UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE

SUZANE CLÁUDIA GOMES PEREIRA

VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?: O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD

(V.1)

Salvador 2013

SUZANE CLÁUDIA GOMES PEREIRA

VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?: O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD (V.1)

Tese apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Cultura e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Borges Alves

Salvador 2013

SUZANE CLÁUDIA GOMES PEREIRA

VOCÊ PENSA QUE AQUI É A CASA DA VIÚVA COSTA?: O TEATRO DE REVISTA PARAENSE NA CENA DE ANTÔNIO TAVERNARD

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Cultura e Sociedade, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em ...... de ...... 2013.

Banca Examinadora

Paulo César Borges Alves - Orientador ______Doutor em Social and Environmental Studies Sociology, the University of Liverpool Universidade Federal da Bahia

Ligia Guimarães Telles ______Doutora em Letras pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia

Antônia Torreão Herrera ______Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo Universidade Federal da Bahia

Leonardo Vincenzo Boccia ______Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia

Marilda de Santana Silva ______Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia

À minha família, pela união que me fez ter coragem para abraçar esta pesquisa; pela confiança depositada no meu trabalho e pelo apoio diário.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que está comigo em todas as minhas ações.

À minha mãe e irmãos, especialmente à minha irmã Socorro Gomes, a quem muito admiro e que está presente nos momentos importantes e decisivos da minha vida, apoiando-me sempre com uma palavra amiga e correta.

À minha querida amiga Andrea Alves que sempre esteve pronta para ajudar e auxiliar na pesquisa, compartilhando minhas dúvidas e anseios, companheira nas horas mais difíceis.

Ao Prof. Dr. Paulo Alves, pela orientação da pesquisa. Às Profas. Dra. Marilda Santana, Dra. Lígia Telles e Dra. Antônia Torreão, e ao Dr. Leonardo Boccia pelas valiosas contribuições para este estudo.

À Profa. Waldinett Torres pela ajuda e sugestões, além da amizade e apoio que sempre me foi oferecido.

Ao Grupo Teatral da ETDUFPA, que muito me honrou acompanhar a produção, permitindo-me fotografar, entrevistar e testemunhar o sucesso do espetáculo A Casa da Viúva Costa, especialmente aos diretores Paulo Santana e Marluci Oliveira, sempre atenciosos e simpáticos.

As grandes amigas Sonia Amorim, Ana São José e Renata Marcelino que se fizeram presentes durante a minha trajetória na Bahia. À querida amiga Josefa Magalhães que foi incansável, auxiliando na consulta a materiais, inclusive obras raras, junto à biblioteca pública na Fundação Tancredo Neves.

À Professora Cida Lopes pela revisão do texto, pelo apoio e sugestões. Às minhas grandes amigas baianas Terezinha Spínola e Else Costa, que muito me incentivaram, e pelo carinho.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para este trabalho.

O boto não dorme No fundo do rio Seu dom é enorme Quem quer que o viu Que diga, que informe Se lhe resistiu O boto não dorme No fundo do rio...

(Antônio Tavernard/Waldemar Henrique, 1934)

RESUMO

Este estudo buscou identificar as particularidades e as contribuições socioculturais percebidas ao abrir as cortinas do teatro paraense, consolidando a cena revisteira produzida na cidade de Belém. Para melhor entender a cena amazônica no teatro de revista nas quatro primeiras décadas do século XX, investiga-se e apresentam-se as suas características e configurações, além da trajetória histórica e cultural do gênero revisteiro. Pontua-se a modernização e urbanização advindas com a pujança da borracha para a região Norte, e as transformações desse contexto espetacularizado. A pesquisa destaca a dramaturgia de Antônio Tavernard, tomando como ponto de referência o estudo de caso de uma encenação de A Casa da Viúva Costa. Esse texto busca contribuir e acrescentar fatos ainda inéditos no registro da história do teatro brasileiro. Utilizou-se de diálogos traçados com autores diversos, dos quais ressaltam o historiador paraense Vicente Salles e a historiadora do teatro musicado Neyde Veneziano. Concluiu-se que a memória da produção cênica do Pará carece figurar nos textos do cenário teatral brasileiro, face à singularidade e a diversidade do ato amazônico.

Palavras-chave: Teatro no Pará. Teatro de revista paraense. Dramaturgia de Antônio Tavernard. A Casa da Viúva Costa.

ABSTRACT

This study seeks to identify the socio-cultural particularities and contributions visible upon opening the curtain to theater from the state of Pará, strengthening the revue theater produced in the city of Belém. In order to better understand the Amazonian scenery in revues of the first four decades of the 20th century, its characteristics and settings are here investigated and presented, in addition to the historic and cultural trajectory of the revue genre. The modernization and urbanization rising from the rubber boom in the Northern region of Brazil are highlighted, as well as the transformation of this dramatic context. The study underscores the work of the playwright Antônio Tavernard, referencing the case study of a staging of A Casa da Viúva Costa. This text seeks to contribute and add unpublished facts to the of Brazilian theater. Structured conversations with various authors were used, including the historian Vicente Salles of Pará and the musical theater historian Neyde Veneziano. It is concluded that the memory of Pará’s stagecraft is lacking within texts on Brazilian theatrical scenery, considering the uniqueness and diversity of the Amazonian reality.

Key-words: Theater in Pará. Revue theater from Pará. Dramaturgy of Antônio Tavernard’s.. A Casa da Viúva Costa.

RÉSUMÉ

Cette étude visait à identifier les particularités et la perception des contributions socioculturelles pour ouvrir les rideaux du Pará théâtre, la consolidation de la scène ‘revisteira’ produite dans la ville de Belém. Dans le but de mieux comprendre la scène à Amazon dans le théâtre le magazine revues au cours des quatre premières décennies du XXe siècle, enquête et de présenter ses caractéristiques et des paramètres, ainsi que la trajectoire historique et culturel de genre ‘revisteiro’. Il souligne la modernisation et de l'urbanisation issu de la résistance du caoutchouc vers le Nord, et les transformations qui spectacularisés contexte. La recherche met en évidence la dramaturgie de Antônio Tavernard, en prenant comme référence l'étude de cas d'une mise en scène de A Casa da Viúva Costa. Ce texte vise à contribuer et ajouter des faits non encore publiées dans le compte rendu de l'histoire du théâtre brésilien. Nous avons utilisé des traces de dialogues avec divers auteurs, qui soulignent de l'historien paranaense Vicente Salles et théâtre à la musique historien Neyde Veneziano. Il a été conclu que la mémoire de la production scénique de Pará manque apparaissent dans les textes de scène de théâtre brésilien, compte tenu de la spécificité et de la diversité de l'Amazonie acte.

Mots-clés: Théâtre dans le Pará. Théâtre le magazine Pará. La dramaturgie de Antônio Tavernard. A Casa da Viúva Costa.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 BREVE HISTÓRIA DO TEATRO DE REVISTA 18 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO 18 2.2 O TEATRO DE REVISTA PORTUGUÊS 23 2.3- A REVISTA BRASILEIRA 27

3 PARÁ: TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS- CULTURAIS 39 3.1 A COLONIZAÇÃO NO NORTE E A BELLE-ÉPOQUE 39 3.2 MODERNIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DE BELÉM (1900 – 1930) 45 3.3 O TEATRO NO PARÁ 51 3.4 AS CASAS DE ESPETÁCULOS 60 3.5 O TEATRO DE REVISTA NO PARAENSE 64 3.5.1-Estrutura 64 3.5.2 Enredo 66 3.5.3 Cenário 80 3.5.4 Iluminação 81

4 TAVERNARD 85 4.1- PRODUÇÃO LITERÁRIA 91 4.2- DRAMATURGIA TAVERNARDIANA 104

5 A CASA DA VIÚVA COSTA 115 5.1 A ENCENAÇÃO DE 2011 117 5.1.1 Estrutura 120 5.1.2 Enredo 121 5.1.3 Cenário 126 5.1.4 Iluminação 132 5.1.5 Personagens e figurinos 133

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 151

REFERÊNCIAS 153

APÊNDICES 164

ANEXOS 170 12

1 INTRODUÇÃO

Na história da cena teatral brasileira, o teatro gestado e apresentado no estado do Pará carece de estudos que o (re)conheçam. E a partir dessa constatação, questionamentos vêm à baila: por que o teatro de revista1 que se propagou na região Norte não se fez registrar? Como foi delineado o espaço cultural que se manifestava no período revisteiro na cidade de Belém? Buscar compreender e responder a tais indagações norteou este estudo que promoveu uma abertura das cortinas do passado para contribuir com a construção de um conhecimento do fazer teatral na cena amazônica. É o Teatro de Revista Paraense, ainda pouco explorado por historiadores e pesquisadores, o objeto dessa pesquisa de Doutorado, realizada na Universidade Federal da Bahia, e que pretende evidenciar a existência de um teatro de revista vivo e intenso fora do eixo Rio e São Paulo, o qual desenvolveu características próprias, com particularidades do modelo do teatro nazareno2, bem como analisar a dramaturgia paraense a partir da obra de Antônio Tavernard. Escolheu-se, para tanto, A Casa da Viúva Costa, texto dos dramaturgos paraenses Antônio Tavernard e Fernando Castro, da década de 1930. À época, Belém desenvolvia um teatro do povo, assim chamado porque era apresentado em praça pública e/ou em casas de espetáculos menores, o que dava acesso a públicos diversos, ampliando assim a cena teatral local. A importância de tal escolha dá-se por tratar de um texto de Tavernard, autor não só de teatro, mas que passeia por outros gêneros textuais como conto, crônica e poema, e que teve a sua dramaturgia deixada à parte pelos estudos acadêmicos. O espetáculo A Casa da Viúva Costa foi montado a partir de 1931, por diferentes grupos, porém a montagem analisada, nesta Tese, é a mais recente: 2011/2012, encenada pela turma do primeiro ano do curso técnico da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), sob a direção de Marluce Oliveira e Paulo Santana.

1 Segundo Marilda Santanna (2009, p. 114), “Esse gênero irreverente tinha como proposta artística passar em revista1 os fatos cotidianos acontecidos durante o ano, emoldurados por canções, mulheres bonitas com corpos e pernas bem torneadas, muita fantasia e tipos que desfilavam uma infinidade de situações costuradas por um texto ágil e de fácil agrado.” 2 Teatro popular que se formou ao redor da Praça de Nazaré, bairro onde fica a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré e que abriga a procissão do Círio de Nazaré, manifestação religiosa e festiva do segundo domingo do mês de outubro em Belém do Pará.

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Comédia de costumes revisteiro, A Casa da Viúva Costa traz na sua estrutura narrativa, sem divisão de quadros, uma sátira à sociedade paraense. Goza os notáveis da época, apresentando um registro sutil e malicioso, com recurso de duplo sentido3, trazendo movimentação à cena, além de situações hilariantes de fácil agrado do público. O enredo não deixa a cena oca, nem monótona. Existe um tempo de comédia. O texto é vivo, ágil, cheio de malícia e sensualidade, e tem um espaço dramático bem articulado. “Você pensa que aqui é a casa da Viúva Costa?”, frase do final do prólogo, passou a ser usada pela sociedade paraense, na época das primeiras encenações, quando queria dizer de um lugar de respeito e não de algazarra. Fala tão significativa, que dá título a esta Tese que investigou a ausência da cena paraense no contexto teatral brasileiro, e a presença de Tavernard como dramaturgo. Tomou-se como método o estudo de caso para desenvolver a análise, além do diálogo com fontes primárias e leituras específicas. O embasamento teórico foi feito a partir das referências elencadas a seguir: no teatro de revista português, é considerada a teoria de Vitor Pavão dos Santos (1978; 2002), que apresenta a ideologia da revista portuguesa como comercial, dependente da resposta do público, pois pretendia agradar e vender a todos. Ela tanto poderia ser de direita, quanto de esquerda, criticava o poder ou tomava parte dele, documentava passado/presente, novo/velho, tradição/progresso, não muito diferente da revista brasileira. Assim como o enredo da revista portuguesa critica a classe dominante, satisfazendo a classe mais desfavorecida que compensa, assim, as suas frustrações, vê-se a mesma linha de recurso utilizada no teatro de revista brasileira, que satiriza o poder e satisfaz o público. Verificam-se, ainda, na estrutura dessa revista, os personagens à época de Salazar4. Para Vitor Pavão dos Santos, a técnica da revista aproxima-se singularmente ao que Aristófanes, comediógrafo grego, utilizava nas suas peças, à exposição do tema na primeira parte, sucedida do seu desenvolvimento. Na segunda parte, através da justaposição de cenas cômicas, a ideia principal serve de traço de ligação.

3 “Double-sens, em francês, era uma convenção marcante e importantíssima do teatro de revista, cuja utilização evidenciava a malícia mesclada a certa ingenuidade dos personagens, sem cair no tom ordinário e grosseiro. O duplo sentido estava além do texto, completando-se com a interpretação artística que exigia dos atores e das atrizes grande talento agilidade ao se utilizarem de gestos codificados, olhares insinuantes e pausas reveladoras.” (VENEZIANO, 1991, p. 173). 4 Antônio de Oliveira Salazar foi ditador no Estado Novo português (1933-1968), regime autoritário que perdurou por 41 anos.

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Para trabalhar a origem e evolução do teatro de revista, a pesquisa dialoga com Neyde Veneziano (1991; 1996; 2004), que afirma ser a revista um gênero cômico e, por conseguinte, para criticar, sendo a sua matéria prima, o ridículo, parente mais próximo da farsa, pois, ao se aproximar do burlesco, chega à exacerbação do próprio ridículo. Contou-se também com o olhar dos pesquisadores Salvyano Paiva (1991) e Roberto Ruiz (1988) que trabalham as características do gênero de revista e Arnaldo Saraiva (1980) que descreve os intelectuais, críticos da revista, mas sempre fieis às apresentações. Ainda se tem a teoria de Flora Sussekind (1986), afirmando que a revista levava o público a refletir sobre questões políticas e sociais, além de situá-lo nas vertiginosas mudanças do tempo, como: a industrialização, o aparecimento da fotografia, do cinematógrafo, do telefone, do automóvel, entre outros. O teatro de revista no Brasil era visto pela elite como um gênero menor, mas agradava a maioria. Para trabalhar a história do Pará foi importante contar com os autores Augusto Meira Filho (1976) e Ernesto Cruz (1969), os quais remontam à história de Belém do Grão-Pará; a pesquisadora e historiadora Maria de Nazaré Sarges (2002), que estudou a sociedade brasileira no final do século XIX e verificou a transformação da cidade, o modo de vida daquela época e a nova estrutura urbana, e observou cenário de controle de classes pobres e o aburguesamento de uma classe abastada; o pesquisador Paulo Andrade (2007) relatou dois fatores que contribuíram para o crescimento de Belém: a abertura do rio Amazonas para a navegação internacional e a exportação da borracha. Outro pesquisador que muito contribuiu com o presente trabalho foi Vicente Salles (1994) e seu estudo sobre o teatro paraense, passando pelo curto período de glória, dentro do ciclo da borracha5. Vê-se em Salles um esboço da trajetória do teatro paraense, abordado neste estudo. Ao longo das páginas, no capítulo 2, identifica-se a influência do teatro de revista português e o seu reflexo no teatro brasileiro, recapitulando as configurações e as especificidades deste teatro. Observam-se as características do teatro cômico, o início do teatro de revista como uma “re-visão” (re-vista), resumo dos conteúdos e

5 Período de riqueza que transformou a urbes paraense, modernizando-a e atraindo companhias artísticas europeias.

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acontecimentos do ano anterior, sob um viés crítico e cômico: uma resenha anual irônica, engraçada e bem elaborada, esclarecendo os números de cortinas, os quadros de fantasias até o quadro final apoteótico. Verifica-se, ainda, que a revista inicia com as características e convenções portuguesas, mas depois encontrou a sua própria característica própria. O teatro de revista, mesmo com uma mistura de musical e comédia (ou farsa), fragmentado, como chegou aos nossos dias, não fugiu de uma estrutura preestabelecida, cujo significado está implícito na própria denominação. Todavia, essa estrutura que, nos primórdios, estabelecia as normas muito mais rígidas, vai paulatinamente sofrendo alterações, afastando-se do modelo de réveillon, para chegar a uma sucessão de quadros aparentemente desconexos que se encaminhavam para um final apoteótico. Em seguida, observa-se a revista na sociedade brasileira que encontra um terreno fértil de uma cultura alegre. No final do século XIX, o teatro de revista brasileiro funcionou como verdadeiro formador de opinião pública. Depois na segunda metade do século XX, ajudou a divulgar o samba e os sambistas, que se consolida como a música brasileira por excelência. Ainda neste capítulo, pontua-se o personagem-tipo que surge na revista, vindo da comédia de costumes. Destaca-se aí a figura do malandro, um tipo social. Logo, é possível observar que os enredos da revista de então exaltam os comportamentos brasileiros, as mulheres, a natureza, o “bobo caipira”, a luta social, os ritmos musicais brasileiros, a falcatrua e a malandragem, tendo por pano de fundo um cenário encantador e tropical. Aqui se deixa de lado o que vem de fora, para cantar/expor as cores e sabores da Terra e o jeito do seu povo. No terceiro capítulo, registra-se uma breve história da colonização no Norte, as transformações históricas e culturais na cidade de Belém do Pará, o progresso da cidade com a riqueza da borracha, o projeto de modernização do espaço de Belém, com o propósito de transformá-la na representação de un petit Paris. Logo, verifica- se que o crescimento, a modernização e urbanização de Belém nas três primeiras décadas do século XX é que vai impor um novo modo de vida, com a boêmia, com os cafés-cantantes, lojas, cinemas e bondes. Apresenta-se uma breve história do Teatro no Pará, em que se destaca o crescimento do público (espectador) e das casas de espetáculos, especificando-se o início do Teatro de Revista no Pará e a transformação na primeira metade do século XX, observando-se o Teatro Nazareno, produtor de um vasto acervo, que se

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“perdeu” com o tempo, no entanto, agora encontra-se parte reunido nesta pesquisa, por meio de informações dos jornais e relatos da época (ver Anexos), enfatizando a sua história movimentada, alegre, fazendo jus ao que afirma Vicente Salles (1994, p.125) sobre o teatro de revista paraense: “[...] talvez seja o teatro mais espontâneo e desambicioso do Brasil”. Belém passou a ser o porto de escoamento da borracha e se tornou a vanguarda cultural da região, e é nesta cidade que o teatro de revista abre suas páginas. Destacam-se, ainda, neste capítulo, os elementos cênicos do teatro de revista paraense: o enredo, a estrutura, o cenário, a iluminação de época, definindo as características e especificidades do Teatro de Revista Paraense. No capítulo seguinte observa-se a vida e a obra de Antônio Tavernard, notadamente como dramaturgo, o mundo intelectual paraense, elaborada de forma ávida como se quisesse vencer as intempéries da falta de saúde com a exaltação da literatura, para entender melhor seu processo de criação, sua forma de trabalho, desde o seu nascimento, os prêmios, a família, a doença, o convívio com a sociedade, o “rancho fundo”, lugar onde produzia a sua obra, até chegar às características gerais de sua dramaturgia, observando o teatro de revista/costume. Desse modo, a pesquisa propiciou um olhar minucioso acerca da dramaturgia de Antônio Tavernard, enfatizando a história do teatro de revista paraense, suas características, configurações e convenções, sendo uma cena inédita e significativa para a história do teatro revisteiro, o qual, nesta Tese, pôde-se comprovar, não só a existência de um teatro revisteiro paraense profícuo, mas relevante no que se refere à qualidade dos textos encenados, tanto quanto as características próprias no fazer teatral no estado do Pará. Vale ressaltar que ao pensar esta pesquisa, evidenciou-se a falta de material bibliográfico que servisse de alicerce para o conhecimento da vida e da obra de Tavernard. O que se tinha eram publicações esparsas em fontes primárias, algumas ainda encaixotadas na Academia Paraense de Letras, que, por muita insistência com o Poeta Alonso Rocha, o material pôde ser pesquisado. Foi possível contar, também, com a boa vontade da senhora Ana Lourdes Tavernard, única irmã viva do poeta, a qual, em entrevista, revelou fatos inéditos e esclarecedores, trazendo, à baila, evidências, atos e textos originais de Antônio Tavernard, material esse que veio confirmar a veia artística desse homem que, mesmo em face às desventuras de uma doença degenerativa que o levou em plena

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juventude, conseguiu transcender à dor para dar vasão à poesia que nele habitava. Enquanto sua poesia era, por vezes, triste e pessimista a sua dramaturgia era sempre leve, lúdica e satírica, o que valorizou ainda mais a cena amazônica revisteira. No quinto capitulo, chega-se à análise do espetáculo A Casa Da Viúva Costa, Analisou-se a encenação sob uma ótica estética e descritiva, feita em vários ângulos, vários cortes, em que foi possível um olhar detalhado, verificando-se os componentes cênicos existentes na obra. A seguir tecem-se as Considerações Finais, que reafirmam a vivacidade do teatro de revista paraense, confirmando suas características e convenções, teatro este que foi efervescente e que não deve ficar à margem da história da cena teatral brasileira. Nos Apêndices A e B constam a transcrição de entrevistas realizadas pela pesquisadora com familiar de Tavernard e com os diretores da encenação analisada, respectivamente. Como Anexos, figuram a íntegra do texto A Casa da Viúva Costa, recortes de jornais e revista de época e atual, fichas técnicas de espetáculos do dramaturgo estudado, cartazes, folders, partituras e letras de canções da parceria Tavernard/Waldemar Henrique.

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2 BREVE HISTÓRIA DO TEATRO DE REVISTA

Para entender a história do teatro de revista buscou-se um percurso histórico desde a origem do gênero, passando pela evolução da espetacularidade revisteira que foi vivenciada na Europa, porém aporta em Lisboa e fica em cartaz por mais de um século. Assim, destaca-se este gênero em Portugal e que paralelamente atravessou o oceano e se instala em capitais brasileiras, somando características do Brasil. Vê-se aqui o hibridismo cultural, afirmado por Peter Burke (2006) como encontros que adicionam novos elementos à mistura, além de reforçar os antigos elementos. Este capítulo busca evidenciar tal trajetória.

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO GÊNERO

O teatro de revista, de acordo com historiadores do teatro, como os portugueses Vitor Pavão dos Santos (1978; 2002) e Gustavo de Matos Sequeira (1947), foi criado quando os artistas italianos, descendentes da Commedia Dell’arte, levaram a uma feira, em Paris, vários quadros sem ligações6, chamados Revuede fin d’année, no final do século XVIII. A revista nasceu em Paris, aproximadamente, em 1715 e, posteriormente, foi divulgada nas mais diversas nações europeias. O gênero revisteiro ficou conhecido por revista do ano e incluía canto, dança e declamação. A revista tinha o objetivo de oferecer uma re-visão (re-vista) resumida dos conteúdos e acontecimentos do ano anterior, sob um viés crítico e cômico: uma resenha anual irônica e engraçada.

O fato de a origem da revista [...] remeter ao teatro parisiense [...], reforça um aspecto deste teatro que nascia voltado para o público amplo e variado que frequentava esses locais públicos mais heterogêneos da cidade, os mais distintos gostos e interesses, objetivos, valores. Um artista que quisesse ser ouvido numa feira pública, precisava se expressar de forma a atingir o universo de pessoas agrupadas somente em função de seus negócios. Como seduzir esses espectadores? A resposta a essa pergunta foi a criação de um tipo de teatro extremamente vigoroso que passou a

6 Os quadros eram independentes, ainda não havia a figura do compére: figura que comenta, narra e apresenta o próximo quadro, ligando-os entre si, dando a deixa aos colegas, entrando sempre de um quadro a outro, responsável pelos comentários críticos que fazia o elo entre os quadros da revista.

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ocupar a atenção e preocupar as autoridades e os artistas estabelecidos. (MERCARELLI, 1999, p. 116-117).

O espetáculo de revista era na verdade uma colaboração intensa entre plateia, autor e atores, pois a escrita dramatúrgica era um pretexto (pré-texto) para a cena, contando com o rendimento cênico dos atores, os improvisos e cômico. A revista, no final do século XVIII, começou a mostrar não só os acontecimentos teatrais, mas as retrospectivas dos fatos políticos, religiosos, financeiros, sociais e outros que foram importantes durante o ano que passou e fazia uma retrospectiva com base em acontecimentos reais. O sucesso da revista não tardou a sair da França e irradiar para vários países da Europa. Portugal foi o primeiro Estado Absolutista a adotá-la. Sequeira (1947) afirma que o teatro de revista em Portugal teve uma excelente receptividade. O público tomou gosto pelas revistas, estabelecendo-se uma cumplicidade entre ambos. Em Lisboa, esse gênero durou mais de um século, envolvendo grandes atores portugueses, os quais, mais tarde, vieram exercer influência no Brasil, trazendo o teatro de revista e suas características iniciais. Para além de Portugal e França, o teatro de revista também se tornou muito popular na Itália, na Alemanha e no Brasil, ainda no século XIX; porém, cada país foi adaptando as características desse teatro à sua própria realidade (BURKE, 2006), à situação sócio-político-econômica e ao seu particular cenário de humor, sem perder a estrutura e a intenção original. Com base nos estudos de Veneziano (1991; 1996) os quais dizem que a revista é um gênero cômico e, por conseguinte, tem objetivo de criticar, sendo a sua matéria prima o ridículo. A farsa é o parente mais próximo do teatro de revista, pois ao aproximar-se do burlesco, chega à exacerbação do próprio ridículo. O pensamento de Neyde Veneziano (1996) é confirmado pelo fato de uma das características do texto revisteiro ser o uso de uma linguagem alusiva: “A revista é um espetáculo inteiramente composto por alusões voluntárias a fatos recentes. E a alusão é um recurso de linguagem que consiste em se dizer uma coisa e fazer-se pensar em outra. O encanto da revista reside no prazer da alusão.” (p.30). Assim tem-se um texto que satiriza e critica sem impor regra ou deixar constrangimento a quem fica exposto. Talvez um ponto que fez esse gênero perdurar por tanto tempo. A característica da comédia popular, que logo se encaixou na revista, foi o desdobramento do ator no personagem, além do desenvolvimento do deboche, da

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crítica social e da sátira, que sempre esteve presente nas comédias, nas vielas da Grécia Antiga, o que qualificou um estilo do teatro popular. O ator relaciona-se, muitas vezes, diretamente com o público, abandonando o personagem ou o tipo para criticá-los, havendo um pacto direto com o espectador por meio de comentários irônicos, piscadelas de olho, gestos ou apartes espirituosos e, muitas vezes, improvisados, afastando o ator da personagem, permitindo outro tipo de cumplicidade entre ator e público. No gênero revisteiro os atores utilizavam muito a técnica do improviso, oriunda da Commedia Dell’Arte. Quando se fala de popular, é preciso deixar claro que o teatro popular7 tem uma longa trajetória, quase tão antiga quanto a civilização humana. Ele vem desde as primitivas manifestações e transcreve-se com um perfil próprio. Este teatro sobreviveu por muito tempo com o ator improvisador, sem uma dramaturgia tradicional, denominado de popular, e por não ter uma dramaturgia rígida, seguia um roteiro de apresentação e usava da improvisação. Décio de Almeida Prado (1998) ressalta o fato de que as qualidades da dramaturgia do teatro de revista estão na escrita teatral feita para o palco, mas não para a folha impressa, contando de antemão com o ator. Assim como na Commedia Dell’Arte, onde os atores eram considerados artesãos da arte do teatro. Os atores, tanto da Commedia Dell’Arte como os do teatro de revista adequavam-se bem às condições que encontravam, uma vez que ora se apresentavam nos grandes salões e salas de espetáculos, ora se apresentavam nas feiras, nas ruas sobre carroças ou em praças, sobre tablados, dispensando cenários e outros elementos. Observa-se que a Commedia Dell’Arte seguia um repertório de situações constantes: adultérios, velhices, ciúmes, amor. Os diálogos e ações eram facilmente ajustados, conforme a realidade local, os gostos regionais, eventos recentes, tudo mesclado com piadas antigas. Os personagens eram constantes, identificados através dos figurinos e máscaras. Só mudavam as ações no enredo. No roteiro tradicional da Commedia Dell’Arte havia os innamorati, que eram os apaixonados desejosos de casar, os velhos ou vários velhos, um vecchio (velho)

7 Segundo Pavis (1998), define-se aqui como um teatro destinado às camadas menos elitistas da nação. Um teatro feito em circos, praças e espaços públicos, por artistas mambembes, e, sobretudo, voltado para o gosto ingênuo do povo.

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que queria evitar o casamento, envolvia um ou mais dos zanni (servos) para ajudá- los. Tipicamente tudo acabava bem, havia o casamento dos innamorati e o perdão de todas as maldades feitas pelos vecchi. Os personagens eram divididos em três categorias/tipos: os zanni são os servos, personagens de classes sociais mais baixas; os vecchi que representam os de classe social abastadas e os innamorati, os amantes. Assim, a tipificação levava os atores a se especializarem numa personagem em particular. Nota-se que a tipificação de personagem faz-se presente também no teatro de revista: os tipos fixos, como serão visto nesta Tese. Porém, vale lembrar que a tipificação é uma característica inerente ao teatro popular que trabalha mais com os tipos do que com os personagens, com a mistura de gêneros, tendo um enredo não muito contínuo e o não aprofundamento dos temas. Assim, tem-se como exemplo de teatro popular: a pantomima, o circo, a opera bufa, a Commedia Dell’Arte, o teatro de revista e outros, onde, na forma de expressão, é permitida a alteração de alguns quadros. Desse modo, vê-se que o teatro de revista, gênero em tese, busca atingir o maior número possível e diferenciado de público, tendo em suas origens uma forte denotação crítica e política; a revista ri de si mesma e dos fatos oriundos do seu meio e da sociedade. Esse é um dos elementos mais importante da revista e por isso ela se torna tão rica, visto que, ao contemplar o seu público com o riso de situações que ele próprio vivencia, ela também é fonte de pesquisa do seu contexto político, artístico e social. Na medida em que a revista vai enraizando-se por outros países e fazendo sucesso, passa a adquirir outras formas. Como exemplo desta evolução tem-se a revista “do trimestre” em Portugal, no ano de 1874, Entre as Broas e as Amêndoas, entre a Páscoa e o Natal, escrita por Souza Bastos e Baptista Diniz. Depois o gênero chega a ser bem aceito pelo público, que são editadas e encenadas várias revistas em um só ano. Ruiz (1988, p.19) relata que: “A multiplicação das revistas ao longo do ano, firmadas definitivamente como gênero e deixando de ser meros reflexos dos acontecimentos de um período de 365 dias, como um almanaque vivo é musicado.” Logo, pode-se confirmar uma transformação no gênero revisteiro que deixa de fazer a retrospectiva do ano e passa a brincar com acontecimentos do semestre, multiplicando-se em diversos espetáculos com vários enredos e apresentações no ano.

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Havia também os “números de cortinas” que preenchiam o tempo e o espaço, tendo a função de ocupar a atenção da plateia. Eram apresentações simples, feitas na frente da cortina, enquanto o cenário era trocado e reorganizado. Esses números eram apresentados, geralmente, por cantores, cançonetistas, compère. Ao final, a cortina se abria para dar sequência aos quadros. Veneziano (1991) afirma que havia quadros obrigatórios, como o da imprensa e dos teatros, que eram quadros responsáveis pelo nascimento da revista; na revista de ano, sempre no final, o ano velho passava o bastão ao novo ano. As primeiras revistas eram divididas em três atos e, ao final de cada ato, acontecia uma apoteose. Depois a revista inclui os “quadros de fantasia” que se propunham a encantar a plateia. Extremamente sofisticados, de um visual deslumbrante, com figurinos luxuosos, brilhantes e coloridos, com coreografias precisas. Os “quadros de fantasia” se intercalavam entre os “números de cortina” e os “quadros de comédia”, no princípio da revista. Esses quadros trouxeram belas mulheres para o palco, sempre com muita sensualidade e exuberância. Depois do período pós-guerra, o universo feminino teve uma ascensão social que inaugurou a quebra de tabus. Havia chegado a era da mulher moderna e isso, no teatro, resultou num maior jogo de sedução regado à elegância e muitas pernas à mostra. Os “quadros de comédia” foram inseridos entre os quadros como parte do enredo, e mais tarde foram se desligando do restante da encenação, tornando-se independentes e não havia a necessidade de se ligarem a nenhum assunto da revista. Havia também o quadro “final apoteótico”, que buscava provocar entusiasmo em meio a músicas e encantamento, num verdadeiro convite aos aplausos. No entanto, a apoteose do 1º ato, geralmente era a mais importante, pois nesse momento, era comum a companhia toda se fazer presente. Saraiva (1980) menciona que a revista foi um gênero desprezado pelas críticas ditas "sérias", sofrendo alguma marginalização por parte dos intelectuais. Ele observa que os intelectuais criticavam a revista, mas sempre assistiam às suas apresentações, ao tempo em que afirma: “[...] não são as razões estéticas que levam a ignorá-la ou a desprezá-la, mas também razões ideológicas e até morais típicas do puritanismo escondido na psique de muitos ‘progressistas’ e dos quais a revista sempre se ri.” (p.39). Pode-se perceber que apesar do preconceito intelectual sofrido pela revista, todos queriam assisti-la, até mesmo quem a criticava.

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Poucos são os aspectos negativos que transparecem na ideologia da revista: o machismo, que expõe a mulher como objeto de desejo, sucede quando a revista tende para a obscenidade ou para a pornografia. Mas, a revista possui textos bem trabalhados, com utilização de metáforas, jogos e trocadilhos que a enriquecem. A revista é um teatro musicado que tem como linha condutora a comédia. Assim, pela influência portuguesa, observada no gênero revisteiro e pelo tempo em que perdurou este gênero em Portugal e a sua chegada ao Brasil, faz-se necessário falar sobre a revista lusitana, desde a sua reformulação, a fim de verificar, com mais clareza, os pontos que convergiram para o teatro brasileiro e, especificamente, para o do Pará.

2.2 TEATRO DE REVISTA PORTUGUÊS

Segundo Santos (1978), a revista, em Portugal, foi se transformando gradativamente. Inicialmente esse gênero possuía um fio condutor bem definido. Estruturou-se em três longos e pesados atos, detalhados mais à frente, depois, nos dez primeiros anos do século XX veio a ser reduzido para dois, tendo um prólogo ou abertura e uma apoteose no final de cada ato. O primeiro ato era maior, mais importante e trabalhado, para que o espectador não perdesse o ritmo no intervalo, uma vez que a rapidez da ação e o ritmo acelerado já eram marcas estruturais da nova revista, desta feita, em atos. Uma peça de revista começava necessariamente com o prólogo. Elemento imprescindível, Veneziano (1991, p.31) afirma que “[...] não há como se fazer uma revista sem o prólogo”. Na revista havia o prólogo, os “números de cortina”, os “quadros de comédia”, os “quadros de fantasia”, os “números de plateia”, até culminar na apoteose. O prólogo tem a função de desencadear o movimento do fio condutor da peça. Desse modo, o prólogo passa a ser o momento introdutório onde toda a companhia se apresenta. Na sequência, assistia-se aos diversos quadros. O enredo era, normalmente, apresentado no prólogo ou no quadro de abertura. Há de se notar também, nessas revistas, a presença do compère ou commère, personagens indispensáveis na revista portuguesa e de tal importância que figuravam como cabeça de cartaz, mas, por volta dos anos 20, foram retirados do gênero. Santos (1978) ressalta que em Portugal o compère passou a se chamar Zé Alguma Coisa, na época do Estado Novo português. Depois da publicação da

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revista Antônio Maria em que Rafael Bordalo Pinheiro inventou a figura nacional do Zé Povinho, que representava o povo português, surgiram o Zé do Olhão, o Zé Pacote e o Zé Pagante, entre outros Zés. Outro trunfo importante que os grandes espetáculos de revista possuíam para atrair público era a presença, no elenco, de pelo menos duas vedetes, figuras centrais de alguma cena ou quadro, incluindo, ainda, na sua estrutura, alguns números de atores secundários, com figurantes, como: coristas (girls), bailarinos (boys), corpo de baile e cançonetistas. A intenção da revista portuguesa era comercial, uma vez que dependia da média do público, com o intuito de agradar e se vender a todos. A revista criticava o poder ou tomava parte dele, documentava passado/presente, novo/velho, tradição/progresso, criticando a todos sem distinção. A revista fazia chacota com os políticos e o público, e gostava de ver a vida nacional parodiada nos palcos. Com a implementação da “Lei da Rolha” ou “Lei de Lopo Vaz”, em 1890, conforme Santos (1978), ficaram proibidas as alusões à política, à monarquia, bem como as caricaturas pessoais, inclusive de políticos e reis. Assim, a revista não pôde mais satirizar estes personagens da sociedade, mas resistiu a essas limitações, por meio de artifícios para ludibriar a censura. As críticas camufladas à politica e aos costumes eram feitas usando duplo sentido, ironias e analogias, mecanismos usados para burlar a censura. Construiu- se, assim, uma rede de alusões e metáforas que o público logo entendia. E, nesse sentido, trabalharam autores como Souza (1947) e Schwalbach (1944). As revistas de Schwalbach eram impregnadas de uma filosofia bem definida, louvando o passado em face ao desregrado presente. Todo o espetáculo era cheio de nacionalismo e ternura, cantando as aldeias ingênuas de brancas manhãs, onde vivia feliz o bom povo português “[...] apascentando seu gado e nunca faltando à missa ao domingo” (SANTOS, 2002, p.294). A revista portuguesa passava pela fase do lirismo rural; opondo-se a ele veio a grande meretriz Lisboa, abarrotada de modas da mais alta imoralidade, um antro de perdição que deitava abaixo o velho Portugal. Santos (1978) ressalta que, em 5 de outubro de 1910, a censura acabou e a revista portuguesa voltou a usufruir de liberdade, tornando a colocar figuras de políticos em palco. Quanto à censura imposta pela Primeira Guerra, que viria a seguir, impondo tiradas patrióticas e o elogio aos soldados portugueses, a revista

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não lhe atribuiria importância. O momento do fado seria outro elemento primordial na estrutura da revista portuguesa, consistindo num quadro, onde participavam músicos e artistas internacionais especializados naquele gênero musical. Lendo as revistas portuguesas, como as de Sousa Basto, observa-se que o enredo criticava a classe dominante. Essa crítica satisfazia a classe mais desfavorecida, que compensava, assim, as suas frustrações. O público que prestigiava o teatro de revista pertencia à classe média, sendo a frequência da classe operária mais restrita, ressalta Santos (2002) e diz ainda que se tratava de um teatro com personagens populares, tipificadas, como já se disse, por influência da Commedia Dell’arte. Os personagens constantes da revista portuguesa eram a florista, o carroceiro, o leiteiro, a fadista, o emigrante e a personagem burguesa que, raramente, era simpática. Serqueira (1947) afirma que, a partir de 1922, a revista portuguesa enraíza-se cada vez mais em Portugal e adquire um espaço próprio, os jardins do Parque Mayer, onde se armava uma feira. Desde então, inauguram-se vários teatros nesse local, chamando-se a esse recinto revisteiro de “Broadway Portuguesa”. Ia-se ao Parque Mayer assistir às revistas, apesar destas se apresentarem também noutros lugares. Havia fartura de revista em muitos outros teatros, como no Teatro Avenida em frente ao Parque Mayer, na Avenida da Liberdade, ou no Teatro Apolo, no coração da Mouraria, ou ainda no Bairro do Chiado, no Teatro Ginásio e no Teatro Trindade. A revista se espalhou pelos quatro cantos de Lisboa. Com a ditadura salazarista, a censura regressa, mas a revista não se intimida e continua a fazer gozação de quase tudo. As piadas políticas aparecem camufladas, e a revista começa a modernizar-se, ficando alguma coisa da revista antiga, como o quadro de rua. Nessa nova roupagem da revista, o primeiro quadro tem então duas partes e o final é mais rápido. Santos (1978) diz que a estrutura da revista nos anos 20 era a seguinte: dois atos, uma vintena de quadros e quatro partes. O primeiro ato iniciava com um número de coreografia. Na abertura introduzia-se o tema apresentado pelo compère. Este ligava os quadros através de um fio condutor, permitindo a apresentação de número de fantasias, respeitando uma hierarquia que ia do cabeça de cartaz até a vedete. Seguia-se, à frente da cortina, um número de dança em conjunto e também as rábulas ou anedotas. Essa parte terminava por um quadro de maior envergadura,

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exibindo como atrações a fadista ou a vedete. Em seguida, um sketch curto e não musical. Observa ainda Santos (1978) que, na segunda parte do primeiro ato, exibia- se um quadro de rua típico e animado. No caso da existência de um quadro com uma atração estrangeira, o compère apresentá-lo-ia. Terminado este, o compère apresentava, frente à cortina, um curto diálogo, dando-se então a apoteose do primeiro ato com a exibição de toda a companhia. No segundo ato, a primeira parte iniciava-se com uma breve abertura ainda frente à cortina, onde o compère dialogava com outros dois chefes de quadro. No final havia um número de grande montagem com refrão escrito num telão, para o público cantar. Na segunda parte do segundo ato, tudo era idêntico à primeira parte do segundo ato e a segunda apoteose era rápida, sendo apenas um pretexto para a companhia desfilar. A vedete em destaque era a mais bem vestida, sendo a última a entrar. Ao final do espetáculo, a vedete ficava à frente de todos os artistas e cantava-se em conjunto a música da despedida. Em 1933 a censura voltou com a ditadura de Salazar e trouxe os cortes, mas, mesmo assim, existiam caminhos de saída que a revista usava para colocar em cena suas sátiras e críticas. Por exemplo, quando se falava de Salazar e da sua política, referiam-se a ele apenas por Antônio. A revista, nos anos trinta, em Portugal, usava diversas formas para escapar da censura, com uma linguagem cifrada, sobrevivendo “a tudo e a todos”, porque contava com a cumplicidade do público, para o qual não havia censura que o pudesse controlar. No período salazarista, muitos cantores de fado foram surgindo, como a cantora Amália Rodrigues e o ator João Villaret, que trouxeram para a revista a elegância cosmopolitana do music-hall. Inúmeras atrizes e vedetes da revista portuguesa viajavam para o Brasil com a companhia, e havia um fluxo grande de companhias portuguesas atravessando o oceano, e alguns poucos atores brasileiros no fluxo inverso, como a Companhia de Salvador com Antônio Silva, Irene Isidro, Teresa Gomes, Beatriz Costa, e Bibi Ferreira, havendo uma troca constante entre os dois países. A revista portuguesa durou muitos anos com produções e público garantido e, na década de setenta, aconteceu o que mais se desejava: a abolição da censura, e

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não tardou para que a revista, em vez de criticar tudo e todos, se partidarizasse, uma para direita, outra para esquerda, e logo já se previa de antemão de quem se ia ouvir dizer bem ou mal, perdendo assim a graça. Assim, sem novos valores e com alguns atores encaminhando-se para a televisão, a revista portuguesa foi fechando as portas até o apagar completamente das luzes, deixando apenas saudade ao público do Parque Mayer. Retomando a difusão da revista portuguesa pelo mundo, interessa a este estudo pontuar o gênero revisteiro brasileiro, para então se chegar à revista analisada por esta Tese.

