MARINA SILVA RUFINO

CARACTERÍSTICAS ECOLÓGICAS QUE DETERMINAM O USO DE HABITATS SUBTERRÂNEOS POR PEIXES EM UM CARSTE NEOTROPICAL

LAVRAS-MG 2019 MARINA SILVA RUFINO

CARACTERÍSTICAS ECOLÓGICAS QUE DETERMINAM O USO DE HABITATS SUBTERRÂNEOS POR PEIXES EM UM CARSTE NEOTROPICAL

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós Graduação em Ecologia Aplicada, área de concentração Ecologia e Conservação de Recursos em Paisagens Fragmentadas e Agrossistemas, para a obtenção do título de Mestre.

Prof. Dr. Rodrigo Lopes Ferreira Orientador Prof. Dr. Paulo dos Santos Pompeu Coorientador

LAVRAS-MG

2019

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Geração de Ficha Catalográfica da Biblioteca Universitária da UFLA, com dados informados pelo(a) próprio(a) autor(a).

Rufino, Marina Silva. Características ecológicas que determinam o uso de habitats subterrâneos por peixes em um carste neotropical / Marina Silva Rufino. - 2019. 78 p. : il.

Orientador(a): Rodrigo Lopes Ferreira. Coorientador(a): Paulo Santos Pompeu. Dissertação (mestrado acadêmico) - Universidade Federal de Lavras, 2019. Bibliografia.

1. Ecologia. 2. Ictiofauna. 3. Riachos subterrâneos. I. Ferreira, Rodrigo Lopes. II. Pompeu, Paulo Santos. III. Título.

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do(a) autor(a) e de seu orientador(a).

MARINA SILVA RUFINO

CARACTERÍSTICAS ECOLÓGICAS QUE DETERMINAM O USO DE HABITATS SUBTERRÂNEOS POR PEIXES EM UM CARSTE NEOTROPICAL

ECOLOGICAL CHARACTERISTICS THAT DETERMINE THE USE OF SUBTERRANEAN HABITATS BY FISHES IN A NEOTROPICAL KARST

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós Graduação em Ecologia Aplicada, área de concentração Ecologia e Conservação de Recursos em Paisagens Fragmentadas e Agrossistemas, para a obtenção do título de Mestre.

APROVADA em 13 de dezembro de 2019.

Dr. Marcelo Passamani UFLA

Dr. Diego Marcel Parreira de Castro UFMG

Prof. Dr. Rodrigo Lopes Ferreira Orientador Prof. Dr. Paulo dos Santos Pompeu Coorientador

LAVRAS-MG

2019 AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a Universidade Federal de Lavras, ao Programa de Pós- Graduação em Ecologia, à Vale SA pela bolsa de mestrado concedida, ao pessoal da FUNDECC, à Alessandra, e à Ellen. A todos os professores do programa, que não só ensinaram como, também, foram exemplos de profissionais. Ao Rodrigo Ferreira e ao Paulo Pompeu, que fizeram parte deste projeto e contribuíram para realização deste título. Ao Daniel Carvalho e a Izabela Mendes, da PUC, pelas considerações e boa vontade em ajudar com a parte genética. Também agradeço ao Espeleo Grupo de Brasília, em especial Edvard e Emílio, que estiveram presentes e ajudaram em campo. E à Márcia Couto, também ao seu pai Sr. Natin in memoriam, que permitiu a pesquisa e a entrada em seu terreno.

Agradeço imensamente aos meus pais, André e Denise, pelo amor, carinho e apoio que sempre me deram em todas as minhas escolhas. Sou grata a vocês pela minha vida e por estarem até hoje me mostrando o caminho a ser seguido. Amo vocês! Agradeço ao Rafael e à Naira por estarem presentes em minha vida, por me apoiarem e serem exemplos de pessoas de um mundo melhor!

Agradeço ao Leonardo, pela força e pelo suporte que me deu ao longo desses anos, por não medir esforços para estarmos juntos, e por acreditar que sou capaz de ir muito além! Obrigada, meu amor! Também agradeço à Ana e Ana Caroline Rampazo pela consideração e carinho!

Agradeço a minha família, em especial meus avós: vovó Nilza e vovô Dado, vovô Rufino e vovó Tianinha, vovô Tõenzinho e vovó Nicinha. Vocês são exemplos de pessoas, de amor, de carinho, e de companheirismo! São minha raíz, tudo isso não faria sentido sem vocês! Eu amo muito cada um de vocês! Agradeço também aos meus padrinhos, Ângelo e Imaculada, que sempre me incentivaram e me apoiaram, sou muito grata à vocês! E também a todos meus familiares, vocês fazem meus dias mais alegres e divertidos!

Aos Amigos da Pró-Vida, agradeço imensamente! Em especial, ao pessoal de Três Pontas: Rita, Carol, Anita, e Luíza, que me ajudaram na caminhada muito mais do que eu poderia imaginar! Muito obrigada! Aos meus preceptores, Gustavo e Guilherme Göpfert, Antônio Girotto e Edna Guimarães, por tantos ensinamentos! Aos amigos de preceptoria, muito obrigada pela Amizade! Ao Dr. Celso, só posso agradecer de coração aberto! Agradeço ao Clério, por zelar em tantas áreas da minha vida, muito obrigada! Agradeço ao Lucas Silveira pela amizade e por saber que é um amigo que sempre posso contar! Agradeço à Isabela Lourezon por tanta acolhida e amizade, independente do momento! Agradeço aos amigos que fiz em Lavras: Lucas Freitas, Ana Cláudia, Andressa Sene, Fernanda Moreira, e Ana Luíza, por terem dado suporte em algum momento e me empurrado quando foi preciso! Agradeço aos meus amigos de longa data, Vítor Rezende, Thaís Ribeiro, Isabel Faria, Brenda Nascimento, muito carinho por vocês!

Ringrazio i miei amici della lezione di italiano a Lavras. E sono grata a Maju che mi ha insegnato come si parla l'italiano con il cuore! Grazie a tutti!

Agradeço aos pupilos do Laboratório de Ecologia de Peixes, por inúmeras contribuições! Em especial, à Ruanny, Ivo, Débora, Patrícia, Sílvia, Marina Lopes, Fábio, e mais uma vez Andressa e Fernanda. Agradeço imensamente ao Paulo Pompeu, por ter aceitado a coorientação e por ter contribuído de tantas formas. Você é exemplo, uma pessoa que reconhece a beleza do universo, só pode tê-lo dentro de si!

Agradeço ao pessoal do Centro de Estudos em Biologia Subterrânea, por esses dois anos de convivência, paciência e muito aprendizado! Em especial à Rafaela, Maísa, Giovana, Vanessa, Lucas, Bárbara, Thais e Gilson, pelo apoio e incentivo, e por tantas conversas que me fizeram refletir! Agradeço ao Marconi, por tantos ensinamentos e por sempre alegrar a todos! Agradeço imensamente ao Drops, que aceitou ser meu orientador, que me mostrou a maravilha do mundo subterrâneo e a importância de tudo isso! Através de você aprendi a enxergar a luz na escuridão, muito obrigada!

Agradeço a Deus pela Vida tão bonita que me dá todos os dias! Agradeço pela existência de suas criaturas da natureza e por serem tão magníficas, e por me dar o privilégio e a oportunidade de vivenciar tudo isso!

“(...) Tu sia lodato, mio Signore, insieme a tutte le creature. (...) Tu sia lodato, mio Signore, per sorella acqua, la quale è molto utile e umile, preziosa e pura.” (Francesco d’Assisi) RESUMO

O intuito deste trabalho foi aprofundar as pesquisas sobre características de peixes que ocorrem em cavernas, desde aspectos genéticos à comportamentais. Considerando-se que a bacia do alto rio Tocantins possui uma alta diversidade de peixes cavernícolas, este trabalho teve como objetivo compreender quais características propiciam os peixes a ocorrerem em cavernas e, também, se há diferenças no uso do habitat por uma mesma espécie que possui morfologias distintas (troglomórficas e não troglomórficas). Para isso, foi feito um compilado das espécies presentes na bacia do alto rio Tocantins, verificando quais ocorrem no epígeo ou no hipógeo ou em ambos ambientes e de algumas de suas características (morfológicas e comportamentais) que podem influenciar a ocorrência e permanência em ambientes subterrâneos, considerados como filtros ambientais. Para entender o uso do habitat por uma espécie troglomórfica, a pesquisa foi realizada com ecomorfos do gênero Ituglanis presentes em um riacho subterrâneo da mesma bacia. Foram feitas análises genéticas para verificar se as populações (troglomórficas e não troglomórficas) pertencem ou não a uma mesma espécie e, em campo, foram mensuradas variáveis de uso do habitat. Os resultados deste trabalho sugeriram que peixes das Ordens Siluriformes e Gymnotiformes estão significativamente relacionados com a presença em cavernas desta região, sendo as Ordens mais abundantes no hipógeo, possivelmente devido a características pré-adaptativas comuns à ambas. Em relação aos Ituglanis, as análises genéticas mostraram que os ecomorfos da caverna estudada pertencem a uma única espécie com plasticidade fenotípica (Ituglanis passensis), que também ocorre em outra caverna localizada a mais de 60 quilômetros de distância. Contudo, os resultados de uso do habitat mostraram diferenças nas preferências entre os ecomorfos: indivíduos troglómorficos parecem ser mais especializados às condições encontradas na caverna do que indivíduos não troglomórficos. Concluiu-se que algumas características morfológicas ou comportamentais não influenciam a presença dos peixes neste filtro ambiental, enquanto outras favorecem a ocorrência de organismos, pois compreendem pré-adaptações ao meio cavernícola. Além disso, concluiu-se que a especialização ao ambiente subterrâneo pode se dar por diferenciações nos comportamentos, como visto para as preferências por habitat. Este trabalho reforça a necessidade de novas pesquisas, enfatizando estudos genéticos e sistemáticos sobre os peixes troglóbios da região, para a conservação dos mesmos e proteção deste sítio com a maior diversidade de peixes subterrâneos do Brasil.

Palavras-chave: Ictiofauna. Uso do habitat. Riachos subterrâneos. Alto rio Tocantins.

ABSTRACT

The aim of this research was to increase the knowledge on Brazilian cavefish characteristics, from genetic to behavioral aspects. Considering that the upper Tocantins river basin has a high diversity of cavefishes, this research also aimed to understand which characteristics can enable fishes to occur in caves and whether there are differences in habitat use in two different ecomorphs from a same species (troglomorphic and non troglomorphic). A compilation of the species occurring in the upper Tocantins river basin was made, considering which species occurs in the epigean or hypogean or in both environments, and some of their characteristics (morphological and behavioral) that may influence their occurrence in the subterranean environment, considered as environmental filter. To understand the habitat use by cavefishes, a study was conducted with ecomorphs of Ituglanis that inhabits a hypogean stream in the same basin. First, genetic analyzes were performed to verify if the ecomorphs (troglomorphic and non troglomorphic) belong to the same species. In the field, the habitat variables were measured. The results suggested, for the first objective, that Siluriforms and Gymnotiforms are significantly related to the presence in caves: they are either the most abundant in the hypogean, possibly due to common pre-adaptive characteristics between them. The genetic analyses showed that both ecomorphs belong to the same species with phenotypic plasticity and are either Ituglanis passensis, a cavefish species that occurs in another cave located more than 60 kilometers. The habitat use results demonstrated differences in preferences between the two ecomorphs. The troglomorphic organisms seem to be more specialized to cave conditions than those non troglomorphic. It was concluded that although some characteristics do not influence the fish occurrence in the caves others are determinant (pre-adaptive traits). Furthermore, specialization in the hipogean environment can also be related to the habitat use. This research reinforce the necessity for further studies on cavefishes in the upper Tocantins river basin emphasizing genetic and systematic works for fish’s conservation and better decisions to protect this region with the largest diversity of cavefishes in Brazil.

Keywords: Ichthyofauna. Habitat use. Subterranean streams. Upper Tocantins River.

SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE ...... 12

1 INTRODUÇÃO GERAL ...... 13

REFERÊNCIAS ...... 16

SEGUNDA PARTE – ARTIGOS ...... 18

ARTIGO 1. QUAIS CARACTERÍSTICAS FAVORECEM A OCORRÊNCIA DE PEIXES EM HABITATS SUBTERRÂNEOS: AMBIENTAIS OU PRÉ- ADAPTATIVAS? ...... 19

1 INTRODUÇÃO ...... 21

2 MATERIAIS E MÉTODOS ...... 23

2.1 Área de estudo ...... 23

2.2 Coleta de dados no córrego do Salobro ...... 25

2.2.1 Coleta de dados abióticos ...... 25

2.2.2 Coleta de dados bióticos ...... 26

2.3 Ictiofauna da bacia do alto rio Tocantins ...... 26

2.4 Análises de dados ...... 27

2.4.1 Habitat físico do córrego do Salobro ...... 27

2.4.2 Características das espécies dos riachos da bacia do alto rio Tocantins ...... 28

3 RESULTADOS ...... 29

3.1 Peixes e habitat físico do córrego do Salobro ...... 29

3.2 Peixes da bacia do alto rio Tocantins ...... 31

4 DISCUSSÃO ...... 34

5 CONCLUSÃO ...... 38

AGRADECIMENTOS ...... 39 REFERÊNCIAS ...... 40

MATERIAL SUPLEMENTAR ...... 45

ARTIGO 2. ECOMORFOS DE ITUGLANIS (SILURIFORMES: TRICHOMYCTERIDAE) EM UMA CAVERNA NEOTROPICAL: DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA, PREFERÊNCIA POR HABITATS E IMPLICAÇÕES PARA A SISTEMÁTICA E CONSERVAÇÃO ...... 52

1 INTRODUÇÃO ...... 54

2 MATERIAIS E MÉTODOS ...... 56

2.1 Área de estudo ...... 56

2.2 Identificação da espécie ...... 57

2.2.1 Coleta de dados bióticos ...... 57

2.2.2 Extração salina de DNA ...... 58

2.2.3 Amplificação e Sequenciamento do DNA ...... 58

2.2.4 Análise de dados genéticos ...... 58

2.3 Coleta de dados das variáveis abióticas e bióticas ...... 59

2.4 Análise de dados ...... 62

3 RESULTADOS ...... 63

3.1 Identificação molecular da espécie ...... 63

3.2 Preferência por habitats ...... 65

3.3 Índice de Marginalidade de Nicho ...... 66

4 DISCUSSÃO ...... 68

5 CONCLUSÃO ...... 71

AGRADECIMENTOS ...... 72

REFERÊNCIAS ...... 73

GLOSSÁRIO ...... 77 12

PRIMEIRA PARTE

13

1 INTRODUÇÃO GERAL

A água doce representa apenas 2,5% de toda a água no planeta e está distribuída em geleiras, na superfície terrestre, e no subterrâneo. Estima-se que aproximadamente um terço de toda água doce do mundo está nos ambientes subterrâneos. E considerando apenas a água doce em sua forma líquida, mais de 94% é encontrada no subsolo, em comparação aos 4% restantes encontrados em lagos, reservatórios, solos, rios e na atmosfera (USGS, 2016).

A água subterrânea é toda a água que ocorre abaixo da superfície, preenchendo poros, fraturas, fissuras, canalículos, condutos, e entre outros. A água subterrânea tem sua origem na superfície, de maneira em geral, e está intimamente ligada a água superficial (CLEARY, 1989). Após a precipitação na superfície, parte da água infiltrada no solo é retida na zona não saturada (mais próxima da superfície do solo devido a força de adesão ou capilaridade) e parte da água infiltrada atinge zonas mais profundas, constituindo a zona saturada (região onde os poros ou fraturas da rocha estão totalmente preenchidos por água) (ABAS, 2012). A superfície que delimita a zona não saturada da zona saturada é chamada de nível freático. Assim, as águas subterrâneas cumprem uma fase do ciclo hidrológico, uma vez que constituem uma parcela da água precipitada e desempenham um papel essencial na manutenção da umidade do solo, fluxo dos rios, lagos e brejos (CLEARY, 1989; DANIELOPOL et al., 2003).

Os aquíferos são uma forma natural de armazenar e transportar quantidades significativas de água no subterrâneo. O aquífero é uma formação geológica com suficiente permeabilidade e porosidade interconectada capaz de servir de depositório e de transmissor da água armazenada (ABAS, 2012; CULVER; PIPAN, 2009). No Brasil, são encontrados principalmente aquíferos de arenitos, basaltos fraturados e calcários fraturados ou com condutos formados pela dissolução (CLEARY, 1989). Os sistemas aquíferos brasileiros armazenam importantes excedentes hídricos, que alimentam uma das mais extensas redes de rios perenes do mundo. Assim, a combinação das estruturas geológicas com fatores geomorfológicos e climáticos no Brasil resultou em 10 províncias hidrogeológicas no país (ABAS, 2012). Uma delas inclui os domínios do calcário do Grupo Bambuí (nos estados de Goiás, Bahia e Minas Gerais) a qual abrange a área de estudo deste trabalho. Acredita-se que pelo menos metade dos ambientes aquáticos subterrâneos são habitados por uma fauna especializada (JUBERTHIE, 2004). Mesmo sendo um ambiente com condições e recursos restritivos, a riqueza e diversidade de organismos encontrados nos ambientes 14

hipógeos, em geral, são diversas. A ocorrência destes indivíduos pode se dar por diferentes razões: usando este meio como abrigo, devido a menor competição nas cavernas, pela preferência por temperatura estável ou ausência de luz, e dentre outras (CULVER; PIPAN, 2009). Para estas ocorrências foram feitas classificações baseadas em especializações dos organismos e afinidade com o ambiente, tais classificações foram sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo, primeiramente elaboradas por Schiner e Rachovitza (1907).

Assim, os organismos associados às cavernas podem ser troglóbios (restritamente subterrâneo, apresentam diversas especializações morfológicas, comportamentais e fisiológicas que os favorecem neste meio), troglófilos (completam parte do ciclo de vida nas cavernas; são capazes de manter populações no hipógeo ou estão mais associadas ao epígeo e podem habitar o hipógeo temporariamente), troglóxenos (ocorrem esporadicamente no habitat hipógeo e são incapazes de estabelecer uma população viável), ocasionais ou acidentais (para os quais o habitat subterrâneo não é adequado e muitas vezes não conseguem sobreviver neste meio) (HOLSINGER; CULVER, 1988; SKET, 2008).

Das espécies associadas às cavernas, entre invertebrados e vertebrados, destaca-se o grupo dos peixes com algumas espécies que foram isoladas e se adaptaram a este ambiente ao longo da sua evolução. Estas adaptações podem ser morfológicas, fisiológicas e até comportamentais. A aparente redução dos olhos ou completa anoftalmia e despigmentação são as características morfológicas mais evidentes nestes peixes (TRAJANO; BICHUETTE; KAPOOR, 2010). O desenvolvimento de órgãos quimiorreceptores também é uma adaptação ao ambiente afótico para melhor percepção, alimentação e orientação (PARZEFALL; TRAJANO, 2010). A reprodução também sofreu mudanças ao longo da evolução, tendendo a serem espécies k estrategistas, com diminuição na quantidade de ovos produzidos mas com tamanho aumentado dos mesmos, comparando-os com as espécies epígeas (POULSON, 1963). Além destas características, algumas espécies resistem à rigorosa escassez de recursos alimentares armazenando grandes quantidades de gordura perto das nadadeiras e diminuindo o metabolismo em períodos escassos (HÜPPOP, 2000).

