dço 85 ANO XXI - edição setembro 2014

ANO edição set xXI 85 2014 ANO XXI - Setembro 2014 - nº 85

CAPA TIK (estojo para guardar a Torá) em madeira revestida de prata, com RIMONIM (enfeites no feitio de romãs) Paris, circa 1860 Carta ao leitor

O Povo Judeu sempre se une diante de grandes desafios. As cartas de leitores enviadas aos principais jornais do Os últimos meses foram tempos difíceis, tanto para os país revelam que o povo brasileiro também compreende a judeus que vivem em como para os da Diáspora. Em situação de Israel. Somos muitos gratos a todos aqueles que Israel, nosso povo luta contra grupos fundamentalistas que estão ao nosso lado durante esta época difícil. declaram publicamente que visam a aniquilar o Estado É importante ressaltar que, durante o conflito em Gaza, de Israel e exterminar todo o Povo Judeu. Fora de Israel, muitos países árabes, que costumam condenar Israel de os judeus enfrentam o ressurgimento do antissemitismo antemão, mantiveram-se em silêncio. Vários deles, que ostensivo e violento. Não há mais como negar que nem sequer reconhecem a existência do Estado de Israel, antissionismo é uma forma disfarçada de antissemitismo. culparam os grupos que controlam Gaza pelo conflito. Essa O atual conflito entre Israel e as organizações terroristas que mudança de postura política é resultado das atrocidades controlam Gaza se iniciou com o sequestro e assassinato de que ocorrem, atualmente, no Oriente Médio. Os líderes três jovens judeus, seguido pelo lançamento de milhares de árabes moderados finalmente se conscientizaram de que o mísseis contra as principais cidades israelenses. O Estado terrorismo e o fundamentalismo representam uma ameaça Judeu viu-se obrigado a iniciar uma operação militar para não apenas a Israel e ao Ocidente, mas também ao mundo garantir a segurança de seus cidadãos. árabe. Os dirigentes da maioria dos países árabes sabem, ainda que não o admitam publicamente, que Israel luta Ao longo do conflito, Israel tem polarizado a atenção contra organizações que ameaçam não apenas o Estado mundial. Muitas pessoas apoiaram a operação militar Judeu e o Oriente Médio, mas o mundo todo. israelense, pois estão cientes de que Israel tem não apenas o direito, mas a obrigação de defender seus cidadãos contra Nós, judeus que vivemos fora de Israel – junto com chuvas de mísseis lançados de Gaza contra a população nossos amigos e aliados – defenderemos Israel contra civil israelense. Em Gaza, mesquitas, hospitais e escolas as mentiras criadas e disseminadas por antissemitas. Ao são utilizados para esconder foguetes e lançá-los contra as mesmo tempo, o Estado de Israel continuará a defender os cidades israelenses. judeus da Diáspora na luta contra o ódio, a intolerância e o Entretanto, são inúmeras as acusações divulgadas pela mídia antissemitismo. M de que Israel não se importa com a morte de civis. as, O ex-Primeiro-Ministro da Espanha, José Maria Aznar, qualquer pessoa familiarizada com a história do povo declarou: “Se Israel tombar, todos nós tombaremos”. Israel judeu sabe quão profundamente os judeus respeitam a não tombará. E o restante do mundo também não. Cedo ou vida humana. A verdade é que, em toda a história militar, tarde, a verdade prevalecerá sobre a mentira, a luz sobre a nenhum exército envolvido em conflito armado tomou tanto escuridão, a paz sobre a violência e a vida sobre a morte. cuidado para proteger a vida de civis quanto Israel o faz, ô diariamente, chegando mesmo a p r em risco a vida de seus Aproximam-se os dias sagrados de Rosh Hashaná, em que próprios soldados. D’us decide o futuro de todas as Suas criaturas. Que neste Não há outra nação que lamente mais a perda de vidas novo ano judaico, D’us abençoe o Estado de Israel, os humanas, israelenses ou palestinas, do que Israel. Como bem judeus da Diáspora e o mundo todo com uma paz que seja o disse o Nobel da Paz, Elie Wiesel, “Os pais palestinos, verdadeira e duradoura. assim como os israelenses, almejam um futuro promissor para seus filhos. E ambos deveriam estar unidos pela paz”. SHANÁ TOVÁ UMETUCÁ! Nos últimos meses, presenciamos a eclosão do antissemitismo, principalmente na Europa, mas o Povo Judeu viu que pode contar com o apoio de bons amigos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Muitos jornalistas defendem o direito e a obrigação de Israel de se defender. NOSSAS FESTAS

Rosh Hashaná: Dia de Novos Começos

A Haftará lida no primeiro dia de Rosh Hashaná conta a história de Hanna. Trata-se da história de uma mulher estéril, que se tornou um dos modelos históricos do fervor da oração. Em resposta à sua súplica, do fundo do coração, D’us a fez mãe de Shmuel, o maior dos Juízes, um profeta comparado a Moshé e Aaron. por Zevi Ghivelder

hmuel se tornou o durante uma visita a Shiló, Eli, o Cohen Gadol, observava líder da nação durante um Hanna foi ao Tabernáculo para Hanna enquanto ela orava. Somente de seus períodos abrir seu coração a D’us. Eli, seus lábios se moviam, mas sua voz s mais difíceis e ele a trouxe o Cohen Gadol, estava sentado não se fazia ouvir. Eli, então, pensa de volta à sua glória no umbral da porta, de onde que ela estivesse bêbada. Ele fica anterior. De sua casa em Ramah, a observava. “Ela estava perplexo com sua conduta – Hanna ele viajou por toda a Terra de Israel, profundamente amargurada”, conta- era uma das mulheres mais justas ensinando, julgando e inspirando. nos o Livro de Samuel (Shmuel, à época – e ele se volta aos Urim Além disso, foi o profeta que ungiu 1:10), “e ela orou ao Eterno, v’Tumim buscando uma resposta. os primeiros dois reis do Povo Judeu chorando muito”. Hanna chorava Urim v’Tumim eram 12 pedras – Shaul e David. porque, como ensinam nossos Sábios, preciosas afixadas no peitoral usado os portões das lágrimas nunca se pelo Cohen Gadol, nas quais estavam O Livro de Shmuel se inicia com a fecham (Talmud, Berachot 32b). gravados os nomes das tribos. história de Hanna, mulher de Elkaná. E ela faz um voto: “Eterno, Senhor Ela era uma mulher que desejava um dos Exércitos! Se olhares para a De acordo com o Zohar, os Urim filho mais do que tudo no mundo. aflição da Tua serva, Te lembrares v’Tumim eram os Nomes de D’us Mas, há dez anos ela tentava, em vão, de mim e não Te esqueceres da de 42 e de 72 letras, colocados nas engravidar. O Tanach nos conta que Tua serva, e deres à Tua serva um dobras do peitoral, que faziam com Elkaná e sua família costumavam descendente, eu o darei ao Eterno que as letras gravadas nas pedras fazer peregrinações a Shiló, onde por todos os dias da sua vida...” se acendessem sequencialmente, de havia um Tabernáculo, um Mishkan – (ibid 1:11). Hanna prometeu que se modo a emitir uma resposta a uma o predecessor do Templo Sagrado de fosse abençoada com um filho, ela o pergunta feita pelo Sumo Sacerdote. Jerusalém. O líder da nação, à época, dedicaria exclusivamente a D’us. que oficiava nesse Santuário, era Os Sábios nos dizem que Hanna Eli consultou os Urim v’Tumim Eli, o Cohen Gadol, um dos maiores pediu por um filho que fosse notável e quatro letras se acendem: Shin, juízes, sucessor de Sansão. Certa vez, por sua sabedoria e piedade. Resh, Kaf, Hei. Eli supôs que as

6 REVISTA MORASHÁ i 85

letras soletrassem a palavra Shikorá Eli, que erroneamente atribuíra a concebera, que ela deu à luz um – bêbada. Mas, na realidade, as letras Hanna uma conduta imprópria – filho. Ela o chamou de Shmuel, e deveriam ter-se alinhado para soletrar profanar o Tabernáculo com sua assim disse: ‘Eu o pedi ao Eterno’ ”. a palavra KeSará – como Sara. As embriaguez – além de acalmá-la, a Conta o Midrash que Ele a atendeu pedras Urim v’Tumim indicaram a abençoa. “Vai-te em paz”, diz-lhe. “O por causa da fé e confiança de Eli que a mulher que estava diante D’us de Israel te concederá o pedido Hanna em D’us (Bereshit Rabah do Tabernáculo era como a Matriarca que lhe fizeste” (ibid 1:17). 56:2). Nossos Sábios nos ensinam Sara, que, como Hanna, era estéril que as bênçãos são difíceis de se e orou pedindo um filho. As quatro O Livro de Samuel nos conta que cumprir se a pessoa não tem fé letras significavam também Kesherá “Assim a mulher seguiu seu caminho, n’Aquele que é a Fonte de todas as – ela é digna. O Gaon de Vilna e comeu, e não mais era triste o seu bênçãos. explica que o erro de Eli em ler os semblante”. O Maharal de Praga Urim V’Tumim indicava que a Divina explica que o rosto de uma pessoa Segundo nossos Sábios, D’us Providência o havia destituído de é a janela de sua alma: Quando “lembrou-Se” de Hanna e ela Inspiração Divina naquele momento. Hanna estava tão amargurada com concebeu em Rosh Hashaná, que sua esterilidade, sua infelicidade se é chamado de Yom HaZikaron, o Eli disse a Hanna, “Durante quanto refletia em sua face; mas quando Dia da Recordação. E ensinam tempo você ficará bêbada? Remova recebeu a bênção do maior homem que o mesmo ocorreu com Sara, esse vinho de seu corpo!” Hanna de sua geração, o brilho em sua face nossa primeira Matriarca – mãe de protesta dizendo que não estava fazia transparecer seu júbilo. Yitzhak, nosso segundo Patriarca bêbada. “Não bebi vinho nem bebida – que concebeu em Rosh Hashaná. alguma forte, e derramei minha alma Pouco depois a bênção é cumprida. Esses nascimentos, que mudaram perante o Eterno. Não julgue que Sua “Elkaná conheceu a Hanna, sua o curso da História Judaica, são serva seja uma mulher vulgar – pois mulher, e o Eterno se lembrou frequentemente mencionados na foi movida por muito sofrimento e dela. E aconteceu, com a passagem liturgia desse dia. Como dissemos raiva que falei até agora”. do período de dias em que Hanna acima, a história de Hanna é lida

7 SETEMBRO 2014 NOSSAS FESTAS

como Haftará do primeiro dia de Sua canção é considerada uma das Shmuel ungiu Saul e David – os Rosh Hashaná. dez maiores canções proféticas da primeiros reis de Israel – e Hanna História. Trata-se de uma série de orou por seu sucesso. Mas, mais do O legado de Hanna ao profecias acerca de futuros milagres que uma prece por Shmuel e os reis Povo Judeu de salvação. a quem ele diretamente elevou à grandeza, a Canção de Hanna é uma Hanna trouxe ao mundo não apenas O tema central é a constatação de oração pela Nação Judaica: segundo a Shmuel, mas também outros filhos. que o triunfo e a derrota, riqueza Targum Yonatan, ela rezou por todos Além de ter-nos dado um dos e pobreza, grandeza e degradação, os judeus ao longo da história, e pelo maiores profetas e juízes, Hanna não são condições permanentes, Mashiach, que é chamado de “ungido se tornou o paradigma da prece pois as boas ações e a oração podem por Shmuel” porque ele descenderá sincera. Algumas das leis da oração produzir mudanças na condição do Rei David, a quem Shmuel ungiu do Shemonê Esrê (a Amidá) derivam humana. Esse é um dos temas (Yalkut Shimoni). das rezas que ela murmurou no fundamentais de Rosh Hashaná. Tabernáculo, em Shiló: que se deve Assim, Hanna, mulher estéril que orar em silêncio e que as palavras A Canção de Hanna inclui uma durante muitos anos chorou e devem ser enunciadas, mas não em prece por seu filho Shmuel: “Eterno, pediu por um filho, tornou-se não voz alta ao ponto de serem ouvidas que os que lutam contra ele sejam apenas a mãe de Shmuel – um de pelos demais. destroçados. Que os Céus caiam nossos maiores profetas e aquele sobre eles. Possa o Eterno julgar até que ungiu nosso maior rei, David, O Livro de Shmuel registra a Canção os confins da terra; possa Ele atribuir que é um antepassado do Mashiach de Reza de gratidão de Hanna, que poder a Seu rei e causar orgulho – mas a mãe de todo o Povo Judeu, ela compôs após dar à luz a Shmuel. àqueles que Ele ungiu” (ibid 2:10). para todas as gerações. Não é mera coincidência o fato de que, como nossa Matriarca Sara, estéril, Hanna também concebeu em Rosh Hashaná – a início do Ano Judaico –, dia no qual os judeus de todo o mundo proclamam nas sinagogas a soberania de D’us e se dedicam a Seu serviço, assim como Hanna prometeu que seu primogênito o faria. Rosh Hashaná: a oportunidade de um novo começo

Rosh Hashaná, literalmente, a “cabeça do ano”, é o início de um novo ano. É a oportunidade de cada pessoa de começar sua vida de novo. Certamente, a cada dia – ou mesmo, a qualquer momento em nossa vida – podemos optar por tomar diferentes caminhos na vida – melhorar o que é preciso – mas Rosh Hashaná é o momento mais auspicioso do ano para fazê-lo. Trata-se de um novo shmuel é dedicado por hanna, no templo. frank w. w. topham, final séc. 19. começo. Um novo ano representa mary evans picture gallery, londres novas possibilidades.

8 REVISTA MORASHÁ i 85

Muitos de nós se acostumam com o dia, além de ganhar a liberdade, ele de nós pode ser elevado da tristeza mundo e com a vida do jeito que está. foi elevado da prisão à autoridade à alegria, do fracasso ao sucesso, Muitos são pessimistas sobre o futuro suprema. Como relatam as porções da carência à riqueza – material do mundo, especialmente à vista dos finais do Livro de Gênesis, Yossef, e espiritualmente. O conceito de recentes eventos. Muitos indivíduos após interpretar corretamente os destino é estranho ao Judaísmo: em e mesmo nações se veem presa de sonhos do Faraó, foi nomeado qualquer momento de nossa vida, círculos viciosos, e às vezes parece não Vice Rei do Egito. Consideremos, mas especialmente em Rosh Hashaná, haver saída. então: na manhã de Rosh Hashaná podemos mudar nosso destino. daquele ano, ele acordara em uma Rosh Hashaná nos ensina que nada prisão egípcia; naquela noite ele Ao recitarmos as preces neste na vida é predeterminado – e que adormeceu como o líder de facto da Rosh Hashaná, ao ouvirmos a Haftará o futuro pode ser radicalmente superpotência da época... no primeiro dia da festividade, diferente do presente. A história de relatando-nos a história de Hanna, Hanna nos faz lembrar que é possível A Torá não visa a ser um livro de levemos a sério as lições por ela não apenas uma mulher estéril História Judaica Antiga. É o modelo transmitidas. Explicamos acima conceber, mas dar à luz um profeta. para a vida de qualquer judeu: suas – e isso merece ser repetido – que A história de Hanna trata de uma histórias se aplicam a qualquer judeu. Hanna concebeu porque tinha fé completa reversão do futuro. A Torá nos conta a história de Sara, na bênção de Eli de que o D’us de Hanna e de Yossef, porque estas Israel concederia seu pedido. Nós, De fato, não foram apenas nossa se aplicam a todos nós – em Rosh também, devemos ter fé – de que se primeira Matriarca, Sara, e Hanna Hashaná, D’us se lembrou deles e fizermos um esforço honesto, D’us que foram lembradas por D’us Ele também se lembra de todos nós, nos abençoará e concederá todos os em Rosh Hashaná. Yossef, filho de Seus filhos. Por meio da oração, do pedidos de nossos corações. Yaacov, também foi lembrado em arrependimento – corrigindo nossos Rosh Hashaná. Depois de passar erros e fazendo um empenho para BIBLIOGRAFIA 12 anos em uma prisão egípcia, melhorar – da tzedaká e da prática Nevi’im Rishonim - The Prophets depois de ser acusado de um crime de boas ações – atos de santidade - The Book of Shmuel. Edição Rabino que não tinha cometido, Yossef foi e bondade – cada um de nós pode Nosson Scherman - The Artscroll Series. libertado em Rosh Hashaná. Naquele mudar o curso de sua vida. Cada um Mesorah Publications, Ltda.

9 SETEMBRO 2014 NOSSAS FESTAS

Algumas leis relacionadas com Yom Kipur

Neste ano, Yom Kipur se inicia no dia 3 DE OUTUBRO, sexta-feira, às 17:46h, e termina na noite do dia 4 DE OUTUBRO, ÀS 18:40H. .

ostuma-se fazer caparot recebendo Yom Kipur com o ato de pele (perfumes, cremes etc.), não – abate de um galo, acendimento das velas. calçar couro, não ter relações para um homem, e de É, porém, necessário antecipar o conjugais”. C uma galinha, para uma recebimento de Yom Kipur para antes mulher, no dia 9 de do pôr-do-sol. O jejum diz respeito tanto aos Tishrei de madrugada, 3 de outubro, homens quanto às mulheres, por um shochet qualificado. É costume os pais abençoarem mesmo grávidas ou amamentando. Também é possível cumprir este os filhos, pedindo que estes Só em caso de doença ou onde costume com dinheiro, doando-o sejam selados no Livro da Vida haja algum perigo à vida, o jejum para tzedacá. e que, em seus corações, permaneça pode ser suspenso (consulte seu sempre o amor a D’us. Convém rabino). As crianças de 9 a 10 É proibido jejuar no dia que precede também ir à sinagoga antes do pôr- anos podem jejuar algumas horas, Yom Kipur, mesmo se este jejum por do-sol, para poder participar do Kol e, a partir dos 11 anos, conforme Taanit Halom. É, ao contrário, uma Nidrei, a “anulação dos votos”. avaliação dos pais, podem jejuar mitzvá fazer uma refeição adicional. o dia todo. Mas o jejum torna- A refeição que antecede o jejum deve Restrições durante se obrigatório aos 12 anos, para ter pão e pratos de fácil digestão e Yom Kipur meninas, e aos 13, para meninos. ser concluída 20 minutos antes do pôr-do-sol. Bebidas alcoólicas são Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot O uso de sapato, sandálias ou proibidas. e, portanto, todo trabalho profano tênis de couro é proibido tanto deve cessar e todas as leis do Shabat para homens como para mulheres. As mulheres devem acender as devem ser respeitadas. Assim como As crianças também devem ser velas antes de ir à sinagoga, dizendo no Shabat, é proibido carregar sobre orientadas neste sentido. a bênção “Lehadlik Ner Shel Shel si qualquer objeto durante Yom Kipur. Shabat Veshel Yom HaKipurim”. Se Além de observar as leis do Shabat, Ao término de Yom Kipur, a mulher quiser locomover-se de em Yom Kipur outras cinco restrições a Havdalá deve ser feita sem automóvel ou usar o elevador antes são acrescidas: bessamim, e a Bênção da Luz deve do início de Yom Kipur, deverá, ser feita sobre uma vela que antes de acender as velas, fazer “Não comer, não beber, não trabalhar, permaneceu acesa desde o dia uma ressalva dizendo que não está não se lavar e nem massagear a anterior.

10 nossas festas

A s Quatro Espécies de Sucot e o que nos ensinam

Um dos principais mandamentos da festa de Sucot diz respeito às Quatro Espécies: Lulav, Etrog, Hadáss e Aravá. Cumprimos esse mandamento porque a Torá assim nos ordena. O fato de entendermos a razão para o seu cumprimento – e por que devemos reunir e segurar essas quatro espécies – tem importância secundária. A importância primária é a percepção de que fazê-lo é cumprir a Vontade de D’us. por Zevi Ghivelder

o entanto, a Torá nos seu tempo na sinagoga, na ieshivá e Vale ressaltar que nem todos os estimula a descobrir nas escolas – estudando e ensinando judeus personificados pelo Lulav são o significado de seus Judaísmo. Como a maior parte de iguais: um pode ser um grande Sábio n mandamentos. seu tempo, energia e recursos são e Cabalista, enquanto outro pode ser A raiz da palavra Torá dedicados a estudar e a ensinar um professor. Mas, essencialmente, é Hora’á – ensinamento. Cada a Torá, eles muito dificilmente todos eles estão engajados na mesma passagem, lei e mandamento da Torá deixarão sua Torre de Marfim para atividade: por meio de seu estudo, oferece ensinamentos atemporais e realizar um grande número de boas servem de canal para trazer à Terra a universais. ações. Pouquíssimos dentre eles têm Sabedoria Divina, ajudando, assim, a os recursos financeiros para promover difundi-la entre outros. O mandamento das Quatro Espécies grandes atos de benemerência. Muito de Sucot é um dos mais enigmáticos raramente o rabino de uma sinagoga O Hadáss – ramo da árvore de no Judaísmo. No entanto, transmite é quem a mantém financeiramente. murta – é outro elemento das muitas lições, especialmente à luz Quatro Espécies. De certa forma, dos ensinamentos do Midrash sobre É muito raro que um grande erudito é a contraparte do Lulav: um o simbolismo de cada uma das em Torá tenha os meios de fundar possui o que falta ao outro. O espécies. e financiar escolas e ieshivás, de Hadáss representa o judeu que não doar grandes somas a hospitais e tem tanta inclinação intelectual Segundo o Midrash, o Lulav – a refeitórios públicos. Muitos desses ou que simplesmente é muito folhagem fechada da palmeira, que eruditos nem passam muito tempo ocupado para passar horas a fio é a mais alta das quatro espécies – rezando: sua missão na vida é estudando a Torá. Personifica os simboliza o estudioso da Torá: o absorver o máximo possível da Torá judeus que são homens de ação: judeu que passa a maior parte de seu – a Vontade e a Sabedoria Divina líderes comunitários, jornalistas, tempo estudando os livros sagrados. – para depois transmitir o que empresários, profissionais, filantropos Essas pessoas geralmente levam uma aprenderam por meio de palestras, e ativistas. É raro encontrarmos vida isolada: passam a maior parte de livros e aulas. pessoas desse tipo que tenham tempo

11 SETEMBRO 2014 NOSSAS FESTAS

de passar muitas horas estudando com os poderes intelectuais e Por que, então, é o Aravá uma a Torá. Eles são muito ocupados espirituais de se tornarem eruditos das Quatro Espécies e por que é trabalhando ou realizando boas ações em Torá e com os recursos necessário para o cumprimento da para poderem passar dias e noite financeiros para realizar grandes mitzvá? E, ainda, por que a bênção estudando o Talmud ou mergulhando atos de benemerência. A Torá menciona o Lulav e não o Etrog? nos segredos da Cabalá. O Hadáss chama o Etrog de um belo fruto, e As respostas a essas perguntas nos é o judeu que se ocupa ajudando os pode-se compreender por que: ensinam importantes lições sobre o demais. Ele pode ser um médico que a pessoa que é tanto um estudioso judaísmo e sobre como nos devemos salva vidas, um cientista que pesquisa quanto um líder comunitário é uma relacionar com outros judeus. a cura das doenças, o soldado que bela pessoa, completa. ajuda a proteger os cidadãos de O estudo da Torá Israel ou o empresário que fornece A quarta espécie é o Aravá – e a prática de seus produtos ou serviços que melhoram um ramo folhoso do salgueiro. mandamentos nosso mundo. A maioria dos judeus Representa o judeu que não é um se enquadra nessa categoria. Não estudioso nem tampouco um líder O judaísmo é, basicamente, importa se a pessoa faz um pequeno ou benfeitor – alguém que não tem dividido em duas ramificações: o donativo mensal para os necessitados riqueza espiritual nem material. estudo da Torá e a prática de seus ou doa e subsidia sinagogas, escolas e Enquanto as três outras espécies mandamentos. Apesar de o estudo da hospitais – se é membro do governo representam judeus que possuem e Torá ser, por si só, um mandamento, de Israel ou líder de um clube judaico doam algo de si – sabedoria, riqueza ele se destaca dos demais porque local. O que importa é que a pessoa ou influência – o Aravá envolve especialmente a mente, doa seu tempo ou seus recursos em representa aquele que não dispõe enquanto os demais envolvem o benefício de outros seres humanos. desses atributos e, portanto, corpo. Quando alguém estuda necessita recebê-los de terceiros. os comentários da Torá, como os O Etrog – a cidra amarela, outra das Aparentemente, o Aravá é o oposto de Rashi, ou o Talmud, ou estuda Quatro Espécies – representa o judeu do Etrog. uma obra do misticismo judaico, é que é um erudito em Torá e um necessário fazer grande empenho homem de grandes feitos. À primeira vista, ninguém ia querer intelectual para entender bem o que Tais pessoas são muito raras, mas ser um Aravá e todos gostariam de se está estudando. Mandamentos existem. O Rabi Yehudah HaNassi, ser um Etrog. No entanto, na falta do tais como colocar os Tefilin, acender conhecido no Talmud como Rebi, Aravá, o mandamento das Quatro as velas do Shabat ou dar dinheiro foi o maior erudito de sua geração. Espécies não pode ser cumprido. a alguém necessitado não requerem Foi quem transcreveu a Mishná, Essa espécie não pode ser substituída muito esforço mental. resumo da Torá Oral. Ele também por nenhuma das outras. Podemos era o homem mais rico de Israel possuir os Etroguim mais belos e O Judaísmo sempre deu imenso e amigo íntimo do imperador um lindo campo de Lulavim e de valor ao estudo e à educação. Como romano, à época, Marco Aurélio Hadassim de onde escolher, mas se escreveu Maimônides, alguém que Antonino. Rebi passava seus dias faltar o Aravá, não podemos cumprir ensina a Torá a crianças não pode estudando e ensinando a Torá o mandamento da Torá. interromper o que faz mesmo – e ao transcrever a Mishná, se for convocado para construir garantiu que a Torá Oral nunca Deve-se notar, também, que a bênção o Terceiro Templo Sagrado de se perdesse. Ao mesmo tempo, feita sobre as Quatro Espécies Jerusalém. Não há nada mais Rebi usou sua fortuna e influência menciona não o Etrog, mas o Lulav: importante do que a educação das para melhorar a vida do Povo Judeu, termina com as palavras “al netilat crianças. Analogamente, o Talmud cujos membros viviam na Terra de Lulav”, e não “al netilat Etrog”. compara aquele que estuda a Israel sob ocupação romana. Em vista do que dissemos acima, Torá com o Cohen Gadol, o Sumo seria de esperar que o Aravá fosse Sacerdote, quando entrava no Kodesh Rabi Yehudah HaNassi foi um desnecessário para o cumprimento HaKodashim em Yom Kipur. homem singular na História Judaica, do mandamento e que a bênção fosse mas houve e há algumas pessoas feita sobre o Etrog, que representa o Há inúmeras razões para o Judaísmo extraordinárias que foram abençoadas judeu em sua totalidade. dar tanta importância ao estudo da

