendências pedagógicas como a progressista, prejudica o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, devemos considerar que essa concepção foi de grande valia para o desenvolvimento socio-histórico do ensino de línguas (Cf. CONEJO, 2007), pois, é dentro desse pensamento formal que foram concebidos os primeiros pensamentos sobre a gramática normativa, que, por anos, foi tida como o principal veículo de transmissão do conhecimento da língua para os falantes (Cf. POSSENTI, 1997).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 167 de 188 Outra concepção de linguagem interessante para mencionarmos é a da constatação de que a linguagem se expressa através do pensamento, onde:

A expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece (TRAVAGLIA, 1996, p. 21).

Nessa concepção, a linguagem se conceberia no individuo como ato monólogo e individualista. Bakhtin/Volochinov (1992) tratando do subjetivismo idealista, contesta essa concepção argumentando que os contextos exteriores do falante seriam descartados, onde nem mesmo o interlocutor poderia contribuir para o desenvolvimento da linguagem nos indivíduos. Nesse caso, o processo enunciativo aconteceria na transmissão do interior para o exterior, auxiliado, ainda, pelas gramáticas normativo-prescritivas caracterizadas pelo seguimento de um conjunto de regras (Cf. POSSENTI, 1997) que, caso não fossem seguidas, ocasionaria na exposição do falante a diversos tipos de julgamentos. Visualizamos, na atualidade, alguns docentes de língua materna que compreendem a linguagem sob a ótica desse tipo de pensamento.

É importante lembrar, também, da concepção de linguagem como instrumento de comunicação. Como alguns podem pensar, esse modo de pensar a linguagem não está relacionado a interação entre locutor e interlocutor, mas sim, com a visão de que a linguagem é tida como “um instrumento de comunicação” (FUZA, OHUSCHI e MENEGASSI, 2011, p. 485). Assim, o indivíduo faria o uso da linguagem para comunicar-se com os outros na fala ou na escrita, seguindo restritamente as normas pré-estabelecidas pela gramática normativa, desprezando, dessa maneira, as demais variações linguísticas diferentes da norma padrão. Essa concepção é bastante vista em contextos acadêmicos e em relações de trabalho/poder, como também, na interação virtual em redes sociais, onde muitos usuários da norma padrão insistem em afirmar que o modo ‘correto’ de falar e escrever foi estabelecido, há anos, pela gramática normativa da língua portuguesa no Brasil.

Diante do que mencionamos, percebemos que as três concepções abordadas possuem pontos, em suma, interessantes, entretanto, alguns são totalmente fora de contexto quando o assunto é o processo de ensino-aprendizagem de língua. Desse modo, corroboramos com a noção de que a linguagem se estabelece na interação, onde o processo enunciativo se dá pelo discurso do eu com o outro, assim como assinalou Bakhtin nas considerações do tópico anterior. Pensamos assim pelas seguintes razões:

 A comunicação humana, na atualidade, vem sendo enquadrada numa perspectiva heterogênea, visto que os usuários da língua devem estar preparados para lidar com diversas maneiras de adaptação no que tange as variações linguísticas, a interação à distância que remete ao fato da economia linguística na estrutura de palavras e outros pontos emergentes em contextos sociais;  A escola, como agência de letramento93, deve estar preparada para atuar como âmbito reflexivo e capaz de (trans) formar a formação humana dos alunos de maneira democrática e acolhedora. No trabalho com linguagem, dentro dessa agência, é necessário considerar todas as variações linguísticas, para que o aluno não se sinta excluído de outros por utilizar outra variação que não seja a padrão;  A importante abrangência dos gêneros do discurso no ensino de língua materna através dos Parâmetros Curriculares Nacionais implicou e vem implicando positivamente nas práticas de leitura e escrita em sala de aula. Assim, ao considerar todo e qualquer ato de fala como gênero do discurso, o professor, em sua concepção dialógica de linguagem, tem a

93 [...] a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como, lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes (KLEIMAN, 1995, p. 20). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 168 de 188 possibilidade de apresentar os diversos usos da linguagem como gênero no intuito de trabalhar a língua materna mais facilmente em sala de aula;  O professor, como profissional oriundo dos cursos de licenciatura e da educação básica, precisa se enquadrar num contínuo processo de conscientização sobre a situação dos alunos e, por essa razão, ser culturalmente sensível (Cf. BORTONI-RICARDO, 2005) a ponto de estabelecer pontes e diálogos com os alunos de maneira que os mesmos possam sentir-se bem em fazer o uso da linguagem em sala de aula e, por consequência, aprender mutuamente.

A noção de compreensão responsiva ativa e a formação de professores para o processo de ensino-aprendizagem da escrita em língua materna

Segundo Zozzoli (2012, p. 263), “ver a língua/linguagem na perspectiva dialógica que acaba de ser resumida implica mudança de posicionamento em relação não apenas ao trabalho efetuado e à disciplina em jogo, mas em relação a concepções de mundo, de ensino e de aprendizagem”. Nesse sentido, acatar uma concepção dialógica de linguagem acarreta no conhecimento sobre língua/linguagem direcionado a uma prática rica em concepções, apta a contribuir significativamente para a prática de ensino, facilitando, ao mesmo tempo, a aquisição do produto final dessa prática – a aprendizagem.

Cabe lembrar que, com essa concepção de linguagem, o professor de língua materna poderá observar a atitude responsiva antes mesmo de adentrar com textos e contextos em sala de aula, o que contribui significativamente para o desenvolvimento eficaz da sua prática em ambiente de trabalho. Abaixo, analisaremos um texto, do gênero artigo de opinião, publicado pela Revista Galileu, em ambiente virtual; visando apontar a atitude responsiva do locutor e um possível trabalho em sala de aula de língua materna para o aprimoramento da prática de leitura e escrita nesse contexto. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 169 de 188

Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI111933-17774,00- OLIMPIADAS+POR+FAVOR+NO+BRASIL+NAO.html

A priori, podemos mencionar dois temas que se entrelaçam para uma melhor compreensão do interlocutor quando posto na leitura desse texto, assim sendo: o acontecimento das olimpíadas no Brasil e a precarização no que tange as condições sociais da estrutura da cidade para receber um evento desse porte. Nessa perspectiva, a denominação desse texto para o trabalho em sala de aula serve como ponte e prática de letramento que desenvolverá a leitura, o senso crítico e, possivelmente, a escrita dos alunos.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 170 de 188 O título “Olimpíadas 2016. Por favor, no Brasil não” já apresenta um dos pontos possíveis para serem mencionados no primeiro momento do uso do texto na aula de língua materna. Assim, o momento em que os alunos se deparam com o título e, por conseguinte, o tema do texto, a sala de aula já se torna um ambiente propício para que o professor observe a compreensão responsiva ativa do aluno na maneira com que este vai explorar a linguagem ao contatar com o texto por meio da crítica e da reflexão através da interação com os outros alunos.

Zozzoli (op, cit, p. 263) assinala que:

O mesmo raciocínio pode ser efetuado em relação à formação do aluno: a instalação de práticas que favoreçam uma compreensão responsiva ativa, não apenas na leitura de textos nas disciplinas que envolvem a aprendizagem de línguas, mas em relação a todo e qualquer conhecimento veiculado em qualquer disciplina seria a condição para que o ensino vá além da proposta de memorização e repetição de conteúdos fixos já previstos.