São conhecidas aproximadamente 300 espécies de peixes que estão associadas a este ambiente e mais de 150 foram formalmente descritas como troglóbias (estritamente subterrâneas) e apresentam algum grau de troglomorfismo (NIEMILLER; SOARES, 2015). No Brasil, a ictiofauna subterrânea é notável, não apenas devido à riqueza de espécies, mas também pela alta diversidade ecológica e evolutiva (TRAJANO; BICHUETTE, 2010). São 35 espécies de peixes associadas ao hipógeo e mais de 20 descritas como troglóbias (MATTOX et al., 2008; 15

PROUDLOVE, 2010; RIZZATO; BICHUETTE, 2014; TENCATT; BICHUETTE, 2017; TRAJANO; BICHUETTE, 2010). Apenas na região central do Brasil, na bacia do alto rio Tocantins, são conhecidas seis espécies troglóbias do gênero Ituglanis, uma do gênero Eigenmannia, uma do gênero Pimelodella, e uma troglófila do gênero Ancistrus (BICHUETTE; TRAJANO, 2003, 2008; MENDES et al., 2019; RIZZATO; BICHUETTE, 2014). Esta região é considerada uma das maiores províncias hidrogeológicas do Brasil como já citado (FERREIRA; TOKARSKI, 2007) e também possui a maior diversidade de peixes subterrâneos (BICHUETTE; TRAJANO, 2003). Nesta bacia encontram-se diversas cavernas transpassadas por extensos riachos que abrigam uma ictiofauna diversa (RUBBIOLI et al., 2019), incluindo a Gruta Cabeceira d’Água, onde está presente uma espécie de peixe pouco estudada e que foi modelo de estudo para a presente dissertação.

Assim, esta dissertação foi dividida em dois artigos que abordam temas sobre características ecológicas de peixes de caverna da bacia do alto rio Tocantins e foram escritos seguindo o Manual de Normalização e Estrutura de Trabalhos Acadêmicos da Universidade Federal de Lavras. O primeiro artigo teve como objetivo verificar quais variáveis ambientais podem atuar como um filtro ambiental para peixes em um riacho autogênico e compreender algumas das características morfológicas e comportamentais que podem favorecer os peixes a colonizar e permanecer no ambiente subterrâneo, incluindo espécies troglóbias e não troglóbias dos riachos desta bacia. O segundo artigo teve o objetivo de aprofundar os estudos em uma espécie de peixe troglomórfica do gênero Ituglanis presente na Gruta Cabeceira d’Água, identificando a espécie a qual pertence através de análises genéticas e verificando a preferência por habitats pelos ecomorfos troglomórficos e não troglomórficos.

16

REFERÊNCIAS

ABAS. Associação Brasileira de Águas Subterrâneas. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2019.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Epigean and subterranean ichthyofauna from the São Domingos karst area, Upper Tocantins River basin, Central Brazil. Journal of Fish Biology, v. 63, n. 5, p. 1100– 1121, 2003.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Ituglanis mambai, a new subterranean from a karst area of Central Brazil, rio Tocantins basin (Siluriformes: Trichomycteridae). Neotropical Ichthyology, v. 6, n. 1, p. 9–15, 2008.

CLEARY, R. W. Águas Suberrâneas. Rio de Janeiro: 1989.

CULVER, D. C.; PIPAN, T. The Biology of Caves and Other Subterranean Habitats. New York: Oxford University Press Inc., 2009.

DANIELOPOL, D. L. et al. Present state and future prospects for groundwater ecosystems. Environmental conservation, v. 30, n. 2, p. 104–130, 2003.

FERREIRA, E. A. B.; TOKARSKI, D. J. Bacia hidrográfica do alto Tocantins: Retrato e reflexões. WWF - Brasil, 2007.

HOLSINGER, J. R.; CULVER, D. C. The invertebrate cave fauna of Virginia and a part of eastern Tennessee. Zoogeography and Ecology, v. 14, p. 1–162, 1988.

HÜPPOP, K. How do cave cope with the food scarcity in caves? In: WILKENS, H.; CULVER, D. C.; HUMPHREYS, W. F. (Eds.). Subterranean ecosystems. Amsterdam, Netherlands: Elsevier, 2000. p. 159–188.

JUBERTHIE, C. Conservation of subterranean habitats and species. In: WILKENS, H.; CULVER, D. C.; HUMPHREYS, W. F. (Eds.). Ecosystems of the World. Elsevier Academic Press, 2004. p. 691– 700.

MATTOX, G. M. T. et al. Surface and subterranean ichthyofauna in the Serra do Ramalho karst area, northeastern Brazil, with updated lists of Brazilian troglobitic and troglophilic fishes. Biota Neotropica, v. 8, n. 4, p. 145–152, 2008.

17

MENDES, I. S. et al. On the evolutionary origin of Neotropical cavefish Ancistrus cryptophthalmus (Siluriformes, ) based on the mitogenome and genetic structure of cave and surface populations. Hydrobiologia, 2019.

NIEMILLER, M. L.; SOARES, D. Cave Environments. In: Extremophile Fishes. Cham: Springer International Publishing, 2015. p. 161–191.

PARZEFALL, J.; TRAJANO, E. Behavioral patterns in subterranean fishes. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: 2010. p. 83–116.

POULSON, T. L. Cave adaptation in amblyopsid fishes. American Midland Naturalist, p. 257–290, 1963.

PROUDLOVE, G. S. Biodiversity and distribution of the subterranean fishes of the world. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: [s.n.]. p. 41–63.

RIZZATO, P. P.; BICHUETTE, M. E. Ituglanis boticario, a new troglomorphic catfish (Teleostei: Siluriformes: Trichomycteridae) from Mambaí karst area, central Brazil. Sociedade Brasileira de Zoologia, v. 31, n. 6, p. 577–598, dez. 2014.

RUBBIOLI, É. et al. Cavernas Atlas do Brasil Subterrâneo. 2019.

SKET, B. Can we agree on an ecological classification of subterranean animals? Journal of Natural History, v. 42, n. 21–22, p. 1549–1563, 2008.

TENCATT, L. F. C.; BICHUETTE, M. E. Aspidoras mephisto, new species: the first troglobitic Callichthyidae (Teleostei: Siluriformes) from South America. PLoS One, v. 12, n. 3, 2017.

TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E. Subterranean fishes of Brazil. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 331–355.

TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010.

USGS. Where is Earth’s water. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2019. 18

SEGUNDA PARTE – ARTIGOS

19

ARTIGO 1. QUAIS CARACTERÍSTICAS FAVORECEM A OCORRÊNCIA DE PEIXES EM HABITATS SUBTERRÂNEOS: AMBIENTAIS OU PRÉ- ADAPTATIVAS?

(Artigo redigido conforme NBR 6022 (ABNT, 2003))

RESUMO

Algumas espécies de peixes de água doce possuem características pré-adaptativas que as possibilitam colonizar e se estabelecer em habitats subterrâneos. Este ambiente, por sua vez, atua como filtro ambiental, moldando a comunidade de peixes. A alta diversidade e riqueza de peixes em cavernas da bacia do alto rio Tocantins, no Brasil, faz questionar quais pré- adaptações os indivíduos epígeos possuem, que os possibilitaram ter adentrado e colonizado ambientes hipógeos. Nesta perspectiva, este trabalho considerou duas escalas de análise (local e regional), no intuito de verificar as diferenças entre os meios epígeo e hipógeo de um mesmo riacho desta bacia (escala local). E, ainda, verificar quais características são comuns entre as espécies de peixe que ocorrem nas cavernas da bacia do alto rio Tocantins (escala regional). Primeiramente, um riacho autogênico, o córrego do Salobro, foi amostrado nos trechos epígeo e hipógeo para coleta de dados abióticos e bióticos. Posteriormente, foi feito um compilado das características das espécies que estão presentes em riachos desta bacia, baseando-se em dados da literatura. A eventual ocorrência de uma dada espécie, no epígeo e no hipógeo, foi relacionada com: a Ordem à qual cada espécie pertence; o tamanho total máximo registrado; o nível trófico, se a espécie é onívora; e se é bentônica ou pelágica. Em escala local, foi verificado que a vegetação ripária contribui significativamente para a ictiofauna epígea e, pelo fato deste córrego ser autogênico, não houve contribuição significativa de recursos orgânicos alóctones para o interior da caverna, sendo um habitat homogêneo com filtros ambientais mais rigorosos para os peixes. Em escala regional, foi verificado que peixes das Ordens Siluriformes e Gymnotiformes têm suas chances aumentadas de ocorrer em cavernas, estando significativamente relacionados a estes ambientes. As Ordens que ocorrem nos habitats subterrâneos não são representadas de forma proporcional em relação àquelas presentes nos ambientes epígeos, com maior ocorrência de Siluriformes e Gymnotiformes nas cavernas e de na superfície. A ocorrência de espécies onívoras e invertívoras é proporcionalmente maior que a dos demais níveis tróficos, mas não foram significativamente relacionadas com o meio hipógeo. Estes resultados, sugerem que espécies de peixes destas duas Ordens mais abundantes possuem algumas características em comum (pré-adaptativas) que podem facilmente passar pelos filtros ambientais impostos pelos ambientes subterrâneos. Palavras-chave: Ictiofauna; Pré-adaptação; Filtro ambiental; Alto rio Tocantins;

20

ABSTRACT

Some freshwater fishes species have pre-adaptive characteristics that may enable them to colonize and establish in the subterranean environment. This environment acts as an environmental filter shaping the fish community. The high fish diversity and richness in caves of the upper Tocantins river basin, Brazil, make it questioning what kind of pre-adaptive characteristics the epigean individuals may have to have entered and colonized the hypogean environment. In this perspective, this research considered two study scales (local and regional), in order to verify the differences between the epigean and hypogean stretch of the same stream of this basin (local scale) and to verify which characteristics are common among these fishes species (regional scale). First, an autogenic stream, the Salobro stream, was sampled in the epigean and hypogean stretches for abiotic and biotic data collect. Subsequently, a compilation of some species' characteristics present in streams of this basin was made, based on literature data. The eventual occurrence of a species in the epigean and hypogean was related to: the order to which each species belongs; the maximum size recorded; the trophic level, whether the species is omnivorous; and whether it has benthic or pelagic habit. On a local scale, it was verified that riparian vegetation contributes significantly to the epigean ichthyofauna. And due to the fact that it is an autogenic stream there was no significant contribution of allochthonous organic resources inside the cave, being a homogeneous habitat and a severer environmental filters for fish. On a regional scale, the Siluriformes and Gymnotiformes have their chances increased to occur in subterranean habitats, being significantly related to these environments. The orders that occur in the subterranean environment are not proportionally represented as those present in the epigean environments, with higher occurrence of Siluriformes and Gymnotiformes in caves and Characiformes on the surface. The occurrence of omnivorous and invertivorous species is proportionally higher compared to others trophic levels but were not significantly related to the hypogean environment. These results suggest that fishes species of these two most abundant orders have some common (pre-adaptive) characteristics that can easily enable them to pass through environmental filters imposed by subterranean environments. Keywords: Ichthyofauna; Pre-adaptation; Environmental filter; Upper Tocantins River;

21

1 INTRODUÇÃO

A fauna de peixes é um importante componente da comunidade aquática subterrânea, representada, na maioria das cavernas, por predadores topo de cadeia (NIEMILLER; SOARES, 2015). A ictiofauna cavernícola mostra-se bastante variável possuindo desde indivíduos acidentalmente isolados até comunidades diversas, compostas por diferentes espécies e densidades populacionais consideráveis (BICHUETTE; TRAJANO, 2003). Em todo o mundo, aproximadamente 300 espécies de peixes foram registradas em habitats subterrâneos (PROUDLOVE, 2010), e menos de 200 delas são consideradas troglóbias (estritamente subterrâneas), apresentando algum grau de troglomorfismo, pertencendo a dez Ordens (NIEMILLER; SOARES, 2015).

No Brasil, a ictiofauna encontrada registrada em cavernas é notável por sua alta riqueza de espécies e diversidade evolutiva e ecológica (TRAJANO; BICHUETTE, 2010). Pelo menos 35 espécies de peixes já foram registradas em cavernas do país, muitas das quais apresentando especializações morfológicas e ecológicas à vida subterrânea, e ocupando uma variedade de habitats subterrâneos (MATTOX et al., 2008; PROUDLOVE, 2010; RIZZATO; BICHUETTE, 2014; TENCATT; BICHUETTE, 2017; TRAJANO; BICHUETTE, 2010). Destas espécies, 21 são estritamente subterrâneas, pertencendo a três Ordens (Siluriformes, Gynmotiformes e Characiformes) (NIEMILLER; SOARES, 2015).

A composição de espécies no meio hipógeo pode ser influenciada por fatores ecológicos e históricos locais e regionais que podem determinar os organismos epígeos que serão capazes de se estabelecer no meio cavernícola (TRAJANO, 2001). Habitats subterrâneos frequentemente impõem fortes pressões seletivas sobre diferentes organismos devido à suas condições extremas, como ausência de luz e escassez de recursos orgânicos, condições que atuam como filtros para espécies de riachos (CULVER; PIPAN, 2009; RATTON; FERREIRA; POMPEU, 2018). Desta forma, a composição da comunidade subterrânea é moldada por diferentes filtros ambientais associados aos habitats subterrâneos, que excluem organismos desprovidos de pré-adaptações e selecionam aquelas espécies que possuem pré-adaptações, favorecendo sua colonização e eventual estabelecimento no meio subterrâneo (POFF, 1997; SCARSBROOK; TOWSEND, 1993).

As pré-adaptações podem ser definidas como características que conferem vantagens no desempenho de organismos sob um determinado regime seletivo, mas que foram selecionadas 22

em um evento anterior e independente (PARZEFALL; TRAJANO, 2010; TRAJANO, 2005). Estas pré-adaptações podem ser, por exemplo, o hábito noturno, orientação por quimiorreptores, menor comprimento total da espécie demandando pouco recurso alimentar, dentre outras. Estas características são observadas principalmente em peixes Siluriformes, que por isso ocorrem frequentemente nos ambientes subterrâneos (TRAJANO, 2001; PARZEFALL AND TRAJANO, 2010; RATTON, FERREIRA AND POMPEU, 2018).

As espécies da Ordem Siluriformes compreendem a maior parte da ictiofauna cavernícola no Brasil, incluindo espécies estritamente subterrâneos e também aqueles com populações estabelecidas em ambientes subterrâneos e de superfície (TRAJANO; BICHUETTE, 2010). Na bacia do alto rio Tocantins estão localizadas duas regiões cársticas (São Domingos e Mambaí) que abrigam cavernas transpassadas por riachos volumosos e se destacam pela ictiofauna subterrânea mais diversa do Brasil (BICHUETTE; TRAJANO, 2003; RUBBIOLI et al., 2019). São conhecidas pelo menos nove espécies troglóbias ou com populações com aparente troglomorfismo, além de diversas espécies não troglóbias (BICHUETTE; TRAJANO, 2003; MENDES et al., 2019; RIZZATO; BICHUETTE, 2014; TRAJANO; BICHUETTE, 2010).

Sabendo-se que a bacia do alto rio Tocantins possui uma elevada riqueza de espécies de peixes de superfície e também de ambientes subterrâneos, este trabalho teve o intuito de avaliar um riacho autogênico como filtro ambiental e as pré-adaptações de espécies de peixes que podem favorecê-los nos ambientes subterrâneos desta bacia. Para isto, este trabalho foi dividido em duas escalas de análise: local e regional. Na escala local, o objetivo foi verificar quais variáveis de habitat físico estão mais relacionadas com a presença de peixes nos meios epígeo e hipógeo, com a hipótese de que algumas destas variáveis podem atuar como filtros no hipógeo, selecionando as espécies pré-adaptadas. E em escala regional, o objetivo foi verificar quais características das espécies de peixes podem propiciar sua ocorrência nas cavernas e predizer quais destas características aumentam a probabilidade de diferentes grupos colonizarem o ambiente subterrâneo. Foi testada a hipótese de que Ordens que em geral possuem hábito noturno (como Siluriformes e Gymnotiformes) são mais propícias a colonizarem as cavernas, e a hipótese de que espécies onívoras (se alimentando de diferentes recursos disponíveis), espécies de menor tamanho corporal (demandando menos recurso alimentar) e espécies bentônicas (se escondendo no substrato para suportar fortes vazões de água) serão mais propícias a ocorrerem em habitats subterrâneos do que demais espécies.

23

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

Considerando a escala local deste estudo, o córrego do Salobro amostrado faz parte da bacia do alto rio Tocantins, e está localizado na cidade de Nova Roma, nordeste de Goiás, Brasil (UTM Z23 291508E / 8464575N). Este município possui uma extensa região cárstica, limitada à leste pela serra do Forte e à oeste pelo rio Paranã. Os corpos d’água que nascem nesta serra correm para leste, transpassando o carste e formando cavernas com presença de rios (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004). O córrego do Salobro percorre a zona vadosa de uma caverna (FIGURA 1), a Gruta Cabeceira d’Água, em mais de três quilômetros. Acredita-se que é um riacho autogênico, ou seja, surge por águas de infiltração dentro do próprio corpo carbonático.

Esta caverna tem seu conduto retilíneo, apresentando uma largura média de 4 metros, com o teto variando de 0,5 a 40 metros de altura, e com presença de alguns afluentes no córrego do Salobro. No ambiente epígeo, este córrego possui duas ressurgências, uma perene e outra intermitente, este último só extravasa em épocas de chuva muito intensas. Na superfície, o riacho cursa pouco mais de dois quilômetros e encontra um sumidouro, através do qual torna- se subterrâneo novamente (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004).

Considerando a escala regional, este estudo utilizou dados de ocorrência de espécies de peixes da bacia do alto rio Tocantins, situada no cerrado, abrangendo três Estados (Goiás, Tocantins e Distrito Federal), com a maior parte de sua área localizada no estado de Goiás, sendo considerada uma das maiores províncias hidrogeológicas do país (FERREIRA; TOKARSKI, 2007; INSTITUTO MAURO BORGES DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2014). Nesta bacia, diversos riachos penetram habitats subterrâneos, sendo, em sua maioria, riachos alogênicos (a água percorre o ambiente externo antes de penetrar no subterrâneo) (RUBBIOLI et al., 2019).

24

Figura 1 – Imagens do córrego do Salobro e da coleta de dados.

Legenda: A: Ressurgência perene do córrego do Salobro e pesquisador fazendo observações do córrego; B: Coleta de peixes no córrego do Salobro na porção epígea; C: Córrego em sua porção hipógea na Gruta Cabeceira d’Água; D: Moenkhausia aurantia coletado no epígeo; E: Espeleotemas sobre o córrego do Salobro na Gruta Cabeceira d’Água; F: Ituglanis sp.2 troglomórfico no trecho hipógeo do córrego. Fonte: Do autor (2019).