12 REVISTA MORASHÁ i 85

sinagoga portuguesa de amsterdã durante hoshaná rabá, gravura de bernard picart, 1725

Torá. Uma dessas razões é que sem prático. Estudamos certos assuntos do organismo: não conseguimos o conhecimento não pode haver da Torá que não têm valor prático sequer mover um dedo ou dar um ações adequadas. Isso é óbvio, não algum. E o fazemos porque, como suspiro sem nossa mente. Não apenas em questões de fé e moral, ensinam nossos Sábios e místicos, surpreende que os Cabalistas mas mesmo em assuntos seculares: a Torá não é apenas uma obra de ensinem que a mente é a sede da para ser médico, é necessário estudar autoria Divina ou um livro de leis alma humana. Mediante o estudo da Medicina; para ser engenheiro, é e ensinamentos morais: é a própria Torá, ligamos nossa faculdade mais necessário estudar Engenharia. A Vontade e Sabedoria de D’us. preciosa a D’us: fundimos nossa alma prática da Medicina ou Engenharia E como D’us é indivisível, Ele e com Sua Raiz e Essência. sem o conhecimento necessário sua Vontade e Sabedoria são unos. pode ter consequências catastróficas. Portanto, sempre que assimilamos Pode-se argumentar que a Filosofia Da mesma forma, para cumprir algo da Torá, estamos, por assim também é um tema essencialmente propriamente os mandamentos da dizer, apreendendo algo do Próprio intelectual e carente de espírito Torá – para saber o que D’us espera D’us. Como o descreve o Ba’al prático, que trata de assuntos de nós, tanto em relação a Ele HaTanya: quando compreendemos profundos. Contudo, a diferença quanto em relação aos seres humanos um tema da Torá, nossa mente se entre o estudo de Filosofia e de – precisamos estudá-los. torna interligada com D’us: a mente Torá é que o primeiro é a sabedoria humana abraça e é abraçada pela humana – se origina na mente No entanto, há uma enorme Mente Divina. Essa fusão entre a humana – ao passo que a Torá é a diferença entre o estudo da Torá e Mente Divina Infinita e a finita Sabedoria Divina. Não podemos o dos assuntos seculares. Quando se mente humana ocorre apenas por comparar a sabedoria do homem estuda Contabilidade na faculdade, é meio do estudo da Torá. com a de D’us. Fazê-lo sequer é por um propósito prático. blasfemar – é simplesmente tolice. Ademais, a mente é a maior O estudo da Torá, por outro lado, faculdade do homem. Como bem o À luz do que explicamos acima, não precisa necessariamente ser sabemos, a mente é o sistema central podemos entender por que a

13 SETEMBRO 2014 NOSSAS FESTAS

transmitindo os ensinamentos da Torá –, mas porque, como ensina o Midrash: “D’us criou o mundo para que Ele possa ter uma morada aqui embaixo”. A simples explanação dessa enigmática declaração é que D’us deseja que o homem – todos os seres humanos, não apenas o Povo Judeu – aperfeiçoe o mundo. D’us não criou o homem para que este passasse seus dias buscando prazer e entretenimento – “comer, beber e farrear” – mas, Ele tampouco quer que a maioria dos seres humanos passe toda a sua vida orando e estudando a Torá: Ele já tem miríades e miríades de anjos no Céu que o fazem. D’us criou o homem – uma criatura que é uma mistura dos Céus e da Terra – para se aperfeiçoar sucot, 1894-95. obra de leopold pilchouski. jewish museum, nova york e aperfeiçoar o mundo. E a maneira de o fazer é realizando a Vontade de D’us – cumprindo os mandamentos bênção feita antes de cumprir o Como a Torá é a Luz Divina, quanto da Torá. mandamento das Quatro Espécies mais a pessoa a estudar e ensinar, menciona o Lulav. O estudo da Torá mais estará ajudando a iluminar o Há dois tipos gerais de é a base do Judaísmo e o meio pelo mundo. De fato, a Torá é a fonte mandamentos na Torá – entre o qual o homem realiza a maior união de energia do mundo. Os místicos homem e seu Criador, e entre o possível entre sua alma e D’us. ensinam que se o estudo da Torá homem e os outros seres humanos. fosse completamente suspenso Mandamentos como colocar Tefilin, Um de nossos Sábios que por um segundo sequer, o mundo comer Matzá em Pessach e segurar personificou o Lulav foi Rabi deixaria de existir. Se, em algum as Quatro Espécies em Sucot fazem Shimon Bar Yochai. Ele foi um momento, nenhum judeu estudasse parte da primeira categoria. Os mestre tanto das dimensões a Torá, os Céus e a Terra deixariam outros, como honrar pai e mãe, exotéricas (ou reveladas) quanto das de existir. Os Sábios da Torá – os professores e idosos; ajudar os esotéricas (ou obscuras) da Torá. verdadeiros eruditos em Torá, não necessitados – financeira, psicológica Ele é um dos pilares da Lei Judaica os oportunistas e charlatões, que e emocionalmente; e realizar atos de – praticamente todos os capítulos a utilizam por motivos políticos e bondade e justiça são exemplos do do Talmud fazem menção ao seu financeiros – sustentam o mundo. outro tipo de mandamentos. nome – e ele também foi o autor do Zohar, o “Livro do Esplendor”, Isso significa, então, que D´us quer O Hadáss simboliza os judeus que obra fundamental da Cabalá. que todos os Filhos de Israel sejam se ocupam cumprindo o propósito Rabi Shimon cumpriu muitos o tipo de judeu personificado pelo Divino ao criar o mundo. Cada mandamentos da Torá, obviamente, Lulav? Considerando a suprema vez que uma pessoa cumpre um mas sua principal atividade na vida importância do estudo da Torá, mandamento, ela traz uma nova luz era estudá-la e ensiná-la. Em virtude deveríamos, então, almejar ser como ao mundo. Cada vez que um judeu de sua dedicação ímpar ao estudo da Rabi Shimon Bar Yochai? Não, cumpre corretamente o mandamento Torá, em especial às suas dimensões e não apenas pela razão óbvia – dos Tefilin, ele atrai a Shechiná – a místicas, ele revolucionou o Judaísmo porque nem todos têm a inclinação Presença Divina – tornando-se, e trouxe muita luz ao mundo – para intelectual, a capacidade e o desejo portanto, um canal para bênçãos judeus e não judeus. de passar os dias estudando e Divinas e abundância para nosso

14 REVISTA MORASHÁ i 85

mundo físico. Quando um judeu doa de si – de sua riqueza, de seu tempo, de seus talentos – para ajudar os demais, ele está transformando o mundo em um lugar melhor e mais Divino – uma morada adequada para seu Criador.

De certa forma, o Hadáss é superior ao Lulav. Este aperfeiçoa aqueles a quem consegue ensinar; o Hadáss aperfeiçoa o mundo como um todo. O primeiro tipo de judeu melhora o mundo espiritualmente, ao passo que o segundo, o melhora fisicamente. Precisamos dos dois, é claro, e é por isso que, como dissemos acima, o Judaísmo é dividido em duas vertentes principais: o estudo da Torá e o cumprimento de seus mandamentos. Uma complementa a outra. O mundo precisa de grandes mentes, mas também necessita de grandes corações. Necessita de Sábios, eruditos, místicos e professores, mas também necessita de filantropos e líderes, médicos e cientistas. O homem necessita de alimento espiritual, que é o estudo da Torá, mas necessita, também, do alimento físico, que se torna mais natureza morta, com objetos do cultojudaico. Issachar ryback. abundante à medida que mais e mais óleo e colagem sobre tela. museu de israel, jerusalém. pessoas se incumbem de melhorar o mundo.

À vista do que explicamos acima, história – um ser humano não pode deveria ser claro por que o Lulav e ser um extraordinário erudito em A maior lição do o Hadáss se auto-superam em vários Torá e um homem de grandes atos aspectos. Mas não seria o Etrog benemerentes. Exceto homens como mandamento das superior a ambos? Se este simboliza Moshé Rabenu e Rabi Yehudah Quatro Espécies: que as virtudes tanto do Lulav quanto HaNassi, um judeu não pode ser o a força do Povo do Hadáss, não deveria naturalmente maior dos Sábios e um grande líder ser a opção preferencial? Em outras de sua geração. A maioria das pessoas Judeu – física e palavras, na presença do Etrog, tem que fazer escolhas na vida: não se espiritual – depende para que se necessita do Lulav e do pode ser o Rabino Chefe e ao mesmo de nossa união. Cada Hadáss? tempo Primeiro Ministro de Israel. um de nós, judeus, A resposta é que exceto para Somos limitados pelo tempo e é absolutamente homens como o Rabi Yehudah espaço e energia: se a pessoa opta por necessário para HaNassi – e tais homens foram dedicar todo o seu tempo e energia nosso povo extremamente raros em toda a ao estudo e ensino da Torá, ela não

15 SETEMBRO 2014 NOSSAS FESTAS

terá condições de se dedicar a outras reuníssemos nove dentre os maiores pessoa arrogante. A arrogância é a coisas com o mesmo afinco. Poderá Sábios de todos os tempos, não antítese da Divindade: uma pessoa herdar uma fortuna, ganhar a loteria bastaria para formar um Minyan. que é cheia de si não deixa espaço ou mesmo investir em uma empresa Na ausência de um Minyan, a Torá para os demais – nem mesmo para e se tornar multimilionária – e, com não pode ser lida em público e as D’us. E como D’us preenche toda sua riqueza, contribuir para tornar o orações do Kadish, Barechu e Kedushá a Terra, a pessoa arrogante ocupa mundo um lugar melhor. Mas se ela não podem ser recitadas. Por outro espaços que não lhe pertencem. passa todo o seu tempo na sinagoga lado, se 10 dos judeus mais simples ou na ieshivá, não terá condições de e incultos jamais vistos se reunissem, O Judaísmo enfatiza que o conceito sair pelo mundo para melhorá-lo. estes sim, poderiam constituir um de bitul é uma marca de santidade, ao Por outro lado, aquele que segue Minyan. O que 10 judeus simples – o passo que a arrogância é um símbolo uma carreira profissional pode ser que 10 Aravot – conseguem fazer de idolatria e profanação. Como abençoado em seu estudo da Torá – – 9 Etroguim – 9 Moshé Rabenus atesta a Torá, Moshé, o maior dos pode adquirir muito conhecimento – não conseguem. Sem o Aravá, o profetas – o homem mais realizado em relativamente pouco tempo – mas mandamento das Quatro Espécies de todos os tempos, o único que é pouquíssimo provável que se torne não pode ser cumprido. falou com D’us face a face – também um grande especialista na Halachá De modo similar, se qualquer foi o mais humilde que jamais ou um místico. O Etrog é a mais segmento do Povo Judeu fosse viveu. Chama atenção o fato de que bela das Quatro Espécies porque excluído, nós nos tornaríamos um na Torá, Moshé não é chamado nada lhe falta. Simboliza o equilíbrio organismo deficiente. de o maior dos eruditos nem de o da vida: sabedoria e boas ações; melhor dos líderes, mas do homem conhecimento que leva à ação. Mas o Há outra lição fundamental que mais humilde que já existiu. Ele, o Etrog não é tão especializado quanto nos ensina o Aravá: o bitul – auto- maior de todos os homens – o Etrog o Lulav e o Hadáss, e, portanto, anulação. O Talmud ensina que supremo – considerava-se um Aravá. não é necessariamente superior às nada desagrada mais a D’us do que demais espécies. O tipo de judeu a arrogância. Nossos Sábios dizem Um judeu que é um Aravá não está simbolizado pelo Etrog pode que o Todo Poderoso pode mesmo mais distante de D’us do que quem é conhecer menos da Torá que o judeu suportar um pecador, mas não uma um Etrog, Lulav ou Hadáss. personificado pelo Lulav e pode realizar um menor número de boas Na verdade, sua humildade abre ações do que a pessoa personificada espaço para que a Luz Divina pelo Hadáss. brilhe dentro dele. Como ele não é orgulhoso de seus conhecimentos E o Aravá? Aparentemente, é nem de seus feitos, ele não é inferior às outras três espécies. arrogante, o que seria a antítese da Podemos até perguntar-nos por santidade. que é uma das Quatro Espécies. No entanto, não apenas é necessário para O Talmud ensina que Rabi Yehudah o cumprimento desse mandamento, HaNassi, Rebi, que, como dissemos mas, de certa maneira, é superior às acima, exemplificou o Etrog, era a demais três espécies, pois nos ensina personificação da humildade. Para que um judeu não necessita estudar se tornar um verdadeiro Etrog, como a Torá nem mesmo praticar os ele, a pessoa primeiro tem que se mandamentos para ser um judeu. considerar um Aravá.

O Aravá transmite um conceito As Quatro Espécies fundamental no Judaísmo: que o e a Unidade Judaica judeu não é definido pelo que ele sabe ou faz, mas pelo que é. Esse O mandamento das Quatro Espécies conceito tem ramificações práticas é uma lição de unidade judaica. sobre a Lei Judaica. Por exemplo, se O Povo Judeu não pode estar

16 REVISTA MORASHÁ i 85

completo na ausência de qualquer duas delas (Hadáss e Aravá) não das árvores frutíferas quanto das judeu – mesmo se for um daqueles dão frutos. As que dão frutos infrutíferas. que são vistos pelos outros como necessitam das que não dão e as que Aravot. Precisamos de irmãos nossos não dão frutos necessitam daquelas Essa é talvez a maior lição do que sejam Lulavim, Hadassim, que os dão… E, assim também, mandamento das Quatro Espécies: Etroguim e Aravot. Todo judeu tem quando o Povo Judeu suplica a que a força do Povo Judeu – física sua missão na Terra – tanto D’us, somente é atendido se estiver e espiritual – depende de nossa em relação a D’us quanto em unido em um único grupo, como união. Cada um de nós, judeus, relação aos demais homens e ao está escrito: “É Ele quem constrói é absolutamente necessário para mundo, em geral. Não é coincidência suas câmaras superiores nos Céus e nosso povo. Quer nos consideremos que o mandamento das Quatro fundou Seu arco na Terra” (Amos como um Lulav, um Hadáss, Espécies se aplique apenas durante 9:6). Rashi, o comentarista clássico um Etrog ou um Aravá, somos os sete dias da festa de Sucot, da Torá, explica esse verso bíblico: indispensáveis para a Nação Judaica. conhecida como a “época de nosso “Somente quando Seu grupo (o Cabe, portanto, a cada judeu júbilo”. Isso porque a unidade Povo Judeu) está unido, eles são fortalecer seus vínculos de amor judaica leva à paz e à força, que encontrados sobre a Terra”: ou seja, com outros judeus, em Israel e na por sua vez leva ao júbilo genuíno, apenas quando os judeus estão Diáspora, para que as súplicas de enquanto que a divisão e o unidos, há base para que seus pedidos nosso povo por paz, segurança desentendimento entre judeus sejam aceitos nos Céus. e sucesso possam ser aceitas nos levam a conflitos, fraqueza e derrota. Céus. Rashi vai mais longe: Em tempo de Há uma passagem no Talmud que necessidade, é declarado um jejum discute de que forma o mandamento comunitário e a eficácia do jejum BIBLIOGRAFIA das Quatro Espécies é uma expressão depende da participação unida de Rabi Menachem Mendel Schneerson - Likutei Sichot da necessidade da unidade judaica. toda a comunidade judaica – tanto O Talmud ensina (Menachot, 27a), os justos quanto os não justos – Rabi Shneur Zalman m’Liadi - Likutei Amarim (Tanya) acerca das Quatro Espécies: duas assim como o mandamento das delas (Etrog e Lulav) dão frutos e Quatro Espécies requer o produto Talmud Bavli (Menachot)

17 SETEMBRO 2014 HISTÓRIA

OPERAÇÃO SECRETA POR zevi ghivelder

Num domingo de intenso verão, dia 1º de julho de 1945, o jovem americano Rudolf G. Sonnenborn, 47 anos, providenciou a colocação de vinte cadeiras na sala de estar de sua espetacular cobertura, na Rua 57 Leste de Nova York, e que fossem preparados sanduíches e sucos para as visitas que receberia naquela manhã.

por Zevi Ghivelder

escendente de uma judeus: organizações sionistas, estavam focadas nas questões da abastada família judaica líderes religiosos, grupos de jovens, comunidade judaica americana ainda de origem alemã, líderes comunitários e filantropos submetida a surtos de antissemitismo d radicada em Baltimore, conhecidos por suas fortunas e e, só em segundo lugar, no problema ele atuava como passíveis de futuras generosidades. dos refugiados. Ben Gurion começou diretor-executivo de uma empresa fazendo referência justamente aos multimilionária do ramo do petróleo A comunidade judaica americana já seis milhões de judeus assassinados e servira como aviador da marinha tomara conhecimento do Holocausto pelo nazismo. Os principais centros americana durante a 1ª Guerra e se mostrava disposta a estender judaicos do leste europeu, disse Mundial. Os convidados para o dito toda ajuda possível aos sobreviventes ele, haviam sido dizimados e os encontro haviam sido convocados refugiados, inclusive fazendo refugiados não tinham para onde ir, através de telegramas enviados para pressão junto à Casa Branca para não havia países dispostos a abrigá- diversas cidades dos Estados Unidos a concessão de vistos. Sonnenborn los e as portas da Palestina estavam e do Canadá. Seus destinatários eram fez uma breve apresentação daquele trancadas por força do White Paper conhecidos milionários judeus. homem que lhes falaria, vindo (documento que banira a imigração da remota Palestina. As pessoas para a Palestina) emitido pelos O primeiro a chegar foi David Ben presentes estavam a par do que havia mandatários britânicos. Portanto, Gurion, então com 59 anos de idade, acontecido naquela parte do mundo, acentuou Ben Gurion, só um lugar colarinho branco aberto sobre as abas tinham conhecimento da Declaração no planeta poderia absorver aqueles do paletó, a cabeça já coberta por Balfour (documento britânico de despojados: a então Palestina, a Terra revoltos cabelos brancos. Somente o 1917 que admitia a existência de Santa, a Terra de Sion, Eretz Israel. anfitrião sabia sua origem, ninguém um lar nacional na Palestina para Prosseguiu: “Vou lhes ser sincero. Lá mais. Ben Gurion se encontrava os judeus), sabiam que milhares somos 600 mil judeus contra mais de há cerca de um mês nos Estados de judeus ali haviam estabelecido um milhão de árabes. Só poderemos Unidos, onde se dedicava dia e colônias agrícolas coletivas, os ter um Estado judaico se viermos a noite a reuniões com incontáveis kibutzim, mas suas prioridades ser a maioria.

18 REVISTA MORASHÁ i 85

Navio da Haganá, com sobreviventes do Holocausto a bordo, no porto de . 1947

Não vou entrar no mérito do certamente havia sensibilizado clandestina chamada Haganá. sionismo como doutrina ou como suas mentes e corações, acrescido Não sabíamos quando nem como movimento nacional. Preciso de um rigoroso compromisso de seríamos chamados, mas sabíamos da ajuda de vocês para termos confidencialidade. Anos mais tarde, que tínhamos que estar a postos”. o nosso país e para acolhermos Sonnenborn anotou em seu diário: nossos irmãos. Quando os ingleses “Naquele dia memorável nós fomos Um jovem judeu chamado Philip terminarem seu mandato, haverá convocados para nos tornarmos o Alpert obtivera sua graduação em um vácuo na Palestina, um vácuo braço americano de uma organização Berkeley e ganhava alguns trocados que nós precisaremos preencher. trabalhando no departamento Sei que seremos atacados pelos de engenharia mecânica daquela árabes e teremos que lutar. Para isso universidade. Em busca de uma contaremos com a Haganá, o exército situação melhor, foi para Nova York clandestino que estamos formando. onde passou a morar na casa de um Tenho muitas dúvidas sobre tudo, tio. Vasculhava os classificados dos mas também tenho uma certeza: sem jornais e encontrava oportunidades a participação de vocês, nada será de emprego em Connecticut e Nova alcançado”. Jersey, mas preferia permanecer em Manhattan. Um dia, encontrou-se Alguns dos presentes fizeram por acaso com um amigo que, perguntas a Ben Gurion, que as como ele, havia pertencido anos respondeu com absoluta clareza, antes a um grupo de jovens sionistas. mas a reunião terminou de forma Disse o amigo: “Phil, há um trabalho quase sombria. Ninguém foi que pode te interessar. É no ramo instado a declarar qual seria a sua da engenharia e tem alguma coisa a contribuição em dinheiro, mas o ver com a Palestina. É só o que eu relato do emissário da Palestina sei para te informar”. Marcaram um

19 SETEMBRO 2014 HISTÓRIA

encontro para o dia seguinte num segunda-feira”. Slavin foi categórico: apartamento perto da Grand Central “Nada disso. Você começa amanhã”. Station. Quando bateram numa Slavin alugou um apartamento com porta do 12o andar, esta foi aberta cinco quartos no número 512 da rua por um sujeito de aparência eslávica, 112 Oeste, perto da Universidade de com cara amarrada, quarenta e Colúmbia. poucos anos. Era Chaim Slavin, nascido na Rússia, que chegara à A primeira tarefa de ambos consistia então Palestina em 1924. Ali se em elaborar em papel vegetal os formou em engenharia elétrica e projetos dos quais se valeriam após a obteve emprego como responsável aquisição dos materiais necessários. pela estação geradora de energia de Usando o codinome Auerbach, Slavin . mandava telegramas semanais para a Agência Judaica informando sobre Foi atraído pela Haganá e Rudolf G. Sonnenborn o desenvolvimento dos trabalhos. encarregado por Ben Gurion para Alpert contava com fornecedores no implantar uma oficina de produção Bronx que lhe vendiam cartuchos de armas que serviriam para de mais nada precisava comprar com munições. Mas, decorrido abastecer a Haganá, trabalhando tubos de ferro e aço com os quais algum tempo, seu trabalho ficou sem levantar suspeitas dos ingleses. pretendia manufaturar morteiros. mais fácil. O governo americano Habilidoso, transformou sucatas criou um departamento chamado e peças metálicas numa linha de Ao término da explanação, o Administração de Bens de Guerra, produção com potencial industrial. jovem de Berkeley perguntou: encarregado de vender em leilão, Logo após o término da 2ª Guerra “Isto é proibido pela lei americana?” somente para empresas legalmente Mundial, foi mandado para os Slavin foi fiel à verdade. Respondeu estabelecidas, algumas de suas Estados Unidos com a missão de que a legislação dos Estados fábricas de materiais bélicos e outros adquirir maquinário destinado a fins Unidos, no tocante ao excedente suprimentos militares. bélicos: armamentos e munições de armamentos, era complexa, restantes do conflito na Europa e contraditória e imprevisível em Alpert e Slavin fizeram uma lista de no Pacífico, além de se dedicar à função dos rumos da política externa todas as empresas que participariam fabricação de armas por iniciativa do país. Assim, a atividade seria ao dos leilões e quais delas poderiam própria. Slavin não falava uma só mesmo tempo legal e ilegal. Alpert estar interessadas em revender os palavra de inglês e, com a ajuda do hesitou alguns minutos e disse: itens que tivessem arrematado e amigo de Alpert, revelou que antes “Tudo bem. Posso começar na que lhes pudessem ser úteis. Nessa tarefa, Alpert e Slavin percorreram os Estados Unidos de costa a costa, de alto a baixo, fazendo compras a preços muito mais acessíveis do que os de mercado. De posse de materiais portáteis e dos projetos bem desenhados e finalizados, eles cruzaram a fronteira para o Canadá, de onde conseguiram despachar tudo para a Palestina antes do prazo previsto.

O casal Ruby e Fannie Barnett havia comprado em 1944, num leilão federal de falência, um hotel situado no número 14 da Rua 60 Membros do primeiro curso de pilotos da Haganá. 1938 Leste. Deram um dinheiro vivo

20 REVISTA MORASHÁ i 85

como entrada e assumiram uma hipoteca no valor de 800 mil dólares, importância salgada para aquela época. Ele já tinha trabalhado como advogado e contador e ela era uma loura bonita já engajada em atividades sionistas.

