Dinâmicas ideológicas no movimento punk

Marco Antonio Milani *

Resumo : O movimento punk teve duas partes em sua ideologia, a negação do poder macro e a negação do poder micro. A primeira parte existiu nas idéias dos primeiros punks, em Nova Iorque e Inglaterra, a segunda parte evoluiu da primeira com a adoção de doutrinas políticas como o anarquismo e o comunismo, ela está presente na maioria dos punks ao redor do mundo.

Palavras-chave : Punk; ideologia; política; poder.

Abstract : The punk movement has two parts on your ideology, the deny of the macro and the deny of the micro power. The first part existed in the ideas of the first punks, in New York and England, the second part evolutes from the first with adoption of politics doctrines, like anarchism and communism, it is present in the most of punks around the world.

Key words : Punk. Ideology; politics; power.

Em 1º de dezembro de 1976 é dito o primeiro palavrão da televisão inglesa: Johnny Rotten declara no programa de Bill Grundy, bem na hora do chá das cinco: “Fuck”. O apresentador é suspenso por duas semanas e a imprensa inglesa faz uma sensação. A Inglaterra ficou chocada! (BIVAR, 1992). João Gordo, vocalista da banda Ratos de Porão, declara antes de um show nos anos 80: “Pau no cu da Globo, pau no cu de Deus” Atitudes como essas se tornaram extremamente comum entre os punks e é através delas que eles são muitas vezes lembrados. Como explicar tais atitudes sem ser contraditório ou sem seguir o senso comum que as trata como “rebeldia adolescente” e “falta de educação”? Para fugir dessas idéias simplistas este estudo vê nas atitudes do movimento punk uma ideologia autêntica e tenta explicá-la; o que, contudo, não é tarefa fácil, já que suas características são muito discutidas até mesmo entre os punks. Portanto ele lança mão de letras de músicas e depoimentos de integrantes desse movimento para tentar explicá-la de forma livre de filtros culturais. Não podemos negar que os traços do movimento expostos nas atitudes citadas acima são condizentes com as características mais gerais dos grupos jovens, onde eles buscam sua afirmação em um novo grupo social diferente de sua família. Esses novos grupos geralmente adotam posturas que subvertem a do status quo e buscam a mudança dos elementos repressores de seu grupo (Souza, 1997).