25

2.2 Coleta de dados no córrego do Salobro

2.2.1 Coleta de dados abióticos

A coleta de dados foi realizada na estação seca em agosto de 2018 em um único evento amostral: na parte da manhã foi realizada a amostragem na superfície e na parte da tarde no interior da cavidade (caverna Cabeceira D’água). Ressalta-se a importância da realização desta coleta em momento de maior seca na região, sem risco de chuva, devido à possibilidade de inundação no interior da cavidade. Uma equipe de campo composta por cinco pessoas amostrou os dois ambientes epígeo e hipógeo. O desenho amostral foi baseado nos procedimentos de campo do US Environmental Protection Agency (KAUFMANN et al., 1999). Para amostragem do córrego do Salobro a coleta foi feita em uma extensão correspondente a 200 metros em cada ambiente (epígeo e hipógeo), tomadas a partir da ressurgência do córrego do Salobro (no ambiente epígeo) e do sumidouro no interior da caverna (no ambiente hipógeo). Estas extensões foram subdivididas em 11 transectos, sendo que entre pares de transectos existiam seções de 20 metros, de forma a incorporar as variações dos habitats (KAUFMANN et al., 1999).

Os dados referentes ao habitat físico foram mensurados com base no protocolo desenvolvido pelo US-EMAP West Wadeable Streams (OLSEN; PECK, 2008). Os transectos foram divididos visualmente em cinco pontos equidistantes para medição de profundidade e tipo predominante de substrato (separado por categorias: partículas finas, areia, cascalho fino, cascalho grosso, bloco, matacão e rocha rugosa) (FIGURA 2). Também foram realizadas medidas de largura molhada nos transectos e estimada a ocorrência de abrigos para peixes (algas, macrófitas, pedaços de madeira pequenos e grandes, vegetação, pedras, banco de folhas e estruturas artificiais). Ao longo das seções, a cada 1 metro, foram realizadas medidas de talvegue, que é a profundidade no ponto de maior vazão do riacho. Posteriormente, foi determinada a vazão do riacho (OLSEN; PECK, 2008).

26

Figura 2 – Metodologia de coleta de dados abióticos no córrego amostrado, mostrando o transecto e o talvegue.

Fonte: Do autor (2019).

2.2.2 Coleta de dados bióticos

Para amostrar a ictiofauna no córrego do Salobro, a amostragem foi realizada por duas pessoas utilizando peneiras meia-lua (diâmetro de 80 cm, 1 mm de malha), sempre em direção à montante do riacho. Cada seção foi amostrada num período aproximado de 10 minutos e os peixes capturados foram separados e etiquetados por seção. Após serem anestesiados em óleo de cravo, os peixes foram imersos em álcool absoluto, e transportados ao laboratório onde foram identificados e conservados em álcool 70º. Hoje os peixes estão catalogados na Coleção Ictiológica da Universidade Federal de Lavras (CI-UFLA).

2.3 Ictiofauna da bacia do alto rio Tocantins

Foram compilados dados da literatura sobre a ictiofauna da bacia do alto rio Tocantins utilizando-se de quatro bases distintas: i) publicações de amostragem em riachos epígeos e hipógeos (BICHUETTE; TRAJANO, 2003; PAULA; AKAMA; MORAIS, 2012); ii) amostragens apenas em ambientes subterrâneos e descrição de espécies troglóbias (BICHUETTE; TRAJANO, 2004, 2008; FERNÁNDEZ; BICHUETTE, 2002; RIZZATO; BICHUETTE, 2014; SECUTTI; REIS; TRAJANO, 2011; TENCATT; BICHUETTE, 2017); 27

iii) trabalhos que amostraram a ictiofauna em riachos de superfície (BARBOSA et al., 2017; CLARO-GARCÍA; SHIBATTA, 2013; JÚNIOR et al., 2016; LIMA; CAIRES, 2011; MIRANDA; MAZZONI, 2003) e iiii) descrições de espécies encontradas em riachos epígeos da região (BERTACO; CARVALHO, 2010; BERTACO; JEREP; CARVALHO, 2011; BERTACO; MALABARBA, 2005; CARVALHO; BERTACO; JEREP, 2010; DATOVO; DE AQUINO; LANGEANI, 2016; MENEZES, 2006; PAVANELLI; BRITSKI, 2003; RIBEIRO; LIMA; PEREIRA, 2012; SHIBATTA, 2014). Para verificar se as espécies encontradas em cavernas da bacia do alto rio Tocantins possuem características em comum que as possibilitam colonizar e se estabelecer em habitats subterrâneos, foram considerados os seguintes aspectos de cada espécie: o comprimento (tamanho máximo registrado de cada espécie em centímetros, segundo Froese & Pauly (2019), como variável contínua); a onivoria, o hábito bentônico, o hábito pelágico, a Ordem Siluriformes, e a Ordem Gymnotiformes (são aspectos categóricos considerados com presença e ausência, por isso foi atribuído 1 para os aspectos que a espécie apresenta e 0 para os aspectos que a espécie não apresenta).

As informações supracitadas foram retiradas da literatura (LIMA; AGOSTINHO; FABRÉ, 1995; MAZZONI et al., 2010; MELO; MACHADO; PINTO-SILVA, 2004; TERESA et al., 2016) e de banco de dados (FRICKE; ESCHMEYER; VAN DER LAAN, 2019; FROESE; PAULY, 2019). Para as espécies que não possuíam algumas destas informações na literatura ou nos bancos de dados, baseou-se em dados e características de seus congêneres para complementação dos dados.

2.4 Análises de dados

2.4.1 Habitat físico do córrego do Salobro

Foi utilizado o Índice de Similaridade de Jaccard, com dados de presença/ausência das espécies de cada seção para verificar a similaridade entre cada par de amostras com o objetivo de analisar quais variáveis mais relacionam com a presença das espécies (CLARKE; GORLEY, 2006). Posteriormente, a análise de DistLM (Distance-based Linear Modelling) foi realizada com o objetivo de analisar e modelar a relação entre a matriz de similaridade (presença/ausência de espécies) e as variáveis ambientais de cada ambiente (epígeo e hipógeo). Além das variáveis mensuradas, a presença ou não na caverna foi considerada e adicionada na análise. A DistLM 28

foi realizada utilizando-se o procedimento de seleção forward, pois começa com um modelo nulo e adiciona uma variável de cada vez até se obter o melhor modelo, sendo a primeira variável escolhida com o melhor valor para o critério de seleção. Para o critério de seleção foi escolhido o R² ajustado, pois é o mais adequado para a escolha do modelo ótimo, por não aumentar necessariamente com a adição de variáveis explicativas (ANDERSON; GORLEY; CLARKE, 2008). Juntamente com a DistLM, foi gerada uma dbRDA (Distance-Based Redundancy Analysis) para ordenação e visualização do modelo ajustado. Estas análises foram realizadas através do programa PRIMERv6.1.11 (CLARKE; GORLEY, 2006) com o pacote PERMANOVA+1.0.3 (ANDERSON; GORLEY; CLARKE, 2008)

2.4.2 Características das espécies dos riachos da bacia do alto rio Tocantins

A contribuição de cada característica para ocorrência da espécie no hipógeo foi testada através de um GLM (Generalized linear model) com distribuição logística. Nesta análise, a variável resposta foi a presença ou não no interior das cavernas da bacia, e as variáveis explicativas foram comprimento máximo, hábito onívoro, bentônico, pelágico e pertencer à Ordem Siluriformes ou Gymnotiformes, sendo o comprimento máximo como variável contínua e as demais categóricas. A significância foi dada pelo Valor de P (< 0,05), e as razões de chance para ocorrer no subterrâneo foram calculadas. Foi verificada a proporção das Ordens de peixe para os meios epígeos e hipógeos e a proporção dos níveis tróficos através de histogramas. Os níveis tróficos foram classificados com valores numéricos de acordo com cada categoria, segundo Angermeier (1995), sendo 1 = detritívoro/herbívoro, 3 = invertívoro, e 5 = piscívoro, e para as espécies classificadas em mais de um nível, os valores corresponderam à média entre eles. A proporção de peixes de hábito bentônico e pelágico também foi verificada através de um histograma. Finalmente, o comprimento máximo das espécies encontradas em cada ambiente foi testado e comparado através do teste de Kruskal-Wallis, e a normalidade foi previamente testada através do teste Shapiro-Wilk. As análises foram feitas utilizando o software STATISTICA 10 (STATSOFT, 2011).

3 RESULTADOS

3.1 Peixes e habitat físico do córrego do Salobro

29

Foram coletados 234 indivíduos de oito espécies no córrego do Salobro, em sua parte epígea e hipógea (APÊNDICE A). No epígeo foram coletadas sete espécies pertencentes à três Ordens (Silurifomes, Characiformes e Synbranchiformes). No hipógeo foi coletada apenas uma espécie (Ituglanis sp. 2, Ordem Siluriformes), mas foram avistadas outras duas espécies que não foram coletadas (Pimelodella sp., Ordem Siluriformes e Astyanax, ordem Characiformes), mas a presença de ambas espécies foi considerada nas análises. Os indivíduos do gênero Ituglanis coletados no córrego do Salobro pertencem à duas espécies diferentes, sendo Ituglanis sp.1 coletada no epígeo e não identificada, e Ituglanis sp. 2 coletada apenas no hipógeo e identificada como Ituglanis passensis.

As variáveis como o ‘substrato’, ‘madeira pequena’, ‘vegetação’ e ‘bancos de folhas’ foram significativas e relacionaram com a presenças das espécies epígeo como mostrado no teste marginal do DistLM (TABELA 1). Para as espécies no hipógeo, a única variável significativa foi a ‘presença na caverna’. O melhor modelo gerado pelo DistLM (R² ajustado = 0,54891) incluiu ‘vegetação’ e ‘banco de folhas’ que foram significativas no teste sequencial, e ‘madeira pequena’ e ‘presença na caverna’, mesmo não sendo significativas foram adicionadas ao modelo (TABELA 2). O gráfico gerado pela dbRDA mostra que a comunidade epígea tem mais variabilidade comparada com a comunidade hipógea, sendo que esta última se sobrepõe em todos os pontos no gráfico. A dbRDA é apresentada com seu primeiro eixo explicando 79,82% da variação do modelo ajustado, que é 50,56% da variação da matriz de similaridade (FIGURA 3).

30

Tabela 1 – Teste marginal das variáveis do habitat físico gerado pela DistLM. Variável Pseudo-F Valor de P Largura 0,16893 0,948 Profundidade 0,89525 0,491 Substrato 2,5145 0,04 Madeira pequena 11,748 0,001 Madeira grande 2,6216 0,06 Vegetação 14,806 0,001 Pedras 2,4741 0,099 Banco de Folhas 9,9145 0,001 Caverna 14,806 0,001 Fonte: Do autor (2019).

Tabela 2 – Teste sequencial das variáveis do habitat físico gerado pela DistLM, relação entre as variáveis de habitat físico e assembleia de peixes nos trechos amostrados. Variável R² ajustado Pseudo-F Valor de P Vegetação 0,4632 14,806 0,001 Banco de folhas 0,52617 2,9935 0,015 Madeira pequena 0,54891 1,7058 0,176 Caverna 0,54891 0 1 Fonte: Do autor (2019).

31

Figura 3 – Ordenações da dbRDA das variáveis ambientais, selecionadas através da DistLM, em função da similaridade de Jaccard da assembleia de peixes dos trechos amostrados.

Fonte: Do autor (2019).

3.2 Peixes da bacia do alto rio Tocantins

São conhecidas pelo menos 150 espécies que ocorrem em riachos da bacia do alto rio Tocantins. Destas espécies, 30 foram registradas em cavernas ou compreendem espécies troglóbias (APÊNDICE B). Em relação às características das espécies e a ocorrência destas em habitats subterrâneos, as categorias ‘Siluriformes’ e ‘Gymnotiformes’ foram significativas e aumentaram a probabilidade da espécie ocorrer no subterrâneo. As demais não foram significativas, mesmo considerando que o ‘hábito bentônico’ tenha se aproximado do limite de significância (TABELA 3). As Ordens que ocorrem nos hábitats subterrâneos não são representadas de forma proporcional em relação àquelas presentes nos ambientes epígeos (FIGURA 4). Os Siluriformes, seguido dos Gymnotiformes, apresentam maior proporção no ambiente subterrâneo, e os Characiformes têm a maior proporção no epígeo. A proporção dos níveis tróficos em cada ambiente mostrou que em riachos hipógeos a presença de espécies no segundo nível trófico (onivoria) é maior, seguida de espécies no terceiro nível (invertivoria). Na 32

superfície, peixes no terceiro nível trófico são proporcionalmente mais representados, seguidos do segundo nível (onivoria), e com grande contribuição do nível trófico basal (herbivoria/detritivoria) (FIGURA 5). As proporções dos hábitos bentônico ou pelágico das espécies não apresentaram grandes variações entre os ambientes (FIGURA 6). Não houve diferença significativa no comprimento máximo dos peixes em relação aos ambientes, mesmo que a amplitude tenha sido maior nas espécies encontradas em cavernas (KW-H (1;155) = 1,816; p = 0,1778) (FIGURA 7).

Tabela 3 – Razão de chance das características avaliadas das espécies presentes na bacia do alto rio Tocantins. Característica Razão de Chance (intervalo de confiança) Valor de P Comp. máximo (cm) 1,00 (0,98 a 1,03) 0,46 Onivoria 2,22 (0,85 a 5,76) 0,10 Bentônico 0,18 (0,03 a 1,05) 0,05 Pelágico 1,12 (0,38 a 3,31) 0,82 Siluriformes 7,71 (1,85 a 32,14) <0,01 Gymnotiformes 47,10 (6,20 a 357,53) <0,01 Fonte: Do autor (2019).

Figura 4 – Proporção das Ordens de peixes registradas em riachos de cada ambiente da bacia do alto rio Tocantins.

Fonte: Do autor (2019). 33

Figura 5 – Proporção dos níveis tróficos aos quais as espécies pertencem em cada ambiente da bacia do alto rio Tocantins.

Fonte: Do autor (2019).

Figura 6 – Proporção das espécies com hábito bentônico ou pelágico em cada ambiente da bacia do alto rio Tocantins.

Fonte: Do autor (2019). 34

Figura 7 – Variação do tamanho máximo de todas as espécies registradas em cada ambiente da bacia do alto rio Tocantins.

Fonte: Do autor (2019).

4 DISCUSSÃO

Na porção epígea do córrego do Salobro apenas sete espécies foram coletadas. Esperava-se que a riqueza de espécies neste córrego fosse maior, uma vez que amostragens em outros córregos da região apontam, em média, para mais de 20 espécies por riacho (CLARO- GARCÍA; SHIBATTA, 2013; MIRANDA; MAZZONI, 2003). Esta menor riqueza pode ser consequência da presença do sumidouro no córrego do Salobro antes deste se conectar ao rio Paranã (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004), que é o principal rio desta sub-bacia. Esta conexão permitiria a fácil locomoção dos peixes entre estes dois rios, aumentando potencialmente o número de espécies no riacho Salobro, como acontece com outros riachos da sub-bacia. As espécies de peixes presentes no córrego poderiam ter colonizado este pequeno trecho epígeo durante fortes inundações em que os rios se conectaram na superfície, já que ambos se encontram a apenas cinco quilômetros de distância em linha reta. Contudo, a diferença de elevação entre o sumidouro do córrego do Salobro e o rio Paranã (cerca de 80 metros) certamente invalida esta hipótese. Desta forma, é mais plausível assumir que os peixes podem se locomover através do trecho subterrâneo que conecta estes rios, que também atua como filtro, 35

provavelmente permitindo o trânsito de certas espécies e dificultando de outras, como já observado em outro estudo (RATTON; FERREIRA; POMPEU, 2018).

De fato, esperava-se pouca riqueza e abundância no córrego do Salobro na porção amostrada dentro da caverna, comparando-a com outras cavernas da região. Foram registradas mais de 20 espécies de peixes em riachos maiores e alogênicos da mesma bacia na área cárstica de São Domingos (BICHUETTE; TRAJANO, 2003). Riachos alogênicos penetram o subterrâneo importando energia e matéria orgânica dos ambientes de superfície, facilitando a permanência dos peixes (TRAJANO, 2001). A quantidade de matéria orgânica presente nos riachos é variável e depende de como se conecta com a superfície, permitindo a entrada de matéria orgânica grossa, como folhas e madeira (SIMON, 2008). Já o córrego do Salobro, que nasce do próprio corpo carbonático (drenagem autogênica), possui bem menos recursos orgânicos e abrigos, podendo atuar como um filtro ambiental mais rigoroso para a ictiofauna do que os demais riachos alogênicos da região.

Foram registradas 30 espécies de peixes (20% do total) da bacia do alto rio Tocantins ocorrendo em ambientes subterrâneos. De todas estas espécies, a maior parte pertence à ordem Siluriformes, que possuiu proporcionalmente maior ocorrência nos habitats hipógeos. O fato de ocorrerem proporcionalmente mais Siluriformes nas cavernas é evidenciado pelo número de peixes descritos como troglóbios ou com populações troglomórficas no hipógeo. Apenas na área cárstica de São Domingos, são conhecidos oito siluriformes no habitat subterrâneo: seis do gênero Ituglanis e uma do gênero Pimelodella classificadas até então como troglóbias (RIZZATO; BICHUETTE, 2014; TRAJANO; BICHUETTE, 2010), e uma do gênero Ancistrus com populações troglomórficas associadas ao ambiente subterrâneo (MENDES et al., 2019).

Acredita-se que os Siluriformes são pré-adaptados às cavernas por características próprias da Ordem. Tais organismos, por exemplo, possuem hábito noturno, orientam-se por quimiorreceptores, são onívoros ou carnívoros generalistas (alimentando desde biofilme à pequenos invertebrados) (PARZEFALL; TRAJANO, 2010; TRAJANO, 2001), e conseguem suportar elevadas correntezas que podem ocorrer no subterrâneo através de sua resistência ao escoamento (BLANCK; TEDESCO; LAMOUROUX, 2007; SAMPAIO, 2009). Os resultados corroboraram com este pressuposto, mostrando que a probabilidade de um peixe Siluriforme ocorrer nos ambientes subterrâneos é significativamente aumentada em comparação com outras Ordens. 36

Proporcionalmente, os Gymnotiformes compreendem a segunda Ordem com maior ocorrência nos riachos hipógeos desta bacia, apresentando baixa proporção de ocorrência no epígeo. Peixes que pertencem a esta Ordem também tiveram suas chances aumentadas de estarem presentes nas cavernas. Tal fato pode se dever às características dos organismos desta Ordem, que apresentam hábitos noturnos (LISSMANN, 1961) e utilizam correntes elétricas através de íons para alimentação, orientação e comunicação (SCHWASSMANN, 1978). Além disso, o hábito alimentar deste grupo (onívoros e invertívoros, em geral) juntamente com a redução da predação visual, podem favorecer sua ocorrência nestes ambientes (BICHUETTE; TRAJANO, 2017).

