OUTROS CÓDIGOS

André Vallias Claus Clüver Clemente Padín Edgardo Antonio Vigo Erthos Albino de Souza Felipe Paros Franklin Valverde Gabriel Kerhart Nathaniel Wolfson Ornela Barisone Raquel Campos Sérgio Blank Viviane Carvalho da Annunciação GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Geraldo Alckmin | Governador Marcelo Mattos Araujo | Secretário de Estado da Cultura Renata Vieira da Motta | Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico

POIESIS INSTITUTO DE APOIO À CULTURA, À LÍNGUA E À LITERATURA Clovis Carvalho | Diretor Executivo Plinio Corrêa | Diretor Administrativo Maria Izabel Casanovas | Assessora da Direção Executiva Ivanei da Silva | Museólogo Angela Kina, Carlos Santana | Design

CASA DAS ROSAS ESPAÇO DE POESIA E LITERATURA Frederico Barbosa | Diretor Carmem Beatriz de Paula Henrique | Coordenadora Márcia Kina | Supervisora Administrativa Fabiano da Anunciação | Assistente Administrativo Caio Nunes | Aprendiz Administrativo Neide Silva | Copeira Reynaldo Damazio | Coordenador do CAE OUTROS CÓDIGOS Maria José Coelho, Dayane Teixeira | CAE Ivanei da Silva | Museólogo Daniel Moreira | Supervisor Cultural Thaís Feitosa, Mariana Manfredini | Cultural Júlio Mendonça | Coordenador do CRHC Rahile Escaleira | Bibliotecária Leonice Alves | Assistente de Biblioteca Irana Magalhães | Assistente de Organização e Pesquisa Anelise Csapo | Supervisora Educativa Rafael Gatuzzo, Luciana Fortes Félix | Educativo Gonçalo Junior, Débora Nazari | Comunicação Waltemir Dantas | Supervisor de Produção e Manutenção Jackson Oliveira, Alan Zanatta | Produção Francisco Silva | Zeladoria sumário

DOSSIÊ: OUTROS CÓDIGOS 9 • De Engenharia e de Poesia... (Ou Algo da Vida e da Obra de Erthos Albino de Souza) - Felipe Paros 9 18 • Os Opacos Matemáticos de Edgardo Antonio Vigo - Ornela Barisone 34 • Entrevista com o poeta Clemente Padín - Franklin Valverde

INVENÇÃO 41 • Dois poemas de André Vallias 44 • Poema de Edgardo Antonio Vigo 40 48 • Três poemas de Erthos Albino de Souza 52 • Dois poemas de Gabriel Kerhart CIRCULADÔ 55 • Dois poemas de Sérgio Blank Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos ISSN - 2446-6255 ARTIGOS/ENSAIOS Diretor | Frederico Barbosa 58 • Poesia Concreta: Correspondências Entre Brasil e Reino Unido - Editor | Julio Mendonça Viviane Carvalho da Annunciação Assistente | Irana Magalhães 57 72 • Haroldo de Campos: Um Lamento Por Entre Silêncios e Acasos - Design gráfico e diagramação | Angela Kina e Carlos Santana Raquel Campos Revisão | Centro de Referência Haroldo de Campos 79 • A Correspondência entre Haroldo de Campos, Max Bense e Elizabeth Walther: Uma Primeira Leitura - Nathaniel Wolfson Revista CIRCULADÔ – Ano III – Nº 3 – agosto 2015 Risco Editorial Edição anterior: Revista CIRCULADÔ. Ano II – Nº 2 – outubro 2014 GALÁXIA HAROLDO São Paulo – Poiesis / Casa das Rosas 94 95 • Entrevista com Claus Clüver sobre Haroldo de Campos

A revista CIRCULADÔ é publicada em frequência semestral. 103 SOBRE OS AUTORES A revista CIRCULADÔ aceita, para publicação, apenas artigos ainda inéditos em língua portuguesa e inglesa. 103 A extensão dos artigos pode variar de acordo com o tema abordado, sendo que a Redação se reserva o direito de propor cortes ou sugerir ampliações. As notas devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no final do texto. Os autores devem fornecer informações biobibliográficas, até 400 caracteres (com espaços). 6 7

editorial

Dando continuidade à tarefa de difundir trabalhos de pesquisa e criação relacionados ao legado de Haroldo de Campos, publicamos nesta edição de CIRCULADÔ um dossiê dedicado às obras de Erthos Albino de Souza, Ed- gardo Antonio Vigo e Clemente Padín – poetas importan- tes da América Latina que exploram os limites do verbo poético e as possibilidades da invenção híbrida que in- terage com elementos de outros códigos. Na seção Arti- gos/ensaios, o diálogo que os poetas concretos brasilei- ros estabeleceram com seus pares na Europa, nos anos 60, é objeto de investigação em dois ensaios: um que estuda a correspondência dos brasileiros com os britâ- “que ideia é essa de querer plantar nicos e outro dedicado à leitura atenta de algumas das cartas trocadas entre Haroldo e Max e Elisabeth Walther- -Bense – cartas que fazem parte de um lote de corres- pondências adquiridas da família Bense, em 2013, pelo Centro de Referência Haroldo de Campos. Outro artigo ideogramas no nosso quintal (...)?” analisa um poema pré-concreto de Haroldo, publicado em seu primeiro livro. E Claus Clüver, numa entrevista, nos revela um pouco mais do autor de “A educação dos cinco sentidos”. Na seção Invenção, além de poemas de Erthos e Vigo, criações recentes de André Vallias, Ga- Haroldo de Campos briel Kerhart e Sergio Blank. E seguimos plantando ideo- gramas no quintal.

Julio Mendonça 8 9

Erthos Albino de Souza e Augusto de Campos, Na Praça C. Veloso, em São Paulo. Do muro para a rua, o poema “Bestiário”de Augusto, em Instalação do arquiteto Maurício do Fridman, evento promovido pela Bienal de Arquitetura, 1973 (foto de Lygia de Azeredo Campos).

DOSSIÊ: DE ENGENHARIA E DE POESIA... (OU ALGO DA VIDA E DA OBRA DE ERTHOS ALBINO DE SOUZA)

FELIPE MARTINS PAROS

“Não sei muito bem como defini-lo pessoalmente. Magro, alto, o OUTROS olho meio puxado sugerindo alguma ascendência indígena, ele era muito recolhido, muito monástico e muito solitário (...) Ficava muito só, em casa, com a televisão ligada sem som, com seus gatos e len- do às vezes coisas totalmente surpreendentes, como a biografia de uma bailarina da corte de não me lembro que rei francês... Mas nos recebia com alegria (...) E foi um dos pioneiros (em escala mundial) da poesia computadorizada” (Extraído de depoimento de Antonio CÓDIGOS Risério, recebido via correio em 28 de junho de 2004). 10 11

1. Mas os computadores não falam... raram ou se aventuram pelas searas do ex- tão: Veredas” de Guimarães Rosa: Era cidas pela Universidade Federal da Bahia, No filme “Ela” (Her, 2013), de Spyke perimentalismo e da visualidade. um livro à procura de um autor (todas as que desde os anos 50 contava com colabo- Jonze, o protagonista Theodore (Joaquin edições de Castro Alves, todas as Edições radores e professores do calibre de Lina Bo Phoenix) apaixona-se por Samantha, um 2. De Ubá a Salvador e além... de Euclides...); nunca pisou na região de Bardi, Hans Joachim Koellheuter e Walter sistema operacional auto programável e Erthos nasceu em Ubá, cidade da região Canudos ou leu “Os Sertões”. Fascinava-o Smetak, entre outros. Foi nos eventos da aparentemente senciente, que se mani- da Zona da Mata de Minas Gerais, no ano a coisa em si, em que a informação pura UFBA que Erthos conheceu e fez amizade festa como uma sensual voz feminina (a de 1932. Mas acabou por mudar-se para – cultura! – tal como a luz, parecia sem- com o poeta visual Pedro Xisto. Também da bela Scarlett Johansson): uma onipre- Salvador, na Bahia. Lá, trabalhou por toda pre igual a si mesma, por numerosas e frequentavam esses eventos os precoces sença invisível que diz tudo aquilo que a vida como engenheiro na Petrobrás e es- variadas que fossem as roupagens (...) E Caetano Veloso, Waly Salomão e Antonio Theodore deseja ouvir, e que se anteci- pecializou-se na programação dos grandes quanto mais avançava, por dever de ofí- Risério (na época, jovens de 18 anos), pa a tudo que ele pode querer. Nada mais mainframes da empresa. Lidava com a lin- cio, na tecnologia computacional, mais se sendo que este último esteve com Erthos diverso da discreta “história de amor” de guagem de programação Fortran, a qual admirava antes as virtudes da síntese da na lida de “Código” em muitos dos 12 nú- Erthos Albino de Souza e seus computa- manejava através de conjuntos de cartões palavra escrita, informação em clonagem meros da revista, inclusive do primeiro (o dores, mudos e de presença quase pa- perfurados. diferenciada, proto-design de todo design qual, na verdade, foi uma iniciativa sua). quidérmica, pesada e confinada a espa- Discreto e muito recluso, Erthos permane- verbal, mais do que compacto, compac- É justamente através da soteropolitana ços “iniciáticos” como grandes empresas ceu solteiro por toda a vida. Porém, isso tual, cérebro exterior compacto. Era tam- “Código” e de outras revistas de invenção e laboratórios de universidades. Diferente não o impediu de tornar-se amigo, cola- bém um entusiasta da Arte Abstrata e um paulistanas e cariocas (tais como “Polem”, de Theodore, que se acostumou a rece- borador e mecenas, primeiramente de Ha- habitué das atividades de extensão ofere- “Poesia em Greve”, “Corpo Extranho”, “Ar- ber tudo de Samantha sem nem ao menos roldo de Campos, depois de Augusto de precisar pedir, Erthos precisou debruçar- Campos e Décio Pignatari - os fundadores -se com proverbial paciência sobre essas do Movimento da Poesia Concreta a par- gigantescas máquinas silenciosas, para tir de São Paulo. Manteve, principalmen- convencê-las a fazer algo mais compli- te com Haroldo e Augusto de Campos, cado do que simplesmente falar. A saber, uma intensa correspondência privada. fazer poesia. Pelo correio, certa vez enviou a Augusto Poesia visual ou intersemiótica, é impor- um cheque em branco, para que o mes- tante frisar. Aquela que acontece na inter- mo financiasse a 2ª edição comemorativa penetração de sistemas sígnicos diversos, do “Poetamenos”. Colaborou nas pesqui- e que pode inclusive preceder do verbo e sas que deram origem aos livros “Re-Visão mesmo da presença da palavra. Mas a pa- de Sousândrade”, “Re-visão de Kilkerry” e lavra comparece nos poemas produzidos “Pagu: Vida-Obra”. E também financiou e por Erthos a partir de seus experimentos editou “Código”, uma das mais importan- com mainframes do tipo IBM 360. Existe tes e longevas “revistas de invenção”, as neles algo de “caligramático”, mas num ní- quais despontaram no cenário vanguardis- vel apenas superficial. Diferente dos céle- ta das grandes capitais brasileiras a par- bres poemas de Guillaumme Apollinaire, os tir dos anos 70 (LEMINSKI apud PAROS, poemas de computador de Erthos não são 2003, p.12), e que ganhou este nome ao a ilustração figurada de si mesmos, e nem ostentar como logotipo, em quase todas poderiam, já que a presença onipresente as suas capas, o célebre poema homônimo aqui é outra: Stéphane Mallarmé, o poeta de Augusto de Campos. em greve, e seu poema-constelação “Un Além disso, Erthos foi um bibliófilo “ama- coup de dés jamais n’abolira le hasard”, es- dor e errático”, como o descreveu Décio tão sempre lá no horizonte de Erthos, as- Pignatari (2000, p.191), colecionando em sim como estão no horizonte de muitos dos duplicata todas as edições de “Os Sertões” Erthos Albino de Souza e Augusto de Campos, grandes poetas brasileiros que se aventu- de Euclydes da Cunha, e de “Grande Ser- 1973 (foto de Lygia de Azeredo Campos) 12 13 téria” e “Atlas”), e também das cartas que -objeto: “Livre” (título trocadilhesco a SEM A INTERVENÇÃO DESSE A saída de dados (ou output) desses gi- trocou com missivistas diversos, que po- partir de duas palavras homófonas e ho- gantescos mainframes se dava através de demos ter algum conhecimento das pes- mógrafas: a palavra portuguesa livre e a IMAGINÁRIO RADICAL, TODA A grandes listagens impressas em impres- quisas e da obra poética de Erthos Albino palavra francesa livre, significando livro), ENERGIA CRÍTICA E CRIATIVA soras matriciais de agulha (muitos devem de Souza que, sendo fiel ao seu tempe- feito a partir de pequenas páginas com- se lembrar das pilhas de folhas listradas ramento tímido e excessiva modéstia, ja- pletamente perfuradas com o mesmo ins- DA (PÓS) MODERNIDADE de verde e branco, ligadas por linhas pi- mais financiou uma edição coligindo sua trumento utilizado para perfurar cartões PERMANECE INCUBADA E DILUÍDA cotadas e com laterais furadas para serem própria produção (muito embora, como já de programação, dobradas e presas no NO MARASMO DO TRÁFEGO “puxadas”). O output de dados através de visto, ele tenha feito isso com a obra de formato de um livreto do qual as letras ti- monitores, que nos permite hoje ter aces- outras pessoas). vessem se libertado, e que tem como cla- COTIDIANO DE BENS CULTURAIS. so imediato aos dados processados pe- ra referência o livre a venir de Mallarmé; los programas, não era algo usual, assim 3. Concretismo não-ortodoxo, mono- e “Cidade”, poema publicado em 1975, quenas alterações nos dados oferecidos como não era usual o desenvolvimento gramas poéticos, logopoemas e ou- na mítica “Caixa Preta” de Augusto de ao processamento do programa. No caso de programas através da digitação direta tras experiências Campos e Julio Plaza e também na capa específico do programa adaptado para a dos códigos de alguma linguagem de pro- Como já referido, é principalmente atra- de “Código 10” em 1985, que é a trans- criação de “Le Tombeau...”, mudanças na gramação específica, como fazemos hoje vés das páginas de revistas de invenção criação em cartão perfurado do célebre gradação das temperaturas permitiram a em dia. Da mesma maneira, não existiam como “Código”, que entramos em conta- poema “Cidade”, de Augusto de Campos. aparição, aos poucos, das letras do nome softwares gráficos ou processadores de to com experimentos poéticos de Erthos Transfigurado em negativo, esse cartão Mallarmé, que se configuram de maneira texto, e não se pensava no computador de extração diversa. Seus poemas mais perfurado-poema converteu-se em uma a lembrar a silhueta do vaso que decora, como uma ferramenta de manipulação ou “verbais” têm claramente uma matriz pequena paisagem urbana noturna, com sobre uma pequena coluna, o túmulo do geração de imagens, ou mesmo de escrita concreta, embora não-ortodoxa (não se as luzes das janelas dos prédios ao longe. poeta na França. e organização de palavras. ateve à ortogonalidade ou tipografia da Mas suas grandes contribuições são, sem O pesquisador Arlindo Machado (2001, Um programador nos anos 70 que lidas- fase “heroica” do movimento), os primei- dúvida, seus projetos desenvolvidos uti- p.14) nos lembra de que os verdadeiros se com a linguagem Fortran para criar ros deles datilografados à máquina, ou- lizando-se de computadores. A partir da criadores são aqueles capazes, através de programas para mainframes do tipo IBM tros finalizados em letraset. Alguns, os “reciclagem” de um programa específico, suas pesquisas, de antecipar os poten- 360 (assim como Erthos lidou), na verda- quais eu chamo de “monogramas poéti- traduzido em cartões perfurados e criado ciais usos das novas tecnologias eletrô- de produzia conjuntos de diversos cartões cos”, se configuram como logotipos cria- para calcular a temperatura de fluidos em nicas e digitais, além dos originais e ób- perfurados manualmente, sendo que cada dos para representar poetas, músicos, tubulações, Erthos desenvolveu seu pri- vios: Só um verdadeiro criador (seja ele cartão correspondia a uma linha de ins- escritores e artistas visuais que ele ad- meiro projeto poético importante e mais artista, engenheiro ou cientista) pode dar truções de um determinado programa. Os mirava e conhecia, tais como Augusto de conhecido: o poema “Le Tombeau de Mal- forma sensível às mutações que a socie- mainframes liam cada linha (cada cartão, Campos, Caetano Veloso e Patrícia Gal- larmé”, o qual foi publicado em 1974 como dade industrial avançada está produzin- portanto) individualmente, e o processa- vão (a musa modernista Pagu). Alguns um encarte especial do livro “Mallarmé”, do, tornando explícitas as novas relações mento do programa completo, e a conse- outros “logopoemas”, em íntima relação uma coletânea de ensaios e traduções de (culturais, políticas, epistemológicas) que quente listagem com os resultados de suas com seus títulos, funcionam mais como poesias dos poetas concretos paulistas, as máquinas eletrônicas introduzem, co- operações, poderiam levar horas, dias ou trocadilhos verbivocovisuais. Entre eles, editada pela Edusp, a partir da obra do locando-as agudamente em questão, de mesmo meses para serem concluídos e podemos destacar “Cygnus” (Um signo- poeta simbolista francês. modo a dar consciência delas a uma hu- impressos. Os eventuais erros de progra- -símbolo-ícone baseado no pictograma de manidade demasiado excitada pelo frenesi mação só poderiam ser averiguados após um cisne; cygnus = signus), o qual foi 4. Sobre a tumba do poeta... dos videogames. Sem a intervenção desse a impressão das listagens, quando então o capa de “Código 2” em 1975, e “Drapoeil” “Le Tombeau de Mallarmé” tem em si to- imaginário radical, toda a energia crítica e programador poderia identificar as linhas (uma brincadeira com as palavras fran- das as características marcantes dos poe- criativa da (pós) modernidade permanece erradas e refazer os seus respectivos car- cesas drapeaux, que significa bandeira, e mas visuais de Erthos feitos por computa- incubada e diluída no marasmo do tráfego tões, para alimentar novamente o compu- oeil, que significa olho, presente também dor: é uma peça em “estágios”, composta cotidiano de bens culturais. Suas palavras tador e reiniciar o processo. na imagem criada a partir do design da de diversas pranchas relacionadas entre não poderiam ser mais apropriadas quan- Jamais ocorreria a um programador co- bandeira brasileira). Erthos também teve si como se fossem os frames congela- do pensamos em Erthos e sua pesquisa mum tentar “manipular” o computador pelo menos duas incursões pelo poema- dos de uma animação, gerados por pe- com computadores nos anos 70. através dos cartões perfurados, para 14 15

sempre com um forte significado simbó- lico e remetendo à vida e obra do perso- nagem em questão. Imagens repletas de um forte sentimento de transitoriedade, IMAGENS REPLETAS DE UM de que mesmo os “imortais” morrem, e FORTE SENTIMENTO DE de que essa imortalidade só pode ser ga- rantida pela manutenção de sua memória. TRANSITORIEDADE, DE QUE São imagens de “ausências presentes”. MESMO OS “IMORTAIS” MORREM, Foi assim com Mallarmé e seu túmulo. E foi assim também em “Samsara – A John E DE QUE ESSA IMORTALIDADE Lennon”: nesse poema, um número cres- SÓ PODE SER GARANTIDA PELA cente de raios formados pelas letras do MANUTENÇÃO DE SUA MEMÓRIA. nome do beatle assassinado se tangencia, formando um círculo cada vez mais deli- mitado, em uma clara referência a impor- tantes símbolos e conceitos budistas, tais como as mandalas e o Vazio que subjaz à leza dos anos 60 e 70). As letas e sinais existência no Samsara – o ciclo de nasci- utilizados para a obtenção das gradações mentos, mortes e renascimentos em tudo de cinza são os seguintes: M, H, Y, 9, 8, oposto à libertação final do Nirvana. 6, 0, 1, -, *, . (...) Aparentemente não Outro poema de computador de Erthos há nada de escondido por detrás da malha que conheceu publicação, e que pode ser tipográfica (...) A sintaxe do poema está enumerado entre aqueles nascidos como em, pelo menos, duas ações: a primeira reflexões sobre a efemeridade e sobre a é a tessitura do macro e do micro, onde a memória que fica do que passa, é “Volat aproximação provoca dissipação e a perda Irrevocabile Tempus” (O Tempo Irrevogá- da foto e o afastamento permite a leitura vel Voa). Foi publicado em “Atlas (Almana- quase fotográfica da atriz; a segunda, é que o mesmo “desenhasse” com letras, forma como foram imaginadas. O que te- que 88)” no formato de encarte, e poste- obtida através do congelamento de cada ao invés de simplesmente gerar e impri- mos acesso hoje, na verdade, é uma se- riormente como uma animação de fato, na fotograma onde a imagem é manipulada, mir listagens de dados e resultados. O leção feita por Erthos dos vários estágios versão online da revista “Artéria” (“Artéria num crescente, até a rarefação da percep- computador era entendido apenas como obtidos por ele nessas listagens impres- 8”). Nessa sequência de frames, as ima- ção (...) O tempo irrevogável voa. Como uma calculadora avantajada, capaz de li- sas. Para cada poema de computador, ele gens não são compostas pelas letras do num destacar, destacar dos dias de um dar com cálculos muito complexos. Mas pode ter gasto muitos meses e gerado nome de algum personagem, e não com- calendário, de uma vida. como ressaltado por Machado, isso não inúmeras listagens, o que talvez explique parecem como uma espécie de símbolo do Nesse poema, cada estágio do retrato de contentaria um criador, artista ou poeta. o fato de que as séries conhecidas por mesmo. São, em vez disso, os elementos “La Bardot” aparece um pouco mais dis- E Erthos era, além de engenheiro e pro- nós são muito poucas - apenas aquelas constitutivos de um retrato da persona- torcido que o outro, como se estivesse gramador, um pouco dos dois. Propôs-se, publicadas nas páginas de “Código” e ou- gem homenageada, que comparece aqui impresso em uma folha de acetato curva- então, a hercúlea tarefa de adaptar ou- tras revistas de invenção. como um ícone e símbolo da mesma. José da por mãos invisíveis. O último estágio, criar programas para gerar listagens “vi- Luiz Valero de Figueiredo (2003, p. 162) como num telefone sem fio visual, nos suais”, perfurando conjuntos de cartões, 5. Samsara e o Tempo que Passa. faz uma interessante análise tipográfica apresenta uma imagem da atriz tão distor- alimentando os computadores com eles, Em outros de seus poemas visuais seriais, desse poema: Através do uso da própria cida, que só pode ser reconhecida em sua esperando a impressão das listagens, assim como em “Le Tombeau...”, Erthos tipografia oferecida pelo computador, as relação com as anteriores: uma imagem corrigindo os erros dos cartões a partir também construiu sequências de ima- imagens são construídas possibilitando – da beleza que irrevogavelmente será con- delas e reiniciando todo o processo, até gens em frames a partir da aparição das numa observação à distância – a visão do sumida pelo tempo, e só pode perdurar, de conseguir gerar as imagens desejadas da letras do nome de algum homenageado, rosto da atriz Brigitte Bardot (ícone de be- maneira precária, enquanto memória. 16 17

6. Delete Erthos Albino de Souza veio a falecer no ano 2000. A essa altura de sua vida, já aposentado da Petrobrás e tendo se tor- nado de fato um homem completamente solitário, já não organizava ou editava livros e revistas. Tampouco convencia computadores mudos e gigantes a fazer poesia. Seu último projeto, editar a obra do poeta e compositor paraense Jaime Ovalle, permaneceu assim: projeto. E, ironicamente - se pensarmos que seus instrumentos preferenciais de trabalho e criação foram máquinas capazes de operar em sua colossal memória aquele volume de coisas que nós não podemos (e por isso mesmo as criamos) - ele veio a desenvolver o Mal de Alzheimer. Esque- BIBLIOGRAFIA: Dissertações e Teses cendo-se aos poucos de si mesmo (sendo Livros FIGUEIREDO, José Luiz Valero. Tipogra- assim, coerente até o fim consigo - já que APOLLINAIRE, Guillaumme. Calligram- fia & Poesia: A Tipografia na Sintaxe da preferiu, a vida toda, trabalhar pela pos- mes. Paris: Galimard, 1968. Poesia Visual Impressa no Brasil. Tese de teridade e permanência da obra de outras ÁVILA, Carlos. Poesia Pensada. Rio de Ja- Doutorado. Bauru: Programa de Pós-gra- pessoas), acabou por ser quase comple- neiro: 7 Letras, 2004. duação em Comunicação e Poéticas Vi- tamente esquecido por algum tempo. Re- CAMPOS, Augusto de. Re-Visão de Kilker- suais – Unesp, 2003. centemente em 2010, no Rio de Janeiro, ry. São Paulo: Fundo Estadual de Cultura, FREITAS, Eloah Franco de. A Revista Ar- sua obra foi revisitada em uma exposição 1971. téria: Uma Amostragem das Poéticas In- com curadoria de Augusto de Campos e CAMPOS, Augusto de et al. Mallarmé. São tersemióticas dos Anos 70 aos 90 (vol. 1 André Vallias. Discretamente, aos poucos Paulo: Edusp, 1974. e 2). Dissertação de Mestrado. São Paulo: seu nome passou a constar em disser- CAMPOS, Augusto et al. Caixa Preta. São Programa de Pós-graduação em Artes – tações, teses e sites que se ocupam de Paulo: Edições Invenção, 1975. Unesp, 2003. reconstituir a história da arte e da poe- KHOURI, Omar. Revistas na Era Pós-Ver- KHOURI, Omfertar. Poesia Visual Brasilei- sia em meios tecnológicos no Brasil e so: Revistas Experimentais e Edições Au- ra: Uma Poesia na Era Pós-Verso. Tese de no Mundo. Dessa forma, seus arquivos tônomas de Poemas no Brasil dos Anos 70 Doutorado. São Paulo: Programa de Pós- pessoais tem sido salvos do total delete, aos 90. Cotia: Ateliê Editorial, 2003. -graduação em Comunicação e Semiótica restaurados e extraídos da lixeira, e de- MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: – PUC-SP, 1996. volvidos ao desktop da história da arte e O Desafio das Poéticas Tecnológicas. São PAROS, Felipe Martins. Decifrando Có- poesia experimentais brasileiras. Paulo: Edusp, 2001. digos: Entendendo o Papel e o Lugar da MALLARMÉ, Stéphane. Un Coup De Dés Revista “Código” no Cenário da Poesia Vi- Jamais N’Abolira L’Hasard; poème. Paris: sual Experimental Brasileira das Décadas Gallimard, 1969. de 70, 80 e 90 do Século XX. Dissertação PIGNATARI, Décio. Errâncias. São Paulo: de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós- Senac, 2000. -graduação em Artes - Unesp, 2004. RISÉRIO, Antonio. Avant-Garde na Bahia. Sites São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria http:arteria8.net Bardi, 1995. 18 19