2.3 A REVISTA BRASILEIRA

No século XIX, quando a tradição teatral começou a se consolidar no Brasil, um gênero em especial se destacou como vocação maior da dramaturgia nacional: a comédia. O texto cômico se mostrou uma tentação irresistível para muitos autores, até mesmo para os grandes nomes do período romântico brasileiro. Falar de comédia no Brasil é falar de Marins Pena que, em apenas três anos, consolidou sua carreira escrevendo quinze comédias, que eram sempre vistas como espetáculo popular. Os intelectuais daquela época, como José de Alencar e Machado de Assis, censuraram Pena por usar os recursos cômicos típicos de farsa, pois, para eles, a farsa era classificada como baixa comédia, e o burlesco ficava no último degrau da escala de valores. O Juiz de Paz na Roça, comédia escrita por Pena em 1838, com um único ato e vinte e três cenas, de efeito popular, apresenta a realidade brasileira com observações satíricas. Critica as convenções sociais, o governo, a família e o casamento; satiriza figuras como políticos corruptos, novos ricos, padres e juízes. A peça retrata a luta de um casal de namorados contra obstáculos à sua união. Uma comédia de costumes que apresentava o precário funcionamento da justiça na roça. Depois veio o vaudeville burlesco de Joaquim Manuel de Macedo e o humor bem comportado de José de Alencar. Além da ironia elegante de Machado de Assis, a sátira implacável de França Júnior. No teatro surgiu também Arthur de Azevedo que aborda, em sua obra, assuntos do cotidiano da vida carioca e dos hábitos da capital. Os namoros, as infidelidades conjugais, as relações de família ou de amizade, as cerimônias festivas e fúnebres, o que se passava nas ruas ou nas

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casas lhe forneceu assunto para as histórias. Arthur Azevedo retratou os costumes da sociedade brasileira do final da Monarquia e início da República. A comédia de costumes caracteriza-se pela criação de tipos e situações de época, com uma sutil sátira social. Proporciona uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes num determinado contexto social, tratando frequentemente de amores clandestinos, da violação de certas normas de conduta, ou de qualquer outro assunto, sempre subordinados a uma atmosfera cômica. A trama dessa comédia desenvolve-se a partir dos códigos sociais existentes, ou da sua ausência na sociedade retratada. As principais preocupações dos personagens são a vida amorosa, o dinheiro e o desejo de ascensão social. O tom é predominantemente satírico, espirituoso e cômico, oscilando entre o diálogo vivo e cheio de ironia e uma linguagem, às vezes, conivente com a amoralidade dos costumes. O gênero ligeiro e a comédia foram ganhando a preferência do público no final do século XIX e início do século XX. As delícias da vida noturna parisiense foram tomando conta de algumas capitais brasileiras que esbanjavam a riqueza dos barões, seja do café ou da borracha, e as cidades brasileiras se desenvolviam ávidas de alegria e de boemia. A comédia de costumes passou a se apropriar dos tipos brasileiros. Isso se deve às características do teatro da época, pois, após a representação de um drama, vinha a representação de uma farsa, que tinha como função amenizar as emoções da plateia causadas pelo drama. Então, Martins Pena percebeu que as peças eram de origem estrangeira, e logo veio a ideia de que poderia construir textos para o teatro com um enredo brasileiro. Martins Pena utilizou situações corriqueiras de costumes rurais e urbanos, explorando os hábitos rústicos, a ingenuidade das pessoas do interior e a malícia da cidade grande, da capital, sempre com muita ironia, satirizando os tipos, os problemas de época, explorando assuntos de casamento por interesse, a corrupção, a malandragem, porém, sempre com um final feliz, havendo as resoluções dos empecilhos. Assim veio o teatro de revista, a comédia musicada, que passou a ser remodelado em sua estrutura, mais curto, dividido em dois atos e bem mais próximo do nosso cotidiano, com base em raízes populares, utilizando as músicas carnavalescas, casando o carnaval com a música popular.

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A revista brasileira inicia-se com as características e convenções portuguesas e depois descobre sua própria característica cultural. Encontra um terreno fértil para se desenvolver, como nos diz Veneziano (2004): “[...] a revista que nasceu francesa, que chegou portuguesa, que cresceu sem pátria, foi adotada, domesticada e aclimatada aos usos e costumes brasileiros” (p. 30). Veneziano (2004) diz, ainda, que a revista de gênero alegre e de público popular chegou ao Brasil e encontrou um povo alegre e carnavalesco. Neste fértil terreno, desenvolvem-se personagens caricaturados que brotam da cultura brasileira, e são recebidos por um povo que ri de quase tudo, até de si mesmo; além da presença das belas vedetes e mulatas adequadas à proposta da revista. Assim, adaptada aos costumes da terra, a revista passa a trabalhar com características brasileiras. No início, as principais revistas não tiveram êxito, a exemplo, As Surpresas do Senhor José da Piedade de Figueiredo Novaes, apresentada em 1859 no Teatro Ginásio no Rio de Janeiro, que foi muito mal aceita pelo público, ainda não acostumado com as críticas políticas, e que ficou em cartaz por apenas três dias. Só em 1884 com a revista O Mandarim, de Arthur de Azevedo, é que o gênero realmente se instala no Brasil e passa a ser bem recebido pelo público, revelando a alma e os costumes brasileiros. Surgem os personagens tipicamente nacionais, a exemplo, a mulata dengosa, sestrosa, desejada pelo português. Encontram-se dois personagens caricaturados na revista: personagem estereótipo e personagem tipo. O primeiro apresenta sempre, como que estampado, traços comportamentais e características distintivas e fixas, podendo o público reconhecê-lo de imediato e presumir-lhe as ações durante a peça, reduzindo assim suas possibilidades de ação. Os personagens-tipo serviram de veículo para criticar a sociedade e seus costumes em transformação. Os contrapontos criados com as tentativas de modernização da cidade, vinculados aos ideais da Belle Époque mostravam quadros de imagens contrastantes que os autores souberam reproduzir criticamente na cena teatral. O personagem-tipo, diferentemente do estereótipo, opera uma síntese das características de um gênero, mais que uma soma de dados externos, o que faz com que adquira maior espessura dramática e possa, então, estabelecer diferentes relações com outros personagens no decorrer da peça. Essa síntese realizada pelo

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personagem-tipo permite-lhe um sem-número de possibilidades de ação, daí sua longa existência teatral (SILVA, 1998). Esses personagens descendem de antiga linhagem, podendo ter origem na farsa atelana, surgida no século II a.C. Segundo Rabetti (1996), a origem dessa galeria de tipos teatrais cômicos pode ser localizada na Comédia Nova grega8, cujos personagens seriam transformados em Roma pela farsa atelana, assim como os tipos da Commedia Dell’arte que são vários como pantalone, colombina, arlecchino, brighella, entre outros. Na revista brasileira constituíram-se claramente os seguintes personagens: o malandro oportunista; a mulata faceira, esperta e sensual; a baiana e o português ingênuo, burro e libidinoso, desejando a mulata. O teatro cômico sempre acolheu os tipos. Neyde Veneziano (1991, p.120-121) afirma que “[...] todo o teatro popular, e em especial a revista, trabalha fundamentalmente, como já foi explicado, com tipos”, ao que Flora Süssekind (1986, p.94) complementa, dizendo que “[...] um dos procedimentos mais constantes nas revistas é justamente a tipificação”. A figura do malandro é a mais significativa, abrangente e complexa e também a mais persistente na revista. A malandragem é um modo de “navegação social”, muito bem representada no teatro de revista, através do personagem malandro que é o profissional do “jeitinho”, da arte de sobreviver nas situações mais difíceis. Personagem sempre simpático, amigo de todos, alegre, boa vida, com muitas histórias e de boa aparência, seu traje típico é calça e paletó de linho branco, com uma blusa listrada e um chapéu, além do sapato fino, sempre bem engraxado. Este é o malandro no teatro de revista. É possível que a origem do malandro brasileiro venha dos antigos rufias do Bairro Alto de Lisboa, que se vestiam com camisa listrada (PAIS, 2008). Os antigos moradores em Lisboa, contam que eles portavam navalhas e exploravam o lenocínio. Eram perigosos, matavam facilmente e tinham problemas com a polícia. Segundo Misse (1999), de certa forma, identificou-se uma possível origem para o malandro brasileiro, a partir dos fadistas e dos rufias, e não apenas dos negros libertos e brancos pobres do Segundo Império, como muitas vezes se pensou.

8Teatro cômico grego (sec. IV a.C.) que pintava a vida cotidiana. Apela para tipos e situações estereotipadas [...]. (PAVIS, 1999, p.56).

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Esses, apenas reinvestiram numa tradição, cujas matrizes, perdidas podem recuar para outrora. Os tipos literários do romance picaresco desenvolvem algumas das principais representações desse estilo de vida individualista pré-moderno, intersticial, que a língua italiana fixou no termo “malandrino”, de onde se originou a palavra portuguesa. Há condensações variadas entre o malandrino italiano, o mandrião espanhol, o patife português, o “apache” e suas variantes: o malin, o coquin, o vaurien e o vagabond francês, o vagabundo simplesmente (do antigo latim, vagativu = vadio): todos são representados por atributos que condensam os de ocioso, de insolente, de maroto, de esperto, de velhaco e, no limite, de canalha e de bandido. Para a filósofa Borges (2006), a malandragem é uma inteligência orgânica, antes de se transformar em uma estratégia de sobrevivência. O brasileiro enfrenta inúmeras dificuldades econômicas e financeiras, além de ir de encontro aos padrões morais autoritários. Logo, precisa da sabedoria malandra para utilizar o famoso jeitinho brasileiro, tática para seguir em frente, sem conflito ou força bruta, pois, como afirma o sociólogo Roberto DaMata (1981), o brasileiro tem horror a conflitos. O malandro, pouco ético, é mestre no suborno, no desejo de manipular e de enganar os outros. Ele sabe tirar vantagem do que acha que tem de bom e apreciável, escondendo seus defeitos. O malandro com a sua malandragem analisa as situações, usa de vez em quando uma lente de aumento, aprecia o conjunto, sem ficar preso a detalhes. Desse olhar nasce a criatividade e a improvisação do malandro. O malandro, em seu sentido semântico original, foi substituído hoje por um corte de classe: na classe média e nas elites, ele é “esperto” e o termo é quase sempre usado em contextos de apreciação ironicamente positiva; nas classes pobres, ele se mantém ambivalente, ora com o antigo sentido, ora se condensa nos novos significados adquiridos pelo termo “vagabundo”, particularmente, no “mundo do crime”, que faz retornar a associação primitiva entre malandragem e vadiagem de um modo que atenue o forte significado que o termo “bandido” ainda conserva. Porém, o malandro representado na revista é o “boa vida”, o esperto e de boa conversa, não chegando a ser elemento de alta periculosidade. No Brasil, essa dramaturgia elaborada por meio de personagens-tipo teve forte presença nas companhias teatrais em fins do século XIX e início do século XX.

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Esses personagens eram compostos por um elenco distribuído em papéis fixos: o galã, o galã cômico, a dama galã, a dama central, a ingênua, a caricata, o tirano ou cínico e a lacaia (ROCHA FILHO, 1986; PRADO, 1998). As caricaturas pessoais eram uma força espetacular de propaganda revisteira, tal como aconteceu em Portugal, em que autoridades se mostravam condescendentes com o assunto, porém, as reclamações foram tantas que surgiu a já citada “Lei de Lopo Vaz”. Assim, nos dois lados do oceano, a revista ia fazendo sucesso e atraindo cada vez mais público, que muito se divertia com as sátiras e as caricaturas pessoais camufladas e seus personagens-tipos. O teatro de revista, mesmo com uma mistura de musical e comédia (ou farsa), fragmentado como chegou aos nossos dias, não foge de uma estrutura preestabelecida, cujo significado está implícito na própria denominação. Todavia, essa estrutura, aos poucos, se altera e se afasta do modelo de réveillon de fim de ano, para chegar a uma sucessão de quadros aparentemente desconexos que se encaminhava para um final apoteótico. Gênero próximo da opereta, a revista não dispensava belas mulheres e visuais coloridos e vibrantes. Depois de mais de quarenta anos de história no Brasil, o teatro de revista mudou sua estrutura. A partir da década de 1920, o compromisso com um fio condutor foi abandonado e, paulatinamente, desaparecem os personagens do compère e commère. A fragmentação se fez mais intensa. Desmanchou-se a ligação entre os quadros, o enredo de tão tênue quase desapareceu. A peça reduziu-se a dois atos. Aos poucos vai surgindo uma nova revista, remodelada, mais curta, que muda lentamente seus objetivos principais. Antunes (2002) destaca um momento e talvez o principal dessa transição: [...] o advento da guerra, em 1914, impulsionou a primeira grande transformação do gênero no Brasil. O conflito internacional estancou as viagens das companhias europeias, abrindo o mercado para os valores e artistas locais. O modelo Revista de Ano caiu em desuso, mas em seu lugar surgiu uma revista renovada, com base nas raízes populares. Da tríplice associação entre o modelo teatral europeu, o carnaval e a música popular; emergiu um espetáculo com uma nova feição. A revista encontrava a sua identidade no Brasil. Era o início da grande época dos espetáculos carnavalescos, que marcou o período áureo do gênero, as décadas de 20 e 30. (p. 12-13).

Logo, pode-se perceber que a Primeira Guerra Mundial teve importante contribuição no processo da transformação revisteira. Ainda em 1920, o enredo da

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revista é genuinamente brasileiro, o ritmo do samba e do carnaval passa a se destacar com os usos das marchinhas, do maxixe e a presença do Rei Momo. “[...] a revista brasileira não se apresentava sem um número carnavalesco, assim como não havia português sem mulata, político sem malandro, morro sem favela e carioca sem samba” (VENEZIANO,1996, p.80). Pode-se identificar que a partir do século XX tem-se uma revista com referências brasileiras, que complementa o enredo com situações cotidianas desse lugar. Na segunda década do século XX, a revista no Brasil relaciona-se intensamente com o samba. Neste sentido, o teatro de revista brasileiro divulga sambas e sambistas que trilharam o sucesso e assumia inteiramente a função de vitrine, abrindo os palcos para compositores populares, o que os levaria à celebridade, transformaria vedetes-cantoras em mulheres desejadas e cobiçadas. Desejo e cobiça que, muitas vezes, eram orientados para diferentes finalidades, visto que, na realidade, os compositores as desejavam como intérpretes de seus sambas, nos palcos revisteiros, e cobiçavam o resultado financeiro que, certamente, adviria de um lançamento feito por uma daquelas deusas. Ao final do séc. XIX e nas primeiras décadas do séc. XX, as revistas, na sociedade brasileira, funcionaram como formadoras de opinião e, por recorrerem à linguagem humorística, foram consideradas mero passatempo, diversão inconsequente. Com isso, certamente, passava despercebido um dos seus lemas que glosava: “muito riso, muito sizo”. Desde Pelo Telefone, samba de Donga/Mário de Almeida, considerado o primeiro samba gravado, detecta-se um vínculo mais forte entre o teatro de revista e o samba. Inspirados na gravação do cantor Bahiano, os revistógrafos Álvaro Pires e Henrique Júnior apresentaram, ainda em 1917, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, as revista Pelo Telefone e Pé de Anjo. Antes o samba era tocado nos quintais, nas casas das famosas tias baianas. Nessa época, havia o choro, ritmo que se instalava na sala e o samba, no quintal, como disse Pixinguinha, na segunda metade dos anos 60, em seu depoimento para o Museu de Imagem e Som do Rio de Janeiro, citado por Lopes (2003, p. 35), “O choro tinha mais prestígio naquele tempo. O samba era mais cantado nos terreiros, pelas pessoas muito humildes. Se havia uma festa, o choro era tocado na sala de visitas, e o samba, só no quintal, para os empregados”.

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Nas décadas de 30 e 40, os sambas, na sua maioria, narravam segmentos de cotidiano nos morros e nas novas favelas que foram surgindo, referindo-se, quase sempre, a tipos sociais como o malandro, o valente, o malfeitor. A revista brasileira, nos seus enredos, exalta as mulheres, a natureza, o “bobo caipira”, o samba, o ritmo brasileiro, o maxixe, a modinha, a falcatrua e a malandragem, tendo por pano de fundo um cenário tropical, para cantar/expor as cores e sabores da terra e o jeito do povo. Segundo Veneziano (1996) os ingredientes temáticos da revista brasileira são: a miséria, o desemprego, a falta de dinheiro, as superstições, estes sempre vistos numa perspectiva irônica e com distorções cômicas, para um determinado tempo. Sussekind (1986) afirma que a revista levava o público a refletir sobre questões políticas e sociais, além de situá-los nas vertiginosas mudanças do tempo, como a industrialização, o aparecimento da fotografia, cinematógrafo, telefone, automóvel etc. E diz ainda que o teatro de revista no Brasil era visto pela elite como um gênero menor, mas agradava a maioria do povo. Esse teatro importava as formas teatrais europeias e “bebia” na fonte da cultura popular, pertencendo assim a todas as classes sociais. Era um teatro comercial tal como em Portugal e, por isso, vítima de muitos preconceitos. Os críticos brasileiros queriam um teatro de revista mais “trabalhado”, com uma dramaturgia mais rígida. Porém, o público, em geral, buscava o melodrama e o teatro musicado. A cumplicidade e a identificação proporcionadas por esse gênero de teatro levavam os espectadores a se reconhecerem em cena de uma forma direta, visto que se tratava de um teatro feito para o povo, que retratava o cotidiano deste. O teatro de revista, tanto no Brasil quanto nos outros países, possuía como recurso as improvisações. As peças, sendo efêmeras, referem-se a momentos de crise e, por esse motivo, ficaram fora da alçada do mundo intelectual. No final do século XIX, Arthur de Azevedo se destacou, sendo considerado por muitos o maior autor do teatro de revista brasileiro. Azevedo, juntamente com o seu parceiro Moreira Sampaio, viajariam até Lisboa, Madrid e Paris para assistirem ao teatro de revista e observarem os seus padrões. Ao voltarem da Europa, ambos escreveram inúmeras revistas: O Mandarim, A Capital Federal, Cobras e Lagartos, O Mercúrio e outras todas de grande sucesso.

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Um episódio curioso que contribuiu ainda mais para o sucesso dessa dupla de autores foi a caricatura pessoal, interpretada pelo ator Xisto Bahia, um dos maiores artistas populares da época, que compôs um tipo teatral copiando a figura de João José de Fagundes de Rezende e Silva, apresentando-se na peça O Mandarim, como “O Barrão de Caiapó”. Na plateia, ao ver-se em cena, o senhor Rezende e Silva, juntamente com outros cavalheiros, não gostaram e foram reclamar e criticar no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, havendo assim réplica dos autores às críticas, gerando uma enorme polêmica, que atraiu ainda mais um público ansioso para ver o tal Barão, firmando o sucesso do gênero no Brasil. Veneziano (1996) ressalta ainda que, no Rio de Janeiro, a plateia dividia-se em duas grandes correntes, originárias das zonas norte e sul. A do sul, de Botafogo e adjacências, frequentava o Teatro Municipal, que em temporada oficial se exibia ao público chique. A do norte, constituída por pessoas mais simples, a “plebe”, procurava espetáculos na Praça Tiradentes, onde se concentram os teatros da cidade, sobretudo o teatro ligeiro, modalidade que traz um ritmo mais acelerado no texto, além de falas curtas. Entretanto, nessa mesma praça existia o Teatro São Pedro, reduto da elite carioca, onde passavam as companhias estrangeiras em tournée. Apesar de situados na mesma praça, os teatros possuíam suas divisões sociais. Na região da Avenida Rio Branco, centro, concentravam-se os estabelecimentos voltados para o público de elite, como o Teatro Municipal. Em1920, próximo ao Teatro Municipal, inaugurou-se o Parque Centenário, um cinema ao ar livre. Situado nos terrenos do antigo Convento da Ajuda, com capacidade para mais de mil pessoas, possuía também outras diversões características da Praça Tiradentes: mulheres barbadas, faquires, barracas de jogos, cervejarias, café-concerto, ringue de patinagem, cavalinhos, carrossel, o Teatro João Minhoca, um local com “diversões para crianças”. Nos anos 40, destaca-se, no teatro de revista, o teatro rebolado com enredo mais picante, de humor, trocadilhos e imitações. O papel da política permanece relevante e a presença feminina, até então relativamente secundária, começa a impor-se em definitivo. Nesse contexto, destacaram-se as vedetes Mara Rúbia, Brigitte Blair, Angelita Martinez e Virginia Lane. Sem esquecer a primeira grande vedete trazida por Souza Basto para o Brasil, a espanhola Pepa Ruiz, e mais os grandes atores Grande Otelo, Mazzaropi, Oscarito e Dercy Gonçalves, que

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interpretavam “os personagens-clichês”, como o malandro carioca, o caipira, o português. A nudez artística das coristas/vedetes do rebolado começa a ser explorada. Dançar e mostrar o corpo na revista passou a fazer parte do espetáculo: “O apelo erótico mais explícito ganhou força nos espetáculos. A nudez de seios e braços das francesas empolgou as plateias e logo foi copiada pelas artistas locais” (ANTUNES, 2002, p. 54). Assim, observa-se que o foco de interesse passa a ser a mulher, na qual o texto e a música eram todos pensados, sem a preocupação com o enredo. Neyde Veneziano garante que (1996, p.87)

Sem enredo, no nível do texto e do espetáculo, a nova revista se equilibraria entre as músicas, as coreografias, a iluminação, o figurino e os esquetes, os monólogos, as rábulas cômicas de cortina. Um formato de equilíbrio e de transição, no qual a fantasia ainda não superaria a crítica da atualidade. Por isso, 1925 é um ano rico em experiências. Um ano em que o público assistiu entusiasmado às novidades sem que se perdessem a graça e o humor típico brasileiro. O desvio para o luxo e para um maior apelo à sensualidade não roubaria à revista sua relação com a atualidade e com as crises sociais, ainda.

Assim, pode-se observar um equilíbrio entre o texto e a fantasia, entre os sketches e a cortina e os bailados e a apoteose. Eram quadros de pura fantasia. O que importava era o visual, a apresentação em si, era a um glamour sensual de exposição do corpo feminino. O texto revisteiro nunca teve como arma a forma realista, nem direta. Direcionava-se ao público de forma sarcástica e irônica, utilizando-se de alusões, diálogos apartes, afastando o ator de seu personagem, apropriando-se da improvisação que estabelecia uma cumplicidade direta com a plateia. Através do texto o ator era conduzido a abandonar o personagem por alguns segundos, uma vez que plateia no teatro revisteiro tinha um valor essencial: “[...] era o fim em si, para o qual convergia progressivamente o resultado da interação” (VENEZIANO, 2004, p.36). Nesse teatro popular revisteiro pode-se concluir que o ator olhava o público e respeitava o ritmo de cada noite de espetáculo, renunciava a modelos previstos e estabelecidos. O texto se movimentava com a improvisação e essa correspondia à receptividade da plateia, o ator observava o público e o provocava para obter situações.

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Na revista, os atores usavam assobios, onomatopeias, apropriando-se do corpo para buscar os sons mais engraçados, e contavam piadas com uma ironia peculiar, sem perder a força da palavra e o ritmo da comédia. O texto revisteiro trazia a metalinguagem e tinha o espectador como um dos seus personagens. O ator passou a desenvolver técnicas em que narrava, descrevia, comentava e refletia com a plateia, havendo uma triangulação ator, parceiro de palco e plateia. Com a abolição da censura, o gênero perdeu a graça e a plateia não tinha mais a surpresa, pois já se sabia de antemão de quem se ouviria dizer bem ou dizer mal. A revista foi se reduzindo à espetacularidade de desfiles coloridos, com muitas plumas e paetês. A revista chega aos anos 60 do século XIX e marca a época da féerie, que passou a apelar, com muita mulher nua e piadas, o que afastou, em definitivo, o público familiar, levando o tema à pornografia barata, havendo o declínio quase que total deste gênero, que praticamente desapareceu. Resumidamente, pode-se observar que o Teatro de Revista Brasileiro dividiu- se em três fases: a primeira que vai de 1859, quando esse gênero chega ao Brasil, com o formato de revista de ano, até, aproximadamente, 1884, quando passa a ser bem aceito. Na segunda fase, que vai da Primeira Guerra ao fim da década de 1930, considera-se que, no Brasil, o teatro de revista começa a abandonar a fórmula “revista-de-ano” e, também, algumas de suas características originais herdadas da França e de Portugal. Esse período foi marcado por um teatro em que sobressaía a originalidade, sendo considerada por Veneziano (1996) e Paiva (1991). Nesta fase a revista é tipicamente brasileira, pois utiliza os tipos de personagens extraídos da cultura brasileira: o malandro, a mulata, o bobo caipira, além de fazer uso de samba e muitas marchinhas de carnaval. Era a época da revista carnavalesca, que passou a usar os desfiles de fantasias e muitas danças. Na terceira e última fase da revista brasileira, inicia-se um novo modelo, havendo a diminuição da importância do texto pela ênfase de show. É a fase das vedetes. Nessa fase, década de 60, houve a banalização do erótico, desabando na pornografia até que, em 1961, ocorreu o desaparecimento do teatro de revista brasileiro. Face ao exposto, é possível chegar a algumas conclusões e afirmar que o gênero revisteiro começou timidamente nas feiras parisienses, enraizando-se pelo mundo. Em Portugal, passa a ter formas duradouras e, por ser um teatro

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verdadeiramente popular, apropriou-se de uma engenhosa linguagem cifrada que satirizava e criticava quase tudo e contava com grandes cômicos que contornavam a censura da época. Passou por um processo de evolução reduzindo os atos, saindo do enredo de retrospectiva, apresentando quadros ligeiros e movimentados, quadros que, com o tempo, foram se tornando independentes. Assim, este capítulo expõe o teatro de revista desde a sua origem, passando pela sua historiografia, observando o gênero em Portugal e no Brasil, comparando e verificando a evolução desse teatro quanto às ações, aos personagens-tipos, à estrutura, às variações e às convenções que emprega, transitando pelo modo de pensar o teatro revisteiro, pelas épocas em que esteve presente no cenário brasileiro e pela dramaturgia do ator. Assim, viu-se o nascimento, o apogeu e o declínio do teatro de revista, gênero que atravessou o continente, chegou ao Brasil e fez-se presente de maneira singular em Belém do Pará. Para chegar ao teatro de revista paraense faz-se necessário um breve passeio pela história do Pará desde o descobrimento à colonização; da modernização na Belle Époque à construção dos prédios de teatro, das casas de espetáculo e dos espetáculos às movimentações culturais na cidade de Belém.

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3 PARÁ: TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS E CULTURAIS

Faz-se necessário observar as fases progressivas que a região Norte passou com a colonização a partir da chegada dos portugueses, passando pelas “drogas do sertão” e as riquezas naturais aqui exploradas, em destaque a época áurea do ciclo da borracha que transforma a capital paraense em uma petit Paris, aos moldes europeus. Visualmente a cidade fica mais moderna e passou a atrair uma diversidade cultural, que foi se enraizando até compor a sua própria cena.

3.1 A COLONIZAÇÃO DO NORTE E A BELLE ÉPOQUE

A Amazônia, desde o processo de colonização portuguesa, vem se adaptando às intervenções socioeconômicas e culturais das mais diferentes procedências. Por volta de 1600, holandeses, ingleses e franceses disputaram as terras dessa região, invadindo e explorando o delta do rio Amazonas, comercializando com os nativos, como se fossem donos da região. As terras do Amazonas começaram a ser ocupadas pelo lado do Atlântico. Francisco Caldeira Castelo Branco penetra no rio Pará (braço do rio Amazonas) e adentra a Baía do Guajará, desembarcando em uma ponta de terra da margem direita da Baía. Os portugueses atingiram a colônia brasileira em 1616. Nesse mesmo ano, Castelo Branco comandou uma expedição e fundou o Forte do Presépio9, que se tornou o núcleo de origem da povoação de Belém, fundando, em 12 de janeiro de 1616, a cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, onde o Presépio era a base de operações dos portugueses contra os estrangeiros. Ao chegarem, os portugueses observaram que a região constituía dois ambientes naturais, como pesquisou Bezerra Neto (2001), a área de terra firme, geralmente não inundada pelas águas fluviais, com altitude de 10 a 100 metros acima do mar, cerca de 98% da planície Amazônica, e as áreas de várzea, região sujeita a inundações fluviais anuais. No ecossistema da várzea, ao longo da margem do rio Amazonas, se concentravam as populações indígenas. E foi ao longo da rede

9Construído para defender Belém dos invasores estrangeiros. (MEIRA FILHO, 1976, p.58).

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hidrográfica do vale Amazônico que ocorreu a penetração e fixação do conquistador europeu. A Amazônia era vista pelos portugueses como um “El Dorado”, com sua variedade de animais e vegetais, riquezas naturais, particularmente as especiarias, denominadas “drogas do sertão”, que eram as raízes aromáticas, as sementes oleaginosas, o cacau, o cravo, a salsa, o urucum, a canela e tantas outras. No início da colonização portuguesa, os habitantes da floresta, os índios, foram amigáveis com os colonizadores, ofereceram-lhes frutas, como sinal de abundância da terra. Porém, o historiador Meira Filho (1976) conta que, apesar da boa convivência entre índios e portugueses, o que resultou na primeira miscigenação brasileira, o capitão português começou a aprisioná-los e obrigá-los a trabalhar na plantação da cana de açúcar. Então, os índios reagiram para se defender e atacaram a posição dos recém-chegados. A resistência nos nativos foi imediatamente revidada, o que, praticamente, implicou na dizimação das populações indígenas, fato que ocorreu, precisamente, no ano de 1618, quando os Tupinambás locais atacaram o Forte do Presépio. Rocque (2001, p.62) diz que “Castelo Branco mandou matar o cacique Guiaimiaba (cabelo de velho), para controlar a guerrilha”, fazendo com que os Tupinambás fossem obrigados a bater em retirada. A fundação de Belém, na embocadura do Amazonas, permitiu aos portugueses o efetivo controle da navegação fluvial, que comunicava o “rio-mar” ao oceano Atlântico, sendo o principal passo dos portugueses em suas ações de posse da região, a construção do Forte do Presépio. Os portugueses possuíam uma vasta prática mercantilista e, assim, exploravam as vendas das “drogas do sertão”, que eram sua principal base econômica, sendo esta atividade realizada essencialmente pela mão de obra indígena, sob os cuidados das ordens religiosas. As missões instaladas pelas diversas Ordens Religiosas proliferaram ao longo do território e constituíram a marca inicial da ocupação portuguesa na Amazônia. Há indicações de que, em 1720, o número de missões chegava a 63, abrigando um total de 54.000 índios. Das missões mencionadas, dezenove eram dos jesuítas, quinze dos carmelitas, dez dos capuchos da Piedade, nove dos religiosos de Santo Antônio, sete dos capuchos da Conceição da Beira e Minho e três dos frades mercedários. Anos depois, as missões foram gradativamente ocupadas pelos colonos,

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transformando-as em vilas ou freguesias, de acordo com a importância econômica, populacional e estratégica. (ROCQUE, 2001). A Companhia de Jesus, em seu processo de expansão, contou com importante apoio dos reis católicos. Mas eles também sofreram resistências, tanto dos colonos quanto de outras ordens religiosas. Os jesuítas catequizavam os índios, aculturando-os e modificando suas formas tradicionais de vida, transformando-os em cristãos a serviço da colonização portuguesa. O pensamento dos portugueses era trazer as tribos indígenas ao convívio da “civilização” portuguesa. Depois da exploração das “drogas do sertão”, os portugueses passaram a explorar o subsolo, com a pretensão de encontrar ouro. Várias tentativas foram realizadas, mas todos foram falsos descobrimentos, de forma que o governo português proibiu qualquer aventura para descobrir minas de ouro. Organizar a força de trabalho na Amazônia foi uma tarefa difícil no processo de colonização. Havia uma enorme população nativa, assim, se entende que este tenha sido o alvo do colonizador, ansioso por mão de obra barata ou menos onerosa que os escravos negros, introduzidos pelos portugueses na Amazônia. Porém, os preços elevados do escravo negro fizeram com que, durante o período colonial, o trabalho compulsório do índio tenha superado o do africano na região. No governo de Portugal, representado pelo Marquês de Pombal, houve um período de predominância de escravos negros em relação ao indígena, no entanto, foi promulgada a Lei de 6 de julho de 1755, legislação metropolitana que proibia a escravidão indígena e, entre 1743 a 1750, ocorreu a epidemia de varíola, que vitimou um número bem considerado de indígenas. (MEIRA FILHO, 1976) Decidido a colocar Portugal à altura do “novo tempo”, Pombal empreendeu uma série de reformas, que iam desde a reorganização econômica do reino até o reordenamento cultural, dando direitos aos índios, transformando aldeias em vilas, índios em colonos e, assim, proteger seu território contra as investidas estrangeiras, visto que franceses e espanhóis constituíam-se em vizinhos incômodos. O governo português criou ainda condições e vantagens para que os índios se sentissem iguais aos portugueses, dando títulos de nobreza aos filhos de índios que casassem com brancos; o objetivo era incentivar o casamento entre eles. Logo, todos sendo iguais, eles defenderiam o território como portugueses, em favor da coroa.

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Um dos fundamentos ideológicos centrais de tal regime era o de levar os índios à civilização através do cristianismo, para que, assim, se libertassem do estado selvagem e de barbárie no qual se encontravam. A colonização portuguesa aconteceu paulatinamente. Primeiro os lusitanos chegaram e lutaram contra os indígenas; depois lutaram contra os estrangeiros, paralelamente conquistaram o Rio Amazonas e ampliaram as fronteiras; em seguida investiram na catequização dos nativos, na fundação de aldeias e criaram estratégias para que os índios protegessem os interesses da coroa. Até a primeira metade do século XVII, segundo registros de Leira Mourão (1989), a população de Belém se resumia em 80 moradores, excluindo os religiosos, militares e nativos. A partir da segunda metade do século XVII, com a chegada de 234 colonos açorianos, com a presença dos imigrantes, Belém foi crescendo, abrindo ruas para a alocação dos novos habitantes e afastando-se da margem do rio, existindo dois núcleos iniciais da “Cidade”, sendo o da cidade junto ao Forte do Presépio, e o da “Campinas”, adentrando mais à cidade no entorno da rua dos Mercadores. Mas é em 1772 que Portugal atende ao pedido dos paraenses e divide a capitania do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas com governantes próprios: a capitania do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém do Pará; e a capitania do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Ao ser reafirmada como a capital do Grão-Pará, Belém finda com a rivalidade existente por longos anos com São Luís, uma vez que São Luís não mais atendia aos interesses de políticos e das autoridades portuguesas, de forma administrativa, econômica e, principalmente, territorial. O crescimento célere do Grão-Pará, em decorrência das plantações da cana de açúcar, do cacau, do café e, principalmente, da extração da borracha era convenientemente proveitoso e lucrativo para as autoridades e os colonos portugueses. Neste ínterim, o rei D. José I confere ao Marquês de Pombal amplos poderes, e este, fazendo-se valer de tal situação, assume o controle político, administrativo e econômico de todas as capitanias, principalmente a do Grão-Pará. Para isso, designou seu irmão como governador desta capitania, que propôs mais tarde a fundação da Companhia de Comércio, demarcou limites entre Grão- Pará e Maranhão, Pará e Amazonas, e determinou assaltos as propriedades

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agrícolas, no intuito de enriquecer os cofres da administração portuguesa. Era a capitania do Grão-Pará submetida aos desejos de Marquês de Pombal. Em 1774, ocorre a extinção da capitania do Grão-Pará e Rio Negro e da capitania do Maranhão e Piauí, que passam a ser subordinados diretamente ao Estado do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Com a Independência do Reino Brasil, em 1822, as capitanias, que eram partes deste Estado, tornam-se províncias. Belém, em 1823, se une ao Brasil independente, realizando a histórica “Adesão do Pará”, e incorporando-se como Província do Grão-Pará, sendo desmembrada em duas províncias no ano de 1850: a do Pará e a do Amazonas, embora tenha sido na Proclamação da República, em 1889, que todas as províncias passaram a assumir o status de “Estado”, então a província do Pará passou a denominar-se Estado do Pará. Depois, entre 1840 à1920, toda atividade econômica da região passou a girar em torno da economia extrativista da borracha, então, a cidade foi tomando novos ares, pois parte da economia gomífera foi investida no setor público na área urbana. Segundo a pesquisadora e historiadora Maria de Nazaré Sarges (2002), a sociedade brasileira, no final do século XIX, foi transformando seu modo de vida e sua nova estrutura urbana, além da propagação de uma nova moral, cenário de controle de classes pobres e o aburguesamento de uma classe abastada. Observava-se, em Belém, essa vitalidade urbana nas ruas calçadas com paralelepípedos de granito, importados de Portugal; nas construções de prédios luxuosos, como o da Biblioteca Pública, do Teatro da Paz10, nos bondes, na criação de uma nova estética visível na paisagem urbana. No caso do Pará, o pesquisador Paulo Andrade (2007) apresenta dois fatores que contribuíram para o crescimento de Belém: a abertura do rio Amazonas para a navegação internacional e a exportação da borracha. Esta, a partir de 1825, desponta como suporte da economia da Amazônia e, a cada década, a sua produção aumentava em muitas toneladas. No período áureo da borracha, Belém começou a adquirir aspectos de cidade grande, ruas foram ampliadas e abertas. Na administração do Intendente Antônio

10 Teatro Oficial, de grande porte, inaugurado em 15 fev.1878, na administração do Presidente Dr. João Capistrano Bandeira de Melo Filho. Segundo Vicente Salles (1994), sua inauguração marcou nova fase nas atividades cênicas no Grão-Pará.

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José Lemos11, concretizou-se um projeto de modernização do espaço de Belém, com o propósito de transformar a cidade, sempre com base na Cidade Luz, a mimese de Paris. Procurou-se inserir a cidade na era da modernidade, em sintonia com os padrões da sociedade europeia, como demonstra o texto da historiadora Nazaré Sarges (2002, p. 20): Da Europa, especialmente da França, é que veio o modelo de urbanismo moderno, reproduzido em Belém com expressividade durante a administração do intendente Antônio José de Lemos, através de construção de boulevards, praças, bosques, asilo, mercados, calçamento de ruas, bem como de uma rigorosa política sanitarista. [...].