Durante a guerra, quando Chaim Weizmann foi a Nova York, Fannie trabalhou como sua secretária. Assim que o prédio foi reformado, o Hotel 14 passou a abrigar hóspedes ilustres como residentes permanentes. No subsolo do hotel ficava a boate Copacabana, a mais concorrida de Nova York, frequentada pela alta sociedade de Nova York e Combatentes da Haganá. Dezembro, 1947 celebridades como o famoso jornalista Walter Winchell. Parte dos espetáculos ali apresentados guerra, ele havia estudado engenharia outra para resultados. Oficialmente, contava com dois astros: Groucho na Bélgica e regressado a Tel Aviv, dedicava-se à arrecadação de fundos Marx e Carmen Miranda. Ao piano, em 1926, quando se filiou à Haganá e mantinha um escritório na sede quem comandava o show era o e passou a chefiar as atividades da da Agência Judaica em Nova York. comediante Jimmy Durante. Certa organização na cidade de Haifa. Em Fannie atuava como sua secretária. ocasião, o hotel recebeu um hóspede 1939 foi nomeado chefe do estado Ele passava quase todo o tempo chamado Reuven Zaslani, que, por maior da Haganá, posto que manteve ditando cartas, que, de forma gentil, sua discrição e mutismo chamou durante sete anos, até ser enviado porém insistente, pediam às pessoas a atenção de Ruby. Ele perguntou para os Estados Unidos com a que honrassem as contribuições à mulher se ela sabia de quem se missão de adquirir armamentos. prometidas. As respostas eram tratava. Fannie respondeu: “Sei que desalentadoras e isto apenas veio da Palestina e parece que foi No quarto que ocupou no Hotel contribuía para que ele dobrasse a espião infiltrado nos países árabes”. 14, Dostrovsky se manteve fiel quantidade de cartas. Ao mesmo à disciplina militar a que estava tempo, criou uma série de empresas Num domingo à tarde, Ruby viu acostumado. Colou na parede um fantasmas, todas destinadas ao o misterioso hóspede se encontrar grande mapa dos Estados Unidos, transporte de refugiados, desafiando na porta do hotel com David Ben pontilhado por pinos de cores o bloqueio imposto pelos britânicos Gurion, que estava justamente diferentes: uma cor para reuniões que, depois da guerra, só haviam vindo da reunião no apartamento de e encontros reservados, outra para permitido a entrada de 100 mil Sonnenborn. Perguntou à mulher se personalidades, outra para planos e judeus na Palestina. aquela ligação com palestinos não lhes traria problemas e ela informou Os nomes das companhias eram, que, em breve, acolheriam um dos entre outros, curiosos: Caribbean mais importantes líderes da Agência Atlantic Steamship e Pine Tree Judaica, sediada em Jerusalém. Industries. Dostrovsky e Slavin se Tratava-se de Jacob Dostrovsky, reuniam regularmente no Hotel 14. cuja família havia imigrado para a Passavam em revista a situação dos então Palestina depois do pogrom armamentos e tomavam providências (massacre) perpetrado pelos russos no sentido de adquirir dezenas de em Odessa, em 1905. Depois de diferentes materiais necessários para servir na Brigada Judaica durante a a Haganá e para os pioneiros da

21 SETEMBRO 2014 HISTÓRIA

reposição fosse feita. Como se não bastasse, os ingleses desfecharam o chamado Sábado Negro, no qual prenderam todos os líderes da Agência Judaica.

Ben Gurion escapou porque se encontrava em Paris. O grupo reunido em torno da mesa intitulou- se Instituto Sonnenborn. Acertaram que eles se reuniriam ao meio-dia de todas as quintas-feiras, no mesmo hotel. Sonnenborn acentuou de forma dramática que, doravante, tudo deveria ser guardado no mais absoluto segredo porque o FBI começava a se aproximar de seus Combatentes da Haganá treinam no vale de Yizreel. Março,1948 passos. A prioridade seria a aquisição de navios de quaisquer calados para transportar armas e refugiados a par Terra Santa. Um de seus principais informava: almoço em homenagem a de uma miríade de produtos que achados na América foi um jovem Rudolf. G. Sonnenborn. sempre seriam úteis para a Haganá. engenheiro eletrônico chamado Na reunião do dia 16 de outubro Dan Fiderblum, 21 anos de idade, Desde a reunião em seu apartamento, de 1946, ficou combinado que, a morador de Yonkers, perto de Nova Sonnenborn enfatizava com seus cada quinta-feira, a soma arrecadada York. Como era muito moço para amigos e amigos dos amigos a deveria atingir a soma de 100 mil servir durante a guerra, fizera um grave situação em curso na então dólares, de modo a poderem contar curso ministrado na Universidade Palestina. Os mandatários britânicos com 1 milhão de dólares no fim do de Nova York pelo Corpo de haviam descoberto e confiscado ano. Sonnenborn insistia em dizer Sinaleiros do exército americano. em esconderijos da Haganá mais que eles não eram uma organização A pedido de Dostrovsky, o rapaz de 600 rifles, pistolas, morteiros e formal, não havia comitês, nem convocou um grupo de jovens judeus metralhadoras. Era urgente que uma comissões, nem pessoas privilegiadas talentosos, alguns veteranos do e muito menos papéis timbrados. Corpo de Sinaleiros, familiarizados Entretanto, o Instituto havia se com as mais modernas inovações transformado numa verdadeira e eletrônicas. Sua missão era fabricar operosa instituição. O último almoço o maior número possível de rádios do qual Dostrovsky participou, foi na portáteis que serviriam para a primavera de 1947. Tinha recebido comunicação entre os kibutzim e os ordens para regressar a Jerusalém e centros da Agência Judaica na então reassumir seu posto na Haganá. Palestina, operando numa frequência que não pudesse ser detectada pelos O Instituto Sonnenborn buscava ingleses. ajudas, sem cessar, em todos os cantos do país. Assim entraram Tudo funcionou a contento e foi em contato com o coronel David enviado para Jerusalém. Finda essa “Mickey” Marcus, graduado de tarefa, dias depois Ruby Barnett West Point, que servira no quartel- e Jacob Dostrovsky dirigiram-se general de Eisenhower em Londres, ao Hotel McAlpin, no centro de durante a guerra. Ele se voluntariou Manhattan. Junto à porta de um para atuar como conselheiro da dos salões, um pequeno dístico coronel david “mickey” marcus Haganá e chegou à então Palestina

22 REVISTA MORASHÁ i 85

em março de 1948. Jerusalém estava na matemática, jogos de bridge e bloqueada pelos árabes e o grande de xadrez, além de um profundo feito de Marcus foi comandar a conhecedor da obra de Bach. Ele abertura de uma estrada alternativa concordou de imediato em ser o que recebeu o nome de Burma professor dos professores na escola Road, referência a uma complicada de Bernstein, que já contava com estrada construída pelos ingleses na 60 alunos. Estes foram incumbidos Birmânia. Ben Gurion destacou-o de uma missão especial: elaborar para um dos comandos da Haganá. um código à prova de ser decifrado Certa noite, em junho, nas cercanias que servisse para a comunicação da Jerusalém já desbloqueada, entre o Instituto e a Haganá, na Marcus foi abordado à distância por então Palestina. Decorridas algumas um sentinela que a ele se dirigiu semanas, o novo código começou a em hebraico. Como não soubesse funcionar com perfeição e totalmente responder, o rapaz tomou-o por blindado. inimigo e deu-lhe um tiro mortal. yehuda arazi O corpo de David Marcus foi No dia 25 de outubro de 1947, transportado para ser sepultado faltando pouco mais de um mês em West Point. Em sua guarda para a votação sobre a partilha Assembleia Geral para a aprovação de honra se encontrava um jovem da Palestina nas Nações Unidas, da partilha. representante da Haganá chamado realizou-se no Hotel Waldorf Astoria Moshe Dayan. mais um almoço em homenagem Em seguida, apresentou um a Rudolf G. Sonnenborn. Estavam convidado especial, que vestia uma No verão de 1947, o Instituto presentes 55 convidados vindos de farda do exército inglês e falava com entrou em contato com Nahum diversos estados americanos. um impecável e sofisticado sotaque Bernstein, um dos mais respeitados O anfitrião tomou a palavra e fez de Cambridge. Era o major Audrey advogados de Manhattan. um relato referente às difíceis Ebban, mais tarde mundialmente Durante a guerra ele havia atuado atividades dos representantes da conhecido como Abba Ebban. na OSS, o serviço de inteligência Agência Judaica na sede da ONU, Este focou seu breve discurso num americano que antecedeu a CIA. então localizada em Lake Success, ponto fundamental: se a partilha Ele compareceu a um dos almoços perto de Nova York, no sentido de não fosse aprovada, não haveria das quintas-feiras e fez amizade conseguir dois terços dos votos da um Estado Judeu. Informou que os instantânea com Sonnenborn, que lhe disse: “Precisamos de uma pessoa como você para uma tarefa que ninguém é capaz de executar nos Estados Unidos”. Essa tarefa consistia em criar uma espécie de escola que ensinasse sistemas de códigos e a difícil habilidade para elaborar e decifrar mensagens criptografadas.

Bernstein encontrou obstáculos para encontrar judeus especialistas naquelas matérias. Acabou entrando em contato com um antigo colega da OSS, Geoffrey Mort-Smith, cristão evangélico que se dizia descendente de índios. Era um gênio na criptografia e também Membro da Haganá lendo as notícias no transmissor ilegal. 10 de abril de 1948

23 SETEMBRO 2014 HISTÓRIA

seduzir as pessoas, além de ser um incomparável coletor de doações. Coube-lhe também o encargo de ampliar os contatos da clandestina Haganá na América Latina. No Brasil, seu representante era um judeu de origem polonesa-alemã chamado Menashe Shepitsky, de quem fui amigo. Certa madrugada, Teddy precisava mandar um envelope com alguns milhares de dólares para o capitão de um navio de bandeira panamenha ancorado em Nova York. Olhando pela janela de seu quarto, percebeu um carro estacionado perto do hotel que, com certeza, era do FBI e seguiria qualquer pessoa que saísse do hotel àquela hora. Desceu, então, até a boate Copacabana e Estados Unidos e a União Soviética armas eram embaladas sob diferentes pediu a um jovem cantor que ali se se mostravam a favor da partilha, disfarces. Mesmo assim, Arazi não apresentava, seu conhecido, e pediu- mas era preciso conquistar os votos desistiu e foi dando voltas por cima. lhe que levasse o envelope até seu de pelo menos 23 países. Portanto, destino. O rapaz aquiesceu e, após os presentes, donos e diretores de Em seguida, registrou-se um novo o fechamento da boate, dirigiu-se empresas multinacionais, deveriam hóspede no Hotel 14, chamado sem ser seguido ao cais do porto estender seus contatos mundo Teddy Kollek, nascido em Budapeste, e entregou a encomenda. Ele se afora para obter o engajamento dos criado em Viena, e um dos pioneiros chamava Frank Sinatra. governos aos quais tinham acesso. fundadores do kibutz Ein Guev, às margens do Mar da Galileia. Um dos mais valiosos colaboradores Àquela altura, hospedou-se no Teddy já possuía vasta experiência da Haganá em Nova York foi um Hotel 14 mais um jovem palestino em tratativas internacionais e, judeu chamado Adolf Schimmer, chamado Yehuda Arazi. Seguindo inclusive, negociara diretamente fisgado por Teddy Kollek. Al, como instruções diretas de Ben Gurion, a com Eichmann, durante a guerra, era chamado, 30 anos, servira em ele competiria a tarefa de adquirir a libertação de mais de 1.000 bombardeiros durante a guerra como determinados tipos de armamentos judeus húngaros. Ele tinha uma piloto e engenheiro de vôo, e depois que até então eram indispensáveis e vocação inata para fazer amigos e como comandante nas linhas aéreas faltavam à Haganá. No decorrer de TWA. Depois da partilha, Arazi sua missão secreta, Arazi usou vários foi ao seu encontro e deu-lhe uma nomes: Joseph Tenembaum, José de vultosa quantia em dinheiro para la Paz, rabino Leflowitz, Dr. Scwartz, a aquisição de aviões de quaisquer Dr. Oppenheim e Albert Miller. espécies. O novo país não poderia Seu êxito foi notável nessa tarefa, sobreviver sem uma força aérea, por sobretudo no suborno de capitães mais limitada que fosse. Na fábrica de navios mercantes de inúmeras da empresa Lockheed, localizada nacionalidades, que transportavam os na Califórnia, Al descobriu quinze armamentos para a então Palestina. aviões do tipo Constellation, todos Tudo ficou ainda mais complicado paralisados no solo como excedentes quando os Estados Unidos, após a de guerra e necessitando alguns aprovação da partilha, declararam reparos de peças e manutenções. um embargo para as exportações Como fachada, criou uma empresa para a Palestina, cientes de que as Reuven Zaslani “Shiloah” chamada Schwimmer Aviation e

24 REVISTA MORASHÁ i 85

outra, meses mais tarde, a Service Airways. O primeiro avião que comprou foi um DC-3 e depois quatro aeronaves Curtiss-46.

Finalmente, depois de incontáveis idas e vindas, conseguiu adquirir quatro Constellations e, com a ajuda de amigos veteranos de guerra, pilotos e mecânicos, voou todos eles até a então Palestina sem apresentar os necessários planos de voos às autoridades. Enquanto isso, sob o beneplácito da ex-União Soviética que queria ver as potências ocidentais fora do Oriente Médio, o Estado de Eliezer Kaplan, com Moshe Shertok-Sharett e David Ben-Gurion sentados, e Zeev Sharef de pé, na assinatura da Declaração da Independência de Israel, Israel comprou na Checoslováquia no Museu de Tel Aviv, 14 de maio de 1948 tudo que precisava em matéria de armamentos. Agora, sim, o novo país teria condições militares para Chaim Slavin não quis participar do primeiro chefe do Estado-Maior das enfrentar os invasores árabes. primeiro governo de Israel, alegando Forças de Defesa de Israel. Morreu não suportar a burocracia. Tornou-se em 1973. Com a estabilização de Israel, Rudolf industrial de uma empresa de casas G. Sonnenborn deu por encerrada pré-fabricadas. Morreu em 1980. Yehuda Arazi abandonou as sua missão na Haganá e passou a atividades militares e estabeleceu um presidir a representação dos Bônus Daniel Fliderblum foi viver em hotel tipo resort de pouco sucesso. de Israel nos Estados Unidos. Israel, onde mudou o sobrenome Morreu em 1959, sem obter o Aposentou-se de suas atividades para Avivi. Foi um proeminente reconhecimento que merecia. comerciais e morreu em junho de engenheiro no campo da eletrônica. 1986. Teddy Kollek, antes de chegar ao Nahum Bernstein voltou a praticar Hotel 14, atuara como representante O misterioso Reuven Zaslani a advocacia em Nova York e deu da Agência Judaica na Europa. hebraizou seu nome para Reuven sucessivas palestras para os serviços Serviu na embaixada de Israel em Shiloah. Representou Israel em americanos de inteligência. Foi Washington. Voltou para Israel em Rhodes, em 1949, nas negociações presidente do Fund, nos 1952, trabalhando como chefe de com parte dos invasores árabes. Foi Estados Unidos. Morreu em 1983. gabinete do primeiro-ministro até diretor-geral do primeiro Ministério 1964. No ano seguinte, foi eleito das Relações Exteriores de Israel, Al Schwimmer emigrou para Israel, prefeito de Jerusalém, cargo que embaixador em Washington e onde atuou durante 24 anos como manteve durante 40 anos. Morreu aos também diretor do serviço de diretor da Israel Aerospace Industries. 95 anos de idade, em janeiro de 2007. inteligência Shin Bet. Morreu em Por ter contrabandeado aviões 1959. para fora dos Estados Unidos, foi David Ben Gurion, profeta do povo processado pelo FBI e teve cassada de Israel, morreu no dia Phil Alpert implantou uma indústria sua cidadania americana. Recebeu um 1º de dezembro de 1973. de máquinas pesadas nos Estados perdão especial no fim do mandato Unidos e só esteve em Israel como do presidente Clinton. Recebeu o turista, onde pôde ver de perto Prêmio Israel em 2006 e morreu em BIBLIOGRAFIA as instalações da indústria bélica 2011, aos 94 anos de idade. “The Pledge”, de Leonard Slater, Editora de Israel, que começara, com sua Simon and Schuster, EUA, 1970. participação, naquele apartamento Jacob Dostrovsky hebraizou seu em Manhattan. nome para Yacov Dori e foi o zevi ghivelder é escritor e jornalista.

25 SETEMBRO 2014 ARTE

ALEXANDER BOGEN, RESISTÊNCIA COM ARMAS E TINTA

POR REUVEN FAINGOLD

Experimentar sons, tatear e sentir o gosto da obra artística ao limite, transbordar tensões e mergulhar nas sensações do mundo à sua volta, todas estas experiências fazem de Alexander Kazenbogen uma figura ímpar. Só um artista que se dispõe a abraçar a arte e respirá-la até seu último suspiro consegue aventurar-se por diversos sentimentos, mesmo que estes sejam momentos de extremo perigo e dor.

VIDA DE PARTISAN antissemitas entre os partisans da de Vilna antes que fosse totalmente resistência antinazista (especialmente destruído. Foi precisamente nessa Alexander (Shura) Katzenbogen entre russos, estônios e bielorrussos), época que Alexander Bogen (1916-2010) nasceu em Durpat, na Bogen conseguiu formar um seleto conheceu o combatente Abba Estônia, e cresceu em Vilna, cidade grupo de 30 combatentes judeus, Kovner (1918-1987), uma figura conhecida na história judaica como a denominado “Nekamá”, que em central na heroica revolta do gueto “Jerusalém da Lituânia”. Filho de um hebraico significa “vingança”. de Vilna. casal de médicos, pelo lado materno Alexander era neto do rabino Tuvia O objetivo desses judeus era vencer Os dois combatentes tiveram de Wolkovysk, um erudito da Torá as treinadas forças alemãs da duas formas diferentes de avaliar e personalidade destacada entre os Wehrmacht. O grupo “Nekamá” a maneira em que deveriam lutar 55 mil judeus que constituíam a era responsável por ações especiais, contra os alemães em Vilna. Para comunidade de Vilna no início do como dinamitar vias férreas por , desde o início havia século 20. Desde cedo frequentou a onde passariam comboios repletos que realizar ataques em grande Universidade de Vilna, aprendendo de soldados, causar sabotagem nas escala, mesmo que a revolta resultasse os rudimentos da pintura e da encomendas de armas direcionadas em inúmeras baixas, um verdadeiro escultura. aos nazistas, contrabandear alimentos “al Kidush Hashem” (Santificação e disseminar a informação nos guetos em Nome de Deus). Já Alexander Com 23 anos, no começo da sobre o extermínio em massa de Bogen argumentava que a ideia de 2ª Guerra, Alexander Bogen, judeus. Kovner era impraticável, pois não nome que adotou, juntou-se aos havia forma de combater (muito “partisans”, guerrilheiros das florestas Por volta de 1943, durante o menos de vencer) os nazistas com que circundavam o lago Naroch, atribulado período da 2ª guerra, armas primitivas e escassas. Portanto, localizado nos frondosos bosques da Bogen serviu como comandante seria necessário ir até as florestas Bielorrússia, a 200 km de Vilna. Ao chefe de uma unidade, auxiliando para obter armas melhores e poder encontrar preconceito e provocações no transporte de judeus do gueto enfrentá-los. Encerrada a guerra,

26 REVISTA MORASHÁ i 85

Partisans, judeus. óleo. 1981

ambos emigraram da Europa para do espaço. Seu traço forte, muitas Israel, cultivando uma forte amizade. vezes nervoso, vai-se unindo às partes Abba Kovner se tornou um grande mais sensíveis e poéticas. Suficiente poeta e, por sua rica obra literária lembrar que este artista judeu criou, relacionada com o Holocausto, num ambiente de guerra, sofrimento recebeu em 1970 o Prêmio Israel de e sobrevivência, como forma de Literatura. valorizar ainda mais sua obra.

Entre os anos 1939-1942, Bogen Encerrada a guerra, em 1945, colocou em seus desenhos aquele Alexander Bogen retorna à olhar forte e característico que Universidade e, dois anos depois, nascia a partir da simples observação completou seus estudos de arte; da vida de seus companheiros e torna-se professor titular na Escola colegas guerrilheiros, momentos de Estudos Avançados em Artes de de tranquilidade de dor e luta. Lodz, na Polônia. Surpreendentemente, ele achava pedaços de papel largados no meio Em 1951, Bogen, sua esposa da floresta, pedaços de embrulhos, Rachel (Rela) e seu filho pequeno, outros ainda queimados e pedaços Michael, emigram para o jovem de carvão das fogueiras que utilizava Estado de Israel, ainda incipiente. Lá, para desenhar. o combatente sobrevivente continuou seu trabalho como artista e professor Seus traços são fluidos e intensos, na Universidade Hebraica de mostrando quase sempre uma Jerusalém, inspirando-se em pintores dramaticidade única, revelando, no clássicos como Henri Matisse, desenho, pleno conhecimento do uso Marc Chagall e Pablo Picasso. ALEXANDER BOGEN em israel

27 SETEMBRO 2014 ARTE

Entre os anos 1969-1981, escritos por colegas combatentes ou assumiu o cargo de “Diretor pessoas que o conheceram. Nesses da Associação de Pintores e textos memoriais fica bem clara a Escultores de Israel”. Em vida, perspectiva de seu processo criativo e recebeu numerosos prêmios: a visão de mundo também retratada em 1950, o “Prêmio do Governo em sua arte. da Polônia”; em 1961, o “Prêmio Histadrut” (Confederação Geral Um dos depoimentos mais bonitos dos Trabalhadores); em 1962, a ser lembrado é o do sobrevivente o “Prêmio do Ministério da Itzhak Rudnicki, depois conhecido Educação”; 1983, o “Prêmio como General Itzhak Arad, Neguev”, e, em 1992, o “Prêmio Diretor do Museu , em Sholem Aleichem”. Jerusalém, entre 1972 e 1993. Dez Alexander BogeN, comandante da unidade Nekamá. anos mais jovem que Bogen, Arad Em 9 de abril de 2008 foi confessa: “Durante o Holocausto, inaugurado um “Monumento aos Alexander Bogen serviu comigo Partisans” na localidade de Latrun, pensador de uma resistência judaica na unidade militar. Ele foi um de autoria de Alexander Bogen. embrionária que surgia nas florestas guerrilheiro das florestas e um Catálogos com suas principais da Europa. comandante dos guerrilheiros. obras foram publicadas pelo Kibutz Apesar de todos os deveres “Lochamei Haghetaot”, Museu de Infelizmente, a obra “Revolta” não encomendados e as funções a ele Yad Vashem e Museu do Holocausto informa as datas de suas gravuras, impostas, jamais esqueceu sequer por de Washington. portanto fica extremamente difícil um minuto que era um artista. Nós determinar quando foram realizadas, (os partisanim) nunca conseguimos A OBRA “REVOLTA” se durante a 2ª Guerra ou já em entender como ele conseguiu, Israel. As diversas técnicas e os naquelas condições, literalmente a Alexander Bogen detém uma nomes dos desenhos, sim, aparecem partir do nada, produzir os materiais produção artística norteada por no livro. Além dos trabalhos, para seu trabalho. Tudo é um enigma uma força retirada do próprio existem também trechos literários para nós, (especialmente) o que o âmago, é um artista cru e verdadeiro. inspirou a produzir aqueles esboços Transmite ao apreciador de sua relâmpagos, mesmo em momentos arte algo notável e essencialmente de perigo ou no meio da ação contra inspirador. Todas estas afirmações o inimigo”. aparecem claramente em seu livro “Revolta”, em hebraico, VIVÊNCIAS DE CINZAS “Mered”, uma obra na qual reflete profundamente sua função de O que chama a atenção na arte de comandante e artista, de lutador e Bogen são as precárias condições de herói da resistência judaica contra os trabalho que tinha à sua disposição. nazistas. Se muitas vezes é difícil criar trabalhos artísticos e deixar fluírem O livro de Bogen traz vários as sensações em um confortável desenhos a carvão, nanquim, gravuras ateliê, ou em algum lugar com uma de metal e outras tantas técnicas estrutura física boa, o que dizer de artísticas, todos eles produzidos no produzir em tempos de guerra, de decorrer da 2ª Guerra Mundial. movimentação e deslocamentos Trata-se de uma artista plástico permanentes. Borgen nutria uma que não se contentou apenas em vontade enorme de desenhar a acalentar ideais poéticos de liberdade, partir de suportes simples, sem Kovner discursa aos membros da mas teve um papel fundamental Haganá no Kibutz Yad Mordechai, nenhuma opção de escolha ou como comandante, combatente e 17 de maio de 1948 ideia preconcebida. Praticamente,

28 REVISTA MORASHÁ i 85

criou uma arte própria com base no seu fôlego de batalha, sua aura de desbravador em meio a um caos assumidamente dilacerante.