García Canclini, num difusor4, um carteiro da plástica local. A opacidade foi, justamente, o procedi- mento que Viktor Shklovski propôs para singularizar a arte. Em seu texto “El arte como artificio” de 1917 afirma que: OS OPACOS Para dar sensación de vida, para sentir los objetos, para percibir que la piedra es piedra existe eso que se llama arte. MATEMÁTICOS La finalidad del arte es dar una sensa- ción del objeto como visión y no como reconocimiento; los procedimientos del DE EDGARDO ANTONIO VIGO arte son el de la singularización de los objetos, y el que consiste en oscure- cer la forma, en aumentar la dificultad

ORNELA SOLEDAD BARISONE y la duración de la percepción. El acto Imagem 1. Espacialização mecanográfica. Biopsia 1953-7 de percepción es en arte un fin en sí y debe ser prolongado. El arte es un medio de experimentar el devenir del objeto: lo que ya está ‘realizado’ no in- teresa para el arte” (2004, p. 60).5 Tradução do espanhol: Tatiana Faria promiso de posición de conducta” (p. 1): uma busca que exigia por parte do público Edgardo Antonio Vigo referiu-se em um expectativa, inquietação, interesse pelo Vigo testou, a partir de 1950, os materiais breve ensaio1 de 1982 à opacidade como mistério e assombro. e as técnicas para provocar esse efeito uma propriedade a se alcançar na arte e Então, nos anos oitenta, Vigo mostrou de estranhamento, mais conhecido como oposta ao que é brilhante. Aquilo que bri- que os “productos opacos” se perdem e ostranenie. Ao longo das suas biopsias6 lha, se destaca em primeiro plano, se as- que estes permitiam ao homem “poner en é possível observar como a utilização de socia à beleza do “concepto estético oficial” práctica el sentido creativo de sus actos”. números e letras estavam à disposição (uma irradiação “pulcra, pura y alienante”) A opacidade foi o signo da “marginalida- do teste de meios diversos. Por exemplo, e não era convidada ao questionamento de”, cuja produção manual era seriada e entre 1954 y 1965, as experimentações7 sobre se permanecia legível. Pelo contrá- correspondia ao ritmo humano. Edgardo apontaram à espacialização mecanográfi- rio, “lo opaco hiere el ojo del esteta, lo en- Antonio Vigo instalou-se na marginalida- ca8 (imagens 1, 1’ e 1’’) mediante o uso ceguece y como tal no deja descubrir su de2 não excludente. A cidade de La Plata, da máquina de escrever: os números e as propia identidad. Es la defensa de un cuer- de modo geral, ainda contava com expe- letras apareciam na sua materialidade sig- po que no recibe luz exterior sino que la riências que permitiam a sombra justificar, nificante sobre uma página branca. posee dentro de su propio contexto” (p. 1). desde meados dos anos cinquenta, um Também nesse ano (1954), a construção A opacidade pertencente ao “campo de lo rumo decisivamente moderno3, ainda que de objetos móveis se realizou na mesma marginal” foi a propriedade da arte que Vigo não encontrasse aceitação no circuito linha das buscas dos inventores ocorridas Vigo permanentemente tentou colocar formal artístico. Portanto, decidiu começar na arte madí; por exemplo a escultura em primeiro lugar, porque mais que uma uma trajetória alternativa, gerando alian- articulada Royï de Gyula Kosice (madei- Imagem 1’ e 1’’. Poemas de Edgardo Antonio Vigo, 1955. “En la sopera con dedalitos de mi casa llueve poesía” e “la sopa de definição terminológica “implica un - com ças, grupos e tornando-se, como afirmou ra manipulável e giratória) ou os poemas dedalitos…”. Biopsia 1953-7 20 21 transformables do uruguaio Carmelo Arden Arturo (1944)12. ano mais tarde este poema-objeto foi ex- Quin. Vigo construiu objetos que supera- Em meados dos anos quarenta, Carmelo posto com mais outros dois intitulados de vam e questionavam o estatuto tradicional Arden Quin viajou do Uruguay a Buenos Nature e Soleil na galeria Colette Allendy da escultura e ademais impunham o objetivo Aires e se comunicou com Edgar Bayley durante uma “Exposición Madí” da qual contido em madí: a mobilidade e a ludicidad9. e Ennio Iommi. A história revelava vários participaram Vardánega, Desserpit, Bres- Estes objetos foram destruídos pelo pú- caminhos tortuosos das uniões e desen- ciani e outros. blico expectador numa exposição realiza- contros do grupo inicial organizado em Segundo o manifesto Madí, a poesia madí da na Associação Sarmiento de La Plata, torno da revista Arturo13. consistia em uma “proposición imaginaria, junto com a sua esposa Elena Comas10; Neste momento, nos interessa mencionar nociones y metáforas no traducibles por questão que tocou fundo nas atividades a proposta dos coplanares de Arden Quin. otro medio que no sea la palabra. Suceder de Vigo, que em diversas entrevistas re- Eles consistiam em objetos realizados com conceptual puro”16 numa dimensão estra- cordava este acontecimento. duas ou mais formas que podiam estar nha, como superfícies superpostas ou dis- A construção de um objeto para além da ligadas ou não entre si e cuja apresentação persas, folhas soltas, volumes poligonais. clássica escultura era um elemento que, compunha uma obra. A posição destas A sobreposição, as dobras, as perfurações evidentemente, ainda não havia sido formas-planos de cores ou monocromos e a mobilidade aparecem no libro tridi- assumido no campo cultural argentino. podiam ser transformadas pelo público, mensional Ionnel que propôs Arden Quin. Vigo não perdia a oportunidade de des- já que eram espalhadas na parede ou no Este poema-objeto instaurava a participa- tacar que o seu trabalho tinha um vín- chão, articulados e móveis (permitiam ção e iniciava de destruição do livro e uma culo profundo com os ready-made du- movimentos lineares ou giratórios de etapa participativa baseada na perfuração. champianos, mas que se diferenciavam translação)14. Vigo experimentou nas primeiras exposi- Imagem 2. Xilografía experimental: el uso del taco de madera na construção, utilização de materiais in- Ennio Iommi dizia em diálogo com Patricia ções com a destruição num incipiente in- a color. Edgardo Antonio Vigo, capa da revista Diagonal Cero. dustriais (como o ferro), na combinação Avena Navarro (1999-2009) que o traba- formalismo com o derretimento do isopor Numero 20. La Plata, 1966. artesanal e na ambientação. lho de Madí se radicava precisamente em (1966): uma superfície que incluía a ma- Os objetos eram, como mostrou Vigo, ob- expandir os limites da arte geométrica, terialidade inicial e os restos dos proces- jetos ambientais. Essa disposição localiza- de passar do retângulo ou do quadrado a sos de incineração. Ambos formavam um va-o na perspectiva do engenheiro, arqui- outras formas planas a partir de uma in- olho mágico através do qual se observa- teto ou projetista. Estas buscas, então, se finidade de ângulos: “Madí es una salida va um fragmento da poesia matemática inscreveram (como mostramos em outras incluso psíquica del rectángulo, hace si- xilogravada. Este poema matemático de oportunidades)11 no momento inicial das glos que pensamos con el cuadrado, con Vigo (imagem 4) foi pendurado na pare- experiências da poesia concreta paulista, el rectángulo, pero no con la totalidad de de, num gesto que subverteu a leitura de o poema-processo carioca, as transposi- la geometría” (2013: p. 9)15. A geometria um poema que já não se relacionava com ções e leituras do construtivismo via Theo expandida, então, foi proposta nos copla- a sua representação convencional (além Van Doesburg, via Max Bill realizadas na nares madistas de Arden Quin e encontrou do título). América Latina e as proposições do inven- uma nova forma de expressão nas diver- Outra variante em Vigo foi o uso da poe- cionismo rioplatense e as suas derivações. sas modalidades de poesia matemática de sia matemática combinada com instâncias Para o invencionismo, a invenção era o Edgardo Antonio Vigo. previas de experimentação: a forma mais processo unificador e organizador de uni- Como indicamos no início, as modalidades acabada foi Variante del reloj inútil (poema dades inconscientes e racionais. No caso eram variáveis e de acordo com os meios visual) que incorporava a sobreposição xi- da poesia, o inventor devia construir no- que Vigo dispunha. Um dos mais recorren- lográfica e artesanal de números formando vos modos de associar as palavras e, tes foi a xilogravura experimental: o uso um círculo, um espaço interior (imagem 5). em tais associações, deviam registrar (da placa de madeira colorida) e a compo- Assim, esta composição parecia girar em as significações desconhecidas. No caso sição (imagem 2) monoxilográfica ou em torno de uma maquinaria que constituía das artes visuais, o inventor deslocava o forma reticular (imagem 3). a remissão imediata dos Relativuzgir´s17. marco-janela e em seu lugar propunha Em 1949, Arden Quin produziu em Ivry Este desenho maquinário prendia a si pró- Imagem 3. Edgardo Antonio Vigo, Poema matemático. Xilogra- formalmente o marco recortado na revista o livro poema-objeto titulado Ionnel. Um prio: enquanto lhe imprimia o efeito de ro- fia com resina 1/3. 1966. 22 23 tação, continha a marca da inutilidade; não salidad. Es lo que René Hocke llamó las podia servir de modelo para a construção metáforas alógicas de la nueva estéti- com uma finalidade. ca, es decir, un mundo no-A, más rela- A estratégia consistia em usar um recur- cionado con la fantanciencia que con la so negativo e reversível: um trompe-l’oeil literatura propiamente dicha y con un que girava sobre o seu eixo paralisando ou objetivo paradójico: adquirir memoria suspendendo o efeito positivo do uso. Este del futuro. En su primera interpreta- recurso, ao mesmo tempo em que sus- ción la poesía matemática exige una pendia a utilidade, ativava em seu efeito a sensibilidad científica: el hombre es afirmação da negação. despojado de sus emociones básicas Para Vigo, a partir de 1956, a represen- y convertido exclusivamente en inte- tação da poesia era matemática. Nesse ligencia sintiente. Si las producciones poema visual (imagem 6) se observava de la primera vanguardia derrochan uma operação combinada (álgebra) jun- imaginación, la poesía matemática de to com a palavra poesia numa estrutura Vigo da un paso más: nos brinda po- vertical. O gesto incisivo e questionador sibilidades de imaginar un universo en do “metro ultrapassado” tradicional – in- que 2+2=5”. corporado posteriormente na novíssima poesia –, adquiriu maior significação no contexto do que George Steiner denomi- A estratégia de Vigo exibiu à milésima po- nou num artigo (de mesmo nome) “The tência o uso artístico (como artefato, como Imagem 4. Edgardo Antonio Vigo, poema matemático sobre tel- Retreat of the Word”. gopor fundido. 1966. materialidade) do número, o qual perdeu a No poema visual de Vigo recentemente sua função num sistema de anotações re- Imagem 6. Edgardo Antonio Vigo, Poema vertical, 1956. Sem tí- mostrado, o uso da linguagem alfabética se tulo. Biopsia 1953-7. Centro de Arte Experimental Vigo, La Plata. conhecível, suspendeu a sua racionalida- combinava com a linguagem matemática so- de para instalar-se no opaco e irracional. mente para indicar as relações de maioria, opacidades experimentais que instalavam Com isso podemos afirmar que a remissão minoria ou igualdade. Nesses casos, a utili- a ilegibilidade da linguagem alfabética li- à geometria e à linguagem matemática de zação de uma linguagem ou de outra tinham near e suspendiam simultaneamente o seu forma geral, em Vigo, teve um carácter correspondências distintas, uma possibili- uso; assim como a aparente racionalidade dual de reconhecimento e oposição-convi- dade de tradução equivalente. Contudo, a matemática. Em termos gerais, a razão na vência com respeito à linguagem alfabé- palavra poesia não encontrava em si mesma lógica artistotélica19 era guiada por três tica; neste sentido, de questionamento à outra tradução além da fórmula completa. princípios fundamentais: a identidade (A centralidade da palavra. Por outro lado, a Portanto, Vigo não somente encontrou a é A), a não contradição (A não pode não ironia contida no uso da linguagem mate- maneira de estabelecer uma relação não iso- ser A), e, em terceiro lugar, a exclusão (ou mática consistiu em deslocá-la a um terre- mórfica entre a poesia e a matemática, mas A ou não A). A esse respeito, Luis Pazos no irreconhecível diante da suspensão na também deixou latente a impossibilidade da mostrou no número 21 da revista Diagonal sua irracionalidade. Isso implicou mostrar tradução como equivalência. No catálogo da Cero (de março de 1967) que: o limite de toda a linguagem. Expo/Internacional de Novísima Poesía/69, A análise de Steiner em 1961 foi concomi- realizada posteriormente no Museo Provin- tante às experimentações com a matemá- cial de Bellas Artes de La Plata, Vigo afirma “La poesía experimental se basa en la tica de Vigo, ainda que não contemos com que “por su irracionalidad, las matemáticas renovación del lenguaje, dentro de este os dados que confirmem o conhecimento así tratadas mantienen la constante poética concepto la poesía matemática de Vigo mutuo do artista visual e do filósofo. A re- y su cuota de misterio y asombro”18. presenta la ruptura de la ‘normalidad’ a tirada da palavra foi a caracterização en- Esta afirmação remetia diretamente à través de dos vías: el rechazo de la ló- contrada por Steiner para o estado de coi- Imagem 5. Edgardo Antonio Vigo. 1967. Variante del reloj inútil construção desses produtos opacos, as (poema visual). In Diagonal Cero, Nº 24. La Plata. gica aristótélica y del principio de cau- sas. Diante do caráter verbal dominante 24 25 da civilização ocidental sob o qual falamos tial literacy is still rooted in classic values, e a revista de mesmo nome, de proposta e nos comunicamos no discurso e a sua in a sense of discourse, rethoric, and poe- baseada na opacidade dos produtos ilegí- inquestionável gratuidade, mostrava que: tics. But this is ignorance or sloth of ima- veis que dão conta da morte da palavra. gination” (p. 193). Estes elementos tiveram consequências A matemática foi a linguagem que Vigo nos modos de interação com os destinatá- “We should not assume that a verbal encontrou para experimentar para além rios destes produtos e com o campo cultu- matrix is the only one in which the ar- da linguagem alfabética; além de estabe- ral em geral. ticulations and conduct of the mind are lecer o fim do livro como parâmetro do- O laboratório poético22 que propôs Vigo conceivable. There are modes of intel- minante da civilização ocidental e da es- exige considerar a importância das expe- lectual and sensuous reality founded critura linear. Em vários textos da revista riências realizadas no Instituto Torcuato Di not on language, but on other commu- Diagonal Cero (principalmente a partir do Tella de Buenos Aires de 1967 até 1969, nicative energies such as the icon or número 20), a mensagem deduzida foi a no contexto de esgotamento da linguagem the musical note. And there are actions de questionamento do logos ocidental20. verbal como meio de comunicação artís- of the spirit rooted in silence” (1961, Esta proposição marcou as propostas ex- tica do livro e do poema em suas formas p. 187). perimentais da espacialidade de Pierre mais tradicionais; da poesia em sua acep- Garnier (1962), de Julien Blaine e da poe- ção grega de poiesis, de fazer, de obra e sia fonética. Para mencionar um exemplo, de criação do homem. Outro modo de realidade intelectual e sen- a afirmação “la palabra no existe más que Além disso, não devemos esquecer que a sual era a matemática. No caso da ma- en estado salvaje. La frase es el estado de década de 60 constituiu-se para os espe- temática, contava Steiner que apesar da civilización de las palabras” se lia no “Ma- cialistas na divisão entre o digital e o ana- sua longa história de anotações simbólicas nifiesto para una poesía nueva visual y fó- lógico (Benassini Félix, 2011). Um exem- até o século XVII, foi a chave de propo- nica” de Pierre Garnier traduzido do fran- plo disso foi a publicação em 1962 de La sições verbais aplicáveis e com significa- cês por Elena Comas em 30 de setembro Galaxia Gutenberg de Marshall McLuhan do dentro dos paradigmas da descrição de 1962, incorporado na revista dirigida na qual o autor estabelecia uma organiza- linguística. Ou seja, se mostrou regulada por Vigo. Julien Blaine fez o mesmo com ção em três eras: a pré-literária ou tribal e ordenada pela linguagem. Foi a partir as perfurações e o salto participativo21; na que reina a palavra, a era de Gutenberg desse século que as formas de pensar se enquanto que a poesia fonética recuperou com o reinado da palavra impressa e, por revolucionaram radicalmente. A matemá- cias humanas, concluía Steiner: “The most a voz, a sonoridade corpórea (respiração, último, a era eletrônica da humanidade re- tica se converteu em “a fantastically rich, decisive change in the tenor of Western silêncios, sobressaltos, entre outros) ex- tribalizada (compromisso sensorial total) complex and dynamic language. And the intellectual life since the seventeenth cen- trapolando a palavra. (Gordon y Wilmarth, 1997: p. 45)23. history of that language is one of progres- tury is the submission of successively lar- Outra frase que podemos mencionar cor- McLuhan centrou o seu interesse em uma sive untranslatability” (1961, p. 190) de- ger areas of knowledge to the modes and responde à capa do número 27 da revista concepção ampliada de meios nas eras vido às formulações da geometria analítica proceedings of mathematics” (p. 191). Diagonal Cero. Nela incluiu-se uma ilus- mecânica e eléctrica. Da primeira, eram e a teoria das funções algébricas, em con- Para o filósofo produziu-se um abismo, tração com a expressão “La palabra está próprias a roda, o alfabeto e a impressão; junto com o desenvolvimento das teorias uma pausa vasta entre a linguagem das muerta”, correspondente ao poema visual enquanto que da segunda era o telégrafo, de Newton e os cálculos de Leibnitz. Com palavras (alfabeto) e a da matemática, in- de Hans Clavin. A referência explícita foi o rádio, o cinema, o telefone, o computa- isso, deixou de ser “a dependent notation, clusive nos níveis de analfabetismo e da o Manifesto De Stijl, em holandês: “Das dor e a televisão. Essas foram, com isso, an instrument of the empirical” (p. 190). decodificação de uma ou outra. Wort ist tot”. À editoria deste número pa- as etapas nas que Vigo incursionou, le- A possibilidade da tradução de uma lin- O problema detectado por Steiner é que receu chamativa porque apresentava um vando ao limite a integração das suas pró- guagem a outra se tornou cada vez mais exceto em casos excepcionais, em mo- texto ilegível, em cujo dorso se observou prias propostas: o mecânico, a não-arte, difícil a partir da matemática moderna, mentos de “bleak clarity” não se atuava outro de similares características sob um a máquina que não é máquina e o uso da principalmente porque não se encontrava como se o império da matemática cobrisse título “Más editorial”. Este exemplo contri- linguagem matemática. Com relação aos a correlação necessária com a informação o campo social; pelo contrário, continuou- bui para sustentar a difusão de Vigo nos meios da era eletrônica, Vigo realizou uma sensível. Com o intuito de justificar o do- -se assumindo a dominação da esfera da anos sessenta, particularmente a partir do crítica em diversas oportunidades, em es- mínio da matemática nas diferentes ciên- palavra ao ponto que “the notion of essen- movimento (não coletivo) Diagonal Cero pecial durante 196824. 26 27

O impulso que adquiriu Edgardo Vigo como sual feitas anteriormente nas suas diversas difusor principalmente nos anos sessenta, técnicas, tais como o intercambio e a mo- participar en un acto-creativo-condicio- outorgou- lhe um lugar privilegiado dentro bilidade de folhas impressas, perfurações, nado (y decimos condicionado pues re- da poesia experimental latino-americana. dobras e cortes; além disso, apareciam as cibe los elementos con los cuales debe- Entre 1958 e 1959 realizou poemas ma- figuras geométricas amarradas com letras rá jugar), al intercambiar, conjugar de temáticos consistentes em desenhos com e números. A edição de Contexte constava distintas formas las hojas. Aceptando tinta. Para isso, utilizou elementos do de- de seis folhas de 18,7 x 20,2 cm. A tipogra- incluso una fuente de luz que torna los senho técnico como compassos e moldes fia era feita com três tintas (azul, vermelho elementos geométricos utilizados en de letras, alguns dos quais foram mostra- e preto) sobre papéis de diferentes cores una a-geometrización por las secuen- dos no início. Em “Panorama sintético de la (vermelho, azul, amarelo e branco). Cada cias de sombras cortadas o difusas se- poesía visual en Argentina”25 reconheceu dobra, corte ou perfuração deixava trans- gún la colocación de las hojas”.27 como seus primeiros poemas matemáticos luzir uma parte da folha seguinte. O corte os publicados nos programas do Cine Club na quarta página somente constava nesta de La Plata entre 1962 y 1963, cuja elabo- edição, e não na de Agentzia. O que foi dito até aqui sobre a experimen- ração era manual: “posteriormente inves- Um ano depois (1968) a editora Agentzia, tação da poesia matemática de Vigo como tiga intensamente en pequeños espacios a cargo de Jochen Gerz e Jean François um subgênero da poesia visual é relevan- el tratamiento del número, su composición Bory (redação), publicou os poemas de te. Pois, nesta ordem de ideias, se pergun- y su no-sentido ascendiendo al carácter de mesmo nome. Essa editora começou em tarmos qual é o uso social destes objetos ‘poesía’ utilizando un método de lectura 1966, quando Gerz voltava de París. Seu poéticos poderíamos elaborar respostas envolvente, sin fin” (1975). propósito era a comunicação, a informa- diversas. Por um lado, a circulação destes Os contatos culturais com a França (Bariso- ção, a novidade e a criatividade. O núme- objetos participativos revisou a ideia de ne, 2014), lhe permitiram editar no país o ro de copias oscilava de doze a dez mil comunicação, preocupação de Vigo des- Poème Mathématique Baroque. Na primei- exemplares sobre arte, pesquisa e poesia de a revista WC (iniciada em 1954) sobre ra edição de julho de 1967 (Editorial Con- visual. Vigo em 1968 afirma que nosPoe - como o crítico de arte se posiciona dian- texte26), se realizou uma tiragem de 700 mas matemáticos barrocos: te daquilo que separa os seus parâmetros exemplares, dos quais trinta foram envia- “El observador ya no se queda con la estéticos conhecidos e sobre como o críti- dos como pagamento. Observavam-se nes- única posibilidad de mover las páginas co de arte deve co-ajudar na compreensão ta edição traços característicos da revista o seguir un ritmo ya dado por la nume- da arte ao público ascético. Neste sentido, Diagonal Cero e da produção de poesia vi- ración de las mismas, sino que puede também examinou a relação obra-público- -artista. O artista era um programador, um realizador, um engenheiro, um projetista que projetava a obra, que experimentava num laboratório com diversas linguagens. O público se viu afetado pelo objeto, par- ticipou, se deixou influenciar por ele. A poesia participativa expandiu-se e superou o plano da folha de papel, se tornou trans- formável, móvel, tridimensional; poste- riormente, alcançou o espaço público e se moveu em materialidades processuais. Encontrar uma linguagem, um modo de falar que dissesse sobre as formas Edgardo Antonio Vigo. 1968. Poème tradicionais de fazer poesia e de associar a Mathemáthique poesia relacionava-se à situação observada Baroque. París: Ed. Agentzia. por Vigo: 28 29

“la poesía parecía haberse quedado en un estancamiento de posiciones comu- nes. El libro, el trato de la palabra y una métrica que exige su ‘lectura’, así lo certifican (…) románticos, y soció- logos del metro, cantaban con fuerza ‘surrealista’ las cosas comunes que por repetición se tornan baladíes. Una serie de términos de la ‘alta poesía’ ya no se entroncaban con el real latir de esta segunda mitad del siglo XX dominada por la IMAGEN”.