Os Characiformes ocorreram nas cavernas, proporcionalmente, como a terceira Ordem, porém são os peixes mais abundantes nos riachos epígeos. Mesmo que peixes Characiformes sejam comuns em cavernas brasileiras, a maior parte dos registros refere-se à ocorrências acidentais, já que são incapazes de encontrar recursos alimentares no ambiente afótico (BICHUETTE; TRAJANO, 2003). Peixes que possuem olhos bem desenvolvidos, como a maioria dos Characiformes, dependem da visão para alimentação, locomoção e reprodução, pois o tamanho dos olhos está associado com a importância da visão para sobrevivência e até distribuição vertical na coluna d’água (GOSLINE, 1973). Em um ambiente sem luz, a probabilidade de organismos como os Characiformes se manterem é menor (RATTON; FERREIRA; POMPEU, 2018). Apenas duas espécies de Characiformes ocorrem naturalmente em ambientes subterrâneos: Stygichthys typhlops em lençóis freáticos no sudeste do Brasil (POMPEU; SAMPAIO; FERREIRA, 2010) e Astyanax mexicanus com populações em cavernas no México (KEENE; YOSHIZAWA; MCGAUGH, 2016). Mesmo assim, a ocorrência de outras espécies deste grupo é bem menor quando comparada com outras Ordens (NIEMILLER; SOARES, 2015), principalmente na bacia do presente estudo.

A relação entre a probabilidade de ocorrer nas cavernas da bacia do alto rio Tocantins com a onivoria não foi significativa. Contudo, a proporção de espécies pertencentes ao segundo (onivoria) e ao terceiro (invertivoria) níveis tróficos foi maior no ambiente hipógeo. As análises do presente estudo incluem espécies estritamente subterrâneas (troglóbias), aquelas com populações nos dois ambientes (troglófilas), e também as com ocorrência acidental em cavernas. Informações sobre alimentação de peixes associados aos habitats subterrâneos ainda são incipientes, pois a maioria dos estudos analisaram apenas espécies troglóbias e, quase sempre, os estômagos estão vazios ou com pouco conteúdo alimentar (NIEMILLER; POULSON, 2010; TRAJANO, 2001). 37

Algumas pesquisas mostraram que peixes troglóbios pertencem ao mesmo nível trófico de seus congêneres no epígeo e que a diferença na proporção de recursos consumidos por populações epígeas e hipógeas é dada pela disponibilidade de recursos e não pela preferência alimentar (ANDREANI, 1990; POULSON, 1963; TRAJANO, 1989). Pôde-se observar que os dois maiores níveis tróficos foram a onivoria e a invertivoria, com proporções diferentes, ambos com maior contribuição nos meios epígeo e hipógeo. Considerando o meio subterrâneo como um ambiente oligotrófico, com escassez de recursos e pouca produção primária devido à ausência de luz (CULVER; PIPAN, 2009), a contribuição de recursos alóctones em riachos subterrâneos para a dieta de peixes cavernícolas é significativa, principalmente se o córrego possui alta capacidade de carreamento (TRAJANO, 1997a, 1997b). Além disso, pequenos invertebrados que ocorrem em águas subterrâneas podem servir como recurso alimentar para os peixes (TRAJANO, 2001).

Acredita-se que peixes troglóbios são, em geral, carnívoros generalistas, se alimentando de maneira oportunista ou são onívoros se alimentando desde biofilme e detritos à pequenos insetos (TRAJANO, 2001; TRAJANO; BICHUETTE, 2010). A proporção de espécies onívoras ou invertívoras nas cavernas da bacia do alto rio Tocantins é maior comparando-as com os demais níveis tróficos. Este resultado corrobora com os estudos feitos sobre alimentação e guildas tróficas, os quais sugerem que a maioria dos peixes cavernícolas são predadores ou generalistas (NIEMILLER; SOARES, 2015). Mas também são encontradas algumas espécies que têm o hábito detritívoro ou que forrageiam o substrato, como Ancistrus cryptophthalmus ou Eigenmannia vicentespelaea (BICHUETTE; TRAJANO, 2017; TRAJANO, 2001). Contudo, a maioria das espécies troglóbias se diferenciam de seus congêneres epígeos por suportarem um amplo período de restrição alimentar, acumulando grandes quantidades de lipídeos ao longo do corpo e perto das nadadeiras adiposa e anal, como forma de adaptação a este ambiente extremo (HÜPPOP, 2000; NIEMILLER; SOARES, 2015).

Para as espécies registradas nos riachos de superfície desta bacia, a invertivoria foi o nível trófico, proporcionalmente mais representado, seguido da onivoria e herbivoria/detritivoria, esta última com proporção maior na superfície do que nas cavernas devido à fotossíntese no ambiente epígeo. Segundo o Conceito do Rio Contínuo (VANNOTE et al., 1980), a maioria das espécies de peixe de riachos são invertívoras, alimentando-se principalmente de macroinvertebrados bentônicos. Além disso, muitos riachos de cabeceira são influenciados pela vegetação ripária, que contribui com recursos alóctones através da entrada de matéria orgânica (VANNOTE et al., 1980), contribuindo também para a alimentação dos 38

peixes (ZENI; CASATTI, 2014). Este também foi o caso do córrego do Salobro, que teve grande contribuição da vegetação (imersa ou sobre o córrego) e de banco de folhas (origem da vegetação ripária) para presença dos peixes.

As relações entre o hábito bentônico ou pelágico com a ocorrência da espécie no hipógeo também não foram significativas. A hipótese de que peixes bentônicos teriam mais chances de ocorrer nas cavernas se relaciona com o hábito alimentar, já que estes poderiam consumir detritos ou biofilmes no substrato, bem como com o comportamento observado de se enterrarem no substrato ou embaixo de pedras (TRAJANO, 2001), como forma de abrigo e podendo evitar a fatiga em fortes pulsos de inundação (SAMPAIO, 2009). Porém, não houve grandes variações das proporções de espécies bentônicas e pelágicas entre a superfície e o subterrâneo. Em alguns bagres de caverna têm sido observado aumento da atividade na coluna d’água, favorecendo a alimentação (PARZEFALL; TRAJANO, 2010). Além disso, a distribuição vertical das espécies ao longo do gradiente ‘profundidade’ pode dar uma ideia sobre quais recursos as espécies utilizam, incluindo abrigo e alimentação (WIKRAMANAYAKE, 1990). Contudo, a pouca variação destes hábitos no epígeo e hipógeo sugere pouca influência nos peixes em ocorrer nos ambientes subterrâneos.

A relação entre o comprimento máximo das espécies e a presença destas no hipógeo não foi significativa. Alguns estudos supuserem que espécies menores teriam maior probabilidade de ocorrer nestes ambientes, em resposta adaptativa à pouca oferta de recursos em habitats subterrâneos (HÜPPOP, 2000; RATTON; FERREIRA; POMPEU, 2018). O menor tamanho corporal pode ser significativo para peixes troglóbios, com taxas de crescimento reduzidas como verificado em alguns estudos (NIEMILLER; POULSON, 2010; POULSON, 1963), com a justificativa de que este tipo de especialização aumenta as chances de persistência da população ao longo do tempo, suportando períodos de escassez extrema de recursos (HÜPPOP, 2000; NIEMILLER; POULSON, 2010). Mesmo que tenha sido observado maior amplitude do tamanho corporal das espécies encontradas no hipógeo da bacia do alto rio Tocantins, em geral as espécies são de menor porte em riachos desta bacia.

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que os habitats físicos em porções distintas de um mesmo riacho (epígeo e hipógeo) podem variar drasticamente. A estruturação física do trecho epígeo pode contribuir para maior variabilidade da comunidade de peixes com diversos recursos e condições. No 39

trecho subterrâneo do riacho analizado, a menor disponibilidade de recursos (por ser um riacho autogênico) juntamente com as condições limitantes (como a homogeneização do habitat) podem atuar como filtros mais rigorosos dificultando o estabelecimento da comunidade de peixes epígeos, comparando-o com riachos subterrâneos alogênicos. Contudo, peixes que pertencem às Ordens Siluriformes e Gymnotiformes têm suas chances aumentadas para colonizarem o meio subterrâneo e até manterem populações viáveis, possivelmente devido às características comuns entre estas, como hábito noturno e menor dependência visual, que certamente correspondem a importantes pré-adaptações ao meio subterrâneo. Algumas características das espécies, como o menor tamanho corporal, a onivoria e hábito bentônico tiveram pouca relação com a ocorrência em riachos subterrâneos da bacia do alto rio Tocantins. Outros aspectos pouco encontrados na literatura para cada espécie de peixe, como o hábito noturno ou a orientação por quimiorreceptores, podem ter maior influência e contribuir para as espécies adentrarem este filtro ambiental. Assim, fatores ambientais podem filtrar a ocorrência de certas espécies enquanto algumas possuem características pré-adaptativas que as permitem colonizar e se estabelecer nestes ambientes. Pesquisas que abordam outras características não mensuradas neste estudo, bem como incluam outras bacias, são importantes para entender demais pré-adaptações das espécies e como as mesmas podem favorecer outras espécies de peixes sujeitos a diferentes filtros ambientais.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Licença do SISBIO (Nº 63411-1). Ao Espeleo Grupo de Brasília, em especial ao Edvard e Emílio que nos acompanharam em campo. À Márcia Couto, e ao Sr. Natin (in memoriam), que permitiu a pesquisa na caverna. Aos membros do Centro de Estudo em Biologia Subterrânea, Marconi Souza e Rafaela Bastos, pelas ajudas em campo. E à Vale pela bolsa de mestrado concedida.

40

REFERÊNCIAS

ANDERSON, M. J.; GORLEY, R. N.; CLARKE, K. R. PERMANOVA+ for PRIMER: Guide to Software and Statistical MethodsPlymouth, UKPRIMER-E, , 2008.

ANDREANI, L. E. Estudio comparativo de dos poblaciones, una hipógea y otra epígea de Trichomycterus sp (Siluriformes, Trichomycteridae). Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 24, p. 7–14, 1990.

ANGERMEIER, P. L. Ecological attributes of extinction-prone species: loss of freshwater fishes of Virginia. Conservation Biology, v. 9, n. 1, p. 143–158, 1995.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: Informação e documentação: artigo em publicação periódica científica impressa. Rio de Janeiro, 2003.

BARBOSA, H. D. O. et al. Conhecimento ecológico local e percepção dos impactos ambientais por moradores da Zona Rural sobre riachos e peixes da bacia do alto rio Tocantins, Goiás, Brasil. Ethnoscientia, v. 2, n. 1, p. 1–20, 2017.

BERTACO, V. A.; CARVALHO, F. R. New species of Hasemania (Characiformes: Characidae) from Central Brazil, with comments on the endemism of upper rio Tocantins basin, Goiás State. Neotropical Ichthyology, v. 8, n. 1, p. 27–32, 2010.

BERTACO, V. A.; JEREP, F. C.; CARVALHO, F. R. New species of Moenkhausia Eigenmann (Ostariophysi: Characidae) from the upper rio Tocantins basin in Central Brazil. Neotropical Ichthyology, v. 9, n. 1, p. 57–63, 2011.

BERTACO, V. A.; MALABARBA, L. R. A new species of Hyphessobrycon (Teleostei: Characidae) from the upper rio Tocantins drainage, with bony hooks on fins. Neotropical Ichthyology, v. 3, n. 1, p. 83–88, 2005.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Epigean and subterranean ichthyofauna from the São Domingos karst area, Upper Tocantins River basin, Central Brazil. Journal of Fish Biology, v. 63, n. 5, p. 1100– 1121, 2003.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Three new subterranean species of Ituglanis from Central Brazil (Siluriformes : Trichomycteridae). Ichthyological Exploration of Freshwater, v. 15, n. 3, p. 243–256, 2004.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Ituglanis mambai, a new subterranean catfish from a karst area of Central Brazil, rio Tocantins basin (Siluriformes: Trichomycteridae). Neotropical Ichthyology, v. 6, n. 1, p. 9–15, 2008.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Biology and behavior of Eigenmannia vicentespelaea, a troglobitic electric fish from Brazil (Teleostei: Gymnotiformes: Sternopygidae): a comparison to the epigean species, E. trilineata, and the consequences of cave life. Tropical Zoology, v. 30, n. 2, p. 68–82, 2017.

BLANCK, A.; TEDESCO, P. A.; LAMOUROUX, N. Relationships between life-history strategies of European freshwater fish species and their habitat preferences. Freshwater Biology, v. 52, n. 5, p. 843– 859, 2007.

CARVALHO, F. R.; BERTACO, V. A.; JEREP, F. C. Hemigrammus tocantinsi: a new species from the upper rio Tocantins basin, Central Brazil (Characiformes: Characidae). Neotropical Ichthyology, 41

v. 8, n. 2, p. 247–254, 2010.

CLARKE, K. R.; GORLEY, R. N. PRIMER v6: user manual/tutorialPlymouth, UKPRIMER-E, , 2006.

CLARO-GARCÍA, A.; SHIBATTA, O. A. The fish fauna of streams from the upper rio Tocantins basin, Goiás State, Brazil. Check List, v. 9, n. 1, p. 028–033, 2013.

CULVER, D. C.; PIPAN, T. The Biology of Caves and Other Subterranean Habitats. New York: Oxford University Press Inc., 2009.

DATOVO, A.; DE AQUINO, P. D. P. U.; LANGEANI, F. A new species of Ituglanis (Siluriformes: Trichomycteridae) from the Tocantins and Paranaíba river basins, central Brazil, with remarks on the systematics of the . Zootaxa, v. 4171, n. 3, p. 439–458, 2016.

FERNÁNDEZ, L.; BICHUETTE, M. E. A new cave dwelling species of Ituglanis from the São Domingos karst, central Brazil (Siluriformes: Trichomycteridae). Ichthyological Exploration of Freshwater, v. 13, n. 3, p. 273–278, 2002.

FERREIRA, E. A. B.; TOKARSKI, D. J. Bacia hidrográfica do alto Tocantins: Retrato e reflexões. [s.l.] WWF - Brasil, 2007.

FRICKE, R.; ESCHMEYER, W. N.; VAN DER LAAN, R. Eschmeyer’s Catalog Of Fishes: Genera, Species, References. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2019.

FROESE, R.; PAULY, D. FishBase. Disponível em: .

GOSLINE, W. A. Considerations regarding the phylogeny of cypriniform fishes, with special reference to structures associated with feeding. Copeia, p. 761–776, 1973.

HÜPPOP, K. How do cave animals cope with the food scarcity in caves? In: WILKENS, H.; CULVER, D. C.; HUMPHREYS, W. F. (Eds.). . Subterranean ecosystems. Amsterdam, Netherlands: Elsevier, 2000. p. 159–188.

INSTITUTO MAURO BORGES DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Caracterização Territorial e Física. In: Atlas do Estado de Goiás. Goiânia: Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento de Goiás e Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, 2014. p. 11–12.

JÚNIOR, O. B. V. et al. Riverine networks constrain β-diversity patterns among fish assemblages in a large Neotropical river. Freshwater Biology, v. 61, n. 10, p. 1733–1745, 2016.

KAUFMANN, P. R. et al. Quantifying physical habitat in wadeable streams. Washington, DC: USEPA [National Health and Environmental Effects Research Laboratory, Western Ecology Division], 1999.

KEENE, A. C.; YOSHIZAWA, M.; MCGAUGH, S. E. Biology and Evolution of the Mexican Cavefish. [s.l.] Elsevier, 2016.

LIMA, C. A.; AGOSTINHO, A. A.; FABRÉ, N. N. Trophic aspects of fish communities in brazilian rivers and reservoirs. In: Rio de Janeiro: Limnology in Brasil, 1995. p. 105–135.

LIMA, F. C. T. DE; CAIRES, R. A. Peixes da estação ecológica Serra Geral do Tocantins, bacias dos 42

rios Tocantins e São Francisco, com observações sobre as implicações biogeográficas das “águas emendadas” dos Rios Sapão e Galheiros. Biota Neotropica, v. 11, n. 1, p. 231–250, 2011.

LISSMANN, H. W. Ecological studies on gymnotids. In: Bioelectrogenesis. Amsterdam: Elsevier, 1961. p. 215–226.

MATTOX, G. M. T. et al. Surface and subterranean ichthyofauna in the Serra do Ramalho karst area, northeastern Brazil, with updated lists of Brazilian troglobitic and troglophilic fishes. Biota Neotropica, v. 8, n. 4, p. 145–152, 2008.

MAZZONI, R. et al. Alimentação e padrões ecomorfológicos das espécies de peixes de riacho do alto rio Tocantins, Goiás, Brasil. Iheringia - Serie Zoologia, v. 100, n. 2, p. 162–168, 2010.

MELO, C. E. DE; MACHADO, F. DE A.; PINTO-SILVA, V. Feeding habits of fish from a stream in the savanna of Central Brazil, Araguaia Basin. Neotropical Ichthyology, v. 2, n. 1, p. 37–44, 2004.

MENDES, I. S. et al. On the evolutionary origin of Neotropical cavefish Ancistrus cryptophthalmus (Siluriformes, Loricariidae) based on the mitogenome and genetic structure of cave and surface populations. Hydrobiologia, 2019.

MENEZES, N. A. Description of five new species of Acestrocephalus Eigenmann and redescription of A. sardina and A. boehlkei (Characiformes: Characidae). Neotropical Ichthyology, v. 4, n. 4, p. 385– 400, 2006.

MIRANDA, J. C.; MAZZONI, R. Composição da Ictiofauna de três riachos do alto rio Tocantins - GO. Biota Neotropica, v. 3, n. 1, p. 1–11, 2003.

NIEMILLER, M. L.; POULSON, T. L. Studies of the Amblyopsidae: past, present, and future. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . The biology of subterranean fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 169–280.

NIEMILLER, M. L.; SOARES, D. Cave Environments. In: Extremophile Fishes. Cham: Springer International Publishing, 2015. p. 161–191.

OLSEN, A. R.; PECK, D. V. Survey design and extent estimates for the wadeable streams assessment. Journal of the North American Benthological Society, v. 27, n. 4, p. 822–836, dez. 2008.

PARZEFALL, J.; TRAJANO, E. Behavioral patterns in subterranean fishes. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: [s.n.]. p. 83–116.

PAULA, M. DE; AKAMA, A.; MORAIS, F. DE. Ictiofauna epígea e hipógea da área cárstica de Pindorama do Tocantins – TO. Espeleo-Tema, v. 23, n. 1, p. 23–30, 2012.

PAVANELLI, C. S.; BRITSKI, H. A. Apareiodon Eigenmann, 1916 (Teleostei, Characiformes), from the Tocantins-Araguaia basin, with description of three new species. Copeia, v. 2, p. 337–348, 2003.

POFF, N. L. Landscape filters and species traits: towards mechanistic understanding and prediction in stream ecology. Journal of the north american Benthological society, v. 16, n. 2, p. 391–409, 1997.

POMPEU, P. S.; SAMPAIO, F. A. C.; FERREIRA, R. L. Em Destaque: Stygichthys typhlops Brittan & Böhlke, 1965. MGBiota, v. 3, n. 1, p. 37–40, 2010.

POULSON, T. L. Cave adaptation in amblyopsid fishes. American Midland Naturalist, p. 257–290, 1963. 43

PROUDLOVE, G. S. Biodiversity and distribution of the subterranean fishes of the world. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: [s.n.]. p. 41–63.

RATTON, P.; FERREIRA, R. L.; POMPEU, P. S. Fish community of a small karstic Neotropical drainage and its relationship with the physical habitat. Marine and Freshwater Research, v. 69, n. 8, p. 1312–1320, 2018.