A cultura europeia exercia grande peso na vida dos paraenses. Existiam ruas inteiras em estilo italiano, legado do arquiteto italiano Antônio Landi (1708-1790), responsável por várias construções de edifícios públicos civis, religiosos e particulares. Materiais importados eram usados para a construção e acabamentos de prédios residenciais, comerciais e públicos, como a construção do Teatro da Paz e do mercado do Ver-o-Peso12, este último concorre para o reconhecimento como patrimônio cultural da humanidade. Ele passou por mudanças, com a construção do mercado de ferro, mercado de venda de peixe e carne. Para a sua construção foram importadas as peças de ferro e gradil pré-fabricados da Europa, num estilo eclético e de arquitetura industrial. Belém daquela época é descrita na carta de Charles-Marie de La Condamine13 (1944 apud MOURÃO, 1989, p. 36): Encontramos uma grande cidade, ruas bem alinhadas, casas alegres a maior parte construída em pedras de alvenaria, além de igrejas magníficas. O comércio direto do Pará com Lisboa, de onde chega

11Intendente de Belém (cargo hoje de prefeito), em 1902 queria transformar a cidade em uma Paris na América, o projeto consistia na construção de diversos palácios, grandes teatros, igrejas, necrotério, grandes praças com lagos e chafarizes, infraestrutura sanitária, alargamento de vias, calçamento de quilômetros de vias com pedras importadas da Europa. (SARGES, 2002, p.64). 12Considerado a maior feira aberta da América Latina, foi inaugurado no dia 21 de março de 1688, pelo rei de Portugal, segundo o historiador Augusto Meira Filho (1976), por solicitação da câmara de Belém. Criado com objetivos fiscais, para que não saíssem mercadorias sem despachos, concedia aos oficiais da câmara da capitania o rendimento dos impostos. Sempre foi o porto de saída e entrada de produtos importantes para a economia do país, sendo também palco de muitos fatos da história política, econômica e social de Belém. 13 LA CONDAMINE, Charles-Marie. Relato Abreviado de uma viagem pelo interior da América Meridional. São Paulo : Cultura, 1944.

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todo ano uma frota de mercante, dá às pessoas abastadas a facilidade de prover a todas as suas comodidades. Recebem mercadorias da Europa em troca de gêneros da região, que são, além de algum, ouro em pó, trazido do interior das terras do Brasil, todas as diferentes produções úteis, tanto dos rios que vêm desaguar no Amazonas quanto das próprias margens desse rio, tais como a casca de madeira de cravo, a salsaparrilha, a baunilha, o açúcar, o café e, sobretudo o cacau, que é moeda corrente na região e faz a riqueza dos habitantes.

Com o desenvolvimento da economia do látex na Amazônia, Belém passou a ser o porto de escoamento da borracha e se tornou a vanguarda cultural da região. Assim, parte dessa economia nos cofres públicos passou a ser direcionado ao investimento urbano da cidade. “Os Barões da Borracha”, donos das seringas, queriam na cidade um cenário europeu: “Paris nos trópicos”. Construíram os casarões com azulejos portugueses, praças, jardins, pavimentação de ruas e prédios públicos, em estilo barroco europeu. Nessa época, houve a criação de uma linha de bonde, instalação de banco e companhias seguradoras. Durante as primeiras décadas do século XIX, a região amazônica teve sua produção e comércio diretamente ligados à Europa, enquadrando-se na linha do antigo sistema colonial. Na segunda metade do século XIX, é que o Pará começou a se expandir economicamente, com a borracha e com a navegação a vapor, que teve grande importância econômica. Nessa época, a mudança tecnológica na navegação com os navios a vapor veio beneficiar todo o povo. As companhias, muitas vezes, vinham direto da Europa, destinadas especificamente para o Pará e Manaus, pois, além do lucro atrativo, em virtude do ciclo da borracha, o caminho náutico era mais curto de Portugal aos postos de Manaus e Pará. A cidade florescia culturalmente, realizando-se concursos de teatro amador e de música, gerando o seu próprio corpo de atores e tornando-se a rota principal das grandes companhias europeias.

3.2 MODERNIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DE BELÉM (1900-1930)

Sarges (2002) conta que Belém foi se recriando e, no final do século XIX, a cidade já possuía quatro distritos considerados importantes: Campina, Nazaré, Cidade e Trindade. Estes distritos concentravam áreas urbanas, povoados rurais e

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ribeirinhos, localizados em seu entorno. Devido ao atrativo de ganhar dinheiro com a borracha, a migração era intensa entre os nordestinos e estrangeiros como portugueses, chineses, franceses e outros. A cidade foi se expandindo, com novas ruas, novas estradas e novos distritos, com novos significados. Os nordestinos foram os principais fornecedores de força de trabalho para a economia gomífera. Belém sofreu os efeitos do aumento da população, logo, por imposição de Antônio Lemos. Os imigrantes foram para as áreas periféricas, visto que o centro de Belém era preparado para reinarem as famílias ricas. Naquela época, a sociedade paraense era extremamente moralista, havia uma legislação municipal, um código de posturas14, de 1880 a 1897, e o intendente Antônio Lemos proibia: [...] proferir palavras obscenas, nas ruas e lugares públicos, praticar atos ou gestos reputados ofensivos à moral e à decência; tomar banho nas praças e fontes públicas [...]; fazer algazarras, dar gritos sem necessidade, apitar, organizar batuques e sambas; tocar tambor; carimbó; bem como a reunião de escravos; fâmulos ou criados nas lojas; tabernas; açougues; ruas e praças [...]; danças de cordões de pastores fora do carnaval. (SARGES, 2002, p.145-146).

O progresso foi chegando à cidade, da iluminação pública do azeite ao petróleo, e deste para o gás carbônico e, em seguida, para o querosene, até a energia elétrica, no final de 1890. A sociedade passou a ter uma remodelação dos hábitos e costumes sociais, passando a se alinhar mais com os padrões da civilização europeia. Veio o modelo de urbanização moderna, reproduzido em Belém durante a administração do intendente Antônio Lemos, num período conhecido como a Belle Époque. A cidade foi progredindo, porém, a riqueza de alguns, a economia da cidade e a modernização fizeram surgir conflitos cotidianos e tensões inerentes a uma

14Segundo o discurso oficial, tomadas em favor do silêncio, como forma de amenizar a poluição sonora que se elevou diante do aumento demográfico e do tráfego de veículos. Isto demonstra toda uma política rigorosa de controle público sobre o comportamento dos habitantes e a imposição de um padrão de comportamento em público, sem se falar na presença de uma vigilância severa dos espaços públicos. (Mensagem dirigida pelo Sr. Governador Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará, em 30 de janeiro de 1880. Belém: Typ. do Diário Official, 1880).

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sociedade que sofreu transformações econômicas: problemas com delinquentes, mendigos e alcoólatras. Com a Proclamação da República, que substituiu o trabalho escravo pelo trabalho livre, houve a expansão da pobreza e o aburguesamento da cidade. Em 1889 surgiram inúmeras casas de diversão, como: Café Chic, Café da Paz, Café Madri e o Café Riche, considerado um dos principais centros da sociedade paraense. O crescimento da cidade transpôs a população a um novo modo de vida, com ritmo de cidade grande e boemia, com os já citados cafés-cantantes, lojas, cinemas e bondes. O novo estilo de vida parecia superpor-se aos quadros de uma cidade com características rurais, cujos traços mais evidentes insistiam em permanecer. Muitas pessoas ainda estavam ligadas ao mundo do interior, às suas experiências de vida e de cultura. No entanto, tentava-se, por meio de projeto modernizador da cidade, estabelecer um modelo de urbanização e de cidade que apagasse da memória dos novos citadinos as características que os ligavam ao mundo rural. A modernização da capital do Pará era exigência econômica, social e cultural. Sendo requisição primordial dos administradores, para que os visitantes vissem uma cidade de progresso e os negócios se estabelecessem definitivamente. Belém precisava estabelecer a função de principal centro econômico do Norte. Era necessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente para aqueles que a visitavam a negócios ou que pretendessem estabelecer-se definitivamente. Assim era urgente a ideia de projetá-la com a imagem de uma cidade moderna e civilizada, inspirada nos padrões vigentes das Europa. A modernização da cidade conferiu espaço à diversidade. Encontram-se diferentes modos de ser e de viver, gerando um contraste ideológico, artístico, religioso, econômico e social, que são traços comuns ao cotidiano das grandes cidades. Belém, após passar por uma reorganização urbana, fez com que a sociedade adquirisse novos conceitos de vida. O processo de urbanização, a partir da segunda metade do século XIX, está ligado à função política, social e cultural. No século XIX, a cidade tornou-se alvo de uma efetiva normatização, que procurou controlar dos grandes aos pequenos detalhes da vida social e do cotidiano das pessoas. A cidade passou a ter espaços disciplinados e ordenados. O Intendente Antônio Lemos não só replanejou a cidade como também sonhou e

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conseguiu colocar em prática uma civilidade que se expressava no Código de Policiamento de Belém, hoje chamado de Código de Posturas do Município. Segundo Sarges (2002, p. 32):

[...] é importante considerar a dimensão moral das transformações urbanas, no sentido de impor regras de conduta e hábitos de higiene e racionalizar o uso dos espaços públicos. O código de posturas previa multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, e os jornais anunciavam o horário em que passariam os carros de coleta do lixo, a ser posteriormente incinerado [...].

Os novos costumes, raios de influência europeia, tinham como espelho Paris, a chamada Belle Époque nas cidades brasileiras. Entretanto, esse processo representou, acima de tudo, a exclusão das massas populares dos benefícios gerados pelo capitalismo, assim como o controle das massas pelo grande capital. Embora o termo “urbanismo” somente tenha surgido na segunda metade do século XIX, as circunstâncias e situações a que ele se aplicam, descrevem todo o movimento ocorrido neste século, seja com relação aos discursos acerca do urbano, ou referente a uma nova qualificação para o espaço da cidade. Civilização, progresso e urbanidade podem ser concebidos como valores estreitamente ligados, invocando imagens/imaginários referentes ao desejo, especialmente por parte das elites, de uma sociedade com hábitos, comportamentos e costumes “considerados mais elegantes”. O conceito de modernidade está diretamente vinculado ao progresso do desenvolvimento da vida urbana, com o embelezamento visual da cidade, isso associado a valores estéticos de uma sociedade em ascensão, assim, construção de "[...] um modelo ideal de sociedade moderna isento de perturbação" (SARGES, 2002, p. 53). A Belém província teria que ser substituída pela cidade moderna que ergue, com sua gente “elegante” e de “hábitos europeus”. Sarges (2002) ressalta, ainda, a modernização dos espaços públicos em detrimento da riqueza da borracha, entretanto, excluía a população pobre, que era proibida de andar nos espaços. As construções eram para a classe rica, logo as classes menos favorecidas permaneceram à margem do processo e foram expulsas para as áreas afastadas do centro e tendo que se adaptarem ao código de postura. A pavimentação e iluminação das ruas, a construção de praças e jardins, prédios públicos, incentivo às artes, os bondes, serviços de limpeza urbana, serviço

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de implantação e distribuição de água potável e a construção do porto de Belém, tudo isso fazia parte de um processo dentro de uma política que ensejava os novos valores culturais sob a população, devido à forte influência europeia. Nesse sentido, era preciso adequar a população à nova realidade que a cidade vivenciava com o crescimento econômico. Os novos valores, a “moral” e os “bons costumes” eram forçados a prevalecer, porém, o homem pobre suburbano ainda não havia de todo assimilado as estruturas simbólicas da cidade moderna. A cultura desse modelo de cidade, baseada nos costumes parisiense, tentava abafar o homem simples, como se os valores da terra, do campo e do interior, de uma hora para outra não fizessem mais parte do contexto; o que era impossível, pois costumes e valores não são impostos, mas adquiridos. Aos poucos, o convívio do homem do campo na cidade predispõe ao hibridismo cultural (BURKE, 2006), pois tanto o homem da cidade quanto o homem do campo adquirem novos pensamentos e comportamentos, que se interpenetram. A vantagem da vida moderna está no visual, na cidade grande, ao molde europeu. Logo, as perdas também vieram com essa evolução, aumentando a violência. O teatro, principal entretenimento coletivo do século XIX, é capaz de alcançar a mais ampla gama de categorias sociais. A capital do Pará passou a ser visitada pelas companhias teatrais, havendo uma efervescência cultural. Alguns gêneros do teatro musicado, como o dramático, o melodrama, a comédia e o vaudeville, tornaram-se bastante apreciados; outros, como a ópera, encontravam ainda dificuldades de se fazerem já que “Não havia em Belém uma empresa capaz de arcar com a responsabilidade da montagem. Nem mesmo um teatro apropriado havia” (SALLES, 1994, p.43). Os existentes na época se mostravam pouco propícios para receberem companhia de porte maior e acomodar, satisfatoriamente, o público e os artistas. Com a melhoria econômica em decorrência da época áurea da borracha, em 1869 inicia-se a construção do Teatro da Paz, que primou pela ostentação. A sua construção atenderá a duas finalidades: abrigar as companhias teatrais de maior porte e o mais importante, constituir espaço sociocultural privilegiado, dos grupos sociais em ascensão: seringalistas, comerciários e políticos.

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Antigos costumes da cidade se modernizavam, o velho largo da Pólvora era agora o centro da boemia, bem edificado e aburguesado, que passou a chamar-se Praça da República, onde ficava o Teatro da Paz, e inúmeros cafés, estilo parisiense, como o Café Chic. Com o código de conduta sendo rigorosamente aplicado, a polícia mandou fechar o Teatro Cosmopolita, forçando a Companhia Palácios, de operetas e zarzuelas, a se retirar de Belém, pois era indesejada, por conta das mulheres da Companhia, que encantavam os sertanejos rústicos, mas abonados, os chamados coronéis de barrancos, que, por isso, deixavam de dormir em casa com suas famílias (SALLES, 1994). Percebe-se que a modernidade, na Amazônia, assim como em toda a América Latina, deu-se na relação de suposições da consciência do homem entre modernização e modernidade. Com as práticas teatrais do século XX em que os espectadores eram convocados a participações em espetáculos como testemunhas, legitimando, assim, uma determinada representação que, como toda manifestação artística na região, nascia a partir de um processo de busca de instrumentos e materiais para produção artística, dentro de uma relação do homem amazônico com o cenário irregular; o homem da Amazônia com o espaço híbrido, bem como com as várias sociedades, pois:

A modernidade aparece como a dialética entre a modernização – os processos duros de transformação, econômicos, sociais, institucionais – e o modernismo – as visões e valores por meio dos quais a cultura busca compreender e conduzir esses processos. (GORELIK, 1999, p.58).

Vale dizer que essa forma dual sobre a modernização e o movimento modernista na região amazônica fomenta questões que possibilitam identificar na arte dramática contínuos movimentos transformadores. A modernização destaca-se nos setores econômico e social, assim como na maneira de entender o significado de cidade moderna no séc. XX, o que, em Belém, representou uma tela de mudanças voltadas para crises, como a da borracha. Outrossim, o modernismo conflituoso entre as raízes, a cultura local, o espaço e o olhar civilizado, caracterizou uma espécie de limitação de pensamentos, juntamente com uma autotransformação por meio de um processo de evolução consciente. Dessa forma,

Não é preciso conhecer a cidade, nem é preciso que as cidades realmente existentes cumpram efetivamente com os princípios do

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imaginário, já que para ele a cidade é a modernidade e a civilização por definição, muito além das características reais que encarne em cada momento. A cidade, como conceito, é pensada como instrumento para chegar a outra sociedade – a uma sociedade precisamente moderna [...] sociedade real: “Inventar habitantes com moradores novos” foi o tema de Sarmiento que com maior capacidade de síntese mostrar a circularidade da convicção iluminista sobre as virtudes educativas da modernidade urbana [...] na América Latina, a modernidade foi um caminho para chegar à modernização, não sua consequência; a modernidade se impôs como parte de uma política deliberada para conduzir à modernização e nessa política a cidade foi o objeto privilegiado (GORELIK, 1999, p. 56).

É relevante dizer que tal transformação na Amazônia aconteceu com a presença do colonizador, uma vez que predominou uma atenção para o espaço com um objetivo de exploração e com a intenção de dominar tanto a questão intelectual como as questões políticas e econômicas. O espaço amazônico assume um cenário variado de cheiros e cores que formam um hipotético de significados inserindo gerações em uma visão mítica, também assinalada pelas ideias europeias do Iluminismo.

Iluminismo [que] acredita na força civilizadora e libertadora da vida urbana, com suas ofertas culturais, seu movimento, seu tumulto, sua variedade, e não crê que a solução para os problemas do trânsito e da pauperização seja a da criação de cidade jardins... (ROUANET, 1993, p.11).

Observa-se que com o conceito de urbanização no final do séc. XIX na Amazônia, através de um pensamento civilizador europeu, bem como a modernização e a construção do teatro oficial, Belém foi construindo registros referentes a representações e espetáculos teatrais vindos de fora ou gerados na cidade. É a partir dessa visão que se procura reestruturar a história do teatro paraense, apresentando-lhe o percurso desde a colonização até as três primeiras décadas do século XX, destacando o gênero teatro de revista no Pará.

3.3 O TEATRO NO PARÁ

Pouco depois da instalação do domínio português, no Pará, século XVII, a representação teatral foi introduzida nas escolas dos missionários, para o auxílio do

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trabalho evangelizador e do lazer dos moradores. As primeiras representações teatrais na Amazônia foram as crônicas religiosas que, segundo Salles (1980), constituem quase as únicas indicações desse teatro primitivo. O domínio do vasto território brasílico do extremo norte exigiu da metrópole ação política especial, diretamente subordinada a Lisboa, traduzida na divisão do espaço colonial em dois estados, como já se ressaltou: Brasil, com sede em Salvador, e Maranhão e Grão-Pará, com sede ora em São Luís, ora em Belém. Segundo estudos do pesquisador Vicente Salles (1994), o teatro religioso apareceu nas crônicas paraenses em 1654, quando os jesuítas fizeram representar auto sacramental durante as solenidades da Paixão e Morte de Cristo, cujas primeiras apresentações foram feitas nas ruas, nas portarias dos conventos e nas igrejas. Em 1668, quando o teatro paraense começou a dar mostra de vivacidade, as representações de rua foram para o palco, com destaque para o padre ensaiador Tomás do Couto, natural do Rio de Janeiro. Ele ingressou na companhia dos jesuítas aos 16 anos, encenando autos, mistérios e, principalmente, tragédias. Outra ordem influente, no Pará, eram os mercedários, que utilizavam a comédia como gênero primordial. Segundo Salles (1994, p.5) “Os missionários, em geral, aproveitaram a tendência natural dos índios para festas, danças e bailes para representações das comédias, tragédias, oratórias, mistérios e autos sacramentais.” Os missionários visavam converter os indígenas, atrair e educar o povo, segundo os padrões europeus de cultura, exercendo, por meio desse teatro, um importante papel pedagógico e político. O poder estava na “mão” da Igreja, que exercia controle sobre os textos teatrais, pois os missionários utilizavam o teatro como auxiliar do trabalho evangelizador. Dentre aqueles homens da Igreja, há de se destacar o nome do missionário e pregador Gabriel Malagrida, que atuou nas missões do Maranhão e Pará em 1720, morrendo estrangulado e queimado pela Inquisição, em Lisboa, na Praça do Rossio, em 1761. Em meados do século XVIII, os missionários foram expulsos do Pará e do Maranhão, mas deixaram experiências e legados que se perpetuaram na música, nas danças e nos folguedos folclóricos, bem como na arquitetura, escultura e pintura.

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Os religiosos promoveram, em Belém e em São Luís, a representação de Jogos Cênicos. Os autos, espécie de teatro catequético-apostólico, com cenas bíblicas, eram levados até os ambientes rurais, como engenhos e fazendas. Essas notícias foram referidas pelos cronistas do primeiro século da conquista e povoamento da Amazônia. A exemplo, têm-se os escritos do padre João Felipe Bettendorff, Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Maranhão, que se trata de uma narrativa histórica dos principais feitos e acontecimentos relacionados às missões jesuíticas na região. Em 1775, no governo do capitão general João Pereira Caldas, foi iniciada a construção da Casa de Ópera ou Teatro Cômico, obra que durou cinco anos, com projeto do arquiteto italiano Antônio José Landi15, casa erguida especificamente para as encenações profanas, inaugurada em 1780 pelo general, antes de deixar Belém. Notabilizou-se como palco privilegiado para as apresentações das primeiras companhias viageiras e funcionou regularmente até 1812 (CRUZ, 1945). Com base na pesquisa de Vicente Salles (1994), observa-se que, no reinado de D. José I, a Amazônia se integrou no espaço político do império português na América. Belém, sede do governo, tornou-se uma das principais cidades do império lusitano. A administração pombalina deixou marcas da consolidação do domínio português no extremo norte e na modernização de Belém. D. José I investia muito no teatro lírico consumido em Lisboa e os costumes metropolitanos eram exportados para a colônia. Nessa época, o teatro chegava com a função de moralizar, de doutrinar sobre o amor à pátria, o valor, o zelo e a fidelidade com que se deve servir aos soberanos. No final do século XVIII, o teatro paraense recebia os dramas pastoris de Tenreiro Aranha, primeiro grande fruto da Terra, escrevendo sobre a Amazônia, com pastores do Amazonas e dramas pastoris. Vicente Salles (1994) afirma que: “Tenreiro Aranha é produto exclusivo do meio e viveu no momento de crise do colonialismo. A revolução francesa varria o mundo com novas ideias sepultando no coração do continente europeu o feudalismo” (p.13). Era uma época de muita repressão. O teatro paraense reproduzia somente o que convinha e favorecia à

15 Arquiteto Italiano contratado pela corte portuguesa em 1750, como desenhador da comissão de demarcação da fronteira do Brasil, o principal protagonista de um conjunto de obras que constituem uma das heranças mais significativas do período colonial. Foi o arquiteto bolonhês que se integrou totalmente a Belém, tornando-se o artífice da cidade. Ele vai idealizar a cidade vista do rio, projetando-a e realizando-a como centro representativo do poder político, religioso e militar que deveria caracterizar Belém como capital cultural da Amazônia. (TOCANTINS, 1969)

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coroa portuguesa. Mas, em seus textos, Tenreiro Aranha insinua a independência brasileira, seu drama pastoril traz a falência do poder português no Brasil, sendo reconhecido como o primeiro artista autenticamente amazonense. Era um artista do Arcadismo, escola que tinha como característica exaltar a natureza e tudo que lhe diz respeito. Esse movimento literário chega ao Brasil a partir da segunda metade do século XVIII, trazendo a ideia de nacionalismo e luta pela independência. Foram muitas lutas mantidas pelos paraenses contra as forças lusas, até firmarem sua adesão à independência do Brasil. A opressão feita pelos portugueses às pessoas mais pobres que viviam nas províncias fez gerar a revolta dos cabanos16, movimento que ocorreu no Pará no período de 1835 a 1840. Em 1835, por iniciativa privada, surge o Teatro Providência. Segundo Salles (1994), a história inicial desse teatro é desconhecida. Localizado no largo das Mercês, passou a ocupar o papel antes desempenhado pela Casa de Ópera. Com a Revolução Cabana, o teatro ficou inativo até cerca de 1838. Foi reinaugurado no dia 14.03.1838, para espetáculos em homenagem à princesa D. Januária, ocasião em que o poeta João Batista de Figueira Tenreiro Aranha recitou Elogio Dramático17.

Conta o historiador Ernesto Cruz que na noite de 6.01.1835, o presidente Lobo de Souza “compareceu a um espetáculo de gala no teatro Providência” e “a revolta, que se propagara subversivamente em todas as camadas sociais, esteve para rebentar nessa oportunidade. Circunstâncias ocasionais impediram que assim sucedesse indo, porém, na madrugada de 7 de janeiro, recrudescer a luta que há muito ensanguenta o solo paraense (CRUZ, 1945, p. 141)

No Teatro Providência, realizavam-se as solenidades do governo provincial, reuniões politicas, sociais e culturais, como saraus literários e as apresentações de companhias viageiras de circo e teatro, destacando-se, durante algum tempo, como o principal espaço cultural da capital.

16 A Cabanagem foi uma revolta popular que aconteceu entre os anos de 1835 e 1840 na província do Grão-Pará (região norte do Brasil, atual estado do Pará). Recebeu este nome, pois grande parte dos revoltosos era formada por pessoas pobres que moravam em cabanas nas beiras dos rios da região. Estas pessoas eram chamadas de cabanos (SILVEIRA, 1994). 17 Gênero espúrio do teatro, para alguns autores abastardamento do gosto, surgido em Portugal no Século XVIII, para o qual eram chamados a produzir louvores aos poetas. (SALLES,1994).

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Percebe-se que, na região amazônica, desde a época da colonização, o teatro fazia parte das práticas sociais e do movimento cultural das cidades, mas, mesmo assim, essas práticas artistas não estão postas nas páginas da história do teatro brasileiro. Criou-se uma história paralela, que se manifestava da mesma maneira que em outros centros do Brasil. A busca por uma nacionalidade no teatro brasileiro foi uma preocupação que ganhou impulso com o advento do Romantismo, quando os dramaturgos procuraram escrever suas obras a partir de aspectos culturais locais, mesmo procurando imitar os hábitos estrangeiros. Ainda Salles (1994) conta que as apresentações no Teatro Providência eram dominadas pelos oficiais militares que criaram um grupo dramático, composto por eles, por funcionários públicos e alguns cidadãos, chamados de Grupo Teatral União e Amizade, dirigido pelo professor Joaquim Belfort Gomes. Apresentavam espetáculos que reforçava a ideia militar, como Elogio Dramático, festejando a derrota dos cabanos, ou Festa de Adesão do Pará à Independência, ou ainda com recitação de textos de elogio dramático, execução do Hino Nacional e drama. Os poucos jornais não abriam espaço para comentários e críticas. Só os espetáculos de gala, da iniciativa governamental, ganhavam registros, por isso, algumas lacunas não ficaram preenchidas. Salles (1994) pontua que, em 1840, no Teatro Providência, houve a representação do drama O Imperador José Segundo em Morinof, os intérpretes foram oficiais da 1ª e 2ª linha, empregados públicos e outros cidadãos. Nenhuma referência aos atores; também não se sabe se havia papéis femininos. Nesse teatro eram apresentados muitos espetáculos de gala em datas festivas, como o 7 de Setembro, festejado com fogos e parada militar. Depois aparecia o retrato do imperador, saudado por enérgicos vivas, executando-se, em seguida, o Hino Nacional. Como é possível notar, o teatro servia para enaltecer os militares e o poder do imperador. O Teatro Providência passou a obedecer a um regulamento com 24 artigos, da Secretaria da Polícia do Pará, no comando do Doutor Manoel Libânio Pereira de Castro. Esse regulamento reforçava ainda mais a obediência ao governo da época. Como se pode observar, o teatro foi se construindo sob ordens do governo. Em 1845, chega ao Pará o Dramalhão em cinco atos e sete quadros, do português José da Silva Mendes Leal Júnior, apresentado no Teatro Providência, logo depois do espetáculo que comemorava o nascimento e batismo do príncipe imperial D. Afonso.

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Para manter a regularidade das apresentações teatrais, o governo passou a subvencionar companhias, acertando temporadas com empresários. Os principais eventos sociais e artísticos se apresentavam no palco do Teatro Providência. Começaram a chegar da Europa algumas trupes, que iam para o Maranhão e depois para o Pará. Os artistas paraenses trabalhavam basicamente com repertórios portugueses e eram os portugueses os principais ensaiadores e empresários. O público começou a defender um nacionalismo exacerbado, remanescente da luta dos cabanos, não aceitava mais com facilidade os padrões portugueses (SALLES, 1994). O comércio exportador e importador se estabeleceu e se desenvolveu particularmente em São Luís e em Belém. As duas cidades polarizaram toda a vida social, econômica e artística que se instalou concomitantemente. Belém começava a atrair as atividades artísticas e culturais que estavam nos estados vizinhos. A exigência do público aumentava. Em 1850 começa a intensificar o movimento de companhias estrangeiras no Brasil, pois não era só o Pará que ostentava esse teatro, mas na maioria das cidades brasileira. Belém começava a atrair as atividades artísticas e culturais da Europa, com grandes espetáculos de óperas. A capital paraense passa a desenvolver um teatro profano que, de acordo com Salles (1994), aparece no século XVIII. Os espetáculos que tinham sucesso garantido entre o público paraense eram os de repertório alegre, ligeiro, de revistas nacionais e as operetas. Belém também apreciou muito as óperas cômicas e zarzuelas18. Existiu também o Teatro Cassino Paraense, construído para atender a reuniões politicas, saraus literários, concertos camerísticos e orquestrais, assim como apresentações de algumas companhias teatrais antes realizadas no Teatro Providência, localizado próximo ao largo da Pólvora, nas imediações do terreno onde seria posteriormente construído o Grande Hotel. Tem também o Cassino Paraense que se tornou espaço exclusivo dos grupos sociais mais proeminentes, passando a ser considerado um estabelecimento seleto e distinto, destinado ao convívio dos homens da “alta cultura”. A partir de 1850, além

18 É uma obra musical e dramática, especificamente espanhola, com declamação e canto. (SALLES,1994).

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do Cassino Paraense, destinou-se outras casas para os espetáculos; eram os teatros pequenos, construídos de madeira e taipa para a classe menos favorecida. A maioria dessas casas teatrais teve vida efêmera, mas atraía um público cada vez mais numeroso que adquiria o gosto pelo teatro musicado como a ópera, a opereta, a zarzuela, a revista, o dramático e o vaudeville. Esses gêneros do teatro, muito comum no continente europeu, foram trazidos pelas companhias viageiras de atores e cantores, que, com certa frequência, passaram a ir a Belém. Em meados do século XIX, os jornais se referem ao Pavilhão da Flora construído no centro da Praça de Nazaré, onde se exibiam cordões19 de índios e de negros, executando exercícios excêntricos e danças de suas tribos, eram os Congos, os Africanos e os Guaranis. É desconhecida a estrutura e a organização desses brinquedos, mas as denominações respectivas alertam para seu caráter especial, refletindo na dupla representatividade étnica do negro e do índio. Em meados do século XIX, Belém era pouco populosa, mantendo rígida a desigualdade social. O núcleo urbano pouco ultrapassava a área do bairro de Belém, chamada hoje Cidade Velha, prolongada pela Campina. Naquela época, partiam longas estradas da Cidade Velha e Campina em direção às Terras Altas, onde proprietários mais abonados se instalavam em casas de campo, as chamadas rocinhas. Nas baixadas, plantavam-se as cabanas e palafitas de uma população marginalizada, como narra Bates (1944). Muitas festas religiosas ocupavam grande parte do tempo e das preocupações do povo paraense. Bates (1944) comenta que: “Eram manifestações esplendidas, com procissões artisticamente arranjadas, percorrendo as ruas, acompanhadas por milhares de pessoas; paradas militares se juntavam às pompas das cerimônias religiosas nas igrejas” (p.121). Eram, então, numerosos os dias santos que perturbavam tanto a indústria e o comércio que, em 1852, o governo foi obrigado a reduzi-los, salvaguardando só a mais importante: o de Nossa Senhora de Nazaré. A época nazarena surgiu com a festa do Círio de Nazaré no mês de outubro, e o bairro homônimo movimentava um grande comércio com barracas de comidas típicas, jogos, diversões e teatro, que aconteciam no largo e ficou conhecido como Teatro Nazareno. A cidade ficava em festa. Havia bandas de música nos coretos,

19 Têm como característica a permanência em cena da maioria dos brincantes, colocados em semicírculo, onde no centro desenvolvem-se todas as cenas. Os brincantes, na hora de suas cenas, dirigem-se ao centro do palco, voltando, em seguida para as suas posições de origem (MOURA, 1997).

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balões com fogos de artifício, teatrinhos, jogos, diversões populares e comédias feitas por artistas locais, valorizando a cena amazônica. Muitos teatros temporários e alguns permanentes foram construídos nas proximidades do Largo de Nazaré, no início do século XX, ainda no governo de Souza Coutinho. A festa de Nazaré transformou-se numa grande feira, na década de vinte e de trinta, na Praça Justo Chermont, onde eram montadas as barracas de comida típicas, os teatros e algumas vendas não só de artesanato, mas também, de brinquedos importantes, como bonecas francesas e Parques Americanos, a área destinada aos brinquedos do tipo tobogã e cavalinho e ao lado da Basílica a barraca da santa. Na praça, em frente à barraca da santa, havia a chamada “sociedade do descanso”, onde eram arrumadas várias cadeiras, as quais eram alugadas a quem quisesse, podendo sentar-se por toda a noite e apreciar a movimentação do largo, inclusive, a ronda das senhorinhas. Multiplicavam-se as diversões. Os aspectos excessivamente profanos desse arraial-feira foram notados e criticados por vários cronistas da época, como Daniel Kidder (1943) e Henry Bates (1944). A festa no Arraial durava quinze dias e as tradicionais famílias paraenses lotavam a praça, divertiam-se com as comidas típicas paraenses vendidas nas barracas, com os brinquedos e com os espetáculos que eram apresentados no teatro nazareno. E a sociedade paraense, nesses dias, esquecia-se de tudo e, ao lado da santa, tão bem amada em sua Basílica, vivia noites de grande beleza e distração. O primeiro teatro estável, assinalado pela crônica nazarena foi o Teatro Charlet, de propriedade do ator Lourenço Antônio Dias. Inaugurado em 1873, que logo se transformou na grande atração do arraial, apresentando revistas e comédias do agrado popular. Os espetáculos não excediam de uma hora e, por isso, permitiam sessões sucessivas. Nos periódicos pesquisados20 daquela época, tem-se o relato de que a casa ficava lotada, ao preço do ingresso de apenas 500 réis. O negócio era lucrativo e logo começaram a proliferar outros teatros, como o Teatro Recreio e o Teatro Avenida. Os três teatros por muito tempo deram ao público paraense, principalmente ao grande público de romeiros, a oportunidade de ver bons espetáculos.

20 Província do Pará, O Estado do Pará, O Imparcial.

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Aumenta o número de teatros e a frequência maior com que a capital do Pará passou a ser visitada pelas companhias teatrais e circenses, apontam para uma efervescência cultural. Os teatros não paravam de surgir e os empresários ganhavam dinheiro. Assim, em 1898, o capitão José Maria da Silva inaugurou o Teatro Politeama, no lugar do velho Teatro-Circo Cosmopolita, que desapareceu sem ser notado. O novo teatro ocupava boa parte do calendário artístico de Belém, com várias companhias de operetas e revistas, inclusive uma, cuja estreia foi marcante: a revista O Seringueiro, assinada pelos paraenses Frederico Rhossard e João Marques de Carvalho, muito prestigiada pelo público. Nesse teatro, observa-se a presença de companhias de variedades, com muita música, tango e maxixe. Salles (1994) informa que, ao final do século XIX, começaram a surgir as versões brasileiras das paródias das operetas que foram aprovadas pelos atores brasileiros. Farias (2001, p. 146) diz que “[...] o enredo, cheio de malícia era, na verdade, pretexto para a música trepidante, alegre, que casava com números de canto e dança, como o famoso cancã”. Outro gênero que ganhou certo agrado do público paraense foi a Mágica (na França, féerie). Tratava-se de um espetáculo cheio de surpresas, com uma encenação repleta de truques, que não tinha nenhum compromisso com a verdade, trazendo até personagens lendários como fadas, gênios, gnomos e outros. O texto, muitas vezes, era irrelevante, dava-se mais atenção ao apelo visual, aos efeitos exuberantes e esplêndidos, graças ao maquinista e ao cenógrafo, profissionais responsáveis por esse trabalho suntuoso, justificando os destaques que ganhavam nos anúncios dos jornais. Depois, acolheu a Companhia Italiana de Calli & Aprea, empresa que mais sofreu as consequências da febre amarela, doença que desfez espetáculos e companhias não só no Pará, mas em todo o país. Naquela época, também, houve a estreia da grande Companhia Dramática Luso-brasileira, dirigida pelos atores Alves Cavalcante e Clementina Santos, sem muitas novidades em seu repertório, tanto que não causou grande entusiasmo no público. Sua última apresentação no Pará, em 31 de março de 1900, ocorreu com a revista de costume baiana A Mulata Velha.

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3.3.1 As Casas de Espetáculos O governo provincial do Grão-Pará começou a atacar a precariedade dos eventos locais, concedendo subvenções aos empresários. O empresário Antônio Maximiano da Costa, do Teatro Providência, principal casa de espetáculo da época (1848), de propriedade do Major José Joaquim Pimenta de Magalhães, mantinha contrato com o governo provincial e trazia grandes elencos para o Pará. Com a subvenção de quatro contos de réis, obtido do orçamento provincial, Antônio Maximiano da Costa prosseguiu com a temporada de Arte até 1861, com elenco e repertório de antigas peças portuguesas. A exigência da construção de um teatro público reaparecia vez por outra na Assembleia Provincial. O presidente Francisco Carlos de Araújo Busque autorizou, em 1863, a construção de um teatro público em Belém. Em 1865 veio a Guerra do Paraguai, a guerra mais desastrosa do Império. A Amazônia contribuiu decisivamente para a vitória brasileira, com os recursos econômicos oriundos da exploração da borracha. Essa guerra terminou em 1870. Com base nos estudos de Vicente Salles (1994), observa-se que as atividades culturais paraenses não pararam na capital. Em 1865, o teatro se reanima com a chegada de Vicente Pontes de Oliveira que, por quatro anos, extrai subvenções do governo do Grão-Pará para explorar o Teatro Providência. Vicente de Oliveira atuava no Teatro São Luiz e no Teatro Providência, dominando a cena nas duas cidades. Seu domínio estendeu-se até a inauguração do teatro público, Teatro da Paz, no Pará, em 15 de agosto de 1878. Com todo o crescimento cultural, as duas capitais da borracha na Amazônia ganharam a construção de grandes casas de espetáculos: o Teatro Amazonas em Manaus e o Teatro da Paz em Belém. Luxuosos locais de apresentações, construídos em estilo neoclássico, com detalhes em ouro, representando a exuberância e a ostentação da época de luxo vivida pela região. Em 1870, um pouco antes da construção do teatro público, inaugura-se o Teatro Chalet, teatro campestre, administrado também por Vicente de Oliveira, que trazia companhias do Rio de Janeiro, pela estrada de ferro paraense, com linha de carro a vapor. Esse ator e empresário dominava os teatros paraenses, e assim cresciam seus negócios. Era dono do Hotel de Belém, onde hospedava seus artistas, para depois descontar como parte do pagamento.

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A borracha começava a pagar extravagâncias e atraía muitos aventureiros. Vicente de Oliveira com seu elenco viajou por várias cidades, chegando até a capital, o Rio de Janeiro, onde encontrou Arthur de Azevedo e, desse encontro, surgiu uma célebre parceria. Depois voltou para Belém e recebeu muitas Companhias de Portugal, com comédia e drama de caráter socialista. Vicente Salles (1994) afirma que o cenário paraense passou a trabalhar sem muita novidade, com medíocres atrativos. Este cenário só volta a melhorar depois da inauguração do Teatro da Paz, teatro oficial de grande porte, como merecia a capital paraense. Finalmente um teatro digno de um polo cultural. Em 1878 com a inauguração do Teatro da Paz ofereceram-se, aproximadamente, 126 espetáculos ao público perfazendo mais de duas apresentações por semana (SARGES, 2002). Ao inaugurar a tradição lírica do Teatro da Paz, o governo subvencionou, em 1880, a vinda a Belém da Companhia Lírica Italiana, que fez sua estreia com a ópera Ernani. A partir de então, sucederam-se outras companhias que apresentavam óperas como Idália, Rigoletto, Boêmia e Traviata (SALLES, 1994). Esses espetáculos artísticos grandiosos alimentavam os sentimentos mundanos das camadas médias e elites ligadas ao comércio da borracha. O teatro passou, também, a dar abrigo à música camerísta e orquestrada de profissionais concertistas estrangeiros, nacionais e regionais de formação comprovada e sólida, procurando manter-se fiel aos propósitos que o ergueram: “[...] receber o que de melhor se podia oferecer ao público da capital” (p. 46), de acordo com os valores e padrões culturais dominantes. As artes, em geral, recebem atenção especial do poder público municipal. Como estratégia de autopromoção, o intendente Antônio Lemos associa sua imagem às artes, cercando-se de nomes expressivos da intelectualidade local, patrocina escritores, poetas, músicos e pintores. O governo provincial firma um contrato com Vicente de Oliveira, que conseguiu mais uma vez o monopólio de exploração de mais uma casa de espetáculo, pagando para o governo provincial a quantia de quatro prestações de dez contos de réis, anualmente, no período de cinco anos. No entorno do teatro da Paz ergueram-se casas de diversões variadas. Dentre elas, tinha-se o Pavilhão de Recreio, “[...] onde se davam funções, ouvia-se música, jogava-se etc., apresentando cançonetas e dançarinos que, das mais

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diversas procedências começaram a afluir em grande número para Belém” (SALLES, 1994, p. 69) Muitos grupos foram se formando com atores europeus que iam ficando na cidade, juntamente com atores locais. Várias empresas atuavam no cenário cênico paraense, como a Empresa Vicente que trouxe em 1882 a Companhia Dramática Portuguesa, dirigida pelo ator José Ribeiro Guimarães e empresariada pela atriz Emília Adelaide. A empresa de Guilherme da Silveira, em 1883, levou novidades para o Pará, com peças de Emílio Zola. Com a concorrência de mercado cênico, o público lucrava, tendo variedades de espetáculos na cidade, à sua escolha. No Teatro Ismênia, antigo Pavilhão Recreio, atuava a empresa de Guilherme; no Teatro da Paz, estava a de Manuela Lucci; no Teatro-Circo Cosmopolita, a de Moreira de Vasconcelos - Julieta dos Santos, além de muitas outras empresas que foram se formando no Pará. Assim, o público podia escolher e as companhias estavam sempre buscando o melhor, visto que era um mercado de muito lucro. No mesmo ano da inauguração do Teatro Chalet, tem-se notícia do teatro Província que, durante os festejos nazarenos, foi ocupado pela Real Companhia Japonesa, com espetáculos de pantomimas e cantos. O Teatro Avenida, construído em 1888, localizava-se numa espécie de beco e deu o nome à chamada “Avenida Popular”. Tem-se como teatro mais vasto do arraial o Teatro Variedade, construído em 1917. Assim como o Teatro Ideal, inaugurado em 1912, que depois virou cinema. Logo após os teatros Glória, Iracema e Poeira, todos com dupla finalidade, teatro e cinema. Houve a construção do Teatro Chalé, em Nazaré, que não durou muito tempo, pois era uma construção feita precariamente, e não resistiu aos temporais belenenses e, em setembro de 1880, veio abaixo.