Outro ângulo que certamente desperta nosso interesse é a cumplicidade de Bogen com o aspecto processual de seus trabalhos, encarando a traumática vivência da 2ª Guerra Mundial em fusão permanente com sua intrínseca expressão pictórica. Ele não se limitou apenas a pintar em momentos de descanso, mas também em situações de confronto e luta. Como já disse Arad, para serem retratadas, muitas dessas situações, Partisans judeus. Tinta em papel, 1943 “não possuíam o menor respiro de tranquilidade e, mesmo assim, Bogen retirou das profundezas de imagens de homens em situações Varsóvia) ou guerrilheiros em fuga seu coração artístico força quase variadas, ele retratou aquela cidade rumo às florestas da Europa. Seus tátil para poder transformar aquelas judaica que não existe mais”. trabalhos, mais especificamente vivências em arte”. as gravuras, retratam edifícios e As telas de Alexander Bogen fachadas de sua querida Vilna. A Encerrada a 2ª Guerra Mundial, não evocam somente o “partisan forte caracterização da angústia e os trabalhos artísticos de Bogen, a judeu” (perfil similar aos irmãos do sofrimento subsistem no traço maioria deles expostos no Kibutz Bielski), o combatente do gueto caótico dessas representações, “Lochamei Haghetaot” e no “Museu (perfil de Mordechai Anilevich, em pulsando diretamente no cuidadoso de Arte de Yad Vashem” continuam olhar do espectador, segurando a evocar traços de maior segurança, velhos vestígios de um vilarejo em vestígios de um olhar sumamente ruínas com poucos monumentos crítico diante da devastação e das arquitetônicos que sobreviveram. São atrocidades causados pela guerra. prédios e construções que emergem O artista judeu é, sem sombra de de um emaranhado de linhas dúvida, uma figura que surgiu das como manifestos de resistência e cinzas de um conflito, e como tal perseverança em meio à destruição decidiu repensar e filosofar seu ocasionada pela guerra lugar no mundo, codificando sua sensibilidade através de linhas, O artista possui uma plasticidade manchas e, sobretudo, muito suor. única e uma posição bem nítida em relação a seu processo artístico, que Existe outro depoimento, desta vez podem ser facilmente vinculados a do sobrevivente Yehuda Leib Bialer, trabalhos de outros artistas, como que nos remete a aspectos centrais da William Kentridge e Lasar Segall. obra de Bogen: “Ele (Bogen) estava Tanto o lituano Segall como o sul- imbuído com o espirito de Vilna. Por africano Kentridge sustentam suas ela lutou e pelo bem dela completou obras através de aspectos incisivos sua missão artística, enquanto de suas vidas para logo desenhar mantinha a fé em seu lado mais e demarcar suas aflições e paixões humano e judeu. Além de pintar Bogen e sua esposa Rachel, Israel em determinado período, gerando

29 SETEMBRO 2014 ARTE

Ele escreve: “Recentemente, tenho indagado muito acerca do motivo pelo qual desenho, mesmo havendo combatido dia e noite. Há aqui algo intimamente relacionado com a continuidade biológica. Cada ser humano, cada povo, precisa vivenciar isto uma vez... Ser criativo durante o Holocausto era também uma forma de resistir. Cada homem que se encontra frente a frente com seu inimigo, cruel e perigoso, age de forma pessoal. Assim, o artista tem seu próprio caminho para agir, pois essa (arte) é sua própria arma. Isso nos ensina porque os alemães não conseguiram destruir nosso espírito”.

Alexander Katzenbogen morreu em 2010 e hoje está enterrado no cemitério judaico de Kyriat Shaul, em Tel Aviv. Este artista colocou sua vida em sua arte de forma explícita, sem máscaras, e isso é o que faz dele um verdadeiro sobrevivente, não A deportação. óleo, 1996 apenas da 2ª Guerra, mas também do mundo artístico em geral.

“Tenho indagado experiências artísticas próprias e muito acerca do reutilizando características pictóricas BIBLIOGRAFIA e poéticas em seus trabalhos Bogen, Alexander, Revolt. Publicado por motivo pelo qual plásticos, tal qual Bogen fez no Yehuda Leib Bialer, Jerusalém, 1974 desenho, mesmo período da 2ª Guerra Mundial. Blater, Janet & Milton, Sybil, Art of . Ed. Pan Books. Londres , 1982 havendo combatido Independente de qualquer tipo Constanza, Mary S., Living Witness: Art in dia e noite (....) Ser de posição política, é inegável que the Concentration Camps and Ghettos. The Free Press. Nova York, 1982 criativo durante o Alexander Bogen tem sido um artista excepcional, infelizmente Norvitch, Miriam, Resistenza Spirituale Holocausto era pouco conhecido dentro do cenário (Spiritual Resistence 1940-1945: 120 também uma forma artístico. Tive a grande felicidade de Drawings from Concentration Camps poder estudar sua produção através and Ghettos). The Commune of Milan, de resistir”. de trechos do livro “Revolta”; uma Milão,1979. obra ímpar tanto pela força de seu Alexander Bogen nome como pelo seu rico conteúdo. Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História Judaica pela Durante a pesquisa encontrei uma Universidade Hebraica de Jerusalém. frase de Alexander Bogen que me É sócio fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e membro marcou profundamente e resume do Congresso Mundial de Ciências a verdadeira essência de sua arte. Judaicas de Jerusalém.

30 música

Enrico Macias, símbolo da música árabe-andaluz

Uma notícia apareceu com destaque na mídia israelense nos últimos meses: a decisão do cantor Enrico Macias de emigrar da França para Israel. O ícone da música árabe-andaluz anunciou suas intenções em uma entrevista à emissora israelense Canal 2, dizendo que o crescente antissemitismo na Europa está por trás desta mudança.

m Israel, me sinto livre, que, em 1985, concedeu-lhe a apoio às tropas israelenses. eu me sinto em casa. Legião de Honra do país. Em 1997, Ao longo de sua carreira, Macias Há muito tempo queria foi indicado pelo Secretário Geral apresentou-se mais de 40 vezes em e partir, mas sinto que das Nações Unidas, Kofi Annan, Israel, levando às lágrimas muitos agora chegou o momento. como Embaixador Mundial para que, através de suas canções, reviviam Acredito que o antissemitismo na a Paz e Proteção das Crianças. momentos felizes de seu passado França crescerá e que devo ensinar Em novembro de 1981, o então nos países árabes dos quais foram algo aos meus filhos e netos. Então, secretário geral das Nações Unidas, obrigados a partir. darei o exemplo de partir para viver Kurt Waldheim, concedeu-lhe o em Israel”, ressaltou o artista. título “Cantor da paz”, após Macias Após 1948, como consequência ter doado os royalties da canção da fundação de Israel, da guerra Internacionalmente consagrado “Malheur à celui qui blesse un deflagrada pelos países árabes contra e intensamente aplaudido nos enfant” para a Unicef. o Estado Judeu e do recrudescimento palcos europeus, na América do das perseguições, centenas de Norte, na antiga URSS e no Japão, Sua posição de apoio a Israel vem milhares de judeus do Egito, Síria, entre outros, Enrico Macias tem de longa data. Em 1973, durante a Iraque, Argélia, Marrocos, Iêmen e transmitido em suas canções uma Guerra de Yom Kipur, cantou para Tunísia deixaram seus respectivos mensagem universal de paz e os soldados nas frentes de batalha países. Partiram para Israel; outros solidariedade entre os povos. O disco e atravessou o Canal de Suez com para a Europa, Estados Unidos e “Oranges amères” lançado em 2003 e alguns batalhões. Em 1978, foi América do Sul. Deixaram para produzido por seu filho, Jean-Claude convidado pelo então presidente trás recordações, séculos de história Ghernassia, é fruto desse universo Anuar el-Sadat a fazer um show aos e um valor incalculável em bens que, justamente, é o que nele a todos pés das pirâmides para celebrar o individuais e comunitários. encanta e seduz. acordo de paz assinado com Israel. Em 2006, recebeu uma medalha Embora consagrado como um dos Sua atuação em prol da paz foi especial do então ministro da Defesa grandes artistas internacionais da reconhecida pelo governo da França, de Israel, Shaul Mofaz, pelo seu música andaluz, Macias jamais

31 SETEMBRO 2014 música

abandonou suas raízes argelinas, e ela, 13. Suzy sofria de problemas irmão, o pai lhe pediu para tocar algo nunca perdeu a sua simplicidade e cardíacos e, aos 18 anos, submeteu- para os convidados. Acompanhado o sorriso fácil e sincero que cativou se à primeira cirurgia cardiovascular por Cheikh Raymond, bastou que tantos amigos e público, sendo realizada em Paris. Apesar de ter começasse a dedilhar o violão para o porta-voz de todo um povo sido alertada pelos médicos de revelar seu talento. Ao final do desarraigado da África do Norte que não poderia engravidar, ela dueto, impressionado com o jovem, durante a década de 1960. conseguiu dar à luz uma menina e o mestre do maaluf o convida para um menino, enfrentando grandes integrar sua prestigiosa orquestra. Sua vida adversidades. Em 23 de dezembro de 2008, Suzy faleceu, após longa Em 1956, após terminar seus No dia 11 de dezembro de 1938, enfermidade. estudos, candidatou-se ao cargo nascia em Constantina, na Argélia, de professor em uma escola, pois a em uma tradicional família judaica, A música maaluf ou andaluz, tocada música não parecia ter futuro. Como Gaston Ghernassia, que, décadas em instrumentos tradicionais, é as escolas precisavam de professores, mais tarde, seria consagrado como a forma mais comum da música foi contratado, mas jamais deixou de Enrico Macias. As tradições e oriunda da Andaluzia, na Espanha, tocar. valores judaicos eram cultivados e chegou à Argélia no século 15, por seus pais – a mãe descendia de logo após a expulsão dos árabes A realidade da Argélia harmoniosa, uma boa família de judeus locais, daquele país. Desde sua juventude, onde católicos, judeus e muçulmanos enquanto os familiares de seu pai “Gaston-Enrico” tocava violão e compartilhavam a mesma terra, vinham de Granada, na Andaluzia. A logo passou do violão à harmônica. estava acabando. Começava uma música fez parte da sua vida desde a Sua musicalidade era um dom era de instabilidade política. O infância, pois seu pai era violinista da e costumava dizer: “Em termos movimento Frente Nacional de orquestra do grande mestre Cheikh musicais, eu poderia ser comparado Libertação (FLN), fundado em Raymond Leyris, uma das mais a um homem que fala muito 1954 por Ahmed Ben Bella, lutava representativas da mais pura tradição bem, mas não sabe escrever. Tudo pela independência do país, que era musical do maaluf, canto tradicional brotou por intuição”. Aos oito anos colônia francesa há mais de 130 árabe-andaluz. Anos mais tarde, o aprendeu sozinho a tocar mandola, anos. Foi criado na mesma época jovem Gaston casa-se com Suzy, tipo de bandolim. Seu pai, querendo o Exército de Libertação, braço filha do grande mestre. preservá-lo das dificuldades da armado da FLN. Inicia-se a Guerra profissão, preferiu não ser seu mestre. de Independência (1954-1962), que Sua história de amor com Suzy Mas ele tocava escondido. Até que, acaba sendo prolongada e muito começou quando ele tinha 15 anos aos 12 anos, no Bar-mitzvá de seu sangrenta, em virtude da resistência dos colonos franceses, os Pieds Noirs, senhores das melhores terras.

Entre as vítimas do conflito estava Cheick Raymond que, no dia 22 de junho de 1961, fora assassinado de forma selvagem em Constantina. Naquele momento, o jovem Gaston se deu conta de que a única alternativa para ter um futuro era o exílio na França. Chegava ao fim uma era de calma e tranquilidade para os judeus argelinos. No mesmo ano, Gaston embarca com a esposa, Suzy, na companhia de toda a sua família e amigos no navio Ville d’Alger, que os levaria à França. Deixar a Argélia foi um duro golpe

32 REVISTA MORASHÁ i 85

para uma comunidade que tinha ano do nascimento de sua filha Jocya A década de 1960 foi uma construído a vida na África, ainda (o filho Jean-Claude nasceria pouco verdadeira roda-viva de gravações e que suas raízes estivessem na Europa. depois). Em 1964, Gaston adota turnês. Em 1968, foi intensamente definitivamente o nome artístico aplaudido no Carnegie Hall, em Ao chegar a Paris, Gaston decidiu de Enrico Macias, apresenta-se no Nova York, Chicago, Dallas, Los apostar na carreira musical. Como Teatro Olympia e conquista um Angeles e outras cidades dos uma criança prodígio da música sucesso fenomenal com hits como EUA e Canadá. Entre os prêmios maaluf, resolveu adaptar o estilo ao “Enfants de tous pays”, “Les filles de acumulados ao longo de sua carreira gosto do público francês, traduzindo mon pays” e “La musique et moi”. estão o Disco de Outro pelo álbum partes das músicas que conhecia para Começam também as intermináveis “Melisa”, que incluiu o sucesso o francês, mas não ficou satisfeito turnês ao redor do mundo. “Malheur à celui qui blesse un com as versões. Então construiu um enfant”. Em 1978, foi convidado repertório baseado em suas próprias Embora seus primeiros fãs tenham pelo presidente Anuar El-Sadat a experiências. Mas, enquanto o sucesso sido os “Pés Negros”, que se se apresentar no Egito, como vimos não vinha, aceitou vários trabalhos identificavam com as canções de acima. Um momento marcante para tocando e cantando em cafés. Macias, também cativou o público Enrico Macias, banido dos países mais amplo e suas canções passaram árabes durante anos. Ele foi contratado pela d’Or em a ser cantadas por todos. Em 1965, 1962. Gravou seu primeiro disco recebeu o Prêmio Vincent Scotto Ao longo de décadas, Macias com a canção “Adieu mon pays”, que e compôs a canção “Les Gens du escreveu um capítulo importante compusera no navio quando saía Nord” e “Non, je n’ai pas oublié”. da história dos judeus forçados ao da Argélia. Em outubro do mesmo No ano seguinte, apresentou-se para exílio. Através de suas canções, revela ano, aparece em um programa de uma plateia de 120 mil pessoas no a trajetória comum de milhares de televisão sobre os expatriados da Dinamo Stadium, em Moscou, e em judeus que, mesmo reconstruindo Argélia, “Cinq colonnes à la une”, e, outras 40 cidades soviéticas. Sucesso suas vidas em outras paragens, jamais a partir de então, é o início da fama. após sucesso, ele gravou, também, em arrancaram de seu coração seus Faz a sua primeira turnê em 1963, espanhol e italiano. países de origem.

33 SETEMBRO 2014 ATUALIDADE

Tempos difíceis para os judeus da Ucrânia

Não é a primeira vez, em sua história longa e turbulenta, que a Ucrânia é palco de sangrentas lutas, nem a primeira em que se defronta com uma guerra civil ou que enfrenta a Rússia em questões territoriais. Tampouco é a primeira vez que a população judaica do país se vê em meio a uma feroz disputa de poder entre Kiev e Moscou.

NONONO

o passado, as lutas internas foram desastrosas A crise que está dilacerando o país e preocupando para os judeus, pois, além do antissemitismo o Ocidente teve início em 21 de novembro de 2013, estar no DNA da Ucrânia, a violência contra quando protestos espontâneos irromperam na capital, n os judeus sempre tende aumentar em épocas Kiev, após Viktor Yanukovych, presidente ucraniano conturbadas. Simon Wiesenthal disse, certa de etnia russa, ter sustado os preparativos para a vez, que “onde a democracia é forte, é bom para os judeus, assinatura de um Acordo de Associação e de um e onde é fraca, é mau para os judeus”. Acordo de Livre Comércio com a União Europeia, em favor de relações econômicas mais estreitas com Hoje vivem na Ucrânia cerca de 70 mil judeus praticantes a Rússia. A violência das forças do governo na e entre 300 e 400 mil ucranianos têm origem judaica. repressão das manifestações levou um número A pergunta que paira é o que eles vão fazer perante crescente de manifestantes às ruas – chegando a questão da Ucrânia versus Rússia. O Rabino Chefe a 800 mil na primeira semana de dezembro. Os protestos de Odessa, Abraham Wolff, diz que os judeus estão foram alimentados pela crise econômica, a falta de divididos sobre essa questão, assim como a comunidade emprego e a corrupção generalizada em todas as esferas mais ampla. do governo.

Conflito interno Inicialmente conduzida por estudantes universitários, a Euromaidan, como passou a ser chamada, acabou Para entender a crise ucraniana, é preciso lembrar que reunindo amplos setores da população ucraniana, a Ucrânia é um país dividido tanto do ponto de vista inclusive elementos de direita, de extrema-direita e étnico quanto cultural. A população da Ucrânia do Sul e simpatizantes do fascismo e do nazismo. Oriental têm maioria russa, fala russo e tende a ser pró- Moscou. Já a da Ucrânia Central e Ocidental é ucraniana, São numerosos os membros do partido ultranacionalista nacionalista, fala ucraniano e, desde que o país se tornou Svoboda1 e da coalizão de grupos neonazistas, independente, em 1991, com o fim da União Soviética, denominada Setor Direita. Líderes desses partidos têm deseja fazer parte da União Europeia. expresso abertamente suas ideias antissemitas.

34 REVISTA MORASHÁ i 85

1 2 3

4 5 5

Em fevereiro deste ano de 2014, o presidente e cidades de maioria russa também manifestaram sua Viktor Yanukovich é removido do poder, assumindo um intenção de se separar da Ucrânia. Separatistas pró- governo de coalizão que inclui grupos pró-Europa e de Rússia acabam criando áreas autoproclamadas como extrema direita. Nas eleições realizadas em regime de “repúblicas populares independentes”. Em maio, a urgência, a população vota a favor do novo governo República Autoproclamada de Donetsk e a de Lugansk pró-Ocidente. Petro Poroshenko, um dos pilares dos unificaram-se sob o nome de Novorossia (Nova Rússia). protestos Euromaidan, assume a presidência do país. Moscou e Kiev têm trocado sérias acusações. De tendência pró-Ocidente, apoia as ações militares contra o movimento separatista pró-Rússia e adere O governo da Ucrânia acusa o presidente russo Vladimir à UE. Empresário bilionário especialista em relações Putin de apoiar e armar os rebeldes separatistas, o que econômicas internacionais, Poroshenko já ocupou o ele nega. Já Moscou diz que as “operações punitivas” Ministério da Economia e das Relações Exteriores, bem do governo ucraniano contra os separatistas são “atos como a presidência do Banco Central. criminosos”.

Moscou não reconheceu como legítima a troca de A crise foi agravada com a queda do Boeing-777 da governo, enquadrando-a como golpe de Estado. Malaysia Airlines, e a morte dos 289 ocupantes, na região As populações ucranianas da fronteira com a Rússia à leste de Donetsk, palco dos combates separatistas. alinham-se com Putin, e denunciam a legitimidade do Após a queda, autoridades de todas as partes envolvidas: novo governo. Ao mesmo tempo, milhares de soldados o governo russo, o ucraniano, além do representante sem identificação tomam bases militares na Península de Donetsk, negaram ter abatido o avião. Mas, os da Crimeia, dando apoio aos separatistas pró-soviéticos. especialistas dizem que apenas os mísseis terra-ar, guiados As tensões culminaram com a anexação da Crimeia por calor, fornecidos pela Rússia aos separatistas, seriam pela Rússia, em março deste ano, quando um referendo capazes de abater um avião daquele porte. realizado – não reconhecido nem pelo governo ucraniano nem internacionalmente – deu a vitória aos separatistas. Contra esse pano de fundo, os conflitos entre tropas Após a anexação da Crimeia pela Rússia, outras regiões oficiais e separatistas pró-russos já deixaram mais de

35 SETEMBRO 2014 ATUALIDADE

400 mortos. Por causa dos combates na região leste da pelo Google News search, pois é virtualmente ausente Ucrânia, centenas de judeus são hoje refugiados. Eles a cobertura da grande mídia à ameaça à comunidade sobrevivem graças à assistência de grupos judaicos judaica na Ucrânia). locais e estrangeiros que, nas últimas semanas, iniciaram importantes operações de auxílio e resgate. Caricaturas antissemitas, suásticas e outras imagens nazistas têm aparecido com frequência em manifestações, A Comunidade Judaica jornais e revistas, e em muros de várias cidades. Em Donetsk, por exemplo, judeus da comunidade local têm Apesar de não ser o centro da luta pelo futuro da relatado que grafites antissemitas começaram a surgir Ucrânia, a comunidade judaica têm funcionado como assim que enfraqueceu o Estado de Direito. “Começamos um conveniente instrumento político e uma importante a ver suásticas pintadas nos bancos das praças e nos peça no xadrez político entre Ucrânia e Rússia. edifícios”. Em discurso realizado no Kremlin, em março, Putin declarou que a derrubada do presidente ucraniano Elementos antissemitas têm aproveitado o caos Yanukovych havia sido um golpe armado e executado político para cometer atos de violência contra judeus por nacionalistas, neonazistas, russófobos e antissemitas. e instituições judaicas. Segundo o Rabino Chefe Nas semanas iniciais do Euromaidan, a televisão russa e do leste da Ucrânia, Shmuel Kaminezki, quando os a mídia impressa relataram que o estado ucraniano estava protestos contra Yanukovych começaram em novembro, sendo “atacado por neonazistas, fascistas e bandidos”. embora muitos judeus compartilhassem as aspirações pró-europeias dos manifestantes, havia um grande A Liga Anti Difamação da B’nai B’rith conclamou todas temor sobre a atuação dos grupos de extrema direita as partes envolvidas no conflito para se absterem de nas manifestações. Alguns deles são neonazistas ou uma “exploração cínica e politicamente manipulativa do neofascistas, pessoas sem pejo algum de manifestarem antissemitismo “. No entanto, ninguém pode negar que o abertamente seu ódio aos judeus. O Svoboda causava a espectro do antissemitismo voltou à Ucrânia. maior preocupação por causa das declarações antissemitas feitas por seus líderes no passado e pela importância Apesar de a mídia do Ocidente não ter coberto a ameaça que atribuem aos “heróis” nacionalistas ucranianos, neonazista à comunidade judaica na Ucrânia, essa ameaça considerados verdadeiros carrascos pelos judeus. Entre é real. (O completo blecaute da mídia é confirmado eles, Bohdan Chmielnicki, responsável pelos massacre de 1648- 1649, quando morreram cerca de 100 mil judeus; Symon Petliura, considerado responsável pelos pogroms de 1917-1921; Stepan Bandera, que criou as Waffen SS Ucranianas da Galícia e as Divisões Nichtengall e Roland, que participaram do assassinato de judeus.

Em fevereiro último, dois importantes rabinos ucranianos alertaram a comunidade judaica sobre o perigo que seus membros corriam. O Rabino Moshe Reuven Asman recomendou à sua comunidade que abandonassem a região central de Kiev, ou se mudassem de cidade e, se possível, abandonassem o país! O Rabino Asman disse ao jornal israelense Maariv: “Há alertas constantes sobre planos de atacar as instituições judaicas”.

O Rabi Yaacov Dov Bleich, que, desde 1990, é o Rabino Chefe de Kiev e da Ucrânia, abordou a delicada situação da comunidade judaica durante uma entrevista no programa de rádio de Aaron Klein, da WABC, em Nova York. Ele afirmou ter recomendado à comunidade que fosse vigilante e evitasse locais onde estivessem ocorrendo vladimir putin manifestações.

36 REVISTA MORASHÁ i 85

1 2

1. Manifestantes pró Rússia diante de um edifício do governo em Donetsk 2. Grupo de Chassidim chegam ao túmulo do Rabi Nachman de Bratslav, em Uman, aldeia a 200 Km de Kiev

Desde o início da crise, cresceu o número de Essa cidade é famosa por ser o local de ataques contra indivíduos judeus. Em janeiro, nascimento do Rabi Menachem um professor de escola judaica foi atacado em M. Schneerson, o Lubavitcher Rebe. Kiev. Em fevereiro, desconhecidos atiraram coquetéis molotov na entrada da sinagoga Em junho, Oleksandr Feldman, jurista Chabad Giymat Rosa, em Zaporozhye, ucraniano e presidente do Comitê Ucraniano, localizada a 400 km a sudeste de Kiev – não foi ameaçado em Kiev por homens houve feridos. Essa sinagoga foi inaugurada uniformizados que bradavam insultos em 2012 – sinal da retomada do judaísmo na antissemitas. Feldman, que usa kipá, é um dos Ucrânia – e foi construída no local onde os judeus mais conhecidos na Ucrânia. Homens judeus da comunidade receberam ordens para armados e mascarados também ameaçaram se reunir antes da deportação nazista para os incendiar a casa de um dos Rabinos Chefes do campos de extermínio. Em março, os muros da país, o Rabino Yaakov Dov Bleich, presidente sinagoga em Simferopol, capital da República da Confederação Judaica da Ucrânia, mas da Crimeia - anexada nesse ano de 2014 foram impedidos a tempo. pela Federação Russa, foram pichados com suásticas e as palavras “morte aos judeus”. Obviamente as instituições judaicas reforçaram sua segurança e alguns eventos públicos foram Em abril, surgiu um panfleto em Donetsk, à cancelados. Por sua vez, a Agência Judaica leste da Ucrânia, que trouxe tristes lembranças informou que forneceria auxílio na segurança dos idos de 1941 aos judeus da cidade. Com o às instituições judaicas. selo de “República de Donetsk” – o selo usado pelos separatistas da região – o panfleto pedia É importante ressaltar que manifestações 1 União Pan- aos habitantes judeus que se registrassem de cunho antissemita e atentados contra a Ucraniana, junto à Prefeitura para pagar um imposto comunidade judaica na Ucrânia são perpetrados “Svoboda” per capita. Para causar maior impacto, foi tanto por nacionalistas ucranianos como Liberdade, é um partido político pregado em uma árvore bem em frente de uma pelos separatistas pró-Rússia. Nessa região o ucraniano sinagoga, para garantir que a congregação o antissemitismo é secular, estando impregnado ultranacionalista de extrema direita visse ao sair dos serviços religiosos. A pequena na cultura ucraniana. Os perpetradores dos considerado por comunidade de Donetsk ficou aterrorizada. incidentes relatados nesta matéria e de outros muitos fascista A Liga Anti Difamação mostrou ceticismo contra judeus ou instituições judaicas são, em e antissemita. É, atualmente, um quanto à autenticidade do folheto ter sido obra sua maioria, membros de grupos antissemitas dos cinco maiores dos separatistas, mas, qualquer que fosse a sua ou são oponentes políticos. Os motivos partidos do país e sua filiação foi origem, as instruções claramente recordativas diferem; alguns simplesmente odeiam os restrita apenas aos da época nazista tiveram o efeito de intimidar a judeus, outros querem “provar” ao mundo o ucranianos étnicos. comunidade judaica local. Também em abril a cunho fascista do novo governo ucraniano ou Três membros do partido ocupam sinagoga de Nikolayev, no sul da Ucrânia, o antissemitismo russo. As vítimas, porém, são posições no governo. foi atacada com bombas incendiárias. sempre os judeus.