* Graduando em História pela Unesp/Assis. End. eletrônico: [email protected] Isso no entanto não pode ser usado para negar o valor das idéias e dos atos dos punks, já que mesmo as idéias de importantes pensadores são adotadas por milhares de jovens, como as de Marx, Nietzsche e até Adam Smith, sem que isso lhes tire o mérito. Seria hipocrisia também acusar os punks de “rebeldes sem causa”, já que o movimento surgiu de um contexto muito comum nas grandes cidades do mundo, carregado de desemprego, abismos sociais e violência. Mesmo o fato de um jovem viver em um lar que não seja ameaçado pelas mazelas do capitalismo selvagem, isso não significa que ele não tenha o direito de se indignar com as injustiças ao seu redor. Enfim, deve ser deixada de lado a visão demasiado simplista que classifica o movimento punk como simples revolta adolescente, seja cultural, social, ou politicamente, para tentar entender o que ele realmente nos tem a dizer. Sendo adolescente ou não, é uma revolta ideologicamente bem estruturada (mesmo que não necessariamente homogenia) que deixou marcas profundas em nossa sociedade de massas. Sem querer assumir aqui o objetivo de definir um marco específico para o surgimento do Punk, vamos partir da cena novaiorquina onde surgiram bandas como New York Dolls e . No início da década de 1970, John Lennon proferiu sua famigerada frase: “O sonho acabou”. Esse evento é um marco para os muitos movimentos sócio-culturais jovens, mas para muitos garotos que confortavam-se com uma realidade extremamente dura, em subúrbios de cidades como Nova Iorque e Detroit, o sonho nunca existira. A cultura “paz e amor” e a psicodelia nunca atraíra esses jovens; estamos falando de pessoas que não buscavam, nas drogas, uma forma de expandir a percepção das coisas do universo, mas de fugir do mundo em que viviam. Esses jovens não se sentiam representados por nem uma liderança e não encontravam seu lugar na sociedade, eles foram chamados pelo poeta, ator, escritor e músico Richard Hell de Blank Generation , ou seja, a geração vazia. Nota-se aí uma forte influência do existencialismo que, no entanto, é agora potencializado. Esses garotos e garotas não possuíam uma ideologia a qual se apegar, a maioria buscava as drogas e se apegava todos os elementos proibidos pelas convenções sociais, símbolos considerados negativos pela sociedade, que iam desde o Livro Vermelho de Mao Tsé- Tung e Suásticas à elementos sadomasoquistas e homossexuais. Foi nesse contexto que surgiu, em Nova Iorque, uma escola de teatro que e auto- intitulava Ridiculous Theather , que tinha como princípio exaltar tudo aquilo que a sociedade norte-americana desprezava na época, seu elenco era composto por Drag Queens e deficientes físicos. Essa escola ficou famosa pelo uso de purpurina sobre os atores, que segundo um dos diretores, John Vaccaro: “A purpurina era a ostentação da América, era assim que eu a interpretava. E era bonito. A purpurina era maquiagem. Eu a usava porque ela empurrava o traseiro da América na cara dos americanos. Era a ostentação do Times Square” (MCCAIN, 2004). O Teatro Ridículo influenciou muitos jovens da cidade, que passaram a usar as roupas femininas (inclusive os garotos) e a purpurina. Nessa cena, surgiu o New York Dolls, que tinham um estilo inovador e agressivo, eles eram rudes com a própria platéia, flautulavam e cuspiam diante dela e a xingavam; sua música era igualmente agressiva e falava de assuntos de que os jovens da periferia da cidade gostavam de falar. As melodias eram simples e lembravam o rock da década de 1950, o que contrastou com o rock da época, que tinha arranjos complexos, produções de centenas de dólares. Na verdade, a própria banda não usava a purpurina, nem sequer se definia como Glitter , entretanto, o que fez com que a platéia se identificasse com ela foi o estilo escandaloso e agressivo dos Dolls, os integrantes vestiam-se com roupas femininas e sua performance tinha um tom considerado homossexual, o que era visto como cool 1 na época. Pela platéia, a imprensa chamou o estilo dos New York Dolls de Glitter Rock . Durante os anos 1960 e 1970, o rock era repleto das Rock Stars , celebridades ligadas a música que eram contratadas pelas grandes gravadoras, elas levavam uma vida extremamente luxuosas, andavam de limusines e moravam em mansões. Os fãs raramente chegavam perto desses músicos. Além disso, o rock vinha evoluindo em busca de novas experiências, muitas impulsionadas por alucinógenos e estimulantes, Led Zeppelin gravara uma música chamado Moby Dick, que era um solo de bateria que ocupava um lado todo do de vinil em que foi publicada. Tudo isso fazia com que o rock se distanciasse de seu público, e boa parte dos jovens já não se identificava mais com ele. A Blank Generation , da mesma forma que era descontente com os movimentos sociais, o era com a música. A rompimento dos Dolls com o seu contexto musical atraiu então esses jovens. Isso inspirou diversas outras bandas, que numa ética do do it yourself , se formaram para cantar sobre suas realidades.