[...] este teatro desabou quando menos se esperava, achatando tudo que dentro estava. Felizmente foi de dia, e não tinha pessoa alguma dentro; se o sinistro demora mais algumas horas, com os móveis seria achatada uma grande parte da família paraense, pois haveria, na noite desse dia, um espetáculo beneficente, em favor de Mlle. Zélia, que prometia ser bem concorrido. (SALLES, 1994, p. 71).

Inaugurado em 1912, o Palace Teatro, embutido no edifício do Grande Hotel, luxuoso prédio arquitetônico, o qual estreou com a Revista Pauzinho. Em 1917, já ostentava o nome de Teatro Moderno e, durante a quadra nazarena, foi ocupado por uma companhia de variedades organizada por Matos

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Cardoso, seu proprietário, o qual manteve o palco e instalações adequadas para representações teatrais até 1950, quando sofreu a última reforma, que modificou inteiramente sua estrutura, transformando-se exclusivamente em cinema. A segunda década do século XX foi propícia para o teatro local, porém Belém, em 1922, ainda recebeu companhias portuguesas e francesas, mas, no ano de 1926, o teatro foi quase totalmente dominado pelas iniciativas locais. O teatro paraense foi construído com muitas lutas. Apresentando forte influência europeia, inicialmente, até um pouco depois da decadência da borracha, período após o qual surgiu um verdadeiro teatro regional, marcado significativamente por uma produção local, construída com o esforço dos artistas paraenses e que, por isso, merece estar incluído na história do teatro brasileiro. É interessante perceber que, na construção da história do teatro brasileiro proposta por Sábato Magaldi (1997) e Décio de Almeida Prado (1999), não houve espaço para o Norte brasileiro, por desconhecimento e, muitas vezes, pela desvalorização de uma arte feita fora do eixo centro-sul do país. Contrária a essa visão, nesse trabalho, tem-se a história do teatro paraense e, em destaque, a efervescência do teatro revisteiro do Pará, sobre o qual a pesquisadora Neyde Veneziano não discursou, embora tenha trabalhado no sentido de registrar as ocorrências do teatro de revista brasileiro, sem sair, no entanto, do eixo Rio/São Paulo. Pode-se afirmar que as práticas cênicas na Amazônia iniciaram com a colonização e vem ao longo da história construindo suas bases. Surge, portanto, nesse contexto, a posição da região norte na história do teatro brasileiro: há uma marginalização clara nos discursos oficias desse fazer teatral amazônico.

No correr do século XVIII, o teatro começa a despontar, ainda muito timidamente. De início, mais ao norte, tendo como centro Salvador, na Bahia, sede do Vice Reinado do Brasil. Depois, deslocando-se para o Rio de Janeiro, acompanhando o fluxo político e econômico. Ambas as cidades eram importantes portos do mar. No interior o teatro só penetrava naquelas capitanias, Minas Gerais ou Mato Grosso, em que a descoberta do ouro ou de pedras preciosas gerara riqueza e improvisara cidades (PRADO, 1999, p. 21).

O discurso do crítico Décio de Almeida Prado, conceituado na área da crítica teatral brasileira, revela que o teatro brasileiro é concebido como uma manifestação cultural de cidades do centro-sul do país, que representa a vida política e econômica

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do Brasil, excluindo a região norte. Como Prado se propõe a escrever a história do teatro brasileiro, se o mesmo exclui uma região como a Amazônia? Isso revela a posição marginalizada da região, ignorando-a ao centralizar uma história do teatro no sul do Brasil: “[...] me guiei primordialmente por ideias artísticas ou políticas, privilegiando, em consequência, certos autores e certas obras” (PRADO, 1999, p.14). Os mais renomados críticos e pesquisadores se propuseram a escrever a história do teatro brasileiro, no entanto não se incluiu o Norte do Brasil, no máximo Salvador, no Nordeste brasileiro. Isso mostra um desconhecimento da produção cênica na Amazônia, em uma representação metonímica, desligada dos valores de pluralidade e diferenças, nos quais uma parte é mais elitizada, representando o todo, enquanto a outra é marginalizada; vê-se nisso, também, uma postura política, de auto definição e autoafirmação. Seria melhor que esses estudiosos falassem em uma história do teatro regional centro-sul do Brasil e não de um teatro brasileiro. Pode-se dizer que a região Norte deixou sim uma marca significativa no processo teatral, pontuando a história do teatro brasileiro, fato que se pode constatar quando se destacam as características e convenções do teatro revisteiro paraense no início do século XX, o qual a história do teatro de revista brasileiro deixou de fora.

3.4 O TEATRO DE REVISTA PARAENSE

Esta seção desdobra a história das artes cênicas no Grão-Pará, observando a estrutura, o enredo, o cenário e a iluminação, para assim verificar as caraterísticas e configurações da cena amazônica desenvolvida no teatro paraense. O descortinamento de algumas revistas nazarenas facilita as suas visualizações e apresenta um olhar ao fazer teatral no contexto histórico encenado em Belém.

3.4.1 Estrutura A estrutura das revistas paraenses teve início com as retrospectivas de acontecimentos do ano na cidade, as peças do ano eram apresentadas numa sequência divertida, caricaturando os principais fatos acontecidos no Pará. O sentido do teatro de revista paraense inicialmente é o de absorver as influências externas e recriar, a partir dessas, os costumes locais. Assim, iniciou aos moldes da revista importada, como retrospectiva de ano, tendo três atos e infinitos

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quadros independentes. Com o passar do tempo, começou a adotar um ato e vários quadros, e, devido ao grande número de público, as sessões aconteciam à tarde e à noite. Em 24 de julho de 1898, estreou, no Teatro Politeama, uma revista local, O Seringueiro, que foi o primeiro grande sucesso das revistas de costumes paraense. Os periódicos da época contam que o sucesso foi devido ao apoio de uma companhia portuguesa que parece ter incentivado o gênero. (SALLES, 1994). Em seguida, surgiu a revista de costumes Amapá, especificamente escrita para os teatros nazarenos, com textos de Euclides Farias e música de Nicolino Milano. Dessa revista, ficou o famoso tango Amapá. Até então, observa-se que o teatro nazareno contava apenas dramalhões e comédias, traduzidas de diversos idiomas, adaptadas ou imitadas, outras de precedência portuguesa e raras produções de autores nacionais. Na época, já eram conhecidas as peças do ano. Tem-se registro de que, desde 1888, com o sucesso da revista Tric-Trac, no Teatro Variedade, no largo de Nazaré, esses espetáculos vinham acontecendo. Mas para o pesquisador Vicente Salles (1994), a partir da apresentação da revista Amapá é que se configurou o modelo estrutural do teatro nazareno. Verifica-se que a estrutura da revista paraense era, até 1924, pesadamente portuguesa; mas, a partir de 1926, sofreu profunda revolução em sua técnica, modificou-se inteiramente, passando a observar modelo norte-americano, com inovações cinematográficas dos chamados sketches. Curioso é que, em 1924, com a revista fantástica Ave do Paraíso, cujo texto fora escrito pelo paraense D’Artgnan Cruz, com música de Tancredo Mendonça, já se constatava a presença da influência do cinema norte-americano. A referida revista aproveitava os temas políticos como o da dívida externa, oligarquia agrária, para satirizar e criticar. Utilizava muitas metáforas cujas mensagens o povo logo entendia; no entanto, dada à passividade do povo brasileiro, as pessoas se conscientizavam da situação, mas aceitavam tranquilamente a queda do País. O ator paraense se aperfeiçoava no recitativo, no canto e na marcação cênica. O Teatro de Revista era dinâmico e proporcionou um vasto campo de trabalho durante algumas décadas aos artistas locais, músicos, cantores, comediantes, cenógrafo, poetas e etc.

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3.4.2 Enredo O enredo era tanto sobre acontecimentos mundiais, quanto locais. Falava dos costumes, dos pontos turísticos de Belém, passando por situações corriqueiras da cidade e pontuando pessoas nobres e conhecidas mundialmente, satirizando situações e novidades vindas da Europa, como os automóveis e modas. As histórias eram movimentadas, alegres e cheias de duplos sentidos, divertidas e picantes. Vicente Salles (1980) afirma que “O Teatro Nazareno nunca foi atividade exclusivamente local, manteve sempre uma relação com o teatro de revista que se fazia no Brasil”, (p.400). O teatro paraense foi associado aos mambembes nacionais e internacionais, em diferentes épocas que fizeram a praça em Belém. Não foi um fenômeno isolado. Dialeticamente se colocava como expressão do teatro universal e local, ao mesmo tempo. Esse teatro não se reduzia ao regionalismo, uma vez que figuras de prestigio nacional, como Brandão Sobrinho e artistas locais trabalhavam muitas vezes juntos, absorvendo tanto as influências externas como os valores regionais, sendo este o caráter e o sentido do teatro nazareno, que surgiu, no cenário artístico, de maneira amadora. O teatro amador deu prova de bastante vitalidade em 1902. A Associação Dramática Recreativa Philoscênica Paraense já possuía sede própria e apresentava, muitas vezes, textos de autores paraenses, como o drama O Eterno Tema, de Eustachio de Azevedo. Ainda em 1902, outra grande novidade na cidade foi a estreia, no Teatro da Paz, da Imperial Companhia Japonesa Kudara, do teatro Kabuki, oportunidade rara para o público paraense. Outro fato marcante foi a inauguração do Teatrinho Alegria, construído para a atuação do mais apreciado grupo pastoril de Belém, A Filha de Japhet, mantido pela família Ponte e Sousa, foco de grande atividade do teatro amador no Pará, que inaugurou um trabalho mantido por muitos anos. Em 1903, Domingo Canedo produz a comédia Nhô-Manduca e , em 1906, a Trupe do ator Máximo Gil lança as Revistas A Ferramenta e Macaca-Puranga, as quais foram o grande êxito da temporada. Outro trabalho de amadores locais foi O Homem do Automóvel, revista de autoria dos jornalistas Romeu Mariz e Júlio Jacques, com música de Clemente Junior. Recebeu este nome, porque havia, na cidade, um mulato rico que viajava muito para a Europa e, de uma de suas viagens, trouxe para Belém o primeiro automóvel, com o qual circulou pela cidade.

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No ano seguinte, em 1907, esta revista foi remodelada e recebeu um novo título, O Mulato Rico, obtendo um grande sucesso, apresentada no Teatro Recreio pela companhia do ator Machado Careca. Esse enredo atraiu o público que logo queria saber da história daquele automóvel muito admirado e apreciado. As músicas, no espetáculo, fizeram muito efeito. Tocava-se a polca e o carimbó dançado pelo mulato, embora o fado e a valsa ainda se fizessem presente. A última montagem dessa revista foi de responsabilidade da Truppe Regional, de Máximo Gil, no Teatro Chalet. O teatro de Belém começa a valorizar mais a identidade paraense. Em 1907, o teatro local mostrou-se bastante vigoroso, com destaque para a Associação Dramática Recreativa e Beneficente, que promoveu muitos espetáculos em benefício de associados e artistas carentes. Até mesmo a Grande Companhia Dramática Portuguesa, para obter sucesso com o vaudeville, O Manjerico, adaptou seu texto aos costumes regionais. Dessa forma, pode-se observar que o público gostava de ver, em cena, o seu dia a dia e identificar-se com ele. Havia uma grande movimentação no Largo de Nazaré, onde o teatro era a principal atração para o público. Os enredos que sustentavam esses espetáculos eram de costumes locais, situações de casos da cidade, envolvendo pessoas conhecidas, ricas, que se destacavam na sociedade, embora esse enredo fosse modelado por figurinos portugueses, cariocas e paulistanos. É primordial observar que a revista paraense valorizava o caboclo, a situação cotidiana, a cena local, o modo de falar do interiorano que, no teatro revisteiro, era levando aos extremos do exagero, do ridículo, do cômico no jeito desengonçado de andar do caboclo amazônico, ora tímido e ingênuo, ora inteligente e esperto, tal qual o caipira da revista paulista. É importante dizer que a revista paraense trocava muitas experiências com a revista carioca, no ir e vir de atores, escritores e produtores, construindo pontos e pontes semelhantes entre ambas as revistas que procuravam o duplo sentido a malícia e o rebolado na construção cênica. No entanto, há de se ressaltar que a revista paraense não era tão picante quanto a carioca, pela sociedade tradicional que compunha o povo paraense. Segundo Veneziano (2006), a revista em São Paulo nunca fora igual à revista no Rio de Janeiro, que já se fazia marcar pelo tom carnavalesco, potencializando música e dança e lançando em primeira mão não só as marchinhas de Carnaval,

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mas a música brasileira. Já a revista paraense valorizava a música regional como o carimbó, o sensual lundu. Tal qual a revista carioca, a revista paraense também parodiava festivamente a sociedade e a política local, desnudando, através do riso, o que de mais sagaz se passava nas cabeças paraenses sobre os fatos nacionais e internacionais. Tanto a revista paraense quanto a revista paulistana apresentavam espetáculos ingênuos e divertidos, que podiam ser assistidos com alegria e tranquilidade por toda a família. A exemplo disso tem-se a própria revista de Tavernard, A Casa da Viúva Costa, texto analisado por esta Tese, que apesar da presença do duplo sentido e malicia, era visto pelas famílias sem constrangimento algum, e contagiava o público pela leveza com que as situações corriqueiras eram expostas, além de ser um texto revisteiro que pontua as diversas características da revista nazarena. Em 1908, a revista de ano, no arraial de Nazaré disputava com o cinematógrafo, que funcionou como apoio de músicos e de atores locais. Era a época da cena muda, com música ao vivo na sala de espera, com pequenos concertos; depois o cinema fixou-se e os espetáculos ao vivo não foram mais permitidos. Como se pode observar, o cinema conviveu amigavelmente, nesses primeiros tempos, com o teatro regional. Nesse ínterim outra revista de grande sucesso com enredo regional e estrutura de revista de ano surgiu: a revista Maniçoba, da trupe amadora de Aureliano de Lima Penteado e João Baena, com o maestro Cincinato Ferreira de Souza. O enredo brinca com os ingredientes regionais que compõem uma maniçoba, como: folhas de maniva, o toucinho, o pé de porco, usando palavras de duplo sentido e situações embaraçosas não deixavam de existir. Era bem alegre e com muita música engraçada, como Maniçoba, caçoneta de Cirilo da Silva (SALLES, 1994, p. 450): Vai tudo bem miudinho, picadinho Picadinho com a mão Depois Vai tudo moído, Remexido Bem socado no pilão. Tem carne grossa, tem tripa, Tem toucinho, tem bobó Tem toucinho, mão de vaca Carne fresca, mocotó Mete lenha, vamos a ela,

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Mexe a panela Mais devagar... Fogo! Mete lenha, vamos a ela. Mexe a panela Pra não pegar. [...]

Da mesma forma, a revista O Maxixe da Crise, também da trupe de Aureliano de Lima, que fazia gozação, no enredo, da crise que se abatia sobre a região, além de trazer alguns versos de duplo sentido. Ainda em 1908, a revista paraense era constituída de três atos, como também a revista De Lisboa à Exportação, de Alves da Silva, com três atos e onze quadros. Apresentada depois do carnaval, trouxe no enredo muita música carnavalesca, brasileira e portuguesa, e o arranjo ficou por conta de Tomás Del Negro e Paulino Sacramento. Falava da vida em Lisboa, dos produtos portugueses que chegavam a Belém do Pará, sempre com muita irreverência e humor. Outra revista de grande sucesso, nessa época, foi O Bode, de autoria de Júlio Jacques e Romeu Mariz, com o enredo hilariante que girava em torno de um velho coronel e seu bode de estimação, com muita confusão e duplo sentido, além de gozar com a crise pela qual a região passava. Era uma revista com três atos e quatorze quadros, com música de João Gondim. Segue um trecho: Uma linda curiboca Fez um dia um pagode Esfregou a priprioca No cavanhaque do bode... Jasmim branco Priprioca dão valor... à curiboca!

Nota-se uma linguagem extremamente regional, como a palavra priprioca, que é uma planta de forte olor, espécie natural da Amazônia, da mesma família do junco e do papiro. Sua raiz exala uma fragrância incomum, muito usada para perfumar as roupas. O texto traz um duplo sentido, possivelmente entendido pelo público da região. Brandão Sobrinho organizou uma companhia com o nome Companhia Paraense de Operetas, Comédia e Revistas. Apesar da crise econômica, Belém ganhava novas casas de espetáculos e era tempo de pleno domínio da revista e opereta.

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O enredo não se restringia apenas ao regionalismo, como redução estética, produto apenas do esforço e dedicação de figuras regionais, como era o chamado teatro parafolclórico, que trazia em destaque os bois-bumbás, as pastorinhas e os pássaros. Observa-se que, na revista paraense, o ator local não só absorvia as influências externas como tendia a recriar, dando destaque aos valores locais. Como na Revista Deixa Correr, de Guedes Correia e Souza Rocha, com música coordenada por Nicolino Milano, com tango, maxixe, modinhas brasileiras e carimbó, essa revista trazia os estilos nacional e paraense, com a dança do carimbó. Outra revista típica de costumes paraenses foi a revista Pega o Rivera, de Tic & Tac, música de Adalberto de Carvalho. O pseudônimo do autor Tic & Tac não foi revelado pela crônica de época. O enredo dessa revista fazia homenagem aos principais clubes desportivos e sociais de Belém, tendo como apoteose final a homenagem ao Remo e ao Paissandu, além de cenas sobre o Sport Club, o Pará Club e a Tuna Luso-brasileira, times de futebol de Belém. Em outra cena, a revista também homenageou o Círio de Nazaré. Constata-se, assim, assuntos específicos da cidade, que compunham e singularizavam o espetáculo de revista paraense. Vicente Salles (1980) afirma que a quadra nazarena foi marcada pelo teatro regional. Se, de um lado, houve o predomínio de artistas de fora; do outro, marcou- se muito a presença de atores locais, principalmente com a entrada do empresário Eduardo Nunes, dirigindo a troupe com o nome de Companhia de Opereta, Revista e Comédia, trazendo nomes de prestígio para a cena regional, como: Carlos Barbosa, Ferreira da Graça, Mendo Luna Maria Leal entre outros. Nas primeiras décadas do século XX, as revistas locais estavam no auge, com o sucesso de P’ra burro, de 1913, que se apresentou no Teatro Moderno (antigo Chalet). A cidade respirava teatro e as revistas de costumes paraenses ganhavam cada vez mais o apreço do público. Existiam vários teatros em Belém, como o Palace Theatre, inaugurado em 1914, com a Companhia Dramática Portuguesa, o Teatro Recreio, o Circo Apollo, o Pavilhão da Vespa, substituto do Pavilhão de Flora, todos situados próximo ao largo de Nazaré. Em 1914, Brandão Sobrinho surgiu com novas revistas, burletas e comédias denominadas “Fábricas de Gargalhadas”. Na época, uma dupla de escritores

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destacou-se: Pedro Augusto dos Reis e Henrique de Carvalho, com as revistas Está na Hora e Pára com Isso, evidenciando que as produções locais adquiriam prestígio. No ano 1915, Eduardo Nunes e Luiz Duarte, artistas locais, foram descobertos com a comédia Uma para dois e a revista É a tal coisa. Mesmo enfrentando a crise da borracha e a guerra, o teatro paraense sobrevivia porque, além das revistas locais, os empresários traziam revistas cariocas. Algumas não foram bem aceitas devido aos excessos de pornografia e desrespeito aos costumes locais. A crítica provinciana se surpreendia e se indignava com as desrespeitosas e debochadas revistas cariocas. Porém, alguns espetáculos de revistas paraenses se apresentavam no Rio de Janeiro, com sucesso. O ano de 1916 recebeu várias temporadas de espetáculos de fora, como a companhia Lucília Peres-Leopoldo Fróes, a orquestra dirigida pelo maestro Castelo Branco e organizada por músicos locais; outra temporada com companhias de operetas e revistas, como a empresa do Teatro São Pedro, do Rio de Janeiro. Ainda houve as apresentações de Genro de Muitas Sogras, de Arthur de Azevedo e Moreira Sampaio; O Dote, de Arthur de Azevedo; A Morgadinha de Valflor, de Manuel Pinheiro Chagas; A Mulher Brasileira, de Pedro Augusto; A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho; O Missionário de Polícia, de Gervásio Lobato; e muitos outros espetáculos que vinham para Belém nessa época (SALLES, 1994, p.424). Mas, segundo Salles (1994), o Teatro Regional era presença esperada na quadra nazarena, com muitas revistas que agradavam ao público paraense. de Carvalho, em 1917, contrata para o Teatro da Paz, a Companhia de Operetas da atriz transformista mexicana Esperanza Iris, com um bom repertório de operetas e zarzuelas, numa temporada de julho a setembro, na tentativa de resgatar os grandes espetáculos da época da borracha. No ano seguinte, o Teatro da Paz teve a presença da companhia de balé de Ana Pavlova, com sete noites de muito sucesso e deslumbramento. Foi um ano muito complicado, com o Brasil envolvido na guerra, o Pará enfrentava uma grande crise econômica e a greve dos bondes, situações que se tornaram temas das revistas na quadra nazarena. O teatro nazareno ganhou suas marcas inconfundíveis no decorrer da segunda década. Salles (1994) diz que o marco importante para este teatro foi a entrada em cena do ator Eduardo Nunes, talvez a figura mais divertida e

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controvertida do teatro regional. Em 1917 começou a viajar com elencos regionais, indo a Manaus, São Luís, estendendo-se pelo nordeste, em 1918 até a Bahia, onde a companhia se dissolveu. Em 1919, reapareceu no teatro nazareno com uma produção própria Mi Dêxa Xodó, obtendo sucesso noticiado na revista A Semana, na crítica de Peregrino Junior, que dizia ter Eduardo Nunes se concretizado no teatro popular paraense; que a reconhecida competência de ator cômico muito contribuiu para o lazer de sua gente e consolidou esse teatro no momento mais carente de estímulo e apoio. Eduardo Nunes abriu caminho para numerosos outros atores e autores do teatro regional, como Genaro Pontes, Elmano Queiroz, autores de quase uma centena de peças. Havia um grande elenco que se destacara desde o velho Lima Penante e Lourenço Antônio Dias, que pontificara o século XIX. Entre os que mais se destacaram, nos tablados nazarenos, estão: José e João Baena, Virgílio Cordova, Marcelino e , João Andrade, Carlos Campos, Raimundo e Teodósio Cantuária, Juvenal Gomes de Abreu, Paulo Castro, Carlos Barbosa, Bento e Clarindo Santos, Benito Rodrigues, João Rocha, Dico Rocha, Mendo Luna, entre outros; as atrizes eram Lili Costa, Isaura Oliveira, Zoé Cantuária, Alice Pina, Cândida Palácio, Nenê Gaya, Alzira e Rosita Rodrigues, Açucena Banhos, Stella Sousa e muitos outros. (SALLES, 1994). Veio o pós-guerra. Belém vivia uma epidemia de gripe que fez fechar, provisoriamente, os principais teatros e outras casas de espetáculos. Depois, as coisas foram melhorando e o empresário José Loureiro trouxe a companhia de opereta e zarzuelas da atriz Aída Arce, muito aplaudida tanto pela crítica quanto pelo público. Logo em seguida, veio a Companhia Dramática Nacional, dirigida por Itália Fausta, que não foi muito feliz na sua temporada com poucas pessoas na plateia. No início da década de vinte, Belém recebeu a Companhia de Comédias e Vaudevilles do Theatro Gymnasio, de Lisboa, muito aplaudida. Teve também grande sucesso a revista regional O Assacu, no Teatro Avenida, além da revista anual Não tô ligando, de Elmano Queiros, apresentada no Teatro Variedades. Essa década foi propícia para o teatro local e o maior sucesso do ano de 1922 foi a revista Tá no Papo, também de Elmano Queiros. A Revista Assacu de Genaro Pontes e Dejard provocou polêmica por ser considerada obscena e que, por isso, foi atacada por vários cronistas de Belém. O enredo dessa revista fugia do costumeiro matuto como um comperè e se baseava

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num assunto de época, com cenas leves, embora picantes, entremeadas de músicas agradáveis. Também notável criador de peças e paródias no teatro nazareno, foi o acadêmico Elmano Queiroz21, que também compôs comédia junina e natalina, estas outras pastoris. Vicente Salles (1994) afirma que Elmano foi quem melhor retratou figuras típicas da sociedade local, criou tipos de carne e osso, os Pândegos, que tanto enfeitaram a pandengolândia. Sua especialidade era o duplo sentido e também usava uma linguagem nua e crua. Como exemplo desse enredo de Elmano, o Jornal O Estado do Pará, de 1º de julho de 1939, conta que no texto interpretado pelo ator Carlos de Campos, um dos “bambas” desse teatro e quase dele corrido, por ter entrado, em cena, com uma calva exageradíssima, com mímicas que arrepiaram a plateia com uma descompostura ao fazer alusão perfeita ao autor, dizendo assim: “Cabeça por cabeça o diabo é quem troca a cabeluda delas pela minha piroca...” (revista Xincuan). As paródias escritas por Elmano quase sempre se limitavam a caricaturar o original. Sua troupe, que contava somente com elementos da terra, muito contribuiu com cenas regionais em suas inúmeras apresentações e autorias de textos. Assim, o enredo do teatro paraense iniciou com muita influência europeia, depois houve o predominou do teatro regional, com várias histórias locais, onde havia uma divisão de períodos: nazareno, natalino, joanino, quaresma ou mesmo de ocasião. Na década de vinte, foram feitas muitas paródias e imitações, que eram recursos fácies e cômodos de criação que muito agradava ao público pelos textos divertidos e picantes, até muitas vezes escatológicos, mas bem construídos, quando não lançava mão de palavras obscenas, apenas de símbolos verbais associados a gestos que faziam o público dobrar de rir, como no texto da canção Casinha da Colina, de Luiz Peixoto e Pedro Sá Pereira, onde o tema fala da necessidade fisiológica, posta em cena sem disfarce. Um trecho, retirado de Salles (1994, p.401):

Vocês sabem de onde venho? De uma casinha que eu tenho Lá no fundo do quintal... É uma casa que concentra Muita coisa e onde se entra

21 Elmano Queiroz (1888-1940) foi operário de fábrica que, autodidata, se intelectualizou, chegando a membro da Academia Paraense de Letras. (SALLES,1994).

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Com um pedaço de jornal... Entre paredes pacatas Nadam ratos e baratas Numa gana singular... E então ali a gente Sem querer fica valente e se põe a...forcejar... Mas se a coisa, sem percalço, Vem a ser rebate falso Nos vem logo a irritação Pois enquanto nessa esfera Pela coisa a gente espera Fica com jornal na mão... [...]

Vicente Salles (1994) também dá pistas sobre o Teatro Nazareno, reconhecendo sua dependência dos moldes externos e chama a atenção para a tendência inicial dos autores para engendrar dramalhões condimentados, com intrigas sangrentas, bruxedos, fanfarronadas de bravateiros, pieguices de donzelas e matutagem. Pode-se dizer que havia uma literatura dos libretistas e que o seu maior mérito era o a safadeza, um teatro picante e, por vezes, muito ousado. O autor regional, quando agradava ao gosto popular ou simplesmente explorava novos valores culturais, agredia os valores morais da burguesia. Era um teatro para o povo que se deliciava com as revistas, burletas e congêneres. Destaque também se faz para a revista O Tacacá, de Euclides Faria e Cincinato Ferreira de Souza, orquestra sob a direção do prof. Altemiro Pontes de Souza. Essa revista tem um enredo cômico e fala dos principais pontos da cidade. Os atores representam lugares ou tipos populares como o cheiroso, representado pela típica mulata vendedora de cheiro do Pará. Essa revista tem um texto dinâmico, com confusões e duplos sentidos, além de muitas danças e músicas. “A música, sempre apreciada pelo público, constitui a principal atração da revista, juntamente com a orquestra de Cincinato de Souza”, conforme a Folha do Norte, 20 out. 1921, p.4. O Tacacá foi a revista mais representada naquela época, por 94 vezes seguidas durante os quinze dias da festa de Nazaré, conforme informa Vicente Salles (1994). Essa revista de grande sucesso voltou aos palcos paraenses e foi bastante elogiada pela imprensa na época: “A família paraense tem procurado aquele teatro, onde espontaneamente o riso é constante, devido aos inocentes ditos da popular atriz Loloca, no papel de Belmudas (Seringueiro)”, ainda na Folha do Norte, 20 out. 1921, p.4.

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Observa-se que a revista O Tacacá trazia uma particularidade da culinária paraense que satirizava o fazer e o remexer daquela sociedade que ria de si mesmo, de forma leve. No texto encontram-se formas maliciosas, mas que não agredia a plateia, como o jeito da mulata sestrosa com seu cheiro de priprioca e patchouli sensual que encantava a todos. Cabe aqui um trecho de A Província do Pará, 8 out. 1921, p.3,

O Tacacá não precisa de preconícios. O nosso Público, que já a reconhece daquela época, porfia agora de novo em relê-la, justamente por saber que a mesma leva a palma a todas as suas congêneres em graça, montagem e todos os demais requisitos, tendo sido o sabor da mocidade de suas cenas, cada qual a mais interessante [...]. A família preferia O Tacacá pela leveza do espírito das suas pilhérias e críticas.

Figura 1 - A Província do Pará, 8 out. 1921.

Os personagens dessa peça estavam ligados à vida e costumes da época: Opinião Pública, Praça da República, Ver-o-Peso, Seringueiro, Município, Tacacá etc. Revista de muito sucesso anunciada e elogiada pelos cronistas, como o Munduby, do jornal Diário do Pará, 4 jun. 1921, que publicou assim:

Indubitavelmente, o ponto de maior concorrência era o vitorioso Tacacá, que tornou milionário o Cincinato, da noite para o dia teatro aglomerava-se uma tão volumosa multidão, que era impossível quase transitar-se pelas mediações. O Tacacá foi durante toda festa, o maior encanto, o máximo atrativo do arraial, o alegre e desopilante desejo de distração para uma grande parte da população paraense.

Os jornais anunciavam o sucesso da revista, muitos comentários, como a crônica de Antônio Marques de Carvalho, publicada em A Província do Pará, 4 jun. 1921, no qual um trecho dizia:

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É aquele o título de muita cor local da alegre e chistosa revista de costumes paraenses, durante a festa de Nazaré, levada à cena do Teatro Charlet. A letra é toda urdida de passagens humorísticas e picantes, sem se tornar ofensiva ao pudor do elemento recatado da plateia, é devido à chistosa e fluente pena do conhecido e estimado poeta Euclides Farias, antigo colaborados da Província do Pará.

A crítica afirmou, na época, que a revista O Tacacá provocou risos constantes devido aos ditos populares da atriz Loloca no papel de Belmundes (O Seringueiro) e Floripes Santiago sempre correta e graciosa no papel da “cidade de Belém” e “O Tacacá”. Teve-se também a atuação da atriz Orminda da Silvano no papel de “Praça da República”, que vai cantando a valsa da revista, sendo considerado o número mais aplaudido. Destaque também, nessa peça, para a personagem a mulata paraense, que vendia o Cheiro do Pará no papel de “O Cheiroso”. Segundo Salles (1994) nos anos de 1922 e 1923 foi fecunda a produção paraense, bastante ativa a Troupe Regional dirigida por Mendo Luna com uma série de espetáculos no Palace Theatre, com diversas audições de opera cômicas como O Periquito, com três atos, de Halevy e Mailhac, adaptada à cena portuguesa de Souza Bastos, além de apresentarem nessa época a revista-burlesca A Capital Federal de Arthur Azevedo. Ainda em 1923, por ocasião da festa de Nazaré, temos apresentação da Associação Dramática Recreativa com amadores associados que montaram e representaram as comédias O Tio Pedro e O Marido de Duas Mulheres. Também nesta época teve-se a movimentada temporada da Companhia Brasileira de Comédia, Operetas e Burletas dos artistas Maria Lina e Brandão Sobrinho. Essa companhia apresentou mais de dezoito trabalhos no ano de 1923. Destaque também para Troupe de Elmano Queiros que em 1923 conta, somente, com atores da terra e traz a revista Vá Comendo, muito elogiada no jornal O Estado do Pará, de 30 set. 1923, que dizia “[...] a música é um primor de composição que muito recomenda o autor Cincinato de Sousa, tão conhecido pela celebração alcançada com as músicas de O tacacá.” No ano seguinte surgem quase que simultaneamente dois grupos de teatro amador: o Grupo Arthur Azevedo e o Grupo Leopoldo Fróes. O primeiro, organizado por Carlos Pires da Costa e o segundo por atores regionais. Estes jovens atores traziam como proposta a moralidade, que na visão deles o teatro popular da época estava precisando, pois diziam que o teatro popular resvalava a mais “sórdida pornografia”. Era uma reação ao teatro revisteiro, irreverente e algumas vezes visto

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como pornográfico. Neste período fizeram montagens como o drama sacro Calvário de Sangue, de Othilio Tavernard, pai do poeta e dramaturgo Antônio Tavernard. Este espetáculo se enquadrou no ciclo do teatro quaresmal, representado na Semana Santa. Mas o que vinha de fora continuava escandalizando o pudico público, que dava mais espaço à produção local. O teatro local estava em evidência ainda em 1925, constatado pelo sucesso da revista A Dança do Caranguejo, com dois atos e quinze números de músicas compostas especialmente por Antônio Cirilo Silva, original de Othílio Tavernard, revista divertida, sem malicia, para a família paraense. Em 1926, o teatro de revista paraense atravessou sérios problemas com a transformação dos teatros em cinemas, os palcos e os tablados suburbanos também tendiam a desaparecer. Nesse ano, os artistas ficaram subitamente sem palco e sem empresário. Os festejos nazarenos trouxeram de volta o empresário Carlos Barbosa e, assim, no ano seguinte, em 1927, o teatro regional recuperou-se do marasmo do ano anterior, havendo muitas companhias do Rio de Janeiro na cidade de Belém, que estabeleceu contatos e criou sugestões e entusiasmou a volta dos criadores e intérpretes locais, com malicia e duplo sentido, sem ferir a reputação familiar. Estreou a revista Sonho de ópio, de Oscar Lopes, com casa cheia, trouxe para o palco um cenário cheio de detalhes e uma trupe de artistas bem conhecidos do público paraense, Cândida Palácios, já consagrada, também o conhecido Chaves Filho e Alfredo Silva, nome já feito no teatro brasileiro, e alguns novatos, como Lydia Reis, Beatriz Nascimento, Theodório Cantuária, Maria Vital e a bailarina Vitória Régia. A Companhia Nazaré organizou-se profissionalmente como as companhias da Praça Tiradentes, do Rio de Janeiro. E muitas revistas foram fazendo sucesso, entre elas, a revista Zig-Zag, do autor paraense Índio Corrêa, estreou com escândalo geral; com a invasão do nu no palco nazareno. Era uma peça bem estruturada, com 15 quadros interpretados pelos considerados melhores artistas locais: Theodoro Cantuária, Leoni Siqueira, Zóe Banhos, Açucena Banhos, Bebé Gonçalves, Candida Palácios e Djalma Leite. Zig-Zag mostrou o nu das jovens caboclas pomposamente denominadas girls, conforme crônica da época, publicada em O Estado do Pará, 20 out. 1927, p. 4:

Chegará um tempo em que as empresas teatrais extinguirão dos seus orçamentos as despesas necessárias e esses adornos que

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resguardam às vistas dos espectadores as perfeições ou imperfeiçoes plásticas dos elencos femininos... Na revista Zig-Zag há um turbilhão de pernas admiráveis e uns tremeliques de mamilos capazes de dilatar as pupilas de um defunto...

Os periódicos da época avaliaram a peça como boa, leve e que fazia rir de verdade. Os jornais contavam que o enredo trazia a vida de dois malandros, cada qual o mais sabido, um procurando enganar o outro, engendrando dessa forma cenas hilariantes, como a do médico norte-americano operando o leiteiro português. Cantuária fazia o papel de um turco com perfeição, caracterizando bem o tipo. Dico Rocha fazia muito bem o papel do português e Alice Souza fazia a personagem Marocas de forma muito engraçada. O sucesso de Zig-Zag extrapolou as quadras nazarenas e a companhia foi mambembando pelo Nordeste: São Luís, Fortaleza e Natal. Mais uma vez os artistas paraenses ganham aplausos em outras praças, nos melhores teatros, enquanto em Belém não podiam se apresentar no Teatro da Paz, que lhes era vetado; apresentavam-se apenas nos palcos dos teatros menores e tablados nazarenos. Em 1927, o teatro regional volta a competir com companhias de fora, como o Teatro da Praça Tiradentes, do Rio de Janeiro, que muito influenciou os criadores e intérpretes locais. Nesse mesmo ano, surge, no palco nazareno, o nu artístico, com o espetáculo Zig-Zag, provocando um escândalo e sucesso que extrapolou a quadra nazarena. No final dos anos 20 já existiam muitas casas de espetáculos no Pará. O público paraense embevecia-se com os espetáculos de revista, tanto locais quanto de outros Estados. Formou-se no bairro de Nazaré, uma Broadway Paraense de teatro de revista, desenvolvendo-se cada vez mais o teatro local, frequentado sem distinção de classe. A cidade respirava teatro e as revistas de costumes paraenses ganharam o apreço do público Enquanto a Companhia Nazaré viajava pelo Nordeste para ganhar sua subsistência, o empresário Mendo Luna se associava ao popular amazonense João Andrade, para mais um empreendimento denominado Barés-Troupe, para a inauguração do Cine-Teatro Popular, de Belém, havendo espetáculo teatral nas intermitências de sessões cinematográficas, até 1930. A década de trinta foi marcada pelo teatro local, que há muito ficou sem receber companhias de fora, alimentando-se do que se produzia em Belém. Nessa

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década, o Teatro da Paz abriu as portas aos artistas da Terra. Cabe destacar nessa época o poeta e dramaturgo Antônio Tavernard, que será estudado no capítulo a seguir e terá, também, descortinada a sua dramaturgia. O seu teatro foi encenado pelos estudantes de direito e de medicina, com a direção artística de Mendo Luna, obras como: A Menina dos 20.000, Parati, Seringadela, Que Tarde e A Casa da Viúva Costa, espetáculo analisado no capítulo 5 desta Tese. Com a saída de cena de Antônio Tavernard, o teatro paraense começou a declinar depois de 1936, e os folguedos nazarenos foram virtualmente dominados pela Companhia Marquise Branca de burletas, sainetes e revuetes, empresa organizada e dirigida por Afonso Moreira. As revistas dessa companhia traziam quadros de sketches, cortinas cômicas, tangos argentinos, rumbas, sambas e canções. As companhias de revistas musicadas representavam costumes regionais e sátiras sociais. Era, através, do teatro de revista, que o povo se conscientizava da situação política e social que vivia o Brasil e o Estado do Pará. No final da década de trinta, o Teatro Nazareno começou a dar mostra de sua debilidade. Ainda em 1938 funcionaram simultaneamente cinco teatros: O Moderno, ocupado por uma Companhia de variedades, organizada por Matos Cardoso; O Teatro Variedade, ocupado por uma companhia regional do ator Cantuária; O Teatro Glória, ocupado pela trupe de Jararaca e Ratinho; assim como O Poeira, ocupado por Genésio Arruda e sua companhia de dispares cômicos do Rio de Janeiro, empresa criada por Teixeira Martins & Cia; e o Teatro Ideal, ocupado pela companhia regional do ator Carlos Campos, com a revista de costume paraense Sei lá si é..., com um ato e dezesseis quadros, de Edilberto Domont e Mauricio Dubort, com quatorze números de músicas de Tó Teixeira. No final dos anos trinta, o teatro regional entrou em decadência, no Largo de Nazaré e completa a sua decadência, com a morte de Tavernard em 1936. Segundo Salles (1994, p.472), no final da década de trinta, instalou-se outro tipo de mentalidade empresarial com o empresário Felix Rocque que passou a contratar artistas do Sul do país, principalmente da Praça Tiradentes, do Rio de Janeiro, para se apresentarem no Arraial de Nazaré. A década terminava com o horizonte sombrio para a produção local, para o teatro de artistas paraenses, o país todo mergulhado no regime autoritário e na ditadura populista que exercia forte pressão sobre os trabalhadores. Com o apoio de Rocque, as companhias estrangeiras ganharam o

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mercado, “liquidando pouco a pouco os grupos locais”.