Assim, o trabalho com o gênero artigo de opinião apresentado nesse tópico não deve se constituir como uma atividade meramente momentânea em sala de aula. Deve estimular a capacidade crítica dos alunos e, dessa forma, desenvolver compreensões responsivas ativas dos alunos em forma de leitura/escuta = réplica, estabelecendo diálogos contínuos que podem ultrapassar os limites de apenas uma aula. É necessário ter, como afirma a autora, a finalidade de explanar as possibilidades do texto para que esse se constitua como gênero do discurso e ato enunciativo escrito.

Diante disso, vale salientar que a prática de escrita é resultado de leituras realizadas em período preliminar. Aqui, objetivamos propor que a escrita seja fruto de reflexões realizadas em sala de aula, para que ela não sirva como representação de simples leituras de textos diversos, mas sim, que apenas um texto, de um único gênero do discurso, funcione como aporte crítico para a construção de textos coesos, coerentes e ricos em informações adquiridas da prática de reflexão e interação em sala de aula.

Conforme Angelo e Menegassi (2011, p. 207),

A compreensão de um discurso escrito consiste num modo de orientação discursiva para autor e leitor: o autor orienta-se em função do seu leitor e este, em função daquele e da contrapalavra que solicita no processo de interação. Esta dupla orientação, presente na produção e na leitura do enunciado, instaura a relação dialógica entre os sujeitos, caracterizando, dessa forma, a enunciação.

Compreender o discurso escrito, então, corresponde a aquisição de uma habilidade de extrema necessidade para/no processo de ensino-aprendizagem de língua materna, pois, é nesse processo que o aluno se prepara para assumir os dois papeis que os autores mencionam na fala apresentada acima. Nessa perspectiva, o aluno que constrói um texto visando propiciar interação com os interlocutores estar-se-á demonstrando o processo de ensino-aprendizagem eficaz a que foi submetido durante a formação.

Assim, portanto, desenvolver uma concepção de linguagem pautada na questão dialógica é um ato de extensa responsabilidade na formação do professor de língua materna. A ele, dessa forma, cabe os atos de planejar, denominar os materiais necessários para uma prática de ensino eficiente para desenvolver o senso crítico e reflexivo dos alunos e observar a compreensão responsiva ativa dos alunos em situação de aprendizagem mútua e coletiva em sala de aula.

Considerações finais

No intuito de nortear as considerações finais desse trabalho que teve a finalidade de apresentar aos professores de língua materna uma concepção de linguagem dialógica e apontar maneiras interessantes para desenvolver essa concepção no trabalho com ensino e aprendizagem de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 171 de 188 língua materna em sala de aula, acreditamos ser interessante partir da noção de palavra materna apresentada por Bakhtin: “A palavra nativa é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, ou melhor, como a atmosfera na qual habitualmente se vive e se respira” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p.100 apud ZOZZOLI, 2012).

Se pensarmos a língua materna em seu papel sociocultural, visualizamos uma grande riqueza de contribuições, onde, aqui, seria impossível nominá-las ou contabilizá-las, uma vez que essa faz parte dos nossos primeiros contatos com a linguagem no decorrer da vida e é por meio dela que atingimos os primeiros limites da vida social como cidadãos que somos, assumindo papéis importantes cada vez mais cedo. Nesse contexto, a atenção dada a língua materna em pesquisas em linguística são de extrema relevância e precisão, pois a língua portuguesa está longe de ser concebida como língua morta.

Assim, em contexto de ensino-aprendizagem e formação de professores de língua materna, a atenção carece ser ainda maior devido à grande importância que a escola tem no desenvolvimento do conhecimento linguístico/discursivo do aluno no âmbito escolar. Esse fato foi o principal ponto que nos fez recorrer a uma concepção dialógica de linguagem, a qual atua com grande influência na formação de professores que, antes de tudo, são falantes preocupados e empenhados em passar todo o seu trajeto profissional apresentando a novos púbicos as múltiplas manifestações de linguagem presentes na atualidade.

Nessa linha de pensamento, é inegável afirmar que as noções presentes no círculo bakhtiniano que explanamos aqui são importantes para o trabalho do professor e a aprendizagem do aluno sobre língua materna, tendo a capacidade de compreender o processo enunciativo que desenvolve a linguagem humana por meio dos atos constituintes dos gêneros do discurso de modo em que são submetidos a observação da compreensão responsiva ativa realizada pelo professor de língua materna em sua prática.

Contudo, a elaboração de um trabalho científico nunca suporta totalmente as necessidades do público alvo de trabalhos em todos os campos de conhecimento. Nesse caso, esperamos que o presente trabalho sirva como base para a concretização de outras pesquisas teóricas, metodológicas e práticas/descritivas no campo dos estudos da linguagem, enriquecendo, cada vez mais, a produção científica em Linguística, Letras e Artes.

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Tânia Maria Silva Ramalho94 Diondetson Rocha de Oliveira95 Vanderlei Batista Dos Santos96 Maria Luiza de Freitas Konrad97

Resumo Este trabalho foi desenvolvido na Escola Estadual Professora Zulmira Magalhães, no distrito de Canabrava, zona rural do município de Arraias, sudeste do estado do Tocantins, tendo como objetivo despertar a sensibilização ambiental dos educandos bem como propiciar o resgate de conhecimentos tradicionais dos alunos, através do desenvolvimento de um projeto de produção de hortaliças. As atividades desenvolvidas possibilitaram a exploração da produção de hortaliças, se valendo dos saberes tradicionais e suas informações para essas práticas. Como resultado, verificou- se a disseminação de plantios de hortas, perpetuando os conhecimentos tradicionais e a troca dos saberes e práticas. Palavras-chave: Saberes e práticas tradicionais; meio ambiente.

Abstract This work was developed at the State School Professora Zulmira Magalhães, in the district of Canabrava, rural area of Arraias, southeast of the state of Tocantins, aiming to raise environmental awareness among learners as well as promote or rescue traditional knowledge of students through the development of a vegetable production project. The activities developed allowed the exploration of the production of vegetables, using traditional knowledge and its information for this practices. As a result, there was a spreading of garden plans, perpetuating traditional knowledge and an exchange of knowledge and practices. Key words: Traditional knowledge and practices; environment.

Introdução

A Educação Ambiental é definida como processos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, e competências voltadas para conservação do meio ambiente bem como de uso comum do povo sua saúde, qualidade de vida e sua sustentabilidade, de acordo com a Lei Federal 9.795 de 1999 (BRASIL, 1999).

Nesse sentido, torna-se imprescindível o desenvolvimento de ações que potencialize o fortalecimento dos saberes voltado para a Educação Ambiental, como forma de desenvolver a consciência coletiva voltada para a promoção da qualidade de vida e sustentabilidade, segundo Reigota (2004).

Para o mesmo autor, a educação visa o desenvolvimento sustentado e se fundamenta principalmente nos aspectos sócio-éticos e não nos produtivos e econômicos, pois a problemática ambiental nos obriga a pensar na nossa história e cultura, assim como na nossa formação social,

94 Graduada em Biologia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus Arraias. 95 Graduado em Engenharia Ambiental (2013) e atualmente é Pós Graduando em Geoprocessamento Ambiental pela Universidade de Brasília - UnB. 96 Graduado em Biologia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus Arraias. 97 Doutorado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas (2003). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Tocantins, pesquisador colaborador da Universidade de Brasília e coordenador de biologia - bolsista FNDE da Universidade Federal do Tocantins.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 174 de 188 econômica e política. Neste sentido, Stengers (1992) argumenta que a educação ambiental não deve se preocupar em transmitir conhecimentos, considerando que não só aprendemos do outro, mas criamos com o outro.