1 Cool é um termo que aparece freqüentemente nos depoimentos de Mate-me por favor . Ele designa uma atitude ou algo que é considerado moderno, bonito e interessante. Ele era usado principalmente para designar o que inovava e fugia do comum. Dessa forma nasceram os Ramones, quatro garotos que viajavam do Queens para Manhattan para assistir os New York Dolls. Dee Dee Ramone chegou a declarar em entrevista para o documentário The (GRAMAGLIA, 2004) que participar da banda salvou sua vida; durante sua vida artística ele diminuiu drasticamente o consumo de drogas e deixou para trás a perigosa vida de garoto de programa, que conta na música 53 th and 3 th . A família de conta, no mesmo documentário, que em sua infância, os médicos declararam que seus transtornos psicológicos o impediriam de levar uma vida normal; isso nos mostra o quão grande era sua falta de perspectivas. Os Ramones são um marco para o e foram diversas vezes considerados um marco para a música mundial. Suas músicas têm melodias bastante simples, bases geralmente com três acordes que foram diversas vezes usadas por outras bandas punks em suas músicas. Mesmo depois dos New York Dolls, eles conseguiram chocar e agradar com a sua simplicidade, crueza e agressividade na forma da qual eram tocadas. Paralelamente, Malcolm McLarem punha um de seus projetos artísticos em prática; ele já havia empresariado, por algum tempo, os Dolls e agora mantinha uma butique em Londres chamada Sex. Ele reuniu alguns garotos que freqüentavam a loja e formou uma banda chamada . A Idéia da banda era criar uma imagem oposta à de bem a que estava ligada a maioria dos movimentos sociais, principalmente o Hippie, na opinião de Malcolm. Para ele, a idéia do bem estava atrelada à do normal, que lhe era assustadora (MCCAIN, 2004). É importante ressaltar que o contexto em que ele se encontrava era uma Inglaterra extremamente conservadora, que defendia a sua estrutura social ignorando o caos em que ela se encontrava, milhares de jovens viviam do seguro-desemprego. Em 1972, Kubrick já mostrara a todos através de Laranja Mecânica que algo não ia bem com os jovens ingleses. Os Sex Pistols foram grandes divulgadores do Punk no mundo todo através de seus atos, que eram amplamente divulgados pela mídia sensacionalista. Suas letras talvez não falem tanto de sua filosofia quanto seus atos, ele eram extremamente mordazes ao quebrar todos os protocolos dos bons costumes ingleses toda vez que apareciam publicamente. Os tablóides ingleses davam ênfase a algumas atitudes dos integrantes da banda, como cuspir na platéia e xingá-la, ou então às atitudes auto- destrutivas como marcar frases no próprio peito com lâminas. Esse tipo de ato já não era novidade, pois já era marca maior de , músico de Detroit que inspirou a maioria das bandas punks, e que Malcolm McLarem provavelmente já conhecia. O fato é que a cena inglesa cresceu muito mais do que a norte-americana e passou a intitular-se como punk, termo que havia sido emprestado de uma revista que falava sobre a cena ianque. O costume então acabou passando para Nova Iorque, onde algumas pessoas e bandas passaram a ser rotuladas com o termo, que era anteriormente usado pela imprensa da mesma forma que a imprensa brasileira atual usa o termo “marginal”. Todavia, enquanto o fenômeno Sex Pistols estourava na Inglaterra e no mundo, o Brasil estava sobre plena ditadura militar, AI-5, governo do General Médici. A censura influenciava profundamente a cultura, por isso as idéias punks chegaram de forma tímida ao país, mas não tardia. Nesse período, Brasília era, ironicamente, talvez o lugar onde houvesse maior contato dos jovens com a cultura underground estrangeira. Filhos de diplomatas e de professores universitários faziam, com certa freqüência, viagens ao exterior e falavam outras línguas, alem do português, o que possibilitou que muitos deles tivessem contato com a cultura punk e a trouxessem para cá, na forma de idéias ou de . Por isso, em 1976, já havia discos dos Ramones em Brasília e em 1977, exemplares do Never