RIBEIRO, A. C.; LIMA, F. C. T.; PEREIRA, E. H. L. A new genus and species of a minute suckermouth armored catfish (Siluriformes: Loricariidae) from the Rio Tocantins drainage, central Brazil: The smallest known Loricariid catfish. Copeia, v. 2012, n. 4, p. 637–647, 2012.

RIZZATO, P. P.; BICHUETTE, M. E. Ituglanis boticario, a new troglomorphic catfish (Teleostei: Siluriformes: Trichomycteridae) from Mambaí karst area, central Brazil. Sociedade Brasileira de Zoologia, v. 31, n. 6, p. 577–598, dez. 2014.

RUBBIOLI, É. et al. Cavernas Atlas do Brasil Subterrâneo. [s.l: s.n.].

SAMPAIO, F. A. C. Capacidade natatória de peixes hipógeos e epígeos: aspectos ecológicos e evolutivos. p. 123, 2009.

SCARSBROOK, M. R.; TOWSEND, C. R. Stream community structure in relation to spatial and temporal variation: a habitat templet study of two contrasting New Zealand streams. Freshwater Biology, v. 29, n. 3, p. 395–410, jun. 1993.

SCHWASSMANN, H. O. Ecological aspects of electroreception. In: Sensory Ecology Review and Perspectives. Boston, MA: Springer, 1978. p. 521–533.

SECUTTI, S.; REIS, R. E.; TRAJANO, E. Differentiating cave Aspidoras catfish from a karst area of Central Brazil, upper rio Tocantins basin (Siluriformes: Callichthyidae). Neotropical Ichthyology, v. 9, n. 4, p. 689–695, 2011.

SERAPHIM, G.; BICALHO, C.; RODRIGUES, P. Descobertas do Espéleo Grupo de Brasília em Nova Roma - Goiás. O Carste, v. 16, p. 136–140, 2004.

SHIBATTA, O. A. A new species of Microglanis (Siluriformes: Pseudopimelodidae) from the upper rio Tocantins basin, Goiás State, Central Brazil. Neotropical Ichthyology, v. 12, n. 1, p. 81–87, 2014.

SIMON, K. S. Ecosystem science and karst systems. In: MARTIN, J. B.; WHITE, W. B. (Eds.). Frontiers of Karst Research. Leesburg, Virginia: Karst Waters Institute, 2008. p. 49–53.

STATSOFT, I. STATISTICA, 2011. Disponível em:

TENCATT, L. F. C.; BICHUETTE, M. E. Aspidoras mephisto, new species: the first troglobitic Callichthyidae (Teleostei: Siluriformes) from South America. PLoS One, v. 12, n. 3, 2017.

TERESA, F. B. et al. Environmental constraints structuring fish assemblages in riffles: Evidences from a tropical stream. Neotropical Ichthyology, v. 14, n. 3, p. 1–6, 2016.

TRAJANO, E. Estudo do comportamento espontâneo e alimentar e da dieta do bagre cavernícola, Pimelodella kronei, e seu provável ancestral epígeo, Pimelodella transitoria (Siluriformes, Pimelodidae). Revista Brasileira de Zoologia, v. 49, p. 757–769, 1989.

TRAJANO, E. Food and reproduction of Trichomycterus itacarambiensis, cave catfish from south- 44

eastern Brazil. Journal of Fish Biology, v. 51, n. 1, p. 53–63, 1997a.

TRAJANO, E. Threatened fishes of the World: Pimelodella kronei (Ribeiro, 1907) (Pimelodidae). Environmental Biology of Fishes, v. 49, n. 3, p. 332–332, 1997b.

TRAJANO, E. Ecology of subterranean fishes: An overview. Environmental Biology of Fishes, v. 62, n. 1–3, p. 133–160, 2001.

TRAJANO, E. Evolution of lineages. In: CULVER, D. C.; WHITE, W. B. (Eds.). The Encyclopedia of Caves. San Diego: Elsevier Academic Press, 2005. p. 230–234.

TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E. Subterranean fishes of Brazil. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 331–355.

VANNOTE, R. L. et al. The river continuum concept. Canadian journal of fisheries and aquatic sciences, v. 37, n. 1, p. 130–137, 1980.

WIKRAMANAYAKE, E. Ecomorphology and biogeography of a tropical stream fish assemblage: evolution of assemblage structure. Ecology, v. 71, n. 5, p. 1756–1764, 1990.

ZENI, J. O.; CASATTI, L. The influence of habitat homogenization on the trophic structure of fish fauna in tropical streams. Hydrobiologia, v. 726, n. 1, p. 259–270, 2014. 45

MATERIAL SUPLEMENTAR

Apêndice A – Tabela com abundância das espécies de peixe coletadas nas seções do córrego do Salobro. Seções do Epígeo Seções do Hipógeo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 CHARACIFORMES Characidae Astyanax elachylepis Bertaco & Lucinda 2005 1 1 Astyanax aff goyacensis Eigenmann 1908 1 1 1 1 1 *1 *1 Moenkhausia aff aurantia Bertaco, Jerep & Carvalho 2011 23 8 14 2 8 9 23 53 13 36 Crenuchidae Characidium aff xanthopterum Silveira, Langeani, da Graça, 2 2 2 3 3 Pavanelli & Buckup 2008 SILURIFORMES Heptapteridae Pimelodella sp. 1 2 3 4 3 X Trichomycteridae Ituglanis sp.1 1 1 1 Ituglanis sp.2 2 1 *1 3 2 *1 *1 SYNBRANCHIFORMES Synbranchus cf marmoratus Bloch 1795 1 1 Legenda: * - indivíduo avistado mas não coletado; X - espécie avistada fora da seção. Fonte: Do autor (2019).

46

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Continua) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Ordem Characiformes Acestrocephalus stigmatus Menezes 2006 1 0 13,5 5 1 1 Acestrocephalus maculosus Menezes 2006 1 0 7,9 5 1 1 Acestrorhynchus falcatus (Bloch 1794) 1 0 30,0 5 0 1 Apareiodon argenteus Pavanelli & Britski 2003 1 0 7,6 2 1 1 Apareiodon cavalcante Pavanelli & Britski 2003 1 0 5,6 2 1 1 Apareiodon machrisi Travassos 1957 1 0 7,4 2 1 1 Astyanax bimaculatus (Linnaeus 1758) 1 0 15,0 2 1 1 Astyanax elachylepis Bertaco & Lucinda 2005 1 0 9,2 3 1 1 Astyanax goyacensis Eigenmann 1908 1 1 6,9 3 1 1 Astyanax novae Eigenmann 1911 1 0 3,3 3 1 1 Astyanax scabripinnis (Jenyns 1842) 1 0 7,8 3 1 1 Astyanax unitaeniatus Garutti 1998 1 0 8,0 3 1 1 Brachychalcinus copei (Steindachner 1882) 1 0 7,3 3 1 1 Brycon nattereri Günther 1864 1 0 29,0 2 1 1 Bryconops caudomaculatus (Günther 1864) 1 0 12,4 3 1 1 Bryconops melanurus (Bloch 1794) 1 0 12,0 3 1 1 Caiapobrycon tucurui Malabarba & Vari 2000 1 0 4,5 3 0 1 Characidium gomesi Travassos 1956 1 0 6,5 2 1 0 Characidium sp. 1 1 5,0 2 1 0 Characidium sp. 2 1 0 5,0 2 1 0 Characidium stigmosum Melo & Buckup 2002 1 0 4,3 2 1 1 Characidium xanthopterum Silveira, Langeani, da Graça, Pavanelli & Buckup 2008 1 0 3,2 2 1 0 Characidium zebra Eigenmann 1909 1 0 7,4 2 1 0 Creagrutus atrisignum Myers 1927 1 0 5,5 3 1 1 Creagrutus britskii Vari & Harold 2001 1 0 5,3 2 1 1 Creagrutus mucipu Vari & Harold 2001 1 0 5,6 3 1 1 Creagrutus saxatilis Vari & Harold 2001 1 0 8,2 3 1 1 47

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Continua) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Ctenobrycon spilurus (Valenciennes 1850) 1 0 8,0 3 1 1 Ctenocheirodon pristis Malabarba & Jerep 2012 1 0 3,3 3 1 1 Cyphocharax spilurus (Günther 1864) 1 0 10,4 1 1 1 Cyphocharax vanderi (Britski 1980) 1 0 6,8 1 1 1 Galeocharax gulo (Cope 1870) 1 0 22,0 5 0 1 Hasemania kalunga Bertaco & Carvalho 2010 1 0 5,3 3 1 1 Hemigrammus ataktos Marinho, Dagosta & Birindelli 2014 1 0 3,8 3 1 1 Hemigrammus tocantinsi Carvalho, Bertaco & Jerep 2010 1 0 3,7 3 1 1 Hemiodus ternetzi Myers 1927 1 0 10,5 1 0 1 Hemiodus unimaculatus (Bloch 1794) 1 0 26,0 2 0 1 Hoplerythrinus unitaeniatus (Spix & Agassiz 1829) 1 1 16,5 5 0 1 Hoplias aimara (Valenciennes 1847) 1 0 22,0 5 1 1 Hoplias curupira Oyakawa & Mattox 2009 1 0 29,9 5 1 1 Hoplias malabaricus (Bloch 1794) 1 1 65,0 5 0 1 Hyphessobrycon hamatus Bertaco & Malabarba 2005 1 0 4,5 2 0 1 Hypomasticus megalepis (Günther 1863) 1 0 10,7 1 1 1 Jupiaba apenima Zanata 1997 1 0 4,0 2 1 1 Jupiaba polylepis (Günther 1864) 1 0 7,3 3 1 1 Knodus chapadae (Fowler 1906) 1 0 5,7 2 1 1 Knodus savannensis Géry 1961 1 0 3,4 3 0 1 Leporellus vittatus (Valenciennes 1850) 1 0 28,9 3 1 1 Leporinus bistriatus Britski 1997 1 0 11,1 1 1 0 Leporinus friderici (Bloch 1794) 1 0 40,0 4 1 1 Leporinus taeniofasciatus Britski 1997 1 0 12,9 2 1 1 Leporinus tigrinus Borodin 1929 1 0 20,0 2 1 1 Moenkhausia aurantia Bertaco, Jerep & Carvalho 2011 1 0 3,6 2 0 1 Moenkhausia dasalmas Bertaco, Jerep & Carvalho 2011 1 0 4,3 3 0 1 Moenkhausia grandisquamis (Müller & Troschel 1845) 1 0 10,0 3 1 1 48

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Continua) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Moenkhausia oligolepis (Günther 1864) 1 1 10,0 3 0 1 Moenkhausia pankilopteryx Bertaco & Lucinda 2006 1 0 9,7 3 0 1 Moenkhausia tergimacula Lucena & Lucena 1999 1 0 5,2 3 1 1 Mylesinus paucisquamatus Jégu & Santos 1988 1 0 22,0 1 0 1 Roeboexodon guyanensis (Puyo 1948) 1 0 12,0 5 0 1 Serrapinnus tocantinensis Malabarba & Jerep 2014 1 0 4,0 3 1 1 Steindachnerina amazonica (Steindachner 1911) 1 0 9,9 1 1 1 Thoracocharax stellatus (Kner 1858) 1 0 6,7 3 0 1

Ordem Cyprinodontiformes Cynolebias griseus Costa, Lacerda & Brasil 1990 1 0 8,3 3 1 1 Hypsolebias brunoi (Costa 2003) 1 0 3,0 3 1 1 Hypsolebias marginatus (Costa & Brasil 1996) 1 0 6,0 3 1 1 Hypsolebias notatus (Costa, Lacerda & Brasil 1990) 1 0 5,0 3 1 1 Hypsolebias radiosus (Costa & Brasil 2004) 1 0 5,0 3 1 1 Melanorivulus decoratus (Costa 1989) 1 0 5,0 3 1 1 Melanorivulus planaltinus (Costa & Brasil 2008) 1 0 3,1 3 1 1 Melanorivulus zygonectes (Myers 1927) 1 0 4,0 2 1 1 Poecilia reticulata Peters 1859 1 0 5,0 2 1 1

Ordem Gymnotiformes Apteronotus albifrons (Linnaeus 1766) 1 1 50,0 3 1 1 Apteronotus camposdapazi de Santana & Lehmann A. 2006 1 0 50,0 3 1 1 Apteronotus ellisi (Alonso de Arámburu 1957) 0 1 32,8 3 1 1 Archolaemus blax Korringa 1970 0 1 43,5 3 1 0 Eigenmannia trilineata López & Castello 1966 1 1 25,0 3 1 0 Eigenmannia vicentespelaea Triques 1996 0 1 20,8 3 1 1 Eigenmannia virescens (Valenciennes 1836) 1 0 44,0 3 1 1 Gymnotus carapo Linnaeus 1758 1 0 76,0 3 1 1 Sternarchorhynchus curvirostris (Boulenger 1887) 1 1 40,6 3 1 1 49

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Continua) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Sternarchorhynchus mesensis Campos-da-Paz 2000 1 0 24,9 3 1 1 Sternopygus macrurus (Bloch & Schneider 1801) 1 0 141,0 2 1 0

Ordem Perciformes Aequidens tetramerus (Heckel 1840) 1 0 16,2 2 1 1 Cichlasoma amazonarum Kullander 1983 1 0 11,4 3 1 1 Cichlasoma araguaiense Kullander 1983 1 1 9,2 3 1 1 Cichlasoma sanctifranciscense Kullander 1983 1 0 8,8 3 1 1 Crenicichla inpa Ploeg 1991 1 0 16,8 3 1 1 Crenicichla labrina (Spix & Agassiz 1831) 1 0 16,0 4 1 1 Geophagus altifrons Heckel 1840 1 0 26,5 3 1 1 Geophagus neambi Lucinda, Lucena & Assis 2010 1 0 12,7 3 1 1 Retroculus lapidifer (Castelnau 1855) 1 0 20,3 3 1 1

Ordem Siluriformes Ancistomus micrommatos (Cardoso & Lucinda 2003) 1 0 11,9 1 1 0 Ancistrus aguaboensis Fisch-Muller, Mazzoni & Weber 2001 1 0 6,7 1 1 0 Ancistrus cryptophthalmus Reis 1987 1 1 6,0 1 1 0 Ancistrus jataiensis Fisch-Muller, Cardoso, da Silva & Bertaco 2005 1 0 5,4 1 1 0 Ancistrus minutus Fisch-Muller, Mazzoni & Weber 2001 1 0 5,7 1 1 0 Ancistrus reisi Fisch-Muller, Cardoso, da Silva & Bertaco 2005 1 0 6,1 1 1 0 Aphanotorulus emarginatus (Valenciennes 1840) 1 0 15,0 1 1 0 Aspidoras albater Nijssen & Isbrücker 1976 1 1 3,6 2 1 1 Aspidoras eurycephalus Nijssen & Isbrücker 1976 1 0 3,0 2 1 1 Aspidoras mephisto Tencatt & Bichuette 2017 0 1 4,5 2 1 1 Aspidoras poecilus Nijssen & Isbrücker 1976 1 0 3,5 2 1 1 Cetopsis arcana Vari, Ferraris & de Pinna 2005 1 0 9,0 2 1 1 Cetopsis caiapo Vari, Ferraris & de Pinna 2005 1 0 6,9 2 1 1 Cetopsis plumbea Steindachner 1882 1 1 11,8 3 1 0 Cetopsis sarcodes Vari, Ferraris & de Pinna 2005 1 0 6,9 2 1 1 50

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Continua) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Cetopsorhamdia molinae Miles 1943 1 1 3,6 2 1 0 Corumbataia anosteos (Carvalho, Lehmann A. & Reis 2008) 1 0 4,4 1 1 0 Corumbataia britskii Ferreira & Ribeiro 2007 1 0 2,7 1 1 0 Corumbataia tocantinensis Britski 1997 1 0 3,8 1 1 1 Corumbataia veadeiros Carvalho 2008 1 0 3,7 1 1 0 Corydoras sp. 1 0 4,0 2 1 0 Farlowella oxyrryncha (Kner 1853) 1 0 23,0 2 1 0 Harttia punctata Rapp Py-Daniel & Oliveira 2001 1 0 13,3 1 1 1 Harttia sp. 1 0 13,0 1 1 0 Homodiaetus sp. 1 0 7,0 5 1 0 ericae Hollanda Carvalho & Weber 2005 1 0 19,9 1 1 0 Hypostomus plecostomus (Linnaeus 1758) 1 0 50,0 1 1 0 Hypostomus sp. 1 1 50,0 1 1 0 Imparfinis borodini Mees & Cala 1989 1 0 15,7 3 1 1 Imparfinis hollandi Haseman 1911 1 1 23,0 3 1 0 Imparfinis minutus (Lütken 1874) 0 1 12,0 3 1 0 Imparfinis mirini Haseman 1911 1 0 9,3 4 1 1 Ituglanis bambui Bichuette & Trajano 2004 0 1 4,6 2 1 1 Ituglanis boticario Rizzato & Bichuette 2015 0 1 7,4 2 1 0 Ituglanis epikarsticus Bichuette & Trajano 2004 0 1 3,4 2 1 1 Ituglanis goya Datovo, Aquino & Langeani 2016 1 0 11,8 2 1 0 Ituglanis mambai Bichuette & Trajano 2008 0 1 6,8 2 1 1 Ituglanis passensis Fernández & Bichuette 2002 0 1 7,0 2 1 1 Ituglanis ramiroi Bichuette & Trajano 2004 1 1 3,1 2 1 1 Ituglanis sp. 1 0 5,0 2 1 0 Ituglanis sp. 1 0 0 5,1 2 1 0 Ituglanis sp. 2 0 0 5,2 2 1 0 Lamontichthys avacanoeiro de Carvalho Paixão & Toledo-Piza 2009 1 0 16,0 1 1 0 51

Apêndice B – Tabela com espécies de peixes presentes em riachos da bacia do alto rio Tocantins e suas respectivas características. (Conclusão) Espécie Bacia Epígea Bacia Hipógea Comprimento máximo (cm) Nível Trófico Bentônico Pelágico

Loricaria sp. 1 0 20,0 1 1 0 Microglanis maculatus Shibatta 2014 1 0 3,6 3 1 0 Microlepidogaster sp. 1 0 4,0 1 1 0 Nannoplecostomus eleonorae Ribeiro, Lima & Pereira 2012 1 0 2,2 2 1 0 Otocinclus hoppei Miranda Ribeiro 1939 1 0 3,3 1 1 0 Paravandellia sp. 1 0 4,0 4 1 0 Parotocinclus sp. 1 0 4,0 1 1 0 Phenacorhamdia sp. 1 0 9,0 3 1 1 Phenacorhamdia tenebrosa (Schubart 1964) 1 1 7,5 2 1 0 Pimelodella sp. 1 1 15,0 2 1 0 Pimelodella spelaea Trajano, Reis & Bichuette 2004 0 1 8,1 2 1 0 Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard 1824) 1 1 47,4 2 1 1 Rhamdia sp. 1 0 47,0 2 1 0 Rhyacoglanis pulcher (Boulenger 1887) 1 0 8,7 3 1 0 lanceolata (Günther 1868) 1 0 12,3 2 1 0 Spatuloricaria evansii (Boulenger 1892) 1 0 28,2 2 1 0 Tatia sp. 1 0 20,0 3 1 0 Trachelyopterus galeatus (Linnaeus 1766) 1 0 30,0 2 1 0 Trichomycterus sp. 1 0 7,0 5 1 0 Vandellia cirrhosa Valenciennes 1846 1 0 17,0 5 1 1

Ordem Synbranchiformes Synbranchus marmoratus Bloch 1795 1 0 150,0 5 0 1 Legenda: Para ‘Bacia Epígea’ e ‘Bacia Hipógea’: 1 – presente, 0 – não presente; Para ‘Nível Trófico’: 1 – detritivoria/herbivoria, 2 – onivoria, 3 – invertivoria, 4 – carnivoria, 5 – piscivoria; Para ‘Bentônico’ e ‘Pelágico’: 1 – para as espécies que possuem o hábito, 0 – para as que não possuem. Fonte: Do autor (2019).