De acordo com Branco (2004), sabe-se que os recursos naturais existentes na Terra são suficientes para atender às necessidades de todos os seres vivos do planeta se forem manejados de forma eficiente e sustentável. Para Levi-Strauss (1997) os saberes e práticas tradicionais praticados por diversos povos do campo sobre o modo de produções naturais, tem ao longo dos anos mostrado que é possível produzir sem a utilização de produtos de melhoramento do solo. Neste contexto o autor afirma que os conhecimentos tradicionais das populações indígenas mostram atitudes e mecanismos que lhes permitiam lidar com a natureza de forma harmônica, garantindo a alimentação de si e dos demais componentes dos grupos.

Segundo Balick & Cox (1996) o conhecimento tradicional indígena e o científico ocidental estão epistemologicamente próximos. Assim com a miscigenação de povos, indígenas, africanos, português e outros ocorrem uma mistura de cultura, sendo que um povo aprende com os outros passando de geração a geração diferentes meios de produção similares a natureza.

Diegues et al. (2000) definem o conhecimento tradicional como “o conjunto de saberes e saber-fazer” a respeito do mundo natural que são transmitido oralmente para as gerações futuras. Para estes autores, o conhecimento tradicional diz respeito às informações acumuladas ao longo do tempo por uma determinada comunidade em relação às suas práticas, seus valores, sua cultura, vivências e experiências. Tais conhecimentos não são permanentes nem inabaláveis, pois são gerados, modificados e reformulados pela comunidade.

A definição de saber tradicional de Castro (2000) é o resultado do acúmulo de experiências vivenciadas pelos indivíduos em um lugar, na relação que estabelecem com o ambiente natural e social e, da mesma forma, a memória coletiva de um grupo que se reproduz na relação entre os sujeitos e seus pares e as ações práticas vivenciadas na relação homem /natureza possibilitam aos indivíduos a formulação e acumulação do conhecimento.

Lima (2005) corrobora a argumentação anterior, pois entende que as ações práticas vivenciadas por componentes de populações tradicionais, no meio natural, permitem a elaboração de diversos saberes, os quais se originam na experiência cotidiana, possibilitando assim o seu acúmulo pelos sujeitos.

Na mesma linha de pensamento, Carvalho & Lelis (2013) afirmam que saberes tradicionais compõe um conjunto de informações, modo de fazer, criar e saber, que são transmitidos oralmente entre os participantes de um determinado grupo, transcendendo gerações, via de regra agregados à conservação da biodiversidade e que representam não somente o trabalho de uma comunidade, mas constituem parte de sua cultura, suas práticas e seus costumes.

As diferentes formas de trabalho desenvolvidas no meio natural são importantes para a adaptação dos indivíduos em um ecossistema de alta complexidade, e para a consolidação de uma cultura intimamente ligada à natureza. Com o desenvolvimento de práticas pouco impactantes no uso dos recursos naturais, que permitem na relação com o outro uma sociabilidade, hoje, abalada pelo advento da modernidade que propiciam a acumulação e reprodução de diversos saberes tradicionais (LIMA, 2005).

Castro (2000) salienta que a existência de uma lógica dominante fundamentada no conhecimento técnico e na viabilidade econômica que se sustenta em normas e procedimentos próprios, ignorando o saber prático historicamente construído, tem influenciando intensamente a sociedade moderna suas tecnologias e desdobramentos.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 175 de 188 Assim os saberes acumulados durantes séculos não podem ser desvalorizados, pois estes saberes têm mostrado ao longo dos anos que é possível estabelecerem uma relação harmoniosa com o meio natural. Cada pedaço de solo pode ser propenso à produção, sendo necessário somente que o homem compreenda como lidar com cada necessidade para utilizar das técnicas e recursos naturais que possam melhorar aquele espaço deixando-o pronto para a produção. Atualmente há uma desvalorização dos saberes e conhecimentos tradicionais das comunidades rurais e por essa razão corre-se o risco das futuras gerações não terem acesso a tais saberes e conhecimentos. Neste contexto, a escola com seus saberes sistematizados tem a missão de fazer essa conexão para que o conhecimento não se perca e seja utilizado como meio de melhoria da qualidade de vida dessa comunidade.

A produção da horta na escola a partir da valorização dos saberes tradicionais, visa desenvolver dinâmicas que possam articular e envolver todos os alunos e equipe escolar que estejam dispostos a trabalhar na produção de hortaliças, em sentido de fortalecer a vivencia e proporcionar momentos de convívio social entre alunos e docentes.

Segundo Morgado (2006) A horta inserida no ambiente escolar pode ser um laboratório vivo que possibilita o desenvolvimento de diversas atividades pedagógicas em educação ambiental unindo teoria e prática de forma contextualizada, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem e estreitando relações através da promoção do trabalho coletivo e cooperado entre os agentes sociais envolvidos.

Os saberes acumulados pelos membros da comunidade escolar são recuperados para serem aplicados a produção da horta, com a intencionalidade de mostrar que a ideia de baixa produtividade em plantios familiares, muitas vezes imposta pela sociedade moderna, não se aplica a todos os contextos sociais.

Percebe-se diante desta reflexão o quanto é importante a valorização dos saberes tradicionais e das práticas de um povo, justificando a aplicação de um projeto de produção de hortaliças na Escola Estadual Zulmira Magalhães.

Neste contexto, este trabalho teve como objetivo central despertar a sensibilização ambiental dos educandos bem como propiciar a interiorização de hábitos alimentares saudáveis e resgate de conhecimentos tradicionais dos alunos do 7º Ano da E. E. Zulmira Magalhães, através do desenvolvimento de um projeto de produção de hortaliças.

Material e métodos

As atividades práticas deste trabalho foram desenvolvidas na Escola Estadual Professora Zulmira Magalhães, situada no distrito de Canabrava, zona rural do município de Arraias, sudeste do estado do Tocantins. O distrito distancia 36 km da sede do município.

Conforme o Projeto Político Pedagógico (PPP), a Unidade Escolar está amparada pela Lei de criação nº. 5.330/64 de 29/09/64 da Assembleia Legislativa, adotada o regimento escolar e a estrutura curricular padrão da Secretaria da Educação (SEDUC).

Atualmente estão matriculados 220 alunos e oferecidos os seguintes níveis e modalidades de ensino, distribuídos em dois turnos, matutino e vespertino sendo: Ensino Fundamental Regular, primeira fase 5º ano, segunda fase, 6º ao 9º e Ensino Médio Regular. A escola recebe alunos oriundos do Distrito de Canabrava e em regiões circunvizinhas, uma comunidade rural humilde, que sobrevivem com renda mensal baixa ou não possuem renda mensal fixa, se mantendo através de serviços braçais.

Ao analisar a escola, verifica-se que ela avançou em vários aspectos, dentre os quais, a função social que ampliou de simples instituidora do saber, para o trabalho de valorização do ser humano, voltado para as relações interpessoais e apresentar atitudes produtivas para facilitar e Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 176 de 188 favorecer a parceria entre escola e comunidade. Dentre os projetos e medidas que a escola implantou destacam: Horta Escolar, Projeto Dengue, Projeto Meio Ambiente, Palestras Educativas com temas diversos.