37 SETEMBRO 2014 DESTAQUE margem protetora POR jaime spitzcovsky

Ao iniciar mais um ciclo de violência no Oriente Médio, em julho passado, o grupo terrorista Hamas buscou perpetuar uma estratégia em curso há décadas. Trata-se de impor a Israel a necessidade de se envolver num conflito assimétrico, no qual o Estado judeu, em busca da segurança de seus habitantes, tenha de enfrentar inimigos que utilizam população civil como escudo humano e empregam escolas, hospitais, mesquitas e suas cercanias como bases para lançamento de foguetes e esconder armamentos.

esse cenário, ao atrair Para entender a dificuldade dos Nenhum país do mundo ficaria o combate para áreas governos israelenses nas últimas inerte diante de uma chuva de densamente povoadas, décadas, basta analisar as origens foguetes atingindo sua população N grupos como o Hamas da Operação Margem Protetora, civil. Os disparos permanentes apostam na morte de iniciada a 8 de julho. A escalada de condenam os israelenses, sobretudo civis palestinos e cenas de escombros violência, na sua fase mais recente, nas áreas mais próximas a Gaza, a para abalar a imagem do Estado começa com o sequestro e assassinato viver em permanente situação de judeu e tentar isolar Israel no cenário de três jovens israelenses, em junho, estresse psicológico, pois quando global. pelo Hamas. Apesar das negativas soa o alarme antimíssil, contam com iniciais, o grupo acabou admitindo, escassos 15 segundos para chegar O roteiro trágico é seguido desde por meio de seu líder principal, à segurança de um bunker. Com meados dos anos 1970. Grupos Khaled Meshal, a autoria do crime. frequência, aulas em jardins de como o Hamas e Hezbolá criam infância e escolas são interrompidas situações insustentáveis para Israel, Em seguida ao sequestro, o Hamas pelo som estridente que anuncia a colocando-o diante de um dilema: apostou na intensificação da crise, aproximação de um foguete oriundo enfrentar um cenário de grave imaginando que uma escalada militar de Gaza. ameaça à sua segurança, por um lado lhe permitiria arrancar concessões e, por outro, entrar numa operação de Israel na hora de negociar um Nos últimos dez anos, mais de militar que trará dividendos na cessar-fogo. De imediato, o governo 12 mil projéteis foram disparados área de segurança, mas certamente israelense mostrou que preferia contra Israel, que amealhou significará alto custo político e não embarcar num confronto expressivas vitórias contra a estratégia diplomático. Essa costuma ser a bélico. Chegou a propor a fórmula terrorista ao investir pesadamente na natureza das chamadas guerras “quiet for quiet” (tranquilidade por construção de abrigos antimísseis e assimétricas, quando um país, com tranquilidade) na fronteira entre na construção do Iron Dome (Domo forças armadas regulares, enfrenta Israel e Gaza. O Hamas, no entanto, de Ferro), um sofisticado sistema de terroristas e milicianos que se seguiu disparando foguetes. Foram defesa que destrói foguetes inimigos escondem em meio à população civil. mais de 400 em duas semanas. em pleno voo.

38 REVISTA MORASHÁ i 85

Sistema de defesa aéreo antimísseis Domo de Ferro- de fabricação israelense contra-atacando um foguete

Israel, no entanto, não podia tolerar do Líbano. Mais uma vez, Israel numa guerra assimétrica. Sempre a intensificação dos bombardeios, enfrentou um grupo terrorista, em um Estado constituído, com forças que provocou mortes e obrigou parte outra guerra assimétrica e altamente armadas regulares, enfrentando expressiva de sua população nas destrutiva. Foram mais de 30 dias de grupos terroristas e milicianos proximidades de Gaza a abandonar encarniçados combates em território infiltrados na população civil. suas casas. Teve, a contragosto, libanês, em meio à população civil. de embarcar em mais uma guerra Nesses conflitos, os adversários de assimétrica, enfrentando um grupo Uma triste radiografia mostra Israel naturalmente não esperam baseado no terrorismo, com objetivo que Israel foi arrastado a mais vitória militar. Sabem que não de neutralizar suas plataformas conflitos assimétricos, além dos contam com a capacidade para de lançamento de foguetes e quatro registrados nos últimos destruir o Estado judeu por meios destruir a sofisticada rede de túneis oito anos. Entre 2000 e 2004, a bélicos. O objetivo é impor derrotas subterrâneos, construída para infiltrar Segunda Intifada e seus homens- políticas, obrigar um Exército bem terroristas em solo israelense. bomba atingiram o Estado equipado e bem treinado a combater judeu, assassinando cerca de num cenário desfavorável, em meio A Operação Margem Protetora 1 mil israelenses, mais de 120 a zonas urbanas e população civil. representou mais um capítulo nefasto deles menores de idade. E, entre Certamente cenas de destruição das explosões cíclicas de violência 1987 e 1991, jovens palestinos vão correr o mundo, ainda mais nas cercanias de Israel. Em 2012, foi protagonizaram a Primeira na era da internet e da revolução a vez da Operação Pilar de Defesa e, Intifada, quando o cenário clássico tecnológica. E a disseminação dessas na virada de 2008 para 2009, ocorreu apresentava civis lançando pedras fotos e vídeos tem alvo certo: corroer a Operação Chumbo Fundido. Todas contra alvos israelenses. e imagem de Israel e fortalecer a elas envolvendo o Hamas. Em 2006, estratégia de isolar o Estado judeu. um comando do Hezbolá atacou A constatação: todos os conflitos uma patrulha israelense na fronteira que envolveram Israel nas últimas A Guerra do Yom Kipur, norte do país, matando três soldados décadas colocaram-no contra um em 1973, foi um divisor de águas. e iniciando a Segunda Guerra adversário de natureza diferente, Representou o fim da etapa em que

39 SETEMBRO 2014 DESTAQUE

e jordanianas, e conseguiu um formidável triunfo militar.

Em 1973, Cairo e Damasco desejavam reverter os resultados da guerra anterior. Fracassaram. E constataram que Israel havia se transformado, um quarto de século após sua fundação, em realidade que não poderia ser riscada do mapa numa guerra simétrica. O presidente egípcio Anuar Sadat, diante do diagnóstico, desistiu do projeto nasserista de destruir Israel, visitou Jerusalém em 1977 e assinou o acordo de paz de Camp David em 1979, o primeiro entre um país árabe e Israel. Pagou pela ousadia com a própria vida, assassinado num Cartaz pede a volta de Naftali Fraenkel, Gil-Ad Shaer e Eyal Yifrah, sequestrados e assassinados pelo Hamas em junho atentado em 1981.

Lideranças árabes e seus aliados, Israel se viu em guerras simétricas, Antes disso, o jovem Estado convencidos de que Israel não ou seja, quando um país, com Judeu havia participado, poderia ser derrotado no âmbito forças armadas regulares, enfrenta por exemplo, em mais dois conflitos militar, decidiram mudar a estratégia. outro país, igualmente com forças simétricos. Em 1956, enfrentou, E se espelharam no conflito mais armadas regulares. No conflito com apoio de britânicos e franceses, emblemático da Guerra Fria, iniciado no dia mais sagrado do o Egito, do presidente Gamal Abdel encerrado em 1975: a Guerra do calendário judaico, Egito e Síria Nasser. Onze anos depois, na Vietnã. Numa guerra assimétrica, os invadiram Israel, que repeliu os Guerra dos Seis Dias, Israel vietcongues comunistas impuseram agressores e venceu o embate. combateu tropas egípcias, sírias uma derrota ao poderosíssimo Exército norte-americano, que se retirou do front vietnamita em 1973. A retirada se deu sobretudo devido à crescente pressão da opinião pública norte-americana, cada vez mais inclinada a rejeitar as imagens de mortes de civis. A estratégia vietcongue levava claramente em conta a importância de provocar, na população dos EUA, indignação com o sangrento conflito no sudeste asiático.

Os adversários de Israel decidiram embarcar num roteiro semelhante. Com força militar inferior, optaram por levar o conflito à arena política e diplomática, com ênfase na disputa pela opinião Soldado israelense explora um dos túneis do Hamas para Israel pública internacional. Ou seja, se

40 REVISTA MORASHÁ i 85

Família israelense refugiou-se em abrigo após ter tocado a sirene que alerta a população da chegada de mísseis vindo de Gaza

aniquilar Israel militarmente se um palestino se aproxima da mesa, mostrou inalcançável, a ideia a esbaforido, e conta, sem pausa para partir de meados dos anos 1970 respirar, que num vilarejo próximo passou a visar o conflito assimétrico, há um confronto entre civis gerando consequências políticas e palestinos, lançando pedras e diplomáticas que levem ao crescente coquetéis molotov, contra soldados isolamento de Israel no cenário israelenses. O dirigente que havia global. interrompido a entrevista ouve a história com atenção, e, impassível, Portanto, nas últimas quatro pergunta: “A CNN está lá?” “Sim”, décadas, Israel não se envolveu respondeu o afobado mensageiro. mais em guerras simétricas. Grupos “Então está tudo ok, podemos terroristas e milícias, em meio à continuar a entrevista”, disse o população civil, passaram a impor ganha força, impulsionado por líder palestino ao jornalista norte- desafios a Jerusalém, com o intuito ações de claro caráter antissemita. americano, antes de, calmamente, de deslanchar conflitos sangrentos Importante lembrar que a estratégia sorver mais um gole de chá. e obter dividendos políticos, com a de deslegitimação de Israel também exploração de imagens de mortes e se alimenta de um antiamericanismo A transmissão ao mundo, daquela de destruição. de setores importantes da esquerda cena de uma guerra assimétrica, global que, em paradoxo histórico, se era o objetivo. Para Israel, portanto, Com a busca por apoio na opinião associam a grupos fundamentalistas além da frente para garantir paz e pública internacional, organizações muçulmanos. tranquilidade à sua população, abriu- anti-Israel aproveitam para também se, há vários anos, a frente de batalha lançar campanhas voltadas a boicotar Um jornalista norte-americano, por corações e mentes na opinião e isolar o Estado judeu, como a veterano em coberturas no Oriente pública internacional. infame BDS (Boycott, Disinvestment Médio, costuma relatar a seguinte JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor and Sanctions; boicote, história: entrevistava um líder da internacional e correspondente da desinvestimento e sanções). Nesse OLP durante a Segunda Intifada, Folha de S. Paulo em Moscou cenário, o discurso antissionista num bar na Cisjordânia. De golpe, e em Pequim.

41 SETEMBRO 2014 PERSONALIDADE

ron dermer

Assessor mais influente de BINYamin Netanyahu, Ron Dermer ocupa desde o ano passado o posto de Embaixador de Israel em Washington. Jovem, carismático e articulado, seu rosto tem aparecido cada vez com mais frequência nas emissoras de televisão, pois ele tem combatido incansavelmente as críticas contra Israel na mídia e defendido seu país no Capitólio.

por Zevi Ghivelder

conomista formado pela com o ponto de vista de Israel sobre Mandato Britânico, mudara-se Wharton e político teórico o conflito árabe-israelense. Desde com toda a família para os EUA formado em Oxford então, suas aptidões só fizeram alguns anos após a independência e com extraordinários aumentar. do Estado de Israel. Os Dermer instintos políticos, Ron é iam frequentemente a Israel, o principal estrategista do primeiro Ao longo dos anos, Dermer tem principalmente após a morte de ministro Binyamin “Bibi” Netanyahu. mostrado não ter receio algum de Joseph, o avô de Ron, quando ele Conhecido como “Bibi’s Brain’’, denunciar o tratamento injusto ainda era um bebê, e sua avó, o cérebro de Bibi, observadores de Israel na mídia. Para ele, não Rivka, decidiu retornar a Israel. políticos têm dito que, em várias devemos permanecer em silêncio Em 1984, duas semanas antes de seu ocasiões, quando Bibi Netanyahu diante da tendenciosidade da mídia Bar-mitzvá, seu pai morreu, aos 54 discursa, o mundo vê o rosto do e das visões distorcidas sobre o anos, vítima de um ataque cardíaco. primeiro-ministro, mas muitas das conflito. palavras que se ouve são de Dermer. Ron sempre foi um ótimo aluno, Sua vida superdotado, e excelente atleta, pois Usando uma pequena kipá de amava esportes. Extremamente crochê, shomer Shabat, Ron que se O caçula de Jay e Yaffa Dermer, Ron competitivo, enquanto cursava o autodenomina ortodoxo moderno, nasceu em Miami Beach, em 1971. Ensino Médio ganhou o prêmio é o melhor porta-voz no combate Jay Dermer, advogado nova-iorquino de melhor jogador de basquete e ao ataque contra o Estado e o de tribunal, mudara-se para a Flórida também o Prêmio American Legion Povo Judeu. Desde os seus dias em e, em 1967, foi eleito prefeito de por seu desempenho acadêmico e nos Oxford, ele vem demolindo seus Miami Beach, derrotando Elliot esportes. oponentes nos debates, com um Roosevelt, um dos filhos do ex- domínio incomparável dos fatos e presidente Franklin D. Roosevelt. Após completar o Ensino Médio, uma apresentação eletrizante. Ainda entrou para a Wharton School of em Oxford, ele conseguiu persuadir Sua mãe, Yaffa Rosenthal, que Business, na Pennsylvania. Assim alguns de seus mais brilhantes alunos nascera na então Palestina sob que ingressou na faculdade, ajudou

48 REVISTA MORASHÁ i 85

embaixador de israel nos eua apresenta credenciais ao presidente Barack Obama na casa branca. Dezembro de 2013 a fundar o Jewish Heritage Program, Republicano e o introduziu na viria a se chamar Yisrael B’ uma organização cujo objetivo era política israelense. Embora seu pai – Israel para a Imigração. Luntz fortalecer a identidade judaica dos tivesse sido democrata e seu irmão apresentou Ron a Sharansky. Conta estudantes universitários. Também ter seguido seus passos, Ron se Dermer sobre esse encontro: “Eu começou um pequeno negócio, alinhou com a Direita. não o conhecia, mas lera seu livro e vendendo “reforço para exames”, meu primeiro instinto me dizia para uma forma de auxiliar alunos a se Assim que se formou em Wharton, não trabalhar com ele. Então eu o prepararem para os exames, com em 1993, foi para Washinton e se conheci e mudei de ideia em menos as provas de anos anteriores e suas tornou assistente de Luntz. No ano de 10 minutos”. Naquele mesmo ano, respostas. seguinte, 1994, Luntz arquitetou a ainda estudando em Oxford, Dermer campanha para a Câmara, “Contract ajudou Sharanksy a se preparar para Em Wharton, teve aulas com Frank with America”2, para Newt Gingrich. as eleições de 1996 para o Knesset. Luntz1, pesquisador de opinião No dia da votação, Dermer fazia um pública e consultor político. Luntz Foi Luntz quem convenceu Dermer exame final em Oxford. sempre o considerou o aluno mais a continuar seus estudos em Oxford, talentoso e brilhante que já tivera. onde ele obteria o mestrado em Logo depois, Ron vai para Israel. Nessa época, Dermer já possuía um filosofia, política e economia. Assim Não queria voltar para os Estados verdadeiro dom para o debate. Jeffrey que chegou à Oxford, pendurou na Unidos, queria morar no Estado Pollock, importante pesquisador parede uma bandeira de Israel que Judeu e, em 1997, começou o democrata, seu colega de classe, seu pai ganhara de uma Miss Israel, processo para se tornar cidadão costumava dizer: “É melhor não durante um concurso de beleza, em israelense. Ron chegou a Israel após entrar em discussão com ele, porque Miami Beach. Ele era um americano a assinatura dos Acordos de Oslo e com certeza vai sair perdendo...”. cujo coração estava em Israel. A do assassinato de Yitzhak Rabin. bandeira provocou calorosos debates. Ele encontrou um país dividido. O relacionamento com Luntz foi Não apenas entre direita e esquerda, crucial para a vida de Dermer, pois Em 1995, Natan Sharansky tentava mas entre judeus seculares e o professor o aproximou do Partido lançar um partido de imigrantes que religiosos, asquenazitas e sefaraditas,

49 SETEMBRO 2014 PERSONALIDADE

Barak renuncia ao cargo de primeiro- ministro e mais uma vez tiveram que ser antecipadas as eleições. Houve uma polarização entre Barak e Sharon, e este último acabou tornando-se primeiro-ministro. Desta vez, porém, Netanyahu não estava no páreo. Enquanto isso, Dermer passou a escrever uma coluna semanal no The Jerusalem Post, denominada “The Numbers Game”, que estreou em janeiro de 2001. Ele escrevia sobre política e suas preocupações sobre o futuro de Israel.

Ron conheceu sua atual esposa e mãe Dermer e Bibi Netanyahu de seus filhos, Rhoda Pagano, em um jantar, em Jerusalém, oferecido pelo chefe de Rhoda, Aharon Barak, entre sabras e imigrantes recém- como o principal especialista do então presidente da Suprema Corte chegados da ex-União Soviética. país sobre o voto russo. Ao lembrar de Israel. Rhoda, formada em “Quando cheguei em Israel”, lembra o encontro entre Ron e Netanyahu, Direito pela Universidade de Yale, ele, “estava empolgado porque sabia Sharansky diz que Bibi não gostou retornou pouco depois a Nova York que as futuras decisões tomada por das duras constatações sobre a para trabalhar em um escritório de meu país seriam importantes para o campanha expostas por Dermer. advocacia. Ela resistiu aos pedidos futuro do Estado Judeu e o do meu “Bibi me chamou e disse, ‘este sujeito de Ron para que mudasse para Povo”. (Dermer) realmente me odeia’. Mas Israel, pois dizia estar receosa com os da próxima vez que se encontraram, ataques terroristas. Mas, o atentado Em agosto de 1998, Dermer se casou apaixonaram-se”, relata Sharanky. ao World Trade Center, em 11 de com Adi Blumberg, uma artista setembro de 2001, a fez mudar de que crescera na Cidade Velha de Netanyahu e Dermer se opinião. Rhoda foi para Jerusalém Jerusalém e cujo pai era o presidente encontraram novamente no e se casou com Dermer. A mãe de do Banco de Jerusalém. O casamento início do verão israelense daquele Dermer deu de presente ao casal de Adi e Ron foi celebrado por um ano de 2000.Ambos haviam coletes à prova de balas! O casal tem dos maiores eruditos da atualidade, sofrido grandes perdas: Bibi fora cinco filhos. o Rabino Adin Steinsaltz. Mas a arrasadoramente derrotado por felicidade do casal foi muito breve, Ehud Barak nas eleições, além de Após o fatídico 11 de setembro, pois sua esposa faleceu dois anos perder a liderança do Likud para Dermer retornou aos EUA por um mais tarde, em fevereiro de 2000. Ariel Sharon, e Dermer enviuvara. breve período para ajudar seu irmão Adi tinha apenas 29 anos. Mas estavam determinados a ir David que concorria às eleições para em frente. Era o início de um a prefeitura de Miami Beach. David No final daquele mesmo ano, após grande relacionamento. Netanyahu Dermer venceu a disputa, numa três anos no poder, o governo de e Dermer compartilhavam, e vitória de último minuto, com a Netanyahu entra em colapso. Com compartilham, as mesmas visões ajuda do ex-governador da Flórida, uma coligação desfeita, o primeiro- políticas em termos de segurança Jed Bush, irmão do presidente ministro de Israel pede a antecipação do Estado de Israel, diplomacia e George W. Bush. Embora seu pai das eleições previstas para o ano economia, entre outras. e seu irmão fossem democratas, a 2000. Sharansky ofereceu a expertise família Dermer tinha fortes vínculos de Dermer para a campanha de Com a eclosão da Segunda Intifada, com a família Bush, especialmente Bibi. O jovem já era conhecido em outubro daquele mesmo ano, com Jed Bush.

50 REVISTA MORASHÁ i 85

Ron Dermer foi coautor com em política externa e estrategista Sharansky do livro “The Case – requisitado frequentemente e a for Democracy: The Power of qualquer hora para consultas. Freedom to Overcome Tyranny and Terror”, publicado em 2004. Ele atuou, também, como ligação O livro aborda a disputa entre a com a Casa Branca e foi uma liderança israelense e palestina como presença constante nas reuniões em uma frente na luta global entre Washington ao lado do primeiro- sociedades livres e tirânicas. Traça ministro. Além de Netanyahu, uma distinção entre sociedades livres Dermer tem feito mais para moldar e sociedades tirânicas, ou “sociedades o relacionamento entre Israel e os aterrorizadas”, como são chamadas EUA, seus vizinhos árabes e com no livro – expressão que Sharansky os palestinos nos últimos anos do credita a Dermer. No final, há de Bibi, chegando mesmo a contratar que qualquer outro homem do uma lista de dissidentes árabes que dois assessores para comunicação governo. Algumas de suas posições merecem o apoio do Ocidente em com a mídia que tinham atuado na políticas chegam a ser ainda mais seus esforços para levar seus países ao campanha de Obama. conservadoras do que as de Bibi. caminho da liberdade. Em várias ocasiões expressou seu Após ser eleito primeiro-ministro ceticismo sobre a real vontade dos George W. Bush ficou entusiasmado de Israel, Netanyahu fez de Dermer palestinos de ter seu próprio estado com o livro e convidou os autores seu principal assessor, cargo que e sobre a viabilidade de serem um ao Salão Oval alguns dias após ele ocupou até 2013, quando se parceiro para a paz. sua reeleição. O livro se tornou tornou embaixador em Washington. Embaixador em uma pedra fundamental do que Durante esse período, ele trabalhou Washington é atualmente conhecido como a no círculo mais íntimo de Bibi. Seu “Doutrina Bush”. cargo abrangia virtualmente tudo o que dizia respeito ao primeiro Ron Dermer substituiu o embaixador Dermer e Bibi Netanyahu ministro. Ele se tornou o principal israelense em Washington, Michael redator dos discursos, pesquisador de Oren, em 2013. Entre as tarefas Ron Dermer assumiu seu primeiro opinião pública, principal conselheiro hercúleas que ele tem diante de si, cargo governamental em 2005. Netanyahu, que então era ministro das Finanças na gestão de Ariel Sharon, indicara-o para ocupar o posto de Ministro da Economia na Embaixada de Israel em Washington, D.C. Para assumir o cargo, Ron teve que desistir de sua cidadania americana.

Na campanha de Netanyahu para primeiro ministro, Dermer foi o principal estrategista. Durante os três anos que passou em Washington, observou com grande interesse a estratégia adotada pela equipe de Obama para lidar com milhões de eleitores insatisfeitos – novos, ou já existentes, e lhes transmitir uma mensagem de mudança. Esta estratégia Ron replicou na campanha Ronald S. Lauder com o embaixador Ron Dermer e sra. Rhoda Dermer. janeiro de 2014

51 SETEMBRO 2014 PERSONALIDADE

ele terá que apresentar as reservas Israel, em especial para o sistema de Israel a negociação que está antimíssil Domo de Ferro, e sendo discutida com o Irã, algo para revogar a proibição da FAA que tem preocupado Israel, e tentar americana de voos para Israel. Foi influenciar o governo americano. também ele quem orquestrou o encontro do ex-Prefeito de Nova Sobre ele, disse Sharansky ao jornal York, Bloomberg, com Bibi. The Times of Israel, “Ron tem um senso extremamente profundo das Dermer é articulado, rápido e dono bases da ligação entre Israel e a de uma fluência política difícil de América. Ele estudou, escreveu e enfrentar. Ele pode se confrontar viveu essa ligação e os valores que com qualquer repórter e provar as duas nações compartilham. o ponto de vista de Israel. Suas Ron será extremamente importante entrevistas estão em todas as mídias para Washington e para a Casa sociais e ele se tornou a voz da Branca porque eles sabem que ele é razão em meio a uma campanha de muito próximo do primeiro-ministro desinformação. e que falar com ele é como falar diretamente com Netanyahu: isto Dermer tentou traduzir a situação é algo muito raro”. Muitas pessoas real de Israel em termos com os próximas a Obama confirmam as quais o público americano pudesse palavras de Sharansky, pois quaisquer se relacionar. O diplomata procura suspeitas sobre as tendências políticas demostrar aos americanos que o de Dermer são superadas pelo único desejo dos israelenses é se benefício de ter um embaixador que certamente não é a “frente de defender, algo que os Estados Unidos faça parte do círculo íntimo de Bibi. batalha” mais importante que Israel não titubeariam um segundo em precisa vencer quando é atacado por fazer. Foi lançada uma campanha Embora tenha vínculos fortes com seus inimigos, mas é, sem dúvida, de de mídia nos EUA com a pergunta: os republicanos e tenha apoiado grande importância. “O que você faria se Nova York Mitt Romney em 2012, Ron tem e Washington estivessem sendo boa penetração também entre os Por causa dos recentes combates atacadas por mísseis?”, e a afirmação democratas. Neste ano, o secretário entre Israel e o Hamas, em Gaza, “O Hamas não é em nada diferente de Estado John Kerry participou Dermer tem combatido as críticas da al-Qaeda”. do Seder de Pessach na residência de a Israel pela invasão de Gaza e Dermer. pelas vítimas civis. Participou em Em uma entrevista à CNN, Dermer mais de 55 entrevistas de televisão, pediu aos telespectadores que Dermer e a Operação rádio e mídia impressa. Tem ido às imaginassem uma situação em que Margem Protetora emissoras de televisão e debatido ouvissem sirenes em Nova York e com seus âncoras, apresentando os em Washington e a necessidade Enquanto o papel da maioria dos fatos de forma objetiva, esclarecendo das pessoas terem que correr para embaixadores é influenciar a política o público e denunciando a bunkers. “Isto é o que acontece hoje dos países onde atuam em relação tendenciosidade ou a desinformação em Israel”. a seu próprio país, os de Israel têm da mídia na cobertura do conflito. mais um papel: procurar influenciar Tem, também, defendido Israel no Ao falar em um encontro no a opinião pública e os meios de Capitólio, participado de reuniões Capitólio, ele fez a mesma comunicação nesses países. Embora com membros da Administração abordagem, ressaltando que, Israel seja a única democracia que americana, conferências e outros atualmente, em termos proporcionais, floresce no Oriente Médio, o país eventos. a população israelense que está continua a perder a batalha da na mira dos mísseis e foguetes opinião pública, a guerra na mídia, Tem atuado, também, na busca de seria equivalente a 200 milhões de passo a passo. A opinião pública mais recursos para a segurança de americanos. “Como alguém que

52 REVISTA MORASHÁ i 85

1. ron dermer COM Steve Israel. 2. com Jeremy Ben-Ami. 3. COM José Miguel Insulza, secretário geral da oea 4. com o porta voz John Boehner NO CAPITÓLIO.

nasceu e cresceu neste país (EUA), não me internacional; merece a sua admiração. é difícil imaginar o que o povo americano Não houve, na História, forças armadas esperaria de seu governo se 200 milhões de que tenham sido mais cuidadosas do que pessoas tivessem que ir para os bunkers”, as FDI na proteção de inocentes do lado ressalta. oposto (...) Israel não precisava ter enviado seus soldados a muitos dos lugares onde eles Essa explicação procura desmistificar o hoje lutam (...). Estamos, hoje, enviando principal desafio das relações públicas de nossos soldados a esse vespeiro de terror

1 Israel – a acusação de ação desproporcional. palestino, todo armado com minas e Frank I. Luntz é um consultor “As pessoas precisam entender que não se explosivos e permeado de túneis. Israel tem político americano, trata de contar corpos de cada lado”, explica demonstrado uma auto-contenção que ainda pesquisador e “guru de opinião pública”, Dermer. E ele faz outra analogia através não foi vista (...). E eu não posso aceitar críticas mais conhecido da qual o povo americano pode entender ao meu país numa hora em que os soldados por desenvolver a situação na qual se encontra Israel. israelenses estão morrendo para que os temas de debate e outras mensagens Durante a 2ª Guerra Mundial, o número de palestinos inocentes possam viver”. para várias causas vítimas alemãs foi 20 vezes maior do que as republicanas. americanas, no entanto “este fato não torna a Quaisquer que sejam as opiniões sobre a linha 2 “Contract with ação dos nazistas aceitável”. política de Dermer, é fato que ele traz inegáveis America” foi habilidades retóricas à qualquer mesa de um documento distribuído pelo Ele ainda afirma: “O Hamas está usando discussão. Nos círculos políticos israelenses, ele Partido Republicano escudos humanos, não apenas por causa da é conhecido por seu vasto conhecimento, seu durante a campanha para o Congresso natureza do seu regime, mas porque é uma humor afiado, espírito argumentativo de 1994, detalhando estratégia que parece funcionar. O Hamas e por observações espertas e curtas que as ações que os confia em que as fotos (dos civis mortos em defendem Israel. Numa hora em que a republicanos prometiam realizar Gaza) levem à pressão contra Israel”. reputação de Israel está sofrendo terrivelmente se obtivessem a em todo o mundo, Ron Dermer é o melhor maioria na Câmara pela primeira vez, Durante uma recente palestra ele disse: “Israel porta-voz para combater o ataque maldoso ao em 40 anos. merece mais do que o apoio da comunidade Estado Judeu.