52

ARTIGO 2. ECOMORFOS DE ITUGLANIS (SILURIFORMES: TRICHOMYCTERIDAE) EM UMA CAVERNA NEOTROPICAL: DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA, PREFERÊNCIA POR HABITATS E IMPLICAÇÕES PARA A SISTEMÁTICA E CONSERVAÇÃO

(Artigo redigido conforme NBR 6022 (ABNT, 2003))

RESUMO

No intuito de aprofundar a compreensão de como peixes de cavernas utilizam os habitats aos quais se associam, o presente estudo testou as hipóteses de que peixes cavernícolas exibem preferências por habitats encontrados na caverna e que a posição de seus nichos no espaço ambiental demonstram tolerância à variações do ambiente subterrâneo. Foi realizada uma coleta na Gruta Cabeceira d’Água, Goiás, Brasil, em agosto de 2018, onde ocorrem peixes do gênero Ituglanis com indivíduos troglomórficos e não troglomórficos. Parâmetros hidráulicos (profundidade, velocidade da água e substrato) foram amostrados ao longo da caverna e foi feita a contabilização dos ecomorfos avistados juntamente com medidas de variáveis abióticas em cada ponto onde encontrava-se cada indivíduo. Verificou-se, através da análise de pares de genes mitocondriais, que os ecomorfos de Ituglanis presentes nesta caverna pertencem a uma mesma espécie, que também ocorre em outras cavernas da bacia do alto rio Tocantins. Das condições preferenciadas, substratos e profundidades foram mais escolhidos, diferindo significativamente das condições mais abundantes da caverna. Além disso, houve diferenciação significativa do nicho entre os ecomorfos, sendo que o nicho dos indivíduos troglomórficos tende a incorporar condições de habitats mais variáveis na caverna, sugerindo maior especialização a este ambiente. As análises feitas neste estudo ampliam o conhecimento acerca destes organismos e traz questionamentos sobre a sistemática deste grupo (incluindo validade de espécies), que devem ser compreendidos em pesquisas futuras especialmente visando a conservação destes organismos.

Palavras-chave: Ambientes subterrâneos; Peixe de caverna; Citocromo Oxidase I; Uso do habitat; Índice de Marginalidade de Nicho.

53

ABSTRACT

The aim of this study was to increase the knowledge of how cavefishes use the habitats they associate with. This study tested the hypothesis that cavefishes exhibit preferences for specifics habitats in the cave and that the position of their niches in the environmental space demonstrates tolerance to variations in the subterranean environment. A sampling was made at Cabeceira d´Água Cave, Goiás, Brazil, in August 2018, where troglomorphic and non-troglomorphic fishes of the genus Ituglanis occur. Hydraulic parameters (depth, water velocity and substrate) were sampled throughout the cave and also the abiotic variables where the ecomorphs sighted occurred. It was verified through the analysis of mitochondrial gene that the Ituglanis ecomorphs belong the same species and are either a species that occur in another cave of the upper Tocantins river basin. And the conditions preferred by the fishes differed significantly from the most available conditions in the cave, choosing specific substrates and depths. In addition, there was significant differentiation of the niche between ecomorphs, and the niche of troglomorphic individuals tended to incorporate more diversified habitat conditions in the cave, suggesting a specialization in this environment. These analyzes enlarge the knowledge about these organisms and raise questions about the systematic of this group (including species validity), which should be better understood in future researches especially aiming the conservation of them. Keywords: Subterranean environments; Cavefishes; Cytochrome Oxidase I; Habitat use; Outlying Mean Index. 54

1 INTRODUÇÃO

Ambientes subterrâneos são muitas vezes considerados “extremos” especialmente por sua escassez de recursos orgânicos quando comparados com habitats de superfície (CULVER; PIPAN, 2009), além de sua variabilidade ambiental reduzida e habitats com estrutura simplificada (MAMMOLA, 2019; SÁNCHEZ-FERNÁNDEZ et al., 2018). A especialização ao meio subterrâneo pode exigir das espécies modificações genéticas, morfológicas, fisiológicas e até comportamentais, de forma a manter populações viáveis nestes ambientes (CHRISTIANSEN, 2012; CULVER; KANE; FONG, 1995). A evolução de algumas características é regida principalmente pela pressão seletiva que age de acordo com a variação genética para produzir fenótipos com maior aptidão à vida nas cavernas (PROTAS; JEFFERY, 2012). Apesar de muitos fatores e condições restritivos a serem enfrentados, diversos grupos de peixes são capazes de colonizar e estabelecer populações em habitats subterrâneos (NIEMILLER; SOARES, 2015), podendo ter suas características determinadas pela complexidade do habitat (GORMAN; KARR, 1978). Algumas destas características incluem preferência por habitats e especializações às condições específicas do meio subterrâneo (TRAJANO, 2001). A seleção do habitat pelos peixes é afetada principalmente por fatores hidráulicos, como substrato, profundidade, e velocidade da água (GORMAN; KARR, 1978; GROSSMAN et al., 1998), o que também já foi observado para peixes troglóbios (BICHUETTE; TRAJANO, 2015; RANTIN; BICHUETTE, 2015; TRAJANO, 2001). Segundo a hipótese de mudança adaptativa, grupos pré-adaptados, como muitos peixes Siluriformes (TRAJANO, 2001), invadiram o ambiente subterrâneo de forma a evitar a competição na superfície e explorar novos recursos adaptando-se às condições extremas locais (HOWARTH, 1973; POULSON; WHITE, 1969). Mesmo assim, alguns estudos têm mostrado a existência de competição nestes ambientes, que pode ser evitada pelo particionamento dinâmico do nicho espacial (MAMMOLA; PIANO; ISAIA, 2016), diminuindo a sobreposição de nichos e, consequentemente, a competição (MAMMOLA, 2019). Assim, a partição de dieta e de habitat podem permitir a coexistência de várias espécies de peixes em cavernas com a mínima competição (TRAJANO, 2001). Estima-se que aproximadamente 40% dos peixes estritamente subterrâneos coexistem com pelo menos uma outra espécie de peixe troglóbia (TRAJANO, 2001). Muitos casos de sintopia correspondem a espécies da mesma família, com a maioria dos casos ocorrendo no 55

Sudeste da Ásia e na América do Sul (NIEMILLER; SOARES, 2015). Ainda assim, estudos avaliando os nichos de espécies coexistentes ainda são incipientes. No Brasil, existem mais de 20 espécies de peixes troglóbias formalmente descritas (NIEMILLER; SOARES, 2015). A família Trichomycteridae (Siluriformes) é a mais rica, sendo representada por 11 espécies no Brasil, distribuídas em quatro gêneros (PROUDLOVE, 2010). Desta família, seis espécies (com diferentes níveis de troglomorfismo) pertencem ao gênero Ituglanis, ocorrendo em cavernas na área cárstica de São Domingos e de Mambaí, transpassadas por rios subterrâneos pertencentes à bacia do alto rio Tocantins (RIZZATO; BICHUETTE, 2014). Contudo, estas seis espécies foram descritas com base em pequenas variações de características morfológicas, não tendo sido realizadas quaisquer análises moleculares com intuito de avaliar distâncias genéticas ou fluxo gênico entre estas populações. O fato de uma população possuir troglomorfismos não significa que esta seja troglóbia ou que seja uma nova espécie. Estas modificações morfológicas podem ser consequência de plasticidade fenotípica, como verificado em populações de Ancistrus cryptophthalmus que ocorrem na área cárstica de São Domingos, em Goiás (MENDES et al., 2019). Em uma caverna próxima à região de São Domingos, ocorrem peixes do gênero Ituglanis com ecomorfos troglomórficos e não troglomórficos que foram modelo de estudo do presente trabalho. Embora existam definições recentes para o termo “ecomorfo”, considerou- se, neste estudo, o conceito proposto por Edwards (1954). Neste conceito, o termo ecomorfo se aplica a populações de uma mesma espécie sob condições naturais que são simpátricas e sincrônicas, com fluxo gênico, mas que apresentam diferenças morfológicas e comportamentais. Assim, os objetivos deste estudo foi verificar se os ecomorfos de Ituglanis pertencem ou não à uma mesma espécie, avaliar suas preferências por habitats e verificar o subconjunto de variáveis eventualmente preferenciadas através da posição de seus nichos no espaço ambiental. Assim, este trabalho partiu das hipóteses de que i) ambos ecomorfos (troglomórficos e não troglomórficos) pertencem a uma mesma espécie com plasticidade fenotípica; ii) os ecomorfos terão preferências por habitat dentre as condições disponíveis na caverna, de modo que o uso destas condições não seja de forma aleatória neste ambiente; iii) não haverá diferenças na preferência por habitat entre os ecomorfos; e iv) a posição dos nichos de ambos refletirá especialização e tolerância ao ambiente subterrâneo.

56

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

A caverna amostrada insere-se no Grupo geológico Bambuí, a maior unidade carbonática sul-americana que abrange os estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Bahia, cobrindo uma área de mais de 100.000 km² (SCHOBBENHAUS et al., 1981). Nele estão localizadas extensas cavernas, das quais destacam-se aquelas que comportam grandes rios subterrâneos como a Lapa do Angélica, Lapa São Mateus, Lapa São Bernardo, dentre outras (AULER; RUBBIOLI; BRANDI, 2001). Nestas cavernas, localizadas no nordeste do estado de Goiás, também são encontrados peixes troglóbios pertencentes à pelo menos dez espécies já descritas da ordem Siluriformes, especialmente da família Trichomycteridae (RIZZATO; BICHUETTE, 2014; TRAJANO; BICHUETTE; KAPOOR, 2010). Nesta região está localizada a Gruta Cabeceira d’Água, inserida no município de Nova Roma, Goiás (FIGURA 1). Este município possui uma extensa região cárstica, limitada à leste pela serra do Forte e à oeste pelo rio Paranã. Os corpos d’água que nascem nesta serra correm para leste, transpassando o carste, formando cavernas com presença de rios (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004). A Gruta Cabeceira D’água é percorrida pelo córrego do Salobro em seus mais de três quilômetros de extensão (FIGURA 2A). Seu conduto é retilíneo, com largura média de 4 metros e o teto varia de 0,5 a 40 metros de altura. Próximo à entrada da caverna, encontra-se um sifão (FIGURA 2B), frequentemente obstruído por sedimentos depositados durante os períodos chuvosos, que dificulta o acesso ao córrego. Além disso, cerca de 100 metros à montante do primeiro sifão encontra-se um segundo sifão em uma região profunda do rio que chega a ser totalmente obstruído durante as estações chuvosas. Tal sifão torna-se desobstruído na estação seca, possuindo aproximadamente 15 centímetros de ar entre o teto e a superfície acima da linha d’água (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004) (FIGURA 2C). O córrego possui alguns afluentes, e o primeiro deles está na margem direita da caverna (cerca de 2000 metros da entrada) e conecta-se com o riacho através de um conjunto de espeleotemas do tipo represas de travertinos (FIGURA 3C), onde foi feito o último transecto deste estudo. O córrego do Salobro faz parte da bacia do alto rio Tocantins e acredita-se que este riacho é autogênico, ou seja, surge por águas de infiltração dentro do próprio corpo carbonático. Este riacho possui duas ressurgências na superfície, uma perene e outra intermitente, esta última só extravasa em épocas de chuvas intensas e é por onde se dá a entrada para o interior da caverna 57

(FIGURA 2) (SERAPHIM; BICALHO; RODRIGUES, 2004). O riacho torna-se novamente subterrâneo através de um sumidouro situado a dois quilômetros à jusante de sua ressurgência.

Figura 1 - Localização da Gruta Cabeceira d’Água na cidade de Nova Roma, Brasil.

Legenda: Seta vermelha indica o sumidouro no epígeo. Fonte: Do autor (2019).

2.2 Identificação da espécie

2.2.1 Coleta de dados bióticos

Para verificar se os ecomorfos do gênero Ituglanis presentes na caverna compreendem ou não espécies distintas, nove espécimes com diferentes morfologias (troglomórficos e não troglomórficos - pigmentados com olhos) (FIGURA 3D, E, 3F) foram coletados manualmente, com auxílio de pequenas redes (15 x 10 cm). Além disso, dois indivíduos também foram coletados no córrego do Salobro no ambiente epígeo. Após terem sido anestesiados, foi retirada parte da nadadeira caudal de cada espécime (aproximadamente 0,5 cm) que foram imersos em RNAlater em micro tubos individualizados. Após a remoção dos tecidos da nadadeira, os indivíduos foram colocados em álcool 99,6º e conservados em álcool 70º, e estão tombados na Coleção Ictiológica da Universidade Federal de Lavras (CI-UFLA). O mesmo procedimento 58

foi realizado com um indivíduo de Ituglanis passensis, coletado na Gruta Passa Três, na área cárstica de São Domingos, para verificar suas proximidades genéticas. As amostras de tecidos foram encaminhadas para o Laboratório de Genética da Conservação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais onde foram realizadas as etapas laboratoriais para a obtenção de dados genéticos.

2.2.2 Extração salina de DNA

A extração de DNA foi realizada através do protocolo adaptado de extração salina de DNA de Aljanabi e Martinez (1997). Os produtos de DNA extraídos foram visualizados em gel de agarose 1% e as extrações positivas foram selecionadas para a amplificação do DNA.

2.2.3 Amplificação e Sequenciamento do DNA

O gene Citocromo Oxidase Subunidade 1 (COI) do DNA mitocondrial foi amplificado utilizando os primers FishF1 (5′TCAACCAACCACAAAGACATTGGCAC3′) e FishR1 (5′TAGACTTCTGGGTGGCCAAAGAATCA3′) (WARD et al., 2005). A reação foi preparada para um volume final de 25µL contendo 2,5µl de Buffer (Platinum); 0,75µl de MgCl2; 0,5µl dNTP (10mM); 0,3µl de BSA (Bovine Serum Albumin) (100µg/mL); 0,25µl de cada primer (10µM); 0,1µl de Taq DNA Polimerase (5U/µl) (Platinum); 19,35µL de água ultrapura e 1µl do DNA molde. As amplificações foram processadas em aparelho termociclador (Veriti® 96 - Well Thermal Cycler, Applied Biosystems) e consistiram em uma etapa inicial de desnaturação de 2 minutos a 94ºC, seguido de 35 ciclos de desnaturação por 30 segundos a 94ºC, 30 segundos a 56ºC para anelamento dos primers e extensão final a 72ºC por 1 minuto, seguido de 5 min a 72ºC. Posteriormente, os produtos de PCR foram visualizados por eletroforese em gel de agarose 1% e as amplificações positivas foram selecionadas para o sequenciamento de DNA.

As reações de sequenciamento foram realizadas bidirecionalmente (5’ → 3’ e 3’ → 5’) utilizando o Kit comercial BigDye® Terminator Cycle Sequencing Kit v3.1 de acordo com instruções do fabricante. As amostras foram sequenciadas utilizando o sequenciador automático ABI 3130 Genetic Analyzer (Applied Biosystems) pela empresa Myleus Biotecnologia.

2.2.4 Análise de dados genéticos

59

O software DNABaser® v.3.5.4 foi utilizado para a obtenção das sequências consenso e as sequências foram alinhadas utilizando a ferramenta ClustalW (LARKIN et al., 2007). Posteriormente, as sequências de DNA foram comparadas com as sequências referências do banco de dados BOLD Systems® (RATNASINGHAM; HEBERT, 2007) e Genbank (BENSON et al., 2009), para identificação das amostras a nível de espécie. Sequências referências de espécies do gênero Ituglanis foram incluídas nas análises. O melhor modelo de evolução nucleotídica foi determinado pelo Akaike’s Information Criterion (AIC) utilizando o software MEGA X: Molecular Evolutionary Genetics Analysis across computing platform (KUMAR et al., 2018). O programa MEGA X também foi utilizado para o cálculo das distâncias genéticas e para construção de dendrograma, utilizando o método Neighbor-Joining (NJ) (SAITOU; NEI, 1987) e o modelo de evolução nucleotídica Tamura-Nei (TN93) (TAMURA; NEI, 1993) com valor de Gamma (G) igual a 0.28.

2.3 Coleta de dados das variáveis abióticas e bióticas

A coleta de peixes foi realizada em agosto de 2018, período de seca na região central do Brasil, de forma a evitar possíveis pulsos de inundações dentro da caverna. Destaca-se que existem dois locais no interior da caverna (nas proximidades das entradas) que tornam-se sifonados caso ocorra um pequeno aumento no nível da água. Desta forma, é altamente perigoso realizar quaisquer incursões a esta caverna nos períodos chuvosos, o que justifica a realização de uma única coleta no ápice do período seco na região. O percurso amostrado foi realizado em um quilômetro da caverna. Este trajeto foi dividido em 50 transectos, e entre um transecto e outro compreendia uma seção de 20 metros, para coleta de dados abióticos e bióticos (FIGURA 2). A coleta de variáveis abióticas foi baseada no protocolo de habitats físicos elaborado por Olsen e Peck (2008). Em cada transecto foram tomadas as medidas da largura molhada do riacho, e em cinco pontos equidistantes foram tomadas as medidas de profundidade e tipo de substrato (partículas finas, areia, cascalho fino, cascalho grosso, bloco, matacão e rocha rugosa) (FIGURA 2). Além disso, também nos transectos, foram estimados os abrigos para peixe (pedaços de madeira ou troncos e pedras soltas que podem servir como abrigo). Ao longo das seções, eram tomadas medidas de profundidade e substrato no talvegue. Dados de vazão do riacho também foram mensurados (OLSEN; PECK, 2008). 60

Para coleta de dados bióticos, foi feita a contabilização dos peixes avistados em cada seção. Devido à baixa turbidez da água e reduzida locomoção dos peixes, estes eram facilmente identificados visualmente e separados em não troglomórficos e troglomórficos, de forma a diferenciar os ecomorfos e suas respectivas preferências. Para verificar as preferências por habitat, foram tomadas as medidas de profundidade e avaliado o tipo de substrato em cada ponto onde os organismos ocorreram. Além disso, a velocidade de correnteza foi também estimada em cada ponto, utilizando a fórmula 풗풂풛ã풐⁄풑풓풐풇풖풏풅풊풅풂풅풆 × 풍풂풓품풖풓풂 (KAUFMANN et al., 1999), sendo a medida de largura a mesma do transecto mais próximo.