As ações da Unidade estão voltadas para o crescimento e bem-estar de todos. Conta com o efetivo apoio da Secretaria Regional na discussão de medidas, programas e projetos oferecendo capacitações e esclarecendo dúvidas prestando ajuda técnica e financeira. Na escola há uma equipe de profissionais comprometidos no cumprimento de seus objetivos e metas educacionais e também com a boa participação em todas as atividades desenvolvidas pela Unidade Escolar, mostrando disposição em contribuir e ajudar para o crescimento, sucesso e permanência do aluno na escola.

A Escola Estadual Professora Zulmira Magalhães tem se preocupado com o desenvolvimento do educando para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, procurando adequar-se, na medida possível à realidade socioeconômica e cultural da comunidade a que serve. E também tem procurado desenvolver todas as ações propostas no PPP.

A princípio os integrantes do projeto participaram de um minicurso ministrado pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins – Ruraltins, Órgão de extensão rural do Estado do Tocantins. Neste minicurso foram apresentados os fundamentos, técnicas e manejo de horticultura orgânica, bem como preparar uma compostagem. Além da teoria, a equipe técnica do Ruraltins desenvolveu a parte prática de preparo da compostagem.

Entretanto, salienta-se que durante todas as etapas do projeto, ainda que se tenha lançado mão de minicurso por Órgão técnico, foram aplicados os conhecimentos tradicionais. Neste aspecto, destaca-se o ponto de plantio, que segundo o conhecimento tradicional, deve ser realizado após a Semana Santa, que é o período que se inicia a estiagem na região.

A senhora Hilda Ferreira da Silva, antiga moradora do distrito de Canabrava e de grande domínio dos conhecimentos tradicionais aplicados a agricultura, teve participação efetiva no projeto. Desde a montagem da compostagem e canteiros da horta contou-se com a colaboração e instrução na condução dos trabalhos pela senhora Hilda Silva, que também foi consultada na tomada de decisões e na resolução de problemas como pragas ou ervas companheiras (daninhas).

A partir dos conhecimentos tradicionais, bem como as técnicas adquiridos no minicurso, foi realizada a escolha do local, visando facilitar os trabalhos e manutenção, e principalmente à segurança dos alunos, observando o nivelamento do terreno, a posição do vento e a incidência de luz solar.

Outro fator que foi levado em consideração, foi o cercamento apenas dos canteiros, a fim de evitar a entrada de animais e pessoas alheias a atividade, uma vez que a escola é toda cercada por muros de alvenaria, não. Além disso, verificou-se a distância segura de sanitários, esgotos e chiqueiros, com o intuito de evitar contaminação dos alimentos por patógenos. Com o local definido, iniciou-se a parte prática do projeto, com a compostagem.

Para fazer a compostagem foram utilizados galhos verdes, folhas secas, pó de serragem, esterco de gado e calcário formando camadas sucessivas médias de 0,1 m. A estabilização da matéria orgânica, quando o composto fica com aspecto de solo e odor característico: de mata fechada, do composto ocorreu em três meses.

Durante o processo de estabilização da matéria orgânica da compostagem, iniciou-se também a preparação do terreno. Para preparação do solo foi utilizado um trator da comunidade externa. Na sequência, professores, alunos (do 7º Ano I do Ensino Fundamental, turno matutino - 17 meninos e 06 meninas, com idades entre 12 a 24 anos) e alguns membros da comunidade externa fizeram a quebra dos torrões e a formação dos canteiros. Para tanto, utilizaram ferramentas como: enxadas, enxadões, rastelo, mangueira, caixa para depósito da água, esterco, regradores, sementes e mudas de hortaliças. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 177 de 188

Foram implantados dez canteiros com vários formatos: de 2,0 a 5,0 m de comprimento e 1,0 m de largura, espaçamento entre as ruas e/ou fileiras de 0,5 m para facilitar o manejo dos canteiros. Utilizou-se também pequena vala de 0,20 m de profundidade colocando as garrafas pet cheia de água com o gargalo para baixo, em seguida juntava a terra para dar apoio às garrafas no chão com a finalidade de evitar desmoronamento dos canteiros no período da chuva e para manter a integridade dos canteiros. Outros canteiros foram cercados por tábuas e pneus com a mesma finalidade de proteção.

As covas para o plantio das hortaliças foram espaçadas, medindo 0,2 x 0,2 m ou 0,3 x 0,3 m, com 0,2 m ou 0,3 m de profundidade. O plantio, tanto das sementes como das mudas, foram realizados diretamente no canteiro. O plantio do canteiro foi realizado em março de 2016, utilizando a técnica de plantio a lanço. Foram plantados: beterraba, cenoura, mostarda, coentro, rúcula, cebolinha e pimentão. Observando-se quais delas estavam mais próximas ou distantes para evitar alelopatia ou sombreamento, de acordo com orientação da Senhora Hilda Ferreira da Silva.

Na sequência do plantio, realizou-se irrigação dos canteiros, por meio de regadores, duas vezes ao dia. Nos dias letivos, a irrigação foi conduzida pelos próprios alunos, orientados pelos professores. Já nos finais de semana e feriados, os guardas da escola ficaram incumbidos da tarefa.

Após todas as etapas anteriores, quando já colhiam os resultados da horta, foi aplicado questionário a pais de alunos residentes nas comunidades Canabrava e Boa Vista e na comunidade quilombola Lagoa da Pedra. Essas comunidades foram escolhidas em função de serem quem mais demandam alunos para a Escola Estadual Profª Zulmira Magalhães.

O questionário consistiu nas indagações abaixo:

1 - Tem horta na sua casa? ( ) sim ( ) não 2 - O que mais planta na sua horta? 3 - Onde adquiriu experiências e práticas para o manejo da horta? 4 - Percebem a diferença na alimentação com produtos da horta? 5 - Quais benefícios tem a horta para você?

Resultados e discussões

Após aproximadamente três meses a horta já estava produzindo alimentos. Conforme as hortaliças ficavam prontas para colheita, os alunos já podiam saborear os produtos (beterraba, cenoura, couve, cebolinha verde, coentro, mostarda e rúcula) produzidos por eles mesmo, já que as hortaliças eram utilizadas na merenda escolar.

Após a implantação da horta e seus resultados, três pais de alunos procuraram os desenvolvedores do projeto para orientá-los a implantar uma horta similar em suas residências, pois admiraram os resultados positivos promovidos por ela. Foi transmitido verbalmente o modo de produção, os diversos passos e prazos de como realizar o plantio e a produção de hortaliças em suas residências, nos moldes aplicados na escola.

Além disso, também foi verificado que os alunos acompanharam atentamente todo o desenvolvimento das hortaliças, perceberam a importância do trato cultural para o bom desenvolvimento do plantio, assim como observaram que é possível produzir alimentos de forma simples com a utilização dos saberes tradicionais.

Outro ponto importante foi a contribuição para a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, pois após a inserção das hortaliças na merenda escolar, os alunos passaram a se alimentar melhor, com maior variedade, qualidade e sabor.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 178 de 188 Seguindo nesse sentido, através da implantação da horta na escola, pode-se proporcionar aos alunos um ambiente de aprendizado sobre diversos assuntos, como o conhecimento sobre agricultura, saberes tradicionais e a importância de alimentação saudável com o consumo de hortaliças.

Através de entrevistas com os pais dos alunos participantes foi possível verificar que os mesmos aproveitaram e internalizaram os processos vivenciados, pois puderam melhorar ou iniciar uma horta em suas residências.

Quanto a primeira indagação do questionário sobre a presença ou não de horta na residência dos moradores, 80% das respostas foram positivas. Sendo que dois moradores montaram suas hortas após o projeto.