Mind The Bollocks dos Sex Pistols (MOREIRA, 2006). Talvez pelo fato de não possuir tantos jovens de classe média baixa nessa época, a cena da cidade ficou restrita a algumas bandas como o Aborto Elétrico, que deu origem ao Legião Urbana e ao Capital Inicial depois de sua dissolução e poucos fãs. Não podemos dizer, portanto, que tenha havido um movimento, de fato, nesse período. A Grande São Paulo foi o primeiro lugar do país a abrigar um expressivo movimento punk. No fim dos anos 1970, a cidade já era um centro comercial no país, e o ABC um centro industrial, ambos abrigavam uma enorme classe proletária. Crimes, desemprego, poluição, São Paulo era uma grande metrópole daquele mundo capitalista em plena Guerra Fria, mas uma cidade real, onde a maioria da população não vivia o modelo dos american way of life. Os jovens paulistanos desempregados, com restrito acesso a educação formal, sem perspectivas de vida e que não se sentem representados pela cultura popular, eram um campo extremamente fértil para as idéias que chegaram de fora. É óbvio que muitos desses fatores citados estavam presentes em todo o país, porém grandes massas de desempregados, violência urbana e grandes subúrbios ainda não existiam no interior, ainda muito ruralizado, e em outras capitais havia em menor quantidade (Rio de Janeiro e Salvador, por exemplo, terão seus movimentos mais tarde). Em São Paulo, além dos jovens que viajavam ou tinham parentes no exterior, havia outra forma de entrada da cultura punk, muito mais comum. Os discos importados chegavam ao país em caixas fechadas, elas traziam todo o tipo de música estrangeira, desde discos de estilos que faziam muito sucesso por aqui, como o Discoteque, até outros que vinham apenas para ocupar espaço nas caixas, como os de punk rock, na maioria das vezes. Quem repassava, no início, esse material aos jovens era a Wop Bop, lojinha de discos importados situada na galeria que hoje é conhecida por Galeria do Rock, no Largo do São Bento, no centro de São Paulo. Depois do sucesso do punk rock entre os garotos paulistanos, Fábio, o do Olho Seco, abre uma loja na mesma galeria chamada Punk Rock Discos, especializada no estilo. Nesse contexto se formarão então inúmeras bandas tocando o estilo de forma própria e falando de suas realidades. A ideologia punk diz respeito especialmente à atitude dos jovens inseridos em nosso contexto social reacionário e opressivo, mas não possui idéias de alternativas a esse contexto. Portanto, na primeira metade da década de 80, algumas ideologias políticas surgirão como substrato para a ação dos punks brasileiros, em parte pelo contato com os punks estrangeiros, as principais serão as idéias comunistas e como esmagadora maioria as anarquistas. Michel Foucault, em alguns de seus trabalhos, especialmente em “Microfísica do Poder” (FOUCAULT, 1979), defende a idéia de que existem dois grandes tipos de poder em nossa sociedade que, a grosso modo, podemos chamar de um nível micro e macro. O poder nível macro seria o exercido pelo Estado e suas instituições; a nível micro, que é também chamado por ele de periférico ou capilar seria o poder exercido através das sociais, família, gênero, escola e etc. O mais provável é que a maioria dos punks nunca tenha lido Foucault e a mudança na ideologia não pode ser inteiramente atribuída a sua teoria, no entanto, seria interessante usá-la para entender o que mudou ideologicamente. O punk rock que notamos em Ramones e Sex Pistols mostra um ataque ao nível de poder micro. Já vimos que os integrantes dos Ramones eram garotos que não tinham perpectivas de um futuro promissor; suas composições se originaram do fato de que eles não conseguiam tocar as músicas das bandas que gostavam o que fez que as melodias fossem extremamente simples (MCCAIN, 2004, p.239). Quanto às letras das canções, elas falam de assuntos que gostavam e ironizam aquilo que lhes irritava. Podemos notar em várias músicas a crítica às instituições de poder de nível micro, como a família em We’re A Happy Family , vajamos o trecho:

We're a happy family we're a happy family we're a happy family me mom and daddy

Sitting here in Queens eating refried beans we're in all the magazines gulpin' down thorazines we ain't got no friends our troubles never end no Christmas cards to send daddy likes men

Daddy's telling lies baby's eating flies mommy's on pills baby's got the chills I'm friends with the president I'm friends with the pope we're all making a fortune selling daddy's dope 2

A forma irônica com a qual ele retrata uma família desestruturada fica extremamente clara. Dessa mesma forma a ironia aparecerá na crítica à escola em Rock n’roll Hight Scool . Uma crítica mordaz à situação do jovem e ao tratamento que se dá a ele aparece em Psycho Therapy, o título pode ser entendido como “Psicoterapia” ou então “Terapia para/de loucos”, vejamos a letra:

Psycho Therapy Psycho Therapy Psycho Therapy That's what they wanna give me Psycho Therapy Psycho Therapy Psycho Therapy All they wanna give me

I'm a teenage schizoid the one your parent despise Psycho Therapy now I got glowing eyes

I'm a teenage schizoid pranks and muggins are fun Psycho Therapy gonna kill someone

2 Nós somos uma família feliz (3X)/eu, papai e mamãe/ Sentado aqui no Queens/ comendo feijões gelados/ nós estamos em todas as revistas/ engolindo thorazines / nós não temos amigos/ os problemas nunca acabam/ sem cartões de natal para enviar/ o papai gosta de homens/ O papai está contando mentiras/ o bebê está comendo moscas/ mamãe está “nas pílulas”/ o bebê está com calafrios/ eu sou amigo do presidente/ eu sou amigo do Papa/ estamos fazendo fortuna/ vendendo as drogas do papai. Psycho Therapy Psycho Therapy

I like takin' Tuinal it keeps me edgy and mean I'm a teenage schizoid I'm a teenage dope fiend

I'm a kid in the nuthouse I'm a kid in the psycho zone Psycho Therapy I'm gonna burglarize your home 3

Ao longo de toda sua carreira, fica evidente a crítica dos Ramones à esse nível de poder, a crítica ao poder no nível macro, quase não será presente (PROCURAR I belive in miracles) nas músicas ou nos atos da banda, de forma que apenas na última década do século XX, eles começaram a participar de campanhas políticas, defendendo cada um sua posição, e campanhas pedido que os americanos votassem. Joey e Johnny eram os últimos integrantes da formação original da banda nesse tempo, o primeiro participava da esquerda liberal norte-americana, enquanto o segundo era um conservador de direita. Enfim, o legado dos Ramones é o ataque ao poder capilar. Como os movimentos sociais de época, que criticavam as grandes instituições de poder central, não se encaixavam na realidade dos garotos punks, eles não seguiam essa tradição de crítica política; além disso, sua educação formal era restrita, de modo que o seu senso crítico aguçado se canalizou para quem os oprimia de forma direta. Sobre os Sex Pistols é, no entanto, necessário levar em consideração outros fatores, embora a Inglaterra também sofresse com a depressão econômica e as filas do desemprego também fossem gigantescas, aqueles país dispunha de um cenário muito mais conservador que os EUA, as regras de etiqueta eram mais rígidas de um modo geral; sem levar isso em conta, não faz sentido o choque causado pelo “fuck” de Johnny Rotten, segundo Antonio Bivar, em seu livro O que é Punk , houve até um cidadão que jogou sua televisão pela janela ao ver o palavrão sendo dito na televisão. Ciente da potencialidade da falta de etiqueta no contexto em que viviam, os Sex Pistols faziam de tudo para subverte-la, provavelmente por sugestão de Malcolm McLarem. É claro que esses atos foram superdimensionados pela mídia, principalmente pelos famosos tablóides ingleses, mas é fato que os Pistols xingavam, cuspiam, vomitavam e se cortavam durante os shows. Esses atos eram uma forma de reforçar a mensagem que

3 Psicoterapia, psicoterapia, psicoterapia/ é isso que eles querem me dar/ psicoterapia, psicoterapia, psicoterapia/ tudo o que eles vão me dar/ Eu sou um adolescente esquizóide, o que seus pais desprezam/ Psicoterapia, agora tenho meus olhos vermelhos/ Eu sou um adolescente esquizóide, travessuras e (?) são divertidas/ Psicoterapia vai matar alguém/ Psicoterapia, psicoterapia/ Eu gosto de tomar um tunail e isso me mantém agudo e mesquinho/ Eu sou um adolescente esquizóide, chapado e viciado/ Eu sou uma criança num hospício, eu sou uma criança numa zona de loucos/ Psicoterapia, eu vou roubar sua casa. tentavam passar em suas músicas, vejamos uma das mais emblemáticas, Anarchy in the U.K. :

I am the Antichrist I am an anarchist Don't know what I want but I know how to get it I wanna destroy the passer by 'cos I

I wanna be anarchy! No dog's body

Anarchy for the U.K It's coming sometime and maybe I give a wrong time stop a traffic line Your future dream is a shopping scheme 'cos I