O cenário com o chamado “boom latino- -americano” dos anos sessenta tinha mu- dado: a imagem era o núcleo dominante acima da palavra escrita (também ima- Com relação a este contexto foram de- gética na história da poesia versificada). vedoras as revisões pós-estruturalistas,

“Poema matemático. Igualdad desarrollada de 6:9”, La Plata 1958. como os estudos sobre a retórica da ima- gem de Barthes, a análise de Magritte de Michel Foucault, a desconstrução do logos ocidental a cargo de Derrida, o conceito de intermedia de Dick Higgins. Dessa for- ma, queremos mostrar que estas preocu- pações de nenhum modo foram localistas nem nacionais, excederam amplamente o contexto argentino. Porém, nos interessou particularmente expor que soluções singu- lares se propuseram. O caso de Edgardo Antonio Vigo foi influente no campo cul- tural argentino, o qual começou a vislum- brar tardiamente suas considerações. Foi influente porque lutou contra os clichés (diria Deleuze) coetâneos: se usou o nú- mero, a álgebra, ou o silogismo foi para suspendê-lo, se usou a geometria, foi para tirar o seu fundamento (ageometrizá-la), se usou a letra foi para materializá-la (tor- ná-la imagética). Elegeu o caos a partir da marginalidade e estranhamento que pro- vocaram os produtos opacos; um caos-o- riginário, um caos poiético. 30 31

Notas lhe pergunta sobre se considerava-se um artista marginal después de la modernidad” In BALUZZO, A. (Ed.) Moderni- mo y poesía visual en el contexto de las relaciones interartís- 1 VIGO, Edgardo Antonio. 1982. “Concepto de ‘opaci- “voluntariamente separado do contexto institucional”. Vigo dade: Vanguardas Artísticas na América Latina. San Pablo: ticas. Interrogantes y recorridos investigativos” In CRISTIÁ, dad’”. In Biopsia 1982, La Plata: Centro de Arte Experi- responde: “Yo me defino como un artista ‘anárquico-ag- UNESP-Memorial. p. 231. Esta idéia foi retomada por Can- Cintia (Ed.). De migraciones, confluencias y nuevos géneros mental Vigo. Texto inédito mecanografado. nóstico’. Al tomar esta actitud no lo hago políticamente clini de SLEMENSON, Marta e KRATOCHWILL, Germán. artísticos. Una aproximación a la interrelación de las artes en sino como una forma de vida. Creo en la libertad, soy un 1970. “Un arte de difusores. Apuntes para la comprensión los siglos XX y XXI. Santa Fe: Ediciones UNL. [Na gráfica]; 2 Usamos a expressão arte marginal nos termos das fanático de la libertad (…) Esa fue mi actitud con respecto de un movimiento plástico de vanguardia en Buenos Aires, Barisone, Ornela. 2013. “Discursos de la vanguardia e inter- manifestações criativas de indivíduos produzida à margem a las galerías, a los museos, a los compromisos con los de sus creadores, sus difusores y su público” In MARSAL, cambios transnacionales ‘fuera de foco’: el invencionismo y da ortodoxia com que foram introduzidas ao longo da his- críticos, porque me daba cuenta que uno va entregando Juan (Ed.) El intelectual latinoamericano. Buenos Aires: del la propuesta integrativa de E. A. Vigo” In Encuentros transa- tória da arte graças às dinâmicas de influência, apropriação pequeñas cosas. Sé que la pureza total no existe, pero Instituto. pp. 171-201. tlánticos: discursos vanguardistas en España y Latinoaméri- e transformação. No caso de Edgardo Vigo sua formação sí hay cierta entrega que es libre. La institucionalización ca. Madrid:Museo Reina Sofía. [Na gráfica]; Barisone, Ornela. acadêmica lhe permitiu que se distanciasse dos cânones del arte siempre me asustó. Pero no creo ser un artista 5 SCHKLOVSKY, Viktor. 2004. “El arte como artificio” 2013. “Plastic Writing Modalities in the Mid-Twentieth Century vigentes de escultura e pintura clássicas, da gravura tra- marginal´; mi posición no es programática ni teórica (…) In TODOROV, Tzvetan et al. Teoría de la literatura de los in Argentina transnational interimagetexts (1944-1968): in- dicional para propor versões experimentais das disciplinas Lo insólito irrealizable define mi posición”. LOPEZ ANAYA, formalistas rusos. Buenos Aires: Siglo XXI. pp. 55-70. ventionism and visual poetry first steps in the context of in- tradicionais. Com isso, queremos mostrar que não nos re- Jorge. 1991. “La imaginación y la libertad de un artista no terartistics relationships” In XXXI International Congress of ferimos diretamente à estética considerada erroneamente convencional” In La Nación. Buenos Aires, 2 de Fevereiro 6 Caixas de madeira artesanais nas que Vigo organizou the Latin American Studies Association LASA 2013 “Towards

“degenerada” e como ela foi se integrando pouco a pouco de 1991. p. 5. Disponível na Biopsia 1991. La Plata: Centro cronologicamente os seus arquivos (recortes de exposições, a New Social Contract?” Washington DC: LASA. Disponível na arte. Embora entendêssemos que alguns pontos co- de Arte Experimental Vigo. poemas visuais, notas jornalísticas, entrevistas, catálogos, etc.) Web: https://lasa4.lasa.pitt.edu/members/congresspapers/ muns caracterizariam a produção de Vigo como marginal, lasa2013/files/40368.pdf [1/03/14]; BARISONE, Ornela.

à borda ou à margem, em relação ao que se constituiu e 3 A criação do Museo de Arte Moderno de Buenos Ai- 7 Clemente Padín definiu a poesia experimental como 2012. “Vigo organizador de la Expo Internacional Novísima definiu como Art Brut (Jean Dubuffet) ou Arte Outsider; res em 1956, pode ser recordada como um hiato relevan- “Toda búsqueda expresiva o proyecto semiológico radical de in- Poesía/69 (CAV ITDT, 1969): materialización del intercambio uma particular ortodoxia dentro do sistema da arte oci- te. Ver sobre a vanguarda platense dos anos sessenta a vestigación e invención de escritura, ya sea verbal, gráfica, fó- y relaciones posibles con el concretismo”. Experimental Poe- dental. Então, as práticas de Vigo podem caracterizar-se linha do Movimiento Arte Nuevo (MAN) no Museo Provincial nica, cinética, holográfica, computacional, etc., en sus múltiples tics and Aesthetics E- Journal. Nueva Zelanda: University of como Outsider Art em um sentido amplo; em termos de de Bellas Arte de La Plata a partir de 1965 e os lugares posibilidades de transmisión, sobre todo a través de códigos Canterbury College of Arts. [Na gráfica]; BARISONE, Ornela. prática artística situada fora ou contra das tendências da ocupados por Ángel Osvaldo Nessi e Saúl Yurkievich. Tam- alternativos, cuanto en variedad de su consumo o recepción. 2012. “Contemporaneidades y batallas: en torno al invencio- arte oficial. Para ampliar este conceito remetemos a: CAR- bém o Grupo-Sí (1960-2), que integrou Edgardo Vigo em (…) Cuando se crea nueva información, es decir, elementos no nismo argentino (1944-1950)” In ERAS. European Review of DINAL, Roger. 1994. “Toward an Outsider Aesthetic”. The 1960. Ou mesmo, o Centro de Visión Integral (VIIN), no previstos por el código, se está poniendo en duda, también, Artistic Studies. vol.3, n.3. pp. 33-53. Portugal: Departament Artist Outsider. Creativity and the Boundaries of Culture. qual a partir de 1961 se traduziu textos sobre constru- su legitimidad, se cuestiona su estructura significante.” PADÍN, of Psichology and Education. Tras-os-Montes e Alto Douro D. Hall, Michael y W. Metcalf, Eugene Jr..Washington and tivismo e difundiu os principais trabalhos sobre arte, ar- Clemente. 2000. “La identidad de la poesía experimental”. Es- University (UTAD). Disponível Web: http://www.eras.utad. London: Smithsonian Institution Press. pp. 21-39. quitetura, comunicação visual e desenho industrial. Não cáner cultural. Santiago de Chile. Ano 2, Nº 15. Disponível Web: pt/docs/10%20VISUAIS.pdf [1/02/15]; BARISONE, Ornela. Segundo Volpe (2013: p. 5), o termo Arte Outsider (Outsi- devemos esquecer tanto o lugar da Pequeña Galería Radio http://www.escaner.cl/escaner15/acorreo.html [1/04/11] 2012. “Contactos teórico-poéticos entre Brasil y Argentina: der Art) foi empregado pelo crítico de arte Roger Cardinal Universidad (Director Julio Sager) que de 1961 a 1963 fun- Edgar Bayley dice de Carlos Drummond de Andrade. Ob- em 1972, traduzido do inglês do termo Art Brut que o pin- cionou como espaço de divulgação das ideias de Vigo e os 8 Ver com respeito às constelações tipográficas do ale- servaciones en torno a la tensión entre emocional/racional tor francés Jean Dubuffet tinha feito por volta de meados grupos independentes da Escola Superior de Bellas Artes. mão Franz Mon. en el contexto del invencionismo argentino desde mediados da década de 1940. Embora na tradução do inglês para Estes eixos foram estudados pelo Proyecto de Documen- de los cuarenta” In El Hilo de la Fábula. año 12, N° 12. o espanhol se lesse “Arte marginal”, no sentido de arte à tación e Investigación de las Artes na cidade de La Plata 9 Optamos por manter o termo como aparece na arte pp 39-57. Santa Fe: Centro de Estudios Comparados- Edi- margem; enquanto que no vocábulo francês se lia “Arte intitulado de “Las Artes y la ciudad: archivo, memoria y madí argentina. Ludicidad faz referência ao carácter lúdico ciones UNL; BARISONE, Ornela (2011): Edgar Bayley y el Bruto”, uma arte em bruto. Aparentemente o termo de Ro- contemporaneidad (1958-2006)” logalizado no IHAAA da e criativo da arte. invencionismo. Los primeros pasos de la poesía concreta en ger Cardinal corresponde a uma interpretação sociológica Faculdade de Bellas Artes de la Universidad Nacional de La Argentina. Tese de graduação em Letras. Santa Fe: Univer- e o de Dubuffet, se refere a uma essência ontológica desta Plata. Com respeito a alguns destes temas podemos citar 10 BARISONE, Ornela. 2013. “Hacia un arte-otro: Ed- sidad Nacional del Litoral. manifestação artística. O primeiro abarca um amplo leque duas referências: NESSI, Ángel Osvaldo. 1982. Diccionario gardo Antonio Vigo y el Grupo Integración”. In AACA Digi- de criações marginais, diferentemente do segundo que temático de las artes en La Plata. La Plata: IHAAA, FBA. tal. Revista de la Asociación Aragonesa de Críticos de Arte. 12 A.A.V.V. 1944. Arturo. Revista de artes abstractas. corresponde a um determinado tipo de produção marginal. UNLP e VIGO, Edgardo Antonio. 1969. “No-Arte-Sí”. Ritmo, Dezembro. pp. 1-8. Disponível Web: http://www.aacadigi- Buenos Aires. Em termos gerais, a definição desta arte é muito ambígua. Nº5. Outubro. tal.com/contenido.php?idarticulo=876 [2/01/15] Esta relação merece maior detalhamento. Em 1991, quan- 13 GARCÍA, María Amalia. 2011. El arte abstracto. Intercam- do o crítico Jorge López Anaya entrevista a Edgardo Vigo, 4 GARCÍA CANCLINI, Néstor. 1990. “La modernidad 11 BARISONE, Ornela. 2013. “Invencionismo, concretis- bios culturales entre Argentina y Brasil. Buenos Aires: Siglo XXI. 32 33

14 SANTANA, Raúl et al. 2008. Carmelo Arden Quin. América Latina desde América Latina. Rosario: Facultad de Imagem 7. Edgardo Antonio Vigo. 1967. Poème Mathema- Cat. Exp. Buenos Aires: Galería Laura Haber. Humanidades y Artes, Universidad Nacional de Rosario. thique Baroque. París: Ed. Contexte. Fotografias personais. [Na gráfica] Arquivo Neide Sá. Rio de Janeiro. 15 AVENA NAVARRO, Patricia (Cur.) .2013. Arden Quin. La invención lúdica. Cat. Exp. San Juan: Museo Provincial 22 BARISONE, Ornela. 2014. “La escapada de la línea: Imagem 8. Edgardo Antonio Vigo. 1968. Poème Mathemá- de Bellas Artes Franklin Rawson. Edgardo Antonio Vigo y la construcción de la poesía visual thique Baroque. París: Ed. Agentzia. como género” In Laboratorio. Nº 11. Chile: Universidad 16 A.A.V.V. 2014. Arte Madí. Edición Facsimilar. Buenos Diego Portales. Disponível Web: http://revistalaborato- Imagem 9. Edgardo Antonio Vigo. 1958. Poema matemá- Aires: Biblioteca Nacional. Ver no número um da revista o rio.udp.cl/la-escapada-de-la-linea-edgardo-antonio-vi- tico. Igualdad desarrollada de 6:9. La Plata. Biopsia 1958. “manifiesto madí”. go-y-la-construccion-de-la-poesia-visual-como-genero/ Centro de arte experimental Vigo, La Plata. Combinaçao de [1/04/15] numeros e letras. Traços verticais, horizontais e curvos em 17 Movimento experimental criado por Vigo na década tinta. Localizaçao sem centro. de 50 que produziu séries de desenhos, collages y objetos 23 GORDON, Terence y Susan WILLMARTH. 1997. McLuhan inúteis. Para uma melhor análise desta etapa ver GRADO- para principiantes. Buenos Aires: Ediciones para principantes. Imagem 10. Edgardo Antonio Vigo. 1967. Análisis poético WCZYK, Mario. 2008. Maquinaciones: Edgardo Antonio matemático de una sala de relojes inútiles. In Diagonal Vigo, trabajos 1953-1962. Buenos Aires: Centro Cultural 24 BARISONE, Ornela. 2014. “La escapada de la línea: Cero, nº 24. La Plata de España en Buenos Aires (CCEBA). Edgardo Antonio Vigo y la construcción de la poesía visual como género” In Laboratorio. Nº 11. Chile: Universidad Imagem 11: Edgardo Antonio Vigo. IIº (op) P (1967). Poe- 18 VIGO, Edgardo Antonio. 1969. Expo/Internacional de Diego Portales. Disponível Web: http://revistalaborato- ma matemático eunuco. Fotografias personais. Arquivo Novísima Poesía/ 69, Museo Provincial de Bellas Artes, Cat. rio.udp.cl/la-escapada-de-la-linea-edgardo-antonio-vi- Neide Sá. Río de Janeiro. Exp. La Plata. go-y-la-construccion-de-la-poesia-visual-como-genero/ [1/04/15] 19 Para ampliar o tema consultamos BUSTAMANTE ZAMUDIO, Guillermo. 2008. “Los tres principios de la lógi- 25 VIGO, Edgardo Antonio. 1975. Mecanografado. Biop- ca aristotélica: ¿son del mundo o del hablar?”. Folios. Co- sia 1975. La Plata: Centro de Arte Experimental Vigo. lombia: Universidad Pedagógica Nacional. Segunda época, Nº 27. pp. 24-30. Disponível Web: http://www.scielo.org. 26 O francês Jean François Bory, no seu livro Once again co/pdf/folios/n27/n27a03 [1/04/15] (1968), menciona Vigo devido a sua inovação com a poesia matemática. Estes textos também estão presentes no cor- 20 Ver a respeito De la gramatología, especialmente no po de uma “Antología de la poesía experimental argentina” capítulo intitulado de “El fin del libro y el comienzo de la no primeiro número de Doc(k)s (1976), revista dirigida pelo escritura” de Jacques Derrida (1967). DERRIDA, Jacques. francês Julien Blaine, entre outros comentários e resenhas de 2008. De la gramatología. Trad. Oscar del Barco y Conrado autores variados. Ceretti. Buenos Aires: Siglo XXI. O uso do número nos textos em francês J. F. Bory pódense observar seguindo as publicações na década dos sessenta. 21 BARISONE, Ornela. 2014. “Migraciones en el escena- BORY, Jean François. 1968. Once Again. Nueva York: New rio transnacional de la poesía visual. Edgardo Vigo y Julien Directions; BORY, Jean François. 1966. Arithmetic Texts. Blaine: manifiestos ‘extratextuales’ y colaboraciones”. In Londres: Gallery Number Ten; BORY, Jean François. 1967.

Jornadas Internacionales Arte en el Sur 2014: Latinoamé- Eight Texts + One. Londres: Contexte e Gallery Number Ten. rica y Latinoamericanismo en la Teoría y la Práctica Visual. San Juan: Museo Provincial de Bellas Artes- Universidad 27 VIGO, Edgardo Antonio. 1968. “La nueva vanguardia Nacional de San Juan. [Na gráfica]; BARISONE, Ornela. poética en Argentina”. Los Huevos del Plata, Nº 11, Montevideo. 2014. “Contactos culturales en torno a la poesía visual: Ed- gardo Antonio Vigo y Julien Blaine. Activación, estallido y perforación” In XIII Encuentro Arte, Creación e Identidad. 34 35

Um bom exemplo dessa importância re- destaque para La poesía experimental la- ENTREVISTA COM O POETA flete-se no Encuentro Latinoamericano de tinoamericana: 1950-2000 (Colmenar Vie- Performance, que acontecerá no próximo jo: Información y Producciones, 2000), La mês de junho, na cidade argentina de poesía es la poesia (Montevidéu: Imagina- Junín, província de Buenos Aires, que terá rias, 2003) e 40 años de performances e como tema principal uma homenagem a intervenciones urbanas (Montevidéu: Ya- Clemente Padín. Além de suas criações ugurú, 2009). Conheçamos um pouco do poéticas, Padín é realizador de performan- pensamento de Clemente Padín. CLEMENTE ces, que acontecem desde os anos 70, como uma das expressões possíveis de Para iniciar, segundo a sua visão, o sua experimentação. que é poesia experimental? Padín nasceu em 1939 na cidade uruguaia A poesia experimental se concretiza em toda de Lascano, departamento de Rocha, e busca ou pesquisa expressiva ou projeto se- vive atualmente em Montevidéu. Sua miológico radical de pesquisa ou invenção de PADÍN atuação na cena artística do Uruguai vem escritura ou leitura (codificação e decodifica- desde os anos 60, quando dirigiu as revis- ção), independentemente do meio utilizado, tas culturais Los Huevos del Plata (1965- seja por meio de transmissão de inúmeras FRANKLIN VALVERDE 1969), OVUM 10 e OVUM (1969-1975). formas (incluindo os códigos alternativos) e Nas décadas seguintes ainda atuou nas também através das variadíssimas possibili- publicações de Participación (1984-1986) dades de consumo ou de recepção. e Correo del Sur (2000). Durante a última ditadura uruguaia (1973-1984), devido o Qual é o balanço que você faz da poesia seu caráter contestador, passou dois anos experimental realizada no século XX? O uruguaio Clemente Padín é um dos prin- preso e teve seus passos monitorados pelo Em primeiro lugar a atividade poética ex- cipais poetas experimentais em atividade regime, na chamada “liberdade vigiada”, perimental durante o século XX testemu- no mundo. Ele está naquele time de sele- até o fim dos governos militares. nhou a precariedade do conceito restrito tos craques da visualidade poética formado Padín, além de um grande criador e incen- de literatura, quer dizer, a existência de pelos brasileiros Augusto de Campos, Dé- tivador da arte correio, também é um pen- um único e imodificável conceito de lite- cio Pignatari, Haroldo de Campos e Wla- sador sobre a prática e a criação na poesia ratura baseado exclusivamente na seman- demir Dias-Pino, o argentino Edgardo Vigo experimental que é realizada no mundo ticidade verbal. Na verdade, este concei- e o chileno Guillermo Deisler. e, principalmente, na América Latina. Sua to deflagra por si só, particularmente na “militância poética” o tem levado para poesia, os elementos para-linguísticos ou inúmeros países, registrando a participa- assemânticos que são essenciais para es- ção em mais de 200 exposições coletivas, tabelecer significados. Refiro-me aos re- além de suas performances poéticas. Seus cursos estilísticos e a estruturas formais, textos já foram traduzidos para o alemão, tais como a rima, a versificação, o ritmo francês, holandês, húngaro, inglês, italia- etc. Em segundo lugar, propôs um concei- no, português e russo. Entre seus livros, to “ampliado” da literatura, que leva em 36 37

conta os elementos pansemióticos de idio- recionalidade da escritura antiga hoje nos paço e a visualidade na poesia dos novos O que as novas tecnologias trouxeram ma (Jakobson), ou seja, elementos que pareça conscientes e deliberadas formas tempos, a integração do visual e do verbal realmente de revolucionário para a poesia? atuam em todas as línguas, não apenas expressivas, mas porque, desde o início, no poema e, eventualmente, do fônico (se Trouxeram nada menos que a multimídia. como mera “contraliteratura” transgressi- o recurso da reiteração ou redundância, o poema for lido) e, no futuro, do digital A multimídia é um fenômeno típico do fim va, que a deixa de fora do “cânone”, mas para garantir a comunicação tem resulta- (como temos visto). Se deixarmos de lado do século passado e aparece como a soma como uma identidade própria onde con- do nessas formas visuais que revelam e os significados e nos propusermos a ler e a conjunção de linguagens passíveis de fluem muitas e particulares concepções da reforçam o sentimento de expressão lin- exclusivamente as formas, podemos ver serem modificadas e/ou alteradas em in- arte literária e que nela coexistem. guística, os chamados poemas de figuras o longo desenvolvimento da poesia visual, finitas direções. Isso não só no âmbito ou carmina figurata que existem desde o por exemplo, no qual vemos um longo restrito da tela do computador, como tam- O que você poderia dizer da poesia século III, aC.. Mallarmé inaugurou a con- predomínio do poema de figuras (o visual bém via impressão e em qualquer suporte experimental neste século XXI? junção de recursos que, até então, per- complementando o verbal, redundante- imaginável. É uma conquista irreversível A experimentação poética não mudou, maneciam separados: as formas visuais mente) até o aparecimento de Mallarmé da técnica e da ciência desta época. A mul- pois continua sendo exercida mesmo que que se impuseram aos textos em Un coup desde o final do século XIX (unidade ver- timídia, graças a suas incontáveis possibili- mudem os seus suportes. As formas vi- de dés jamais n’abolira le hasard (Um bal-visual) ao início do XXI, no qual as for- dades de combinação sígnica, com qualquer suais, que parecem inaugurar em Mal- lance de dados jamais abolirá o acaso), mas visuais parecem independentizar-se das linguagens conhecidas ou a conhecer, larmé, sempre existiram na literatura. que atribuíram um plus de informação im- e subordinar aos seus antigos patrões, o veio para abrir aquelas fronteiras entre os Sempre existiram ancoradas na dimensão possível de ser transmitida verbalmente. verbal ou o fônico, sua entrada triunfal gêneros e as formas poéticas e, também, visual da linguagem, não só porque a di- Assim, inaugura o papel primordial do es- através da multimídia. entre estas e as linguagens não-verbais. 38 39

A arte correio teve muito sucesso em concentramos na divulgação da arte ex- todas as áreas da atividade humana, in- membro de uma comunidade e de uma décadas passadas. Atualmente, com a perimental, não só no campo poético. O cluindo a arte. A arte é uma dessas sub- cultura determinada não posso deixar de internet, muitos críticos dizem que é novo necessita de novos conceitos para -áreas (do complexo “cultural”) e o artista expressar, mesmo que eu queira o contrá- uma expressão artística ultrapassada. ser definido e assumido, como saber que é o seu produtor. Ao criar tenta realizar rio, os conteúdos próprios dessa unidade Você concorda com isso? a realidade se extrai tanto do caos como sua essência, quer dizer, sua “humanida- inconsútil. Em minhas obras pretendo glo- Sem dúvida… Este sistema econômico co- do não ser. Estes novos conceitos devem de”, dando conta de seu “ser no mundo” rificar nosso ser e nosso mundo colocando loca um preço até mesmo no ar que respi- ser criados já que, mesmo que pré-exis- (Sartre). Através do domínio da natureza em evidência o melhor da nossa existên- ramos. Não só ele tem o preço de todos os tentes nos objetos, se desconhecem até e em virtude dos grandes avanços tecno- cia, mas, para isso, devo por em evidên- ativos, terra, água, sol, vida animal etc., esse momento. Só existe socialmente lógicos na produção mercantil, o homem cia tudo aquilo que faz impossível aquela mas também coloca o seu preço sobre o quando eles são nomeados, ou seja, quan- está capacitado para produzir mais e mais aspiração. Quer dizer, expressar não só o amor, a morte e os sentimentos. Para essa do adquirem um formato de palavra que produtos fora das necessidades médias e bom e maravilhoso da vida, mas também qualidade intrínseca do capitalismo, sua representa aquele correlato objetual des- práticas de sua existência. É precisamente denunciar tudo aquilo que seja contra ela: lei de ferro, contrapusemos a arte correio coberto. Assim, a ênfase da poesia experi- essa capacidade de produzir excedentes a injustiça, a arbitrariedade, o ultraje, a ideológica. Ao opor-se a alma do capital, mental para examinar os meandros dessa que permite a satisfação de requerimentos infâmia e todas aquelas iniquidades que do mercado e ao seu instrumento dire- terra de ninguém que faz fronteira com o menos concretos e urgentes, até chegar assume o ódio e a morte. Por isso, minha to, o dinheiro, acaba colocando-se como ser e o não-ser, a ordem do caos, jogando ao nível das necessidades mais especifi- obra – não só as performances e a poesia oposta e atentatória do sistema. Para ela a filosofia ou a ciência ou a si mesma, pro- camente humanas: a arte, o simbólico, o experimental – assume um caráter de rei- a sua melhor arma é a absorção, fora do curou ampliar o cenário onde os valores estético. Por isso seu papel é essencial, já vindicação, de protesto, de política no bom que, como todos os movimentos artísti- consigam sua segura expressão simbólica que se constitui no fundamento e pilar da sentido, tratando de influir, no que é possí- cos, a arte postal tem um começo, meio e à luz de seu próprio tempo e à altura do progressiva (porque ainda não está termi- vel, na restituição da justiça e da dignidade.” fim. No entanto, em que pese isso, a arte que o progresso tecnológico fez até ago- nada) “humanização” do homem. A obra postal é a postura artística mais longe- ra. Assim, se diz que toda a arte deve ser de arte, partindo da sua condição de “pro- va e massiva que se conhece na história experimental em si mesma, isto é, experi- duto de comunicação”, ao exigir a partici- da humanidade. Por que duvidar de sua mental em relação à sua linguagem. pação de, pelo menos, dois interlocutores “eternidade”? A comunicação não é, em si em situação de “diálogo” ativo, impõe uma mesma, eterna? É o “ethernal networking” Está mais que provado que a obra dos das características proeminentes do “hu- de Robert Filliou. Se a arte correio desa- artistas, poetas e escritores não so- mano”: a relação social. A arte, em razão parecesse, desapareceriam os canais de brevive em sua totalidade, somente de sua característica contestadora e mar- comunicação (o correio postal, o e-mail, uma parte dela resistirá ao tempo. O ginal, se transformou em um dos meios o fax etc.). Outra maneira de fazê-la de- que você gostaria que sobrevivesse idôneos para comunicar a constante insa- saparecer seria inverter seu objetivo: de da sua obra? tisfação que pode provocar em alguns a objeto com valor de uso para objeto com Talvez partes desta declaração de princí- injustiça e a desumanização próprias do valor de troca, quer dizer, sua inserção no pios que escrevi há alguns anos: sistema que vivemos e oferece, generosa, mercado de arte deixando de lado sua pri- “A realidade na qual transitamos está for- as vias adequadas para sua denuncia. No meva finalidade, a de unir fraternalmente mada de áreas diversas não necessaria- entanto, não nos enganemos: também é aos homens. mente autônomas, mas interrelacionadas. idônea para expressar qualquer conteú- Assim sendo, a política, a religião, a cul- do. Os temas estão implícitos no seio da Você já viajou por quase todo o mundo tura etc., formam um todo não absoluta- vida social pela qual não importam quais participando de eventos relacionados mente estruturado, senão em constante são, importando sim como expressá-los. O com a poesia experimental. Segundo movimento e interação. Por estarem in- amor é o mesmo em todas as épocas, no a sua visão, atualmente, quais são os terconectadas cada mudança em qualquer entanto, só nos parece novo e transfigura- seus principais centros criativos? desses âmbitos, forçosamente, influen- do quando o vemos expressado pela arte Qualquer lugar pode ser transformado ciará aos demais. Assim, por exemplo, o da nossa época. Na arte que eu realizo em grande centro de poesia experimen- descobrimento da Teoria da Relatividade espero expressar meu ser, minhas preo- tal se, com atitude e determinação, nos interveio e produziu mudanças em quase cupações e minhas esperanças. Enquanto 40 41

André INVENÇÃO Vallias

‘aconteceu’ ‘tradução topológica’ para carlos adriano 42 43 44 45

Edgardo Antonio Vigo

'Poème mathématique baroque' (capa e duas páginas internas) 46 47 48 49

Erthos Albino de Souza

'Le tombeau de Mallarmé' ‘Volat Irrevocabile Tempus’ 'Samsara' (A John Lennon) (reproduzimos, aqui, apenas uma André imagem da sequência de imagens de cada um dos poemas) Vallias 50 51 52 53

...... m ...... e ...... c . . . . . c ...... i . . . . â ...... d . . . n ...... n . . o m d h . . . . o . . . o m . u s o . . e . . d e o f . g i d . . s . i . m h o . u l . m . Gabriel c o s u m u c i a m n s u a e n a i l o s é . a a r m a d o a r c o n t r a a a s ma n r o e n i h i o i e n d u mr r s t é . n n d a r Kerhart . . l s c n o . g s o s . o r o . d . â r . . o á d . . o . . . r e . . s o n . 'Inspirado em Asthmatour' . . . . s r o a . n i . . . o 'Merzóstico HCE' . . . . i . i . s . . s s . c . . m c . . o . c ...... a . . . s . . i . . . o s ...... s . . a d ...... o . . . . . d . . s o . m ...... s ...... a . s . . l u . . . . l 54 55

...