3.4.3 Cenário Como comentado anteriormente, as salas de espetáculo do teatro de revista paraense, em sua maioria, construídas em volta da Praça de Nazaré. Inicialmente eram pavilhões erguidos especialmente para receber os espetáculos, chamados de teatro campestre ou de teatro temporário ou provisório. Eram pavilhões feitos precariamente, que não aguentavam um temporal. Os empresários teatrais começaram a se interessar pela Festa de Nazaré, a partir de 1869, quando a cidade recebeu a linha de bondes sobre trilhos e teve fim a Guerra do Paraguai, então, esses empresários passam a atuar mais ativamente no arraial, investindo mais recursos na melhoria da estrutura física dos teatros campestres. Depois de sucessivas reformas, os teatros foram melhorando, com prédios que obedeciam a padrões arquitetônicos do século XIX. Os palcos eram amplos, com o pé direito bem alto, pois o cenário precisava subir e descer com facilidade, uma vez que, na época, era usado cenário de papelão ou pano pintado, mecanismo utilizado em todo o Brasil. Segundo revistas e jornais de época, os cenários pintados eram bons, mas os figurinos eram deficientes, como explica o jornal Folha do Norte de 2 out. 1916, p. 4: “O Pará ainda não é terra para se montar revistas luxuosas, contentemo-nos com a boa pintura de cenário e com aquilo que já não é pouco” Existiram peças em que o cenário estava deficiente como na opereta de um ato O Sonho Fantástico, constatação também no relato do jornal Folha do Norte, de 7 nov. 1915, p. 3: “O pano de boca fechava e abria com dificuldade. Quase não se sabia quando era intervalo. Um cenário rasgou-se. Quando acabou o espetáculo muita gente ficou esperando que ele continuasse... Que confusão!” Os teatros no Largo de Nazaré geralmente possuíam duas ordens de camarote, em primeira e segunda ordem. Havia uma farta iluminação a gás. O cenário não era muito trabalhado, geralmente pintado, separado do público pelo proscênio, poucas salas tinham fosso, onde ficava a orquestra. Não havia divisão de plateia, balcão ou galeria, somente as ordens de camarote. Destaque para o cenário da revista de costume Te Raspa!...da Companhia de Brandão Sobrinho, na década de vinte, que trouxe um cenário magnifico com subidas e descidas de diversas pinturas em vários planos do palco e a utilização de

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uma escadaria no fundo do palco, a qual servia de cenário para a apoteose, com vedetes/coristas distribuídas nos degraus e atores principais no topo. Surgiu, nesta época, muitas plumas e paetês, influências dos espetáculos do Rio de Janeiro, que por sua vez traziam elementos das companhias estrangeiras.

3.4.4 Iluminação A iluminação ocupa um lugar chave na representação, pois é a luz que faz a cena existir visivelmente, completa os elementos cênicos, porém a iluminação só vai ser trabalhada, de fato, como elemento cênico no século XX. Inicialmente, a iluminação da revista, no Pará, era feita a gás, e é a partir de 1910 que os espetáculos paraenses começaram a utilizar a luz elétrica, porém sem o trabalho de cor ou técnica como em todo o País. Depois, com a evolução gradativa do progresso técnico, foi-se observando a necessidade de um profissional específico que conhecesse as técnicas dos projetores utilizados, assim como o lugar do foco e distribuição das fontes, de frente, lateral, em contraluz, em contra plano, em pino, entre outros. (SALLES, 1994) Tempos depois, surgem as películas coloridas para iluminar, conforme a intenção da cena, a emoção, a sensação, definindo dia e noite, porém, com a combinação mínima entre o cenógrafo, o figurinista e o iluminador para a adequação do cromatismo. No Teatro de Revista Paraense a luz era, em geral, branca com variações de intensidade, ora mais clara ora mais escura, não havia presença de luz colorida e a luz ainda não tinha o projetor pensado em vários planos, era simples e não muito trabalhada. Só décadas depois é que as companhias começam a se preocupar com a iluminação, quando a revista paraense já não era mais tão ativa no cenário nazareno e, talvez por isso, não se tenha notícia de um espetáculo revisteiro paraense com inovação de luz ou com iluminador. (BRANDÃO, 2004) Não se tem uma pesquisa sobre a iluminação nas revistas, só se sabe que ela vai compor os grandes musicais a partir da metade dos anos trinta, no eixo Rio/ São Paulo, com Walter Pinto, quando ele passa a comprar cenários e luz em cidades como Buenos Aires e Paris. A revista passou a assumir a proporção de grandes espetáculos, fase pela qual costuma ser mais lembrada. Alguns pesquisadores dizem que foi o período do formato quase suicida das grandes

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revistas, em que os custos se tornam muito altos, as conhecidas revistas feéricas e as revistas espetaculares são exemplos disso.

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Assim, pode-se observar que o teatro paraense inicia-se timidamente através da Igreja, nas escolas dos missionários, acompanha o desenvolvimento da cidade, crescendo aos moldes europeus. Com a riqueza econômica da borracha, o Pará recebe as diversas companhias europeias, constrói várias casas de espetáculo, diversos gêneros vão sendo apresentados e apreciados pelo seu público. Depois, muitas companhias são desfeitas e artistas portugueses montam grupos com artistas locais que vão se profissionalizando, criando seus repertórios com características específicas, saindo das convenções importadas da Europa e criando as suas próprias. O teatro musicado, segundo pesquisadores como Veneziano (1991; 1996) e Süssekind (1986), encantou a plateia em todo o Brasil, assim como as grandes óperas. O vaudeville se instalou nos palcos e, com o passar do tempo, as versões brasileiras vão criando volume em todo o país, pois o teatro musicado se enraizou tanto no Brasil, que hoje faz parte de nossa trilha sonora, sendo a música ingrediente indissociável do espetáculo. Como se tem afirmado, o Teatro de Revista é um espetáculo ligeiro, do gênero do teatro musicado, que, no início, passava em revisão os acontecimentos da atualidade de forma cômica. A revista tem, em suas origens, forte denotação crítica e política. O gênero ganha força na primeira metade do século XX. Depois da Segunda Guerra Mundial, a revista adquiriu mais os costumes nacionais. O gênero se espalhou por vários estados brasileiros e adquiriu particularidades regionais, em alguns estados, representando a realidade local, onde passou a ser muito apreciado, como em Belém do Pará, fora do eixo Rio/São Paulo. Como se notou, o Teatro de Revista vai para além da Praça Tiradentes, forma-se o largo de Nazaré, a conhecida Broadway da revista paraense, com um grande público, frequentador assíduo dos espetáculos, pois o fluxo de companhias do sul do país também era constante, na cidade de Belém. O teatro do arraial de Nazaré trazia sempre novidade ao público durante o mês de outubro. Muitas peças caricaturavam, brincando com os coronéis e os seringueiros.

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Viu-se que muitos autores paraenses beberam em fontes europeias, assim como trocaram experiências com os do teatro carioca. Os artistas locais não só absorviam as influências externas, como tendiam a recriá-las, dando destaque aos valores locais. Assim, a revista trazia os bons e os maus costumes, falava dos complexos coloniais e os problemas de afirmação de identidade da vida e da época. Fica a pergunta: que gênero era este que perdurou tanto tempo divertindo, satirizando, cujas polêmicas levantadas se apagavam junto com as luzes no final da cena? Se era um gênero que queria agradar a gregos e troianos, então sua visão seria uma via de mão dupla? Seria um poder que distraía e não indagava? Era um poder de distração, com riso, muita música e carnaval, acabando tudo em uma grande festa apoteótica de brilho e purpurina. O Clarim da Alvorada de 8 de março de 1923, p. 4, assim falou sobre a revista paraense:

Gênero que, para nós, não dá margem alguma para a exibição de qualidades teatrais. [...] A conexão das cenas não existe; há apenas na revista a preocupação de explorar cenas e tipos, atirando-os à cena sem a menor lógica. [...] Os personagens são sempre os mesmos: um soldado malandro, um rufião, a célebre mulata, e um agente policial; e para remate de tudo isto, os já estafantes sambas.

O desânimo dos críticos do teatro de revista era o fato de que tal gênero que atraía parte bastante substantiva do público frequentador de teatros do Rio de Janeiro e de Belém daquele período foi ficando de tal forma repetitiva e pouco atraente, utilizando textos inconsistentes e banais, tendendo à pornochanchada, a ponto de se perceber a proximidade de seu desaparecimento. O teatro nazareno, na década de quarenta, com o advento do cinema, vai sumindo de cena e os prédios que lhe serviam de palco, ao redor do largo de Nazaré, tornam-se locais de exibição de películas hollywoodianas. Desse modo, o povo paraense começa a mudar seu tipo de entretenimento, logo, os artistas locais passam a atuar fora da capital paraense, especialmente no Rio de Janeiro, onde o teatro de revista ficaria em sucesso até o ano de1961. No Pará, a indústria cinematográfica torna-se o investimento dos empresários e desde então o teatro paraense não atuou mais com o mesmo vigor de outrora. O final definitivo do teatro regional foi com a construção do enorme Teatro Coliseu, sob a responsabilidade de Felix Rocque. Os artistas do Sul, contratados pelo empresário e, depois, por João Baltazar, liquidaram pouco a pouco as troupes locais. O poderoso empresário monopolizou os teatros disponíveis, com espetáculo

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do Sul, e assim estava decretada a morte do Teatro Nazareno, depois de décadas de apresentações dos amadores locais. Na década de quarenta, o teatro nazareno ainda tentou se exibir, ficando mais no subúrbio, com apresentações de inspirações folclóricas, pastorinhas, pássaros e bumbás. Assim, na década de cinquenta, com a chegada da TV, o teatro nazareno acabou de vez. Em geral, as visões críticas ao teatro de revista mostravam-se ancoradas na importância literária do texto, no entanto, chegou o tempo em que o teatro de revista já não tinha o poder criativo de fazer rir a partir das criticas construtivas e caricatas. Isso fez com que esse gênero se esvaísse na falta de texto e apenas a pornografia foi se mostrando cada vez mais ativa; a apresentação da nudez feminina, num átimo de vulgaridade, expulsou as famílias que frequentavam os teatros revisteiros, sobrando apenas alguns espectadores masculinos que se deleitavam com pernas e curvas à mostra. É a decadência nacional do teatro de revista no início da década de sessenta.

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4 TAVERNARD

Antônio Tavernard nasceu em 10 de outubro de 1908, na antiga Vila do Pinheiro, atual Icoaraci, transformado em bairro de Belém, num chalé da Rua Siqueira Mendes, nº. 586, que, anos depois, abrigaria a Casa do Poeta Antônio Tavernard. Entretanto, na primeira década do século XXI, tornou-se um amontoado de escombros. O poeta Antônio de Nazareth Frazão Tavernard era filho de Marietta Frazão Tavernard e Othílio Tavernard, o redator-chefe do jornal A Província do Pará, que escrevia textos teatrais, dentre eles, a peça Festas, Anos Bons e Reis, em que Antônio Tavernard, Tony, como o poeta era chamado carinhosamente pela família, representou quando ainda menino, no Teatro Palace, durante a festividade da Quaresma, no ano de 1913. Ainda menino, Tony mudou-se de Icoaraci para o centro da cidade Belém, onde passou a residir na Avenida Conselheiro Furtado, esquina com a Generalíssimo Deodoro. Escritor que, aos dezenove anos, foi premiado com o conto Uma Noite Trágica, publicado em 1928, obtendo o segundo lugar no concurso de Contos Nacionais da Revista Primeira, do Rio de Janeiro, dirigida por Adolpho Aisen e Costa Junior, da qual se tornou assíduo colaborador. O jornal A Província do Pará, em 18 abr. 1928, noticia que Adolpho Aisen dedicou essa legenda em seu conto: “Conto como raros se escrevem no Brasil, com laivos de tragédia e muita dramaticidade. Seu autor é um brasileiro, residente em Belém do Pará.” Na capital paraense, Tavernard inicia seus estudos: o primário no Externato Santa Mônica (1915); o curso ginasial no Ginásio Paes de Carvalho (1919) e, finalmente, no ano de 1926, ingressou na Faculdade Livre de Direito do Pará. Em 24 de março, porém, ao concluir o primeiro ano, descobre-se portador de hanseníase, doença que o castigou por dez anos, numa época em que os recursos médicos ainda eram ínfimos para combater esse mal. Tavernard, depois que adquiriu hanseníase, passou a viver seus dias de produção literária num pequeno chalé, que chamou de “rancho22 fundo”, construído

22 Expressão de uso antigo no Grão-Pará. Data dos tempos dos escravos: moradia coletiva dos escravos, afastada da casa do senhor que, por isso, se distingue da senzala, que lhe ficava anexo ou nos porões. No Marajó ainda é usual que se diga que o vaqueiro mora no rancho, também casa de habitação coletiva, perto da residência do dono da fazenda.

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no quintal da casa em que morava, de onde quase nunca saía, passava o dia produzindo e só entrava na casa dos pais para dormir. Nesse chalé, a produção do autor vai se consolidar, escrevendo e produzindo ainda mais para jornais e revistas da época, como se quisesse vencer as intempéries da doença, através do trabalho. Dessa vivência no “rancho fundo” fala em artigo publicado no jornal Folha do Norte, de 10 de outubro de 1944 o escritor Georgenor Franco: “[...] No “Rancho Fundo”, reuniam-se os seus amigos e confrades em bonitas tertúlias literárias e, às vezes, a voz maviosa dos violões cortava o silêncio contagiado de vício e pecado da noite em trechos melodiosos de músicas tristes” No recolhimento de seu tugúrio estavam presentes seus amigos mais íntimos, companheiros de todas as horas, devotados cultores, pela estima e pelo coração, seus fraternos irmãos de sonhos, admiradores invariáveis. A família esteve presente na vida do escritor e, até a morte de Antônio, aos 28 anos, foi a mãe quem desempenhou o papel de grande importância, visto que se fazia sempre presente e fora ela quem lhe deu o colo para que exalasse o último suspiro. Maria Annunciada Chaves mostra isso, ao descrever os últimos momentos do escritor, na apresentação das Obras Reunidas de Antônio Tavernard, por meio da história narrada pelo irmão de Tony:

Inesperadamente na manhã de 02.05.1936, estava em casa, no retiro S. Benedito, no quarto para ele reservado no fim da puxada. Aparentemente nenhuma alteração em sua saúde. De repente, ouviu-se um grito lancinante – mamãe! de pé à porta do quarto, Tony gritava angustiado e estendia as mãos em busca de socorro, caiu nos braços da mãe, que correra a ampará-lo e neles exalou o último suspiro, fulminado por um colapso cardíaco. Imersa em profunda dor, morreu sua mãe, depois de seis meses do filho sofredor, como se vivesse em função dele, inteiramente dedicada a assisti-lo, a consolá-lo, com extraordinário desvelo, nisso exaurindo todas as suas forças. (CHAVES,1998, p. 46).

Tavernard passava os dias no “rancho fundo” a escrever contos, versos e textos teatrais. Ele foi o redator-chefe da revista paraense A Semana, quando esta foi administrada por Ernestino Souza Filho. O nome de Tavernard permaneceu nesse posto, no frontispício do órgão, como homenagem póstuma ao diretor que ele fora, cargo para o qual nunca houve substituto. Em A Semana, Tavernard colaborou, não apenas com seus versos e suas páginas em prosa, mas como crítico literário, mantendo, com assiduidade, a coluna Do que leio e penso; como cronista de

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acontecimentos sociais periodicamente e sob o pseudônimo de Frei Tuck, vai publicar as suas Crônicas Nazarenas ou Ronda Nazarena, além de poemas. Em seu ensaio O Exilado do Rancho Fundo – a vida e a obra, em pequena dimensão, do poeta Antônio Tavernard, o escritor Vicente Salles relata mais sobre estas noites de “tertúlias literárias”:

[...] roda de boêmios inteligentes e divertidos, na qual aparecia Aldenor Guimarães cantando as canções da época e interpretando, de preferência, os versos que o poeta escrevia e Waldemar Henrique musicava. Quanto aos companheiros mais afetuosos, estes ali se reuniam para escutar os violões, as modinhas, os madrigais, as estrofes dos trovadores sentimentais da cidade enluarada, em serenatas românticas, ao claro luar tropical, que deliciavam o poeta. (SALLES, 1998, p. 24).

E prossegue, referindo-se às reminiscências dessas noitadas:

Essas tertúlias - recorda ainda Bruno de Menezes - eram também assistidas pelos merceeiros da redondeza, que concorriam espontaneamente para a satisfação dos seresteiros com o saboroso chope paraense e outras bebidas inocentes e picantes. Muitas vezes, os seresteiros, completamente absorvidos pelo prazer da noitada, toldados os pensamentos, embriagados de luz, viram a lua mergulhar numa colcha de nuvens, tombar para o poente, a madrugada nascer. Só então deixavam o poeta, feliz e insone, tangendo pelas ruas os seus violões. (SALLES, 1998, p.48).

Sobre este quase mítico “rancho fundo” e o poeta Antônio Tavernard, o romancista Dalcídio Jurandir, em artigo publicado no jornal O Estado do Pará em 11 de agosto de 1936, assim escreve:

O curioso foi que nunca o visitei no Rancho Fundo, onde o Machado Coelho ia falar de Amiel, de Anatole, de todos os moralistas deste mundo, mais a sua predileção pelo velho Machado de Assis, aquele seu agarramento pelo Quincas Borba e a Capitu... [...] Tavernard no Rancho Fundo ganhou os poderes de orixá da geração. Conheci-o no Ginásio, esperto, suado, rindo e pulando, cheio de sol, gostando da vida como um animal contente.

Dessa imagem cheia de vida, de “animal contente”, o romancista rememora o que sucedeu na vida Tavernard, após a descoberta da hanseníase: O mal terrível o mutilou no corpo e na arte. A sua arte deformada e por isso mesmo trágica, cheia de altos e baixos, saturou-se de um pessimismo inoculável na sua solidão. Solidão nietzscheniana, como

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se Tavernard morasse no alto da montanha, entre Zaratustra e a Gaia Ciência, embriagado de amplidões.[...]. Ele desmentiu aquela sentença do velho Rochefoucauld: “Ninguém encara fixamente o sol e a morte”. Nunca um homem esteve tão conscientemente ao sabor desses dois mundos. O sol e a morte.

Era um sol que se adivinhava em cada página escrita por Tavernard, na esperança de perpetuar o homem-escritor, dava, aos poucos, lugar à sombra da morte que já se avizinhava e, em breve tempo, levá-lo-ia da família, dos amigos, do palco da vida, mas a sobrevivência de seu estilo estava garantida. Sobre o estilo e a expressão literária de Tavernard, Dalcídio Jurandir, no artigo mencionado anteriormente, assim se refere:

A emoção nele era tudo. Pode-se mesmo dizer que era a emoção à procura de todos os assuntos para se derramar como uma enchente. Chegava até no campanudo, tentando a “pura melodia da frase”. Às vezes monótonas tiradas verbais. Puxando pelo estilo que ficava mesclado de rançosos termos camilianos e inesperadas palavras brasileiras. Escrevia impulsivamente. Era até baita na colocação dos pronomes e na complicação dos casos oblíquos que faz tão antipática e artificial, entre nós, a língua, tão espontaneamente brasileira, que falamos... Mas Tony escrevia para escapar de si mesmo. Espécie de autolibertação impossível. Daí a sua arte mutilada, aos pedaços, luminosíssima em muitos aspectos, banal e artificiosa, de encomenda em outros. Tudo por culpa do seu transbordamento romântico na solidão. Faltou-lhe mais ar, mais contato com a vida que há cá embaixo.

E arremata o autor de Chove nos Campos de Cachoeira, ainda sobre a figura de Antônio Tavernard e seu estilo:

O que ele foi, foi ele mesmo. Torrencial, afoito, falando à maneira de Coelho Neto. Sem tempo de pensar na adaptação de seu estilo às novas formas da nossa língua. Ele que tinha tantas possibilidades de um estilo para hoje. Mas o que o interessava não era a realidade dos homens misturados na fuligem dos interesses e das paixões. Sim, a própria realidade tão densamente trágica e inesgotável que só ele podia escutar e às vezes reprimir sabe lá com que doloroso esforço. Como seria bom para Tavernard que a sua vida fosse exaltada com aquela inflexão dramática do coro grego, com aquela envolvência patética da música dionisíaca. Porque, como diria Nietzsche, a tragédia guarda o ímpeto de Dionísio plasmando a alegria criadora da cultura pré-socrática.

Assim conclui Dalcídio Jurandir: Enfim um inadaptado na Amazônia. Queria era a luminosidade hugoana. Quando muito fascinado por Villiers Adam e o lado mais exterior do senso trágico de Pöe. Bem podia sofrer e sonhar como

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aquele Karamazov messiânico, cheio daquele elã místico de Dostoievski. Apesar de romântico, era um seduzido pelas experiências simbolistas de Mallarmé e pelos cemitérios marinhos de Valery, a poesia pura. Cristão, intensamente e paradoxalmente cristão.

Dalcídio Jurandir diz, ainda, no jornal O Estado do Pará de 11 de agosto de 1931 que: Bruno de Meneses comparou-o a Alvares de Azevedo. Este estava muito bem no seu tempo. [...] Apesar de tudo, o contista de “Fêmeas”, realizou um ato heroico na contingência dessa vida, fez artista puro. E é pena que não pudesse revelar tudo que havia de grande e surpreendente na sua arte.

Pode-se dizer que tanto Dalcídio quanto Bruno viam Tavernard como um homem desejado mais pela morte que pela vida, e sua arte esteve em função da sua dor, mas esta nunca foi maior que seu velho tinteiro de emoções, que o tornava mais profundo, mais humano, pleno de verdades que faziam sua pena deslizar num sonho. Desse modo, cada página escrita por ele transbordava de beleza, simples como um monge e forte como um grego antigo. Alguns amigos, poetas como Joel Pereira e Georgenor Franco acreditavam que a canção No Rancho Fundo de Ari Barroso/Lamartine Babo (1931) fora inspirada na história de Tony que, por coincidência ou não, além do mesmo nome do chalé em que ele morou, também fora escrita na mesma época vivida por Tavernard. Observando a letra da referida composição musical, é possível identificar semelhanças entre ela e a história de vida do poeta:

No rancho fundo Bem prá lá do fim do mundo Onde a dor e a saudade Contam coisas da cidade...

No rancho fundo De olhar triste e profundo Um moreno canta as mágoas Tendo os olhos rasos d'água... Pobre moreno Que de noite no sereno Espera a lua no terreiro Tendo um cigarro Por companheiro...

Sem um aceno Ele pega na viola E a lua por esmola

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Vem pro quintal Desse moreno... No rancho fundo Bem pra lá do fim do mundo Nunca mais houve alegria Nem de noite, nem de dia...

Os arvoredos Já não contam Mais segredos E a última palmeira Já morreu na cordilheira...

Os passarinhos Internaram-se nos ninhos De tão triste esta tristeza Enche de trevas a natureza...

Tudo porque Só por causa do moreno Que era grande, hoje é pequeno Pra uma casa de sapê...

Se Deus soubesse Da tristeza lá na serra Mandaria lá pra cima Todo o amor que há na terra...

Porque o moreno Vive doido de saudade Só por causa do veneno Das mulheres da cidade...

Ele que era O cantor da primavera E até fez do rancho fundo O céu melhor Que há no mundo...

E o sol queimando E uma flor lá desabrocha A montanha vai gelando Lembrando o aroma Da cabrocha...

Como já relatado, Tavernard recebia alguns amigos intelectuais e artistas no quintal de sua casa para tertúlias literárias. Entre os intelectuais reunidos destacam- se: Bruno de Menezes, Aldenor Guimarães e Joel Pereira, que discutiam literatura, problemas da vida, arte, cultura e sociedade. As serenatas e saraus eram frequentes, como confirmou sua irmã Ana Lurdes Tavernard Neves, em entrevista concedida a esta pesquisa, em 2008, transcrita na

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íntegra no Apêndice A. A canção de Ari Barroso e Lamartine Babo faz pensar que, na maioria das vezes, Tony, em solidão, escrevendo e tocando sua viola, teria apenas um cigarro como companheiro. Como na canção que fala do moreno solitário que vive doido de saudade das mulheres da cidade. O amigo Joel Pereira, que muito participou das rodas de conversas no “rancho fundo”, em uma matéria para o jornal O Liberal de 10 de outubro de 1989 brincava e dizia: “Nas veias de Tavernard não corria sangue, mas sim poesia. Era tão consolador conversar com ele, ouvi-lo, sentir a inefável pureza que emanava daquele espírito de escol. Antônio Tavernard não passou pela vida, a vida passou por ele”. Joel Pereira comenta também que jamais ouviu de Tavernard uma lamentação ou murmuração negativa. Ele tinha sempre uma palavra amiga e, mesmo com muita dor, dizia: “A dor tem harmonia que o prazer não tem”. Uma vez, o amigo Fernando Castro pediu que Tony recebesse, em sua casa, o poeta, escritor, teatrólogo e diplomata Paschoal Carlos Magno, que visitava Belém e insistiu em conversar como Antônio Tavernard. Ao ser apresentado, Paschoal falou: “‘ Então estou diante do segundo Machado de Assis’, referindo-se aos contos que Tony escrevia, e na mesma hora com uma presença de espírito e inspiração muito boa, Tony disse: ‘Com uma grande diferença: com menos talento e muito mais sofrimento’”, segundo, ainda, a fala de Lurdes Tavernard.

4.1 PRODUÇÃO LITERÁRIA

Tavernard reunia-se com os amigos para revigorar suas ideias. Ele não mais saía de casa e sabia das notícias por meio de jornais e dos amigos que lhe contavam as histórias de Belém, as quais transformava em poemas, contos e dramaturgias. A linguagem amazônica sempre se fez presente na obra de Tavernard, como se pode observar no poema a seguir, A Voz da Amazônia, citada por Nunes (1998, p. 104). :

Soluço de terra caída caindo... Suor de tapiras perdidos na floresta, Paraíso infernal onde o céu é uma festa, Onde a morte é um bem onde a vida é um mal Ressoo de gumes ferindo os arbustos

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Trocano longínquo do ultimo índio, Sem caça, sem roça, sem puba, sem taba, Carpindo a desgraça de ser ameríndio, Escravo vencido de novo ameraba... [...]

A Voz da Amazônia traz o verso a “Amazônia, mãe terra, ora bela e atraente, ora horrenda e medonha”, no qual o poeta a recria como uma terra inconclusa conforme Euclides da Cunha em Os Sertões. Nesse poema, a voz do poeta clama por justiça ao elemento indígena. Uma necessidade de conceder voz a uma região até hoje desprovida de direitos e representatividade no cenário cultural brasileiro. Sem se abater, apesar da convivência com a doença que o tirou de cena precocemente, a sua produção cresce, como disse Benedito Cruz em O Liberal de 12 de outubro de 1988: O teor de juventude impregnará a poesia de Tavernard com uma dose elevada do vigor de quem trabalha com a criação. Seja “romântica” ou “simbolista”, sua poesia é retrato de um artista amazônico, aquele que vivencia a explosão de mundos e de cores em permanente estado de criação, nesta região marcada por diversidades, riquezas, misérias, e confusas misturas em sua fauna e em sua flora, clima e cultura. [...].

Poeta eclético, que trazia em suas obras as influências do Simbolismo, Romantismo, Parnasianismo e, algumas vezes, usando temas do Naturalismo, sua produção passou a ser lida e conhecida com as publicações em jornais da época, além das publicações da revista A Semana, que circulava em Belém, nos anos 30. Pode-se evidenciar a veia amazônica de um poeta e dramaturgo que olhou seu chão. No poema Dentro da Selva (NUNES, 1998, p. 102) observa-se que o poeta narra e descreve o confronto de uma anta com uma cobra sucuri:

Vem a anta pesada, em marcha tarda e brusca. A cintila do sol suas pupilas ofusca, impedindo-a de ver... Esbarra, aqui, num tronco, acolá esbarronda Um cupim atola-se em igapós, Emaranha-se na rede verde de cipós... Ela vem como a onda Vai pelo oceano afora, às cegas, sem saber Se é praia ou arrecife o que tem adiante... Faminta e atenta a espreita sucuri gigante. A sucuri se enrosca, em novelo de morte, que algum monstro dobrou, No fuso colossal de uma pálpebra forte Um silvo lhe fugiu... O tapir hesitou, mas, depois de dúvida ligeira, Prosseguiu carreira, Em rumo da barraca onde fulgura o sol... Vai em busca do bem, não se lembra do mal.

Meio-dia!...

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Catadupas douradas por espaços azuis... Meio-dia!... Gloria fulva de luz... O paquiderme avança, o réptil espera. Súbito, corta o ar uma laçada escura... O quadrúpede estanca, e rápido, procura Desvencilha-se da peia que começa A aperta-lhe os tendões...Chupa o ar, Pateja Arranca E se arremessa É um bólico Que vai! A restinga vibreja.

O embate, grosso modo, pode identificar o confronto do bem com o mal. Porém, o poeta parece não emitir juízo de valor. A luta é pela sobrevivência na cadeia alimentar. Destaca-se a linguagem, que foge à corriqueira, utiliza a métrica irregular, em disposição de rimas misturadas, como são aos românticos. Trata-se de uma forma mística e peculiar na escrita de Tavernard. Observa-se bem a visão amazônica que o texto exala. A Amazônia do poeta está mais para inferno verde, de Alexandre Von Humboldt, que para Eldorado. Este estranhamento poético é contornado, no poema, pelo tom dramático e certas vezes agônico, resultado do combate dos dois animais – a sucuri e a anta, em que a última sucumbe diante do poder da hiper-serpente, que a entrelaça e sufoca ferozmente, apesar de toda a resistência do quadrúpede que tenta safar-se do bote fatal. (NUNES, 1998). Trata-se de um espetáculo bárbaro e selvagem da “[...] natureza rematando com a morte o embate de Titãs.” (p.103). O curioso é que Tavernard deixa revelar a habilidade de um poeta que manipula a cena, dando a impressão de que ele é o diretor de um set cinematográfico: tenso, plástico e movimentado. O leitor é o espectador privilegiado desse dueto em que as palavras simulam o quadro fotográfico. Outro texto que fixa a imagem de uma região nada paradisíaca é O Éter e o Lodo. Curioso que o perfil de grandiosidade da Amazônia não deixa de existir no poema. Ao contrário, é justamente essa grandiosidade soturna, prenunciada de desgraças, que chama a atenção do leitor: “Nunca se viu assim astros tão baixos, nem nunca se escutou tantos coaxos, na noite tropical... As trevas são de luto aliviado...” (fragmento do poema O Éter e o Lodo). Assim, pode-se dizer que na primeira fase do Modernismo, quando a Amazônia ganhou (re)toques mítico-poéticos, sobretudo de Raul Bopp e Mário de

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Andrade, nosso poeta nativo enfatiza uma visão por vezes fantasmagórica da floresta: “As noites da Amazônia são profundas, mais noturnas que as outras! Nelas há sensações abismais, madres fecundas de emoções de terror...” (TAVERNARD apud NUNES, 1998, p.103). Tavernard foi um produto espontâneo da Amazônia, um mundo de misticismo e encantamento que personifica lendas e ressalta situações alegóricas. Ele não observou os problemas pelos quais passou ou os que por ele passaram, com a emoção do esteta que acordou subitamente num mundo fantástico; viveu-os profundamente, sofreu-os consideravelmente, utilizando-os como matéria prima de composição textual. Antônio Tavernard se valeu do contexto em que vivia para traçar a linha pela qual andavam seus personagens e buscava neles o prazer de sabê-los reais. Assim, em 1929, escreve o livro Fêmea, editado em 1930, sua única obra publicada em vida. Fêmea reúne uma peça em um ato e vários contos, onde a presença de suas angústias e ironias pelos preconceitos sociais pode ser detectada e, dentre os quais, somente um revela o papel da mulher. Trabalha os textos de forma a agradar a si e ao público. Para Salles (1994), Antônio Tavernard era sensível aos apelos literários e utilizava uma maneira direta e popular, estabelecendo um equilíbrio entre seu sentimento e as exigências do público. Observa, também, que a obra de Tavernard é um contraponto entre a vida e a dor, carrega a vontade de presentificar o momento, embora sofra com as limitações advindas da doença que o consumia. Annunciação Chaves, na apresentação das Obras Reunidas, descreve o abatimento de Tavernard, ao ter que interromper os seus estudos do Curso de Direito: “[...] a angústia inundou o coração e a alma do poeta, mas não o venceu” (1998, p.46). Tavernard refugiou-se no talento criador e escreveu incansavelmente contos, crônicas, romances, poesias e peças teatrais. Em Prece de Natal (TAVERNARD, 1986, p.69), vê-se claramente falar de sua vida e de dor:

Olhe aqui Jesus Menino: na folha do meu destino, escreva a palavra “paz!” Venho de muito longe, de um passado Vivido em turbilhão... Estou cansado... Não quero sofrer mais!

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Não quero – não! Não Posso! Minha vida É como taça de cristal partida Em que beberam deuses e animais.

Fiz mal e bem com indiferença, à toa, Fatalismo que vinga e que perdoa, Muito do homem quando é feliz.

Depois a dor... a dor que transfigura... E o Senhor sabe – história de amargura – Como cumpri o que o destino quis.

Mas, agora, Jesus, Jesus Criança, É tempo de chegar... A gente cansa, Para sempre, de, num certo dia, Em que a penumbra da descrença fria Toma conta de nós. Ah! Nesse dia, Jesus querido, meu Jesus Criança, Que morta linda a última esperança!...

Portanto, Jesus Menino, Na folha do meu destino, Escreva a palavra “paz!”! Para que eu durma, então, serenamente Com um sono de arcanjo adolescente E não sinta, e não sonhe, e não desperte mais.

Pode-se perceber o desabafo do poeta, pedindo, em prece, para não sofrer mais, e faz isso em versos eloquentes, verdadeiros, plenos de sentimentos que traduzem a aflição do homem, em face à doença que destrói o corpo; o desassossego do escritor que precisa produzir, diante do tempo escoando pelo ralo da existência; a dor do poeta Antônio Tavernard, que se reconhece cansado de sofrer e necessitado de paz. Aliás, esta é, das preces feitas ao transcurso anual do santificado evento, a mais conhecida, mas não foi a primeira, nem tampouco a última. A derradeira foi publicada na edição da revista A Semana de 21 de dezembro de 1935, quatro meses e onze dias antes da sua morte. Sob o título de Bilhete do pó à luz, assim começa: Quatro anos já!...Quatro bilhetes! Quatro recados orações que te mando, por esta página, neste dia, ao tempo de teu Natal. Quatro...E cinco serão feitos, e seis, e mais se quiseres, se, para tanto – é tamanho este tão pouco! – Me deres vida e fé. Cada uma destas linhas é um latejo do meu coração: só deixará de fremir quando o coração se imobilizar para sempre!

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Seu poema impressiona pela profundidade do sentimento impregnado no sombrio quadro de um tísico em crise, amenizado pela fortaleza do amor maternal. E do poeta, que em seus versos quisera, no poema Pórtico, “A alvorada de todas as belezas triunfais” sonhando-os como “Taças de perfeição, hóstias de graça” enfim, “seu evangélico excelso”, logo sobrepaira, ressonante, nos traços vigorosos do autorretrato de seu poema Similitude, o brado com que se desnuda e define:

Nasci de frente ao mar Meu primeiro vagido Misturou-se ao fragor do seu bramido. Tenho a vida do mar Tenho a alma do mar A mesma inquietude indefinível, Que nele é onda, e é em mim anseio, Faz-nos tremer, faz-no fremir, faz-no vibrar... Sou bem fraco, porém, tu és forte... Nada te vencerá, há de vencer-me a morte... Embora mar morto, água dormida Que por mais nada nem de leve ondeia, Hei de deixar meus versos pela vida, Assim como tu deixas âmbar pela areia!...(TAVERNARD, 1986, p. 82-83).

No poema se pode compreender um pouco o Tavernard como a síntese da paixão da alma, pois para entendê-lo plenamente seria preciso que se tivesse o coração submergido na dor; penetrar no seu íntimo seria quase que impraticável. Como falou Margarida Paiva (1998): “O homem quando sabe sofrer com resignação transfigura-se no super-homem da vida material” Segundo o escritor e membro da Academia Paraense de Letras, Georgenor Franco, relata na Folha do Norte de 10 de outubro de 1944, “[...] ninguém até hoje descreveu melhor o subúrbio de Belém, nem nos falou com mais humana verdade, do que ele sobre o drama anônimo do proletariado” (SALLES, 1980). O escritor Vicente Salles (1980) também corrobora o juízo de Georgenor Franco, acrescendo:

O fundo sociológico desses contos, mais tarde ampliado em outras produções que chegou a selecionar para compor outro livro intitulado Almas Tropicais, e, sobretudo, no romance Os Sacrificados (que também ficou inédito), condensa páginas que nos revelam um conhecedor profundo da psicologia do povo amazônico, notadamente do homem dos subúrbios de Belém, (p. 51).

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Para corroborar essas duas citações, eis a transcrição de um trecho do conto De que morreu o Manduca Lambão:

Chegou à porta da taberna e olhou a rua. Viu-a sempre a de sempre, suburbana, poeirenta no verão, enlameada no inverno, apertada entre um casario assimétrico, irregular, cheio de saliências e reentrâncias, o dorso coberto duma vegetação rasteira em touças e coalhos verde-negros, por onde rebolavam crianças anêmicas e ventrudas e uma cachorrada esquelética e vadia, arterizada por sarjetas desbeiçadas, represando uma água quieta, estagnada, limosa em cuja flor riscada, de quando em quando, por flotilhas escuras de larvas de batráquios, nuvens cinzentas de carapanãs cirandavam pelo meio de uma flora gosmenta e parasita. Olhou a rua e viu-a sempre a de sempre, imutável, paspalhona, toda indiferente a um bando crocitante de urubus que estripavam o cadáver semi- putrefato de um gato e à procissão também eterna dos seus moradores – operários paupérrimos, miseráveis, que a pegaram, diariamente, enrodilhados em molambos, dês a madrugada até o entardecer, num movimento de formigueiro labutador que se espraia do fundo torvo das estâncias e palhoças para o ventre lôbrego das oficinas e dos porões, um formigueiro arrastado pela fome ao trabalho, e devolvido do trabalho com a fome. (TAVERNARD, 1986, p. 57)

Nota-se que o poeta visualiza a rua da periferia nos minuciosos detalhes realistas de quem vive ou viveu no ambiente, apesar de nunca ter morado em cortiço ou periferia, mas faz voar a imaginação e aguça os ouvidos nas histórias que lhe contam da cidade. E ainda mais, vislumbra o contista, nessa espécie de retrato dolorido em branco e preto cruel da pobreza que se evidencia na cidade, a urbe paraense que sofria os impactos das primeiras décadas do século XX.

A rua os conhecia a todos desde quando, ainda fetos, vegetavam, intumescendo os ventres maternos, assistindo a sua curta e doentia infância, dando-lhes lama para a brincadeira e baganas para o vício precoce, testemunhando-lhes o alistamento no exército do trabalho sem futuro — destino racial, atávico, fim de vida único, ineludibriável, ao qual se entregam todos, de geração em geração, aceitando-o como esmagadora sentença da fatalidade, por eles absorvidos, aniquilados, animalizados, mais e mais pela falta de instrução, abjectados por uma existência em que a embriaguez não é vício e a prostituição não é imoralidade, uma existência de cabilda, de maloca e de senzala onde há o eito do horário, o feitor do capataz [...] uma existência de verdadeiros escravos africanos dos quais herdaram [...] a cor, os costumes, as tendências, a religião e o temperamento - pretos opados, indolentes, fetichistas e bestiais, desvirtuando o negro de azeviche na mestiçagem maracajá, mascarando o amor a inércia por um labor a que só vão esporeados pela fome, disfarçando a paixão alcoólica pela necessidade de abrir o apetite ou “cortar”

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resfriamentos, travestindo o pajé do passado na benzedeira de agora, transmutando a crápula, o meretrício, a devassidão, o incesto até, em ordem natural das coisas grilhetados, não às leis, nem à época, nem ao meio, mas a si próprios, à sua ignorância transmitida do pai para o filho; [...] sanguessugados sem um protesto, sem uma greve, pelo capital; sem pressentir que em outros cantos do mundo, membros do proletariado, doentes do seu mal, lutam pelo ideal de serem livres materialmente, ora conclamando teorias e discursos convincentes nos meetings e assembleias, ora, nas refregas contra o direito da força, lançando bombas e petardos, desconhecendo que um exército universal de pigmeus susceptíveis de transformarem-se em gigantes sua e geme na faina formidável de fazer saltar com a alavanca da solidariedade culta, a mole granítica da cordilheira dos preconceitos. e desigualdades sociais, transfundindo-a na rasa, nivelada e suave planície da democracia completa e perfeita; condenados a não passarem do que são: vermes, coisa, poeira, nada. (TAVERNARD, 1986, p. 91).