I wanna be anarchy! In the city

How many ways to get what you want I use the best I use the rest I use the enemy I use anarchy 'cos I

I wanna be anarchy! The only way to be

Is this the MPLA Or is this the UDA Or is this the IRA I thought it was the UK or just Another country Another council tenancy

I wanna be anarchy And I wanna be anarchy Oh what a name I wanna be an anarchist Get pissed! Destroy! 4

A primeira vista, a música pode parecer propor uma adesão ao Anarquismo como corrente político-filosófica, mas analisando com mais cuidado, notamos que o uso da palavra anarchist tem o mesmo peso e sentido de antichrist , ou então das suásticas

4 Eu sou um anti-cristo/ Eu sou um anarquista/ Não sei o que eu quero/ Mas sei como conseguir/ Eu quero destruir transeuntes porque eu/ quero ser a Anarquia/ Ninguém, cachorrada!/ Anarquia para o Reino Unido/ Virá em algum momento e talvez/ Dei o tempo errado, parei o fluxo de trânsito/ Seu sonho futuro é um esquema comercial porque eu/ Eu quero ser anarquia/ Na cidade!/ Quantas formas existem para conseguir o que se quer?/ Eu uso o melhor/ Eu uso o resto/ Eu uso o inimigo/ Eu uso a anarquia/ Porque eu quero ser a anarquia/ É a única maneira de ser/ Isso é a M.P.L.A. ou/ É o U.D.A.? ou /É o I.R.A./ Eu pensei que fosse o Reino Unido ou apenas/ Um outro país/ Outra propriedade do Conselho!/ Eu quero ser a anarquia/ E eu quero ser a anarquia/ Oh, Que nome/ Eu quero ser um anarquista/ Ficar bêbado! Destruir! que serão largamente usada pelos Pistols por influência dos norte-americanos; se deixarmos para trás o entendimento superficial do uso desses símbolos, podemos perceber que em ambos os casos eles não significavam a adesão das idéias que eles representavam, eles eram apenas uma forma de chocar a sociedade; já que eles criavam a mesma reação na população mais ou menos conservadora, eles podiam ser usados lado a lado, da mesma forma. Da mesma forma que a música God Save The Queen não pode ser interpretada simplesmente como um ataque à organização política do país, e sim à hipocrisia com que suas políticas eram vistas pela população, além de ser uma crítica ao maior símbolo do nacionalismo britânico: a rainha.

God save the queen Her fascist regime It made you a moron A potential H bomb

God save the queen She ain't no human being There is no future In England's dreaming

Don't be told what you want Don't be told what you need There's no future No future no future for you

God save the queen We mean it man We love our queen God saves

God save the queen 'cos tourists are money And our figurehead Is not what she seems Oh God save history God save your mad parade Oh lord God have mercy All crimes are paid

When there's no future How can there be sin We're the flowers In the dustbin We're the poison In your human machine We're the future Your future

God save the queen We mean it man There is no future In England's dreaming

No future for you No future for me No future no future for you 5

Contudo, o movimento punk logo começará a adotar um caráter político, atacando as grandes instituições de poder. E será bastante logo, já que esse caráter ficou claro no The Clash, que foi criado sob influência e foi contemporâneo dos Pistols. No Brasil, no entanto, esse caráter demorará um pouco a chegar, devido à dificuldade da vinda de materiais durante a ditadura militar, como já foi descrito acima. A ideologia punk será freqüentemente mal interpretada nos próprios países onde ela surgiu e se consolidou. Aqui, aonde chegavam apenas algumas notícias distorcidas nas revistas e alguns discos ao acaso nas caixas de importação, esse problema foi ainda maior, o que fez com que a adoção de uma ideologia política demorasse ainda mais tempo. Os punks então adotarão idéias políticas condizentes com a sua causa; no anos de 1983, Ariel faz uma declaração ao documentário “Punks” de que era necessário encontrar uma forma e um ideal de luta para o movimento, refletindo a busca crescente da época por um embasamento político para a ideologia punk. No entanto, o tiro sairá pela culatra com grupos que descenderam, de certa forma, do movimento punk que adotarão idéias fascistas e nazistas 6. Os punks anarquistas constituíram o grupo mais expressivo dentro dos quais adotaram ideologias políticas; dentro desses, nota-se dois subgrupos, durante os anos 80, os que se baseavam na idéias de anarquistas pacifistas, como Pierre-Joseph Proudhon e os que se baseavam em idéias da revolução pela violência, tendo como principal pensador Bakunin (WOODCOCK, 2002). As idéias de Mikhail Bakunin serviram muitas vezes de substrato para as atitudes violentas que já haviam se tornado