Figura 2 – Representação esquemática da coleta de dados na Gruta Cabeceira d’Água.

1

2

Legenda: A: Mapa da caverna, feito pelo Espeleo Grupo de Brasília (2004); B: Ampliação do mapa mostrando: 1 - entrada molhada e 2 - entrada seca da caverna, setas vermelhas indicam os dois sifões presentes no conduto; C: Segundo sifão presente no conduto principal da caverna; D: Representação da metodologia feita para coleta de dados abióticos, mostrando dois transectos e a seção entre eles; E: Coleta de dados no transecto. Fonte: Do autor (2019).

61

Figura 3 – Prancha de imagens da Gruta Cabeceira d’Água e dos ecomorfos.

Legenda: A: Paisagem externa da região onde se localiza a caverna; B: Ressurgência perene do córrego do Salobro; C: Represa de travertinos no afluente do córrego do Salobro; D: Indivíduo de Ituglanis troglomórfico com anoftalmia, em laboratório; E: Indivíduo de Ituglanis troglomórfico com olhos reduzidos, presente na caverna; F: Indivíduo de Ituglanis não troglomórfico, presente na caverna. Fonte: Ferreira, Rodrigo Lopes (2019).

62

2.4 Análise de dados

Diferenças entre as profundidades e velocidades médias encontradas ao longo da caverna, em relação àquelas em que os indivíduos foram registrados, foram testadas e comparadas através do teste de Kruskal-Wallis. Para comparar os substratos encontrados na caverna com os substratos utilizados pelos ecomorfos, foram realizados testes de Chi-quadrado, comparando também as preferências de substrato entre os ecomorfos. As análises estatísticas foram feitas utilizando o software STATISTICA 10 (STATSOFT, 2011). Para verificar a posição dos nichos no espaço ambiental, foi calculado o Índice de Marginalidade de Nicho (OMI, Outlying Mean Index) através do programa R (R CORE TEAM, 2019) com o pacote “ade4” (DRAY; DUFOUR, 2007). Foram utilizadas duas tabelas, uma com a abundância dos dois ecomorfos e outra com as variáveis ambientais padronizadas e primariamente avaliadas por uma Análise de Componentes Principais (PCA) baseada em uma matriz de correlação. A PCA é feita de modo preliminar para ordenação dos dados multivariados (GOTELLI; ELLISON, 2011). O gráfico das variáveis, plotado através da PCA, dá um significado mais biológico aos eixos, por apresentar os pesos das variáveis em cada um dos eixos (CALENGE, 2011). A correlação entre os pesos das unidades amostrais disponíveis no primeiro eixo da PCA e os pontos disponíveis no primeiro eixo da análise OMI gera o gráfico de eixos, que mostra a direção em que a seleção de habitat parece ser mais forte e também onde o ambiente é mais variável (CALENGE, 2011). O gráfico principal, de amostras e espécies, mostra a projeção das unidades amostrais no espaço ambiental e também os subconjuntos de unidades amostrais utilizados pelas espécies (CALENGE, 2011). A OMI mede a distância entre as condições médias ambientais usadas pelas espécies (marginalidade) e as condições ambientais médias da área amostrada (espaço ambiental) (DOLEDEC; CHESSEL; GIMARET-CARPENTIER, 2000). A variabilidade do nicho das populações é decomposta em três componentes: a marginalidade (distância média do centro do hiper-volume), a tolerância (largura do nicho das populações), e a tolerância residual (a variação na largura do nicho não relacionada com as variáveis incluídas no modelo) (DOLEDEC; CHESSEL; GIMARET-CARPENTIER, 2000; GOUVEIA et al., 2014). A hipótese nula desta análise estipula que uma espécie não responde a um determinado conjunto de variáveis encontradas no habitat em estudo. Assim, esta análise tem as vantagens de: i) ser uma medida simples que integra a especialização de nicho das espécies de acordo com o habitat selecionado; ii) amostras de variáveis ou recursos são posicionadas de maneira 63

independente da presença de espécies, pois são ponderados independentemente da composição de espécies dos dados; iii) O índice de marginalidade da espécie pode ser testado por permutações, avaliando se a posição observada da espécie no habitat difere significativamente do que seria esperado ao acaso (DOLEDEC; CHESSEL; GIMARET-CARPENTIER, 2000). Para verificar se a OMI é significativa, foi realizado o teste de Monte Carlo (1000 permutações) o qual segue a hipótese nula de que o padrão nos dados não é diferente do que seria esperado caso as observações tivessem sido atribuídas de forma aleatória aos diferentes grupos (GOTELLI; ELLISON, 2011).

3 RESULTADOS

3.1 Identificação molecular da espécie

Foram sequenciadas um total de 11 amostras de tecidos e após a retirada das extremidades ambíguas, o alinhamento final apresentou 665 pares de base e nenhuma inserção, deleção e stop códons foram observados. Todas as sequências foram depositadas no banco de dados online Genbank. Sequências referências obtidas no banco de dados GenBank pertencente às espécies Ituglanis sp. (N = 2; GU701642.1/GU701645.1), I. cf. ramiroi (N = 1; KY857998.1), I. boitata (N = 3; KR020521.1/ KR020519.1/ KR020518.1) e I. goya (N = 1; KY857946.1) foram utilizadas nas análises genéticas totalizando sete grupos de espécies do gênero Ituglanis. A distância genética média entre os indivíduos foi de 6%. As distâncias genéticas entre esses grupos variaram de 0 a 12.5% (TABELA 1). O dendrograma obtido no software MEGA X, utilizando a análise de Neighbor-Joining e baseada nas distâncias genéticas TN93+G, apresentou seis principais clados. Os Ituglanis sp., pertencentes aos dois ecomorfos coletados em caverna, apresentaram uma divergência genética intraespecífica de 0,99% e foram agrupados em dois clados juntamente com Ituglanis passensis e Ituglanis cf. ramiroi (KY857998.1) (Clados 1 e 2, FIGURA 4). O indivíduo coletado na superfície (7910_Ituglanis sp.), correspondente ao Córrego do Salobro, foi agrupado em um clado distinto das demais espécies (Clado 3, FIGURA 4), com divergência genética variando de 3,8 a 6,5%, com uma média de 4,7%, quando comparado com os indivíduos de caverna (TABELA 1).

64

Tabela 1. Distâncias genéticas par-a-par entre os grupos do gênero Ituglanis (%). Grupos Ituglanis sp. Ituglanis sp. Ituglanis Ituglanis Ituglanis cf. Ituglanis Ituglanis (caverna) (superfície) sp. passensis ramiroi boitata goya

Ituglanis sp. (caverna) 0

Ituglanis sp. (superfície) 4.7 0

Ituglanis sp. 7.6 6.1 0 (GU701642.1/ GU701645.1)

Ituglanis passensis 0.8 3.8 6.8 0

Ituglanis cf. ramiroi 0.7 4.1 7.3 0 0 (KY857998.1)

Ituglanis boitata 12.5 11.9 11.7 12.0 12.3 0 (KR020521.1/ KR020519.1/ KR020518.1) Ituglanis goya 5.0 3.8 5.4 4.3 4.3 10.1 0 (KY857946.1) Fonte: Carvalho e Mendes (2019).

Figura 4 - Dendrograma obtido pelo método Neighbour-Joining para os grupos do gênero Ituglanis.

Legenda: Ecomorfos coletados na caverna estão representados pelo ▲ e o indivíduo coletado na superfície está representado pelo □; Os indivíduos não troglomórficos estão representados por *, os troglomórficos com olhos reduzidos por +, e os troglomórficos com anoftalmia por O. Fonte: Carvalho e Mendes (2019).

65

3.2 Preferência por habitats

Foram avistados 147 peixes ao longo do trecho amostrado, sendo 111 indivíduos não troglomórficos e 36 troglomórficos. A profundidade do córrego subterrâneo variou de 2 a 175 cm e os indivíduos de Ituglanis apresentaram distribuição em profundidades significativamente diferentes das disponíveis na caverna (KW-H (1;1060) = 67,8941; p = 0,000 para os não troglomórficos, e KW-H (1;985) = 31,4547; p = 0,000 para os troglomórficos) (FIGURA 5). No entanto, os dois ecomorfos não diferiram entre si (KW-H (1;147) = 1,7885; p = 0,2777). Para as velocidades, os ecomorfos não troglomórficos preferiram ambientes com maior correnteza (KW-H (1;162) = 9,8291; p = 0,0017), enquanto os troglomórficos ocorreram em velocidades menores não diferindo das velocidades encontradas na caverna (KW-H (1;87) = 0,3141; p = 0,5752) (FIGURA 6), e com diferenças significativas entre os ecomorfos (KW-H (1;147) = 7,1464; p = 0,0075). Com relação aos substratos, os indivíduos de Ituglanis tiveram algum grau de preferência, divergindo significativamente dos substratos mais abundantes encontrados na caverna (TABELA 2). Os ecomorfos troglomórficos ocorreram principalmente em areia e rocha rugosa enquanto os não troglomórficos utilizaram mais areia do que rocha rugosa. Esta variação de preferência por substrato entre os ecomorfos não foi significativa, mas aproximou-se do limite de significância (X² = 10,95350; p = 0,05230).

Figura 5 – Boxplot das profundidades ao longo da caverna e as quais ocorreram os indivíduos.

180

160

140

120

100

Depth (cm) 80

60

40

20

0 Cave Ituglanis sp. (trog) Ituglanis sp. (non trog) Depth (cm): KW-H(2;1096) = 94,083; p = 0.0000 Fonte: Do autor (2019).

66

Figura 6 – Boxplot das velocidades ao longo da caverna e das velocidades em que ocorreram os indivíduos. 1,2

1,0

0,8

0,6

Velocity Velocity (m/s)

0,4

0,2

0,0 Cave Ituglanis sp. (non trog.) Ituglanis sp. (trog.) Velocity (m/s): KW-H(2;198) = 13,4384; p = 0,0012 Fonte: Do autor (2019).

Tabela 2 – Frequência (%) dos substratos amostrados para a caverna e para os ecomorfos. FN AR CF CG BL MT RR X² Valor de P

Ituglanis sp. (troglomórfico) 0,0 66,7 0,0 5,6 0,0 0,0 27,7 17,80455 0,006740 Ituglanis sp. (não troglomórfico) 0,0 50,0 11,1 2,8 2,8 0,0 33,3 13,79708 0,031987 Caverna 0,9 30,6 3,6 0,9 1,8 0,0 62,2

Legenda: FN = Partículas finas; AR = Areia; CF = Cascalho fino; CG = Cascalho grosso; BL= Bloco; MT = Matacão; e RR = Rocha rugosa. Valores de X² e P referem-se à comparação entre a preferência dos ecomorfos e os substratos disponíveis na caverna. Fonte: Do autor (2019).

3.3 Índice de Marginalidade de Nicho

Os dois primeiros eixos da PCA, representados pelo substrato e pela profundidade, explicam juntos, 59% da marginalidade do conjunto de dados e identificam as principais direções que estruturam a área de estudo (FIGURA 7A). A partir da correlação entre o OMI e os eixos da PCA, foi gerado o gráfico dos eixos, no qual seu primeiro eixo mostra a direção em que a seleção de habitat é mais forte e também onde o ambiente é mais variável (FIGURA 7B). A partir do gráfico de amostras e espécies (FIGURA 7C) observou-se que os ecomorfos de Ituglanis se distribuem em áreas de menor profundidade e com segregação dos nichos no espaço ambiental. 67

O nicho dos ecomorfos troglomórficos ficou posicionado mais próximo ao primeiro eixo da correlação comparando-o com o nicho dos não troglomórficos, indo em direção onde o ambiente tende a ser mais variável. Além disso, o nicho dos ecomorfos não troglomórficos se aproxima do centro dado pela origem dos eixos, representado pelas condições mais gerais da área de estudo.

Figura 7 – Graficos gerados pelo Índice de Marginalidade de Nicho.

Legenda: A: Análise de Componentes Principais (PCA) das variáveis ambientais de substrato (subst), velocidade (veloc), profundidade (depth) e pedra (block); B: Gráfico dos eixos, correlação entre os dois primeiros eixos da PCA com o eixo da OMI; C: Gráfico de amostras e espécies, os pontos pretos correspondem às unidades amostrais disponíveis no espaço ambiental e as elipses representam os nichos de Ituglanis sp. troglomórfico (azul) e não troglomórfico (amarelo). Fonte: Do autor (2019).

O índice de marginalidade de nicho (OMI) mostrou que os indivíduos troglomórficos tiveram maiores valores de marginalidade (TABELA 3). E também maiores valores de tolerância (Tol), que é o aumento da largura do nicho quando comparado com os não troglomórficos. Além disso, os indivíduos troglomórficos tiveram menor tolerância residual (RTol), ou seja, as variáveis amostradas explicam melhor a variabilidade de sua ocorrência do que para os demais. O valor de P do índice de marginalidade global (Global OMI) mostrou que as posições dos nichos encontradas foram significativamente diferentes e que a segregação destes nichos foi efetiva ao longo das variáveis ambientais.

Tabela 3 – Componentes da OMI para os nichos dos ecomorfos de Ituglanis. OMI Tol RTol Valor de P Ituglanis sp. (troglomórfico) 0.6844872 0.6882199 1.498348 0.00990099 Ituglanis sp. (não troglomórficos) 0.2901854 0.1894951 2.389036 0.03960396 Global OMI 0.00990099 Fonte: Do autor (2019). 68

4 DISCUSSÃO

Os dois ecomorfos presentes na Gruta Cabeceira d’Água são a mesma espécie e pertencem à espécie de Ituglanis passensis, que possivelmente não é troglóbia. Os ecomorfos apresentaram preferências com relação ao uso do habitat e das condições disponíveis nesta caverna. Das variáveis ambientais analisadas, o substrato e a profundidade foram as condições em que as preferências foram mais acentuadas. Indivíduos troglomórficos apresentaram maior especialização ao meio cavernícola, sugerindo diferenciação comportamental no uso do habitat em relação aos não troglomórficos e maior tolerância às variações da caverna. Nas regiões cársticas de São Domingos e Mambaí, que possuem drenagens da bacia do alto rio Tocantins, são encontradas seis espécies de Ituglanis, incluindo I. passensis e I. ramiroi. Estas duas espécies juntamente com I. epikarsticus e I. bambui são encontradas no carste de São Domingos, enquanto I. mambai e I. boticario no carste de Mambaí. Estas espécies, presentes em riachos subterrâneos, foram descritas como espécies distintas com base em caracteres morfológicos (BICHUETTE; TRAJANO, 2004, 2008; FERNÁNDEZ; BICHUETTE, 2002; RIZZATO; BICHUETTE, 2014). Contudo, o resultado da análise genética deste estudo mostrou que a população de Ituglanis encontrada na Gruta Cabeceira d’Água pertence à espécie Ituglanis passensis, que tinha sido observada até então apenas na caverna Passa Três. E juntamente com os dados genéticos de Ituglanis cf. ramiroi (OCHOA et al., 2017), o resultado mostrou que estas populações podem ser a mesma espécie com plasticidade fenotípica e com ampla distribuição nesta região. A proximidade dos riachos subterrâneos da área cárstica de São Domingos e Mambaí reforça a possibilidade das seis espécies de Ituglanis serem a mesma geneticamente. A conexão destas populações torna-se possível através do freático caso este tenha uma extensão que abrange as duas regiões cársticas ou através de pulsos de inundação muito intensos no subterrâneo que pode conectar uma rede de canalículos ou condutos temporariamente (BONACCI; PIPAN; CULVER, 2008). O possível fluxo gênico reforça a importância de se conservar todas estas populações e seus riachos subterrâneos. A ideia de conexão destas cavernas deve ser amplamente estudada, já que o Ituglanis da Gruta Cabeceira d’Água encontra-se situado a aproximadamente 60 quilômetros lineares de distância da Gruta Passa Três, onde se encontra a população originalmente descrita de I. passensis. Considerando estas populações de peixes troglóbios como uma única espécie, têm-se algumas importantes implicações para a conservação. O fato de serem uma espécie não garante que a densidade populacional seja alta ou que as populações não estejam sofrendo com diversas 69

ações antrópicas que afetam os ambientes subterrâneos (BICHUETTE; TRAJANO, 2010; POULSON, 2010). Além disso, a partir deste resultado, deve-se reformular algumas considerações sobre a sistemática do grupo. Caracteres morfológicos mais evidentes devem ser tomados como ponto de partida para separação dos táxons, sempre desconsiderando caracteres que possam representar plasticidades fenotípicas (como caracteres troglomórficos, por exemplo). Estudos abordando análises genéticas e determinando fluxo gênico entre as populações de Ituglanis tornam-se de suma importância para compreensão ecológica e sistemática, verificando quantas espécies de fato ocorrem nesta área e quais partes deste sistema subterrâneo podem estar conectadas. Pesquisas futuras direcionadas para o entendimento deste sistema poderão subsidiar diretamente a ação de manejo e auxiliar em tomadas de decisão para conservação. É importante mencionar que uma situação similar foi verificada na espécie Ancistrus cryptophthalmus que também habita cavernas da região do carste do nordeste do estado de Goiás (compartilhando habitat com algumas espécies de Ituglanis consideradas troglóbias). Suas populações troglomórficas e não troglomórficas eram consideradas como espécies diferentes devido a diferenças morfológicas (REIS; TRAJANO; HINGST‐ZAHER, 2006). Contudo, através de análises genéticas utilizando o DNA mitocondrial, constatou-se pouca diferenciação genética entre as populações troglomórficas e não troglomórficas (BASTOS et al., 2013). Recentemente, um estudo mais aprofundado utilizando haplótipos de populações de A. cryptophthalmus, mostrou que o troglomorfismo encontrado é consequência de modificações morfológicas ou mecanismos epigenéticos na espécie que, de fato, não pode ser considerada troglóbia, já que possui populações estabelecidas no ambiente epígeo (MENDES et al., 2019). O conceito de troglomorfismo, segundo Culver e Pipan (2009), assim como o conceito de troglóbio, pode ser estendido para populações específicas e individuais, e não ser restrito apenas para o conceito de espécie. Alguns casos estudados de especialização, adaptação e evolução avaliaram populações troglomórficas de espécies não-troglóbias, incluindo o caraciforme Astyanax mexicanus, o isópode Asellus aquaticus, e o anfípoda Gammarus minus. Esta concepção (populações troglomórficas de uma espécie não troglomórfica) inclui o caso estudado de Ancistrus cryptophthalmus e, também, os ecomorfos de Ituglanis do presente estudo. Em relação à seleção de habitat, as análises mostraram que os peixes troglomórficos estudados demonstram preferência de condições encontradas na caverna, escolhendo o habitat de forma não aleatória, tendo seus comportamentos afetados pelos fatores hidráulicos. Preferências parecidas foram observadas para peixes troglóbios da família Trichomycteridae, 70