Já na segunda questão, perguntou-se sobre quais hortaliças tem predominância nas hortas dos entrevistados. De acordo com as respostas do questionário, as hortaliças mais plantadas pelos moradores foram: cebolinha verde, coentro e couve, que se mostraram presentes em 100% dos entrevistados que já possuíam hortas.

O terceiro questionamento referente a fonte de experiência e prática com o manejo de horta, a maioria dos entrevistados respondeu que aprenderam a lidar com horta por meio de conhecimento tradicional, passado de pai para filho. Apenas um entrevistado informou que aprendeu com pesquisas e reportagens de TV.

No quarto quesito buscou-se procurar entender a percepção do entrevistado quanto a alimentos produzidos ou não em hortas domésticas. Neste quesito 100% responderam que sim e que as hortaliças produzidas em casa possuem melhor sabor.

Já no quinto questionamento, perguntou-se quais os benefícios da horta na visão dos entrevistados. Por unanimidade, a melhora na alimentação apareceu nas respostas, mas em conjunto também foram elencados três pontos: melhora na renda, doação aos necessitados e melhora na saúde.

A horta inserida mostrou-se um referencial para comunidade escolar e para a escola, tendo em vista a criação e melhor manejo de hortas pelos moradores da região, após a execução do projeto, seguindo as recomendações dos integrantes do projeto; possibilitou o desenvolvimento de diversas atividades pedagógicas em educação ambiental e alimentar, fazendo a conexão da teoria e prática de forma contextualizada, considerando os saberes tradicionais, contribuindo no processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais

Os saberes tradicionais expressos pela senhora Hilda Ferreira da Silva, aliado a parceria com o Ruraltins, possibilitou a aplicação de técnicas de cultivo, auxiliou a comunidade escolar no planejamento, execução e manutenção das hortas, levando até ela princípios de horticultura, compostagem, formas de produção dos alimentos e o solo como fonte de vida.

Assim, pensar na escola como uma instituição onde a utilização do alimento produzido seguindo os conhecimentos tradicionais seja um dos elementos do projeto pedagógico pode abrir possibilidades de novas abordagens educativas para estudantes, professores e dirigentes. Para isto, há necessidade de reflexão de como são desenvolvidas as ações de educação em saúde e nutrição dentro do processo de diversificação de alimentos na merenda escolar.

Referências BALICK, Michael; COX, Paul. Plants, People and Culture. The Science of Ethno botany, Scientific American Library. USA. 228 p. - 1996. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 179 de 188 BRANCO, Samuel Murgel. Energia e Meio Ambiente. 2ª Ed. Reform. São Paulo: Moderna, 2004. BRASIL, Lei Federal nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Educação Ambiental. CARVALHO, Fábia Ribeiro de; LELIS, Acácia Gardênia Santos. Conhecimento Tradicional: Saberes que Transcendem o Conhecimento Científico. Curitiba, 2013. CASTRO, E. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais. In: DIEGUES, A.C. (org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção nos trópicos. São Paulo: Annablume /NUPAUB/HUCITEC: 2000. p. 165-182. DIEGUES, A. C. S. et al. Saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil.São Paulo: USP, 2000. LEVI-STRAUSS, C. Mito e Significado. Lisboa: Edições 70, 1997. LIMA, Walter Chile R. Ambiente e lugar: Estudo da Comunidade São José do Furo Maracapucu, Abaetetuba – Pará. Monografia. Belém: NUMA/UFPA, 2005. MORGADO, Fernanda da Silva.A horta escolar na educação ambiental e alimentar: experiência do Projeto Horta Viva nas escolas municipais de Florianópolis. Florianópolis (SC) 2006. p2. REIGOTA, Marcos.Meio Ambiente e Representação Social: [ prefácio de Nilda Alves ] – 6ª Ed- São Paulo, Cortez, 2004. – (Questões da nossa época; v.41). Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 180 de 188

REFLETINDO SOBRE A PRÁTICA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE

Wansley F. de Freitas98 Renata Lourenço99

Resumo O objetivo deste estudo é fazer uma reflexão de Paulo Freire, em defesa do diálogo entre educador/educando, como consolidação de uma educação popular. Para a concretização de suas ideias e amparo constituído em uma proposta que passe a olhar de forma mais aprofundada professores e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Freire, nos apresenta dois tipos de educadores: professor da ação dialógica e o da ação antidialógica, sendo que o mesmo conclui que os relatos e as experiências de vida dos alunos/as devem fazer parte do cotidiano de educadores como uma excelente ferramenta, metodológica de trabalho. Palavras chave: Diálogo. Educadores. Educandos.

Resumen El objetivo de este estudio es hacer una reflexión de Paulo Freire, en defensa del diálogo entre el profesor / estudiante, como la consolidación de una educación popular. Para la realización de sus ideas y apoyo realizado en una propuesta para pasar a observar con más profundidad los profesores y estudiantes de la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA). Freire, presenta dos tipos de educadores: profesor de la acción dialógica y la acción antidialógica, y concluye que los informes y las experiencias de vida de los alumnos / as deben ser parte de los educadores de todos los días como una excelente herramienta, trabajo metodológico. Palabras clave: Diálogo. Educadores. Estudiantes.

Considerações iniciais

O professor, um dos agentes principais no trabalho com a EJA, exerce a importante função de mediar o conhecimento de mundo que os alunos - jovens e adultos – trazem, com os conteúdos próprios e somente acessados no contexto escolar, o que pressupõe um profissional que saiba relacionar a teoria (aprendida na Universidade) e a prática (a reais necessidades dos alunos). Para Freire (1997, p. 11) “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. Nesse sentido, é ao exercer sua função docente de uma forma dialógica, ou seja, promovendo o diálogo e buscando a interlocução, ou à distância, entre o que o aluno sabe e o que a escola espera que seja aprendido, que o professor estabelece um verdadeiro canal de comunicação que pode promover situações de aprendizagem e produção de significados pelos sujeitos em formação.

Para tanto, o professor precisa, também, se colocar no lugar de aprendiz: aprender a ouvir, o que significa não somente escutar o que dizem verbalmente, mas oferecer uma escuta sensível ao que não é dito, mas demonstrado. O desinteresse, o desânimo, a “bagunça”, podem ser indicadores de que os conteúdos escolares, da forma como estão sendo apresentados, não estão fazendo sentido para os estudantes. Assim, o professor deve, também, aprender ao ensinar. A formação é um processo que não se encerra com a graduação e a diplomação: ela se estende

98 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Paranaíba, Mato Grosso do Sul, Brasil. 99 Prof. Dr. com dedicação exclusiva da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Regional, das Américas, História Indígena, História da Educação, relações étnico-raciais, História aplicada ás Ciências Sociais, atuando na pesquisa principalmente nos seguintes temas: educação escolar indígena, movimento de professores, História da Educação e politicas públicas. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 181 de 188 durante toda a carreira, num processo constante de desenvolvimento profissional. Aprender a ouvir envolve estar atento às histórias de vida dos alunos, que constituem sua identidade.

Nesse sentido, os relatos e as experiências de vida dos alunos/as podem ser uma excelente ferramenta, como objeto de reflexão permanente do fazer do educador, pois todos os envolvidos no processo de ensino/aprendizagem possuem suas histórias, fazem ou já fizeram parte de grupos sociais que produzem ou produziram conhecimentos. O que confere o conhecimento e sua práxis é a certeza de fazer parte do mundo, conhecer sua própria história e realidade, ser um sujeito emancipado dentro da instituição escolar, agente de sua própria historicidade. Conforme explica Freire (1997, p. 15):

O professor que pensar certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro antes que foi novo e se fez velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã.