Sérgio Blank

WAR IS OV R ‘O chapéu’ ‘Picles’ y

... 56 57 O CHAPÉU lá pelas tantas me vi de soslaio monstro do lago ness ó de casa meu anjo da guarda fica comigo esta noite par ou impar? quasimodo bate sino em meu sono ínterim ínterim ínterim faleço o feltro da cabeça esvoaça até a calçada todos eles pé ante pé andam em cima encostado na vitrine eu não faço nada o par ou o ímpar? nem sou dado a soldado ARTIGOS/ o quartel pegou fogo ímpar um dois três e já PICLES com gim e rum ENSAIOS a dor no não e no sim o ruim fio do pincel ou pencil ou pen qualquer traço com ou sem tom que escreva uma sílaba um trio diga um duo o gosto da conserva do dia num pote no peito do conservador alheio a mim digno de ti vinagre no hálito cru fel que larga a pessoa nua mas brio ou blue tem quatro letras em um imã a escolher uma linha a da rua ou até a de um ou de uma sol ou lua à toa sou gim e rum que nem língua de minha boca no céu da sua 58 59

Para o escritor: O objetivo desse artigo é, a partir das dis- cussões do pertencimento epistolar coloca- Ao querer instigar e provocar o outro, à das por Jacques Lacan (Seminário, 1955) e espera de reação, de preferência uma Jacques Derrida (O Cartão Postal, 2007) e resposta, o missivista retroage primei- da autoria de Foucault (O que é um autor, ro sobre si mesmo, porque o chute ini- 1992), configurar os parâmetros de uma cial da correspondência pressupõe o poética epistolar no movimento concretis- exercício de certo egoísmo abnegado. ta. Por poética, compreendo “dois compo- POESIA CONCRETA: Se me for permitido o paradoxo. Antes nentes: um é um inventário de estruturas de tudo, o missivista procura um cor- literárias, gêneros, temas, personagens e respondente que possa causar efeito situações prototípicas e símbolos; a outra, benéfico. A carta-resposta tem a apa- um conceito do que literatura é, ou deve- CORRESPONDÊNCIAS rência de tônico, calmante ou vermífu- ria ser na sociedade” (LEFEVERE, 1987, p. go. (SANTIAGO, 2006, p. 65) 26). Dessa maneira, pretendo demonstrar como a correspondência entre brasilei- A partir do excerto acima, conclui-se que ros e britânicos provocou uma mudança Santiago, embora perspicaz, atenta so- no paradigma artístico do movimento, ao ENTRE BRASIL mente a um aspecto da escrita de cartas mesmo tempo em que possibilitou uma to- – aquele que pode ser chamado de pes- mada de consciência sobre a função social soal-confessional. Ele ainda afirma que a da literatura. Ademais, gostaria de proble- relação de discípulo e mestre estabelecida matizar a questão da expansão da sub- E REINO UNIDO pelos poetas, ultrapassa o caráter dialógi- jetividade empírica colocada por Silviano co e chega ao coletivo, quando, após anos, Santiago, defendendo que os concretistas essas são reveladas ao público. Seria im- mantiveram a sua militância artística em portante ressaltar que essa é apenas a pri- um discurso epistolar objetivo e engajado, VIVIANE CARVALHO DA ANNUNCIAÇÃO meira razão pelo fascínio com as cartas de distante das práticas confessionais e idea- literatos: a possibilidade do mergulho em listas, mas próximas do aspecto discursivo um mundo particular, mas que, ao mesmo da literatura. tempo, pode ser compartilhado devido ao seu valor intelectual e cultural. A segunda Lacan e Derrida: seria o aspecto concreto e, portanto, raro O Mito do Pertencimento da correspondência. Em uma era em que O discurso sobre o conto “A Carta Rouba- os correios eletrônicos e as mensagens da”, de Edgar Allan Poe, foi proferido por instantâneas predominam, a materialida- Jacques Lacan em 1955 e publicado em de da carta a torna um objeto fetichista, 1957. Como temática, o psicanalista estru- sujeita ao valor de troca dos milionários turalista argumenta que a carta roubada leilões. No entanto, há um terceiro poten- representa uma “materialidade singular,” Em seu instigante prefácio à correspondên- vez, é diferente do romancista, poeta ou dra- cial das cartas, que é ainda pouco estuda- cuja trajetória peculiar torna-se mais im- cia entre os poetas Mário de Andrade e Car- maturgo, que, devido ao fato de depender do na academia, mas que merece atenção: portante que o seu conteúdo – que não é los Drummond de Andrade, o crítico Silviano da colaboração dialética com um interlocu- o seu poder de difusão e configuração de revelado em momento algum. Isso se dá Santiago problematiza a questão do autor. tor, tem a sua subjetividade compartilhada. movimentos vanguardistas internacionais. devido ao fato do conto discorrer sobre a Baseado no filósofo Michel Foucault, Santia- Com isso, ao invés da polifonia de vozes que O maior exemplo desse terceiro caso é o astúcia do detetive Dupin que se sobrepu- go sugere que, a partir da leitura das cartas neutraliza a figura do autor dentro da com- da poesia concreta, especialmente na sua ja à do criminoso. De modo a problemati- de célebres poetas, pode-se vislumbrar o plexidade do discurso literário, o missivista troca intelectual e artística com os poetas zar essa questão, Lacan questiona: “para contorno de um autor empírico. Este, por sua reflete sobre si mesmo em relação a outro. do Reino Unido. que haja carta roubada, diremos conosco, 60 61 a quem pertence uma carta/letra?” (LA- da troca de correspondências que proble- – próprio da poesia de vanguarda – e que compacta e ideogramática de difundir CAN, 1998, p. 30). A resposta encontrada matiza a fixidez dos sujeitos em questão: corrobora para o ganho de visibilidade do e transmitir relações complexas e sutis é ambígua: “Então, a carta/letra sobre a movimento como um todo – e não somen- entre ideias, imagens, coisas, e etc. A qual quem a enviou ainda conserva direitos te de um único indivíduo. Poesia concreta está levantando uma não pertenceria plenamente àquele a quem O problema da letra, da literatura, De modo a esclarecer como essa corres- onda de interesse no Brasil e em Por- se dirige? Ou será que este último nunca passa sempre por uma questão que é pondência se dá, pretendo, na segunda tugal, especialmente entre os jovens foi seu verdadeiro destinatário?” (LACAN, tanto da correspondência, “remeten- parte do artigo, expor como a poesia con- e os poetas mais avançados.1 (MELO 1998, p. 30). Certamente, o psicanalista te x destinatário”, quanto da poesia, creta brasileira chegou ao Reino Unido na E CASTRO apud Thomas, 2013, p. 33) está interessado em determinar como a “poeta x leitor” (...) Assim, as figuras fase heroica do movimento. A partir dessa presença material da carta pode potenciali- do remetente e destinatário não são exposição, pretendo desenvolver a ideia zar uma série de conflitos em torno de sua mais papéis fixos e pré-estabelecidos, que a consciência artística desses poetas Tal carta não passou despercebida por ausência, presença e reprodução. garantidos pela assinatura de quem produziu uma divulgação internacional do poetas oriundos das ilhas britânicas que, Jacques Derrida, refletindo sobre o discur- escreve, mas figuras ambivalentes que pensamento de vanguarda. imediatamente, fizeram contato com Melo so de Lacan, afirma que a carta é apenas possuem uma relação de oscilação e e Castro e com os membros do grupo Noi- um significante. Desta maneira, critica dependência recíproca. (GHIZZI, 2013, Noigandres na Inglaterra: gandres. Como atesta Thomas, “a práti- Lacan por tentar encapsular o significado p. 267) O Fortalecimento do Movimento ca da poesia concreta na Inglaterra e na do conto por meio do percurso da carta, Concretista em sua gênese poética Escócia, provém largamente dos diversos ou seja, sua história. Para Derrida, tan- De acordo com Greg Thomas (2014), e independentes encontros com essa car- to a carta, quanto o conto não possuem Enquanto para Lacan a carta de Poe é o a primeira publicação sobre a poesia ta”.2 (THOMAS, 2013, 33). O primeiro foi sentidos únicos porque há uma aporia de significante de seu percurso, para Derrida, concreta brasileira na Inglaterra se deu o de Edwin Morgan, poeta escocês, cujos significados gerados pelos diferentes focos essa é um signo flutuante que desesta- a partir de uma carta escrita ao The ideais modernistas o impulsionavam a pro- narrativos e pelo fato da carta ser reescri- biliza noções definidas de sujeito. Dentro Times Literary Supplement (TLS) pelo curar novos horizontes para a conservadora ta pelo detetive. Dentro dessa trama de desses parâmetros – sugeridos pelos filó- poeta português Eugenio M. de Melo e e nacionalista prática poética de seu país. pontos de vista e significantes, desestabi- sofos e adotados por Ghizzi – qual seria Castro, no dia 25 de maio de 1962. Seu Como atesta Thomas, Morgan escreveu lizam-se também as noções de remetente a importância da revelação de uma carta conteúdo consistia em uma crítica artigo para Melo e Castro logo após a publicação e de destinatário. Como Derrida esclarece: verídica, que se manteve oculta (ausente) “Poesia, Prosa e a Máquina” (“Poetry, de sua réplica no TLS, pois no dia 03 de ju- durante anos? Acredito que haveria algo Prose and the Machine”), de John Willett nho de 1962, Melo responde para o poeta: da teoria de Lacan e Derrida que pudes- que destacava novas experimentações se ajudar a compreender o significado da poéticas, mas que não discorria sobre os Existe detenção, mas não propriedade carta como um documento relevante no escritores brasileiros. Sobre o assunto, Caro Senhor, da carta. Esta última nunca será pos- estudo de vanguardas literárias. Melo e Castro atesta: Muito obrigado por sua carta e por seu suída, nem por seu remetente nem por No caso do objeto de estudo desse artigo, interesse em POESIA CONCRETA. Na seu destinatário. [...] Logo, esta carta, a poesia concreta, o ponto de relevância mesma correspondência, envio uma aparentemente, não tem proprietário. da teoria de ambos se dá na interseção Estou surpreso de que não há menções cópia da pequena antologia recém- Ela não é, aparentemente, propriedade entre os conceitos de trajetória e perten- ao emergente e importante movimen- -publicada em Lisboa por meio da Em- de ninguém. Ela não tem sentido pró- cimento. A relevância da trajetória se dá to de poesia concreta que se originou baixada do Brasil, mas, de fato, inclui prio, nenhum conteúdo próprio que im- pela difusão de um movimento artístico no Brasil e que agora está chegando apenas poetas brasileiros. Para mais porte, em aparência, a seu trajeto. Ela internacionalmente, e do pertencimento, a Portugal. De fato, a poesia concre- informação, você pode escrever para o é, portanto, estruturalmente voadora e pela desmistificação da ideia de posse den- ta é um experimento bem sucedido da Sr. Augusto de Campos – Rua Cândi- roubada. (DERRIDA, 2007, p. 468) tro do discurso artístico. Desta maneira, a escrita ideogramática ou diagramáti- do Espinheira 635 – São Paulo – Brasil. troca entre brasileiros e britânicos aponta ca e da criação poética, precisamente (MELO E CASTRO apud. Thomas, 155)3 para uma polivalência do projeto poético como o seu correspondente se refere. Como defende Joacy Ghizzi Neto em sua que ultrapassa noções individualistas e ro- Esse tipo de experimento está, aos análise sobre a correspondência de Paulo mânticas no que concerne à figura do au- poucos, substituindo o modo de comu- Morgan escreveu para Augusto de Campos Leminski, há um aspecto mais profundo tor. Isso cria um éthos coletivo e militante nicação descritiva pela forma visual, apenas um ano após receber a carta de Melo. 62 63

Sua demora e relutância em manter um con- Mais pessoal e frutífera do que a conexão Parece que a noção de convite perpassa H. Finlay também buscou Eugen Gomringer, tato com os poetas brasileiros se deu devi- de Morgan com o grupo Noigandres foi a todo o volume. Mesmo distante da carta com quem iniciou uma importante teia do a um interesse mais prático e menos de Ian Hamilton Finlay. Com uma carta enviada por Finlay a Augusto em Junho – comunicativa: emocional no movimento (THOMAS, 2013, pessoal, a poesia concreta brasileira che- e da resposta recebida por ele em Julho de 155). Na resposta, lê-se “Estive pensando gou aos periódicos das Highlands. Em 14 de 1962 – o leitor, como um intruso, conse- Em 1963, Finlay entrou em contato em pedir a I. H. Finlay o seu endereço quan- Junho de 1962, Finlay escreveu a primeira gue entrever as trocas artísticas e estru- com Gomringer – aparentemente re- do a sua carta chegou – que bela surpresa.”4 carta a Augusto de Campos, pedindo para turais que estavam operantes na poesia cordando o recebimento da sua primei- (Augusto qtd. Thomas, 155). Certamente o que ele colaborasse com um poema para o britânica. Embora com poucos recursos ra carta a Houédard em 16 de Julho contato de Morgan com os brasileiros pro- número seis de seu periódico mensal Poor financeiros, o periódico de Finlay, foi o pri- – e, provavelmente, com poetas como duziu inúmeros frutos, principalmente tra- Old Tired Horse (P.O.T.H.). O resultado meiro a publicar poesia de concretista no Ernest Jandl na Áustria e Pierre Garnier duções e colaborações críticas. Uma das mais foi a publicação de Marcelo Moura, Pedro Reino Unido. Devido à sua exclusividade, em Amiens, portanto, estabelecen- significantes foi o número 21 da revistaPoor Xisto e Augusto de Campos no volume tais experimentos começaram a atrair a do o “Viena- Switzerland-Amiens-São Old Tired Horse (editada por Ian Hamilton de março de 1963. A edição contou com atenção de críticos e de artistas. Segue a Paulo-Edinburgh circuito”, o qual Bann Finlay), de 1966, dedicada a poesia de Edgard poemas cujos experimentos ainda se apro- reprodução da página de P.O.T.H. com os nota que inaugurou a prática concreta Braga, com o prefácio de Augusto de Campos. ximavam de uma reflexão primária sobre poemas de Marcelo Moura, Pedro Xisto e no Reino Unido (entrevista pessoal, 17 No prefácio, o poeta esboça uma importan- as propriedades temporais e espaciais do Augusto de Campos. de Agosto de 2010).7 te crítica a Braga: “O Dr. Braga desenvol- poema. Até mesmo o poema da americana Após o contato com Augusto de Campos, I. (THOMAS, 2013, p. 107) ve uma grafia do tipo ideográfica, em que Mary Ellen Solt, intelectual que escreveria ex- letras e desenhos se inter-relacionam em tensivamente sobre poesia concreta e sobre uma gestação de formas.” (P.O.T.H. 1). os poetas brasileiros, ainda não possuía a Porém, o poeta não deixa de ser igualmente técnica verbivocovisual do grupo Noigan- generoso com o leitor inglês que desconhece dres. Ademais, os poemas dos brasileiros Braga. Portanto, atenta a fatores mais básicos também se destacavam por não terem sido da sua produção: traduzidos ao inglês, ao contrário dos hún- garos que estavam presentes na mesma edição. Outra diferença estrutural está no Edgard Braga, médico e/ou poeta, nas- fato de terem sido impressos em paisagem, cido em 1897, Brasil, parece ter adotado ou seja, na horizontal, destacando-se, as- como emblema da sua poesia os últimos sim, dos demais. Essa ênfase formal colo- versos de Mayakovsky: “embora as cores ca em práticas ideais concretistas de Eugen acinzentadas dos anos proclamam-se em Gomringer, com quem Décio Pignatari havia abundância, eu espero e acredito que a se encontrado em 1955. Para o crítico Stewart vergonhosa circunspecção nunca chegue. Smith, essa disposição denota que: Após longa experiência com poesia mo- derna (pós-simbolista), ele chegou à poe- O poema concreto é feito para ser um sia concreta, em 1959, com seu livro “Su- objeto de contemplação, e a abertura da búrbio Branco”, seguido logo depois por forma permite ao leitor fazer as suas “Extralunário”, 1960.5 (CAMPOS, 1967,1) próprias associações e interpretações. Como Eugen Gomringer escreveu: ‘A Constelação é ordenada pelo poeta. Ele Além do prefácio, os poemas de Braga criaram determina a área do jogo, o campo de um universo poético concreto e brasileiro, força e sugere as suas possibilidades. O com o qual Hamilton Finlay já estava bastante leitor, o novo leitor, compreende a ideia familiarizado – como demonstrara a resposta de jogo e começa a jogar. A constelação é de Augusto a Morgan. um convite’.6 (SMITH, 2011, p. 62) 64 65 Sua intensa pesquisa sobre poesia concre- ta o levou a publicar, em 1963, Rapel – 10 espelham a socorro e sofrimento (ail) é um denominado “The Changing Guard” (1 Fauve and Suprematist Poems, o seu pri- exemplo para o estilo que, como escreve e 2), o primeiro de 3 de agosto de 1964 meiro volume poético, cujos experimen- Thomas, atenta para a oscilação entre verbal e o segundo de 3 de Setembro de 1964. tos aprofundam a temática concretista. e não verbal. Embora os poemas operem O primeiro contou com poemas de Edwin Apesar de deixar claro o contato com ou- independentemente das letras, no caso de Morgan, Dom Sylvester Houédard, John J. tras vertentes do movimento, os poemas SOS, as letras, como em “Pluvial/ Fluvial”, Sharkey and Emmett Williams, o texto de demonstram uma grande influência dos são importantes para reproduzir a percep- Marshall McLuhan, “Cultura e Tecnologia” poetas brasileiros, tanto em suas práticas, ção sonora do SOS Morse. Com isso, Finlay (“Culture and Technology”), e “Paradada” quanto em escolhas temáticas. O poema absorve a principal característica concreta – de Dom Sylvester, um pequeno apanhado “Ballad” e “SOS” são os que mais operam ser uma entidade verbal, visual e sonora. No geral do movimento no Reino Unido e com uma lógica próxima do poema “Flu- caso de SOS, a sonoridade está fora de seu na Irlanda. Porém, o segundo volume vial/ Pluvial” de Augusto de Campos pu- significante, mas no significado simbólico contou com um número somente dedicado blicado no P.O.T.H. De modo a comprovar do socorro nas viagens intermarítimas. aos brasileiros. Foram publicados poemas essa hipótese farei um pequeno comentá- Após publicar seu segundo livro Telegramas de Décio Pignatari, Augusto de Campos, rio dos poemas. do meu Moinho de Vento (Telegrams Edgard Braga, Ronaldo Azeredo e José Paulo from My Windmill, 1964), Finlay solidifica Paes. Os que continham palavras foram o seu estilo poético em um concretismo traduzidos por Edwin Morgan, e os que O poema “Fluvial/ Pluvial” de Campos irrom- visual, com alguns apelos simbólicos ao utilizavam códigos, apenas interpretados pe a unilateralidade do significante, trans- universo sonoro. Junto com ele, uma série com uma chave-léxica. Ademais, a edição (Ballad) bordado para a polivalência do significado. de poetas ingleses tornaram-se objetos de incluiu o importante artigo, “Concrete Poetry Ao colocar as letras nos sentidos horizontal e análise e estudo. Com isso, o TLS publicou of ”, de Pignatari. vertical, Augusto de Campos sugere que as dois volumes dedicados à poesia concreta duas palavras se unificam para se transfor- mar em uma imagem acústica, ou seja, no ato de transbordar, tanto pela chuva, como pelo rio. Além do mais, a imagem geomé- trica, colocada em perpendicular, remonta à de um barco ao ser inundado e, por isso, naufragando em águas – provavelmente fluviais e pluviais. Seria um poema que aborda a própria gênese da poesia concre- ta – e por isso, enviado a Finlay. O poema concreto assim surge, como uma Arca de Noé, vence o dilúvio do verso tradicional e inaugura uma nova era para poesia. O poe- ma irá seguir como um paradigma que ins- (SOS) pira a paisagem literária do poeta escocês. Interessado em temas marítimos, o poeta compõe dois poemas dedicados ao tema “Sailor”. O primeiro, com letras pequenas e grandes, remetendo ao movimento das águas no momento em que o barco se afasta. O segundo, recordando o código Morse internacional, que esteve em vigor Rapel, 1963 até 1999. A estrutura terciária de letras que 66 67

Os poemas-código, novamente, aguçaram e Reg Gadney, Stephen Bann, organizou, Como Bann coloca, dessa modesta publi- ganhava referencias internos. Os poemas a curiosidade de Ian Hamilton Finlay que no St. Catherine’s College, “A Primeira Ex- cação surgiu um convite ainda maior, que “Yearn”, “Ostra/ Astro” e “Babel” operam escreveu para Stephen Bann em 14 de Se- posição Internacional de Poesia Concreta, foi a organização da Antologia Internacio- segundo o princípio geométrico da rever- tembro de 1964, Kinética e Fônica” (The First international nal de Poesia Concreta, Concrete Poetry: são da imagem. Assim como na ótica, em Exhibition of Concrete, Kinetic and Phonic An International Anthology, publicada pela que imagens, devido ao posicionamento O que você achou do poeminha código Poetry). Os estudantes em questão torna- edição London Magazine em Setembro de de espelhos são invertidas e reconfigura- de Décio no TLS? Eu não o entendo de ram-se grandes críticos e artistas, porém, 1967. Essa antologia, junto com a de Mary das, os poemas aqui são igualmente rees- forma nenhuma, nem ninguém a quem a sua iniciativa precoce reuniu importantes Ellen Solt, é ainda uma das mais respei- critos pela ótica. eu o mostrei. Isso não quer dizer que eu poetas de diversos países e exibiu poemas tadas por traçar a origem do movimento não goste dele, o que eu fiz da primeira de Augusto de Campos, Haroldo de Cam- concretista, por meio de um método histó- vez que o li, mas estive pensando que pos, Luiz Angelo Pinto e Pedro Xisto. De rico bem definido. ele não funciona muito bem por meios acordo com Stephen Bann, os trabalhos Se por um lado Bann utiliza critérios cro- estéticos, mas é apenas uma álgebra vi- exibidos consistiam na Antologia Noigan- nológicos bem definidos para a sua análise sual. Quer dizer, como uma alegoria, em dres, números 4 e 5 e no “Cubagramma” poética, por outro lado, o crítico também oposição ao símbolo. Ou as palavras tra- e “Cidade” de Augusto de Campos. Desse se vale de um arcabouço teórico relevante balham de forma derivativa e não devido contato, também surgiu a publicação na para a sua teoria. A revista Form, publica- a algo implícito nas linhas. De toda for- Revista Form, número 04, de poemas con- ção conjunta com os colegas de Cambridge, ma, é muito interessante. E, talvez, eu cretos de Pedro Xisto. também havia se tornado um grande veí- não compreenda o método. Estou com De tal iniciativa, surgiram mais publica- culo de divulgação da teoria pós-estrutu- muita inveja desses poemas brasileiros ções organizadas por Bann que ressalta- ralista. O primeiro volume, de 1965, apre- sobre o futebol, com referências ao Pelé, vam a importância e o trabalho dos con- senta a primeira tradução de “The activity etc. porque eu sempre quis escrever um cretistas brasileiros. Os editores do Beloit of Structuralism” de Roland Bathes e três poema sobre futebol, mas nunca soube Poetry Journal escolheram Stephen Bann poemas de Pedro Xisto – que também esta- como.8 (FINLAY, qtd. BANN, 2014) como organizador do volume de Outono va em contato com Stephen Bann. Guiando de 1966, totalmente completamente à o leitor na direção dos poemas, na tradu- Desse pequeno trecho de uma carta par- poesia concreta. Foram também publica- ção do texto de Barthes, Bann esclarece: ticular, é possível compreender que há dos poemas dos irmãos Campos, de Décio uma reflexão teórica sendo desenvolvida Pignatari, Pedro Xisto e Edgard Braga. no processo criativo de Finlay. Conceitos Essa é uma versão editada do arti- como alegoria e símbolo são discutidos go que M. Barthes escreveu para ‘Les em comparação aos códigos apresentados Letters Nouvelles’ e que foi reimpres- pelo poema Football de Décio e Augusto. so na sua coleção de ‘Essais Critiques’ Interessantemente, esses poemas serão (1964). O artigo oferece um novo mo- base de uma reflexão mais aprofundada delo para a relação entre trabalho, ar- sobre poesia e arte. Dessa maneira, con- tista e mundo, o que é relevante para ceitos como símbolo começam a ganhar muito da literatura e arte contempo- mais profundidade na obra de Finlay, que, rânea. Os poemas de Pedro Xisto, no em 1965, sofre uma transformação mais final da edição, são um exemplo disso.9 profunda. Contudo, no contexto do perío- (BANN, 1966, p. 12) do em que foi enviada a carta, Bann tam- bém estava interessado nas conexões com os concretistas brasileiros. Os três poemas de Xisto, escritos original- Na Universidade de Cambridge, com mais mente em inglês, adquiriram a função de três estudantes de doutorado do King’s conferir uma nova roupagem à arte, cuja College, Mike Weaver, Philiph Steadman visão se afastava da mimese tradicional e 68 69

Enquanto “Yearn” e “Ostra/Astro” rever- novas experimentações poéticas. mento concreto. tem estruturalmente a posição de suas Existiram outras cartas e contatos entre Se Ian Hamilton Finlay, Edwin Morgan, letras, “Babel” – assim como o “Fluvial/ brasileiros e ingleses que esse artigo não Stephen Bann – dentre outros – tiveram Pluvial” de Augusto – oferece uma origem examinou. Porém, resolvi escolher o re- suas expressões artísticas movidas pelo para a arte concreta. Ao invés do mundo corte inicial desse contato de modo a de- pensamento brasileiro, é preciso uma aná- servir de referência para a poética – se- monstrar como uma carta pode ajudar a lise mais profunda nas poéticas de cada gundo os meios, modos e materiais aris- difundir e avançar os movimentos de van- um desses artistas. Entretanto, o fato é totélicos – aqui será a palavra a primeira guarda ingleses e europeus. Nesse senti- que esses poetas incorporaram o éthos fonte de inspiração da arte. A sua “ma- do, não há nada de confessional ou pur- de ruptura e avançaram com seus experi- terialidade singular” será o horizonte da gativo nessas correspondências, além de mentos, exposições, publicações e estudos nova poesia que pretende desafiar as teo- uma devoção completa à criação de uma sobre o tema. Portanto, criaram uma nova rias tradicionais. Como continuação des- nova paisagem poética. Aquela que rompe visão de arte – aquela que é autorrefe- sa publicação, Pedro Xisto escreveu para barreiras geográficas e linguísticas e co- rencial e multiforme, cuja experimentação Bann em 4 de fevereiro de 1967: meça a operar, de diferentes maneiras e transborda a rigidez da mimese, criando modos, nos lugares em que chegam. um universo particular de inovação.