53 SETEMBRO 2014 SHOÁ

O MASSACRE DE BABI YAR

Em setembro de 1941, Babi Yar, ravina existente em Kiev, capital da Ucrânia, foi o local de um dos maiores massacres de judeus em um único lugar, durante a 2ª Guerra Mundial. Em dois dias apenas, 34 mil judeus, homens, mulheres, crianças e velhos, foram mortos a tiros. Babi Yar se tornou símbolo do cruel assassinato de judeus perpetrado pelos e do persistente não reconhecimento da memória judaica.

m 1961, o poeta russo pois deu início ao genocídio de impossível que as matanças Yevgeny Yevtushenko, judeus. A matança sistemática atingissem a escala que de fato em seu poema “Babi de judeus no leste da Europa tiveram. e Yar”, fez um apelo começou no primeiro dia da invasão para que os terríveis alemã. Antes mesmo de os nazistas ir em acontecimentos não fossem relegados frente com a “solução radical do ao esquecimento. As forças nazistas rapidamente problema judaico através da execução ocuparam a Ucrânia, o leste da a tiros de todos os judeus”, milhares “(..) A erva selvagem murmura Polônia, a Letônia, Estônia e de ucranianos foram os responsáveis sobre Babi Yar. As árvores olham Lituânia, a Bielorrússia e o oeste por sangrentos pogroms. Outros agourentas como os verdugos. da República Russa. Assim que o milhares tornaram-se guardas nos Aqui tudo grita em silêncio, e, exército alemão ocupava alguma campos de extermínio. A ajuda tirando meu boné, sinto-me grisalho, área da ex-União Soviética, os da polícia ucraniana permitiu aos lentamente. E eu, também, tornei-me Einsatzgruppen (Esquadrões da nazistas rapidamente identificar e um berro tonitruante, sem som, pelos morte móveis das SS) entravam reunir os judeus que, a seguir, eram muitos milhares aqui enterrados. Eu em ação, fuzilando os judeus. conduzidos para locais ermos onde, sou cada velhinho aqui abatido a Estima-se que mais de um a um, família após família – tiros. Eu sou cada criança aqui abatida 1,5 milhão foram executados homens e mulheres, velhos e crianças a tiros. Nada será esquecido, dentro de dessa forma. Uma das “tarefas” – eram brutalmente assassinados a mim...” dos Einsatzgruppen era organizar, tiros. entre a população local, indivíduos Holocausto na Ucrânia dispostos a perpetrar ou a participar Kiev do assassinatos em massa de A Operação Barbarossa, invasão judeus. Na Ucrânia não foi difícil; A cidade de Kiev acabou caindo da antiga União Soviética por Hitler, centenas de milhares colaboraram em mãos alemãs após 45 dias de lançada em 22 de junho de 1941, foi entusiasticamente com os nazistas. batalha, em 19 de setembro de 1941. decisiva no Holocausto, Sem tal participação, teria sido Acredita-se que cerca de 70% dos

54 REVISTA MORASHÁ i 85

1 2

1. memorial babi yar 2. memorial das crianças que pereceram em Babi Yar

225 mil judeus (20 % da população Por alguns dias os judeus não “Ordena-se a todos os judeus da cidade) que viviam em Kiev foram molestados. Em 21 de residentes de Kiev e suas vizinhanças conseguiram deixar a cidade a tempo. setembro, após ter sido submetido que compareçam à esquina das ruas A maioria dos que ficaram eram os a humilhações públicas, foi Melnyk e Dokterivsky, às 8 horas da que não tinham condição de fugir: assassinado Shlomo Glozman, manhã de 2ª feira, 29 de setembro mulheres, crianças, velhos e doentes. um dos líderes comunitários de de 1941, portando documentos, Kiev, junto com nove outros dos dinheiro, roupas de baixo, etc. Desde o primeiro dia da ocupação, mais respeitáveis membros da Aqueles que não comparecerem serão os judeus perceberam as “faces comunidade. fuzilados. Aqueles que entrarem radiantes” de muitos ucranianos, nas casas evacuadas por judeus e como recordou mais tarde uma Durante os primeiros dias da roubarem pertences destas casas testemunha ocular, Konstantin ocupação alemã, duas grandes serão fuzilados”. Mais de 30 mil se Miroshnik1, então com 16 anos. explosões, aparentemente apresentaram. Um dos vizinhos ucranianos dissera desencadeadas por engenheiros a seu avô, “Leib, seu poder judaico militares soviéticos, destruíram o Nos dias 29 e 30, véspera de Yom chegou ao fim, uma nova ordem prédio onde havia se instalado o Kipur, os judeus foram levados a começará agora, portanto tenha em quartel-general alemão e parte do Babi Yar, uma ravina nos arredores mente, você terá contas a acertar...”. centro da cidade. Os alemães usaram da cidade. Acreditavam que No segundo dia da ocupação, esses atos de sabotagem como seriam embarcados em trens para policiais ucranianos apareceram pretexto para dar início à matança um reassentamento. A multidão nas ruas portando braçadeiras e dos judeus de Kiev. de homens, mulheres e crianças anunciando que faziam parte da era grande o bastante para que “Organização de Nacionalistas Em 27 e 28 de setembro, os ninguém se desse conta do que Ucranianos” (OUN), organização nazistas colocaram cartazes em estava para acontecer, a não ser liderada por Stepan Bandera. russo e ucraniano por toda a cidade, tarde demais. Um dos comandantes (ver artigo Judeus na Ucrânia no convocando os judeus para o do Einsatzkommando chegou a se século 20, pág. 65). “reassentamento”. gabar, dias mais tarde, que, por causa

55 SETEMBRO 2014 SHOÁ

pseudônimo de A. Anatoli. Dina contou que enquanto estava ainda soterrada ouvia por todo lado e por baixo ela, sons abafados, gemidos, pessoas se sufocando e chorando. A massa de corpos movia-se ligeiramente conforme se acomodava e se espremia, através do movimento dos que ainda viviam. Lembrou como os soldados iam até a borda e iluminavam os corpos com suas lanternas, atirando com seus revólveres sobre os que ainda pareciam vivos. judeus de kiev, a caminho da morte em Babi Yar Ao se referir ao massacre, Elie Wiesel escreveu que “testemunhas oculares disseram de “nosso talento especial para a do grupo logo à frente, percebiam que, por meses após as mortes, organização, os judeus acreditaram, o que os esperava, mas não tinham o solo de Babi Yar continuava a até o momento de serem executados, mais como escapar. Ao chegar à esguichar guêiseres de sangue”. que estavam realmente sendo boca da ravina, encontravam-se na Após dois dias de assassinatos, enviados para um reassentamento”. beira do precipício, a 20, 25 metros a unidade do Einsatzkommando de altura, e do outro lado havia mandou para Berlim um relatório O massacre foi realizado em dois dias, metralhadoras alemãs disparando. sobre a ação: em dois dias, pela unidade C do Einsatzgruppen, (...). Então os próximos 33.771 judeus haviam sido apoiada por membros de um batalhão 100 eram trazidos, e tudo se repetia. exterminados em Babi Yar e os das Waffen-SS. Unidades da polícia Os policiais pegaram as crianças “operadores” das metralhadoras ucraniana foram usadas para agrupar pelas pernas e as jogaram vivas haviam sido auxiliados pelos e conduzir os judeus até o local de dentro do Yar. Naquela noite, os milicianos ucranianos. fuzilamento. alemães fizeram desmoronar as paredes da ravina e enterraram as Nos meses seguintes, os nazistas Logo após a guerra, um cidadão não pessoas sob uma espessa camada de utilizaram Babi Yar como um local de judeu, o vigia do velho cemitério terra. Mas a terra moveu-se ainda execução para prisioneiros de guerra judaico próximo a Babi Yar, contou por muito tempo, porque judeus soviéticos e para “ciganos”. O número que testemunhara “cenas horríveis feridos e ainda vivos se moviam, de executados talvez jamais seja de dor e desespero”. Ao relatar os desesperados”. conhecido. fatídicos acontecimentos contou: “Eu vi policiais ucranianos formarem Dina Pronicheva foi uma dentre Destruindo provas um corredor e levar os judeus os poucos judeus a escapar com apavorados para a enorme clareira, vida. Assim como centenas dos que Em março de 1944, a ex-URSS onde, com bastões, aos gritos e foram alvejados, não morreu. Mas inicia a ofensiva na Bielorrússia. utilizando cães que arrancavam diferentemente da maioria dos que À medida que os exércitos alemães pedaços dos corpos das pessoas, os caíram vivos na vala, ela conseguiu iam batendo em retirada frente judeus eram forçados a se despirem evitar ser sufocada e escapou. Após ao inexorável avanço russo, eram totalmente, a formar filas e, então, a guerra, Dina contou os horrores instruídos a destruir as evidências dirigir-se em colunas de dois para de Babi Yar ao escritor russo dos assassinatos em massa. a boca da ravina. Ao escutarem o Anatoli Kuznetsov, que publicou Um comando especial foi incumbido barulho das metralhadoras a história, primeiro na Rússia, em de ir aos locais dos massacres que estavam abatendo os judeus 1966, e na Inglaterra em 1970, sob o realizados pelos Einsatzgruppen.

56 REVISTA MORASHÁ i 85

Teriam que exumar e queimar cadáveres e ossos e espalhar as cinzas. Na maioria dos locais foram construídas piras maciças. Cada pira podia consumir 3.500 corpos e ardia até dez dias. Mas a quantidade de mortos enterrados na ravina de Babi Yar não permitia esse “modus operandi”. Lembrou posteriormente o comandante da operação: “A terra sobre a imensa cova comum foi removida; os corpos foram cobertos com material inflamável e incendiados. Demorou cerca de dois dias para que a tumba ardesse até o fundo”. policial alemão revista as roupas de judeus assassinados. outubro de 1941 A terrível tarefa foi realizada por mais de 400 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos. Eles sabiam cadáveres andantes, maturava uma um dos prisioneiros encontrou uma que assim que o trabalho se determinação de que ao menos um chave que servia no cadeado. encerrasse todos seriam mortos, deles precisava sobreviver para contar Nove dias depois, no 3º aniversário sabiam que os nazistas não iriam ao mundo o que haviam visto em do massacre, 325 judeus e deixar testemunhas de seus crimes. Babi Yar”. prisioneiros de guerra soviéticos As mortes já vinham ocorrendo; no fugiram. Desses, 311 foram primeiro mês, 70 dos prisioneiros Eles traçaram planos. Entre os fuzilados durante a fuga e apenas foram mortos em execuções idealizadores, havia um soldado 14 alcançaram esconderijos, quatro realizadas toda a noite pelos guardas, judeu do Exército Vermelho, ficaram por 20 dias em uma chaminé para se divertirem. Vladimir Davydov, que acabou de uma fábrica desativada e dois testemunhando em Nuremberg. foram escondidos sob o galinheiro Os prisioneiros famintos e doentes A escala de represália eliminava por duas ucranianas, Natalya e trabalhavam com grilhões nos fugas individuais. Após a fuga de Antonina Petrenko. tornozelos, guardados por SS um soldado não judeu do Exército armados com submetralhadoras e Vermelho, Fyodor Zavertanny, Em 6 de novembro, cinco semanas acompanhados por cães treinados os alemães fuzilaram 12 dos após a fuga, os 14 sobreviventes para matar. Os guardas dirigiam-se prisioneiros e o SS encarregado estavam entre os que recepcionaram aos judeus chamando-os de dos guardas, que tinha o vitorioso Exército Vermelho que “Leichen”, cadáveres. Mas, como supervisionado o grupo de entrava em Kiev. Todos eles se escreveu o historiador Reuben Zavertanny. Uma fuga em massa juntaram às fileiras. Quatro deles, Ainsztein, um dos principais autores era a única esperança. Mas os todos judeus, foram posteriormente ingleses sobre o tema do Holocausto, prisioneiros precisariam de um mortos em ação contra os alemães, “naqueles homens seminus milagre, pois para poder fugir e dez sobreviveram à guerra. Dois impregnados de carne putrefata, teriam que encontrar uma chave que judeus, Vladimir Davydov e David cujos corpos estavam comidos por pudesse abrir o cadeado do bunker Budnik, prestariam depoimento, em sarna e cobertos com uma camada onde eram trancafiados a noite. 1946, no Tribunal de Nuremberg, de lama e fuligem, e nos quais Eles passaram a procurar por sobre o massacre de Babi Yar. restava tão pouca força física, quaisquer chaves que tivessem sobrevivia um espírito que desafiava sobrado dentre os milhares de Atitude soviética tudo o que os nazistas tinham cadáveres apodrecendo e suas feito ou poderiam fazer-lhes. Nos roupas em decomposição. Em 20 Na Kiev libertada, judeus homens em quem as SS viam apenas de setembro, o milagre aconteceu: sobreviventes e familiares dos judeus

57 SETEMBRO 2014 SHOÁ

1 2

1. VANGOROD, UCRÂNIA. soldado ALEMÃO APONTA SEU RIFLE PARA UMA MULHER E SEU FILHO, 1942 2. VINNITSA, UCRÂNIA. SOLDADO ALEMÃO ATIRA EM UM JUDEU EM UMA COVA COMUm, PROvaVELMENTE EM 1941

massacrados foram até a ravina, massa da população judaica. Eles o um monumento, mas insistiam em no local da execução. Lembra anunciaram em 29 de setembro de que fosse dedicado aos cidadãos uma testemunha: “Descemos até o 1941, dizendo que todos os judeus soviéticos, sem mencionar o fato de fundo. Ficamos parados, chorando. deveriam estar na esquina das ruas serem judeus. No final, até mesmo Juntamos os ossos queimados de Melnikov e Dokterev portando seus essa decisão não foi levada adiante e braços, pernas”. Após o Exército documentos, dinheiros e valores. as obras da represa foram iniciadas. Vermelho retomar o controle de Os carniceiros os conduziram a pé Kiev, Babi Yar foi transformado num para Babi Yar, apossaram-se de seus Uma noite, em 1961, a represa local de internamento de prisioneiros pertences e lá os abateram a tiros”. construída pela prefeitura ruiu e alemães e operou até 1946, quando Mas ao ser oficialmente publicado, os torrentes de água, argila líquida e foi totalmente demolido. judeus não eram mais mencionados: lama, misturadas com restos de ossos “Os bandidos hitleristas trouxeram humanos, jorraram nas ruas de Kiev Nos anos seguintes ao término da milhares de civis à esquina das ruas abaixo. A enxurrada provocou vários 2ª Guerra, os judeus que retornaram Melnikov e Dokterev”. incêndios, destruiu uma garagem e, a Kiev, assim como os demais na ao atingir a estação de bondes, virou antiga União Soviética, quiseram Diversas tentativas de se erguer os bondes, enterrando vivos todos os erguer um memorial em homenagem um memorial judaico no local que estavam na estação e a aos judeus assassinados em Babi dos massacres foram adiadas. Em bordo dos bondes. Nessa noite, Yar, mas essas tentativas foram outubro de 1959, o escritor Viktor enquanto os soldados estavam sistematicamente rechaçadas pelas Nekrasov publicou um artigo ocupados escavando em busca dos autoridades soviéticas. protestando contra a intenção de mortos e procurando sobreviventes erguer um parque com um estádio de na lama, uma segunda onda de argila Desde a retomada da cidade, o futebol em Babi Yar e construir uma líquida irrompeu de Yar, causando governo desestimulou qualquer represa na outra ponta da ravina. mais estrago e morte. Nos dois ênfase ao massacre de Babi Yar como Nos anos após o término da guerra, desastres, 24 pessoas foram mortas. sendo uma barbárie direcionada Babi Yar enchera-se de entulho, Alguns dias depois, quando um apenas aos judeus – queriam que a lama e água, formando, na descrição bonde passou pelo local do desastre, tragédia fosse lembrada como um de uma testemunha, “um lago uma velha ucraniana começou crime cometido contra a população profundo imóvel... De longe, parecia repentinamente a gritar: “Foram os de Kiev e o povo soviético todo. esverdeado, como se as lágrimas das judeus que fizeram isso. Estão se pessoas que lá tinham sido mortas vingando de nós”. A primeira versão do texto sobre o houvessem brotado do solo”. terrível massacre ocorrido em Kiev À medida que as décadas passaram, mencionava os judeus. “Os bandidos As autoridades municipais de Kiev muitos sobreviventes e os parentes hitleristas cometeram assassinato em concordaram, a princípio, em erguer dos sobreviventes procuraram

58 REVISTA MORASHÁ i 85

1 2

1. MASSACRE DE BABI YAR 2. Dina Pronicheva foi dos poucos judeus a escapar com vida. aqui ela dá seu testemunho

retornar aos cenários de seu próprio 20o aniversário do massacre, quando Moscou e outra em Babi Yar. sofrimento ou de sua família. Para o poeta russo Yevgeny Yevtushenko Em setembro de 1991, grupos os judeus da antiga União Soviética, publicou seu poema “Babi Yar” ucranianos e judaicos, patrocinados Babi Yar, assim como outros locais na Literaturnaia Gazeta. pelo governo da Ucrânia, de assassinato em massa de judeus, O poema se identificava com o organizaram em Kiev um evento de tornaram-se lugares de peregrinação sofrimento judeu, particularmente grande porte em memória dos judeus solene. Visitar locais como Babi Yar, com as vítimas judias do nazismo, assassinados em Babi Yar. em Kiev, Rumbuli, perto de Riga, insistindo que enquanto existisse Nas principais ruas foram colocadas Ponar, fora de , ou a cova da antissemitismo na ex-URSS fotos dos judeus mortos, houve Rua Ratomskaya, em Minsk, tornou- sua sociedade não poderia ser vários dias de conferências, se um meio de renovar e afirmar seu genuinamente internacionalista. encontros, exposições, concertos e sentido de identidade judaica. O trabalho evocou um amplo discursos, além da publicação de protesto, inclusive uma censura um livro-memorial. No dia 29 foi Em setembro de 1966, decorridos do Premier Nikita Khrushchev. inaugurado um monumento em 25 anos do massacre, Babi Yar se A intelligentsia liberal, no entanto, feitio de menorá. tornou ponto de encontro para os recebeu-o com aplausos, e o ativistas judeus. Nos anos seguintes, compositor Dimitri Shostakovich Em junho de 2013, o Fórum os ativistas de várias partes do país musicou-o em sua 13a Sinfonia, Mundial de Judeus de Língua Russa vinham participar do evento em que logo foi banida pelas anunciou que um novo complexo memória dos judeus assassinados, autoridades. memorial será erguido no local do atendendo às convocações, massacre de Babi Yar. Além de um a despeito do empenho das Somente em 1976, ergueu-se centro judaico e de uma sinagoga, autoridades em evitar qualquer um monumento, mesmo assim, haverá uma exposição de material manifestação. Em 1971, no mínimo sem fazer qualquer menção específica histórico com roupas e pertences dos 1.000 pessoas participaram da às vítimas judias, referindo-se apenas judeus assassinados, documentos dos cerimônia de recordação. “aos cidadãos de Kiev e prisioneiros arquivos nazistas e entrevistas com de guerra”. Apenas após o advento sobreviventes. O interesse em Babi Yar atingiu da Perestroika, a política soviética seu ponto alto em 1961, no mudou. No final da década de 1980, BIBLIOGRAFIA colocou-se uma placa em iídiche, Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy sem, no entanto, haver menção The Shoah in Ukraine: History, Testimony, especial aos judeus. Em 1988, o Memorialization , Indiana University Press 1 Os testemunhos estão documentados aniversário da aktion de setembro na obra de Martin Gilbert, “Holocausto, Gilbert, Martin “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda de 1941 foi relembrado em grande História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”. escala em uma manifestação em Guerra Mundial”, Editora Hucitec

59 SETEMBRO 2014 ISRAEL

O drama dos refugiados: palestinos e judeus POR Sergio D. Simon

A recente guerra de Israel contra o Hamas em Gaza chamou novamente a atenção do mundo para a situação dos refugiados palestinos. Inúmeras personalidades políticas, artísticas e da imprensa, de todos os continentes, pronunciaram-se sobre o assunto, muitas vezes com pouquíssimo conhecimento de causa, censurando Israel pelo tratamento que tem sido dado aos refugiados palestinos.

squecem-se estas pessoas é devida ao tratamento que o Reino gloriosos para Israel, logo após que a situação atual Hachemita da Jordânia dispensou a a Guerra dos Seis Dias, com a não pode ser isolada eles desde a fundação do Estado de reconquista da santa Cidade Velha de E de todo um contexto Israel, em 1948. Para minha surpresa, Jerusalém pelo exército de Israel. histórico que a precedeu essa carta espalhou-se rapidamente e que levou ao explosivo estado pela internet, tendo sido traduzida Se por um lado estávamos todos atual. A situação de hoje não é de e publicada em inúmeros países e exultantes com a recente vitória, responsabilidade exclusiva de Israel, causando uma enxurrada de e-mails um incidente me tocou fortemente: mas sim de vários personagens da que entopem minha caixa postal durante uma excursão do Machon, política do Oriente Médio. há 3 semanas. Creio que o que nosso ônibus foi cercado na cidade tocou as pessoas nessa carta foi de Jenin (Shchem) por uma multidão A rainha Rania al Abdullah da uma pequena explanação histórica de mulheres e meninas adolescentes, Jordânia publicou recentemente sobre o papel do reino da Jordânia, que furiosamente erguiam seus um artigo em vários jornais do em especial do rei Hussein (sogro punhos contra nós e gritavam slogans mundo, inclusive n’ O Estado de da rainha Rania), na criação contra os invasores. O olhar de ódio São Paulo, condoendo-se pela e manutenção dos refugiados que presenciei naqueles rostos me situação dos refugiados palestinos palestinos. Gostaria aqui de discorrer fez entender que o problema do e exortando os leitores a apoiar um pouco mais sobre o assunto, território palestino teria que ser a causa e fazer doações para as mostrando também o que se passou resolvido rapidamente por Israel, sob entidades internacionais que cuidam com os refugiados judeus de países o risco de este se tornar o grande desses refugiados. Em uma resposta árabes que foram absorvidos pela entrave para o desenvolvimento do espontânea, escrevi à rainha Rania sociedade israelense. Estado de Israel. Desde então tenho uma carta aberta na qual sustento lido e me interessado constantemente que a situação dos palestinos não Passei o ano de 1968 morando em pelo assunto, sempre surpreso pela é de responsabilidade exclusiva do Israel, no Machon le Madrichei inabilidade dos países árabes em pelo Estado judeu, mas em grande parte Chutz Laaretz. Eram tempos menos tentar resolver esta situação.