encontrados em poças rasas (de 20 a 50 centímetros de profundidade), correnteza de fraca a moderada, e em substratos como areia, cascalho, seixos e rocha, com pouca quantidade de matéria orgânica (RANTIN; BICHUETTE, 2015). Também foram observadas preferências parecidas de habitat por um Gymnotiforme troglóbio, Eigenmannia vicentespelaea, encontrado em profundidades medianas, de 30 a 70 centímetros, e em substratos como lama, areia, cascalho e rochas grandes (BICHUETTE; TRAJANO, 2015). Preferência por habitats mais rasos e de corredeiras já havia sido descrita para Trichomycterideos epígeos, que passam parte do tempo e do forrageio próximo ao substrato (LEAL; JUNQUEIRA; POMPEU, 2011). Este comportamento é comum entre os troglóbios da família Trichomycteridae (TRAJANO, 2001), mostrando a importância do substrato para este grupo. Contudo, a diferença na escolha por velocidades mostra que os indivíduos não troglomórficos mantiveram a característica dos epígeos de se fixar em locais de corredeiras, enquanto os troglomórficos fixaram-se mais próximos às margens, onde a velocidade é menor, como observado em campo, possivelmente como uma forma de economia de energia (SAMPAIO, 2009). Além disso, locais de menor correnteza contribuem para a sedimentação e acumulação de matéria orgânica (KAUFMANN et al., 1999), favorecendo o forrageio. É possível notar distinção no uso das condições entre os ecomorfos de Ituglanis, ainda que com alguma sobreposição. Os ambientes aquáticos subterrâneos não são inteiramente homogêneos contendo diferentes micro-habitats, o que pode levar, muitas vezes, à redução das interações entre espécies (FIŠER; BLEJEC; TRONTELJ, 2012; TRONTELJ; BLEJEC; FIŠER, 2012). Dependendo da força e tipo da interação (como a competição), as espécies poderão desenvolver maiores preferências por micro-habitats específicos. Esta segregação de micro- habitats é uma hipótese para explicar a sintopia de duas espécies de peixes troglóbios, Amblyopsis spelaea e Typhlichthys subterraneus, em uma caverna dos Estados Unidos (POULSON, 2010). Estas espécies ocorrem em locais diferentes da caverna, e ainda não está claro se Amblyopsis é impedida de ir à montante por causa de seu maior tamanho corporal ou por causa do domínio agressivo de Typhlichthys, ou se esta última é excluída das porções à jusante da caverna devido a reduções no suprimento de alimento ou por causa da dominância competitiva de Amblyopsis (NIEMILLER; SOARES, 2015). O particionamento de habitat também foi proposto para explicar a coexistência de Schistura oedipus e Cryptotora thamicola em uma caverna da Tailândia (TRAJANO, 2001). A primeira espécie é encontrada em correntezas menores nos riachos do nível de base da caverna, e a segunda em corredeiras formadas por cachoeiras dos afluentes do riacho principal (NIEMILLER; SOARES, 2015). Uma maior dimensão no hipervolume do nicho de uma 71

espécie pode ser explicada pela sua maior plasticidade em termos de distribuição espacial, de forma a evitar a sobreposição, como visto também para invertebrados cavernícolas (MAMMOLA; PIANO; ISAIA, 2016). Algo similar pode explicar a diferenciação dos nichos de Ituglanis: mesmo que as interações não tenham sido mensuradas e mesmo que pertençam a uma mesma espécie, a pouca sobreposição das variáveis mensuradas dos nichos é notória e pode favorecer a coexistência de ambos ecomorfos na caverna. A diversificação e diferenciação de nichos pode se dar até mesmo em um ambiente mais extremo e pobre energeticamente (FIŠER; BLEJEC; TRONTELJ, 2012). Nota-se uma especialização dos indivíduos troglomórficos ao meio subterrâneo em razão do seu nicho ir em direção onde o ambiente é mais variável no espaço ambiental (CALENGE, 2011), comparando-os com os indivíduos não troglomórficos. Além disso, organismos especialistas demonstram altos valores de marginalidade (DOLEDEC; CHESSEL; GIMARET-CARPENTIER, 2000). Maiores valores de tolerância também corroboram com a ideia de especialização dos ecomorfos troglomórficos, sugerindo que tais organismos são capazes de tolerar grandes variações no riacho subterrâneo, como por exemplo intensos pulsos de vazão e aumento da pressão nos condutos (CULVER; PIPAN, 2009; FORD; WILLIAMS, 2013; HAWES, 1939). De maneira geral, peixes tendem a se especializarem em tipos de habitats específicos (GORMAN; KARR, 1978) e a especialização ao meio subterrâneo pode se dar pela regressão de alguns padrões comportamentais e biológicos ou pelo surgimento de novos traços ou aprimoramento dos pré-existentes (CULVER; PIPAN, 2009; PARZEFALL; TRAJANO, 2010; PROTAS; JEFFERY, 2012).

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que o estudo do uso do habitat pode dar pistas de processos ecológicos e/ou evolutivos em andamento, como a diferenciação de nicho e especialização ao ambiente. Também permite avaliar como seriam deletérios processos de homogeneização do habitat em cavernas com ocorrência de peixes troglóbios, vindos de assoreamento, por exemplo, como consequência de atividades antrópicas (MCNIE; DEATH, 2017; POULSON, 2010). As análises genéticas realizadas neste estudo trazem grandes questionamentos sobre a sistemática do grupo de peixes envolvido, supondo a existência de fluxo gênico entre estas populações, até então consideradas troglóbias, restritas a cada caverna. Com isto, os resultados mostram novas razões para a conservação da área cárstica do nordeste de Goiás, com possíveis existências de conexões (mesmo que temporárias) em todo este sistema. 72

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Daniel Cardoso de Carvalho e a Izabela Santos Mendes, da PUC Minas, pelas análises genéticas desenvolvidas e certamente estarão como autores para a publicação deste manuscrito. Agradecemos à Licença do SISBIO (Nº 63411-1). Ao Espeleo Grupo de Brasília, em especial ao Edvard e Emílio que nos acompanharam em campo. Ao Sr. Natin (in memoriam) e à sua filha, Márcia Couto, que permitiu a pesquisa na caverna. Aos membros do Centro de Estudo em Biologia Subterrânea, Marconi Souza e Rafaela Bastos, pelas ajudas em campo, ao Lucas Rabelo, pela foto disponibilizada, e à Vanessa Mendes, pelas contribuições estatísticas. E à Vale pela bolsa de mestrado concedida. RLF é grato ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq Bolsa no. 308334/2018-3).

73

REFERÊNCIAS

ALJANABI, S. M.; MARTINEZ, I. Universal and rapid salt-extraction of high quality genomic DNA for PCR-based techniques. Nucleic Acids Research, v. 25, n. 22, p. 4692–4693, 1997.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: Informação e documentação: artigo em publicação periódica científica impressa. Rio de Janeiro, 2003.

AULER, A. S.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, R. As grandes cavernas do Brasil. Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, 2001.

BASTOS, V. A. A. et al. The cave environment influencing the lipid profile and hepatic lipogenesis of the fish Ancistrus cryptophthalmus Reis, 1987 (Siluriformes: Loricariidae). International Journal of Speleology, v. 42, n. 1, p. 15–23, 2013.

BENSON, D. A. et al. GenBank. Nucleic Acids Research, v. 38, p. D46–D51, 2009.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Three new subterranean species of Ituglanis from Central Brazil (Siluriformes : Trichomycteridae). Ichthyological Exploration of Freshwater, v. 15, n. 3, p. 243–256, 2004.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Ituglanis mambai, a new subterranean catfish from a karst area of Central Brazil, rio Tocantins basin (Siluriformes: Trichomycteridae). Neotropical Ichthyology, v. 6, n. 1, p. 9–15, 2008.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Conservation of Subterranean Fishes. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 65–80.

BICHUETTE, M. E.; TRAJANO, E. Population density and habitat of an endangered cave fish Eigenmannia vicentespelaea Triques, 1996 (Ostariophysi: Gymnotiformes) from a karst area in central Brazil. Neotropical Ichthyology, v. 13, n. 1, p. 113–122, 2015.

BONACCI, O.; PIPAN, T.; CULVER, D. C. A framework for karst ecohydrology. Environmental Geology, v. 56, n. 5, p. 891–900, 2008.

CALENGE, C. Exploratory analysis of the habitat selection by the wildlife in R : the adehabitatHS Package. R CRAN Project, p. 1–60, 2011.

CHRISTIANSEN, K. Morphological adaptations. In: CULVER, D. C.; WHITE, W. B. (Eds.). . Encyclopedia of caves. 2. ed. Amsterdam: Elsevier Academic Press, 2012. p. 517–528.

CULVER, D. C.; KANE, T. C.; FONG, D. W. Adaptation and natural selection in caves: the evolution of Gammarus minus. 1995.

CULVER, D. C.; PIPAN, T. The Biology of Caves and Other Subterranean Habitats. New York: Oxford University Press Inc., 2009.

DOLEDEC, S.; CHESSEL, D.; GIMARET-CARPENTIER, C. Niche separation in community analysis: a new method. Ecology, v. 81, p. 2914–2927, 2000.

DRAY, S.; DUFOUR, A. B. The ade4 package: implementing the duality diagram for ecologists. Journal of Statistical Software, v. 22, p. 1–20, 2007.

74

EDWARDS, J. G. A new approach to infraspecific categories. Systematic Zoology, v. 3, n. 1, p. 1–20, 1954.

FERNÁNDEZ, L.; BICHUETTE, M. E. A new cave dwelling species of Ituglanis from the São Domingos karst, central Brazil (Siluriformes: Trichomycteridae). Ichthyological Exploration of Freshwater, v. 13, n. 3, p. 273–278, 2002.

FIŠER, C.; BLEJEC, A.; TRONTELJ, P. Niche-based mechanisms operating within extreme habitats: A case study of subterranean amphipod communities. Biology Letters, v. 8, n. 4, p. 578–581, 2012.

FORD, D.; WILLIAMS, P. D. Karst hydrogeology and geomorphology. Chichester, England: John Wiley & Sons Ltd, 2013.

GORMAN, O. T.; KARR, J. R. Habitat structure and stream fish communities. Ecology, v. 59, n. 3, p. 507–515, 1978.

GOTELLI, N. J.; ELLISON, A. M. Princípios de estatística em ecologia. Porto Alegre: Artmed, 2011.

GOUVEIA, S. F. et al. Climatic niche at physiological and macroecological scales: The thermal tolerance-geographical range interface and niche dimensionality. Global Ecology and Biogeography, v. 23, n. 4, p. 446–456, 2014.

GROSSMAN, G. D. et al. Assemblage organization in stream fishes: effects of environmental variation and interspecific interactions. Ecol Monogr, v. 68, n. 3, p. 395–420, 1998.

HAWES, R. S. The flood factor in the ecology of caves. Journal of Ecology, v. 8, n. 1, p. 1–5, 1939.

HOWARTH, F. G. High-stress subterranean habitats and evolutionary change in cave-inhabiting arthropods. The American Naturalist, v. 142, p. 65–77, 1973.

KAUFMANN, P. R. et al. Quantifying physical habitat in wadeable streams. Washington, DC: USEPA [National Health and Environmental Effects Research Laboratory, Western Ecology Division], 1999.

KUMAR, S. et al. MEGA X: Molecular evolutionary genetics analysis across computing platforms. Molecular Biology and Evolution, v. 35, n. 6, p. 1547–1549, 2018.

LARKIN, M. A. et al. Clustal W and Clustal X version 2.0. bioinformatics, v. 23, n. 21, p. 2947– 2948, 2007.

LEAL, C. G.; JUNQUEIRA, N. T.; POMPEU, P. S. Morphology and habitat use by fishes of the Rio das Velhas basin in southeastern Brazil. Environmental Biology of Fishes, v. 90, n. 2, p. 143–157, 2011.

MAMMOLA, S. Finding answers in the dark: caves as models in ecology fifty years after Poulson and White. Ecography, v. 42, p. 1331–1351, 2019.

MAMMOLA, S.; PIANO, E.; ISAIA, M. Step back! Niche dynamics in cave-dwelling predators. Acta Oecologica, v. 75, p. 35–42, 2016.

MCNIE, P. M.; DEATH, R. G. The effect of agriculture on cave-stream invertebrate communities. Marine and Freshwater Research, v. 68, n. 11, p. 1999–2007, 2017.

MENDES, I. S. et al. On the evolutionary origin of Neotropical cavefish Ancistrus cryptophthalmus 75

(Siluriformes, Loricariidae) based on the mitogenome and genetic structure of cave and surface populations. Hydrobiologia, 2019.

NIEMILLER, M. L.; SOARES, D. Cave Environments. In: Extremophile Fishes. Cham: Springer International Publishing, 2015. p. 161–191.

OCHOA, L. E. et al. Multilocus analysis of the catfish family Trichomycteridae (Teleostei: Ostariophysi: Siluriformes) supporting a monophyletic Trichomycterinae. Molecular Phylogenetics and Evolution, v. 115, p. 71–81, 2017.

OLSEN, A. R.; PECK, D. V. Survey design and extent estimates for the wadeable streams assessment. Journal of the North American Benthological Society, v. 27, n. 4, p. 822–836, dez. 2008.

PARZEFALL, J.; TRAJANO, E. Behavioral patterns in subterranean fishes. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: [s.n.]. p. 83–116.

POULSON, T. L. Cavefish: retrospective and prospective. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 1–39.

POULSON, T. L.; WHITE, W. B. The cave environment. Science, v. 165, p. 971–981, 1969.

PROTAS, M.; JEFFERY, W. R. Evolution and development in cave animals: from fish to crustaceans. Wiley Interdisciplinary Reviews: Developmental Biology, v. 1, p. 823–845, 2012.

PROUDLOVE, G. S. Biodiversity and distribution of the subterranean fishes of the world. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: [s.n.]. p. 41–63.

R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computingVienna, AustriaR Foundation for Statistical Computing, , 2019.

RANTIN, B.; BICHUETTE, M. Spontaneous behavior of basal copionodontinae cave from Brazil (Teleostei, Siluriformes, Trichomycteridae). Subterranean Biology, v. 16, n. 1, p. 61–77, 2015.

RATNASINGHAM, S.; HEBERT, P. D. BOLD: The barcode of life data system. Molecular ecology notes, v. 7, n. 3, p. 355–364, 2007.

REIS, R. E.; TRAJANO, E.; HINGST‐ZAHER, E. Shape variation in surface and cave populations of the armoured catfishes Ancistrus (Siluriformes: Loricariidae) from the Sao Domingos karst area, upper Tocantins River, Brazil. Journal of Fish Biology, v. 68, n. 2, p. 414–429, 2006.

RIZZATO, P. P.; BICHUETTE, M. E. Ituglanis boticario, a new troglomorphic catfish (Teleostei: Siluriformes: Trichomycteridae) from Mambaí karst area, central Brazil. Sociedade Brasileira de Zoologia, v. 31, n. 6, p. 577–598, dez. 2014.

SAITOU, N.; NEI, M. The neighbor-joining method: a new method for reconstructing phylogenetic trees. Molecular biology and evolution, v. 4, n. 4, p. 406–425, 1987.

SAMPAIO, F. A. C. Capacidade natatória de peixes hipógeos e epígeos: aspectos ecológicos e evolutivos. [s.l.] Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2009.

SÁNCHEZ-FERNÁNDEZ, D. et al. The deep subterranean environment as a potential model system in ecological, biogeographical and evolutionary research. Subterranean Biology, v. 25, p. 1–7, 2018. 76

SCHOBBENHAUS, C. et al. Mapa Geológico do Brasil e da Área Oceânica Adjacente incluindo Depósitos Minerais. Rio de Janeiro: Departamento Nacional da Produção Mineral, 1981.

SERAPHIM, G.; BICALHO, C.; RODRIGUES, P. Descobertas do Espéleo Grupo de Brasília em Nova Roma - Goiás. O Carste, v. 16, p. 136–140, 2004.

STATSOFT, I. STATISTICA, 2011. Disponível em:

TAMURA, K.; NEI, M. Estimation of the number of nucleotide substitutions in the control region of mitochondrial DNA in humans and chimpanzees. Molecular Biology and Evolution, v. 10, n. 3, p. 512–526, 1993.

TRAJANO, E. Ecology of subterranean fishes: An overview. Environmental Biology of Fishes, v. 62, n. 1–3, p. 133–160, 2001.

TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E. Subterranean fishes of Brazil. In: TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. (Eds.). . Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010. p. 331–355.

TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E.; KAPOOR, B. G. Biology of Subterranean Fishes. Enfield, New Hampshire: Science Publishers, 2010.

TRONTELJ, P.; BLEJEC, A.; FIŠER, C. Ecomorphological convergence of cave communities. Evolution, v. 66, n. 12, p. 3852–3865, 2012.

WARD, R. D. et al. DNA barcoding Australia’s fish species. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 360, p. 1847–1857, 29 out. 2005.

77

GLOSSÁRIO

Águas subterrâneas: São as águas que ocorrem abaixo da superfície. Podem atingir camadas mais profundas do solo através da infiltração, preenchendo poros e interstícios, ou através da infiltração difusa e pontos de recarga em aquíferos cársticos.

Águas superficiais: São as águas que escoam e/ou acumulam na superfície terrestre, como os rios, riachos, lagoas, veredas, e entre outros.

Alogênico: Riacho superficial que penetra o corpo carbonático, através de fissuras ou de sumidouros por exemplo, e torna-se subterrâneo, quase sempre carreando matéria orgânica.

Autogênico: Riacho que surge por águas de infiltração dentro do próprio corpo carbonático, se formando no próprio ambiente subterrâneo.

Carste: Paisagens as quais são moldadas pela dissolução, e não pela erosão. Isto é, as características da paisagem cárstica (cavernas, cavidades, nascentes, vales e outros) são consequência da ação de ácidos fracos que corroem e moldam as rochas, ao invés da erosão, da atividade vulcânica ou de terremotos e assim por diante.

Epígeo: Situado acima do solo.

Ecomorfos: Populações de uma mesma espécie sob condições naturais que são simpátricas e sincrônicas, com fluxo gênico, mas que apresentam diferenças morfológicas e comportamentais.

Habitats subterrâneos: Todos os espaços subterrâneos preenchidos de ar e água que representam habitats para espécies subterrâneas. Esses incluem cavernas acessíveis ao homem, uma extensa rede de fissuras e habitats subterrâneos artificiais (como minas, por exemplo).

Hipógeo: Situado abaixo do solo.

Ressurgência: Fonte hídrica natural de água subterrânea, que brota nos pontos onde o nível freático se encontra com a superfície do terreno ou chamado de nascente. 78

Troglóbio: Categoria ecológica usada para classificar espécies encontradas regularmente no habitat subterrâneo e com ciclo de vida estritamente subterrâneo.

Troglófilo: A categoria ecológica usada para classificar espécies capazes de completar seus ciclos de vida nos ambientes subterrâneo e superficial, formando populações em ambos os habitats.

Troglomorfismo: O conjunto de adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais ao habitat subterrâneo. Exemplos de características troglomórficas morfológicas incluem perda de pigmento, regressão ocular, alongamento em apêndices, aumento e desenvolvimento de receptores e órgãos sensoriais. Exemplos de características troglomórficas fisiológicas incluem baixas taxas metabólicas e taxas de crescimento lentas, atraso na maturação e longevidade prolongada. Exemplos de características troglomórficas comportamentais incluem a redução das atividades do organismo relacionadas aos ritmos circadianos.