Obrigada por tudo. Gostei da forma- A Poética da Correspondência Notas tação e das notas aos meus poemas Em Midway: Letters from Ian Hamilton 1 I cannot help feeling surprised at his not mentioning the em ‘FORM’‘BELOIT’. Quanto à minha Finlay to Stephen Bann 1964-69, Stephen increasingly important movement of poesia concreta, which eventual contribuição à antologia, não Bann destaca que sua correspondência originated in Brazil and is now reaching Portugal. In fact poe- tenho nada melhor a fazer além de com o poeta concreto escocês Ian Hamil- sia concreta is a successful experiment in ideogrammatic agradecê-lo por selecionar os poemas ton Finlay, foi um “diálogo de mentes”11 or diagrammatic writing and poetic creation precisely on the e dados biográficos.10 (XISTO, 1967) (BANN, 2014, Kindle, Loc. 301). Assim, lines to which your Correspondent refers. This kind of expe- além de informações pessoais, tais arqui- riment is slowly replacing the traditional descriptive method vos podem suscitar discussões artísticas e of communication by a visual, compact, ideogrammatic way É evidente que a antologia a qual Xisto se filosóficas, cujo conteúdo pertence ao de- of bringing about and conveying complex and subtle relations refere é à internacional e que contou com bate público. among ideas, images, words, things, &c. Poesia concreta is alguns dos seus poemas. Na exposição das cartas dos poetas bra- arousing a wave of interest both in Brazil and in Portugal, es- O número 1, porém não foi o único de Form sileiros e britânicos e no breve exame pecially among young people and the most advanced poets. que contou com a presença de brasileiros. dos poemas brasileiros reproduzidos nos (apud Thomas, 2013, p. 33) O número 04 foi também dedicado à co- periódicos ingleses, mapeei o percurso memoração do “The Brighton Festival”, de da carta publicada por E. M. Melo e Cas- 2 Indeed, the practice of concrete poetry in England 1967. Festival em que a poesia concreta tro, no The Times Literary Supplement de and Scotland largely stems from several independent en- não ficou restrita às salas das galerias, 1962. Sua trajetória – assim como a “Car- counters with this letter. mas foi impressa nas ruas e nas praças da ta Roubada” de Poe – provocou inúmeras cidade. Além disso, uma série de cartões reações que culminaram no contato com 3 Dear Sir, Thank you very much for your letter and for postais com imagens de Augusto de Cam- o grupo Noigandres em São Paulo. Nes- the interest you take in POESIA CONCRETA. By the same pos e José Lino Grünewald também foram se sentido, a sua “materialidade singular” post I am sending you a copy of a short Anthology just pu- distribuídos para a população. O volume, está, exatamente, na heterogeneidade de blished in Lisbon through the Embaixada do Brasil, but of juntamente com Granta, outra revista de- experimentos, das comunicações e dos course it includes only brasilian poets. For further informa- dicada à poesia experimental, ressaltaram percursos que o movimento concretista tion you can write to Mr. AUGUSTO DE CAMPOS – R.Cândi- a relevância do movimento na criação de tomou. Entretanto, a sua singularidade do Espinheira 635 – São Paulo – Brasil. (Melo e Castro qtd. uma poética de vanguarda – ou de mu- está no fato do pessoal ter causado inte- Thomas 155). dança de vanguarda – como o The Times resse e ação de coletivos. Com isso, surge Literary Supplement escolheu nomear as uma discursividade internacional do movi- 4 “I was thinking to ask Ian H. Finlay about your ad- 70 71 dress when your letter arrived – a nice surprise” (CAMPOS ch M. Barthes wrote for ‘Les Letters Nouvelles’ in which Bibliografia: 2013. ISSNe 2175-7917. Disponível em: apud THOMAS, 2013, 155) was reprinted in his collection of ‘Essais Critiques’ (1964). AGUILAR, G. M.. Poesia concreta brasileira: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ It provides a new model for the relationship of the work, as vanguardas na encruzilhada modernista. literatura/issue/view/1969/showToc 5 Edgard Braga, Physician and/ or poet, b. 1898, Bra- the artist and the world, which is relevant to much contem- São Paulo.: Edusp, 2005. zil, seems to have adopted as a badge of poetry the last porary literature and art, as well as to examples given. The LACAN, Jacques. Escritos. Trad. Vera Ribeiro. verses of Mayakovsky: “‘though the years’ silvery hue pro- poems of Pedro Xisto, featured elsewhere in the magazine, BANN, Stephen. Midway: Letters from Ian Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. claims itself in abundance, I hope and believe that that are a case in point. (Bann, 1966, p. 12). Hamilton Finlay to Stephen Bann 1964-69. shameful circumspection will never come to me”. After a London: Wilmington Square Books, 2014. LEFEVERE, Andre. “Beyond Interpretation or long experience with modern (post-symbolist) poetry, he 10 Thank you all the times. I certainly appreciated the (Kindle) the Business of (Re) Writing”. Comparative came to concrete poetry, in 1959, with his book “Subúrbio arrangement and the notes on my poems in ‘FORM’ and Literature Studies, Vol. 24, No. 1, 1987, pp. Branco” (White Suburb) followed soon after by “Extraluná- ‘BELOIT’. So far as my eventual contribution to the expec- ______. The Belloit Poetry 17-39. rio” (Extralunarian), 1960. (1967, 1). ted anthology, I have nothing better to do than to thank Journal. Volume 17, Number 1, Fall 1966. SANTIAGO, Silviano. Suas cartas, nossas you for selecting yourself both the poems and the biogra- cartas. In: Ora (direis) puxar Conversa! 6 The concrete poem is designed as an object for con- phical details. ______. (et. al). Form 1 e 4. Ensaio literários. Belo Horizonte: Editora templation, and the openness of the form allows the rea- Gritton: Cambridge, 1966-1969. UFMG, 2006. der to bring their own associations and interpretations. As 11 Stephen Bann, em sua Introdução ao livro de cartas Eugene Gomringer wrote, “The constellation is ordered by que recebeu e enviou a Ian Hamilton Finaly, afirma que já CAMPOS, Augusto; PIGNATARI, Décio; SMITH, Stewart. The Poet’s Blueprint: The the poet. He determines the play-area, the field or force antecipava a importância do conteúdo filosófico e artístico CAMPOS, Haroldo. Teoria da Poesia Pastoral and Avant-Garde in Ian Hamilton and suggests its possibilities. the reader, the new reader, contidos nas trocas epistolares: “I could already anticipate Concreta: Textos Críticos e Manifestos Finlay’s Poor. Old. Tired. Horse. Revista grasps the idea of play, and joins in... The constellation is that he would take his place among the great letter writers 1950 – 1960. São Paulo: Brasiliense, 1987. Canaria de Estudios Ingleses, 62; April an invitation” (Solt) of the period, and that I am now more than ever concerned (2ª. Ed.) 2011, pp. 55-70. that he will come to be regarded as one of the last of his DERRIDA, Jacques. O cartão-postal. De 7 In 1963, Finlay came into contact with Gomringer – kind”. (Loc 301). Sócrates a Freud e além. Trad. Ana Valéria THOMAS, Greg. Concrete Poetry in England seemingly recalling receipt of his first letter to Houédard on Lessa e Simone Perelson. Rio de Janeiro: and Scotland 1962-75: Ian Hamilton Finlay, July 16 – and, probably, with poets such as Ernst Jandl in Civilização Brasileira, 2007. Edwin Morgan, Dom Sylvester Houédard Austria and Pierre Garnier in Amiens, thus establishing the and Bob Cobbing. PhD Thesis: University of “Vienna-Switzerland-Amiens-São-Paulo- Edinburgh circuit” FINLAY, Ian Hamilton. Rapel – 10 Fauve Edinburgh, 2013. which Bann notes to have inaugurated concrete practice in and Suprematist Poems. Scotland: Wild the UK (personal interview, August 17, 2010). Hawthorn Press, 1963. XISTO, Pedro. Carta a Stephen Bann. 4 February 1967. 8 What do you think of wee Décio’s code poem in the ______. P.O.T.H. TSL? I don’t understand it at all, and neither can anyone 6 e 21. Scotland: Wild Hawthorn Press, else I have showed it to. That wouldn’t stop me liking it, 1963 e 1967. which I did at first, but then I was thinking that it does not really work by aesthetic means, but it is just kind of a FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O visual algebra. I mean like allegory as opposed to symbol. que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. Or the shapes work heraldically and not because of some- thing implicit in the being of the lines. All the same it is GHIZZI Neto, Joacy. Ana Cristina Cesar interesting. And, perhaps I do misunderstand the method. e Paulo Leminski trocam cartas. Outra I feel awfully jealous of these Brazilian football poems and Travessia 15. Universidade Federal de references to Pele, etc. because I’ve always wanted to do Santa Catarina, 2013, pp. 265-280. a football poem but never seen how. (FINLAY apud BANN, 2014) ______. Letter: A Carta/ Letra e o Jogo da Correspondência. Anu. 9 This is a slightly shortened version of the article whi- Lit., Florianópolis, v.18, n. 2, p. 172-183, 72 73

Haroldo de Campos é muitos em um só. Em seu poema “Lamento sobre o lago de Multigaláxias em um só corpus. Uso aqui o Nemi”, publicado no primeiro livro de Ha- presente visto que ele ainda está, de fato, roldo, O auto do possesso (1950), pode- HAROLDO presente, não apenas num reduto livresco, mos observar vislumbres e lampejos do mas também em memórias, afetos e refle- que seria radicalizado posteriormente, xões das mais diversas. Contrariando os em termos de teoria e poesia, a respeito alertas premonitórios de alguns críticos, do acaso na construção da forma poéti- DE CAMPOS: o nome de Haroldo permaneceu: ficou e ca. As obras haroldianas produzidas antes se demorou na eternidade simultânea de do, por assim dizer, concretismo ortodo- um espaço-tempo, onde lemos sua voz e xo, costumam receber menos destaque e UM LAMENTO POR ENTRE ouvimos sua palavra. É difícil, diante da atenção do que outras. enormidade de seu legado, reduzi-lo a O poema-constelação mallarmaico “Um quaisquer denominações que pretendam lance de dados” quebra a simetria, a li- SILÊNCIOS E ACASOS defini-lo. Nem apenas tradutor, ou melhor, nearidade e a métrica enrijecida da tra- transcriador, nem somente poeta concre- dição poética ocidental, mais preocupada to: Haroldo abarca em si um “muito-além” com um subjetivismo de conteúdo do que que não permite as tentativas de rotula- com estruturas e formas do poema. Já o RAQUEL CAMPOS ções redutoras que lhe são impostas. “Lamento” de Haroldo coloca o “azar” (ha- A vastidão de seu crisantempo quebra as sard) como “um dançarino nu entre os al- expectativas, transpõe mundos e frontei- fanjes”. Sua constelação ainda não rompe ras, línguas e silêncios. Na simultaneida- a linearidade, não destrói o verso, não usa de ideogrâmica de informações curvando o branco da página como parte do poema, e turvando o espaço-tempo, Haroldo de porém sinaliza o acaso enquanto elemento Campos atinge, meteoricamente, os olhos inerente da construção poética, com todo de quem o ouve, o lê, o sente. Presente. o risco que isso envolve. O acaso também Haroldo nos deslumbra e vislumbra novos dita os movimentos da dança – o dança- horizontes pós-morte, após mais de dez rino nu que se movimenta entre alfanjes, anos de sua ausência no mundo, com seu sempre em risco, a um passo do perigo, legado barroconstrutivista. Seu lance de na iminência de algo que parece constan- dados poéticos e as intervenções de seus temente a um passo de chegar, instaurado acasos ainda nos fazem dançar. num porvir inatingível. 74 75 Em seu livro Semiótica & Literatura, Décio A POESIA ANALÓGICA Pignatari discorre sobre o modo de pensa- mento ocidental e sua obsessão pela con- DE HAROLDO MOSTRA, EM SUA Lamento sobre o lago de Nemi tiguidade, ao contrário da similaridade, DANÇA DE PALAVRAS, O AZAR e mostra como isso se dá poeticamente. O azar é um dançarino nu entre os alfanjes. “Esta ilusão, ao que tudo indica, nasceu COMO UM DANÇARINO, Na praia, além do rosto, a corola das mãos. diretamente dos sistemas linguísticos do NESSA ANALOGIA CAPAZ DE Chama teu inimigo. O azar é dançarino. Ocidente e adquiriu direito de cidade no Reúne os seus herdeiros e proclama o Talião. seu sistema de escrita, isto é, no código CONTRARIAR A PRÓPRIA LÓGICA alfabético” (PIGNATARI, 2004, p.166). OCIDENTAL, INSTAURADA A virgem que encontrei coroada de rainúnculos Essa seria, portanto, a demonstração má- Não era – assim o quis – a virgem que encontrei. xima da preferência pela palavra escrita, TAMBÉM NO PROCESSO DE O azar é um dançarino; teme os seus alfanjes. subjetiva, formal e sucessiva. O alfabe- Amanhã serei morto, mas agora sou rei. to – juntamente aos sistemas linguísticos CONSTRUÇÃO POÉTICA. que ajudaram a construir nossa maneira de Nu entre os alfanjes, coroado de rainúnculos, pensar – reflete, inclusive, em como faze- O azar é um, o azar é dança, o azar é Chama o teu inimigo e a virgem que encontrei. mos análises e críticas poéticas e literárias. dançarino. O acaso que se desloca e se Na praia, além do rosto, eu agora estou morto. “Esses sistemas favoreceram as associa- movimenta na dança por entre os versos O azar é um dançarino. Amanhã serás rei. ções por contiguidade. O que costumamos do poema. O “eu” que agora está morto (CAMPOS, 1950, p.24) chamar de lógica clássica – aristotélica e [“– Sou o poeta. O que jaz, sendo vivo” linear – é a lógica corporificada no idio- (CAMPOS, 2014, p.28)] se move por entre ma grego: é uma lógica por contiguidade” os papéis de rei e de figura a morrer, nes- (PIGNATARI, 2004, p.166). Uma saída para sa morte dedicada ao amanhã, destinada isso, portanto, seria procurar em outros ao porvir. A morte, como aquela inatingí- sistemas de pensamento e compreensão vel, a que não se vive em si, pois só é pos- do mundo um caminho poético diferente. sível vivê-la por meio do outro. Quando a É o a priori do “acontecimento” derridiano: ser encarada como um acontecimento, Tal caminho, para Décio Pignatari, assim vivemos, já não mais somos. Já deixamos ele só nos chega quando não é esperado, “[...] ali onde os olhos não têm alcance, jus- como para Haroldo e Augusto de Campos, de ser. Tal é a dança do acaso caótico, com em sua singularidade absoluta. Podemos tamente, onde eles não têm alcance ante- foi o analógico. um resultado certo e impossível: a morte aproximar a noção de acontecimento em cipatório ou apreensivo” (DERRIDA, 2012, A poesia analógica de Haroldo mostra, em imprescindível e que não presenciaremos. Derrida com a própria ideia da poesia, pelo p.71). O domínio da palavra consegue ir sua dança de palavras, o azar como um A morte, portanto, apresenta essa tra- rompimento do que se é esperado, com as além da apreensão da antecipação, conse- dançarino, nessa analogia capaz de con- vessia a outros espaços, inabitáveis por potencialidades de novos caminhos, numa gue configurar-se enquanto acontecimento. trariar a própria lógica ocidental, instau- nós. Ela atua como presença constante singularidade única e intransferível. E, ain- Tal “mudança de ar” está também em con- rada também no processo de construção na poesia e no decorrer da vida, como da, com Paul Celan, temos que: “poesia: sonância com a semiótica defendida e des- poética. Não é a lógica reguladora (contigui- promessa de um amanhã, chegância que pode significar uma mudança de ar” (CE- crita por Pignatari posteriormente, basea- dade) que se pretende perpetuar, portanto, nunca chega e quando chega já não mais LAN, 2011, p.176). Essa própria mudança da nos preceitos ternários de Peirce. Afinal, mas sim a analógica, que permite múlti- nos pertence e já não mais pertencemos de ar, de fluxo, de espaço e tempo também é a mesma mudança de ar que denuncia plas associações sugeridas por um texto, a nós mesmos. Quanto ao seu aspecto possibilitou com que se fossem alterados os uma quebra na estrutura, um rompimen- num processo não-linear, icônico e criativo, instransponível, temos também como ele- ares, digo, os rumos da poesia brasileira. to, o inesperado que acaba por se instalar que não se reduz às amarras da sucessão mento importante a presença do silêncio Derrida, em Pensar em não ver, coloca o na demora de um poema. É uma colisão hierárquica subordinativa nem da ordem em meio às palavras e aos versos. Para acontecimento como esse algo imprevisí- icônica: impulsiona o espaço criativo, sem temporal. O lance de dados e sua aposta Décio Pignatari, como o coloca em Teoria vel, que não pode ser predito. É vertical, precisar ceder a subjetivismos tipicamente no impossível: o número sete, aquele que da Poesia Concreta, “um poema é feito de não tem horizonte. Chega de surpresa e ocidentais e geralmente movidos por emo- está fora das possibilidades numéricas dos palavras e silêncios” (PIGNATARI, 2006, sem aviso prévio. A poesia também pode tividades vazias. dados, é precisamente o resultado. p.19). Celan também revela essa espécie 76 77

de convergência poética que tende a um se dirige ao Outro, figura desse Outro” (CE- espaço sem fala: “ele [o poema] mostra LAN, 2011, p.178-9). Pelo silêncio de um uma forte e inegável tendência ao emude- “Lamento”, Haroldo de Campos diz. Diz cimento” (CELAN, 2011, p.178). também pelo não dito. E diz ao Outro como Um espaço, portanto, que fala na falta, também afirma a si mesmo. Uma afirma- fala no silêncio, comunica-se no vazio. A ção do Eu nas palavras e silêncios. Quebras fala que ocorre no processo de emudeci- e rupturas (mudanças de ar) de um silêncio mento da linguagem. O contato com o Ou- que não mais se calará. tro também se dá nas idiossincrasias do A revista Noigandres, que viria em seguida, silêncio. Esse mesmo contato com o Outro se torna o próprio espaço de um nome im- do qual Celan fala, que todo poeta alme- pronunciável, indizível, insignificável: um ja alcançar, pode também ser o contato espaço também do silêncio e do “emude- BIBLIOGRAFIA: com o “Outro completamente diferente” cimento” da palavra. O “olor que afugenta AZEREDO, Ronaldo; CAMPOS, Augusto (CELAN, 2011, p.177), até mesmo com o o tédio” não abarca todas as suas possibili- de; CAMPOS, Haroldo de; GRÜNEWALD, poema “em prol” dele. Faz parte, portanto, dades semânticas, visto que elas se encon- José Lino; Pignatari, Décio. Antologia segundo ele, das “esperanças” do poema tram para além da palavra indecifrável. Le- Noigandres5: do verso à poesia concreta. falar também, de certa forma, em causa mos Noigandres como quem busca escapar São Paulo: Massao Ohno, 1962. alheia, em prol de outrem. ao tédio, mas não encontramos respostas CAMPOS, Augusto de. Paul Valéry: a Derrida conta com a força aforística de uma dadas que possam esclarecer os seus mis- serpente e o pensar. São Paulo: Ficções escritura que, em consonância com a con- térios. A maneira de se pensar uma poe- Editora, 2011. cisão concretista, pretende se desprender sia como esta também foge da leitura mais CAMPOS, Augusto de. Viva vaia: poesia das amarras da instituição “livro”. Destruin- usual e interpretativa dos poemas. Como 1949-1979. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014. do a tendência natural do livro, desviamos em Valéry e sua serpente iconizada: “acos- CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo nosso olhar para outros caminhos, que en- tumar-se a pensar como Serpente que se de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia globem também os silêncios e as múltiplas come pela cauda. Pois aí está toda a ques- Concreta: textos críticos e manifestos vozes do texto poético. Rousset citado por tão. Eu ‘contenho’ o que me ‘contém’. E eu 1950-1960. Cotia, SP: Ateliê Editorial, Derrida, em A escritura e a Diferença, co- sou sucessivamente continente e conteú- 2006. loca que: “A tarefa do leitor exigente con- do” (Campos, 2011, p. 10-11). Ficamos CAMPOS, Haroldo de. O auto do possesso. siste em destruir esta tendência natural do presos, ao passo que libertos, no pensa- São Paulo: Clube de Poesia, 1950. livro [...]. Só há leitura completa quando mento circular de serpente, ao ponto de CELAN, Paul. Cristal. São Paulo: esta transforma o livro numa rede simul- confundirmos cabeça e cauda e ao ponto Iluminuras, 2011. tânea de relações recíprocas: é então que de se misturarem os limites, as fronteiras DERRIDA, Jacques. A escritura e a surgem as surpresas...” (ROUSSET apud e as definições. diferença. São Paulo: Perspectiva, 2011. DERRIDA, 2011, p.33). A poesia inventiva de Haroldo de Campos DERRIDA, Jacques. Pensar em não O poema e suas surpresas se completam não se realizou, portanto, apenas na poe- ver: escritos sobre as artes do visível. nesse encontro com o Outro: com o Outro sia concreta, mas se mostra também em Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2012. leitor, com aquele que traz a reciprocida- seus escritos anteriores, impulsionando o PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia: de à leitura. Para Celan, “o poema quer o surgimento de outro tipo de poesia, aberta 1950-2000. Cotia, SP: Ateliê Editorial; Outro, precisa desse Outro, precisa de um a caminhos ainda inexplorados no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004b. parceiro. Ele o procura e adequa-se a ele. E, por entre silêncios e acasos, Haroldo de PIGNATARI, Décio. Semiótica & Literatura. Cada coisa, cada pessoa é um poema que Campos aposta na jogada impossível. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. 78 79

A CORRESPONDÊNCIA ENTRE HAROLDO DE CAMPOS, MAX BENSE E ELISABETH WALTHER: UMA PRIMEIRA LEITURA NATHANIEL WOLFSON

Haroldo de Campos na Universidade de Stuttgart, em janeiro de 1964 (Foto de Elisabeth Walther) 80 81