60 REVISTA MORASHÁ i 85

Imigrantes judeus chegando a Haifa, vindo dos campos de detenção britânicos em Chipre, 1949

A manutenção dos refugiados de 1948, reconhecia o direito de para se conseguir concessões políticas palestinos como párias da sociedade retorno a estes refugiados e a todos e doações da ONU. Jamais se propôs, sempre foi de interesse político os seus descendentes em linha para estes refugiados, um plano de para os vizinhos de Israel. Quando patrilinear. Dos 711.000 refugiados educação, capacitação e absorção da Declaração da Independência originais de 1948 restam atualmente progressiva na sociedade local. de Israel, seguida da Guerra da apenas cerca de 30.000 pessoas vivas, Independência, em 1948, cerca de mas seus descendentes diretos por Estas condições subumanas de vida 70% da população que vivia no linhagem patrilinear alcançam hoje eram o caldo ideal para a criação território declarado como Estado de quase 5.000.000 de pessoas. dos movimentos terroristas entre os Israel refugiou-se em países árabes refugiados. O mais conhecido deles, vizinhos, alguns por medo, muitos Ao invés de abrigar estes refugiados, sem dúvida, é a Organização para por orientação das rádios árabes a maioria desses países sempre os a Liberação da Palestina (OLP). vizinhas e uma parte expulsa pelo tratou não como “irmãos”, mas como Fundada no Cairo durante a Cúpula próprio exército de Israel. Estima- cidadãos de segunda categoria, sem da Liga Árabe, em 1964, e dirigida se que o total chegasse a mais de possibilidade de absorção em suas a partir de 1969 por Yasser Arafat, a 700.000 pessoas, na época. Quase sociedades. Em especial no Líbano, Carta original da OLP pedia a luta todos se refugiaram na Jordânia em Gaza e na Jordânia os refugiados armada contra Israel e o direito de (principalmente na margem palestinos foram instalados em retorno para os refugiados palestinos. ocidental), em Gaza, na Síria e no “campos provisórios” de refugiados, Montada com forte estrutura Líbano, com muito poucos tendo que nada mais eram do que campos de guerrilha (seus combatentes conseguido chegar ao Egito. A de concentração, cercados por arame guerrilheiros conhecidos na época United Nations Relief and Works farpado, onde condições desumanas como “fedayin”), a OLP realizou Agency (UNRWA) contabilizou de vida eram oferecidas. Estes sangrentos atentados contra Israel, na época 711.000 pessoas como campos, quase todos ao longo da atacando frequentemente kibutzim e refugiados palestinos, sendo que a fronteira com Israel, serviram por moshavim, além de escolas infantis, resolução 194 da ONU, de dezembro décadas como uma arma política útil ataques em estradas e o famoso

61 SETEMBRO 2014 ISRAEL

pacificamente com o Estado judaico. Foi criada, nessa ocasião, a Autoridade Nacional Palestina, órgão que governaria os territórios palestinos da Cisjordânia e de Gaza.

O acordo de Oslo progrediu lentamente nos meses subsequentes, mas foi seriamente comprometido pelo assassinato de Yitzhak Rabin, em 1995 (por Ygal Amir, um ultranacionalista da direita israelense). Esta sequência de conversas de paz entre palestinos e israelenses terminou em julho de 2000, quando Arafat e Ehud Barak, então primeiro ministro de Árabes da Galileia em uma estrada na Alta Galileia, outubro de 1948 (David Eldan) Israel, não conseguiram chegar a um acordo na Cúpula de Camp David, massacre da delegação israelense a autoridade real. Em nome da novamente sob os auspícios de Bill aos Jogos Olímpicos de 1972, estabilidade política local, o Rei Clinton. A péssima administração em Munique, levada a cabo pela Hussein atacou diretamente a de Arafat e da Autoridade Palestina, organização Setembro Negro. Ao população palestina na Jordânia, em com inúmeras acusações de longo do tempo, a OLP tornou- setembro de 1970, no episódio que corrupção, nepotismo, ligações com se uma organização complexa, ficou conhecido como Setembro o terrorismo palestino e absoluta abrigando vários outros grupos Negro. Nesta luta, que durou 10 falta de um mínimo de princípios palestinos de diversas tendências, meses, cerca de 20.000 palestinos de democracia fez com que Arafat tais como a PFLP - Frente Popular foram mortos pelos jordanianos, perdesse a confiança de Israel e dos para a Liberação da Palestina (de segundo Arafat (os números variam Estados Unidos. Em 2004, Arafat, orientação marxista-leninista, de acordo com as fontes, mas foram por forte pressão internacional, fundada pelo Dr. George Habash, muitos milhares de palestinos, passa o poder para Mahmoud um palestino cristão, em 1967) e a seguramente). A direção da OLP Abbas, considerado um líder pouco DFLP - Frente Democrática para a teve que deixar o país, instalando-se expressivo, mas moderado, e que até Liberação da Palestina (de orientação então em Damasco e Beirute. hoje lidera a Autoridade Palestina. ainda mais esquerdista, maoísta, fundada por Nayef Hawatmeh em A OLP-Fatah, ao longo dos anos, O Hamas, por sua vez, é 1969), além de vários outros grupos acabou mudando sua postura em uma organização de caráter menores, de orientação política relação à destruição do Estado fundamentalista islâmico de origem variada. de Israel, tendo Arafat passado a sunita, proveniente da Irmandade aceitar a coexistência de um Estado Muçulmana, tendo sido fundada em Esta mistura ideológica resultou palestino ao lado do estado judaico. 1987 pelo Sheik Ahmed Yassin. em dificuldades, evidentemente. Em 1993, Yasser Arafat e Yitzhak O Hamas conta com um braço Ao Reino Hachemita da Jordânia Rabin, então primeiro ministro de armado terrorista conhecido como não interessava toda essa ebulição Israel, terminaram por assinar, sob as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam política dentro de seu território. A vistas do presidente americano Bill (ou Brigadas Al-Qassam). O Hamas OLP (que se juntara ao movimento Clinton, os Acordos de Oslo. Neste prega em sua Carta de Princípios Fatah em 1967) passara a ser uma documento, Israel se comprometia a eliminação completa do Estado força civil que dominava importantes a gradualmente retornar o território judaico, o estabelecimento de um áreas da Jordânia, fazendo controles conquistado em 1967 para as Estado islâmico fundamentalista e bloqueios de estradas e tentando mãos da OLP e os palestinos se e o direito de retorno para todos sempre humilhar os soldados e comprometiam a aceitar e conviver os descendentes de palestinos ao

62 REVISTA MORASHÁ i 85

que é hoje o território israelense. date dos tempos bíblicos, da época Assim como populações de A Carta nega ainda a possibilidade do exílio babilônico, há quase árabes foram deslocadas com o de conversações de paz com Israel, 3.000 anos. Os primeiros judeus estabelecimento do Estado de alegando que a Jihad é a única chegaram ao Marrocos há 2.000 Israel, as enormes comunidades opção possível na luta pelo Estado anos, quando da destruição do judaicas dos países árabes também islâmico. Conclama todo palestino Segundo Templo pelos romanos, terminaram expulsas. Muito antes a lutar contra o “inimigo que age no ano 70 E.C., tendo influenciado do estabelecimento de Israel, as como os nazistas”, condenando todos profundamente a cultura berbere populações judaicas passavam por os judeus à morte, sejam militares, local. E há também indícios de que constrangimentos e perseguições, idosos, mulheres ou crianças. Em os judeus não sairam todos do Egito muitas vezes similares aos pogroms vários de seus capítulos, a Carta fala com Moisés, tendo restado algumas da Europa (inúmeras matanças em da influência maligna dos judeus cidades judaicas no sul do país, por Shiraz, Alepo, Fez, entre outras). sobre a história da humanidade, volta de 1250 A.E.C. culpando-os por todos os grandes Calcula-se que perto de 1.000.000 eventos históricos recentes (inclusive Em todos esses países de crença de judeus de países árabes e a Revolução Francesa!), numa clara muçulmana os judeus viviam muçulmanos acabaram expulsos posição racista anti-judaica e não geralmente como uma categoria de sua terra natal após a criação apenas anti-Israel. Esta Carta de especial de cidadãos, às vezes de Israel, sendo que a maior parte Princípios nunca foi modificada e, protegidos pelo governante local, às terminou migrando para Israel. A devido aos seus ataques terroristas vezes perseguidos. Mas raramente França recebeu cerca de 250.000 contra a população civil de Israel, se observava migrações maciças por desses refugiados. tanto o Hamas como as Brigadas perseguição em massa. Uma exceção Al-Qassam são consideradas talvez tenha sido o êxodo dos judeus As primeiras ondas migratórias organizações terroristas pelos do Marrocos no séc. 19, quando as substanciais para o Estado de Israel Estados Unidos e pela Europa. perseguições contra eles se tornaram se deram a partir do Iêmen e do constantes e ameaçadoras. Isto, aliado Iraque. Calcula-se que entre 1948 Além de seu braço político, o Hamas à pobreza e falta de perspectiva para e 1951 chegaram a Israel cerca de mantém uma rede de assistência os jovens, fez com que boa parte da 250.000 refugiados destes países. Em social para os empobrecidos população judaica emigrasse a partir 1970, mais de 600.000 imigrantes palestinos, oferecendo escolas de 1810 para lugares distantes como judeus de países árabes já haviam se e creches. Isto fez com que a Amazônia brasileira, o Peru e a estabelecido em Israel. Estas ondas ganhasse apoio da população Venezuela. migratórias não foram simultâneas. local, principalmente em Gaza, Enquanto Iraque e Iêmen foram e consequentemente vencesse as as grandes imigrações iniciais, a eleições locais em 2006, derrotando expulsão dos judeus do Egito foi o Fatah. Desde 2007 o Hamas um pouco mais tardia, com seu pico governa Gaza e o Fatah governa em 1956, durante e logo após a a Cisjordânia, com altos e baixos Campanha do Sinai. Desta mesma no relacionamento entre os dois época data o êxodo maior dos judeus grupos. Agora, em 2014, o Hamas e do Marrocos. o Fatah anunciaram que novamente estavam se unindo pela luta do povo O Líbano foi o único país árabe a palestino, mas na prática esta “união” ver um aumento de sua comunidade foi interrompida pela guerra de Israel judaica nos anos 50, com imigrantes contra o Hamas. vindos principalmente da Síria. Já em 1947, após a queima de sinagogas Os refugiados judeus e do assassinato de 75 judeus por muçulmanos em Alepo, cerca de Os judeus habitaram os países árabes metade da população judaica deixara desde tempos imemoriais. Estima-se Imigrante se movendo para uma nova o país, principalmente em direção a que o judaísmo no Irã (antiga Pérsia) casa em Yahud, 1948 (Kluger Zoltan) Beirute. Logo após a independência

63 SETEMBRO 2014 ISRAEL

menos de 15 anos toda aquela multidão foi absorvida pela sociedade israelense. No censo de 2003, os descendentes desses imigrantes judeus de países árabes somavam cerca de 60% da população total de Israel.

A perda material dos refugiados judeus foi enorme, evidentemente. A World Organization of Jews from Arab Countries (WOJAC) estimou em 2007 que estes bens somariam cerca de 300 bilhões de dólares, em valores atualizados. Jamais houve

2 qualquer menção de compensação financeira por parte dos governantes Imigrantes do Iêmen celebram seu primeiro “Tu Bishvat” em Israel de países árabes.

Não há paralelo possível entre os dois de Israel em 1948, o então presidente Israel foram inicialmente alojados grupos de refugiados, árabes e judeus. sírio Husni al Zaim permitiu a saída em acampamentos temporários, As condições históricas que levaram pacífica de grande número de judeus, que eram chamados de Ma’abarot à formação destas duas populações novamente a maioria indo em direção (do hebraico ma’avar = em trânsito; foram totalmente diferentes. ao Líbano e cerca de 5.000 chegando aliás, a mesma raiz da palavra Ivrim, Enquanto os palestinos saíram do a Israel. Esta passagem pelo Líbano, hebreus). A intenção do Estado de território israelense por incitação dos no entanto, foi transitória, e após Israel, no entanto, era absorver e líderes de países árabes vizinhos, por a Guerra Civil libanesa, nos anos integrar rapidamente estes refugiados medo e por expulsão pelo exército 70, já praticamente não havia uma à nova sociedade israelense. As de Israel, os judeus deixaram os comunidade judaica em Beirute. ma’abarot tinham serviços contínuos países árabes em condições mais de saúde, higiene, alimentação e complexas: muitos almejavam uma Os judeus chegaram a Israel sem educação, e várias destas ma’abarot vida melhor na Terra de Israel, nada possuir, uma vez que todos os transformaram-se em novas concretizando o seu sonho sionista, bens materiais, como imóveis, terras, cidades (Kiriat Pituach = cidade enquanto outros foram expulsos em dinheiro e jóias, foram proibidos de em desenvolvimento), modernas e curto prazo de tempo, de maneira deixar a maioria dos países árabes. totalmente urbanizadas (as cidades violenta. Um grupo não serve de Muitos chegavam com um nível atuais de Kiriat Shemona, Sderot “moeda de troca” do outro – tal social e educacional muito baixo, e Migdal HaEmek, por exemplo, comparação não seria justa. O que se como os judeus iemenitas e, mais começaram como ma’abarot). Apesar pode comparar, sim, foi o processo de tarde, os etíopes, porque assim eram das condições difíceis desse início absorção e acolhimento que as duas as condições destas comunidades da imigração dos refugiados judeus populações receberam: os palestinos nesses países. Mas muitos tinham (aliás, toda a sociedade israelense continuam como refugiados há algum grau de educação e uma passava por enormes dificuldades quase 70 anos, sem solução à vista pequena quantidade deles chegavam no início da criação do Estado) e da para seu problema, enquanto que a ter um ótimo nível educacional, vida sofrida dentro de tendas de lona os refugiados judeus se mesclaram apesar de educação universitária não ou de lata, sob o calor escaldante e se integraram numa sociedade ser uma tradição entre eles, como era de Israel, o modelo de absorção de moderna, dinâmica e em constante em algumas comunidades européias. imigrantes revelou-se um sucesso. transformação.

Tal como os palestinos, os cerca A última ma’abará foi finalmente Sergio D. Simon é médico e presidente de 700.000 refugiados judeus em fechada em 1963 – ou seja, em do Museu Judaico de São Paulo.

64 COMUNIDADES

Judeus na Ucrânia no século 20

No início do século 20, os judeus viviam em quase todas as cidades da Ucrânia. Segundo o primeiro censo geral, realizado no Império Russo em 1897, 1 milhão e 930 mil judeus viviam no território da atual Ucrânia sob o domínio dos czares, representando 9,2% do total da população. Os maiores grupos populacionais viviam no oeste e sudoeste do país. Mais de um terço da população judaica da Ucrânia Ocidental e Central ainda vivia em shtetls, onde era maioria absoluta .

o início do século às fileiras das descontentes massas Os pogroms de 1881-1884, 20, a Rússia czarista operárias urbanas submetidas a ocorridos em grande parte em passava por uma condições de trabalho e de vida terras ucranianas, e as Leis de Maio n grave crise político- extremamente duras. A burguesia haviam abalado profundamente os social. O império, que também estava insatisfeita com judeus de todo o Império. Ademais, desde o final do século 19 vivia uma o status quo, em especial face aos o czar Nicolau II manipulava o abrupta transição do feudalismo para entraves impostos pelo governo às sentimento antijudaico das massas, o capitalismo e uma rápida suas atividades e a falta de acesso tentando convencê-los de que todos industrialização, ainda era governado à vida política. E, à medida que as os “males da Rússia” eram causados por uma monarquia autocrática, ideologias socialistas e liberais iam pelos judeus. Panfletos e jornais sistema político arcaico que se permeando o país, crescia a convicção com propaganda antissemita eram chocava com o modelo econômico de que a situação econômica e social impressos, em sua maioria, nas de capitalismo. Ademais, eram só seria resolvida através de radicais tipografias do governo, inclusive os insustentáveis as desigualdades entre mudanças políticas. famigerados Protocolos dos Sábios a privilegiada e poderosa classe de de Sião, que eram distribuídos por nobres e o restante da população do A situação dos judeus russos era a todo o Império. Império, composta em sua maioria mais precária. Além da pobreza e dos por camponeses paupérrimos que, até problemas econômicos e sociais, o Entre os judeus também crescia sua emancipação, em 1861, haviam antissemitismo e os pogroms eram a convicção de que sua situação vivido em regime feudal de servidão. sancionados pelo governo czarista. só melhoraria se houvesse uma Os que moravam no território da mudança política. O despertar social A falta de condições de sobrevivência atual Ucrânia não eram exceção, pelo das massas judaicas deu origem no campo levara um número cada contrário, pois o ódio dos ucranianos a um grande número de partidos vez maior deles a abandonar a zona pelos judeus conseguia superar o socialistas judeus. Entre eles, o Bund rural. Nas cidades, eles se juntavam antissemitismo russo. e o Poalei Tsion (Trabalhadores de

65 SETEMBRO 2014 COMUNIDADES

sinagoga de Drohobych

Sion), um partido socialista-sionista. intelectual judaico. Um grande massacre que ficou conhecido como Surge também o Movimento número de intelectuais e ativistas “Domingo Sangrento”. Autonomista (também conhecido se reunia em torno do Movimento como Nacionalismo da Diáspora). Sionista e participava ativamente no Diante do clima de revolta, o czar Sua meta era criar uma forma trabalho de suas instituições. Entre lançou um manifesto que garantia secular e modernizada de autonomia os pensadores sionistas da época se liberdades civis básicas e criava a nacional judaica na Ucrânia do destacavam Lev Pinsker e Achad Duma – uma Assembleia Legislativa século 20. Ha’am. que congregava representantes de todas as classes sociais e permitia Havia muitos judeus, porém, que A Revolução de 1905 a ação de partidos políticos. Dois acreditavam que não havia futuro anos antes, em 1903, ainda na para os judeus no Leste Europeu, No ano de 1905, o clandestinidade, o Partido Operário qualquer que fosse o sistema descontentamento, as greves e as Social Democrata Russo (POSDR), político. Acreditavam que os judeus manifestações que se alastraram por o mais importante dentre os só poderiam viver dignamente em todo Império czarista culminaram partidos russos, havia-se dividido Eretz Israel. Os primeiros passos na Revolução Russa de 1905. Em em dois: o Partido Menchevique e o do sionismo moderno foram, janeiro daquele ano, uma marcha Bolchevique. Esse acontecimento foi efetivamente, dados na Ucrânia, espontânea, contando com mais crucial para o futuro da Rússia. Mais articulados principalmente pelo de um milhão de pessoas, dirigiu- moderado, o Partido Menchevique Movimento Bilu1. Em Odessa, se ao Palácio de Inverno do czar adotara uma interpretação o Movimento Sionista funda uma Nicolau II, em São Petersburgo. Os ortodoxa do pensamento marxista influente organização, que atraiu manifestantes reivindicavam, entre e defendia uma reforma política e grupos de jovens intelectuais de outros pontos, liberdades civis e o fim econômica gradual, com o apoio todas as partes da Zona de da censura. Os guardas do palácio da burguesia. Por outro lado, Residência2. Odessa, que contava metralharam os manifestantes o Partido Bolchevique, mais radical e com uma numerosa e influente para impedir que a multidão se majoritário, defendia uma revolução comunidade, tornara-se um centro aproximasse, originando um terrível proletária na qual o governo seria

66 REVISTA MORASHÁ i 85

diretamente controlado pelos A imprensa de direita orquestra uma A imprensa de direita trabalhadores. intensa campanha difamatória contra orquestra uma intensa os judeus. Não era a primeira vez, Para os judeus, a crise de 1905 teve nem a última, que as autoridades campanha difamatória consequências dramáticas. O governo os usavam como bode expiatório, contra os judeus. czarista passou a instigar a violência nem tampouco era a primeira vez contra os judeus e, bandos de rua que explorava uma acusação para Não era a primeira vez, armados (as Centúrias Negras) fins políticos. Mas nunca antes uma nem a última. em que as atacaram judeus em dezenas de campanha de difamação atingira autoridades os usariam cidades e vilarejos. No período de tamanha intensidade. Em outubro 1903 a 1907 ocorreram 691 pogroms de 1913, logo após Yom Kipur, como bode expiatório, que deixaram milhares de vítimas. inicia-se, em Kiev, o julgamento de nem tampouco era Cerca de 660 ocorreram na Ucrânia e Beilis. Supreendentemente, porém, e a primeira vez que Bessarábia, o mais violento em Kiev. apesar das pressões e manipulações, Na época viviam em Kiev cerca de um júri popular, composto em sua se explorava uma 80 mil judeus. A violência só cessou maioria por camponeses, declara acusação para fins em 1907, mas continuou a campanha Beilis inocente. Mas as suspeitas de políticos antissemita do governo czarista, que os judeus eram “maus e traidores” incitando o ódio aos judeus. estavam profundamente arraigadas no subconsciente da população. O caso Beilis A 1ª Guerra Mundial O Caso Beilis, ocorrido na Ucrânia entre 1911 e 1913, foi uma clara A Ucrânia foi palco de sangrentas demonstração dos sentimentos batalhas durante a 1ª Guerra, com antijudaicos do governo czarista. intensos combates na Ucrânia No dia de Tisha B’Av de 1911, Ocidental. A entrada da Rússia Mendel Beilis, um judeu de Kiev, na Guerra acelerou o colapso do é preso sob a acusação de matar Império Czarista. Os exércitos do um jovem cristão por “motivos czar, que não estavam preparados religiosos”. A prisão ocorreu dois para enfrentar o poderio militar meses após ter sido encontrado o da Alemanha, sofrem uma derrota corpo mutilado de um garoto cristão atrás da outra. Na frente ucraniana, de 12 anos, Andrei Yushchinsky. à medida que as forças russas iam Os verdadeiros assassinos – uma debandando, seus soldados atacavam gangue de ladrões – já estavam na as populações judaicas. custódia da polícia, no entanto, as forças reacionárias haviam Em fevereiro de 1917, a miséria conseguido que o então ministro e as derrotas sofridas nos campos da Justiça, I.G. Schcheglovitov, de batalha levaram o povo a se declarasse que o assassinato revoltar. Em 15 de março, as forças havia sido perpetrado por “razões de oposição (liberais, burguesas e religiosas”. A Procuradoria de socialistas) depuseram Nicolau II, Kiev manda libertar os verdadeiros dando início à Revolução Russa assassinos e, publicamente, acusa de 1917. Nessa primeira fase, Beilis e todo o Povo Judeu pelo conhecida como Revolução de crime hediondo. Nicolau II, ao Fevereiro ou Revolução Branca, foi receber a notícia da prisão de Beilis, estabelecida uma república de cunho demonstra, publicamente, sua liberal. Mas teve vida curta, pois, profunda satisfação em saber que um em novembro daquele mesmo ano, judeu fora acusado. o Partido Bolchevique derrubou mendel BEILIS

67 SETEMBRO 2014 COMUNIDADES

No início da 1ª Guerra Mundial viviam nessa cidadezinha ucraniana 15 mil judeus o governo provisório. A Revolução forças ucranianas nacionalistas pró- Vermelha3 russa pôs-se em de Outubro, como é chamada, impôs independência e os bolcheviques marcha em direção à Ucrânia o governo socialista soviético. ucranianos que queriam estabelecer para ajudar as facções pró-soviéticas. na região o domínio soviético. Uma A implantação do regime bolchevique luta semelhante à que hoje está sendo A República Socialista Soviética desencadeou uma guerra civil. Para os travada na região. da Ucrânia (RSSU), pró-soviética, judeus, com a Revolução Bolchevique é criada em 1919, tendo Cracóvia, foram abolidas as restrições que os Do conflito participaram, também, ou Kharkiv, como capital. Naquele confinavam à “Zona de Residência”. forças militares de outras nações: o mesmo ano, o território ucraniano Apesar dos bolcheviques serem Exército Branco anti-bolchevique é invadido a leste pelos soviéticos e, contrários à religião – fosse ela cristã e o Exército Vermelho que se em 1920, a oeste pela Polônia. Em ou judaica – eles se opunham, em enfrentavam na guerra civil russa, os 1921, o Exército Vermelho já havia teoria, ao antissemitismo e a qualquer exércitos da Alemanha, da Áustria- conquistado dois terços da Ucrânia e forma de discriminação contra os Hungria e da Polônia, além de vários a RNU é anexada à RSSU. judeus ou contra qualquer outra bandos anarquistas de cossacos. minoria. Em 1918 o Conselho dos A luta pela independência nacional Comissários do Povo adotou um Os ucranianos nacionalistas ucraniana terminou com uma decreto condenando todo tipo de estabeleceram-se em Kiev, onde Ucrânia dividida e subjugada antissemitismo e conclamando os criaram um Conselho Nacional por outras nações. A República operários e camponeses a combatê-lo. (Rada), que, em janeiro de 1918, Socialista Soviética da Ucrânia passa proclamou a independência da a integrar a ex-URSS. E a Polônia Uma batalha pela República Nacional da Ucrânia anexa a República Nacional do Oeste Ucrânia – 1917 a 1921 (RNU) e sua separação da Rússia. da Ucrânia, inclusive Lviv, que havia As facções ucranianas bolcheviques, sido criada na Galícia, em 1918. A 1ª Guerra Mundial viu o colapso no entanto, boicotaram as iniciativas dos Impérios Austríaco e Russo e o do governo e instigaram conflitos Com esse desmembramento do crescimento do movimento nacional armados, querendo estabelecer o território ucraniano, um número pela autodeterminação da Ucrânia. poder soviético na região. considerável de judeus ficou sob Logo após a Revolução Bolchevique domínio polonês, mas a grande inicia-se, na Ucrânia, uma luta Em dezembro de 1917, um exército maioria, mais de 1,5 milhão, ficam militar pelo controle da região entre de 30 mil homens da Guarda sob domínio soviético.