Os sujeitos que procuram a EJA buscam a realização de um sonho passado através de gerações, o sonho, difundido e cristalizado no imaginário popular, de que a ascensão social se dará por meio da educação escolar e por seus méritos. No discurso ideológico e político vigente, quando alguém não “vence” na vida, não obtém sucesso, é porque não aproveitou as chances ofertadas pelo Estado para estudar e “ser alguém”. Excluem-se totalmente os fatores sociais que levam à expulsão escolar e a omissão do Estado frente às condições em que vive boa parte da população que acabará, por fim, sendo o público alvo da EJA e de políticas de compensação.

Assim, desde que se entendem como sujeitos no mundo, essa parcela populacional é levada a acreditar que não há melhoria nas condições de vida se não for pela educação. Impedidos, por motivos vários, de frequentar a escola enquanto crianças ou adolescentes retornam a ela jovens, adultos e idosos que muitas das vezes acabam se culpando por sua situação de não escolarizado, com problemas de autoestima e desacreditado de sua capacidade intelectual.

No entanto, apesar de todas as adversidades e mesmo frente à precariedade das políticas públicas educacionais, buscam por novos horizontes, na expectativa de traçar rumos melhores na construção de suas histórias de vida.

Paulo Freire e a prática dialógica

Para os educandos da EJA, a escolarização se apresenta como um caminho de mudança, e creem que seus professores podem promover, por meio das suas práticas educativas, a possibilidade de vivenciarem o novo, de reescreverem sua história de vida, pois, Freire, (1992, p.47), afirma que:

[...] Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se. Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no mundo e não da pura adaptação ao mundo, terminaram por ter no sonho também um motor da história. Não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança.

É a partir dessa necessidade de sonhar, ter esperança e fazer sua história, que se pode vislumbrar na Educação de Jovens e Adultos um caminho que pode vir a ser gratificante, especialmente para quem se propõe a pesquisar sobre o tema. Ouvir e dar vozes aos alunos proporciona um conhecimento incomparável sobre as histórias de vidas e como os professores, gestores e instituição) dialogam sobre suas práticas. Respeitar as experiências dos educandos e aproveitá-las em sala de aula pode viabilizar o cumprimento das adaptações propostas no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola na modalidade da EJA. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 182 de 188

Paulo Freire, defensor do diálogo entre educador/educando, trabalha em defesa da consolidação de uma educação popular100 e da constituição de um professor que passe a vivenciar e compreender o mundo em que se inserem seus alunos, por meio da prática do diálogo.

O autor define dois tipos de professores: o educador da teoria da ação antidialógica - que não se preocupa com o educando, faz ele mesmo o papel de escolher o que trabalhar com seus discípulos e fornecer todas as respostas, sem ao menos se preocupar em instigar o conhecimento de seus educandos. Conforme destaca Freire (1987, p. 47):

Para o ‘educador bancário’, na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente, não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele não existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertará a seus alunos. E a esta pergunta responderá ele mesmo, organizando seu programa.

Na sequencia, Freire define o outro modelo de professor: o educador da teoria da ação dialógica, chamado por ele de educador investigador ou professor humanista, por se preocupar com o conhecimento prévio do educando, trabalhar com temas geradores levando em consideração o universo temático que é de interesse dos sujeitos. Para Freire, o que se pretende buscar por meio do diálogo é investigar a percepção da realidade destes homens e a visão de mundo em que se encontram envolvidos,

O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus ‘temas geradores’(FREIRE, 1987, p.50).

Freire, ao sugerir que os educadores se voltem para o campo da investigação, em busca de conhecer os sujeitos com quem partilha os conhecimentos escolares, propõe que o educador conheça um pouco da cultura de seus educandos. Surge aí uma ingerência cultural dentro do campo da educação, uma troca de conhecimento entre educadores/educandos, por meio do diálogo.

Outro conceito idealizado por Freire refere-se à formação dos círculos de cultura101, que deve servir-se de um ambiente em que seja possível o intercâmbio de concepções sobre o programa de alfabetização de adultos, tendo como foco principal as palavras geradoras. Freire (1987, p.68) observa que:

Com a experiência que hoje temos, podemos afirmar que, bem discutido o conceito de cultura, em todas ou em grande parte de suas dimensões, nos podem proporcionar vários aspectos de um programa educativo. Mas, além da captação, que diríamos quase indireta de uma temática, na hipótese agora referida, podem os educadores, depois de alguns dias de relações horizontais com os participantes do círculo de cultura, perguntar-lhes diretamente: Que outros temas ou assuntos poderíamos discutir além deste?

Paulo Freire considera a cultura como algo dinâmico, que faz parte da vida do homem, ou seja, está entrelaçada à história do sujeito e com ela o homem constrói seu modo de vida. Ao criar seu próprio mundo, o homem passa a criar sua própria cultura, ou seja, para Freire o sujeito cria a cultura e é por ela condicionado.

Outra denominação da cultura dada por Freire é a “cultura do silêncio”, que torna os homens oprimidos e condicionados à sua própria condição humana. Para o autor, ler, escrever e conhecer os sentidos das palavras ajuda aos sujeitos a se livrar do medo da opressão.

100 O movimento de educação foi uma das várias formas de mobilização adotadas no Brasil. 101 Círculo de Cultura é a prática de alfabetização de adultos idealizada por Paulo Freire no início dos anos 60, que substitui a de turma de alunos na sala de aula, por meio de suas experiência de vida, no círculo de cultura se aprende com o dialogo, que estimula os estudantes a aprender, por meio das palavras geradoras. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 183 de 188

Ao formarem-se como pesquisadores, os educadores que trabalham dentro da concepção de conhecer o universo do “outro”, não esperam o pronto e acabado, antes, veem que a educação, não só na modalidade EJA, mas em qualquer uma de suas modalidades, necessita a cada dia de práticas condizentes com a realidade dos educandos. Fomentar novas ideias e transformá-las em ação, na perspectiva de educação idealizada por Freire, pode auxiliar a concretização da universalização da educação, ajudando a diminuir o índice de analfabetismo no Brasil.

Enfim, é preciso compreender a importância do estabelecimento de um vínculo entre educador/educando, reconhecendo a escola como produtora e reprodutora de uma cultura (Juliá, 2001), percebível em suas normas e arquivos escolares. Colocar em prática os conceitos defendidos por Paulo Freire não se reduz a utilizá-los, esporadicamente, em citações reflexivas, mas praticá-los e exercê-los de fato no cotidiano escolar, como agentes envolvidos no processo de ensino/aprendizagem.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi apresentar uma reflexão de Paulo Freire, em defesa do diálogo entre educador/educando, como consolidação de uma educação popular. Para Freire, a educação só acontece diante do compromisso do educador com sua prática.

Diante da reflexão de Freire, cabe ao professor desenvolver estratégias de ensino, para despertar seus alunos ao aprendizado, valorizando o diálogo, sua cultura e sua vivência de mundo, superando seus medos e fortalecendo seus sonhos, tornado - os conscientes de sua participação e importância na tomada de decisões na sociedade.

Portanto, nesta educação dialógica não há lugar para uma concepção bancária, pois o professor apresenta ao aluno conteúdos do seu universo, vivenciados pelos próprios educandos, fazendo com que o mesmo passe a lidar diariamente com palavras geradoras, que facilite o seu aprendizado e estimule-o no seu dia-a-dia.

Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido (1968). 17 ed. Rio de Janeiro. PAZ e TERRA, 1987. ______.Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água, 1997. ______.Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. RJ: Paz e Terra, 1992. JULIÁ, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista brasileira de história da educação. Maringá, v. 1, n. 1, p. 5-43, jan/jun. 2001. Enviado em 31/12/2016 Avaliado em 15/02/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 184 de 188

RESENHA CRÍTICA ARTICULADA

Marcus Vinícius da Silva Mestrando – Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem - UFF

Fotografia da Linguística Aplicada no campo das línguas estrangeiras no Brasil, escrito pelo Professor Doutor Luiz Moita Lopes (UFRJ); In: Revista de Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada. D.E.L.T.A, vol., 1999. Linguística aplicada no Brasil: uma perspectiva, escrito pelo Professor Doutor Luiz Moita Lopes (UFRJ). In.: LOPES, L., M. Oficina de Linguística Aplicada a Natureza Social e Educacional dos Processos de Ensino Aprendizagem de Línguas. S.L: Ed: Mercado de Letras, S.A. Linguística Aplicada, escrito pelo Professor Doutor Hilário I. Bohn (UFSC). In: BOHN, Hilário Inácio, VANDRESEN. Paulino. Tópicos em linguística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 1988, Afinal, como funciona a Linguística Aplica e o que pode ela se tornar?, escrito pelos Professores Doutores Décio Rocha (UERJ) e Del Carmen Daher (UFF).

O texto escrito pelo Professor Doutor Luiz Paulo Moita Lopes – Fotografia da Linguística Aplica no campo de línguas estrangeiras do Brasil - nos mostra como a Linguística Aplicada – LA se desenvolveu ao longo das últimas três décadas e como esse desenvolvimento acarretou num grande avanço significativo no campo da LA. Segundo Moita Lopes, existem três fatores muito importantes para esse avanço: a) os cursos de Pós-graduação; b) a introdução da disciplina Linguística na graduação de Letras e, finalmente, c) publicação de revistas de estudos, voltadas para questões de ensino de línguas estrangeiras com base nas diretrizes da Linguística Aplicada.

Além disso, o autor nos mostra uma visão geral do inglês como língua estrangeira no cenário brasileiro e o grande desinteresse pelo ensino de espanhol. Para mostrar essa suposição/ afirmação, o Prof. Moita Lopes, nos apresenta um panorama histórico bem amplo, no qual conseguimos identificar os motivos pelos quais o inglês tem sido mais valorizado do que o espanhol. Para ele, o grande desinteresse pelo ensino de língua espanhola tem dois motivos principais: i) pelo forte isolamento cultural e linguístico do Brasil, favorecendo, assim, o maior contato com os Estados Unidos, consequentemente o maior contato com a língua inglesa; ii) pela língua espanhola ser aparentemente similar a língua portuguesa.

Logo adiante, o autor faz cinco descrições e vai caracterizando cada uma delas do ponto de vista da leitura/visão em relação a LA, são elas: a) aponta sobre a – Ampliação do número de Programas de Pós-graduação; b) aborda – Tópicos de pesquisa mais típicos em LE no Brasil; c) nos mostrar com um olhar mais cuidadoso para – A criação das associações de professores de LES e de LA e a organização de eventos científicos; d) apresenta – O Projeto Nacional de Ensino de Inglês Instrumental; e) ilustra – O aparecimento de revistas científicas artbitradas e de livros de autores brasileiro, além de apresentar – A Publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras (PCNs de LEs).

Desse modo, como podemos ver, o Prof. Moita Lopes, nos mostra as fotografias e vai explicando e nos sinalizando sobre o Ensino de LEs, assim como o desenvolvimento de forma significativa da LA ocorrida nas últimas três décadas do Brasil. No que se refere as fotografias virtuais, o autor nos apresenta algumas questões bem importantes para o desenvolvimento da área de LEs no Brasil, visto que nos apresenta cinco tópicos bem relevantes: I) Uma política multilíngue de ensino de LEs; II) A consolidação dos programas existentes e a criação de outros; III) Algumas áreas a serem desenvolvidas no campo de LEs ; IV) Abordagens teóricas a serem prestigiadas e, por fim, V) Metodologia de Pesquisa.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 185 de 188 O Texto – Linguística Aplicada no Brasil: uma perspectiva, também escrito pelo Professor Doutor Luiz Paulo Moita Lopes, nos apresenta também um panorama bem amplo da Linguística Aplicada no Brasil e como ela teve um grande avanço significativo, retomando assim a discussão apresentada no texto anterior, além de trazer algumas contribuições relacionadas aos problemas de uso da linguagem na sociedade.

Segundo o autor, em 1990, ocorre uma grande organização em términos políticos na área de linguística a fim de se incentivar os investimentos/financiamentos na área. Para ele, a LA não é um apêndice da linguística e essa falsa relação é prejudicial para o desenvolvimento da LA, uma vez que essa relação ajudou a construir certo preconceito com a área. Por isso, na década de 90, as sessões propostas tentam tratam a LA como uma forma de conhecimento com o intuito de desenvolver a área e divulgá-la. Com esse intuito, foram criados alguns grupos/ eventos para reflexões, tais como: a) Grupo de Trabalho de LA da ANPOLL; b) O III Simpósio de LA e c) O I Intercambio de Pesquisa em LA.

Para o autor, quatro áreas tem se destacado no desenvolvimento de projetos e discussões, são elas: Ensino/ Aprendizagem de Língua Estrangeira (LE), Ensino/Aprendizagem de Língua Materna (LM), Educação Bilíngue e Tradução. Esses projetos e discussões na maioria das vezes estão relacionados à compreensão escrita.

Além disso, o Prof. Moita Lopes, nos atenta para uma questão bem importante da Linguística Aplicada, a formação do professor como ponto de discussão essencial, uma vez que a maioria dos projetos desenvolvidos pela LA, de certa forma, não conseguiram ir além das portas da academia, ou seja, não alcançaram definitivamente a sala de aula. Contudo, algumas medidas estão sendo tomadas de forma que ajudem uma melhor formação dos profissionais, tais como alguns programas de LA vêm oferecendo cursos de Pós-graduação voltados para essa formação.

O texto – Linguística Aplicada, escrito pelo Professor Doutor Hilário I. Bohn traz aspectos muito importantes para o entendimento da linguística como ciência. O autor nos faz um breve histórico entre a dicotomia entre “ciência pura” e “ciência aplicada”. Para tal explicação, o autor faz um percurso também por outras áreas, desde a definição e classificação do vocábulo em latim “Scientia” até o campo da Sociologia.

Segundo Hilário Bohn, a linguística aplicada surge em 1940, com o intuito de ajudar o desenvolvimento de materiais de ensino de línguas para questões relacionadas à Segunda Guerra Mundial e, por isso, as ciências aplicadas começam a ganhar mais peso. O autor nos mostra que essa mudança de perspectiva está atrelada ao avanço de tecnologia na Sociedade Moderna.

Além disso, o autor nos chama muita atenção para o caráter de interdisciplinaridade da Linguística Aplicada, uma vez que a LA pode ser aplicada a várias áreas do conhecimento, isto, para cada campo do conhecimento ela se encontrar ganhará uma nova perspectiva de abordagem, tornando, assim uma interdisciplinar.