Em se tratando dos contos de Antônio Tavernard, há carência de um estudo que se refira a uma análise mais substancial de seus textos. É de autoria da professora Margarida Paiva o único texto analítico até hoje publicado, que mais se aprofunda sobre os contos de Antônio Tavernard, reunidos em Fêmea. Diz-nos ela sobre o livro: [...] a presença do conflito em que se debatia Tavernard é perceptível, tanto no interior de cada uma das narrativas quanto no livro considerado no seu todo. Por isso encontramos, por exemplo, um movimento de avanço e recuo ante os valores da sociedade a que pertencia. Se, em algumas vezes, ele se mostra perfeitamente inserido nestes valores, em outras ele reagia contundentemente a eles. (PAIVA, 1998 p.64)

Aludindo ao conto-título do livro, que abre o volume de narrativas, Margarida Paiva assim fala ao comentar o trecho de Tavernard: “[...] aquele vulto de mulher heráldica e elegante, que, na paisagem roceira lembrava um bordado de Gobbelin numa tela de chita”: Ao contraste que se estabelece através da metáfora do bordado de Gobbelin numa tela de chita, corresponde à narração de um fato simples, corriqueiro com uma linguagem erudita, ao ponto de chegar às raias do preciosismo. Isto parece ir ao encontro das preferências dos leitores das décadas de 20, 30, leitores esses que admiravam o “falar bonito”, as citações inusitadas, enfim que faziam de conta que ignoravam os problemas femininos ou as distorções sociais que atingiam a maioria da população. (PAIVA, 1998, p.66)

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Margarida Paiva também destaca em seu ensaio que a figura feminina é vislumbrada através da ótica das narrativas de Antônio Tavernard constantes em Fêmea: Em narrativas como “Fêmea” e “Aquela mulher” em que aborda o amor carnal, passa a ideia de que este não vale a pena, pois amesquinha as pessoas destruindo o que de mais sólido possa aproximá-las, como a amizade, por exemplo. O amesquinhamento da criatura humana como consequência do amor carnal tem um culpado: é sempre a mulher; já os homens são capazes de atos heroicos de desprendimento em favor das ingratas mulheres que amam. (PAIVA, 1998, p.68)

Isso fica bem explícito nos contos Lição da faca e Ri quem pode, que fazem parte da obra Fêmea. No primeiro texto mencionado, um triângulo amoroso caboclo (Anacleto-Mundica-Zeca) deixa entrever uma tragédia passional bem ao gosto mundano, provocada justamente pela sensualidade da mulher, que é descrita quase como uma força da natureza:

A Mundica e o terral como se pareciam. santo Deus! Tanto, tanto que tinham até os mesmos defeitos: eram caprichosos e davam-se a todos. Sim, aquela mulata, a mais linda do Mosqueiro, aquela tentação de seios túrgidos e atrevidos, boca polpuda e roxa de cará, passos miúdos e dengosos como os das rolinhas a mariscar; aquela cujo nome andava na queixa apaixonada de todos os violões da vila; aquela por quem, certa vez, dois cabras se estriparam numa feira; aquela por cuja causa uma desconfiança surda e latente garroteara a antiga amizade expansiva entre ele e o Zeca, seu companheiro na labuta árdua da pescaria, era uma perdida, uma... (TAVERNARD, 2011, p. 26).

Neste conto, assim como em outros três (Ri quem pode, O justiceiro e As três horas de agonia da Felícia, também na obra Fêmea), Tavernard utiliza da chamada simulação da oralidade, ao colocar o linguajar caboclo na fala de suas personagens: – Ocês vão à festa do Chico Mucúra, no Pau Grande? Tem ladainha e, tarvez, dança. – E ocê vai? – Si, si. – Entonce, eu também vou. – E ocê, Zeca? – Eu, não. – Pruquê? A resposta veio numa brutalidade insopitada: – Pruquê não. (TAVERNARD, 2011, p. 43).

É interessante notar que, embora o discurso dos personagens-caboclos seja delineado consistentemente dentro dos falares amazônicos, Tavernard recria quase

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fielmente a conversa dos dois, mas deixa escapar o seu grau de conhecimento da norma culta, quando, na quinta linha, usa a palavra vou, que nos falares interioranos, seria vô ou vu. Em Ri quem pode, outro triângulo caboclo se constitui: Polino-Candoca-Désio Cumêta. Só que, ao invés da “lição da faca” do conto referido, em que o personagem Polino é quem se exila por amor, após ser rejeitado pela amada. Aqui também o falar caboclo é reproduzido por Tavernard: — De que se ri, Candoca? — Dessa besteira de ocê. — Besteira? — Besteira, sim. Antão, ocê não tá vendo logo que num vou casá cum quem não tem de seu nem a paia que o cobre, um homi sem futuro sempre assugeito a trabaiá cumo nêgo? Adispois, ocê bem sabe que tô apalavrada cum o Désio Cumêta. Oie! Vá percurá a Mundica, a Jevinha, as outra! Tarvez lhe possam servi. Eu, não. — De quem gosto é de ocê. —. Mas num sou pros seus dentes. E num quero que ocê goste de mim. Ouviu? Nem isso. — Candóca, a lua tá arta, muito arta, tá no céu, e é branca e bunita que nem prata. E, nu entanto, condo aparece de noite, o meu cachorro feio e pirento põe-se a oiá-la e a gani pruquê gosta dela. E ela não se importa qui ele gosta dela. (TAVERNARD, 2011, p. 48).

Sobre estas personagens femininas criadas por Antônio Tavernard, a professora Margarida Paiva (1998) assim se pronuncia: A galeria feminina de “Fêmea” é fundamentalmente composta de mulheres livres, vale dizer não são monitoradas pelos familiares; surgem sempre emolduradas por um ambiente de vícios; são ninfomaníacas, prostitutas, moças ditas “de família”, mas com uma vasta experiência sexual (como se vê em “Aquela mulher” e “A vertigem”, ambas também presente na obra Fêmea de Tavernard). (PAIVA, 1998 p. 62).

No primeiro conto referido (Aquela mulher), o narrador elucida sobre alguns “papéis amarelados” achados “dentro da gaveta daquele velho que morreu, miseravelmente, no hospício, rasgando as veias do pulso com uma dentada”, páginas estas que foram “visivelmente escritas por dedos nervosos, plenas de emendas, riscos e borrões, quase indecifráveis, sem data, nem título, nem remate”. Assim, se toma conhecimento do drama do personagem central e sua parceira (não nominados), pela qual ele nutria sentimentos adversos:

[...] na meia dúzia de meses que mantivemos intimidade, aquela mulher foi, por mim, simultânea, inexplicável e aberradamente, mais

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sagrada que a minha mãe, mais amada que a minha noiva, mais temida que uma serpente e mais desprezada de que uma cabra. As nossas relações foram um pélago de ondas de lama e ondas de luz. Enodoaram-me e glorificaram-me. Ascenderam-me acima da comunidade e calcaram-me abaixo do sapo. (TAVERNARD, 2011, p. 39).

Dessa relação vivida no limite da desesperança, o narrador-personagem acaba por chegar a uma encruzilhada, para ele e sua parceira de vícios: Certa tarde, após um desses beijos terríveis demorados, candentes, nos quais os lábios se ferroam e maltratam numa sede de gozo supliciante, assassina, confessou-me, placidamente, brincando com a seda da minha gravata, que estava tuberculosa e que, por consequência, me contaminara. (TAVERNARD, 2011, p. 47).

O epílogo é moralista, com a lição de vida sendo clara: a redenção de uma é a perdição do outro: Ela casou-se. É hoje uma senhora impecável mãe de três meninas arcangélicas cujo caráter modela, desvelada, na pureza e na virtude. [...] se, às vezes, acontece, ao vê-la, recordar eu do passado, da nossa ligação anormal, do que foi para mim [...] julgo que tudo aquilo não passou de uma síncope da razão, de um mergulho na loucura de uma viagem pelo país do impossível monstruoso, da qual voltei enlameado, o coração com uma crosta lodosa que só Deus sabe quando desaparecerá. (TAVERNARD, 2011, p. 53).

As narrativas de Fêmea, segundo Paiva (1998), devem ter causado certo impacto no seio da sociedade paraense. Não é difícil imaginar o escândalo causado numa sociedade conservadora, com seus valores burgueses comandando a conduta das pessoas. Às pessoas “de bem”, parece não ser leitura recomendada, ainda mais, escrito por quem não nascera no âmago da burguesia. Antônio Tavernard (2011) se dividiu nessas histórias de Fêmea. Há enredos simplórios e banais (quase não enredos) em que a unidade dramática é pífia como os contos A visão convincente, Dentro da noite, O milagre do rio, A vertigem. Ao gosto da época, também, são as longas e grandiloquentes descrições feitas do ambiente em que se passará a ação da história. Isso é visto em Fêmea, conto que dá título ao livro:

Era a hora em que, da morte do dia, nasce a vida da noite. O ocaso e o nascente, um penumbrado pelo sol em agonia, o outro argentado pelo luar recém-vindo, pareciam duas flores maravilhosas — violeta e magnólia — ligadas pela longa corrente diamantina que o estelário desenrolara de um horizonte ao outro. Os morros, a mataria e a estrada revestiam-se da meia-tinta dúbia que o crepúsculo empresta ás coisas naturais.

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Já os arvoredos mais altos tinham os cômoros turbanteados de crepe. Ao longe, no perfil de algumas palmeiras agrupadas, havia um quer que fosse de monjas contemplativas à espera da elevação da hóstia lunar. E, no alto da ladeira, a sombrinha aberta e inútil, tatuando na perspectiva um arabesco singular, aquela silhueta imóvel — as véstias fidalgas cingindo-lhes as formas perfeitas, presidia, com a majestade de uma divindade hindu, o rito da transfusão do dia em noite. (TAVERNARD, 2011, p. 59).

Também em A lição da faca, conto de Tavernard no livro Fêmea, quando narra o clássico triângulo amoroso, que, neste caso, reúne dois caboclos (Zeca e Anacleto) seduzidos pela faceirice de Mundica. Para dar a cor e ambientação da vida dos dois pescadores, Tavernard descreve a paisagem noturna de Mosqueiro23: Noite Branca, muito branca, a lua lembrava a Nossa Senhora Aparecida, numa gruta de nuvens. [...] Lindo o céu! E, como o céu, a terra era linda também. Linda e vaidosa, porque desenrolara o colar lactescente das suas praias sucessivas - Arreião, Bispo, Grande, Chapéu Virado, Murubira e as outras — porque borrifara de prata a cabeleira escura do arvoredo, porque soltara todas as suas teorias de pirilampos. Mosqueiro dormitava rebuçado no seu silêncio de balneário [...] ilhado entre águas serenas, divertindo-se, apenas, em namoriscar a silhueta esgalga do Pinheiro que, mais adiante, se salientava numa ponta de terra, e em piscar o olho vermelho do seu farol, para os paquetes que passavam ao largo, pesadões e acaçapados, e para as vigilengas inclinadas ao peso do velame túmido. (TAVERNARD, 2011, p. 62).

Nas histórias em que preponderam os artifícios das personagens na busca de vingança, ou em que há o sentido trágico (no entendimento clássico da expressão advinda do teatro grego), ou seja, a personagem vive uma situação-limite e sabe que somente a sua morte (física ou social) ou de outrem (rival) significará sua redenção. Os enredos se desenrolam de forma a seduzir o leitor, como nos contos que compõem o livro Fêmea: De que morreu o Manduca Lambão, Aquela mulher, Uma noite trágica, O crime do dogma, As três horas de agonia da Felícia, Renúncia e Eu sou um homem esquipático. Em Aquela mulher, a personagem com apenas 20 anos confessa ao narrador a sua experiência: “Já teclei toda a escala dos narcóticos conhecidos, alfinetando- me [...] cheia de éter e morfina, mascando os frutos da coca, embocando os canudos de cachimbos pejados de ópio e liamba, aspirando a fumaça do láudano queimado”. Ela inicia o personagem nas táticas sexuais que conhecia; no fim, possuída por um

23 Mosqueiro, ilha bucólica situada a 70 km de Belém. Possui praias de água doce, com ondas que atraem turistas brasileiros e estrangeiros.

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prazer sádico, comunica-lhe que está tuberculosa e que ele, portanto, estava contaminado. E termina ironicamente: “Ela casou. É, hoje, uma senhora impecável, mãe de três meninas...” Justamente por isso, o homem aparece como vítima da mulher; ela, autêntica filha de Satã, é capaz de destruir, acabar com tudo o que de mais precioso o mundo lhe deu – quando se conscientizam do perigo que correm, tomam duas atitudes, ou fogem ou matam. Entende-se, assim, a sede de vingança pela traição de suas mulheres, dos personagens masculinos de O Justiceiro e de Às três horas de agonia de Felícia e os relatos minuciosos dos crimes com requintes de crueldade. Ao homem só resta o amor de mãe, este sim, é confiável, como em O Melhor Presente, em que o personagem, desvairado pelo abandono da mulher amada, tenta o suicídio; não concretiza seu intento e, quando retorna à casa, ao ver a mãe no dia do seu aniversário, compreende que nada se compara ao aconchego do colo materno. Aliás, o amor de mãe é também supervalorizado nos poemas de Místicos e Bárbaros, constituindo o único porto seguro para os desiludidos com o amor das mulheres, tal qual o amor que Tavernard conhece no porto seguro de sua mãe. Uma das muitas formas de fuga do homem ante a sensibilidade feminina e o amor é o suicídio. É o caso do padre em O crime do dogma. Apenas em um conto, o suicídio não é uma fuga ao amor, e sim, uma solução para a fraqueza do personagem, narrado no conto Eu sou um homem esquipático. A incompreensão das pessoas frente ao drama existencial dos miseráveis é registrada no conto Do que morreu Manduca Lambão. Não se conseguiu compreender o que se passava no interior desse personagem, nem sua mulher e filhos, nem seus vizinhos miseráveis como ele. A mulher, cansada de tanta miséria e fome, revolta-se, e o personagem conta apenas com a solidariedade do narrador, que o considera como um perseguido pela má sorte, daí porque, em vez de comprar pão para os filhos, prefere cachaça para esquecer a sua dura sorte. A raiva de si mesmo pelas suas fraquezas, as chacotas dos vizinhos e o efeito de repressão da mulher cansam o personagem. Só o narrador conhece os seus pensamentos mais ocultos; por isso, só, abandonado e despejado da sua moradia na chuva, Manduca sente-se mal e morre. E vem a ironia do final, que mal esconde uma critica à insensibilidade das pessoas que, no dia seguinte, interrogam-se sobre as possíveis

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causas da morte de Manduca: “ De porre – disse alguém, quando encontraram o cadáver. De mágoa – diria o cão se soubesse falar”. Ainda no mesmo o conto encontram-se descrições sobre o subúrbio paraense, onde Tavernard como que supera o tom exclamatório, precioso e, por isso, pernóstico, de outras ocasiões. Veja como ele vê a rua em que mora Manduca:

Viu-a sempre, a de sempre, suburbana, poeirenta no verão e enlameada no inverno, apertada entre um casario assimétrico, irregular, cheio de saliências e reentrâncias, o dorso coberto de uma vegetação rasteira em touças e coalhos verde-negros. (TAVERNARD, 1986, p.57).

Observa-se que o narrador adentra no personagem e capta não só as visões ambientais, como também toda dor existencial do mesmo. Esta imediatamente se projeta para o leitor e, então, juntos, leitor e narrador, se solidarizam com Manduca Lambão. Tavernard deixou inéditos romances como Os Sacrificados, livro de poesia Bárbaros e Místicos, obra poética reunida em 1953 por Georgenor Franco, e um livro de contos Almas Tropicais. Em Bárbaros e Místicos, edição póstuma, datada de 1953, Tavernard mostra que a amargura por sua condição não o impediu de sonhar, e ele deixa uma obra de criação em seu mais amplo sentido. O escritor vem a público por meio de textos variados nos quais deixa entrever uma alma lúcida, uma mente inteligente num corpo adoentado. Mostra-se poeta, romancista, contista e cronista, no entanto é no teatro que vamos sentir a expressividade que tem o nome de Antônio Tavernard na cena amazônica.

4.2 DRAMATURGIA TAVERNARDIANA

A efervescência do teatro no arraial de Nazaré foi contada a Tavernard por Fernando Castro, amigo desde o tempo do ginásio e parceiro do poeta. Tavernard não saía de casa e não circulava pela cidade, apenas sabia das histórias narradas pelos amigos. Foi então que teve a ideia de escrever para esse teatro e as rendas seriam revertidas para o tratamento de Tony. Então, chamou Waldemar Henrique, jovem que estava ainda no início da carreira, mas já talentoso. Assim, a ideia era que o Tony escrevesse o texto, Fernando Castro fizesse a parte da letra e Waldemar Henrique compusesse as melodias. Formou-se um trio de trabalho, para o teatro.

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A partir daí nasciam os textos dramatúrgicos do poeta, em 1930, no Palace Teatro, do Grande Hotel. Coube aos estudantes de direito encenarem a peça Parati, uma revista de crítica político-social, representada três vezes consecutivas, pelos acadêmicos de direito, em benefício da sua tradicional “Festa da Chave”, em agosto de 1930. Os críticos de jornais da época comentaram a peça. Entre eles, Juanita Machado, na Folha do Norte de 23 jun. 1930, diz: “Parati foi encenada com naturalidade e uma compreensão que, se era de esperar dada a cultura e inteligência dos artistas”, e completa: “Antônio Tavernard, esse talento que assombrou pela sua cultura, pelo seu equilíbrio, pela pletora estudante se seus poucos anos, revelou mais uma face de polimático valor mental” Parati contou com a participação de Ernestino Souza Filho, Raul Valdez, Lourenço Vale Paiva, Waldemar Torres da Costa, Fernando Castro, João Botelho, Osvaldo Trindade; nos números de canto, Zuleika de Carvalho Nobre; no violino, Luiza Cardoso; no piano, Laurita Valdez e na declamação, Violeta Oliveira. O enredo de Parati era constituído por uma mordaz crítica a respeito do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, bem como as fases das Capitanias Hereditárias e do momento político da época em que a peça foi encenada, com abrangência aos Estados da Federação. Sob o titulo A festa da mocidade, Juanita Machado comenta, na Folha do Norte, de 30 de agosto de 1930 : “Se foi escrita com talento, [...] não deixou de surpreender os que sabiam da pressa que foi escrita e encenada a peça” Ainda em 1930, no mesmo ano da encenação de Parati e no mesmo teatro, um grupo de acadêmicos de medicina apresenta Seringadela e Que Tarde. A revista Seringadela foi apresentada em comemoração à “Festa do Termômetro” sob o patrocínio do Centro de Medicina. A peça utilizou de críticas de fina ironia e sadio humor em relação aos esculápios improvisados, bem como ao desempenho dos prefeitos de polícias, como eram chamados os delegados da época. As companhias de revistas musicadas representaram costumes regionais e começaram a se multiplicar com temáticas críticas e sátiras sociais. Os assuntos que se desenrolaram nas cenas eram, segundo as críticas, idealizados e pode-se constatar, nos jornais de época, que a interpretação dos estudantes de medicina foi considerada brilhante, emprestando toda simpatia desses rapazes que logo conquistaram a plateia e provocaram permanentes risadas.

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No ano seguinte, Tavernard escreve a comédia A Menina dos 20.000, uma parceria com Fernando Castro, representada com sucesso no Teatro Palácio. É uma peça regionalista, dividida em três atos e um epílogo, que os críticos relataram ser um excelente ensaio de carpintaria teatral. Esse texto, por ser diferente, agradou bastante ao público, pois não trouxe o chavão comum às peças regionais: piadas grosseiras ou de situações que vez em quando o teatro local apresentava. Os críticos estavam deveras satisfeitos com a leitura da insinuante comédia, que era sutil e bem trabalhada, levando o público a muitas gargalhadas, sem deixar cair a qualidade do enredo.

Figura 2 - Propaganda do Espetáculo A Menina dos 20.000. Fonte: Folha do Norte, 4 ago. 1931, p.4

Nesse espetáculo, Tavernard mereceu da pena de Dalcídio Jurandir, calorosas crônicas nas colunas do jornal Folha do Norte, em que o saúda, reconhecidamente, como “uma prova alvorescente do Teatro Amazônico”. Também sobre ela se manifesta, positivamente, Waldemar Torres da Costa, no seu artigo Noite de Arte. Musicada por Mendo Luna e com introdução musical de Brito Monteiro, teve como ensaiador e coreógrafo Paulo Castro e, no elenco das senhoras, Georgina Lima e Rosita Fernandes, Manuelita Rodrigues, esta última conhecida estrela do teatro regional, e, entre os amadores, os acadêmicos Raul Valdez, Lobão da Silveira, Garcia Filho e Fernando Castro. Em A Menina dos 20.000, o enredo passa em torno de uma jovem possuidora de vinte mil contos de réis, onde se visualiza similitude com o enredo da peça Viúva Alegre, uma viúva que igualmente possuía uma grande quantia de contos de réis, no

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entanto, a primeira era uma comédia e a segunda uma opereta, retratando os eternos caça-dotes. Em 1931, a apresentação da peça A Casa da Viúva Costa A Casa da Viúva Costa teve a participação de Rosita Fernandes, João Andrade, Carlos Campos, Sandoval Nogueira e Edilberto Dumont, e foi distinguida na época como a melhor peça da quadra nazarena. A seguir, o cartaz alusivo à primeira encenação que traz os poemas românticos Foi boto sinhá!, Matintaperêra, Tem Pena da Nêga, Fim de Carnaval e Romance.

Figura 3 – Propaganda do Espetáculo A Casa da Viúva Costa. Fonte: Folha do Norte, 23 out.1931, p. 4

Os poemas mencionados foram escritos por Tavernard e musicadas por Waldemar Henrique. A parceria foi um sucesso, apesar de os dois nunca terem se encontrado pessoalmente, como relatou Lurdes, irmã do poeta, em entrevista (Apêndice A): “Tavernard e Waldemar Henrique sempre se falavam por telefone ou eram intermediados por amigos em comum”. Lurdes revelou, também, que os compositores se completavam. Tavernard dizia que não havia necessidade de muita explicação, pois Waldemar logo entendia a ideia, fazendo a música exatamente como ele queria. Sebastião Godinho, em O Liberal de 4 de maio de 1986, relata que Tony e Waldemar se conheceram em 1932 por meio do amigo Fernando Castro, a partir da idealização de montarem a peça A Casa da Viúva Costa. Sempre se falavam através

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de bilhetes ou por telefone, conforme já explicou Lurdes Tavernard. Godinho afirma, ainda, que Waldemar disse sobre Tavernard:

Ele me parecia sempre muito animado e contente por tratar diretamente comigo (ao telefone) dos nossos assuntos, de praxe quase sempre confiada à intermediação do Fernando. Porém, não escondíamos ambos, a certeza de que nunca estaríamos juntos apesar dos esforços de alguns amigos que desejavam levar-me ao Rancho Fundo.

Não se pode esquecer que Tavernard representou em muitos trabalhos a Amazônia, poesia singular que não ficou muito longe de Raul Bopp, criador de Cobra Norato. Viveu profundamente seus problemas, mas não os observou subitamente num mundo fantástico. Observa-se justamente o espírito amazônico em sua obra em parceria com Waldemar Henrique, de quem foi letrista. Suas canções se traduzem de imediato na lembrança das lendas, entidades fantásticas e aspectos típicos da região. E foi justamente analisando a predominância do espirito amazônico na obra do poeta que Vicente Salles (1998) vislumbra, com propriedade, a sua afinidade com Waldemar Henrique, em cuja obra musical “[...] há todo um congestionamento de beleza sonora que se traduz de imediato na lembrança de lendas, entidades fantásticas, aspectos típicos da região”. Waldemar Henrique e Tavernard, contemporâneos, quase da mesma idade aproximaram-se atraídos pelo talento, revelando-se mutuamente. A imagem telúrica da poesia de Tavernard foi assim absorvida naturalmente pela música de Waldemar. Tavernard, na revista A Semana de 29 de julho de 1933, escreveu uma crônica com o título Pássaro Desconhecido, em que revela o grau desse companheirismo de parceria e exalta a eminência do compositor, com o testemunho de episódios que assim revelam: “[...] sobre o joelho, improvisando o assobio, ele escreveu a maior parte da partitura de uma peça minha para versos já feitos, sem que eu lhe explicasse como queria, produzindo sempre melhor do que eu desejava”. Cinco produções de versos de Antônio Tavernard, musicados por Waldemar Henrique, foram destinadas ao recital da Noite da Canção Paraense que aconteceu no dia 15 de agosto de 1933 no Palace Teatro: Fim de Carnaval; Romance; canção que não chegou a ser gravada até hoje, mas que foi cantada no Rio de Janeiro por Mara, Silvio Vieira e Silvio Moreaux; Foi Botô Sinhâ! e Tem Pena da Nêga, que é um

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batuque amazônico em louvor a Santa Bárbara, gravadas nos discos Odeon por Gastão Formenti no Rio de Janeiro, em 1934. Foi Boto Sinhâ! foi proclamada por Benjamim Lima no Jornal do Brasil como “Folclore Integral e autêntico, sem favor uma verdadeira obra prima, porque é ao mesmo tempo musical e literário”, e Tem Pena da Nêga, esta cantada por Mara, em 1936, no filme Cidade das Mulheres, de Carmem Santos; Matintaperêra, gravada por Maria Lúcia Goody (O Canto da Amazônia) no Rio de Janeiro, em 1969 e por Maria Helena Coelho Cardoso, em disco DEX, com Waldemar Henrique ao piano. Sua obra ressalta o cotidiano de Belém e a riqueza amazônica, principalmente o que era admirável nas décadas de 20 e 30. Tavernard, ao trabalhar o literário, coloca-se em alguns momentos distante do estético-intelectual que relembra o distanciamento físico ao qual ele estava relegado, devido à doença, como se observa no poema Matintaperêra, onde retrata uma lenda da região Norte. Matintaperêra chegou na clareira e logo silvou... No fundo do quarto Manduca Torquato de medo gelou. Matinta quer fumo quer fumo migado, meloso, melado que dê muito sumo, Torquato não pita, não masca nem cheira,

Matintaperêra vai tê-la bonita... Matintaperêra de tardinha vem buscar O tabaco que ontem à noite eu prometi: Queira Deus ela não venha me agoirar... Ah! Matinta Preta Velha, Mãe Maluca, Pé-de-pato, Queira Deus ela não venha me agoirar...

Matintaperêra chegou na clareira e logo silvou... No fundo do quarto manduca Torquato de medo gelou. Que noite infernal, soaram gemidos, resmungos, bulidos do gênio do mal

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e até de manhã, bem perto da choça a fúnebre troça dum vesgo acauan acauan acauan! (Letra de Tavernard, melodia de Waldemar Henrique)

O texto Matintaperêra foi musicado por Waldemar Henrique e fez parte da encenação de A Casa da Viúva Costa. Tavernard sempre teve contato com a linguagem cênica através de seu pai, que escrevia e montava autos e peças teatrais, como já se relatou anteriormente. Porém, escrever para o teatro nazareno foi uma consequência e necessidade, visto que precisava de dinheiro para seu tratamento. Tony se destacou ao escrever para o teatro, por ser um dos artistas que começa a valorizar e enfatizar a cena amazônica. Vicente Salles (1998), no texto O exilado do Rancho Fundo, afirma que Tavernard “[...] sempre que abordava assuntos amazônicos, conseguia imprimir cenas e aspectos de um Brasil diferente [...]. Tavernard foi um produtor espontâneo da Amazônia” (p. 18). Alguns críticos literários e poetas falam da literatura tavernardiana com uma carga autobiográfica, como definiu Paulo Nunes no artigo A Amazônia do Canta(dor) do Rancho Fundo, onde diz: “[...] A dor na carne enfesta-lhe a alma, influencia o tom queixoso de parte significativa de seus poemas subjetivos”. (1998, p.104). É possível ver claramente ao que se referiu Nunes no poema A Súplica:

Eu não vos peço amor, almas miraculosas Que sabeis esquecer a ofensa recebida, Eu só vos peço a paz às horas tenebrosas Que são cravo da dor na cruz da minha vida...

Já na escrita para o teatro, Tavernard não mergulha na dor, mesmo com todo o sofrimento. O poeta deixa a sua dramaturgia leve, cômica e dinâmica, satirizando a quase todos, além de escrever com graça as situações corriqueiras da sociedade paraense. Seus temas são sempre atuais, falam de amor, malandragem, situação financeira, política e social. Por isso, Paulo Nunes (1998) afirma que esse autor não cabe nos limites de um momento estético somente, e diz: “É simbolista quando opta por um discurso sinestésico; faz-se parnasiano, quando se utiliza de tom cerimonioso e uma métrica conservadora” (p. 102). Assim, pode-se observar uma forma mista. Porém, o fundo amazônico com berço místico aproxima-o dos modernistas da primeira geração, valorizando a terra, o regional e o caboclo da Amazônia.

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O regionalismo se faz mais presente no teatro, onde Tavernard tinha uma dramaturgia própria, jogava com os diálogos com clareza e precisão, utilizava a expressão popular de forma estratégica, conduzindo o fio da meada com muito humor. Segundo Vicente Salles (1998), seu trabalho dramatúrgico se destacou bem acima do nível literário das peças de autores regionais. A Casa da Viúva Costa foi a revista mais montada de Tony. Além da já citada apresentação em 1933, no teatro nazareno, foi remontada em 1953 no Teatro Cassino Atlântico, no Rio de Janeiro, com ligeiras modificações musicais, e orquestra de Radamés Gnattali, direção de Fernando Castro, porém não se tem muita informação sobre esta montagem. Também foi remontada em 1987 pelo Grupo de Teatro da Universidade Federal do Pará, dirigida por Wlad Lima. A peça ficou em cartaz cerca de um ano, sendo apresentada em outros estados, fazendo um grande sucesso no Rio de Janeiro no Teatro Glauber Rocha, onde esteve a convite do Instituto Nacional de Artes Cênicas (INACEN). Em entrevista para o jornal O Liberal de 10 de outubro de 1998, caderno Cartaz, o ator Paulo Santana fez o personagem Vadinho na montagem de 1987, e define A Casa da Viúva Costa como sendo uma comédia de costumes que remonta à história da chegada dos romeiros em Belém. Nessa montagem, o músico Salomão Habib resgatou o trabalho musical de partitura, originalmente elaborado por Waldemar Henrique. Salomão relata, no mesmo jornal, que foi uma responsabilidade enorme, porque o material havia sido perdido e conta que, na época, Waldemar Henrique aprovou com muita satisfação o seu trabalho e ainda acentuou: “Esta obra de Tavernard tem um estilo insinuante e engraçado, com presenças de elementos da época”. Tempos depois, já no século XXI, tem-se a remontagem de A Casa da Viúva Costa, sob a direção de Marluce Oliveira e Paulo Santana, obra analisada nesta Tese.

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Na dramaturgia de Tavernard há sempre um convite para a alegria, e um contraponto entre a vida e a dor. Sua obra é um campo aberto às possibilidades do momento presente, uma reflexão sobre a linguagem do povo, as expressões paraenses, a linguagem de uma época e, precisamente, de uma sociedade.

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Tavernard traz em sua obra a liberdade do adolescente, a alegria da juventude, a sátira e a irreverência nas críticas sociais, como afirma Benilton Cruz (1998) em seu artigo publicado em Asas das Palavras:

Tavernard trouxe a inovação de Verlaine e de Cruz e Souza, trouxe um lugar para a sua própria poesia existir, ali, quando a cidade de Belém do Grão Pará recebia os últimos influxos da cultura francesa, marca da Belle Époque e pelos laivos crepusculares de um tímido Simbolismo, aquele que Octavio Paz chamará de o apogeu de uma tradição poética que se iniciou com os grandes românticos. (p.108).

Tavernard, poeta ora romântico ora simbolista, dramaturgo cômico que satiriza o aqui e agora, aproveita a dor para transformar em riso e jamais cair na piedade. Proporcionou e deixou a comédia de costumes para o paraense se divertir nas tardes de domingo no Teatro de Nazaré. Transmitiu a vida da cidade através das páginas das suas revistas. Deixou seus versos amazônicos e universais para a posteridade, ultrapassando os próprios limites do corpo, foi vencido por outro limite, o da sensibilidade. Não tendo mais freios, era ilimitado, recriando a própria musicalidade das palavras, pintou céus que só existiam nos mais longínquos mundos poéticos e deu vida às histórias da região, fazendo ressurgirem as lendas e os monstros amazônicos. Observa-se, em Tavernard, um caráter autobiográfico nos poemas de Místicos e Bárbaros e na narrativa Fêmea, pois aborda certos assuntos, como a recusa ao amor carnal, a supervalorização do amor materno, a dor, a tristeza e o desespero, o que não acontece no seu teatro. A exemplo, o poema Lacrimário (do diário de um tísico) Quando eu era criança... (Parece incrível que eu já tenha sido Criança como parece incrível a tormenta que já fora bonança). Quando eu era criança, e tinha febre leve ou violenta, e o doutor vinha, grave majestoso, mamãe dizia: – “Se o filhinho, tomar o seu remédio direitinho, papai comprar-lhe-á um brinquedo mimoso e mamãe há de dar-lhe um beijinho gostoso!”

Mamãe dizia... E os líquidos amargos, forçando o meu desejo eu depressa bebia... Por causa do brinquedo, e pelo beijo...

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Também parece um sonho, um sonho lindo, que pai e mãe eu haja possuído... Pena é que o sonho tenha terminado, e que agora eu passe as noites acordado escrevendo e tossindo!

Estou muito doente. Os médicos vieram Sacudiram a cabeça, receitaram, E se foram depois... e não voltaram... Mas bebi tudo que me deram, E, se é demais a dor que às vezes vem O peito me rasgar, choro baixinho... Não vá meu choro incomodar alguém!

A dar-me água quando estou com sede, Mamãe já não está Junto de mim, a balançar-me a rede Pra lá, pra cá... Abençoo, contudo, este abandono, Esta vida infeliz de cão sem dono, Porque, se aqui estivesse, Mamãe de dor se tornaria louca,

Se ao menos percebesse O lenço rubro, com que enxugo a boca Que todos temem, que ninguém mais quer e que ela seria a única mulher que para ungir, para suavizar, talvez tivesse –sim teria!- coragem de beijar... (E o poeta morreu. Morreu sozinho, rosa sem haste, pássaro sem ninho. E, morto, ele sorria, como, quando, Ia, criança, as pálpebras cerrando No colo maternal). (TAVERNARD, 1986, p.101).

Nos versos acima, nota-se a importância que o poeta dá à mãe, companheira das horas difíceis e única referência de amor de mulher, já que o poeta não teve nem tempo suficientes para conhecer os carinhos sensuais femininos. Em sua obra, de maneira geral, há certo requinte de crueldade e riqueza de detalhes com que ele faz o leitor tomar conhecimento da vingança de alguns personagens seus. Há mesmo uma espécie de prazer sádico em narrar meticulosamente toda a tirania das situações, como no poema Marcado pela Dor. Um ser que já nasceu predestinado para encontrar a Dor no seu caminho; Que passou pela vida tão sozinho, Chorando sempre e sempre torturado; Num silencio de angústias sufocado, Tendo no coração acúleo espinho,

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Sem nunca se vingar - cardo maninho! - Pelo sol das desgraças causticado; Esse que passa e que nos sonhos leva Tanta luz a brilhar e tanta treva Como noite mais hórrida de breu ... Esse ser, essa sombra, essa saudade, Dicionário que exclue : "Felicidade!" - Sou eu, sou eu, unicamente eu. (TAVERNARD, 1986, p.75).

No teatro, essa crueldade é pontuada pelo tempo de comédia, a exemplo de vingança feita pelo personagem Cócó, de A Casa da Viúva Costa, que arma uma falseta no final, tortura e amedronta o Coronel e a Viúva de maneira cômica e irônica, conduzindo a situação toda a seu favor, e acaba se dando bem, casando com a filha do rico coronel. Exilado por imposições do destino, o poeta nunca se deixou abater: com muita alegria nasceu em frente ao mar, e da alegria louca veio a tristeza e a revolta diante do próprio Deus, mas a revolta não foi contida de toda, explodiu em versos, contos e narrativas, pedaços de vida que ele não via, mas que pulsavam inquietamente dentro de si. Tony existiu dentro de sua amarga vida para alegrar outras.

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5 A CASA DA VIÚVA COSTA

A Casa da Viúva Costa, comédia-revista dividida em um prólogo24 e três atos, sem divisão de quadros, satiriza a sociedade paraense, com situações hilariantes de duplo sentido, os quiproquós25, e com frases de efeito tão a gosto do brasileiro. A obra é uma revista de costumes sutil e maliciosa, cuja ação se passa em Belém, numa casa de pensão administrada pelo personagem viúva, elemento presente no título, que mantém um romance com um pensionista. Além da dona da pensão, compõem a revista: a empregada sestrosa, cortejada pelo padeiro português; Cócó, o faz tudo da casa; o coronel matuto que vem à cidade à procura de diversão, entre outros personagens. As características específicas do teatro paraense tornam-se muito atraentes e cativantes no espetáculo A Casa da Viúva Costa, por serem próximas da realidade, tanto de quem o faz quanto de quem o assiste. O enredo fala do caboclo ingênuo e traz a malandragem. Glosa os notáveis da época, provocando situações hilariantes de fácil agrado do público. A pesquisa analisa a montagem realizada no século XXI - que será apresentada mais à frente -, um estudo de caso, atual e atuante, no qual o espetáculo é observado in loco, desde os ensaios, o que facilita a observação dos elementos cênicos. Existiram outras montagens no século passado, encontradas nos registros dos jornais de época. A primeira montagem da peça aconteceu em Belém do Pará, no Teatro Moderno, na Praça Justo Chermont, durante a temporada Nazarena, em 17 de outubro de 1931. Na época, Belém desenvolvia um teatro do povo no arraial de Nazaré, já explicado no capitulo 3 desta Tese. A Casa da Viúva Costa, foi montada da década de 1980 sob a direção de Wlad Lima, com co-participação de músicos da Fundação Carlos Gomes e da Fundação Tancredo Neves. Remontada também no mês do Círio de Nazaré, retoma a tradição dos Teatros de Nazaré, onde, na quinzena festiva, eram apresentados espetáculos de revista e comédia. Interessava à Fundação Tancredo Neves resgatar

24 Elemento imprescindível no teatro de revista, que precede o texto. Veneziano (1991) afirma que não há como se fazer uma revista sem o prólogo. 25 Do latim qui pro quo. É o equívoco cômico que leva a “tomar uma coisa por outra” confundindo personagens ou situações. Ele é um dos casos da “inferência de séries” de que fala Bergson (1980), mas, raramente, esse equívoco pode ser trágico.

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o teatro de revista nos cineteatros de Nazaré, porém os antigos prédios que abrigavam esse tipo de atividade foram sendo demolidos ou modernizados para atenderem às necessidades dos novos tempos, ou seja, a ideia de ressuscitar o teatro de revista, aos poucos, foi se perdendo juntamente com a falta de estrutura física para tal evento. A montagem da década de 80, precisamente 56 anos depois da primeira, veio a palco em comemoração aos 25 anos da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará - UFPA e foi sucesso de público. A diretora Wlad Lima diz, no folder (ver Anexos) do espetáculo: “Propusemo-nos tirar do esquecimento um tipo de teatro belenense e popular, que infelizmente não se realiza mais durante a festa de Nazaré”. Fizeram parte do elenco treze atores: o ator Mario Filé, personagem Noé e Vagabundo; Salvador Júnior, Cham; Denise Bandeira, Zefinha e Maria Portuguesa; Paulo Pinto, Padeiro e Menino Bábá; Marlúcio Mareco, Cócó; Margareth Refkalefski, Viúva Costa; Paulo Santana, Dr. Vadinho; Zé Charone, Didi, Gomes Lima, Coronel; Olinda Charone, Tudinha e Lulú; Geysa Pimentel, Maria Laura e Cocote; Marta Monteiro, Cocote; e Yeyé Porto, Cocote. A direção musical foi de Ferrari Junior, os músicos eram: Ferrari Jr, ao piano; Salomão Habib, violão; Maurício no baixo acústico; Rosangela Costa, flauta; Eliel Franco, flauta e Rui Paiva na bateria e percussão. As composições tinham letra de Antônio Tavernard e melodias de Salomão Habib e Waldemar Henrique. Na ficha técnica tem-se: cenografia, Fernando Pessoa; confecção de cenário, Paulo Ozela e equipe; figurino, Augusto Rodrigues e Maria Sylvia Nunes; iluminação, Chacon e Márcia Oliveira; cenotécnicos, Paulo Andrade e Manoel Cardoso; sonoplastia, Geraldo Sena; contra-regras Yeyé Porto, Paulo Porto e Paulo Ozela; maquinistas, João da Mata, Kleber Cordeiro e cenografia e gestual, Augusto Rodrigues. O grupo da Escola de Teatro levou o espetáculo para a XIII Mostra de Teatro Amador, que aconteceu na cidade de São Luís do Maranhão. Depois, no ano seguinte, foi encenada no Rio de Janeiro, sendo mais uma vez aplaudida pelo público, ficando mais tempo em cartaz do que a primeira montagem. As críticas políticas e as sátiras de costume presentes em A Casa da Viúva Costa são amáveis, mas, nem por isso, menos irreverentes, visto que a obra aborda

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a prostituição e ressalta o sexo escondido, proibido, camuflado; as personagens vivem de aparência. Na peça de Tavernard é possível observar os tempos áureos da década de 30 na decoração, nos móveis, na coreografia, no gestual e o cenário, que reconstitui, com fidelidade, a paisagem da Belém do início do século. Hoje, em pleno século XXI, em comemoração aos cinquenta anos da Escola de Teatro e Dança da UFPA, tem-se uma nova montagem de A Casa da Viúva Costa, com a participação de dois elencos, cuja ficha técnica encontra-se nos Anexos. A relação existente entre as montagens anteriores e a atual é o texto original. O enredo condutor procurou ser fiel ao texto em cada montagem, porém na primeira existiram as canções e partituras originais de Waldemar Henrique, já nas demais houve adaptação das partituras, sendo que na montagem em análise não se tem a interpretação de Foi Boto Sinhá! e Matintaperêra. Importante esclarecer que neste estudo foi feita uma análise da montagem de 2011/12, observando os elementos cênicos, identificando as características do gênero revisteiro e a sua evolução, além das mudanças de época. Para desenvolver a análise em tese, opta-se por fazer uma leitura descritiva do espetáculo, especificamente os conteúdos encontrados nos elementos cênicos, representados através dos personagens, das cenas, do cenário, do vestuário, da fala, dos acessórios, da iluminação, etc. Busca-se localizar as características do teatro de revista e identificar na história o que compõe a revista paraense.