Numa carta datada de 8.5.64, Haroldo de de Andrade, João Guimarães Rosa e poe- Campos escreveu a seguinte mensagem a sia concreta – na Universidade Técnica de Elisabeth Walter e Max Bense em Stuttgart1: Stuttgart, onde Max Bense era professor de filosofia. Na carta, Haroldo garante a Bense e sua assistente e esposa, Elisa- Chère Frau Walther, beth Walther, também crítica literária e Cher Prof Bense: semióloga, que ele irá ajudá-los com seus Merci beaucoup pour votre lettre du planos de voltar ao Brasil, buscando os 10.5. indivíduos apropriados no Itamaraty, as Pour le moment, les choses marchent. universidades e instituições culturais para Le temps s’écoule (il faut compter sur financiar as viagens. No entanto, dado o le temps). On vit, ou, quand même, que vinha acontecendo politicamente ao on survit. Maintenant, c’est moi qui ai longo dos últimos meses, a percepção de des saudades de Stuttgart. J’ai envie que a poesia concreta ainda era a poesia de parodier Robert Browning (“Ho- de exportação tinha sido alterada, junta- me-Thoughts, from Abroad”) via Ezra mente com a possibilidade de financiar os Pound (“Pisan Cantos”, Canto LXXX): projetos entre os países. “Oh, to be in Stuttgart Numa carta anterior, de 10.4.64, Harol- Now that Spring’s there do, ainda na Europa, descreve seu estado Now that Winter’s out atual enquanto aguarda notícias do Brasil. Now that here Ele escreve que se distrai da falta de notí- There is no room for doubt”. cias com encontros com membros da elite Max Bense e Haroldo de (“Foreign-Thoughts, from Home”…) intelectual francesa: Mme. Kandinsky (que Campos, 1964 Quant à l’invitation, je ferai mon mieux, ele conheceu, juntamente com Carlo Bel- (Foto de Elisabeth Walther) dans les circonstances. Attendez un loli e Maria Vieira), Henri Chopin e Pierre petit peu, je vous en prie. Bref, je vous Garnier. Ele relata a Bense, “Je vous ai dit écrirai avec des détailles. que je ne sais pas jamais quand commen- ce ma vie, quand commence ma littératu- Mes amitiés, mon dévouement, à vous, re: maintenant je trouve ça tout-à-fait vrai das Rosas, em São Paulo, e no Deutschen relações brasileiras e alemães desse pe- à la petite Caroline, à tous les bons (et de plus: j’aime vivre dangereusement Literaturarchivs, em Marbach, Alemanha. ríodo quanto um outro modo de acesso ao amis de Stuttgart. ...)” (CR).3 Nós encontramos aqui, e na Os conteúdos dessa correspondência são Haroldo como agente literário. Então, meu Vôtre, carta considerada acima, um lado pessoal descritos num ensaio de Elisabeth Walther, objetivo nesse ensaio é de apresentar pela Haroldo2 de Haroldo que raramente está presente “A relação de Haroldo de Campos com a primeira vez o conteúdo mais significativo em seus escritos publicados. Poesia Concreta alemã” que narra as via- de algumas partes dessa correspondência, A correspondência entre Haroldo de Cam- gens de Haroldo, Bense e Walther no Bra- especialmente dum período entre 1959 e Uma inversão do poema de Browning, a pos, Max Bense and Elisabeth Walther, sil e na Alemanha e também os detalhes 1964, com algumas exceções. Além disso, paródia de Haroldo toma emprestado o que se estendeu por quatro décadas, nos sobre as publicações dessas personagens minhas intenções, aqui, são demonstrati- tom escuro e pós-guerra do “Canto LXXX” ajuda a narrar a história de ricos diálogos em ambos países, além doutros fatos.5 vas em vez de críticas; uma leitura crítica de Pound. Escrita imediatamente após o intelectuais e intercâmbios artísticos entre Enquanto esse artigo é repleto de informa- será, logicamente, o passo para ser dado golpe de estado, a carta é rica em con- as vanguardas brasileira e alemã durante ção documental e serve como uma ferra- depois que esse conteúdo ficar disponível teúdo histórico e biográfico. Haroldo tinha os fins da década de cinquenta e a pri- menta para mapear esses relacionamen- ao público. imprevistamente voltado à São Paulo de- meira metade da década de sessenta.4 De tos, faltam referências aos outros tipos de Escassos exemplos da crítica enfocam pois de ter viajado pela Europa e minis- setembro de 2014 até janeiro de 2015, eu materiais incluídos nas cartas. Esse con- a ampla recepção de Bense no Brasil no trado um curso sobre literatura brasileira estudei essa correspondência no Centro de teúdo – em geral literário - oferece tanto início da década de sessenta. Nos dias – sobre João Cabral de Melo Neto, Oswald Referência Haroldo de Campos, na Casa um entendimento maior da textura das 31.3.59 e 04.04.59, Haroldo publicou no 82 83

Suplemento Literário d’O Estado de São etc.)10, que quantifica a “redundância” ou pour a première fois son “oro” (sous Paulo o artigo “A nova estética de Max mon étude sur maiakóvsky est déjà “inovação” do texto ao nível sintático. O le pseudonyme de werner bruenner, Bense” que introduziu, provavelmente conclu: c’est remarquable comme “aplicável” ou “utilizável” - para usar a -num. 2, avril 62). Maintenant, avec pela primeira vez nas Américas, o pen- les idées du grand poète russe sur la palavra mais próxima do francês “utilisab- la grand exposition et vos conféren- samento bensiano.6 A partir da publica- théorie de la poésie peuvent avoir une le” que Haroldo cita – da obra experimen- ce et contacts j’espère que l’ambiance ção deste artigo, a imprensa brasileira signification précise à la lumière de vo- tal, faz lembrar o interesse de Bense na changera un peu et plus vite. ce sera começou a publicar artigos que reprodu- tre nouvelle esthétique statistique; p. função tanto material quanto espiritual da très bien, car méxico est une sorte de ziram e traduziram textos de Bense, por ex.: le concept de la nouveauté chez arte moderna (quer dizer “experimental” caisse de résonance pour l’amérique exemplo, o artigo do Jayme Mauricio, de maiakóvsky par rapport à l’originalité ou “concreta”) no contexto na realidade espagnole. J’aimerais bien avoir le ca- 14.8.59, “Max Bense: Informação estéti- caractéristique de l’information esthé- técnica pós-guerra. talogue de l’exposition et de vos nou- ca sobre a fotografia,” publicado no Cor- tique: “la nouveauté est indispensab- Além de mostrar um interesse em ligar es- velles plus détaillés sur votre séjour reio da Manhã, na coluna “Itinerário das le à une oeuvre poétique. le matériel ses dois autores, nessa carta Haroldo mos- méxicain (que, j’espère bien, ne vous Artes Plásticas.”7 O artigo haroldiano, que des mots, les combinaisons verbales tra uma tendência dele que opera através fera pas oublier le brésil, maintenant foi reproduzido no livro Metalinguagem rencontrés par le poète, doivent être da toda a correspondência: de informar a si peu attractif au point de vue de la si- (Perspectiva, primeira edição, 1976), in- retravailles par lui. si des vers sont Bense sobre outras tendências literárias tuation politique, malheureusement…). troduz as principais feições dos primeiros faits avec de vieux déchets verbaux, la e criticas no mundo. Haroldo foi particu- três livros da Estética bensiana (que tem quantité de ceux-ci doit être calculée larmente ativo em fazer conexões entre quatro partes) e argumenta que a estéti- en proportion avec le nouveau matériel Bense e poetas no Japão (Kitasono Katue, A carta mostra um certo nacionalismo ca “informacional” e “estatística” de Bense employé. c’est la quantité et la qualité carta datada de 18.6.76, CR) e México em Haroldo, baseado nas diferenças de pode ser lida de modo frutífero à luz do du nouveau matériel que décideront si (Octavio Paz, cartas datadas de 16.8.66, influências e tradições literárias entre formalismo russo. Na introdução da sua le mélange est utilisable” (apud “com- 12.12.68, e 13.3.69, CR).11 A carta datada o Brasil e o resto da América Latina. A tradução do livro bensiano Pequena Esté- ment faire les vers”, traduction d’elsa de 16.8.66 contém uma reflexão sugestiva clássica crítica da vanguarda brasileira ao tica (Perspectiva, 1971), Haroldo escreve triolet, - “maiakóvsky - vers et pro- de Haroldo sobre o México e o seu am- surrealismo na literatura de língua espa- que cada caso “aspira, para sua estética, o ses”, les éditeurs français réunis, paris, biente literário. Cito uma parte da carta, nhola surge na carta com força. E, ao status de ciência e vê nela o corretivo para 1952, pg 290). em que Haroldo escreve a Bense sobre a mesmo tempo que México aparece como o “palavrório especulativo” da critica de mon travail sortira dans la revue du li- visita deste à Universidade Nacional Autô- receptivo demais às tendências norte-ame- arte e o “irracionalismo pedagógico” das vre (ministère de la culture):- noma de México para montar uma exposi- ricanas e francesas, temos também uma academias” (15)...8 Haroldo argumenta j’abord les propos de maiakóvski au ção sobre poesia concreta: reflexão sobre o ambiente político no Bra- que os estudos bensianos e dos formalis- sujet de la production et de la con- sil que é, em certo sentido (em razão da tas russos são baseados numa dedicação sommation de l’oeuvre poétique; com- situação política), oposto à receptividade às “questões concretas” (ibid). Nesse sen- me démonstration de sa méthode j’y “je trouve que votre séjour à mexi- que Haroldo localiza no México às influên- tido, na conclusão, Haroldo faz referencia joins la traduction au portugais du poè- co aura sens doute une influence très cias do exterior. às atividades de Bense - paralelas à sua me “à serguei essénine.”9 important sur le développement de Deixando essa questão de lado, devemos escrita teórica – como editor da revista la poésie concrète au e dans considerar como, seguindo o ensaio inau- Augenblick, dedicada às praticas literárias l’amérique latine de langue espagnole, gural de Haroldo sobre Bense e os forma- experimentais da vanguarda alemã, in- As analogias de Haroldo entre Maiakóvski où la présence dominante continue à listas russos, Haroldo começou a fazer e clusive a estética “concreta” de Max Bill, e Bense se centram no interesse mútuo de être toujours le surréalisme français et publicar habitualmente traduções da obra Eugene Gomringer, Helmut Heißenbüttel, formas literárias experimentais. Além dis- sa variante beatnik nord-américaine. E de Bense e Walther. A página “Invenção” entre outros. so, Haroldo argumenta que a “nova esté- le sais bien parce que je suis le cor- do “Correio Paulistano” e depois a revista Numa carta datada de 16.12.61, imediata- tica” de Bense dá luz nas teorias do poeta respondant brésilien de la plus active “Invenção” serviram como a primeira pla- mente após a primeira viagem de Bense e russo sobre “novidade” e poesia. Haroldo revue mexicaine – “el corno empluma- taforma para esses trabalhos. Talvez os Walther ao Brasil, Haroldo explica melhor liga a quantificação da novidade de Maia- do /the plumed horn” ou j’ai publié une mais significativos em termos de amplitu- as associações entre a estética de Bense e kóvski com a análise estatística de Bense fois une petite anthologie de la poésie de sejam o artigo “Montagem: Max Bense,” os formalistas russos. Ele escreve: de textos da vanguarda (Gertrude Stein, concrète brésilienne (numéro 10, avril publicado no 6.3.60 na “Página Invenção” Francis Ponge, Arno Holz, Noigandres, 64), et où mattias goeritz a aussi publié (reproduzido como suplemento do livro 84 85

Pequena estética). “Montagem: Max Ben- nho Industrial lhe convidou para dar seis som/côr (son/couleur) - a. campos de Giorgi e seu valor, no contexto de seu se” consistiu de sete segmentos traduzi- conferências sobre semiótica. Décadas vous avez déjà le texte + les traduc- local no Brasília, como representação da dos, retirados dos quatro livros bensianos depois, Haroldo envolveu-se no processo tions et/ou clés vocabulaires relatives nação brasileira. que compõem a Estética e Rationalismus de publicar o livro de Walther sobre se- à tous ces poèmes. ce disque n’est Concomitante com estas exposições, Ben- und Sensibilität. Haroldo justifica a seleção miótica, Allgemeine Zeichenlehre (Baden- pas, absolument, le produit définitif de se e Walther organizaram a publicação de da seguinte maneira: “A seleção foi feita -Baden: Agis Verlag, 1965) no Brasil, que l‘expérience d’organisation que nous várias traduções de textos literários brasi- tendo em vista uma certa unidade de inte- foi produzido em 2000 por Perspectiva (A entreprenons, mais seulement une leiros em sua revista Rot, inclusive textos resses: trechos e tópicos referentes à arte Teoria dos signos: introdução aos funda- épreuve, une première approximation de Noigandres (1962), João Cabral de Melo concreta, à ideia de uma obra de arte inte- mentos de semiótica. São Paulo: Perspec- à ce but: néanmoins, ce résultat est Neto (1964), Mira Schendel (1967) e Aloi- gral (compreendendo as de concreção e re- tiva. 2000.) déjà valable, à notre avis, au moins sio Magalhães (1969). Foi por sugestão de dução), ao problema do objeto e da função, Se no começo da década de sessenta tex- comme document d’une work in pro- Haroldo que “O cão sem plumas” de Cabral à comparação processual entre concretis- tos de Max Bense eram frequentemente gress dans le domaine de la vocalisa- foi publicado em Rot em 1964, traduzido mo e tachismo, e, finalmente – na íntegra traduzidos e publicados no Brasil, a arte tion de la poésie concrète. une poésie por Willy Keller. Numa carta de 6.1.62, – o texto fundamental sobre informação e concreta brasileira foi igualmente disse- que n’est point exclusivement visuel, Haroldo introduziu o autor pernambuca- estrutura” (Pequena estética 155-156). Eu minada na Alemanha nesse período, na mais suppose aussi des agencements no a Bense e Walther. Com essa carta ele acho interessante que Haroldo decidiu en- forma de publicações em revistas e expo- nouveaux de structures phone-sono- enviou também “Terceira feira”, uma nova focar essas seções que demonstram o in- sições organizadas por Bense e Walther. A res. nous sommes en train d’amélioré antologia de poemas de Cabral e descreveu teresse de Bense em expandir o escopo da primeira exibição que Bense organizou foi et d’amplifier ces travaux vocaux, pour Cabral como “un peu notre william carlos palavra “concreta” para abordar ambos os da obra de Almir da Silva Mavignier - um notre projet futur d’un disque-livre. les williams, un peu notre ponge” (CR)15. Ele problemas da arte denominada “concreta” estudante da escola de desenho Ulm, onde partitions de lecture ont été élaborées argumenta também nessa carta que “de e do conceito do concreto em termos mais Bense ensinou - que aconteceu em 1957 par un jeune musicien brésilien, júlio um aviso” e “a palo seco” são os mais im- amplos e filosóficos. Por exemplo, numa na Galerie der Stadt em Stuttgart. Quando medaglia, ancien élève du prof. h.j. portantes poemas na coleção. secção intitulada “George Lukács e Max Bense abriu a Studiengalerie na Universi- koellreuter, de l’école de musique de Numa carta datada de 16.1.64, Haroldo Bill: o concreto”, Bense formula uma sín- dade Técnica de Stuttgart em 1957, uma l’université de bahía (nordeste du bré- confirma o recebimento da notícia que tese de uma tradição filosófica “concreta” dos suas primeiras exposições foi sobre sil) (ML).14 Bense e Walther iam publicar o livro O que começa com Hegel e vai até as obras a poesia concreta brasileira. Essa foi, de Cão sem plumas. Talvez como um gesto concretas de Max Bill. fato, a primeira exibição de poesia concre- de gratidão, Haroldo segue com uma bela A recepção do trabalho de Walther era, ta na Alemanha (Transluminura, 67-68). Além dessa exibição, na década sessen- descrição do poema em termos bensianos: como o de Bense, profunda e variada. Numa carta datada de 28.10.59, Harol- ta ocorreram varias exibições de artistas Ela foi pincipalmente conhecida no Brasil do de Campos descreve a Bense e Wal- brasileiros na Studiengalerie, organiza- e fora pelos seus estudos sobre o autor ther os documentos que ele mandou para das por Bense, incluindo Bruno Giorgi je viens de recevoir votre lettre du 9.1 francês Francis Ponge e estudos pionei- essa primeira exposição. Essa carta con- (1962 e 1966), Volpi (1963), Lygia Clark et je suis très heureux de votre idée ros sobre Charles S. Peirce. No ensaio de tém uma das primeiras referências que eu (1964). Aloísio Magalhães (1965), e Mira de la publication du chien sans plumes Haroldo, “Frances Ponge: A Aranha e sua encontrei sobre os esforços de Noigandres Schendel (1967). Essas exibições eram de joão cabral dans la série rot. que Teia” publicado no Estado de São Paulo em de registro sonoro de sua poesia.13 Harol- sempre acompanhadas com textos sobre ma suggestion relativement au contact 1962 (o artigo foi seguido por uma tradu- do escreve: os artistas, escritos por Bense, e às vezes, avec w. keller soit en train de produi- ção de L’Araignée em 1969), Haroldo se por Haroldo. Os jornais brasileiros faziam re ce fruit si important, ca me réjouit refere ao estudo monográfico de Walther reportagens sobre essas exibições, inclu- beaucoup. le titre original du poème sobre Ponge (Francis Ponge. Analytische l’ordre des poèmes oralisés est la sui- sive um com o titulo “Bruno Giorgi, Bense, est O CÃO SEM PLUMAS (Barcelona, Monographie. Ein Beitrag zur Semantis- vant: Hegel e Brasil na Alemanha” (Correio da 1950). j’ai avec moi un exemplaire de chen und Statischen Ästhetik. Stuttgart: face a: branco (blanc) - h. campos manha, 1.2.63), que incluiu um trecho la première édition (très rare, limitée), Karl Mayer KG. 1961).12 Ademais, ela dis- rua/sol (rue/soleil) - r. azeredo dum discurso que Bense leu na recep- dont l’impression a été faite par cabral seminou seus estudos peirceanos duran- vai e vem (va et vient) - j. grünewald ção da exposição em Stuttgart, traduzido lui-même, sur une presse manuelle, en te as viagens ao Brasil, por exemplo em velocidade (velocité) - r. azeredo por Haroldo, em que o filosofo usava a espagne. je l’apporterai avec moi, bien 1964, quando a Escola Superior de Dese- face b: uma vez (une fois) -a. campos Estética de Hegel para falar da escultura sûr. c’est une édition très simple et bel- 86 87

le au point de vue graphique. — cabral que serve como uma ponte entre os con- Lispector (o único cujo trabalho ele cita de Campos ao livro é um pouco surpreen- est maintenant en train de quitter se- ceitos da “informação estética e semânti- inteiramente em vez de abordar critica- dente, especialmente considerando que, villa pour le consultat brésilien à genè- ca.” Neste sentido, no prefácio da tradução mente como objeto literário), Bruno Giorgi numa carta data de 3.5.1964 (CR), ele ve….dans ma conférence sur cabral je alemã, na revista Rot, Haroldo escreveu e poesia concreta, ao mesmo tempo que elogia o trabalho por ser “muito necessário parle beaucoup du CÃO SEM PLUMAS: o seguinte sobre o poema: “na primeira narra as viagens que Bense e Walther fa- à compreensao do espirito brasileiro”. De c’est un poème-pierre-de-touche dans linha, predomina o poema autocrítico, o ziam no país durante a primeira metade da fato, esse louvor se estende às cartas futu- l’évolution créatrice de cabral, ou il a poema-sobre-o-próprio-poema (o poema década sessenta. Apesar da riqueza desse ras – por exemplo, a de 5.10.68 (CR), em combiné, d’une manière remarquable, como metalinguagem voltado sobre a me- livro, hoje é pouco conhecido e raramente que ele pede para Bense mandar o livro a l’information esthétique et l’information cânica de sua própria linguagem-objeto); citado. No livro, Bense propõe a existência Roman Jakobson, a quem ele tem falado sémantique, la recherche formelle avec na segunda, o texto do poema é o supor- duma estética do “design” concretamen- muito sobre Bense. l’engagement. c’est le poème du capi- te material para uma informação de tipo te brasileira cujo protótipo é um conceito Mas que pensa Haroldo quando elogia Bense baribe (fleuve de l’état de pernambu- documentário ou semântico sobre deter- da inteligência Cartesiana que promove a por sua “compreensão” do espírito brasilei- co, NE du brésil, qui traverse plusieurs minada realidade ou contexto social exte- produção racional mais do que a reflexão ro? Na carta de 3.5.64, ele descreve um villes, y inclus la capitale, Recife): le rior ao poema” (Metalinguagem, p. 84)17. histórica. Bense vê na estética brasileira pouco o conteúdo dessa compreensão: chien-sans-plumes, c’est le fleuve, O sucesso se mede pelo “equilíbrio está- uma alternativa à tradição europeia (“de- fleuve-chien, père des hommes-chie- vel entre as duas vertentes características cadência metafisica”) que ele vê como ns, les hommes riverains, pauvres et de sua obra” no poema, que, nessa carta, bárbara. Nesse sentido, o livro inclui li- vraiment, vous avez bien compris le délaissés, comme l’a très bien remar- servem como os dois conceitos bensianos nhas como, “pode-se participar de conver- brésil. quand vous écrivez “kommt es qué le critique (et diplomate) antonio da informação. sas no Rio, São Paulo ou Brasília nas quais in diesem land zu einer echten revo- houaiss, un des meilleurs connaisseurs Numa carta assinada em 6.7.64 (CR), Haroldo a ideia do design surge como substituta lution, so ist es eine folge des amora- de la poésie cabraline. le poème est pede para Bense enviar cópias desse nu- dialética daquilo que na Europa denomi- lismus brasilianischer intelligenz, wenn tout entier fait, isomorphiquement, de mero de Rot a várias pessoas na Europa. namos consciência histórica” (22). Muitas diese revolution keinen missionaris- termes prosaïques, de parallélismes Esses nomes nos ajudam a aprofundar a das suas referências sobre a arte brasileira chen charakter annehmen wird”, - je sémantiques, de comparaisons volon- narrativa do crescente ‘network’ poético surgem dessas mesmas conversas que ele me rappelle bien, mon cher prof. ben- tairement rudimentaires (ayant pour transnacional em torno da poesia concre- tinha enquanto viajava; a discussão sobre se, d’oswald de andrade et de son “ma- base des “comme” ou des “quand”). ta. Essas personagens nomeadas na carta Brasília, por exemplo, toma emprestado nifeste anthropophage” (1928): “nous c’est, de reste, un poème très dépouil- incluem: Vanni Scheiwiller (então editor da dos artigos de Mario Pedrosa do período n’avons été jamais catéchisés”; “nous lé. je me mets à votre disposition pour editora italiana Nuovissimi), o poeta Murilo inicial da construção da cidade, em que avion déjà le communisme, la langue faire la révision du texte traduit et pour Mendes, Ministro Lauro Escorel (Embaixa- ele vê a nova capital como uma instância surréaliste, l’âge d’or”; “contre le pa- vous prêter ma collaboration en tout ce dor interino para o Brasil em Itália), Nanni concreta da mistura de tecnicismo politico ter familias et la morale de la cigog- que vous voulez concernant ce projet Balestrini (como diz Haroldo na carta, “um e estético que caracterizou esse momento ne”; (…) “contre la mère des gracques”. (CR).16 jovem poeta italiano, muito interessado na histórico do pais. oswald qui a préféré au “bon sauvage” poesia de Cabral” ) e finalmente o crítico Ao mesmo tempo que Inteligência Brasilei- de rousseau et de l’idéalisation roman- espanhol Angel Crespo (então diretor da ra descreve uma estética particularmente tique, le “mauvais sauvage”, le can- A conferência à qual Haroldo faz referência “Revisa de cultura brasileña”). brasileira, também coloca um outro lado nibale, de montaigne (“des canniba- aqui é o ensaio “O geômetra engajado,” Mudando de assunto, agora, qualquer dis- de sua dialética - potencialmente falsa: “o les”). la culture anthropophage (note: que ele originalmente deu a público como cussão sobre o interesse de Max Bense no sensível”. Brasilia, racional e construída, c’est à dire: l’homme naturel technisé) palestra em 1963, na universidade do Rio Brasil deve considerar o que é talvez o mais se opõe ao Rio, orgânico e difuso. O sol contre la culture méssianique, clérical, Grande do Sul, no “Curso de Integração, significativo produto de suas reflexões so- ofuscante e a poeira vermelha da capital totalitaire (CR).19 Ciência e Arte,” e de novo em 1964, no bre o pais: o livro Brasilianische Intelligenz: nova são opostos ao crescimento excessivo Studium Generale, anexo à Escola Supe- Eine cartesianische Reflexion, publicado em da natureza ingovernável do Rio. Também rior Técnica de Stuttgart, Alemanha. Nesse Alemanha em 1965.18 O maior trabalho so- as personagens do funcionário de terno e Pode-se especular que é a categoria da ensaio, Haroldo argumenta que o poema, bre Brasil escrito por Bense, o livro aborda do trabalhador da construção civil são con- produção cultural – especialmente literá- que assume uma quebra radical da “poéti- produtos culturais que incluem a criação trastadas às descrições eróticas da mulher ria – que fala em nome da verdade. Para ca do sublime,” é bem sucedido na medida do Brasília, João Guimarães Rosa, Clarice carioca. Neste sentido, o louvor de Haroldo Haroldo, Oswald não é só um autor entre 88 89 outros mas forma parte do paideuma que Finalmente, na mesma carta, Haroldo escla- minantes sobre o contexto local e político No ensaio “Design in Brazil: Which Haroldo adota para traçar uma história li- rece que a fotografia de Ouro Preto incluída do Brasil nos anos que elas abrangem: os Revolution”, de Ana Luiza Nobre, a terária nacional. O fato de que Bense re- em Inteligência Brasileira foi erroneamente fins da década de cinquenta e o início da historiadora de arquitetura, escreve sobre pita um dictum “clássico” vanguardista (e atribuído a Almir Mavignier, enquanto, na década de sessenta. a complexidade dos espaços políticos revolucionário) sem saber, revela sua ca- verdade, Augusto de Campos tirou a ima- No artigo de Elisabeth Walther que eu men- culturais nos quais a estética concreta pacidade de chegar ao coração dessa ver- gem. Haroldo escreve: “Augusto m’a prié de cionei no inicio desse texto, “A relação de existia durante os anos imediatamente dade da nação.20 Esse conceito de verdade vous rappeler que la photo de “ouro preto” Haroldo de Campos com a Poesia Concre- anteriores à ditadura militar.24 Ela recorda dá à obra de arte um valor ontológico que publiée dans votre livre a été faite par lui et ta alemã, em especial com Max Bense”, as relações ambíguas entre aqueles que de fato vem do próprio Bense e o valor que pas par almir mavignier, comme on lit dans Walther narra os eventos das suas viagens governaram o financiamento da cultura ele coloca na obra de arte como realida- la légende respective (cela n’a pas d’im- no Brasil. Sobre a primeira viagem, de 17 e da tendência construtivista da arte de de (ou “co-realidade,” como ele diria) em portance, mais dans le cas d’une nouvelle de outubro a 3 de novembro de 1961, ela vanguarda do momento. Nobre destaca si. Ao elogiar Bense por sua proximidade édition de votre livre ou de sa traduction la descreve encontros com Haroldo, Augusto o papel que Carlos Lacerda, o primeiro ao “humanismo antropófago” oswaldiano, correction pourra être faite” (CR).23 de Campos, Décio Pignatari e José Lino governador do Estado da Guanabara, Haroldo revela a sua empatia como leitor. Como conclusão, vamos considerar breve- Grünewald ocorridos no Rio. Ela narra que desempenhou na criação da Escola Do seu próprio esforço literário, ele encon- mente como essa correspondência pode eles conheceram Brasília, acompanhados Superior de Desenho Industrial, no Rio de tra o valor do texto bensiano como ensaio ser útil num sentido bem diferente dos te- por João Cabral de Melo Neto, e fizeram Janeiro, em 1963 (que teve como modelo sobre a estética particular brasileira. Ade- mas que temos abordado. Se até agora eu uma viagem a São Paulo onde visitaram a escola de Ulm, em que ensinou Bense) mais, o que fica de fora do elogio de Harol- tentei mostrar como elas podem aprofun- a Bienal com Alexandre Wollner e Mário como um “projeto de interesse nacional”, do (por exemplo, o comentário misógino dar nossa compreensão de Haroldo como Pedrosa. Descreve, ainda, encontros com apesar de que ele foi essencialmente de Bense sobre Clarice Lispector) é como interlocutor cultural e o papel que Bense artistas plásticos e arquitetos – Giorgi, Vol- contra o pedido de reformas sociais qualquer coisa marginalizada num câno- desempenhou na divulgação da arte bra- pi, Costa, etc. - e palestras que eles fizeram. enraizadas em modelo alemão. A questão ne literário: algo que se considera de mau sileira na Alemanha, também podemos Esse ensaio, que também narra as outras central: como e em que medida a arte gosto, ou talvez nem mesmo arte.21 considerar como essas cartas contribuem três viagens, contribui para uma histó- e o design concreto se tornou a estética Também se pode especular que o elogio a questionar as narrativas históricas do- ria que até agora tinha sido ignorada. A paradigmática que poderia ser propagada de Haroldo é uma estratégia. Ao relacionar atenção da crítica até então se concentrara por interesses políticos? Quando tudo isso Bense com Oswald, Haroldo faz dessa as- sobre as viagens anteriores de Max Bill e mudou? A possibilidade de ver Bense e a sociação um veículo potencial para os “ex- Le Corbusier. estética concreta geralmente como algo perimentos” teóricos do Bense. De fato, no O que é deixado de fora do relato de que podia ser aproveitado para uma paragrafo que segue na mesma carta, Ha- Walther é revelado pelas cartas: por intenção política específica – abandonada roldo pergunta se Bense pode ajudar a or- exemplo, os desafios dessas viagens pouco tempo depois – revela tanto a ganizar uma publicação do livro Memórias no que diz respeito à organização, à contingência da sua existência como Sentimentais de João Miramar de Oswald. burocracia, bem como ao financiamento. a sua atenção à realidade social que a Ele escreve, “il me semble très important De fato, numa carta datada de 5.8.64, circundava. A percepção de que a poesia divulguer le roman-invention d’oswald en encontramos o começo do que vai ser o concreta mudou – e talvez morreu, num allemagne, maintenant que la voie est caso para os próximos anos: uma série certo sentido – num momento de mudança déjà préparée avec le succès de rosa et de planos de viagens e de tentativas política extremamente rápida nos meados le livre du prof. bense. malheureusement, falhadas para garantir financiamento da década, pode servir para contrapor os verlag kiepenheurer & kitsch s’est relevé para Bense e Walther (“Infelizmente, tudo argumentos sobre o concretismo ainda un peu timide à ce sujet” (CR).22 Nas car- está mudado no Itamaraty, no momento,” subsistentes em alguns círculos: aqueles tas seguintes, Haroldo fala das respostas carta datada de 10.8.64 (CR)) É possível que o veem como uma ferramenta negativas aos seus esforços de publicar ler as mudanças políticas no Brasil como desinteressada dum mundo técnico e Oswald em razão do nível da experimen- responsáveis por mudar o curso da não como uma crítica dele. Essas leituras tação de sua escritura (carta 5.3.65, CR). relação de Bense e Walther com o Brasil, teriam que enfrentar uma história dinâmica Parece que Bense e Walther eram atipica- e talvez até mesmo o destino da própria e inquieta que até agora tem sido deixada mente incapazes de ajudar nesse assunto. poesia concreta? fora das narrativas dominantes. 90 91