68 REVISTA MORASHÁ i 85

Os judeus e a guerra judaicas, na sequência de 887 os judeus da Ucrânia. E, apesar pela independência pogroms, e mais de 156 mil judeus desses horrores hoje parecerem foram brutalmente assassinados. mínimos perante o terror do A guerra pela independência constitui Todas as facções que lutaram durante Holocausto, e, serem às vezes um capítulo especial na história dos a guerra pela independência da relegados ao esquecimento, foram judeus da Ucrânia. Muitos haviam Ucrânia participaram, em maior das piores catástrofes da História aderido ao movimento nacionalista ou menor grau da violência, mas a Judaica. maior parte dos pogroms, cerca de ucraniano, o que fez com que fosse Poder soviético substancial a participação judaica na 40%, foram perpetrados por tropas luta pela independência ucraniana. ucranianas. Na Galícia Oriental, por exemplo, Sob domínio soviético, a República ucranianos e judeus lutaram Durante o governo nacionalista Ucraniana Socialista Soviética, a conjuntamente contra as forças de Symon Petliura (1919-1920), Ucrânia, passou a ser uma das polonesas. os pogroms foram uma constante. 15 repúblicas, que, em 1922, Ao invés de coibir suas tropas, formaram a União das Repúblicas Os partidos políticos judaicos das Petliura fechou os olhos para a Socialistas Soviéticas (URSS). mais diferentes ideologias – dos violência antijudaica. Em 1926, Era a segunda mais poderosa socialistas judaicos aos revisionistas ele foi assassinado em Paris, onde república, econômica e politicamente, sionistas – uniram-se à Rada. se refugiara, por um judeu da superada apenas pela República Querendo melhorar as relações com a Bessarábia, Sholem Shvartsbard, Socialista Federativa Soviética população judaica, e manter seu apoio que o considerava responsável da Rússia. No entanto, apesar na luta pela independência, políticos pelos pogroms. Após um julgamento disso, ou talvez por causa disso, ucranianos comprometeram-se a dar polêmico e controverso, ele foi era vítima de um tratamento aos judeus igualdade plena, direitos libertado. (Ver Morashá 77). particularmente duro por parte do comunitários e individuais, e uma Hoje na Ucrânia Petliura é governo central. autonomia comunitária. Prometeram, considerado um herói nacional que também, a indicação de um ministro lutou pela independência ucraniana. Viviam, então, na Ucrânia 1,5 milhão de Assuntos Judaicos no Gabinete de judeus, que representavam cerca ucraniano, a destinação de uma A Guerra Civil de 1918-21 trouxe de 5% da população total. E, apesar parcela de impostos estaduais para em seu bojo a maior violência, de 300 mil judeus terem deixado programas educacionais judaicos e não vista desde o século 17, contra a República para se estabelecer outros propósitos, e a declaração do iídiche como um idioma oficial do Estado.

Após a declaração de independência da República Nacional da Ucrânia, os judeus passaram a ser representados na Rada por 50 delegados; foi estabelecida uma Secretaria de Assuntos Judaicos, nomeado um ministro e aprovada uma lei sobre “autonomia pessoal nacional”. Mas, em julho de 1918, a autonomia foi revogada e a Secretaria dissolvida. Ademais, desde outubro de 1917 uma onda de violência contra a população judaica alastrara-se por toda Ucrânia, só terminando em maio de 1921. Nesse período, delegação da comunidade judaica em Kolomyya recebe carlos i, imperador da foram atacadas 530 comunidades áustria e rei da hungria

69 SETEMBRO 2014 COMUNIDADES

em outras partes da então União korenizatsiya, cujo significado sofreu uma transformação radical. Soviética, representavam 60% do era “nativização” ou, no sentido Stalin procurou reformar a sociedade total dos judeus que viviam na literal, “arrancar raízes”. Sob o através de um planejamento URSS. lema “nacionalista em sua forma, econômico agressivo realizado através mas socialista em seu conteúdo”, de planos quinquenais, que visavam Era grande o número deles encorajava o desenvolvimento a coletivização da agricultura e uma nos grandes centros urbanos, das artes e da cultura das diversas industrialização de base acelerada. principalmente, em Kiev, Mykolaiv, minorias, principalmente dos Com poder quase ilimitado, seu Kharkiv, Donetsk, Odessa e idiomas reprimidos pelos governos governo, um brutal regime totalitário, Dnipropetrovs, que abrigava então czaristas. Permitia, também, às foi marcado por execuções e a segunda maior população judaica lideranças locais, ocuparem postos expurgos múltiplos. Há historiadores da Ucrânia, depois de Kiev. administrativos nos governos que acreditam que o número de Na década de 1920, os judeus já e na burocracia das respectivas vítimas da era stalinista pode ter representavam 22% da população repúblicas. O objetivo era prevenir chegado a 20 milhões. Todas as urbana ucraniana. o desenvolvimento de movimentos armas eram utilizadas para eliminar antissoviéticos. os “inimigos”. Se verdadeiros ou O iídiche era o idioma falado por imaginários, isto era irrelevante; a 97% dos judeus locais em 1897 e, em Apesar da ideologia marxista sobrevivência do sistema de poder 1926, 76,3 % ainda o consideravam questionar a legitimidade de uma criado por Lênin e Stalin dependia a língua-materna. Nos primeiros identidade nacional judaica, os judeus de sua existência. anos do domínio soviético, a Ucrânia foram incluídos na korenizatsiya. (juntamente com a Bielorrússia) Essa política gerou conflito entre Para Stalin, a Ucrânia tornou-se um tornou-se um centro de cultura os judeus e os ucranianos. Sendo laboratório de testes para o processo iídiche desprovida de qualquer eles a nacionalidade predominante, de reestruturação soviética. Ademais, conteúdo religioso. Escolas, teatros, os soviéticos encorajaram a ele estava decidido a eliminar o jornais e editoras foram fundados “ucranização” da República. Entre sentimento nacionalista ucraniano, como, também, o “Instituto outros, o idioma ucraniano tornou- que considerava uma ameaça ao Judaico de Cultura Proletária na se o idioma oficial e aumentou o regime, e pôr um fim “ao problema Ucrânia”, vinculado à Academia percentual de ucranianos no Partido da lealdade ucraniana dividida”. Ucraniana de Ciências. Coleções Comunista local. judaicas etnográficas foram criadas É indiscutível o antissemitismo de e ampliadas. No final da década de Os judeus optaram por se aproximar Stalin, bem como a sua determinação 1930, durante os expurgos stalinistas, dos russos, uma minoria nessa de se livrar, de alguma forma, dos quase todas essas instituições foram república, mas a nacionalidade judeus enquanto judeus. Mas, até a eliminadas. dominante na então URSS. década de 1940, ele manteve uma Essa aproximação e o fato de atitude pública cautelosa, já que A Ucrânia sempre foi vista com muitos judeus terem tido muitos dos principais bolcheviques desconfiança por Moscou. Os participação na Revolução Russa eram judeus ou casados com judias. líderes soviéticos sabiam que a fez com que eles passassem a ser O que não o impediu, no entanto, de nacionalidade e a língua ucraniana associados com os bolcheviques e perseguir qualquer manifestação do eram um elemento de grande peso, a opressão soviética. Surge, então, espirito judaico. e que teriam que enfrentar uma mais um elemento no imaginário contínua resistência e incessantes antissemita ucraniano: a figura do Em 1929, Stalin dá início a uma insurreições, a menos que fizessem “judeu-bolchevique”, isto é, do campanha contra a cultura ucraniana grandes concessões à autonomia “opressor judeu-comunista”. e judaica, reprimindo brutalmente cultural ucraniana. os aspectos “nacionais” das duas No início da década de 1920, Era Stalinista culturas. O russo, por exemplo, o regime soviético, querendo 1927 a 1953 substituiu o ucraniano em todos os harmonizar seu relacionamento estabelecimentos oficiais. Os judeus com as repúblicas da ex-URSS, A partir da subida ao poder de viram suas instituições culturais, adotou uma política chamada Joseph Stalin, em 1927, a ex-URSS teatros e escolas serem fechados; e

70 REVISTA MORASHÁ i 85

as publicações judaicas reduzidas ao mínimo. As atividades religiosas e sionistas tiveram que ir para a clandestinidade. No final da década de 1930, a maioria dos envolvidos na propagação da religião judaica ou do sionismo haviam sido presas.

As perseguições contra opositores políticos, intelectuais e escritores – judeus e não judeus – atingiram proporções absurdas. Milhares foram presos, enviados ao exílio ou executados. Após ter retirado de circulação todas as pessoas em toda a ucrânia, judeus demonstram seu dinamismo comercial que poderiam se transformar em líderes de qualquer movimento de resistência, Stalin passa a atacar Ainda na década de 1930, as O avanço para o Leste das forças o campesinato, o real núcleo das autoridades soviéticas estabeleceram nazistas foi rápido; em apenas dois tradições ucranianas. A “guerra” quatro distritos judaicos autônomos meses conquistaram a Ucrânia, o travada contra os camponeses no sul da Ucrânia e na Crimeia. leste da Polônia, a Letônia, Estônia ucranianos era, de certa forma, Foram implantadas amplas fazendas e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste empreendida contra a consciência coletivas, cujos membros eram, em da República Russa. À medida nacional ucraniana. sua maioria, judeus. Sua criação que os alemães avançavam e forças causou mais uma vez um grande soviéticas batiam em retirada, Em 1928, ele implantou uma atrito entre judeus e nacionalistas milhões de militares e civis – judeus política de requisição compulsória ucranianos. As fazendas funcionaram e não judeus – eram evacuados ou de cereais, que autorizava o até a 2ª Guerra Mundial, quando fugiam mais para o Leste. Mas nem governo a se apropriar de todo o forças alemãs as ocuparam e todos conseguiram. Historiadores cereal cultivado pelos camponeses, mataram seus habitantes. acreditam que cerca de 2,4 milhões pagando um preço muito abaixo de judeus – em sua maioria mulheres, dos custos de produção. Em A Shoá idosos e crianças – ficaram presos nas seguida, deu início à coletivização áreas sob domínio nazista. forçada das propriedades agrícolas. Na Ucrânia, entre 1,4 e 1,5 milhão Foi na Ucrânia que a política de homens, mulheres e crianças foram A Ucrânia foi a primeira das coletivização deparou-se com a assassinados – a maioria executados a repúblicas soviéticas a ser ocupada mais violenta resistência – que não tiros pelos Einsatzgruppen5. pelos nazistas – Kiev caiu em 19 impediu, entretanto, que o processo de setembro. À véspera da invasão já estivesse praticamente completo Para os judeus da República viviam na República Ucraniana por volta de 1932. Ucraniana, o pesadelo nazista Socialista Soviética (incluindo teve início no dia 22 de junho os recém-anexados territórios da Stalin também impôs metas de de 1941, quando a Alemanha deu Galícia Oriental e Volínia Ocidental) produção e de confisco de grãos, início à Operação Barbarossa, a aproximadamente 2,3 milhões de se fosse necessário, para atingir invasão da União Soviética. Esse judeus. Como grande parte deles tais metas, que só poderiam ser acontecimento foi decisivo no viviam na região ocidental, eles alcançadas caso os ucranianos Holocausto, pois deu início ao não conseguiram escapar antes da parassem de se alimentar. genocídio sistemático de judeus, com chegada da Wehrmacht, tampouco O resultado não deve surpreender: a a destruição metódica e organizada conseguiram fugir os judeus que fome se alastrou e por volta de de comunidades inteiras, mesmo viviam nos shtetls. Apenas os que 4 5 milhões de ucranianos morreram antes de entrarem em funcionamento estavam no sul e na parte oriental de fome entre 1932-1933. as câmaras de gás. da Ucrânia tiveram tempo de fugir.

71 SETEMBRO 2014 COMUNIDADES

Sob olhar de nazistas e guardas ucranianos , mulheres e meninas judias são levadas para trabalho forçado. Ucrânia, 1943

Até recentemente, não havia sido Em toda a Ucrânia, antes mesmo de polícia ucraniana à sua disposição, possível confirmar os números. As os nazistas iniciarem a matança, a permitiu aos nazistas, rapidamente, poucas informações se deviam, em população local foi responsável por identificar e reunir os judeus em grande parte, à política soviética que sangrentos pogroms. Para muitos grandes grupos que, a seguir, eram procurava ignorar o fato de que a ucranianos a invasão nazista foi conduzidos para locais ermos onde, maioria das vítimas dos massacres era vista como a libertação do jugo um a um, família após família – composta por judeus. soviético, na percepção de muitos, o homens e mulheres, velhos e crianças “opressor judeu-comunista”. Ainda – eram mortos a tiros. Desde os primeiros dias da ocupação não se tem certeza se a eclosão desta da Ucrânia, os nazistas iniciaram a violência fez parte nas discussões Poucos foram os ucranianos que perseguição e matança de judeus. pré-invasão entre a Inteligência protestaram, entre eles, Andrei Unidades de Einsatzgruppen, Alemã (Abwehr) e membros da Sheptytsky, da Igreja Grego- passaram a cercar judeus, comunistas Organização de Nacionalistas da Católica-Ucraniana, que condenou e outros grupos e a executá-los a Ucrânia (OUN), liderada por Stepan publicamente a violência contra tiros. Eles contavam com a ativa Bandera6. Sob a liderança militante os judeus e resgatou crianças, e entusiástica colaboração da de Bandera, a OUN organizou as escondendo-as em sua rede de população. Os alemães sabiam Waffen SS Ucranianas da Galícia e conventos e mosteiros. que, no Leste Europeu, durante as Divisões Nichtengall e Roland, séculos, os judeus haviam sido que participaram do assassinato de Em novembro de 1941, dois terços da odiados e amaldiçoados, perseguidos judeus. (Em 2010, o ex-presidente Ucrânia estavam sob a administração e mortos e uma das “tarefas” dos ucraniano Yushchenko elevou Stepan civil alemã – o Reichskommissariat Einsatzgruppen era organizar, Bandera a “herói da Ucrânia”, que é Ukraine (RKU). Rapidamente, os entre a população local, grupos hoje o maior ícone político da direita nazistas impuseram sobre os judeus de assassinos. Estavam confiantes nacionalista). Além desses grupos as medidas adotadas em outros países, de que os antissemitas poderiam militantes, milhares de ucranianos se colocando-os fora da jurisdição da facilmente perpetrar assassinatos voluntariaram para ajudar os nazistas lei e obrigando-os a usar a Estrela de em massa, e estavam absolutamente participando da perseguição e do David. Os homens eram levados aos certos. Sem tal participação, teria assassinato de judeus. Milhares se campos de trabalho forçados e foram sido impossível que as matanças tornaram guardas nos campos de criados guetos na Ucrânia Ocidental. atingissem a escala que de fato extermínio. O fato de a polícia alemã Quando os judeus eram despojados tiveram. ter mais de 120 mil membros da pelos alemães de seus pertences,

72 REVISTA MORASHÁ i 85

ucranianos tentavam se aproveitar resistência armada, inicialmente. na Na Ucrânia, o antissemitismo oficial, da situação, passando a se apossar e Volínia Ocidental e, em 1943, também algumas vezes encoberto com um saquear propriedades de judeus. na Galícia. leve verniz de anti-sionismo, assim O primeiro assassinato em massa como da população em geral, era de mulheres e crianças ocorreu De 1944 a 1991 especialmente proeminente. Em em julho de 1941, em Ostrih, na 1963, por exemplo, a Academia Volínia. O genocídio assumiu uma No final da guerra, pouco restara de Ciências da Ucrânia publicou nova dimensão após o massacre da comunidade judaica ucraniana um trabalho de Trokhym Kichko, organizado em agosto pelo líder SS, e os judeus que sobreviveram Iudaizmbez prykras ( Judaísmo Friedrich Jeckeln, em Kamianets- defrontaram-se com um violento sem Embelezamento), uma obra Podilskyi. Entre os dias 27 e 29 antissemitismo ao tentarem recuperar abertamente antissemita. desse mês, os nazistas mataram a suas casas e propriedades. tiros 23.600 judeus. Em setembro, os No início de 1960, dissidentes assassinatos em massa continuaram A preservação pública da memória ucranianos e judeus intensificavam na Ucrânia Oriental. O maior do Holocausto durou pouco, suas atividades, os primeiros pedindo massacre aconteceu em Babi Yar, desaparecendo completamente das mudanças políticas e os últimos ravina nos arredores de Kiev, comemorações oficiais. Os anos do defendendo a livre emigração para onde mais de 30 mil judeus foram pós-guerra foram caracterizados Israel. Embora suas demandas assassinados. (Ver artigo pág. 34). pelo silêncio oficial soviético em fossem diferentes, a necessidade por relação ao sofrimento singular dos mudanças era algo que os dois grupos Na primavera de 1942, os nazistas judeus durante o Holocausto. As compartilhavam e havia contatos passaram a “organizar” os que haviam autoridade davam ênfase ao mito informais entre os movimentos. sobrevivido às chacinas – a maioria da “Grande Guerra Patriótica” e aos na Ucrânia Ocidental, de acordo comunistas mortos, negligenciando Com o início da Era da Glasnost, o com sua capacidade de trabalho. completamente o fato da identidade movimento ucraniano predominante Consequentemente, intensificou-se judaica de 1,5 milhão de vítimas. A na luta por mudanças era o Rukh, o assassinato de mulheres e crianças. linha oficial referia-se a eles como os que adotara uma postura amistosa Judeus da Galícia selecionados “pacíficos cidadãos soviéticos”. Foi em relação aos judeus da Ucrânia para destruição foram deportados somente a partir do final de 1980 quanto do Estado de Israel. Quando, no campo da morte em Betzec, que começaram a surgir esforços em maio de 1990, o Pamiat, e recomeçaram as execuções em governamentais e, posteriormente, organização de extrema direita russa, massa na Volínia e em Podília e na públicos para manter a memória do clamou pela violência antissemita, região de Mykolaiv. Em julho de Holocausto e integrar esse período à o Rukh fez uma exitosa campanha 1942, aproximadamente 600 mil história da Ucrânia. contra tais ataques, convencendo judeus ainda estavam vivos. Mas, a maioria foi vítima da campanha de assassinatos executada entre julho e novembro daquele mesmo ano.

O terror nazista pegara os judeus ucranianos totalmente desprevenidos. Essa foi a principal razão pela qual os nazistas não enfrentaram maiores obstáculos durante a primeira onda de matança. Mas, a situação mudou em 1942, principalmente durante os ataques aos guetos. Houve tentativas de fuga em massa em direção às florestas e, quando ficou claro que os nazistas pretendiam liquidar os guetos, iniciou-se a comemoração de simchat torá em sinagoga do séc. 19; bershad, UCRÂNIA, 1997

73 SETEMBRO 2014 COMUNIDADES

1 2

1. antiga sinagoga de Uzhgorod, Transcarpátia, ucrânia 2. sinagoga de Kharkov coral muitos ucranianos judeus de que o Ao longo dos anos 1990, o país A comunidade judaica ucraniana é movimento nacional democrático enfrentou uma dura trajetória hoje uma das mais numerosas da merecia o seu apoio. na transição da economia socialista Europa. Vivem no país cerca de planificada para uma de mercado. 70 mil judeus praticantes e mais Após 1991 de 300 mil ucranianos têm origem No final do período soviético, os judaica. Até a atual crise Ucrânia A Ucrânia tornou-se oficialmente judeus tinham começado a emigrar versus Rússia, eles constituíam uma independente em 1991, com o rapidamente, principalmente comunidade florescente. Mas, a colapso da então União Soviética. para os Estados Unidos e Israel. crise política que está dilacerando Segundo o censo de 2001, cerca de o país também esta afetando a vida 380 mil judeus escolheram partir. dos judeus. Muitos se perguntam Representavam três quartos da até que ponto as lutas internas vão população judaica do país. alimentar o enraizado antissemitismo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ucraniano, e se serão obrigado a 1 Movimento Bilu – um acrônimo do No entanto, o judaísmo ucraniano deixar o país... versículo bíblico de Isaías: Beit Ya’akov mostrava impressionante vitalidade. Lechu Venelcha (“Ó Casa de Yaakov, subamos (à Terra de Israel)”, era um Uma comunidade forte permaneceu movimento cujo objetivo era a colonização em Kiev, inicialmente organizada BIBLIOGRAFIA agrícola da Terra de Israel. sob a liderança de Yaakov Dov Dubnow, Simon, History of the Jews in 2 Zona de Residência - Zona de assentamento Bleich, um chassídico americano Russia and Poland: From the Earliest judeu na Rússia Imperial (1791-1917). Este que se tornou rabino-chefe da Times Until the Present Day, Ed. Nabu termo designava uma determinada região do Press, 2010 Império Russo destinada exclusivamente aos Ucrânia durante os últimos anos judeus, sendo a sua residência proibida no de dominação soviética. Uma rede Heifetz, Elias,The Slaughter of the Jews restante da Rússia. de escolas judaicas e sinagogas in the Ukraine in 1919: [1921] Cornell 3 University Library, 2009 Guarda Vermelha ou Exército Vermelho é surgiu nos centros mais importantes, o nome abreviado do “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses”. Criado principalmente em Kiev, L’viv e Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy por Leon Trotsky, bolchevique, durante Dnipropetrovs’k, e muitos edifícios The Shoah in Ukraine: History, Testimony, a guerra civil russa, foi desmantelado em Memorialization, Indiana University 1991. O nome faz referência à cor vermelha, que haviam sido confiscados pelo Press símbolo do socialismo, e ao sangue regime da URSS foram devolvidos Levine, Naomi, Jews in Soviet Union (Vol. derramado pela classe operária em sua luta à comunidade. Jornais judaicos contra o capitalismo. 1): A History From 1917 to the Present, 4 em russo circulavam e instituições NYU Press De acordo com os dados oficiais do culturais foram reavivadas, como governo ucraniano foram 7 milhões Meir,Natan M. Kiev, Jewish Metropolis: 5 o Museum Tkuma do Holocausto Einsatzgruppen - esquadrões especiais A History, 1859-1914 (The Modern Jewish homicidas preparados pelos líderes da SS e o Centro de Pesquisa em Experience), Ed. Indiana University Press, em antecipação à invasão. Dnipropetrovs’k. 2010

74 CARTAS REVISTA MORASHÁ

Fico feliz por poder receber a revista Morashá, cujas reportagens são bastante interessantes. Com ela é possível manter as tradições e ter uma fonte de leitura sobre o judaísmo, além de nas festividades ter histórias que são contadas e que podemos passar para as próximas gerações através do conteúdo lido e absorvido.

Alexandre Sztejnman Rio de Janeiro, RJ

Lendo o artigo “A Terra de Estou morando, temporariamente, Hoje, 24 Julho 2014, já posso Israel: pátria eterna do Povo em uma pequena cidade na respirar aliviada. Morashá Judeu”, não tem como ficar inerte. Alemanha na divisa com a chegou. A edição 84, linda e Recebo a revista Morashá desde Suíça, onde só há uma pequena emocionante. Principalmente 2008 e estou impressionado com a comunidade judaica, composta pelo momento que estamos firmeza e autoridade deste artigo. principalmente por russos. Não passando, a Morashá é um alento Parabéns, parabéns. Abençoado seja há sinagoga, nem rabino, mas e um suporte para cada judeu o idealizador deste artigo, que soube um site para o qual escrevo como aqui desta terra. Moro numa buscar na profecia de Rashi e na clara colaboradora de artigos sobre judeus cidade, atualmente, onde eu sei evidência da Torá fatos incontestes. no mundo. Escrevo, em principio, que só somos três judeus. Finalizando, faço coro com o para valorizar nosso povo e mostrar Então, só quero agradecer esse ministro Binyamin Netanyahu: o quanto construímos e participamos suporte e alento. A cada edição que ‘... o Povo de Israel voltou para do desenvolvimento de todos os recebo, aqui, tão isolada, casa para nunca mais ser expulso países em que nos encontramos. é um grande alívio. Recebam a de lá”. Eu pesquiso muito na Morashá; a minha gratidão. Ricardo Fortuna revista é de um valor inestimável Yvonne Kikoler Belo Horizonte, MG para mim, pois é confiável. Com a Por email mudança, trouxe algumas edições e Gostaríamos de receber a gostaria de receber outras, ainda que Estava procurando on-line Morashá, pois é uma revista antigas. informações sobre a Ucrânia e que promove a identidade judaica Chaya Zinderstein entrei no site da Morashá. através da exposição das tradições Alemanha, Por email Já tinha entrado outras vezes e milenares, bem como das reflexões sempre admirei o trabalho de sócio-históricas, fortalecendo Muito grato pelo envio da edição vocês. Achei extraordinários os nossos laços com a cultura e religião 84 da revista Morashá. Despertou- artigos dessa edição, especialmente, judaica. me interesse especial a reportagem no momento que os judeus do Hugo Vainer Viegas de Reuven Faingold sob o mundo estão vivendo. Quero São Paulo, Sp título “Médicos Cristãos Novos parabenizar a equipe pelo abandonam Portugal em 1614”. conteúdo de cada matéria. Quero novamente parabenizar toda A citada matéria aguçou-me o desejo Queria destacar vários artigos, a equipe e os colaboradores desta antigo de sugerir à revista uma além da matéria sobre os judeus maravilhosa revista, como também reportagem sobre o saudoso médico da Ucrânia até o século 20, pela excelência dos artigos nela Isaac Izecksohn, autor do livro Terra de Israel, Heróis Judeus publicados e agradecer o envio da “Os Marranos Brasileiros”, composto e o avanço do antissemitismo na Morashá há anos. e impresso na INPRES, em 1967. Europa. Maurício C.S.Falk miguel ribeiro gomide Juliana Weiss São Paulo, SP Juiz de Fora, MG Por email

75 setembro 2014