5.1 ENCENAÇÃO DE 2011

A produção de 2011 de A Casa da Viúva Costa, foi feita pela primeira turma do curso técnico de formação de atores da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA) como trabalho de conclusão da disciplina Montagem Cênica. Por que a escolha desse texto de Tavernard? Primeiro por se tratar de um texto de autor paraense, depois pelo resgate da história do teatro no Pará, principalmente do gênero teatro de revista, já em desuso, mas que era importante aos alunos vivenciarem. A ideia de fazer tal montagem, segundo relato (Apêndice B) de um dos diretores da peça, Paulo Santana, começou quando os alunos da ETDUFPA tiveram

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uma disciplina de canto, antes da disciplina de montagem, então, os professores perceberam que os alunos se destacaram no canto, e logo veio a proposta de um gênero musicado. Assim, pensaram na peça A Casa da Viúva Costa. A partir das entrevistas (Apêndice B) feitas com os diretores da já referida montagem, observou-se que eles acreditaram na necessidade dos alunos de uma dramaturgia que envolvesse o canto, a dança e a interpretação, uma vez que se trata de uma escola de formação de ator, logo, pensaram no teatro de revista e no espetáculo que já fora montado. Por que não repeti-lo, visto que muitos dos atores que atuaram na montagem de 1985, hoje são professores da ETDFUPA e fazem a história do teatro paraense? A ideia dessa montagem foi um desafio para os envolvidos, como afirmou em entrevista (Apêndice B) a diretora Marluce Oliveira: “É um desafio e um prazer, dirigir e montar A Casa da Viúva Costa, uma vez que a versão anterior foi dirigida pela hoje consagrada diretora e professora de teatro Wlad Lima”. Observou-se, com o elenco da atual montagem, que o trabalho para os jovens atores, além de ter sido uma grande responsabilidade, foi prazeroso, pois encenar o que eles chamaram de um “teatro completo” - o gênero da revista, uma comédia com muita música, dança, interpretação e construção de época -, foi um excelente laboratório, onde cada ator envolvido pesquisou seu personagem, retratando a realidade dos anos trinta. Por exemplo, a atriz Rousarea Nascimento, para interpretar a Maria Portuguesa, foi buscar as típicas portuguesas da região do Minho, desde o traje típico à fala e os trejeitos. O ator Rogério Jacenar, para fazer o Cócó, buscou inspiração no ator Matheus Nachtergaele, artista consagrado, assim como Cecílio Leitão e Cleber Cajun, que para desenvolverem o Vadinho, observaram malandros de filmes brasileiros e da televisão, como o Augustinho Carrara de A Grande Família. Verificou-se que, nessa montagem, os atores eram iniciantes, diferente da versão de 1985, na qual a maioria do elenco já tinha experiência. O cenário da montagem de 2011 foi mais elaborado, tendo mais recursos e mecanismos disponíveis, até pela própria evolução do tempo, com novas tecnologias, possibilitando facilidade na troca, o que não ocorreu nas outras montagens. Nessa última versão verificou-se que houve um estudo de detalhes de época, uma pesquisa histórica, preocupação com cada objeto cênico, além da pesquisa de construção de personagens, havendo laboratório de cada personagem, observando

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pessoas nas ruas, costumes, jeitos e o comportamento de época da sociedade paraense. A parte musical desse espetáculo, tanto ou mais que os outros elementos desse gênero revisteiro, foi composta tipicamente para a peça. Músicas que apresentavam, muitas vezes, os personagens, como na chegada da família do coronel: Coro- No redondel, guapo e faceto eis o terceto do coronel (bis) Possidônia- Coronel seja bem vindo à esta casa, de pensão, recebemo-lo sorrindo, lábio, alma e coração. Coronel- Obrigada minha gente que favores fico cheio, mas também fico contente, por entrar no vosso meio. Vadinho- Salve seja Coronel! Coronel- Salve seja sim senhor Vadinho- Oswaldo Pinto Souzel, todo inteiro ao seu dispor Possidônia- Possidônia Rego Costa, para os íntimos Possi Didi- Diva Rego, mas só gosto que me tratem por Didi!... Coronel- Moço, Dona, Senhorita eis, em troca, minha graça João Pires Jeribita indústria da cachaça. Coro- No redondel, guapo e faceto eis o terceto do coronel (bis). (Fala musicada para a chegada do Coronel. Letra de Tavernard, melodia de Waldemar Henrique).

Ou na apresentação das fructas:

Fructas- Frutas com “C”, ou sem ele, Frutas de pelo, ou de pele, de casca grossa ou carcaça, tudo se encontra na praça, basta apenas se escolher, mas um aviso é bom dar-se: corre o risco de engasgar- se, quem destas frutas comer... Coro- Portanto, quem delas come, seja velho ou seja moço, muito cuidado tome, com os perigos do caroço... (Fala musicada para as fructas. Letra de Tavernard, melodia de Waldemar Henrique).

Nessa montagem de 2011 as canções foram acompanhadas por um teclado, com arranjo de Isaque Passos e direção musical de Lúcia Uchôa, diferente da primeira montagem da ETDUFPA em 1985, havia o piano, com Ferreira Junior; violão, com Salomão Habib; baixo acústico, com Maúricio; flautas com Rosângela Costa e Eliel Franco, além da bateria e percussão com Rui Paiva, direção musical de Ferreira Junior. As músicas do espetáculo de revista eram sempre para complementar o enredo, apresentando personagens, ou fazendo críticas de costumes da época como dramas privados e grandes eventos históricos. Nessa última montagem de 2011, não foram trabalhadas as músicas Matintaperêra e Foi Boto Sinhá!, talvez pelo fato de a versão mais contemporânea não fazer, como as anteriores, tanta referência às crenças e lendas amazônicas,

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hoje tão afastadas da sociedade. Nesse espetáculo, o foco ficou direcionado para as transformações socioculturais, pelas quais passavam os centros urbanos. Assim, nessa versão observou-se mais a cidade, as ruas do grande centro e não o interior do Estado, que se fez presente apenas nas ações da família do coronel que chega trazendo gaiola com rolinha, mas, gradativamente, no espetáculo, vai se adaptando à cidade e transformando o jeito caipira e tímido em libertinagem e ousadia. A montagem de um gênero que não era mais executado possibilitou aos jovens alunos da ETDUFPA um mergulho na dramaturgia cênica musicada do Pará do século passado. Os atores, por meio de pesquisas, revisitaram a moda, o jeito, os costumes do paraense dos anos 30 e puderam se encantar com as palavras e o modo de falar peculiar ao povo que compõe o estado do Pará. A montagem de A Casa da Viúva Costa foi um passeio pelo passado e pelo texto do gênero revisteiro paraense e, acima de tudo, um encontro com a dramaturgia de Antônio Tavernard.

5.1.1 Estrutura A Casa da Viúva Costa, montagem de 2011/2012, dirigida por Marluce Oliveira e Paulo Santana, possuia a mesma estrutura que as montagens anteriores. Não houve muitas mudanças, uma vez que a proposta da direção era manter a versão original, buscando reviver a década de 30 com todo charme e elegância que Belém viveu como uma “Paris tropical”, com seus espetáculos revisteiros. Todas as montagens trouxeram, no primeiro ato, o cenário - uma sala estilo colonial, sala da pensão modesta da Viúva Costa, com os móveis de época; no segundo ato, há mudança de cenário, sai a pensão e tudo se transforma em ruas do centro de Belém, com fachadas dos casarões e as cenas que se passavam em frente à Casa das Fructas, as cocotes da revista - meninas de programa da época - na hora de maior movimento no bairro do comércio, com transeuntes passando e, no terceiro ato, o cenário volta à sala de pensão onde finaliza a peça com todos os atores cantando e dançando a mesma cena que iniciou o primeiro ato. É a apoteose, com toda a companhia no palco, como se costumava assistir no teatro nazareno. A Casa da Viúva Costa tem uma estrutura diferente da revista de ano, pois é uma peça criada já na década de 1930, em que o gênero havia passado por uma evolução. O compromisso com um fio condutor nas revistas já havia sido abandonado, assim como o desaparecimento do compère e da commère. A

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presença do personagem Cócó, que lembra um compère, não chega a exercer a sua função propriamente. O espetáculo oportuniza ao público observar um eterno bailar de máscaras cômicas, de musical colorido, em uma época de brilhos e cantos, com belas mulheres, as vedetes. Nos bailados, em que os atores se transportam para o século vinte, exalta os comportamentos brasileiros, as mulheres, o “bobo caipira”, a luta social de forma hilariante e gostosa de ver. O espetáculo inicia com um prólogo que se passa na arca de Noé. Nele se enfatiza o enredo da traição que é finalizado por uma célebre frase: “Você pensa que aqui é a casa da Viúva Costa?”.

5.1.2 Enredo Como já foi descrito, A Casa da Viúva Costa acontece na pensão de dona Possidônia Rego da Costa, uma viúva alegre e fogosa, que abriga em sua casa vários personagens, desde o mordomo engraçado e sorrateiro até o belo e ambicioso estudante de medicina, além, é claro, a família de caboclos, caipiras que vêm do interior do Estado. A nova montagem utiliza o mesmo formato de teatro revista, dividido em um prólogo e três atos, pois como antes explicado, a direção do espetáculo procurou não fazer adaptações que mudassem a estrutura da primeira montagem da peça, tentando ser ainda mais fiel à época de trinta. Essa montagem utilizou de expressões de época nada comuns à atualidade, causando curiosidade e muito riso. O enredo tem um tempo de comédia exato, cujo duplo sentido proporciona movimentação à cena. O texto é vivo, ágil, cheio de sensualidade, representativo de uma época em que Belém viveu um período de grande efervescência cultural, com inúmeras casas de diversão, já citadas no terceiro capitulo dessa Tese, como o Café Chic, Café da Paz, Café Madri, Café Riche, considerados os principais centros de encontro da elite intelectual da sociedade paraense. Como exemplo do duplo sentido malicioso, sensual, encontrado no texto, o diálogo: Bábá – Papai, papai, eu queria ir lá dentro... Coronel – Fazer o que, menino? Bábá – Pendurar a minha rolinha. Está tão desassossegada!.. (TAVERNARD,[1958]26, p.20).

26 Data aproximada da recuperação do original de 1931. Texto, na íntegra, nos Anexos desta Tese.

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No diálogo seguinte, tem-se exemplo da malícia no texto do Tavernard representada nas falas do empregado Cócó, que sabe tudo, e do falso moralismo na atitude hipócrita do coronel com a dona da pensão: Coronel – Pois, sim, senhora! Estou vendo que as informações foram exatas. Casa grande e confortável, gente direita e delicada... Dona – Favores do coronel... Coronel – avalio o trabalhão que a senhora não tem para trazer isto assim. Dona – nem queira saber... A minha vida é agora uma labuta infernal, quase um martírio. Cócó – É sim, é! Coitada da D. Possidônia na idade dela e ainda na ativa (aparte) O Dr. Vadinho que o diga. Dona – Antigamente quando meu marido era vivo, outros galos me cantavam. Cócó (aparte) – Hoje, é exatamente o contrário ela é quem canta os granizes. Coronel – Coisas da vida, minha senhora, coisa da vida. Dona – Ai! O tempo em que não me faltava o “seu” Costa... Coronel – Eu bem que sei quanto custa ficar viúvo, eu bem que sei. Antes uma boa morte. Enviuvar é o mesmo que perder a mão direita é ficar reduzido à canhota... Dona – Isso tudo e muitas coisas mais eu senti quando perdi o “seu” Costa. (TAVERNARD, [1958] , p. 20-21.).

A Casa da Viúva Costa tem um enredo contínuo, uma história com tempo na maioria cronológico e o lugar funciona como pano de fundo, complementando a ação. O enredo apresenta uma dramaturgia aberta, desejando que o espectador seja um juiz. Assim como o efeito de “distanciamento” criado por Brecht (1987): trata-se do termo que designa a distância da consciência de si próprio e a consciência intencional que cria a personagem. Isso exclui a identificação quase mágica dos espectadores com o que está sendo mostrado no palco, despertando, assim, uma atitude crítica do espectador, levando-o a participar intelectualmente do que vê. Não por acaso, Brecht (1987) escolhia geralmente a comédia para tratar as questões que apareciam em suas obras. A associação é clara: a comicidade tem a indiferença do seu meio natural. O ator sai do personagem e expõe suas opiniões, como faz o ator que interpreta o Cócó, que revela uma consciência crítica ao espectador, rompe a suficiência da dramaturgia fechada, instiga o público a ter reflexões e a tomar decisões dentro de um contexto ético-social, como no diálogo a seguir:

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CÓCÓ (espanando os móveis e falando com a plateia) – As mulheres falam de casamento com a mesma naturalidade como que os garotos falam de cerol. Nunca vi gente mais corajosa. Mas corajosa ou mais maluca. Questão de adjetivos... Mas comigo não violão!... Estou na flor da idade ou na idade que se dá a flor. Nem penso em suicídio. Casar... Ora casar...Casar é adquirir o direito de ser besta ou coisa muito pior. É o mesmo que gastar 3$100 na entrada de um baile público, e ficar no corredor conversando com o porteiro. Não, decididamente nunca me casarei. Solteiro, dou-me muito bem. Resumo-me em mim mesmo. Suficiento-me. Eu me basto, isto é, eu e as outras avulsas... (TAVERNARD, [1958], p. 54).

Para tal, o ator desprende-se da ação dramática, dirige-se ao público e comenta a situação social do próprio público, mas nem por isso, pode-se dizer que não ocorre a catarse. Isso é explicado por Mendes (1995, p.44) quando enfatiza: “ O autor compõe o texto e nele se entrelaça. O leitor/espectador dissipa o texto e nele desaparece, pois o processo catártico parte da emoção e a ela retorna, mas nesse percurso mobiliza todo o universo do sujeito”. O efeito potencial da catarse não é um fenômeno puramente emocional nem só uma aprendizagem lógica, mas integra os dois processos, pois permite uma vivência e uma distância, utilizando o real e o irreal da ficção, simultaneamente. Como explica Mendes (1995), a catarse é dinâmica e não se limita a uma única forma de drama. Deve ser entendida tanto como uma resposta ao desejo de encenar as ações humanas, quanto a contar a sua própria história. No Teatro de Revista, o riso, muitas vezes, é contagioso, desencadeado de maneira coletiva, principalmente nas piadas contadas pelo comperè, em que basta uma pessoa começar a rir, para que um grande número da plateia comece a ser contagiado. Isso lembra o terceiro caminho apontado por Bergson (1987) para extrair o riso, que seria o da “cumplicidade”, existindo, neste momento, uma comunhão de valores sociais. Essa cumplicidade pode ser também observada na revista paraense, quando envolve a cena amazônica, de fácil identificação tanto por aqueles que fazem parte desse contexto cultural quanto por aqueles oriundos de outras regiões, pois retrata um teatro popular de valores comuns e familiares, que leva a plateia ao riso coletivo. É importante lembrar que o Teatro de Revista foi vivo, atuante, amado e apoiado pelo público e por seus atores (VENEZIANO,1991). Conforme já explicado no segundo capitulo, o teatro revisteiro nasceu nas feiras parisienses, onde o público era heterogêneo e disperso, sendo necessário criar formas de prender a atenção

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desse público e que agradasse a uma maioria. Mas, como agradar e seduzir esses espectadores? Então, a saída era desenvolver estratégias que atraísse o público, e não exatamente a ilusão, mas a cumplicidade, falando diretamente à plateia, utilizando a cena frontal, sem a quarta parede. Tem-se um teatro que enfatiza a relação palco-plateia, espaço para improvisação, que é a fonte irrigadora do corpo na atuação teatral. Assim, o ator contava com o improviso, o jogo cênico, a ação, e a sua capacidade de lidar com o “aqui e agora”. O jogo cômico desenvolvido pelos atores atraía e agradava ao público por trazer, sempre, temas atuais e próximos à realidade do espectador. No cômico, o corpo se faz presente, tem movimento, ações e peso; os defeitos, por mais leves que sejam, fazem rir, pois todo o desvio é cômico e, se este for acentuado, mais sutil ficará a comédia. Na revista paraense, os personagens utilizam de muitos desvios, havendo um jogo de trapaças e brigas. O ridículo se expõe para provocar o riso. Vale frisar que na época da primeira montagem de A Casa da Viúva Costa a sociedade belenense vivia a Belle Époque, logo era comum encontrar pessoas falando fluentemente a língua francesa, algumas com um sotaque carregado do linguajar caboclo, o que acabava por se tornar mais cômico, por mais trágicas que fossem as situações vivenciadas no palco. Nota-se também que o efeito cômico é intraduzível de uma língua para outra. Ao contar uma piada, a substituição de algumas palavras faz perder a graça, quebra o tempo e perde a comicidade. As frases espirituosas estão presentes em quase todo o espetáculo A Casa da Viúva Costa, muitas vezes com duplo sentido, como na fala da francesa, quando se dirige a Vadinho. MARIA LAURA – Então, Vadinho? Sei que vou ter hoje as minhas perolas prometidas... VADINHO – Desgraçado de mim!...DEUS me fez pobre...Pobre sim!...Pobre de dinheiro...O destino não me foi propicio...Fez-me indigente da la plata, mas milionário de ternuras...Sou um Himalaia de afeições imprevistas e veneradas...Sou um Niágara de amor...Eu te amo Maria Laura...Que a pureza do nosso affecto não seja maculada pela ideia imunda do vil metal!... MARIA LAURA – Não creio! Todos os homens me falam assim... VADINHO – Ora, filha!...Mas eu não sou todos os homens...Eu...sou...eu sou...Eu te amo, Maria Laura!... MARIA LAURA – Obrigada! Obrigada, Vadinho! As tuas palavras valem mais que as perolas...Adeus!(Vae sahir, quando Vadinho a detêm) VADINHO – Maria Laura!...(fingindo embaraço)Eu...eu... MARIA LAURA – Fala, Vadinho!

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(Vadinho sussurra-lhe qualquer cousa ao ouvido, ella tem a princípio, um gesto de repulsa, mas logo, como que contendo-se, abre a bolsa, olha-o por momento entrega-lhe por fim algumas cédulas e sae). Vadinho – Obrigada, obrigada meu amor Deus lhe dê o... o tesouro estadual! MARIA LAURA – salaud honte que vous aimez tant (sai). (TAVERNARD, [1958], p.41).

O que está em jogo no trágico ou no cômico, segundo Mendes (1995, p.47), “[...] é o que toca ao mundo da plateia, e apenas por consequência a situação das personagens em cena. Só nos interessamos por aquilo que pertence ao repertório da nossa vivência, real ou imaginária, o que nos espelha”. Esse repertório se faz presente no espetáculo analisado, uma vez que é um espetáculo regional com cenas bem próximas do cotidiano da maioria que a ele assiste, sendo este um forte elemento de atração do espetáculo para com o público que ia para se divertir no largo de Nazaré. Como exemplo, citam-se os “causos” verídicos contados pela Viúva Costa ou por Cócó, que brincam e improvisam com nomes famosos da sociedade paraense, ou pessoas conhecidas em Belém que estejam na plateia, provocando no público um grande prazer ao ver as pessoas renomadas e conhecidas da cidade expostas ao ridículo. Com isso, a comédia desperta o sentimento de vitória no espectador em relação à obra. Sua concepção básica, como afirma Palmer (apud ARÊS, 1990, p.17): “[...] a comédia exterioriza um sentimento de vitória sobre qualquer obstáculo ao bem humano e social, as diferentes teorias não são mais que variações dessa verdade fundamental”. Também se destaca, durante a trama, a presença dos caboclos, matutos vindos do interior do estado, representados pela família do Coronel, que chegam a Belém e se hospedam na pensão da Viúva Costa e ficam admirados com a grandeza da cidade. Vale ressaltar que esses tipos matutos foram muito trabalhados nas revistas de Arthur de Azevedo.

5.1.3 Cenário O espaço cênico utilizado em A Casa da Viúva Costa é o palco italiano, caixa preta, onde os atores representação, quase sempre, dispostos em semicírculo, utilizando o proscênio, destacando-se para a plateia sempre que vão falar, havendo

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assim uma constante troca de lugares entre os atores, que mudam de foco conforme a fala de cada um.

Figura 4 – Cenário do primeiro ato. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

No prólogo, o cenário é imaginário em alto mar, sugerido pelo movimento e balanço constante no corpo dos personagens em cena, enquanto o barulho de mar é um efeito da sonoplastia. Esta cena é realizada pelos personagens Noé e Cham que destacam as peripécias do personagem Bode, além de trabalharem o tema da traição.

Figura 5 – Cena do prólogo de Noé com Cham, apresentada no proscênio do palco. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

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O cenário por trás do foco de luz, na cena de Noé, fica todo no escuro até ele pergunta a celebre frase: “Vocês pensam que aqui é a Casa da Viúva Costa?”, então, a luz acende e todo o elenco aparece, como é de praxe no teatro de revista. No primeiro ato, tem-se o desfile da companhia cantando e dançando A Casa da Viúva Costa:

Na casa da Viúva Costa, quem não gosta de viver. Existe ali amenidade e a liberdade do prazer De manhã, café com pão, muito leite já se vê O almoço, ao meio dia, feito ao gosto de você A merenda delícia, no abade mais glutão O jantar é de chupeta e a noite, pra distrair Até a hora de dormir, um gordo quino maneta. (Tavernard/Waldemar Henrique)

Figura 6 – Início do espetáculo com o elenco cantando A Casa da Viúva Costa. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

Nesse espetáculo, o tempo é, na maioria das vezes, cronológico, com exceção das cenas do prólogo de Noé e a do Louco de Amor (mendigo), que transcorrem num tempo mítico, em que os acontecimentos partem de lembranças, dos delírios e devaneios, com elementos pertencentes ao imaginário da comunidade. Neste tipo de cena, ocorre uma presentificação, pois não existe passado e nem futuro para essas referências culturais. No primeiro ato o cenário é composto de sala, várias portas de entrada e saída, indicando os quartos e os outros cômodos da pensão, traçando um desenho em que as perspectivas e profundidade se criam pela ilusão. Esse ato inicia com a personagem Zephinha, que sonhava acordada, sendo despertada pelo senhor Manoel, que bate à porta de entrada, depois vem Cócó, que dramatiza com

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Zephinha, cantando e dançando. Em seguida, entra dona Possidônia que exige dos criados (Zephinha e Cócó) tudo muito bem limpo e arrumado, para a chegada do Coronel com a família, que vem do interior do Estado, município de Gurupá. Tem ainda a cena do Vadinho, que é acordado por Cócó, e Didi. O núcleo da família do coronel é bem marcado por elementos culturais, que refletem o típico caboclo da Amazônia no modo de andar, vestir e falar, havendo muitas situações hilariantes, conforme se observará mais à frente. O primeiro ato é encerrado com um número de canto e dança, onde todo o elenco volta ao palco, posicionando-se precisamente no proscênio, dançando, tal qual o número da cortina, que antes era utilizado no teatro de revista para ocupar a atenção da plateia. Assim, nesse instante, o outro elenco faz a movimentação de mudança de cenário, que consiste em virar a fachada da pensão, que logo se transforma em ruas, com “pharmácia”, padaria, e a famosa Casa das Fructas, que era uma espécie de casa de prostituição, com as mulheres expostas às portas e janelas. Vale ressaltar que essa troca de cenário é um espetáculo à parte, um mecanismo de solução prática e rápida, que enriquece a cena.

Figura 7 – Mudança de cenário para o segundo ato. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

Dá-se início ao segundo ato com Cócó e o Coronel passeando pela rua e cumprimentando algumas mulheres da Casa das Fructas. Nesse mesmo instante há uma movimentação com a entrada dos figurantes (transeuntes): quatro casais, andando pelas ruas do centro. Em destaque, no cenário tem-se a Casa das Fructas,

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com muitas mulheres na porta e nas janelas, sorrindo e convidando a todos para entrarem na casa.

Figura 8 – Início do segundo ato: Coronel e Cócó cumprimentando as moças (cocotes) da Casa das Fructas. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

Ainda neste ato tem-se em cena o vagabundo Louco de Amor, sentado no chão, próximo à entrada da padaria; a Maria Portuguesa, rapariga da região do Minho; Lulu, cocote elegante e desenvolta, francesa; Maria Laura, cocote também elegante, porém espanhola; Cócó, Coronel, Vadinho, Possidônia, Didi, Bábá.

Figura 9 – Cenário do segundo ato. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

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O espetáculo é finalizado no terceiro ato, de volta à sala da pensão, com todos os personagens em cena, havendo a apoteose, com os atores cantando e dançando a mesma música que iniciou o primeiro ato, dando a ideia de ciclo contínuo. É Importante observar que este espetáculo reforça os cenários pintados do teatro de revista. Na época do teatro de revista, décadas de 20 e 30, o cenário era uma arte utilitária de mera ambientação, bidimensional, telões pintados, cujo objetivo era indicar a localização e viabilizar o reconhecimento do lugar da ação. Trabalhavam a sensação de profundidade e volume através da perspectiva, como é possível ver no cenário de A Casa da Viúva Costa. Diferente da cenografia contemporânea, como afirma Pavis (1998) quando fala do espaço em cena tridimensional, em que o cenógrafo concebe uma escrita própria que completa a cena, deixando de ser um cenário meramente serviçal e utilitário. Porém, poucas são as pesquisas e as referências disponíveis sobre o cenário revisteiro, como afirma Tania Brandão (2004), em que se pode observar a evolução do trabalho de cenografia. O cenógrafo é um artista dessa época, um criador cuja história é recente, um profissional capaz de conceber uma escritura original e de transformar com radicalidade o espaço de cada espetáculo. A sua arte não está mais encerrada na caixa de palco. Ela é formulada a partir de algumas coordenadas básicas – desde o palco que será usado, seus recursos e configurações, como a relação palco-plateia, a inserção da plateia no edifício teatral e/ou na dinâmica social, até os acessos e os entornos da cena e do edifício teatral (BRANDÃO, 2004). Como não existia cenógrafo, pode-se dizer que havia o cenarista ou cenógrafo-pintor. O teatro de revista adotou do teatro de comédia as formas de construção dos cenários, e desenvolveu a sua identidade própria, por se tratar de um teatro de convenções. No espetáculo em análise, antes de começar, bem na entrada, o público era envolvido por um clima da década de trinta ao início da década de quarenta, depara- se com um rádio antigo, quando começa a ser transmitida uma rádio novela. Ao término da apresentação de um capítulo da novela, é que o público adentra a sala para assistir ao espetáculo. O tempo da ação teatral, bem como o espaço social, são determinados pelo cenário. No cenário analisado observou-se, tanto no primeiro quanto no segundo

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ato, a projeção do tempo: a década de 30 é retratada no figurino detalhado, nos adereços que enriquecem e confirmam o período áureo do teatro de revista em Belém. Os atores desse espetáculo estão bem distribuídos no espaço, alguns trabalham como coringa27. Utilizam as coxias laterais e o fundo do palco, para as entradas e saídas, e, em algumas cenas, usam também os corredores, no meio da plateia, como na cena de Vadinho, cantando para as mulheres do público. Quando a cena exige todos os atores no palco, eles se dispõem paralelamente, facilitando, assim, a visualização do público. Desde o início, o teatro, de um modo geral, só se preocupava com o texto e com os atores. A parte visual era apenas ilustração, não sendo vista como complemento no processo dramático. A partir do século XVI, têm-se técnicos voltados exclusivamente para o cenário, preocupados em esconder o que não era para ser visto, melhorando cada vez mais a técnica do disfarce enganador, a fim de provocar a ilusão. Podem ser destacadas, nesta busca do verossímil da imagem cênica, as contribuições de Antoine, na França, e Stanislavski, na Rússia (ROUBINE,1998). Foi a partir desses dois homens de teatro que a posição do cenógrafo mudou, deixando de ser um mero decorador ou fazedor de encomendas, para ter maior participação no processo cênico. A intenção da cenografia era fazer confundir ficção com realidade, objetivo considerado inerente à própria essência do teatro, vendo-se, no final do século XIX, o espaço começando a explorar ao máximo o seu caráter tridimensional. O cenário complementa o espetáculo, representa o lugar geográfico e social, expõe a época e o tempo em que se passam as ações. Na sala ampla, estilo neoclássico, existe várias portas de acesso dando a ideia de quartos; possui um sofá de época, acompanhado por duas cadeiras, dois abajures, uma chapeleira próxima à porta de entrada e um gramofone.

5.1.4 Iluminação É outro recurso que complementa a comunicação teatral, além de ser uma técnica que enriquece a ilusão visual, levando ao encantamento da encenação. Ela

27 Ator que faz vários personagens em um espetáculo.

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é trabalhada em A Casa da Viúva Costa de forma realista, utilizando-se a luz clara para o dia, a luz escura para a noite e para os shows musicais, cena das vedetes/fructas que se apresentam no espetáculo. Constata-se o realismo da iluminação no início da primeira cena, que mostra o amanhecer na pensão de dona Possidônia, em que a luz vai aumentando gradativamente, assemelhando-se a um amanhecer natural. Observa-se que a luz é trabalhada, também, pelas sensações expressas através da cor, podendo sustentar emoções agradáveis e calmas, que variam de intensidade conforme a entonação da voz do ator. As luzes de cores quentes ou frias complementam e valorizam a emoção vivida em cena. Nota-se que o iluminador movimenta a luz acompanhando a intensidade rítmica da música. Existe também o sistema de dimmer28, que permite subir ou descer a intensidade de uma luz, facilitando o seu acompanhamento, de acordo com a música e a necessidade da cena. Isso é presenciado na cena da Didi que faz um show de dança em que a luz acompanha o ritmo dançado, compondo e dançando com a atriz, onde a luz tem movimentos de crosfreyd29, acompanhando o enredo e o ritmo da dança. A iluminação tem o poder de encantar o espectador, de induzi-lo às sensações intencionadas pela cena, sendo ela um forte elemento cênico, facilitando a compreensão da mensagem teatral quando bem trabalhada. Assim, como ela ilumina, também esconde. Pode-se observar este fato quando é usado só o foco central ou iluminação a pino, que tem o objetivo de esconder o cenário, criando um espaço dramático sem a poluição visual, em que a luz propicia um espaço isolado, colocando o ator em relevo, fazendo assim crescer a cena. No espetáculo A Casa da Viúva Costa, identifica-se esse recurso nas cenas de Noé, seu filho Cham e o Bode, no prólogo, na cena do Louco de Amor ou na cena de Vadinho cantando para distrair o público na mudança do cenário. O iluminador do espetáculo trabalha utilizando o black-out (B.O) em um lado do palco com o objetivo de prender a atenção do público para o outro lado. Podem- se observar os efeitos proporcionados pela luz, dependendo da posição do foco

28 Diminuir, apagar-se pouco a pouco, conforme o Dicionário Oxford (2007). 29 São movimentos lentos na subida e descidas do dimmer e rápidos nas alternâncias entre as cores, proporcionando uma ilusão de ótica. (Dicionário Oxford, 2007).

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utilizado: luz frontal para fazer crescer a imagem do ator; luz de pino para dar volume, e a contraluz para proporcionar relevo à cena. A luz trabalhada em A Casa da Viúva Costa, em muitas cenas, é geral branca, para mostrar a pensão em dias claros, lembrando a luz brechtiana30. Quando a cena traz uma reflexão, lembrança, tensão ou ela é musicada, é que se utilizam as cores, um jogo de luz com cores e focos que enfatizam o show ou musical. Tipo de luz muito usado na Broadway. Observa-se que o isolamento do ator através da luz, em algumas cenas, é necessário, pois, quando o palco está com a luz geral, verifica-se que o metro quadrado é muito grande e isto dispersa a visão do público. É preciso isolar a cena, fechando-a em um foco brilhante, para atrair o olhar do espectador a um ponto específico do palco. Pavis (2003, p.179) afirma que “[...] a iluminação ocupa um lugar-chave na representação, já que ela faz existir visualmente, além de relacionar e colorir os elementos visuais (espaço, cenografia, figurino, ator, maquiagem), conferindo-lhe certa atmosfera.” Assim, pode-se observar que, em A Casa da Viúva Costa há uma harmonia de luz, cor, cenário, em que um elemento complementa o outro, reforçando a intencionalidade da mensagem, facilitando e clareando a comunicação que a ação dramática propõe transmitir.

5.1.5 Personagens e figurinos Os personagens que compõem o espetáculo são: dona Possidônia, a Viúva Costa; Vadinho, um acadêmico de medicina, que adorava ser sustentado por mulheres e vivia tirando dinheiro da Viúva, com quem mantinha um caso secreto. Didi, mocinha moderna, sobrinha da Viúva; Coronel Joca, recém-chegado de Gurupá e pensionista da casa; Tudinha, filha do Coronel, mocinha tímida, donzelinha roceira, mas vivaz; Bábá, filho do coronel, garoto ingênuo, um autêntico lírio naquele charco; Louco de Amor, um vagabundo; Lulu e Maria Laura, as cocotes, que são fructas de vida fácil, assim como Maria Portuguesa, uma rapariga que de dia vende fruta e à noite é prostituta; Zephinha, criada charmosa; Manoel, leiteiro português, doido por uma aventura com Zephinha; Cócó, empregado atrevido, já comentado, uma espécie de Arlequim nativo.

30 É a luz do real, sem ilusão.

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O público reconhece de imediato o personagem estereotipado, que apresenta sempre traços comportamentais e características distintivas e fixas. Assim o público também presume as ações durante a peça, reduzindo a possibilidade de uma leitura inaugural. Já o personagem tipo, diferentemente do estereótipo, opera uma síntese das características do gênero revisteiro, mais que uma soma de dados externos, o que faz com que ele adquira maior espessura dramática e possa, então, estabelecer diferentes relações com outros personagens no decorrer da peça. Esta síntese realizada pelo personagem tipo permite-lhe um sem-número de possibilidades de ação, daí sua longa existência teatral (SILVA, 1998). Pode-se observar o personagem tipo como o malandro, o caipira, a mulher fatal, a mulata ou o português, que estão quase sempre presentes nas revistas. Comenta-se mais à frente de cada tipo. Na revista em análise, encontram-se os típicos personagens do teatro de revista, como as cocotes e vedetes (Maria Portuguesa, Maria Laura e Lulu e outras), figuradas na cena a seguir.

Figura 10– Número de danças das cocotes/fructas. Fonte: fotografia de Suzane Pereira.

Outro personagem típico do teatro de revista é o malandro encontrado em A Casa da Viúva Costa, representado pelo Vadinho, que como todo bom malandro vive à custa das mulheres, e muitas vezes é cômico, trapaceiro, vadio, e sempre simpático, o “boa vida”. Ele sabe se virar em qualquer situação, apresenta-se com

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roupas da melhor qualidade, para melhor cortejar as mulheres e nunca era punido na revista, sabendo sempre dar o famoso “jeitinho brasileiro”. Existe também o personagem Coronel, que vem do interior com a família para conhecer o progresso da Capital, e é considerado caipira, ingênuo, apesar de ser um dos ricos do período da borracha, no entanto, no espetáculo em análise, o coronel não chega a ser um bobalhão, como eram os personagens da revista de Arthur de Azevedo, ou do caipira do tipo que se imortalizou com o ator Mazzaropi. Muitos personagens da revista são estereótipos ou tipificados dobrados sobre si mesmos, uma inflação de clichês, “seres” que não poderiam ter existência fora do espaço lúdico. O espectador da comédia esquece a seriedade que a vida real lhe impõe, pois a personagem cômica é mais livre do que o público, e por possuir a liberdade do ridículo, torna-se símbolo de relaxamento, deixando fluir a mais livre expressão. A comédia, então, proporciona ao espectador este relaxamento, fazendo com que a realidade mostrada seja menos agressiva, apesar da gravidade abordada por algumas cenas. Isso não afasta a consciência crítica sobre os problemas pelos quais o povo/espectador passa; o perceptível é que a partir de uma situação risível do cotidiano, levado a palco, surge uma reflexão mais prazerosa e menos árdua, porém não menos preocupante, mas que permite sentir a questão sem grandes dores, posto que estas já foram expostas às gargalhadas. Mendes (2001, p.81) afirma que “[...] para entendermos a catarse no cômico, é importante verificarmos as variações de coisas que se sucedem no processo de produção-recepção-avaliação do efeito cômico, entender a estima do fruído e a ojeriza da crítica”. Assim, a relação espectador e comédia é marcada pelo deixar cair o maior número de máscaras possíveis, revelando a farsa mais grotesca sem dor, pois a ação cômica tem um movimento que mostra desvios de comportamentos, inclusive dos mais nobres da sociedade. No espetáculo cômico, o espectador é provocado à consciência da realidade, rindo do ridículo e ao mesmo tempo analisando e descobrindo situações pelas quais não mais se deixará passar para não servir de piada a outros, pois ninguém quer ser ridicularizado. Essa consciência passa a existir de maneira natural a partir do exercício sutil e prazeroso provocado pela situação cômica.

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Tanto a tragédia quanto a comédia provocam sucessivas quedas de máscaras. Na tragédia, a falha reflete todo o real, porém na comédia este desvio atinge somente o seu portador. O objeto da comédia não é exatamente a ação humana, mas a aparência que a envolve através do seu desmascaramento, para que a verdade se revele: A catarse operada pelo cômico depende também de uma semi- adesão emocional à personagem: ao mesmo tempo em que sente o alívio de projetar-se em alguém que é livre para agir de modo infantil ou insensato, o espectador aguarda à distância que esse alguém pague o preço por esse privilégio. (MENDES, 2001, p.33).

Mendes (2001) explica que o cômico se mostra pessimista em relação ao indivíduo, desvelando seus vícios e fraquezas, enquanto o trágico é otimista em relação a este. O que pode impedir o efeito catártico é a indiferença, visto que a obra não pode ser totalmente estranha. É provável que exista certa distância entre o espectador e a obra, mas também é necessário que haja situações próximas do receptor como se fosse uma reapresentação, para que a comunhão ocorra. Tem-se, portanto na comédia, a empatia ou o distanciamento que possibilita a plateia sentir-se vingada em certas ocasiões, levando ao ajuste de contas. Entretanto, a representação cômica revela ao homem sua verdadeira condição, pois é no cômico que se tem a imitação da fraqueza do indivíduo, investindo na crença de uma sociedade forte, capaz de punir e reabsorver as inclinações levianas, assim como os desvios do comportamento “padrão”. Personagem heroico, na comédia, é o grupo social que vigia e castiga pelo riso. É exatamente esta punição que gera prazer na plateia. Em Dom Juan, de Molière, o autor encontrou uma ocasião para satirizar a arrogância da nobreza no desinibido comportamento do personagem em relação a homens e mulheres. A peça comunica ao público os valores próprios do momento. A comédia de costumes tem um sabor irônico e caracteriza-se pela criação de tipos e situações de época, com uma sutil sátira social. Observa-se que a comédia entra em cena para expor ao ridículo. Os personagens da vida pública são retratados no espetáculo em análise, tal qual Mendes (2006) expõe: como forma de liberar as insatisfações de um grupo social frente a situações sentidas como opressivas. Existe o riso irresistível, a que somos levados diante de uma imagem de seres que não se enquadram ao que seria o “padrão lógico,” o que Baudelaire (1976)

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chama de “cômico grotesco ou absoluto”, comentado por Mendes (2006). O que contribui para outro tipo de recepção cômica que se coloca no polo oposto ao de efeito crítico, social e punitivo da teoria de Bergson (1980). Para ele as formas cômicas baseiam-se na superioridade crítica do espectador, constituindo um caso banal de que a comicidade depende sempre de uma comparação que possa gerar a superioridade de um sobre a fraqueza do outro. Assim pode-se observar no coronel matuto, rústico ou parvo, personagem cômico, que é presa fácil do deboche de um empregado esperto, chamado Cócó que é o faz-tudo da pensão e sabe tudo. Este ora lembra o bobo da corte que fala o que quer sem ser punido, ora é comparado a alazón, personagem cômica da herança filosófica aristotélica: o Tractatus Coislinianus31, impostor ou fanfarrão, que tem confiança e otimismo desmedidos, ora lembra também um bufão, por sua espirituosidade em demasia. É o Cócó quem comanda quase todas as cenas e, no final, é quem consegue a melhor fatia do bolo, casando com a filha rica do Coronel, dando o famoso golpe do baú.