Notas 5 Este texto serviu de base para uma palestra profe- tica; como uma demonstração de seu método eu anexo a nografia sobre ponge publicado em T.Q., e gostaria de ver 1 Essa carta faz parte do acervo do Centro de Referên- rida no Wilhelmspalais, Stuttgart, em 10 de setembro de tradução em português do poema “para serguei iessienin”. a poesia concreta introduzida nessa revista pelo menos cia Haroldo de Campos da Casa das Rosas, em São Paulo. 1994, e foi atualizado em 1997. Foi traduzido na revista como tema de debate. infelizmente os jovens de T.Q. for- Nas referencias às cartas que seguem neste artigo, esse “Transluminura: revista de estética e literatura.” Walter, 10 Além da Estética do Bense que aborda esses temas mam um grupo (ou “igreja”) muito pouco aberto ao diálo- acervo será citado como CR. Elisabeth. “A Relação De Haroldo De Campos Com a Poesia abstratamente em vários momentos, veja especialmente M. go e por isso de uma curiosa (e ao mesmo tempo desagra- Concreta Alemã, Em Especial Com Max Bense.” Trad. Simo- Bense, Einführung in die informationstheoretische Asthetik. dável...) “sofisticação” paroquial... 2 ne Homem De Mello. Transluminura 1 (2013): 65-81. Web. Grundlegung und Anwendung in der Texttheorie. Reinbek: “Prezada Frau Walther, Rowohlt. 1969 (traduzido para o espanhol por Alberto Co- 13 Eu escrevi um e-mail a Augusto pedindo mais in- Prezado Prof Bense: 6 Haroldo diz que seu artigo é provavelmente “a pri- razón, Estética de la información, Alberto Corazón: Madrid. formação sobre esse disco. Ele respondeu o seguinte: “De meira manifestação critica em américa sobre a obra de 1972), que mostra o uso da estatística e matemática na fato, pensamos em realizar um disco, que seria o nº 5 da Agradeço muito por sua carta de 10.5. bense” numa carta datada de 25.1.69 (CR). critica literária. revista-livro Noigandres. Cheguei a esboçar uma introdu- ção para esse suposto número, em que aludo às gravações No momento, as coisas caminham. O tempo passa (é pre- 7 Na introdução desse artigo o autor anuncia que 11 “acho que a sua estadia no méxico terá sem dúvi- de Medaglia. Resolveu-se, afinal, fazer do nº 5 uma an- ciso contar com tempo). Vive-se, ou, de qualquer maneira, Tomas Maldonado e Otl Aicher iriam dar uma palestra no da uma influência muito importante no desenvolvimento tologia dos números anteriores e o projeto do disco não sobrevive-se. Agora sou eu que tem saudades de Stutt- “Curso de Comunicação Visual” no MAM-Rio e que esse da poesia concreta no méxico e na américa latina de lín- chegou a se realizar. Anexo um trecho da partitura de Me- gart. Eu gostaria de parodiar Robert Browning («Home- texto de Bense, originalmente publicado na revista suíça gua espanhola, onde a presença dominante continua a ser daglia (publicado no catálogo da Exposição Poesia Concre- -Thoughts from Abroad») via Ezra Pound («Pisan Cantos» “Spiral,” serviria como texto introdutório. sempre o surrealismo francês e sua variante beatnik norte ta: o Projeto Verbivocovisual, realizada no Instituto Tomie Canto LXXX): americana. eu sei porque eu sou correspondente brasileiro Ohtake – São Paulo, 2007).

“Oh, to be in Stuttgart 8 Pequena Estética (Perspectiva: São Paulo. 1971) da revista mexicana mais ativa - “el corno emplumado / FIGURA 1. Now that Spring’s there foi uma tradução organizada por Haroldo de Campos é the plumed horn” onde eu publiquei uma vez uma pequena Now that Winter’s out feita por J. Guinsburg e Ingrid Dormien Koudela. O livro antologia de poesia concreta brasileira (no. 10, abril 64) e 14 “a ordem dos poemas oralizados é o seguinte: Now that here original é Einfuhrung in die informationstheoretische Äs- onde mattias goeritz também publicou pela primeira vez There is no room for doubt”. thetik: Grundlagen und Anwendungen in der Texttheorie. seu “oro” (sob o pseudônimo de werner bruenner, -num. face a: branco - h. campos (“Foreign-Thoughts, from Home”…) Reinbek: Rowohlt, 1969. A correspondência, especial- 2, april 62). agora, com a grande exposição e sua confe- rua/sol - r. azeredo Quanto ao convite, eu vou fazer o meu melhor, nas cir- mente entre Haroldo e Walther, mostra a historia da pro- rência e contatos espero que o clima mude um pouco e vai e vem - j. grünewald cunstâncias. Aguardem um pouco, por favor. Em breve, dução desse trabalho. mais rapidamente. será muito bom porque o méxico é uma velocidade - r. azeredo escreverei para vocês com mais detalhes. espécie de caixa de ressonância para a américa espanhola. face b: uma vez -a. campos 9 Essa carta está no Marbach Literaturarchiv. Nas re- eu gostaria de ter o catálogo da exposição e notícias mais som/côr - a. campos Minha amizade, minha devoção a vocês, à pequena Caroline, a ferências seguintes reporto-me a elas como ML. detalhadas sobre sua estadia no mexico (que, espero, não todos os bons amigos em Stuttgart.Seu, “meu estudo de maiakovsky já está concluído, é notável faça você esquecer o brasil, agora tão pouco atraente, ten- você já tem o texto + as traduções e / ou vocabulários- Haroldo” como as ideias do grande poeta russo da teoria poesia do em conta a situação política, infelizmente ...)” -chave para todos esses poemas. este disco não é, abso- Nota: As traduções, se não for indicado o contrário, são minhas. pode ter um significado preciso, à luz da sua nova estética lutamente, o produto final da experiência ou da organiza- estatística; p. ex:. o conceito de novidade em maiakovsky 12 Numa carta de Haroldo a Walter datada de 15.3.68 ção com que nos comprometemos, mas apenas um teste, 3 “Vou lhe dizer que nunca sei quando minha vida em comparação com a característica original da informa- (CR), Haroldo a felicita por ter tido seu estudo de Ponge uma primeira aproximação a este objetivo; no entanto, começa e quando começa minha literatura: agora eu acho ção estética: “na obra poética, novidade é essencial e obri- publicado na revista Tel Quel. Haroldo revela uma certa esse resultado já é válido, em nossa opinião, pelo menos, isso bem verdade (e ademais: gosto de viver perigosa- gatória. o material de palavras e dos grupos de palavras decepção com relação à falta de interesse da Tel Quel na como um documento de um trabalho em andamento na mente…)” de que dispõe o poeta deve ser reelaborado. se para a poesia concreta brasileira: “je suis heureux de voir un área da vocalização de poesia concreta. uma poesia que elaboração do verso utiliza-se o velho entulho verbal, ele extrait de votre très importante monographie sur ponge não é exclusivamente visual mas também requer novas

4 Até Max Bense falecer, em 1990, Haroldo de Cam- deve estar em rigorosa correlação com a quantidade do publié dans T.Q., et j’aimerais voir la poésie concrète intro- modalidades de estruturas fono-sonoras. estamos no pro- pos tinha uma correspondência com ele e também Elisabeth material novo. da qualidade e quantidade deste novo ma- duire dans cette revue au moins comme thème de débat. cesso de melhorar e ampliar estes trabalhos vocais para Walther, escrevendo a ambos ou a cada um individualmen- terial vai depender o emprego de semelhante liga. (Trad. Malheureusement les jeunes de T.Q. forment un group (ou os nossos planos futuros dum disco-livro. as partituras te. Depois da morte do Bense, Haroldo continuou escre- Schnaiderman, Boris. A Poética de Maiakóvski. São Paulo: “chapelle”) très peu ouvert au dialogue et pour cela d’une de leitura foram desenvolvidas por um jovem músico bra- vendo a Walther até que ele faleceu. Essas cartas estão na Perspectiva. 1971. 172.) meu trabalho sairá na revista do curieuse (et an même temps dégoûtant..) “sophistication ” sileiro, júlio medaglia, ex-aluno do prof. h.j. koellreuter, Casa das Rosas, no Deutschen Literaturarchivs de Marbach, livro (ministério da cultura): -eu abordo as posições de paroissiale…” (CR). escola de música da universidade federal da bahia (nor- Alemanha, e também com a família de Haroldo de Campos. maiakovski sobre a produção e o consumo da obra poé- “fico feliz de ver um extrato de sua muito importante mo- deste do brasil)” 92 93

15 “Um pouco nosso william carlos willliams…um pouco exemplo, seu ensaio “Sobre Brasília” na “Invenção” nume- 22 “Parece-me muito importante divulgar o romance- nosso ponge.” ro 2 (1962), traduzido por Haroldo, que vem do seu livro, invenção de oswald na alemanha, agora que o caminho já Projeto para uma Paisagem Renanana (1962). Na introdu- está preparado com o sucesso do rosa e do livro do prof. 16 Acabei de receber sua carta de 9.1 e eu estou mui- ção desse numero da revista, Haroldo descreve o artigo bense. infelizmente, verlag kiepenheurer & kitsch parece to feliz com a sua ideia de publicar o cão sem plumas de como “sua elaboração verbal de reminiscências e reflexões um pouco tímida sobre esse assunto.” joão cabral na série rot. que minha sugestão com relação sobre nosso pais ...em especial sobre a nova capital, BRA- ao contato com w. keller esteja em vias de produzir este SILIA, revelando uma extraordinária capacidade de com- 23 “Augusto me pediu para lembrá-lo que a foto de fruto tão importante, me alegra muito. o título original do preensão de certos traços característicos da inteligência e “Ouro Preto”, publicada em seu livro, foi feita por ele e não poema é O CÃO SEM PLUMAS (Barcelona, ​​1950). tenho co- do espirito criativo. Não lhe interessa o exótico mas o con- por almir mavignier, como se lê na rubrica respectiva (não migo uma cópia da primeira edição (muito rara, limitada), creto. É por isso que pôde ver em Brasília um exemplo do é importante, mas no caso de uma nova edição do seu livro cuja impressão foi feita pelo próprio Cabral numa prensa antiprovincianismo da consciência tropical. Algo que, para ou a sua tradução, a correção poderia ser feita).” manual na espanha. vou levar comigo, claro. esta é uma nós, responde à ideia de um nacionalismo critico” (2). edição muito simples e bonita no sentido gráfico. - Cabral 24 Nobre, Ana Luiza; “Design in Brazil: which revolu- está agora no processo de deixar sevilla para o consulado 19 “realmente, você compreende bem o brasil. quan- tion?”, p. 80-82 . Em: Farias, Priscila Lena; Calvera, Anna; brasileiro em genebra ... .em minha palestra sobre cabral do escreve “se o pais chegar a uma verdadeira revolução, Braga, Marcos da Costa & Schincariol, Zuleica (Eds.). De- eu falo muito sobre CÃO SEM PLUMAS: é um poema-pe- creditar-se-á ao amoralismo da inteligência brasileira o sign frontiers: territories, concepts, technologies [=ICDHS dra-de-toque na evolução criativa de cabral em que ele fato da revolução não assumir um caráter missionário”,- 2012 - 8th Conference of the International Committee for combinou de maneira notável a informação estética e a in- me lembro bem, meu caro professor bense, de oswald de Design History & Design Studies]. São Paulo: Blucher, 2012. formação semântica, a pesquisa formal com o engajamen- andrade e seu “manifesto antropófago” (1928): “nunca to. é o poema do capibaribe (rio do estado de , fomos catequizados”; “já tínhamos o comunismo. já tínha- nordeste do brasil, que travessa várias cidades, incluindo mos a língua surre a capital, recife): o cão-sem-plumas, rio, rio-cão, pai de alista. a idade de ouro”; “contra o pater famílias e a criação cães-homens, homens ribeirinhos, pobres e negligencia- da moral da cegonha”; (...) “Contra a mãe dos gracos.” dos, como bem observou o crítico (e diplomata) antonio oswald, que preferiu ao “bom selvagem” de rousseau e houaiss, um dos maiores conhecedores da poesia cabra- a idealização romântica, o “mau selvagem”, o canibal, de lina. o poema é inteiramente feito, isomorficamente, de montaigne (“dos canibais”). a cultura antropófaga (nota: termos prosaicos, de paralelos semânticos, comparações isto é: o homem tecnizado natural) contra a cultura mes- deliberadamente rudimentares (tendo por base “como” ou siânica, clerical, totalitária.” “quando”). é, de resto, um poema muito despojado. estou à sua disposição para a revisão do texto traduzido e para 20 Haroldo escreve especificamente sobre essa ligação emprestar-lhe minha colaboração em qualquer coisa que de ideias de Bense e Oswald também no seu ensaio “Poe- você queira com respeito a este projeto. sia de Vanguarda Brasileira e Alemã” incluído no A arte no horizonte do provável e outros ensaios (São Paulo: Pers- 17 Esse posfácio foi originalmente escrito para Der pectiva, 1969. 183). Hund ohne Federn, tradução de Willy Keller, cadernos Rot, numero 14, Stuttgart. Foi republicado, com o titulo de “El 21 Cito Bense descrevendo Clarice Lispector: “Clarice Geómetra Comprometido,” na revista Cormoran y Delfin, Lispector com o rosto aberto, puxado para a frente, típico numero 7, nov. 1985, Buenos Aires. de uma Nefertite eslava, e com os lábios tímidos e pon-

tiagudos, sobre os quais repousa ainda a força de beijos 18 Brasilianische Intelligenz: Eine cartesianische Refle- distantes” (Inteligência Brasileira: uma reflexão cartesia- xion foi publicado por Leimes Verlag em 1965 e foi traduzi- na, São Paulo, Cosac Naify, 2009, p. 70). Parece que essa da ao português para a Cosac Naify em 2010 sob o titulo situação fala por si mesma, mas deve-se mencionar a opo- Inteligência Brasileira: uma reflexão cartesiana. Versões sição – inerente nessa descrição – ao discurso bensiano anteriores dessa obra e outros trabalhos escritos por Bense sobre a “inteligência” racional da estética brasileira. Onde sobre Brasil foram publicados na Alemanha e no Brasil, por é que Clarice se situa nessa caracterização da arte nacional? 94 95