5 Deus salve a rainha/ E seu regime fascista/ Fez de você um retardado/ Uma bomba H em potencial/ Deus salve a rainha/ Ela não é humana/ Não há futuro/ Nos sonhos da Inglaterra/ Não diga o que você quer/ Não diga o que você precisa/ Não há futuro, não há futuro/ Não há futuro para você/ Deus salve a rainha/ Nós queremos dizer isso, cara/ Nós amamos nossa rainha/ Deus salve/ Deus salve a rainha/ Porque turistas são dinheiro/ Nossa revolta/ Não é o que ela parece/ Oh, Deus salve a história/ Deus salve a nossa parada louca/ Oh, Senhor Deus tenha piedade/ Todos os crimes são pagos/ Quando não há futuro/ Como podemos estar em pecado?/ Nós somos/ As flores no chiqueiro/ Nós somos o veneno em seu sistema/ Na sua máquina humana/ Nós somos o futuro/ O seu futuro/ Deus salve a rainha/ Nós queremos dizer isso, cara/ Não há futuro/ Nos sonhos da Inglaterra/ Sem futuro para você/ Sem futuro para mim/ Sem futuro, Sem futuro para você. 6 É importante ressaltar que esses grupos não são considerados punks não são aceitos por eles e sequer se dizem punks, se colocando contra estes e freqüentemente atacando-os na rua. Contudo, a atitude punk, de rebelião contra os costumes sociais, inspirou a formação desses grupos, o que pode ser percebido inclusive nas formas de vestimenta. Tal assunto poderá ser tratado com mais profundidade mais tarde. comuns devido a má interpretação do Movimento no Brasil, como a luta entre gangues e até o uso de bombas (MOREIRA, 2006), no entanto essa violência parece não ter atingido níveis tão assustadores quanto a que veremos nos conflitos com os grupos fascistas e neonazistas, que ocasionarão nas mortes de muitos garotos. Essa vertente do movimento parece ter perdido espaço gradativamente e hoje não tem grande representatividade, no entanto, não é meu objetivo aqui discutir a validade dessas idéias. Já a vertente pacifista, se manteve e parece ser hoje quase a totalidade do movimento punk brasileiro. É interessante ressaltar, no entanto, que a agressão ao poder de caráter capilar nunca desapareceu, mesmo com a adoção do ataque ao poder central, é essa oposição a toda a forma de repressão social é, até hoje, o grande diferencial do movimento punk em relação a outros movimentos sociais.

Referências : ESSINGER, Silvio. Punk, a anarquia planetária e a cena brasileira . São Paulo: Editora 34, 1999. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder . Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. GRAMAGLIA, Michael e Jim Fields. The end of the century: the story of the Ramones. Warner Music, 2004. MCCAIN, Gillian e Legs McNeil. Mate-me Por Favor . Porto Alegre: LP&M Pocket, 2004. MOREIRA, Gastão. Botinada, a origem do punk no Brasil . São Paulo: ST2 Music, 2006. OLIVEIRA, Antônio Carlos. Os fanzines contam uma história sobre punks . Rio de Janeiro: Achiamé, 2006. SOUZA, Rafael Lopes de. Punk: cultura subversiva e protesto, as mutações ideológicas de uma comunidade subversiva – São Paulo 1983/1996. Dissertação (Mestrado) em História. Assis, Unesp, 1997. WOODCOCK, Jorge. História das idéias de movimentos anarquistas . Porto Alegre: L&PM Pocket, 2002.