Figura 11 - Croquis do personagem do Coronel, criado pela equipe de figurino da montagem de 2010).

O rústico ou parvo é alguém com comportamento destituído de espirituosidade, no polo oposto ao bufão. O parvo, por sua incompreensão das relações mais simples, nem ri e nem quer fazer rir (não se pode desejar isso). Mas se ri através dele. O Coronel, nessa história, não chega a ser tão parvo assim. Por vezes, é enganado pelo esperto e malandro Cócó. Em outras ocasiões, surge com

31 O Tractatus deve seu nome ter sido preservado num manuscrito pertencente à coleção de Henri Chalés Du Cambout de Coislin, em Paris, e só foi publicado em 1839. Há dele uma tradução para o inglês, de Lane Cooper, feita em 1922: na Aristotelin Theory of Comedy With na adaptation of the Poetic sandtran slationof ter Tractatus Coislinianus. O Tractatusseria parte de um conjunto de fragmentos anônimos chamados Comicorum Graecorum Fragmenta. Encyclopedia Britannica. Chicago: 1990. Tomo 23, p. 152-3.

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astúcia e hipocrisia. Bábá, o filho do Coronel, também pode ser classificado de parvo. O personagem-tipo como o matuto se porta de maneira exagerada, cujas características interioranas provocam situações engraçadas, apresentando uma forma bastante desengonçada no andar, além de utilizar jogos de palavras espirituosas, gerando muita confusão na cena, aproximando-se da realidade do público. Burnier (2001) observa que:

Os tipos característicos da baixa comédia grega e romana; os bufões e bobos da Idade Média; os personagens fixos da commedia dell´arte italiana; o palhaço circense e o clown possuem uma mesma essência: colocar em exposição a estupidez do ser humano, relativizando normas e condutas sociais. (p. 206).

O personagem cômico é o que diverte a plateia e a mesma se identifica com o que há nele de risível, existindo no riso um movimento de descontração, como sugeriu Bergson (1980). É sabido que o riso faz parte do nosso cotidiano. Para este autor, a melhor forma de analisar o cômico é no teatro, visto que é uma ampliação e simplificação da vida. Tomando por base as teorias de Aristóteles, ele aponta três caminhos para a comicidade: o primeiro diz que não há comicidade fora do que é humano. Coisa ou animal só se tornam risíveis se relacionados às ações humanas. O segundo caminho apontado é a insensibilidade, e afirma que o maior inimigo do riso é a emoção; já o terceiro é a cumplicidade, o riso coletivo. Esses caminhos apontados por Bergson (1980) ajudaram a definir vários trabalhos sobre as obras cômicas, como o estudo desenvolvido por Cleise Mendes (2001), que propõe uma reconfiguração da catarse e mostra que é possível, sim, ter emoção sem se afastar do riso. Não precisa ser insensível para que ocorra a catarse, visto que:

A catarse dramática é um fenômeno que não se reduz nem à experiência puramente emocional nem à aprendizagem lógico- racional. Por não ser nem uma estrutura nem um sentido, mas é um processo e um acontecimento, a catarse (se e quando acontece ou procede) conecta a produção e a recepção da obra, mobilizando o repertório afetivo e intelectual do espectador. (p. 42).

Para Aristóteles (1966), no entanto, o efeito cômico é inofensivo e não gera dor nem destruição, contrariamente ao Pathos, a violência trágica. Sabe-se, então,

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que a sustentação da tragédia é o terror e a piedade, porém não se pode simplesmente definir o cômico como não trágico, contrário ao que é trágico, como se fosse necessário ser insensível à recepção da comédia. O insensível a que Bergson (1980) se referiu, como alerta Mendes (2001), é apenas relativo ao medo e à piedade, pois são as duas únicas emoções que não cabem no cômico. Fazem parte do cômico todas as outras emoções e não se deve ter a emoção como inimiga do riso. “Isso não significa negar, por exemplo, que não se possa rir de alguém que nos inspira piedade, ou mesmo afeição: apenas, no caso, será preciso esquecer por alguns instantes essa afeição, ou emudecer essa piedade” (MENDES, 2001, p.44). Corroborando com Bergson (1980) quando afirma que rimos do que nos faz lembrar, e que de algum modo, quando associamos formas humanas a seres, quando os trazemos para a nossa vivência. Isso também remete a Huizinga (1980), quando fala dos animais mais jovens que podem, por vezes, ser extremamente cômicos em suas brincadeiras. Porém, se observamos cães adultos perseguindo-se mutuamente, dificilmente riremos, pois, é nos cães jovens que existe a ludicidade, havendo analogia com as crianças, com a figura humana que provoca o riso; já com os cães adultos, há o temor às reações do animal, noções de brigas entre as espécies que geram terror, medo, um não prazer que impossibilita a comicidade. Assim, conclui-se que o humor se trata de uma experiência humana muito imprecisa, onde caberia quase tudo. O personagem Coronel traz seus costumes e crenças do interior da Amazônia, com uma carga cômica intensa, no jeito matuto e pesado do seu andar, do seu falar, crente no universo dos encantados dos rios e das matas, pois seus hábitos são voltados para esta relação entre homem e natureza, em que a magia que envolve esse universo compõe a cena amazônica. Nesse contexto, o caboclo representado pelo Coronel é sempre alegre, hospitaleiro e muito supersticioso. Há uma passagem do texto, por exemplo, quando ele fala com o mordomo Cócó sobre dona Possidônia, que foi à casa da vizinha afastar um espírito encostado:

VADINHO “_ É que com certeza o espirito persiste em não abandonar a sua vitima” CÓCÓ “_ Qual espirito, qual conversa! A guita sempre que briga com o namorado tem desses faniquitos.

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CORONEL “_ Não brinque com essas coisas serias, “seu” Cócó. Aqui está um que acredita nas almas do outro mundo na força que elas têm”. (TAVERNARD, [1958], p. 54.).

Observa-se que, no diálogo, o mordomo Cócó diz que tudo não passa de uma farsa, porém a crença do Coronel logo fala mais alto e briga para que Cócó não brinque com coisas sérias, uma vez que no interior do Estado histórias de espíritos são vistas de forma séria e verdadeira.

Figura 12 - Croquis do personagem do Cócó, criado pela equipe de figurino da montagem de 2010.

Cócó, típico malandro que analisa cada casal na casa e improvisa saídas mirabolantes para o aperto colocado, dando-se bem a cada momento, utilizando sempre a astúcia da malandragem. Esse personagem lembra o comperè, faz a ligação das cenas, não deixando cair o tempo do espetáculo, além de ser um ótimo indutor cênico. Ele funciona como um termômetro que mantém sempre alto o interesse do público, um recurso bem arquitetado, fazendo o espetáculo permanecer em evidência. Para tal gênero de papéis, as qualidades precisas a um ator são muitas: diversificar-se a todo instante, segundo a cena episódica que comenta; conhecer bem as formas de emissão de todo o gênero cômico, a fim de modelar e variar todas as cenas; dar uma vida constante a todas as cenas, especialmente às mais fracas, preparando as mais fortes. Aí deve ter um feito seu, sugestivo, às vezes burlesco, contrabalançado as condições de inverossimilhança. Sem essa defesa, o ator cai irremediavelmente na monotonia (RUIZ, 1988). Essas qualidades encontram-se, também, no personagem Cócó, pois é o personagem que conduz a ação da peça, cativa o público com suas simpatias e

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irreverências pessoais, faz o elo das cenas e ordena a representação seguinte, com leveza e dinamismo, cativando sempre a atenção do público. A relação exibida em cena do personagem Coronel (caboclo, ingênuo) com Cócó (esperto, malandro) oportuniza a plateia a vivenciar a situação corriqueira que da comédia que é a presença do esperto (considerado superior) e do bobo, ingênuo (considerado inferior). Como exemplo dessa situação no espetáculo em estudo, A Casa da Viúva Costa, tem-se um fragmento do esperto Cócó com o bobo Coronel:

Cócó – É aqui a celebérrima, celebríssima Chanaan onde a Jeunesse dorée e adorée vem tomar religiosamente o aperitivo das onze e meia e das cinco e picos. Coronel – Casa das... das.. casa de que “seu” Cócó? Cócó – Das fructas, Coronel. Ou melhor, das “fru-que-tas”. A reforma ortográfica empresta às palavras o seu verdadeiro valor escrito. Coronel – A civilização é tudo!...Imagine no meu tempo não havia uma casa assim para vender fructas. As quitandas é que faziam esse negócio. (TAVERNARD, [1958], p.30).

Nessa cena, o Coronel não sabia ao certo o que era aquilo tudo, que casa era aquela em plano centro da cidade, mas o esperto Cócó logo tratou de o ensinar e se aproveitar do dinheiro do coronel para pagar as fructas e usufruir do bom e do melhor. Claro que aliado à capacidade do ator de usar, sobretudo, o humor e a ironia para denunciar certos padrões de comportamentos, em cada tempo e lugar, nos quais o espectador os julga dignos de censura, num vicioso repertório, tratando frequentemente de amores ilícitos, da violação de certas normas de conduta. O desejo pela ascensão social; o político corrupto; o marido enganado ou de qualquer outro assunto, sempre subordinados a uma atmosfera cômica, com tons satíricos, no diálogo vivo cheio de ironia. Essas análises dos comportamentos humanos e dos costumes sociais são encontradas no espetáculo A Casa da Viúva Costa, de Antônio Tavernard. É possível observar na dramaturgia cômica de Tavernard, o fato que envolve uma “comédia de enganos”, associando a troca de identidade com o tratamento cômico, visto que esse truque inicial é um fator detonador de erros em série, criando ordens paralelas de acontecimentos e inversão de ponto de vista, que facilmente geram o quiproquó, a cena típica em que todos falam e ninguém se entende.

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“A comédia de engano” ocorre quando a Viúva marca um encontro, tarde da noite, na sala da pensão com o seu amante Vadinho. Nessa mesma noite, o Coronel marca um encontro com a mulata Zephina e acontece o encontro trocado, engano só percebido no final, depois de muitos quiproquós:

DONA POSSIDONIA – Meu benzinho, meu benzinho aonde estás? CORONEL – Aqui minha santinha, aqui... DONA POSSIDONIA – Onde? CORONEL – Onde? DONA POSSIDONIA – Ui! O que foi que peguei? CORONEL – o meu dedão! DONA POSSIDONIA e CORONEL (abraçando-se ao mesmo tempo) Vadinho! Zefinha! Oh! O coronel...Ah! a D. Possidonia... DONA POSSIDONIA – O senhor?!... CORONEL – A senhora?!... (TAVERNARD, [1958], p.62).

Esta cena provoca uma confusão engraçada, mas ao se evocar esse recurso dramatúrgico, é possível também fazer vir à mente, inúmeras “tragédias de engano”, linhagem tanto quanto antiga, não fosse Édipo o primeiro modelo de uma trágica história de troca de identidade. Nesse espetáculo cômico, a cada instante, surgem novas gargalhadas, até provocar lágrimas, tal a graça do enredo, com tantas situações hilariantes, com os duplos sentidos, os quiproquós e as frases de efeito. Frases estas, como:

CORONEL – Menino é um perigo. Diz o que pensa, mas não pensa o que diz. CÓCÓ – Por causa dessa historia de princípio é que homens da república velha tiveram tão triste fim. CORONEL – Gosto traz desgosto. (TAVERNARD, [1958], p. 24 .).

Figura 13 - Croquis do personagem da Dona Possidônia, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

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Viúva Costa, precisamente a senhora Possidônia Rego da Costa, viúva do coronel, ficou com uma pensão para administrar, personagem que gosta de desfrutar da companhia do jovem acadêmico de medicina e pensionista, que é tratado com toda a mordomia, pela viúva. Porém, Possidônia possui um falso moralismo perante a sociedade, de senhora viúva digna e conservadora.

Figura 14 - Croquis do personagem da Zephinha, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Zephinha, empregada sestrosa, sensual e insinuante, cobiçada pelo padeiro (português), pelo coronel (caipira) e por Cócó (malandro), representa as típicas mulatas do teatro de revista, que são tipos sedutores do teatro brasileiro da época, cortejadas pelos portugueses. Na disputa do seu coração, o português e o malandro se enfrentam. A mulata aparece inicialmente no teatro brasileiro com um linguajar vindo da senzala, chega à cidade e incorpora as gírias e os neologismos à sua maneira peculiar de falar. Neste enredo regional é uma das que mais acreditam em lendas, assombrações e encantados da Amazônia.

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Figura 15 - Croquis do personagem do Vadinho, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Vadinho é o típico malandro boa pinta, sempre arrumado, terno de linho, sapato brilhando, com um sorriso no rosto e palavras bonitas, pronto para arrancar dinheiro das mulheres. Utiliza de inúmeras artimanhas para obter vantagem em determinadas situações. Sempre sutil e inteligente, conduz os seus casos com as mulheres muito bem, e engana a dona Possidônia para ter boa vida na pensão, sem pagar nada e ainda gastar o dinheiro da viúva. Gosta de levar vantagem em tudo, como todo bom malandro. No espetáculo, tem-se o personagem Louco de Amor, mendigo de rua que utiliza uma roupa rasgada e suja, mas, mesmo assim, percebe-se que se trata do vestuário de alguém que, um dia, teve posses: gravata rasgada, mas de seda pura; sapato furado, mas de couro; terno sujo e rasgado, porém de linho. O material revela a procedência e a origem do personagem em cena. Por trazer uma carga dramática muito forte, o personagem comove a maioria do público, principalmente por se tratar de uma personagem não fictícia, que existiu na vida real e vivia nas ruas de Belém, sempre maltratado. Depois de uma decepção amorosa com uma mulher que ele muito amava, começou a vagar pelas ruas, sofrido e marginalizado. A expressão trazida por essa personagem é a representação de muitas pessoas que vagam pelas ruas de Belém e são desprezadas pela sociedade, levando-as a serem amargas e sofridas, gerando, simultaneamente, um conteúdo de agressividade em suas ações.

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Figura 16 - Croquis do personagem do Louco de Amor, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Esse personagem oscila entre a lucidez e o delírio, sendo um dos mais dramáticos da trama. Em determinados momentos fala com lucidez sobre a sociedade hipócrita que passa pelas ruas da cidade.

Figura 17 - Croquis do personagem da Lulú, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Figura 18 - Croquis do personagem da Maria Laura, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

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Figura 19 - Croquis do personagem da Maria Portuguesa, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Maria Portuguesa, Maria Laura e Lulú são as personagens tipo cocotes, mulheres fatais que fingiam amor para tirar dinheiro do português ou do caipira. Muitas vezes, eram falsas estrangeiras.

Figura 20 - Croquis do personagem da Didi, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Didi, sobrinha de dona Possidônia, moça moderna que viveu muito tempo na Europa, personagem que vai ensinar muito sobre a vida na cidade à caipira/cabocla Tudinha, filha do coronel. O personagem Didi está sempre à frente do tempo da história, com danças da moda e ideias avançadas.

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Figura 21 - Croquis do personagem da Tudinha, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Tudinha, inocente e matuta, chega à cidade, conhece Didi e vai se transformando durante a trama, aprendendo “as coisas da cidade”, modernizando-se e mudando gradativamente, porém, ainda inocente para as maldades, cai no conto de Cócó, malandro que engana a Possidônia e o Coronel e que, ao final de tudo, se dá muito bem, casando-se com ela.

Figura 22 - Croquis do personagem da Bábá, criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Bábá, filho do coronel, menino matuto, ingênuo, que chega à cidade carregando uma gaiola com uma rolinha, provocando muitos quiproquós e duplos sentidos hilariantes. Essa família que vem do interior, composta pelo coronel e seus dois filhos, formam o núcleo da cultura rural. Eles acreditam com veemência em superstições e justificam muitos dos fatos vividos por meio das lendas regionais, como os filhos ilegítimos que são atribuídos à paternidade do Boto32.

32 De acordo com a lenda, nas noites de festa junina, um boto cor de rosa sai dos rios. Ele consegue se transformar num lindo jovem que seduz as moças em noites de lua cheia, e as engravida.

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Assim, relatando e transmitindo essas crenças, a cena amazônica também se configura neste momento em que a família chega à cidade. Seu significado está na expressão de suas crenças, visto que na cidade irão morar na pensão da Viúva Costa, passando a viver suas imaginações na cidade grande. Recorre-se, nesse momento, ao que se refere Loureiro (1995, p.103), sobre esse aspecto da cultura do Norte: “[...] Na Amazônia as pessoas ainda veem seus deuses, convivem com seus mitos, personificam suas ideias e as coisas que admiram”. Isso evidencia que, por mais que o caboclo hoje tenha acesso aos meios de comunicação, sua inserção na cultura local ainda é tão forte que muitos ainda conservam suas crenças e superstições. O enredo da cena que traz a presença da família de caboclos lembra, algumas vezes, o Tribofe, a revista do ano de Arthur de Azevedo, que representa a chegada de uma família de roceiros à Capital Federal, sendo esse o foco central do espetáculo, que se dá em meio a comentários, críticas e apresentações dos acontecimentos do ano anterior. O esquema utilizado nesta cena é simples, mostrando os costumes e as crenças através do convívio na pensão e o passeio pela cidade, além de trabalhar as situações corriqueiras da cidade com muita sátira. Sobre o figurino dos personagens, a equipe de figurinistas da montagem de 2011 de A Casa da Viúva Costa, levou em conta os detalhes da época em que se passa a trama, o tipo físico dos atores e as orientações de luzes e cores feitas pela direção. Para começar o processo de criação do figurino é preciso descobrir qual a ideia central e qual a palavra que representa essa ideia, sendo que, nesse espetáculo, a palavra central é a década de trinta. Em torno dessa moda e estilo de época se desenvolveu o “conceito” que deu a base da criação do figurino. Assim, o figurinista inicia a criação dos desenhos a partir da atmosfera criada pelo diretor para o espetáculo, como se pode observar nos croquis a seguir:

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Figura 23 – Croquis de dona Possidônia (Viúva Costa) criado pela equipe de figurino da montagem de 2011.

Verifica-se, no esboço do figurino da Viúva Costa o uso de colares compridos, cabelo curto, conforme a moda dos anos trinta, além de luvas e cigarreiras. O chapéu era um acessório obrigatório, os modelos eram “cloche”, enterrado até os olhos, como se vê na personagem Didi em cena. Seu vestido era de seda, tecido predominante na época. Os anos trinta foram marcados pela “liberdade”, as mulheres então recorreram ao sutiã e a um tipo de cinta ou espartilho flexível e as roupas se adaptavam aos ritmos musicais, como: o jazz, o foxtrote e o charleston; vestidos mais soltos para fazer os movimentos frenéticos, depois os vestidos foram ficando mais curtos. O modelo de beleza correspondia ao da atriz Greta Garbo.

Figura 24 - Croquis de Didi (sobrinha da Viúva Costa) criados pela equipe de figurino da montagem de 2011

As personagens femininas, na peça, seguiam os padrões da época com seus vestidos leves, elegantes e livres do espartilho. Ousavam com seus cabelos curtos, as costas e os braços ficavam à mostra. Eram elegantes e sensuais, já sem curvas delineadas; seios e quadris pequenos; sapatos altos, tipo mocassim.

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É possível dizer que o figurino do espetáculo teve a preocupação em harmonizar a forma, pois a percepção é o resultado de uma interação entre o objeto físico e a luz, agindo como transmissor de informação. As condições e as imagens que prevalecem no sistema nervoso do observador são, em parte, determinadas pela própria experiência visual (AUMONT, 2004). Logo, a organização visual do objeto facilita a compreensão e a rapidez da interpretação, obtendo uma leitura fácil. Pode-se dizer que o figurino da montagem de A Casa da Viúva Costa apresenta uma boa continuidade dos demais elementos que compõem a época do teatro de revista.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A efervescência do Teatro de Revista no Pará possibilitou a construção de uma história singular na região Norte. Verificou-se que no período áureo da borracha Belém começou a adquirir aspectos de cidade grande a partir da modernização do espaço da capital, com o propósito de transformar a cidade em uma mimese de Paris. Assim, várias edificações foram erguidas no molde do padrão europeu, dentre elas o Teatro da Paz, o qual recebeu diversas companhias artísticas que atravessaram o oceano diretamente para a cidade paraense, gerando o ponto de partida para o contato ativo das linguagens cênicas na região. Constatou-se que o envolvimento da cidade com a cena teatral durante um período em que espetáculos chegavam e eram ali apresentados. Depois, com a decadência da borracha, acontece a produção local, que vai tornando-se mais fecunda. Grupos locais, amadores e profissionais, investiram nas artes cênicas e o teatro de revista tornou-se um gênero de ampla aceitação do público paraense. A quantidade de casas de espetáculos construídas e que mantinham suas pautas cheias, demonstra uma participação significativa no fazer teatral local. Na década de trinta destacou-se, no teatro nazareno, o jovem dramaturgo Antônio Tavernard e a peça teatral A Casa da Viúva Costa, que trouxe o reflexo da vida cultural de Belém por meio de uma linguagem cotidiana simples, direta e envolvente, além de apresentar na sua forma elementos comuns à maioria dos seus espectadores, atraindo a plateia e despertando nela o interesse em ver a sua realidade retratada no palco. Para entender a revista paraense, foi realizada uma análise descritiva da montagem mais recente de A Casa da Viúva Costa, observando o grupo da Universidade Federal do Pará in loco, entrevistando os diretores e elenco, verificando a construção das cenas, o figurino, a estrutura composta, a harmonia dos atores, os personagens-tipo desse gênero revisteiro que, através dos anos, vêm sendo interpretados nas diversas montagens. Enfim, existe, nesse espetáculo, uma estrutura camaleônica e acompanha as novas adaptações de época, sem perder o fio condutor, seguindo o tempo com piadas atuais e satirizando a sociedade do aqui e do agora da encenação. Observou-se uma obra aberta, que conversa com vários veículos, sendo ao mesmo tempo tradicional e contemporânea, solidificando com isso a cultura local,

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através do imaginário amazônico, sem se perder no mundo de consumo, trabalhando, assim, os valores que se agregam, conforme o desenvolvimento da sociedade. Esse espetáculo valoriza a cultura da região Norte, trazendo-a viva na lembrança do espectador, por meio da revisteira paraense. Ao dissertar sobre esse gênero com especificações singulares da região, verificou-se que os vários elementos, anteriormente elencados, refletindo e constituindo na sociedade, e vice versa. Vale ressaltar que esse espetáculo traz consigo várias reflexões sobre a sociedade da época, a forma de falar, os conceitos e preconceitos, abordados no texto; a maneira de agir e de olhar o mundo da sociedade paraense, além do reflexo da petit Paris no cenário do espetáculo. O registro da memória dessa produção cênica torna-se importante para que as tradições e os costumes perpassem o tempo, e quebrem as barreiras impostas pelo esquecimento. Conhecer como o teatro se configurou, em Belém, no passado e perceber as diferenças existentes e como essas mudanças se deram, e se estabelecem com as práticas teatrais hoje, é um direito que deve ser mantido e dado a todos, em todos os tempos. Pode-se, dizer que o estudo do teatro de revista paraense e a dramaturgia de Tavernard vieram contribuir como pesquisas acadêmicas, por traçar uma forma de fazer teatral diferenciada das demais regiões e que não havia sido estudada, posto que os pesquisadores da história do teatro brasileiro preocuparam-se em fazer registros dos eventos teatrais ocorridos no eixo Sul-Sudeste, relegando ao esquecimento o teatro que se desenvolvia grandemente na região Norte, quiçá por desconhecimento ou mesmo por falta de interesse, ou ainda por pensarem na região Amazônica como lugar tão inóspito e improfícuo a ponto de nela nada fluir, muito menos arte. Conclui-se que a grande esperança reside no desejo de, a partir deste trabalho, o teatro revisteiro paraense, sob os auspícios do nome de Antônio Frazão Tavernard, passe a constar da história, bem como possa influenciar outras pesquisas relativas ao teatro que se desenvolveu no Pará: uma forma de construção cênica interligada à cultura regional, evidenciando aquilo que se conhece como cena amazônica, para que esta característica, tão peculiar à narrativa paraense, não se perca com o tempo.

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APENDICE A - ENTREVISTA COM ANA LOURDES TAVERNARD NEVES

1)- COMO ERA A VIDA O DIA A DIA DE TONY?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Eu fui a última de sete filhos – oito porque morreu a mais velha, a Délia, com apenas um ano de idade. Moravam todos os nossos tios solteiros com papai e mamãe e Délia foi uma paixão muito grande dos tios. Quando morreu Delia, mamãe já estava grávida do Tony. O cemitério era na sétima rua, e eles moravam na primeira rua, e mesmo assim iam todos os dias até lá para visitar a sepultura da filha. Uma irmã solteira da nossa mãe dizia: “Marieta, tu podes ter mil filhos, mas o amor da Délia ninguém ocupa, porque será sempre lembrada, sempre querida”. Se a Délia foi querida, o Tony, apelido íntimo de meu irmão Antônio, duplicou esse amor, como se herdasse o amor da irmã morta e ainda despertasse mais amor. Além disso, demonstrou desde cedo ser muito inteligente. Após algum tempo, a família veio morar em Belém, sempre com os tios morando junto. Depois da Délia viriam o Tony, Raimundo Expedito, Maria Irene, Afonso Cincinato, Simeão, Mário e eu. Era uma família grande e, devido à dor que se abateu sobre a família a partir da moléstia do Tony, a casa vivia sempre cheia. Os tios foram casando, tendo seus filhos e a casa continuava sempre cheia, além das visitas e colegas. Quando veio para Belém, mamãe teve os outros filhos, cada qual num bairro. Foi quando se manifestou em Tony a hanseníase e meus pais compraram um chalé na Rua Conselheiro Furtado, esquina com a Generalíssimo Deodoro.

2) FALE UM POUCO DA CASA ONDE TONY NASCEU?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Fala-se muito do chalé de nascimento dele em Icoaraci e também chama a atenção o fato de morarmos juntos, mas é que o meu pai Otílio (pai de Tony) era piauiense e, por ser o mais velho, trouxe os demais irmãos e aqui ficaram. A minha mãe, Marieta (mãe de Tony), que era Frazão de família, era de Belém. A casa onde Tony nasceu, em 10 de outubro de 1908, era em Icoaraci. A família veio para a Rua Conselheiro Furtado após descobrir a doença, pois eles precisavam de uma casa muito grande, porque o meu pai queria dar a Tony espaço para que ele pudesse produzir e, ao mesmo tempo, não queria privar de espaço conosco, irmãos menores. É interessante mencionar que no chalé, onde ficava Tony depois que adoeceu, havia uma campainha cujo toque era codificado: uma chamada significava que ele queria falar com a mãe; duas chamadas significavam que ele queria algo da pessoa que trabalhava na casa e assim por diante.

Ele vivia no rancho fundo, o dia todo, escrevendo produzindo, anoite dormia em casa e ao amanhecer tomava café com todos à mesa, mamãe o servia e tinha todo cuidado, todas as louças dele eram separados.

3)- QUANDO SE DEU A VINDA DA FAMÍLIA DE ICOARACI? ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Apenas Tony, os nossos pais e tios vieram de Icoaraci. Pelo que sei, ainda não era nascido o segundo filho quando vieram para Belém. Em uma fotografia que temos de Tony com os pais em São Brás, presume- se que ele estivesse com três ou quatro anos. Então, a vinda para Belém deve ter ocorrido por volta de 1911.

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Para nós Tony era um irmão natural, mas era ele que se afastava de nós, com receio de nos contagiar com a doença. Ele gostava muito de ler. Assim como fomos criados para respeitar os mais velhos, os mais velhos também tinham o maior respeito por nós. Tony morreu em 1936 e eu nasci em 1923, portanto, ia fazer treze anos quando ele faleceu aos 28 anos. Naquele tempo, as famílias se reuniam, conversavam, embora as crianças não participassem e nem dessem opinião, embora ouvissem tudo. Tony cursava o segundo ano do curso de Direito quando apareceu a doença, a hanseníase. Estava deitado em uma rede e o meu tio que era estudioso de medicina passou e viu uma mancha na pele de Tony, olhou, espetou um alfinete e não houve resposta. A família foi avisada e, através de um exame descobriu a doença. Havia, na época, duas casas com possibilidade de compra, sendo que uma em Nazaré, bem em frente à Basílica, mas que deixaria Tony sem liberdade pela falta de espaço, por isso compraram a casa na Rua Conselheiro Furtado.

Como escritor ele era desde cedo um colaborador. Desde garoto o meu pai produzia pastorinhas e Tony participava dessas peças produzidas pelo pai. Era um garoto que gostava de futebol, gostava de dançar, mas que era dado também à leitura. Eu já não sei dizer, porque não participei e pouco comentaram sobre isso, mas deve ter sido um abalo muito grande para quem já tinha perdido a primeira filha ver o segundo filho aparecer com essa doença. Mas o nosso lar era um lar abençoado. Éramos pobres, mas dentro dessa pobreza havia muita felicidade. A mamãe nunca impôs nenhuma restrição por conta da moléstia de Tony e nós irmãos que fomos descobrindo, devido às conversas que ouvíamos e também porque víamos como ele se comportava, pois partia dele mesmo o cuidado com os irmãos menores. Mamãe foi de uma dedicação total ao filho doente, sem entretanto se descuidar dos demais. Eu ouvia falar que no dia que seria a colação de grau dele, no curso de Direito, mamãe encontrou o travesseiro encharcado de lágrimas, e concluiu que ele devia ter passado a noite chorando. No dia seguinte, os colegas levaram um quadro com ele fazendo parte da colação. Apesar da doença, como em casa éramos 13 pessoas e havia um só ‘chefe’ da família a situação não era fácil, Tony, como o mais velho, ajudava o papai.

4)- COMO ANTÔNIO TAVERNARD SE RELACIONAVA COM MÚSICOS E ESCRITORES DA ÉPOCA, ENTRE ESTES OS SEUS PARCEIROS?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Naquele tempo, o namoro começava às sete da noite e às nove os namorados saíam das casas das moças. Então, quando acabavam de namorar iam todos para a nossa casa para conversar com Tony, e mandavam buscar chopp e ali ficavam, tocando violão. Em Noite de luar faziam muita serenata e saraus. Isso dava aquele ânimo na vida de Tony, pois ele via que não estava abandonado, e foram muitos os amigos que se mantiveram permanentemente presentes. Entre esses amigos estavam Fernando Castro, parceiro de Tony nas peças teatrais, Bruno de Menezes, Jonathas Teixeira, Tó Teixeira, Romeu Mariz, da Academia Paraense de Letras. Vale lembrar que Tony, com 28 anos, não tinha idade para ser membro da Academia, mas ele foi homenageado como se imortal fosse. A APL prestou-lhe uma homenagem por ocasião de seu sepultamento.

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5)- FALE UM POUCO DA PARCERIA DE TAVERNARD COM O MAESTRO WALDEMAR HENRIQUE? ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Eles nunca se conheceram pessoalmente e, embora mantivessem contato e compusessem em parceria, tudo era feito pelo telefone ou cartas. Tavernard e Waldemar Henrique sempre se falavam por telefone ou eram intermediados por amigos em comum. O Tony escreveu uma das mais bonitas páginas que eu já vi alguém fazer em homenagem a outra pessoa para Waldemar Henrique. Parece que as poesias que fazia entravam em perfeita sintonia com a musicalidade de Waldemar Henrique. Os compositores se completavam, Tavernard dizia que não havia necessidade de muita explicação, pois Waldemar logo entendia a ideia, fazendo a música exatamente como ele queria. Daquela última carta foi feita uma música: ... “E tu não vens, sabendo que eu te espero / E morro apaixonado por ti...” O Waldemar se inspirou na última carta, para compor uma linda música. Ambos eram voltados para o folclore e “Foi Boto Sinhá” é uma prova disso. Havia um movimento na época, no início do século passado, em que Belém estava também se definindo, a literatura passava por influências e estava se rendendo ao Modernismo.

6)- FALE UM POUCO DA PRODUÇÃO DE TAVERNARD? ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Ele produzia muito no Rancho fundo, eu era muito criança, mas lembro que ele adorava ler, o pai tinha uma biblioteca grande, Tony pegava muitos livro lia e relia a todos, gostava muito de Olavo Bilac, Machado de Assis, entre outro, sua produção sempre foi muito rica, produzia todos os dias, ficava horas a fio escrevendo. Lembro que sempre me incentivava a ler, mas ficava meio distante, acredito que com medo da doença passar pra nós. Mamãe sempre fazia questão deles não se sentir só e nos reunia junto a ele na ora das refeições. Lembro que ele escrevia quase que diariamente para os jornais da época. Tony fazia também a revista “Ronda Nazarena”, que no período da festa de Nossa Senhora de Nazaré saía toda semana, utilizando-se do pseudônimo Frei Tuck. Ele descrevia as moças daquele tempo, através do que ouvia os colegas contarem, captava tudo e depois escrevia.

7)- TAVERNARD ERA REDATOR E CRITICO DE UM JORNAL COMO ELE REALIZAVA ESSAS FUNÇÕES, SE NÃO PODIA SAIR DE CASA?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Ele recebia todas as matérias em casa, as classificava, julgava e editava. Tinha uma página reservada para ele no jornal. Tony era uma pessoa muito articulada porque lia muito e recebia muito material de diferentes fontes. Até em uma revista do Clube do Remo, editada entre outros pelo Nilo Franco, ele tinha uma página de literatura. É do Tavernard essa expressão: “primeiro o ginásio, depois o ginasium”, ou seja, primeiro o colégio, depois a praça de esportes, ou seja, a diversão. Ele mantinha correspondência muito intensa com várias pessoas, de forma estreita, como acontecia com Pascoal Carlos Magno. Em uma das passagens por aqui alguém foi visitá-lo e para quebrar o gelo e fazer-se agradável, teria assim: “Então estou diante do segundo Machado de Assis?”, referindo-se aos contos que Tony escrevia, e na mesma hora, com uma presença de espírito e inspiração muito boa disse: “Com uma grande diferença: com menos talento e muito mais sofrimento”

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8) HÁ ALGUMA CURIOSIDADE QUE VOCÊ LEMBRE PRA CONTAR DE TAVERNARD?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Há uma história que a gente nunca chegou a tornar público, que é a seguinte: a família de mamãe saía no caminhão alegórico, no período carnavalesco, e Tony saía também fantasiado. Talvez pouca gente saiba disso, pois muito já se falou sobre ele, mas nunca sobre esse fato. Ele saía fantasiado de dominó e eram duas fantasias iguais, a dele e da minha tia, mesmo quando já estava doente. Hoje, sabe-se que esse era um cuidado desnecessário, mas foi a situação que ele viveu. Outra coisa que viemos a saber depois de muitos anos é que um vizinho da casa de meu avô, na Rua Generalíssimo Deodoro, tinha um conjunto musical chamado ”Los Crioulos”, que ensaiava em frente ao “Rancho Fundo” e esse pessoal avisava para Tony ouvir a música e também para comentar. Na época, Tony assinava uma coluna denominada “Do Que Leio e Penso” na Revista Semana e em jornais de Belém, em que exercia a crítica literária. Às vezes, segundo informaram algumas filhas do dono dessa casa, Tony pulava a janela de noite e saía no carro do dono desse conjunto, para ver a cidade e, embora não descesse do carro, era o suficiente para colher aquilo que queria para produzir sobre a cidade onde vivia.

9)- COMO FICOU A SITUAÇÃO DO CASARÃO DE ICOARACI ONDE NASCEU TAVERNARD? A FAMÍLIA TEM ALGUM VINCULO AINDA COM A CASA?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: O casarão onde ele nasceu era alugado. Em 1986, por ocasião dos 50 anos de falecimento dele, em maio daquele ano, o governo do Estado do Pará comprou o casarão de Icoaraci e o denominou de “Casa do Poeta Antônio Tavernard”. Funcionou por um tempo, mas, como tudo neste país, não teve a devida conservação e foi se degradando. Há dez anos, outro governo recuperou o imóvel. Para que a casa não fosse ocupada por estranhos e também não ficasse abandonada, devido ao pouco interesse quanto ao mundo das letras, foi entregue, salvo engano, a uma repartição da Polícia Militar. Nós nos preocupávamos porque tudo que tínhamos entregamos ao Conselho Estadual de Cultura e muito do que tinha naquela casa eram originais das obras de Tony. Por isso nos preocupou saber que as coisas não estavam funcionando a contento e, pelo que se sabe, a casa foi novamente entregue ao Conselho Estadual de Cultura. Hoje a maioria dos originais se encontra na Academia Paraense de Letras.

COMO SE DEU O FALECIMENTO DE TAVERNARD?

ANA LOURDES TAVERNARD NEVES: Quando Tony faleceu, em 02 de maio de 1936, tanto o nosso pai quanto nossa mãe estavam vivos. Ele foi acometido de uma falta de ar súbita e pediu ajuda à irmã. Logo a mãe foi vê-lo e pediu que viesse, com urgência, um médico, que não teve tempo de encontrá-lo com vida. Foi um enfarto fulminante. Ele disse à mãe certa vez que queria morrer em um sábado e ser enterrado somente no domingo, após ser velado por toda a noite. Assim aconteceu e a noite foi de um luar muito bonito. Ele dizia que tinha pena da mãe pois quando morresse seria enterrado no final do cemitério, local que à época era destinado a quem tinha hanseníase. Após a morte de Tony, a mãe viveu somente mais cinco meses.

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APENDICE B - Entrevista com os diretores da montagem de 2011 de A Casa da Viúva Costa, Marluce Oliveira e Paulo Santana

A ESCOLHA DO TEXTO DEVE-SE A QUAL MOTIVO?

DIRETORA MARLUCE OLIVEIRA

Nós escolhemos montar A Casa da Viúva Costa, primeiro porque é um texto que foi montado pela Escola já há 25 anos, e em comemoração ao aniversário da Escola, que fará 50 anos no próximo ano. Então nós resolvemos trazer novamente A Casa da Viúva Costa em comemoração aos 50 anos da Escola de Teatro, e nós tínhamos uma turma que fez uma disciplina de canto e nós percebemos que os alunos se destacaram no canto, então resolvemos montar o espetáculo também pensando nisso.

DIRETOR PAULO SANTANA

O porquê da A Casa da Viúva Costa, primeiro porque é um clássico da dramaturgia paraense e acho que os alunos precisariam conhecer uma dramaturgia fechada e conhecer autores paraenses, esse é um dos porquês. Segundo é porque coincidentemente a Escola de Teatro quando completava 25 anos, ela montou pela segunda vez A Casa da Viúva Costa com os alunos do grupo de teatro universitário, e no ano que vem a Escola completa 50 anos e nós coincidentemente vamos dar inicio as comemorações com a A Casa da Viúva Costa. Fora, isso tudo, eu acho que num processo de construção de um espetáculo como esse, com alunos novos, jovens atores, eu acho que é de fundamental importância, primeiro, porque eles cantam, dançam e interpretam, quer dizer, se nós estamos em uma escola de formação de um ator não há nada mais essencial do que tratar dessas três atividades, o teatro, a música e o corpo, a dança, isso tudo é bem legal.

COMO ESTÁ SENDO DIRIGIR ESSE ESPETÁCULO? DIRETORA MARLUCE OLIVEIRA

Dirigir A Casa da Viúva Costa, é um desafio e um prazer, dirigir e montar A Casa da Viúva Costa, uma vez que a versão anterior foi dirigida pela hoje consagrada diretora e professora de teatro Drª. Wlad Lima, e também fazer parceria com Paulo Santana, que é o outro diretor do espetáculo que, esteve no elenco da A Casa da Viúva Costa é muito bom, trocamos e aprendemos mutuamente. É um elenco muito grande de jovens atores, e a gente está nesse desafio que eu acredito que vai ser muito prazeroso pra todos nós.

DIRETOR PAULO SANTANA

Pra mim é super importante porque eu queria dizer pra vocês que eu fiz A Casa da Viúva Costa, da segunda versão que foi dirigida pela Vlade, então hoje eu estar dirigindo é uma outra sensação, eu estive dentro onde eu fazia o Vadinho, hoje eu estou do lado de fora no personagem do diretor, então eu particularmente me vejo muito emocionado, me encontro emocionado em ver algumas coisas, em ver que ele é uma outra proposta de montagem e do próprio acontecimento da cena, eu estou

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deveras, e gostaria que o elenco ficasse mais emocionado ainda, ai eu ficaria completamente feliz, mas eu acredito que das vésperas do parto tudo será perfeito.

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ANEXOS