De Embaixador a Cardeal: a Presença De D. Miguel Da Silva Na Embaixada Portuguesa E Sua Relação Com D
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DE EMBAIXADOR A CARDEAL: A PRESENÇA DE D. MIGUEL DA SILVA NA EMBAIXADA PORTUGUESA E SUA RELAÇÃO COM D. JOÃO III Raphael Henrique Dias Barroso1 Mestrando em História Social pela Universidade de São Paulo [email protected] Resumo: Entre 1515 e 1525, D. Miguel da Silva esteve em Roma como o segundo embaixador permanente de Portugal nos reinados de D. Manuel e D. João III. Conhecido por ser um cortesão muito respeitado pela Cúria romana, tendo sido homenageado na dedicatória do livro O Cortesão de Baldassare Castiglione, foi por meio do seu trabalho, que diversas instâncias religiosas foram criadas e importantes cargos foram nomeados para a aristocracia lusitana. Entretanto, ao ser convidado a se tornar cardeal pelo papa Paulo III, o rei D. João III promoveu severas perseguições a D. Miguel, culminando com sua desnaturação do reino em 1542. Neste trabalho, buscamos investigar o primeiro contato de D. Miguel da Silva com D. João III, no período em que foi embaixador em Roma. Dessa forma, procuramos discutir os conflitos de interesses que eram presentes nas negociações, como alianças com famílias reais, posse de cargos eclesiásticos, guerra contra os turco-otomanos e o pedido de dispensa do embaixador. Ao fim do trabalho, colocaremos questões que permitirão o desenvolvimento da pesquisa, assim como problematizar os fatores que impactaram a relação entre Portugal e o Papado. Palavras-chave: D. João III; Diplomacia; Portugal; História Moderna. 1 Bolsista CAPES sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Paula Torres Megiani. Desenvolve projeto de pesquisa sobre as relações diplomáticas entre Portugal e a Cúria romana no período do reinado de D. João III (1521-1557) por meio da correspondência entre o rei e seus embaixadores permanentes em Roma. Procuramos ressaltar aspectos como as nomeações eclesiásticas, disputas por interesses no consistório e na corte portuguesa e as mudanças no processo da escrita diplomática. D. Miguel da Silva e Menezes (1480-1556) foi um cortesão ilustre na história política portuguesa, tendo sido nomeado pelo rei D. Manuel como segundo embaixador permanente de Portugal em Roma no ano de 1515. Nascido de família aristocrática, seus pais tiveram forte vínculo com a casa real lusitana. Era o segundo filho de D. Diogo da Silva e Menezes, primeiro conde de Portalegre,2 que foi escudeiro de D. Manuel (coroado em 1495) e casado com D. Maria de Ayala (herdeira de D. Diego de Ayala, governador das ilhas Canárias), o que o possibilitou a D. Miguel o privilégio de passar seus primeiros anos como agregado a casa real portuguesa (ZANATTA DE SOUZA, 2015, p. 153). Logo cedo, se destacou pelo seu grande talento com as letras, como latim, grego e gramática. Durante sua estadia na corte, D. Miguel teria estudado com Cataldo Sículo, escritor das Epistolae et orationes quaedam que teve grande ligação com a propagação do saber humanista no reino (Cf. RAMALHO, 2013). Junto a grande confiança que era depositada na família Silva e Menezes, principalmente pelo vínculo com a casa real, D Manuel cinco anos após sua coroação, concede a D. Miguel, uma bolsa de estudos na universidade de Paris, a fim de aperfeiçoar os membros de sua corte na administração dos “negócios reais" (REBELO, 2007, p. 377). Em seguida, prosseguiu para Siena e Bolonha, também a mando do rei para adquirir um conhecimento letrado, teológico e humanista. Nesse percurso, tomou contato com figuras que viriam a ser muito prestigiadas na península itálica, como Rafael Sânzio, renomado pintor e conhecido pela beleza de suas Madonnas, e Baldassare Castiglione, que lhe chegou a dedicar Il libro del Cortegiano (O Cortesão) de 1528 (CASTRO, 1945, s/p). Dentre os círculos de aristocratas a qual D. Miguel teve contato, ainda podemos citar Francisco de Holanda e André de Resende que em um de seus discursos na Universidade de Lisboa, exaltava a figura de D. Miguel, dizendo que mesmo a Itália era testemunha de tamanha erudição (FREIRE, 1927, p. 26). Em Paris, D. Miguel demonstrou forte apreço pelos estudos clássicos, ao se transferir para Siena, teria estudado textos greco-latinos como os de Horácio, Cícero e Virgílio, além de treinar sua escrita retórica por meio de manuais epistolares, chamados de Ars Dictaminis, na 2 Título nobiliárquico que também era associado aos mordomos-mores, responsáveis pela administração e superintendência das funções ligadas a casa real (Cf. FREIRE, 1927, p. 21). 