O texto – Afinal, como funciona a Linguística Aplicada e o que pode ela se tornar?, escrito pelos Professores Doutores Décio Rocha e Del Carmen Daher nos aponta uma grande reflexão sobre a Linguística Aplicada, mostrando como a LA vem sendo desenvolvida nos últimos anos. Para isso, os autores fazem um debate histórico intenso sobre a denominação de “ciência pura” ou “ciência teórica” e, é claro, Linguística Aplicada, nomeada como “ciência aplicada”.

Além disso, segundo Décio Rocha e Del Carmen Daher, a melhorar maneira de não deixar os estudos de a Linguística Aplicada cair em falácias é descrever os modos como ela vem sendo trabalhada ao longo dos anos num percurso diacrônico. A LA, para eles, está intrinsecamente relacionada às demandas sociais, isto é, questões relacionadas com a sociedade. Desse modo, como podemos ver, a Linguística Aplicada transpõe a teoria para uma forma efetivamente prática e tem uma intrínseca relação com o ensino/aprendizagem de línguas, seja materna ou estrangeira.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 186 de 188 Segundo os autores, apesar das pesquisas estarem relacionadas com a sociedade, elas são selecionadas de acordo com os interesses, e não, necessariamente, como solucionar os problemas da sociedade, uma vez que a pesquisa tem um maior caráter e obrigatoriedade e são trabalhos exigidos pela academia para obtenção dos títulos.

Para os autores, Décio Rocha e Del Carmen Daher, a Linguística Aplicada também tem um caráter interdisciplinar, como expostos pelos outros autores, visto que dialogo com outras áreas do conhecimento, como: Etnografia, Sociologia, Psicologia, Filosofia, etc. Além disso, eles apontam dados sobre os investimentos tanto em Linguística quanto Linguística Aplicada, isto é, os autores fazem uma comparação entre o grau de investimento das duas áreas.

Outro fator bem importante que eles apontam é que a Linguística Aplicada na academia é vista como inferior às outras ciências, uma vez que para alguns especialistas a LA só passa de a aplicação efetiva das teorias. Para desmentir tal crédito negativo, os autores embasam suas reflexões e discussões em torno de uma citação de Deleuze (1979), a qual diz “nenhuma teoria pode ser desenvolver sem encontrar uma espécie de muro, e é preciso a prática para atravessar o muro”. Desse modo, esclarecem esses questionamentos negativos e concluem o texto expondo a posição de que a Linguística Aplicada não é apenas mera prática da teoria.

Os textos de Luiz Paulo Moita Lopes, Hilário I. Bohn , Décio Rocha e Del Carmen Daher são de fundamental importância para os estudantes de Letras, pois proporciona conhecimentos múltiplos e básicos da área de Linguística Aplicada. Os alunos que têm interesse pelo ramo da Linguística Aplicada é imprescindível à leitura dos textos exposto, visto que eles possuem uma linguagem clara e concisa, apresentam um panorama completo dos mais diversos assuntos ligados à Linguística Aplicada, desde o seu surgimento até sua aplicação hoje em dia.

Além disso, mesmo os alunos que não possuem interesse pela LA, é recomendada a leitura dos textos, uma vez que traz diversas discussões do ensino de línguas em sala de aula, o que é imprescindível para uma boa atuação em sala de aula. As reflexões apresentadas nos textos nos ajudam a compreender esse grande universo da Linguística Aplicada, nos causa dúvida e reflexão, nos ajudando a criar um pensamento mais crítico e abrangente em torno do ensino de línguas.

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RESENHA

TEIXEIRA, Lucia; SOUSA, Silvia; FARIA, Karla. Textos multimodais na aula de português: metodologia de leitura. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo. Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, p. 314-336, jul./dez. 2014.

Marcus Vinícius da Silva Mestrando – Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem – UFF

O artigo - Textos multimodais na aula de português: metodologia de leitura, escrito pelas professoras Lucia Teixeira, Silvia Sousa e Karla Faria, discute questões referentes, principalmente, à prática docente de ensino de língua portuguesa no que toca o desenvolvimento pedagógico e linguístico da utilização de textos em sala de aula.

Em um primeiro momento, as autoras apresentam uma reflexão no que tange aspectos relacionados com o processo de leitura e interação que caracterizavam o período pós-industrial, isto é, o processo de leitura e interação por meio de novos suportes tecnológicos, tais como: televisão, celular, tablet, e, principalmente, por meio da internet.

Segundo as autoras, os jovens brasileiros se habituaram rapidamente aos novos modos virtuais do processo de leitura e interação, pois já nasceram em uma época cuja palavra chave é rapidez e simultaneidade, assim os jovens hoje em dia já se acostumaram a fazer várias práticas simultaneamente.

Além disso, com a grande gama de gêneros discursivos e a pluralidade de linguagens existentes em nossa sociedade contemporânea, as autoras refletem sobre a necessidade de se (re)formular as práticas docentes a esse novo contexto tecnológico, principalmente, a prática docente na aula de língua portuguesa, uma vez que nossos alunos dos tempos contemporâneos não são mais iguais aos de antigamente.

Desse modo, segundo as autoras, os professores de língua portuguesa também precisam se adaptar e refletir sobre essas novas configurações de ensino, principalmente, sobre a configuração de categorias de textos que circulam na sociedade, isto é, é preciso pensar e se repensar o ensino de língua portuguesa nos textos multimodais.

A partir da reflexão feita pelas autoras no começo do artigo sobre o pensar e repensar as práticas docentes na aula de língua portuguesa no que tange os textos multimodais, elas apresentam logo depois da problematização suas propostas de ensino, embasadas na teoria da semiótica francesa, tendo como suporte gêneros discursivos específicos para tal exemplificação.

Além disso, como se sabe a semiótica francesa é uma teoria que tem especial dedicação ao estudo de textos orais ou escritos, verbais e não verbais, buscando analisa-los desde uma ótica de estruturação interna do texto até uma ótica mais abrangente da sua relação de interação entre enunciador e enunciatário.

No artigo essa problematização acontece logo no início do texto, aonde se percebe logo a filiação do artigo proposto a sua corrente linguística, além disso, há uma delimitação muito clara que leva em consideração a intencionalidade discursiva nesse percurso gerativo Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº31 vol. 03 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 188 de 188 de convencimento sobre o enunciatário. Segundo as autoras, os textos multimodais estão relacionados a procedimentos bem específicos que são encontrados no nível discursivo do percurso gerativo de sentido.

No que diz respeito à teoria da semiótica francesa, principalmente, relacionados aos textos multimodais, as autoras se detém em explicar e desenvolver questões referentes aos temas, figuras do discurso, efeitos de formalidade ou informalidade, aproximação, distanciamento, objetividade e subjetividade entre outros fatores.

Além disso, elas também fazem um detalhamento relacionado ao plano da expressão do signo linguístico, ou seja, preceitos mais relacionados à semiótica plástica que abrange categorias eidéticas, cromáticas, topológicas, matérias, sendo assim percebe-se que o plano da expressão, segundo as autoras, é muito mais que um caminho do plano do conteúdo.

Desse modo, após a explicação de aspectos teóricos relacionados à teoria da semiótica, as autoras expõem a explicação dos pressupostos teóricos nos textos multimodais em sala de aula e como se pode trabalhar em sala de aula com tais explicações, mas nos lembram de que cada gênero possui sua especificidade e pode ser trabalhado de distintas formas. Por fim, terminam o texto ressaltando os preceitos teóricos da teoria da semiótica francesa para o trabalho com textos multimodais.