2 universidade Bolonha (lugar onde também passou Cataldo Sículo).3 Em 1515, por ordem de D. Manuel, se tornou embaixador em Roma substituindo João de Faria, com um dos grandes objetivos de viabilizar o tribunal inquisitorial em Portugal, algo que só viria a acontecer vinte anos mais tarde, quando já havia retornado ao reino, embora com ressalvas do embaixador.4 Em Roma, D. Miguel permaneceu por uma década a serviço da coroa.5 Sob a regência de dois soberanos (D. Manuel e D. João III), presenciou a tomada de decisões no consistório que tiveram largas consequências na Europa, como o combate à pestilenta, a invasão turca-otomana, os conclaves de Adriano VI em 1522 e Clemente VII em 1523 e as “torvações” de Martinho Lutero.6 Contudo, o embaixador teria estado sob desconfiança de D. João III, antes mesmo da subida ao trono.7 Por ordem de D. Manuel, o embaixador esteve encarregado das despensas papais para desposar o rei com a infanta Leonor, irmã de Carlos V, mesmo quando era prometida à D. João III.8 Esse 3 Segundo Ana Isabel Buescu (2015, pp. 19-20): ”Nessa estadia por terras de França e Itália adquiriu uma sólida cultura e, comprovadamente, um profundo conhecimento das línguas clássicas, várias vezes invocado e elogiado quer por figuras ligadas ao estreito círculo dos humanistas portugueses, como João Rodrigues de Sá de Meneses ou André de Resende, quer por filólogos e humanistas italianos, como Lattanzio Tomei ou Gregorio Giraldi, além, evidentemente, do domínio do francês e do toscano, dialecto com preeminência em Itália”. 4 A relutância de D. Miguel em estabelecer o tribunal inquisitorial em Portugal era comparada à Antônio de Ataíde, D. Francisco de Portugal e Antônio Carneiro vistos como defensores dos cristãos-novos na Cúria romana (Ibidem, p. 44). 5 Ana Isabel Buescu (2010, p. 147) ilustra o panorama do período em que D. Miguel esteve na embaixada em Roma: “Os dez anos (1515-1525) durante os quais D. Miguel da Silva permaneceu como embaixador português na Cúria foram anos decisivos, do ponto de vista das dinâmicas internas do reino, dos caminhos da construção do império e de uma interação cada vez mais intensa com as realidades políticas de uma Europa agitada por profundas transformações”. 6 Ao fazer referência ao “frade alemão”, D. Miguel (04 mar. 1523, pp. 162-168) avisa que “dele muito se ri”, embora, o papa Leão X tivesse feito uma bula a respeito das revoltas recorrentes na Alemanha, pois as notícias do frade “tiravam o sono” da santidade. Em carta posterior, D. Miguel (25 mai. 1523, p. 168) informa de uma suposta prisão de Lutero: “martin luter, aquele frade de santo agostinho que tanta torvação tem dada haa cristandade e a fee, he preso com muitos dos de sua seita: preza a deus que seja verdade porque he pesoa de grande escandalo no mundo, ainda que está já por nosos pecados tam arreigada sua opinião em toda Alemanha que pola ventura nam abastará ser elle preso”. Contudo, ele ratificaria essa informação dizendo que fora preso “Hutem” (Ulrich von Hutten – 1488-1523), outro luterano de “grande conta na Alemanha”. 7 D. Miguel não chegou a conhecer pessoalmente o novo rei, pois D. João III nasceu dois anos após sua partida para Paris. Embora, João Sebastião da Silva (1969, p. 78) questiona se D. Miguel não teria ido ao reino durante sua embaixada em Roma. 8 D. João III e a infanta Leonor já haviam sido prometidos por D. Manuel e pelo arquiduque Carlos da Áustria, e tendo aposentos próprios em Lisboa, quando ao fim de 1517 o rei D. Manuel pede a D. Miguel da Silva que se encarregue de todas as despensas necessárias em Roma para o casamento do rei com a infanta. Era o terceiro casamento do monarca, e que havia sido planejado em segredo da corte e do herdeiro de D. Manuel. O fato, segundo Ana Isabel Buescu (2015, p. 37), acabou repercutindo entre os motivos do exílio de Luís de Camões para Constância em 1548, pois ao apresentar para D. João III o Auto 3 caso, segundo Ana Isabel Buescu (2010, p. 147), acabou tendo forte impacto no novo monarca: “além de condicionar de forma irreversível a relação entre pai e filho, deixou uma marca profunda e duradoura em D. João”. A relação entre D. Miguel e D. João III é um tópico largamente discutido.9 Buescu (2010, p. 141) inclusive, chama o fato da união entre Leonor com D. Manuel como uma das “novas razões para um ódio velho”, pois vai muito além da perca da pretendida de D. João III. Em meados do século XX, José de Castro (1945, s/p.) já havia levantado outros fatores. Segundo ele, D. Miguel durante sua estadia na embaixada, teria construído laços de amizade com grandes figuras em Roma,10 principalmente com os papas da família Médici e Farnese, o que teria causado certo rancor no rei: “era um ódio anormal e não de natureza diplomática”. Ainda no século XIX, Alexandre Herculano (1875, p. 296), unia D. Miguel aos que eram contra a instalação da Inquisição em Portugal, projeto que o rei havia despejado grande empenho e que por isso: “hostilizar a Inquisição era ferir el-Rei numa das suas mais caras afeições”. Mas o fato mais representativo dentre essas divergências é a desnaturação, também conhecida como “morte civil” de D.