ENTREVISTA COM CLAUS CLÜVER SOBRE HAROLDO DE CAMPOS

Entrevistador: Hoje é dia 30 de agosto vida acadêmica inteira, dei aulas sobre li- GALÁXIA de 2012. Nós estamos aqui com o Profes- teratura e outras artes, entre muitas ou- sor Claus Clüver, que vai dar o seu depoi- tras disciplinas, mas isto foi durante mais mento sobre Haroldo de Campos. A gen- de 40 anos de vida profissional. Talvez a te sempre começa com aquela pergunta, especialidade pela qual eu sou conhecido, uma pergunta dupla: qual é a importância agora no mundo ocidental inteiro, pois fiz de Haroldo de Campos e como foi a sua re- muitos trabalhos em vários países. Em HAROLDO lação com o Haroldo? Essa resposta, nor- 1968, morando em Bloomington, lecionan- malmente, vem junta, e é assim que nós do em Bloomington, eu vi um anúncio di- queremos perguntar ao senhor. Como foi zendo que ia ter uma apresentação sobre o seu contato com Haroldo de Campos e a nova poesia brasileira por jovens poetas qual a importância do Haroldo para a lite- e, como a minha esposa é brasileira, eu ratura, em termos mais amplos? disse: “Vamos ver o que está acontecendo no Brasil”; e o nome desses dois poetas Profº Claus Clüver: Sim. Eu acho que eram Augusto de Campos e Haroldo de preciso começar com essa fase quase que Campos. Fomos e, para mim, realmen- anedótica deste primeiro encontro, que te, o resultado foi uma virada na minha foi por acaso e uma coisa muito pessoal. vida, pois que eu não tinha nenhuma ideia Estou casado com uma brasileira. Casei da poesia concreta e então conheci uma em 1959 e, desde 1964, estávamos mo- pessoa morando também em Blooming- rando nos Estados Unidos, em Blooming- ton que, depois, virou uma amiga e colega ton, onde eu ainda... Agora sou professor com a qual colaborei, Mary Ellen Solt, que aposentado; eles chamam de emérito. E, tinha convidado esses dois, porque Mary então, na época dava... e, durante minha Ellen Solt estava pronta para lançar uma 96 97 antologia de poesia concreta internacio- Por isso, também já escrevi esse primeiro estes contatos, naturalmente, firmaram conhecemos Vagn Steen, e também eu me nal, no mesmo ano, 1968. Eu fui e ouvi o ensaio que foi publicado, eu consegui uma o nosso intercâmbio de ideias, quer dizer, encantei com outros que estavam fazendo Haroldo explicar a poesia concreta através bolsa para 3 meses de estudos em poesia sentia que com Haroldo era mais o meu o mesmo trabalho, então, o meu interes- de um poema do Décio Pignatari: “Terra”, concreta em São Paulo. Não só realmen- papel, era mais um papel passivo, porque se realmente cresceu. Começando com e depois Augusto comentou e apresentou te São Paulo, mas nós também fomos a Haroldo... risos Esta conversa é muito in- uma poesia concreta brasileira, cresceu seis poemas que Júlio Medaglia tinha so- outros lugares, Bahia, por exemplo. Fiquei teressante, mas ele naturalmente domi- para dar um panorama da poesia concre- norizado para vozes masculinas, femini- 3 meses e, naturalmente, me encontrei nou. Em 1976, quando voltamos, o meu ta como movimento realmente mundial. nos (incompreensível), estas leituras eram mais uma vez com Haroldo e com Augus- filho, de então 15 anos, já filmador, fez Até agora, no momento, estou fazendo em horizontal, em vertical, em diagonal e to, e também conheci o Décio Pignatari, filmes de Super 8, e ele filmando uma -en uma coletânea de ensaios que se chama multivocal. Foi uma nova maneira de ouvir pela primeira vez. trevista com Haroldo, ele concentrou nas “Concrete Poetry: An Internacional Pers- um novo tipo de poesia e eu fiquei muito mãos. Tem uma sequência só dos gestos pective”, em inglês, ou “Poesia Concreta: excitado. Tentei reconstruir, à noite, este Entrevistador: E isso foi em que ano? manuais do Haroldo, porque ele achou que Perspectiva Internacional” - onde nós te- poema que Haroldo tinha explicado, não foi muito claro que Haroldo falava muito, mos ensaios sobre 26 países ou regiões consegui, mas, logo depois tentei escrever Profº Claus Clüver: Em 1974. Fiquei 3 mas também com as mãos. Sempre to- diferentes, onde em algum tempo tive o meu primeiro ensaio, uma leitura de um meses aqui, e a primeira coisa que Augus- cando em muitos assuntos informativos, uma produção de poesia concreta. E isto poema que era “O Terremoto” de Augus- to e também Haroldo, porque você entrou mas também com uma amplitude de in- é o interesse que eu também discuti com to. Imediatamente, nós ficamos depois da nos apartamentos deles e você encontra formação, de ideias e planos. Tudo isto o Haroldo e Augusto sobre a relação da apresentação, conhecemos os dois, convi- pinturas dos amigos deles, quer dizer, pin- que sempre me impressionou. Quer dizer, poesia concreta brasileira com o exterior. damos os dois, então, e assim começou tura concreta, e eles imediatamente disse- daqui para frente eu, forte no meio, tive Porque a poesia concreta começou, enfim, uma amizade. Augusto e Lygia voltaram ram: “você tem que conhecer o Fiaminghi, a fortuna de voltar para lecionar um se- pelo encontro do Décio Pignatari em Ulm, para Bloomington e também Haroldo e o Sacilotto”; e conheci realmente um bom mestre na USP, em 1981. Depois lecionei com o suíço-boliviano que era o secretário Carmem ficaram em nossa casa, mas, en- número. Conhecemos bem o Fiaminghi na PUC outra vez, nos anos 90 – 93, e na de Max Bill na Hochschule für Gestaltung, tão, os contatos continuaram, ao mesmo que nos levou para ouvir Haroldo; fomos USP outra vez, em 1998. E sempre, natu- em Ulm, em 1956, quando o Décio esta- tempo que eu imediatamente comecei a mesmo para visitar o Volpi, o Sacilotto fo- ralmente, eu me encontrei, especialmente va nessa viagem pela Europa, cinquenta introduzir poemas concretos para introdu- mos para casa dele e ele fez uma expo- com o Haroldo e com Augusto. E Harol- e... Não, o encontro já em 1955, e depois zir alunos à ideia da poesia. Talvez fosse sição para nós das obras dele. Foi muito do... Pois que eu fiquei co-publicando, tinha essa correspondência que resultou um pouco estranho porque, normalmente, interessante! Conhecemos Judith Lauand, até agora eu tenho, mais ou menos, 20 na aceitação da proposta dos brasileiros os jovens alunos reagiam muito positiva- ficamos várias vezes na casa do Charoux. trabalhos sobre poesia concreta brasilei- de chamar essa coisa de “poesia concre- mente a isto, até o ponto que eles ouvi- Então, neste primeiro encontro, já, eu co- ra e muito internacional. Haroldo sempre ta”. Então, realmente, uma coisa curiosa ram o nome “poesia”: “Ah, mas isso não nheci um bom número do Grupo Ruptura, insistiu que eu devia recolher tudo isto e que, pela primeira vez na história do mun- é poesia!” E nós insistimos: “não, é uma o grupo da arte concreta de São Paulo. ele mesmo me levou para Jacó Guinsburg, do inteiro, teve um batismo de um movi- maneira muito boa de, realmente, enfren- Depois, conheci Geraldo de Barros e fui para fazer um contrato e ele iria escrever mento internacional, através de um acor- tar o material, as possibilidades visuais, para a casa do Lothar Charoux. Nunca co- a introdução. E o livro ainda não existe. do transatlântico entre Eugen Gomringer sonoras, estruturais, essa nova sintaxe nheci Maurício Nogueira Lima, infelizmen- Eu tenho, até agora, eu tenho 20 ensaios, que concordou com esta proposta dos bra- especial. Tudo isso que realmente trata te; talvez, vou ainda conhecer Alexandre e isto é um trabalho que, realmente, te- sileiros. E, para os brasileiros, realmente da materialidade do poema através des- Wollner. Mas, realmente, conheci muitos nho que fazer. Mas, ao mesmo tempo, eu deu uma chance de, finalmente, criar as se novo tipo de poesia”. Então, realmente, do grupo, ao mesmo tempo conheci Willy estudei através da coleção da Mary Ellen, poesias para exportação, nesta frase de quer dizer, a minha amiga, a que acabou Corrêa de Oliveira e, mais tarde, também em Bloomington, e também através de Oswald que eles realizaram mesmo. Daqui por ser a minha amiga e colega, Mary El- o Gilberto Mendes. Pois que, em 1976, uma outra viagem, com uma outra bolsa para frente, verdadeiramente, os brasilei- len Solt, também começou a lecionar em eu voltei pra São Paulo com um grupo de de estudos, já em 1974, estudei poesia ros entravam em muitos contatos interna- nosso departamento e nós fizemos uma... alunos. Eu fiquei por um ano aqui e dei a concreta internacional. Eu visitei a Alema- cionais e começaram a expor em muitos continuamos uma nova oração desta dis- minha primeira aula, também no Brasil, na nha, conheci e entrevistei 6, 8 poetas na países europeus, e também nos Estados ciplina de (incompreensível), literatura PUC, no meu curso, em um grupo a convi- Alemanha e Áustria, na época. Depois co- Unidos. Quando nós, em 1970, na nossa moderna, e as outras artes através destas te de Décio e Haroldo. Na PUC, então, no nheci, naturalmente, nos Estados Unidos, universidade, fizemos uma exposição de novas... Realmente, destes novos textos. departamento de teoria literária. Então, conheci vários, e também na Dinamarca poesia concreta e durou um mês inteiro, 98 99 e nós fizemos outras exposições, realmen- também. E, quem sabe... eu entrei e ime- Mas, Haroldo foi realmente um embaixa- mente, de uma maneira e através de jor- te, com textos brasileiros. Esta é a base, diatamente me entusiasmei para a arte dor da poesia brasileira. A gente não deve nais, quer dizer, esses canais bem públi- sempre em contato, sempre em conversa, concreta brasileira, ainda estou me en- esquecer desta situação especial do grupo cos, Jornal do Brasil e também em São sempre fazendo trabalhos que eu mandei tusiasmando. Estas duas linguagens con- Noigandres; quer dizer, essencialmente Paulo, vários; então, isto não tem igual e e alguns trabalhos meus que os irmãos fluíram, realmente, na minha reação, ao dos três, porque eles são os únicos que eu esta função, realmente, continuou durante Campos gostaram muito. Então, foi um mesmo tempo eu não sou muito... O Au- conheço no mundo inteiro deste tipo de a vida inteira. Não o discurso sobre poesia intercâmbio muito frutífero, vamos dizer. gusto é um grande músico, conhecedor da poesia que fizeram um trabalho, pelo me- concreta, naturalmente, continuou, pois música, mas eu publiquei algumas coisas, nos, triplico. Eles desenvolveram durante que tinha esta dificuldade de aceitar o tra- Profº Claus Clüver: Eu queria lhe fazer inclusive sobre a relação de um poema alguns anos esta nova linguagem, até em balho deles, mas, ao mesmo tempo, o tra- duas perguntas. Primeiro, é muito inte- do Augusto com uma peça de Anton Von meados de 1955 – 1956 chegar nesta fase balho de tradutores virou um trabalho ressante como o senhor chegou à poesia Webern e também a transposição, tome- heróica ou clássica do poema concreto, muito importante, quase central na vida concreta. Primeiro por ser casado com a mos o Augusto do Willy Corrêa de Oliveira. que acabou, mais ou menos, esta fase, dos três. Haroldo, mas também Augusto, Maria, brasileira, depois por ser também Então, eu acompanhei algumas coisas, e por volta de 1960, quando eles publicaram numa produção muito rica de poetas pre- professor, já, de literatura e outras artes. também da parte da música. Eu lecionei Noigandres 5. Depois, um trabalho muito diletos e sempre com comentários. Harol- Isto foi importante para que o impacto da sobre música 40 anos da minha vida, en- rico, tudo isto baseado nas experiências do sempre acompanhou os textos que ele poesia concreta fosse grande sobre o se- tão, entendo alguma coisa sobre música com a poesia concreta, mas não ainda traduziu e, também, a descoberta de ou- nhor, o senhor já trabalhar com literatura também. Então, felizmente eu tenho este uma poesia concreta pura. Então, o traba- tros poetas com novos artigos. Infeliz- e outras artes? preparo e continuamente fiz um trabalho lho poético que foi imediatamente acom- mente, não tem uma tradução publicada ativo como professor neste campo e tal- panhado pelo trabalho, de um lado de ma- da Teoria da Poesia Concreta ou do livro Profº Claus Clüver: Não, é claro que, eu vez, assim, eu sou uma pessoa qualificada nifestos e de críticas, quer dizer, um inteiro, que é naturalmente uma coletânea acho que a minha experiência já de vá- para tratar... risos... trabalho teórico, e não tem... tem outros de ensaios dos anos entre... de 10 anos, rios anos, quase muitos anos, em 1968, que publicaram ensaios e manifestos inte- mais ou menos. Alguns especialmente, tinha este efeito, um preparo para receber Entrevistador: Eu queria fazer mais uma ressantes, inclusive o próprio Eugen naturalmente, o plano piloto para a poesia inteligentemente... Perdoe, mas é inteli- pergunta, só explicitando uma coisa que Gomrimger, muito citado, e tem outros, concreta foi traduzido em muitas línguas. gentemente... Eu acho que eu comecei, o senhor colocou, mas explicitando exa- Heißenbüttel e Mon na Alemanha, e outros Mas, o total desse trabalho, o desenvolvi- realmente, como um bom leitor de poesia tamente isso. O senhor conhece muito a na França, Itália... Mas, este conjunto de mento deste pensamento ainda não foi concreta e ainda acho que sou um bom lei- poesia concreta no mundo inteiro, talvez trabalho criativo e trabalho teórico, este traduzido em nenhuma língua. Eu espe- tor, e isto é pois que a poesia concreta é, seja a pessoa que mais conhece a poesia trabalho muito consciente do fazer, do ro... Tradução existe, mas não foi publica- no termo que os concretistas daqui de São concreta no mundo, do mundo... Como é próprio fazer, não tem igual. Mas, ao mes- do, mesmo não em inglês. Isso é uma Paulo gostam, “verbivocovisual”. A poesia que o Haroldo é visto por esses poetas e mo tempo, eles traduziram, eles introduzi- pena porque, para mim, é realmente a concreta é sempre uma poesia metapoé- pelas pessoas que estudam poesia concre- ram as fontes, os modelos, as inspirações teoria mais coerente, a mais bem pensada tica, poesia sobre o fazer, sobre possibili- ta no mundo? Ele... Porque eu estou fa- que eles tiraram da literatura ocidental, de todos. Mas, de outro lado, o Haroldo dades, explorando muito autoconsciente, lando isso porque, muitas vezes, o Harol- começando por Mallarmé; depois, ainda, passou vários tempos no exterior. Ele pas- mas uma poesia que, realmente, depende do, durante a vida, pelo menos, se sentia andando para a poesia medieval, mas lá sou um tempo em Stuttgart e teve muito dos códigos semióticos da tradução literá- um pouco, pouco valorizado no Brasil. E no plano piloto eles têm os nomes de contato com Max Bense, então, entre o ria, quer dizer, sempre tem a semântica como é que ele é visto por essas pessoas maior importância para eles nesta fase, e grupo de Stuttgart, por exemplo, na Ale- verbal, e assim também tem interessantes no mundo todo? são europeus e americanos, eles se liga- manha, tem documentos sobre isso, pas- diferenças entre poesia brasileira e poesia ram muito com o pensamento do Ezra sou em... lecionou em Austin, Texas, e alemã, por exemplo, porque, cada língua Profº Claus Clüver: Eu acho que a acei- Pound. Mas, qualquer poeta, qualquer viajou várias vezes para os Estados Unidos tem outras possibilidades, mas, ao mes- tação no Brasil é muito especial. Eu não descoberta que eles tiveram de possíveis e, depois, ele... E acho que ele é o mais mo tempo, uma exploração da aparência quero entrar em comentário sobre isso antecedentes foram introduzidos com co- viajado dos três. Augusto, agora viaja do poema, mesmo das letras na página e porque ainda estou tentando entender o mentários críticos e traduções. Eles tam- quase mais do que nas primeiras décadas, a distribuição espacial. Quer dizer, é uma que aconteceu e o que ainda está aconte- bém ensinaram o possível público de leito- mas ele também lecionou em Austin. Mas, nova sintaxe espacial e quem sabe ler (in- cendo aqui, porque esta dificuldade e es- res para como entender este novo projeto. Haroldo, de certa forma, virou um embai- compreensível), tem uma maior facilidade tas rivalidades têm uma coisa especial. Então, esta função que eles fizeram, real- xador, não só da poesia concreta, mas o 100 101 mundo de Haroldo é muito mais amplo do usar palavras sobre... Realmente, a cria- tados Unidos, na França. Tem umas tradu- tende, então eu não posso falar sobre o que isso. Ele foi um representante, não só ção brasileira para o exterior. Para mim, o ções parciais ou completas; acho que não mundo ocidental mesmo, mas, neste cír- mesmo da poesia brasileira; ele tinha con- neoconcretismo é uma ficção, eu acho que completas; completa, não sei, pode ser. culo, Haroldo, provavelmente também é o tatos com poetas em outros países, Octá- não existe; tem uns trabalhos que nas ar- Mas, já no começo, Max Bense publicou melhor conhecido dos três do Noigandres. vio Paz, por exemplo, e conheceu muito tes plásticas, vamos dizer, Lygia Clark, tal- parte do... Então, o texto foi traduzido, o Isto é, pois que ele também foi mais ex- bem e virou embaixador da literatura lati- vez Lygia Parker, Oiticica que tomaram que já é um desafio e, aparentemente, trovertido do que os outros, ele procurava no-americana, de certa forma, falou sobre uma direção diferente dos paulistanos, é bem traduzido, e muitos comentários, e contatos e continuou a manter os conta- isso e escreveu sobre isso, e ganhou um claro. Mas... Entrevistei Franz Weissmann, várias posições, várias e várias aborda- tos. A correspondência dele deve ser... Eu respeito entre as pessoas que eu conheço. em alemão, e Franz Weissmann é concre- gens. Então, este texto estabeleceu o Ha- não sei como ele conseguiu, realmente, Agora, eu tenho que dizer, a mim, o meu to, mas não é neoconcreto; assinou uma roldo como um criador de grande impor- ficar em contato com todos, e figuras im- campo oficial é a literatura comparada e coisa que... E Amílcar de Castro, como ar- tância no mundo inteiro. Mas, também, portantes. Não! Nesse sentido Haroldo é eu não sou brasilianista. Eu nunca estudei tista, como escultor, a mesma forma. É um esses contatos que ele teve, inclusive, já um dos grandes representantes da gera- literatura brasileira, então, eu sei algumas escultor rigorosamente concreto, mas não cedo, com o Japão, com Kitasono Katue. ção dele, da literatura brasileira, na minha coisas, escrevi tudo, mas não posso di- neoconcreto, mas isso é uma outra coisa. E, eu acho um pouco errado, acho que ti- opinião, sendo de fora. zer... Não, este não é o meu círculo como Quer dizer, tem estes discursos dentro do nha um outro japonês que era mais con- eles pensam, alguns. E acho que estas bri- Brasil que tem reflexão fora, mas que são, creto do que Katue, mas, pelo menos, o Entrevistador: Mas isso é muito impor- gas infelizes que existem no Brasil tam- às vezes, difíceis. Mas, Haroldo, a meu co- Haroldo estabeleceu contato, traduziu e tante. Só para complementar, o quê que bém têm continuação nos departamentos nhecer, nunca foi agredido, questionado assim introduziu, também, uma outra cul- o senhor acha que a gente poderia fazer de português, língua portuguesa no exte- nesta conexão. O que foi, e isto é interes- tura com criações mais ou menos parale- aqui no Brasil para continuar esse interes- rior, pois que, por exemplo, o nosso colega sante, o que foi, especialmente em relação las ao concretismo para cá. Ajudado atra- se ou para aumentar o interesse pela obra Heitor Martins, na juventude, deu apoio e à poesia concreta, discutido foi por uma vés de contato, como por exemplo, uma do Haroldo lá fora? Parar de brigar? (risos) se pois que virou contra, e tinha outros. Eu não amiga, mas bem conhecida, uma co- figura como L.C. Vinholes, que o Haroldo não sei, isto é um capítulo um pouco difí- lega minha, Marjorie Perloff, agora tradu- apresentou para mim e eu conheci o Vi- Profº Claus Clüver: Sim. Depende. Eu cil, especialmente, também, para uma zido para o português, que teve grandes nholes aqui em São Paulo, mas depois o acho que algumas coisas devem ser tra- apresentação, avaliação desta poesia ex- dificuldades no começo para entender a Vinholes me convidou para o Canadá. Mas, duzidas mais. Agora, isso não é... Eu não perimental no Brasil, pois que eu, agora, poesia concreta, não só brasileira, mas es- então, esses contatos, mesmo fora do cír- tenho esses contatos que... Mas, ainda estou escrevendo vários ou tenho escrito sas coisas que ela considerou estática, mi- culo dos ocidentais, foram... E a tradução, faltam conhecimentos através da falta vários ensaios sobre a vanguarda brasilei- nimalista, quase... lógos... ela tinha uma ele saiu, ele traduziu do chinês, do japo- de traduções, com certeza, do português ra, e eu tenho que tratar da arte e poesia frase.. Eu mesmo briguei com ela um pou- nês, do hebraico, de muitas línguas não-o- para outras línguas. Eu francamente não concreta e do chamado neoconcretismo, co onde ela tinha grandes reservas contra cidentais, numa curiosidade que não tem sei da Alemanha, por exemplo, mas pa- que é uma figuração de uma pessoa que isto, mas, depois foi para o Brasil, falou igual, a curiosidade intelectual do Haroldo rece que... Não sei se muito do Haroldo eu não posso encontrar. Na realidade, eu com eles aqui e foi convertida...risos. Mas, foi sempre muito impressionante. Sim- foi traduzido para a Alemanha. Agora, me não sei o que é arte neoconcreta. Desta isto não é... Ela mudou... Tem em um li- plesmente, ele sempre quis mais. Nunca: parece que a poesia concreta nesta fase vez eu vi que as exposições de Hércules... vro, um dos últimos livros, um capítulo so- “fiz o meu trabalho agora”. Não. ou desta fase clássica, não precisa de tra- Qual é o nome, Hércules Pazzotti, Barotti? bre Haroldo, especialmente “Galáxias”, e dução; um glossário é suficiente, pois que Maria, desculpe... Nós vimos, agora tem as “Galáxias”, e acho que depois foram... Entrevistador: Ele estava na cama do a tradução também não pode... As asso- uma exposição muito... Barsotti? Hércules Receberam mais atenção do que a poesia hospital, da qual infelizmente não saiu, ciações dentro da língua portuguesa você Barsotti, do Rio, e agora, hoje, vimos Viní- concreta, com boa justificação. É realmen- fazendo projeto, ligava para as pessoas. não pode traduzir; então, você pode indi- cius de Castro. Agora, olhando as obras, te um trabalho muito especial e Haroldo, Então, para concluir, só assim, ele é visto car por um glossário o sentido básico, e o nesta fase, eu não consigo ver nenhuma quando ele começou a falar sobre isso no mundo com respeito? As pessoas co- resto eu acho que dá para entender, para diferença entre os trabalhos dos cariocas e com um entusiasmo enorme, ele criou nhecem a obra dele? os que sabem de poesia concreta; as coi- os trabalhos dos paulistanos, mas em um aquilo, um trabalho que não tem igual, e sas depois, naturalmente, sim. E aqui te- dado momento alguém decidiu chamar eu já participei de várias conferências Profº Claus Clüver: Definitivamente! mos o desafio de: qual que é a tradução? isso de uma vertente neoconcreta. Isto é onde, sobre este texto.., com participação Definitivamente! Internacionalmente! Nos Por exemplo, a ideia da transcriação que completamente interno, que eu não posso de vários países também, Alemanha, Es- círculos e nas conferências que eu... En- Haroldo criou e teorizou, esta é uma ideia 102 103 que vai pegar mais, e acho que a gente Entrevistador: Muito obrigado! tem que tentar; e acho que está come- çando, também, fora do país. O campo da Profº Claus Clüver: Vou dizer. Eu não tradução virou um campo independente; falei.. Eu encontrei o Haroldo duas vezes agora têm programas acadêmicos, muitas nos anos 90, na Yale University. Realmen- universidades, muitos países, sobre tradu- te um encontro com muitos, internacio- ção. E aí, eu acho que a ideia da transcria- nal (incompreensível) que David Jackson ção, a teoria da transcriação que Haroldo organizou, eu acho que 1995, mais ou tica. É um dos primeiros autores brasileiros a empregar o desenvolveu devia ser mais traduzida e menos, onde Haroldo e Augusto partici- computador na elaboração de seus poemas. Em Salvador, propagada. Mas, convidar pessoas para param, e ele estava... Eu tenho, mesmo, SOBRE OS editou a revista literária Código, uma das mais importantes trabalhar aqui, o problema é sempre a lín- fotos dele contribuindo tudo isto, e de- publicações de vanguarda do período, da qual saíram 12 gua, vocês precisam de pessoas que sa- pois, em 1999, quando ele chegou a 70 edições, entre 1974 e 1990. Como pesquisador, colabo- bem do português, é claro, por enquanto. anos. O David Jackson convocou mais um rou com Augusto de Campos (1931) e Haroldo de Campos encontro e a primeira parte do encontro AUTORES (1929-2003) no levantamento de referências bibliográficas Entrevistador: Bom, eu queria agradecer aconteceu eu acho que em Londres, e de- para os livros Re-Visão de Sousândre, Re-Visão de Kilker- demais a esse depoimento, tenho certeza pois Haroldo e Carmem voaram de Lon- ANDRÉ VALLIAS nasceu em São Paulo em 1963. É poeta ry e Pagu: Vida-Obra. que isso vai ser muito importante para as dres para Yale, e esta foi a última vez que e designer gráfico. Viveu na Alemanha entre 1987 e 1994 pessoas todas, aqui no Brasil, ouvir aquilo eu vi o Haroldo, em 1999. E nós o vimos, onde, juntamente com o poeta russo Valeri Scherstjanoi e FELIPE MARTINS PAROS é professor do Departamento que o senhor acabou de nos falar. Queria ele sentado numa cadeira e, realmente, Friedrich W. Block, organizou a exposição pioneira Transfu- de Artes da Fundação Universidade Federal de Rondônia perguntar se o senhor quer falar mais al- muito fraco, muito... Ele estava tentando, tur, em Berlim e Kassel. Em 1992, organizou a exposição (campus de Porto Velho), na Licenciatura em Artes Visuais. guma coisa pra gente encerrar. mas não ainda com força de participar. pioneira de poesia digital, organizada com Block, chama- Especialista em Linguagens da Arte pela USP e Mestre em Mesmo assim, ele apareceu na primeira da “p0es1e-digitale dichtkunst”. Voltou para o Brasil em Artes pela Unesp, é membro-pesquisador do Núcleo Inter- Profº Claus Clüver: Não! Sobre Harol- sessão dando o próximo dia, e foi sobre 1994. Edita a revista Errática, dedicada à divulgação de disciplinar de Pesquisa em Arte (DArtes-Unir) e do Grupo do eu acho que falei o que eu quis falar, tradução. E foi uma coisa interessante, poesia sonora, visual e digital. de Pesquisa “Arte Construtiva e Poéticas da Visualidade” depois vou pensar em outras coisas, mas, porque tinha várias pessoas, e isso era (IA-Unesp). no momento, quero dizer só que se eu uma celebração de Haroldo, então eles CLAUS CLÜVER é professor emérito de literatura compa- continuar aqui, na minha idade, fazer um estavam falando sobre as traduções de rada na Universidade de Indiana, EUA. Lecionou na PUC-SP, FRANKLIN VALVERDE é poeta, jornalista e professor trabalho; eu gostaria fazer aqui, mas um Haroldo, inclusive uma tradução de Unga- USP e UFMG. Publicou mais de vinte ensaios sobre aspec- universitário. Doutor em Ciências da Comunicação pela trabalho que talvez vá também ajudar a retti, e eles pediram a Haroldo ler o poe- tos da Poesia Concreta (em inglês, português e alemão) e ECA-USP. Atua na área da poesia experimental, tanto vi- dar uma perspectiva nova para a contri- ma que ele traduziu para o português, ler atualmente é coorganizador de um volume de ensaios e en- sual como sonora, além de realizar poemas-objeto. Par- buição brasileira, porque a poesia con- em Italiano, e isto foi... Comoveu muito, trevistas: Concrete Poetry: The International Perspective. ticipa de exposições de poesia visual no Brasil e no exte- creta brasileira é uma contribuição para o e eu pensei: a gente deveria gravar. Real- rior. No jornalismo, já trabalhou no Jornal da Tarde, Folha movimento internacional. E esta, a parte mente, leituras dos tradutores como eles EDGARDO ANTONIO VIGO foi um dos mais importan- da Tarde, Veja São Paulo, Brasil 2000 FM, O Estado de S. internacional, este movimento, é pouco leem, quer dizer, como eles entendem o tes artistas da vanguarda argentina. Em 1957, começou a Paulo, além de ter colaborado com inúmeras publicações conhecido. Os antecedentes, sim, mas, poema que eles estão traduzindo ou que criar uma série de objetos chamados “máquinas inúteis” e, como, por exemplo, no K - Jornal de Crítica e na revista a parte, realmente da transcriação, para eles traduziram, pois que foi uma coisa, em 1961, fundou e dirigiu (até 1969) a revista “Diagonal virtual www.ondalatina.com.br. as pessoas aqui entenderem que isto faz realmente Haroldiana de ler Ungaretti. Cero”. Publicou Poemas matemáticos barrocos em 1969 e, parte de uma coisa muito mais ampla, e a Isto foi a última, pois que depois ele foi dois anos depois, realizou o filme “Blanco sobre blanco: GABRIEL KERHART. Possui graduação em Comunicação parte, talvez, mais rica, porque eu tenho para o hospital, e Carmem deu o relató- Homenaje a Kasimir Malevitch”. Em 1975, organizou uma das artes do corpo pela Pontifícia Universidade Católica de um grande respeito pela criação brasileira. rio sobre, mas ele não voltou para esta exposição de arte postal em Buenos Aires e em 1994 parti- São Paulo (2004). Desenvolve uma pesquisa no âmbito da Mas a gente tem que ver tudo isso dentro reunião, e nunca mais eu consegui vê-lo. cipou da XXII Bienal de São Paulo. Faleceu em 1997. ‘performance háptico-óptico-acústica’ junto ao grupo Rive- de um contexto muito rico internacional e, Mas é esta a impressão, é a ideia que dá, rão. Em 2013 foi um dos artistas participantes da exposição talvez, isto vá ajudar na aceitação da con- isto nós devemos fazer. Foi bom! ERTHOS ALBINO DE SOUZA (Ubá MG 1932 - Juiz de em homenagem a Gilberto Gil: GIL70. Em 2012 realizou a tribuição brasileira. Fora MG 2000). Poeta e artista gráfico. Formado em enge- exposição “Exorcity: O Estranho Mundo da Pixação”. Parti- (entrevista realizada por Frederico Barbosa) nharia, utiliza a física e a matemática em sua criação poé- cipou de montagens pioneiras como Hagoromo de Zeami 104 105

(baseada na tradução de Haroldo de Campos) e o Inferno de ilustrada Safira (1991). Toda sua obra foi reunida no volu- Wall Street, de Sousândrade. Atualmente faz parte de um me Os Dias Ímpares (2011), publicado pela editora Cousa. projeto, contemplado pelo “Rumos- Itaú”, de digitalização Atua como promotor de lançamentos de livros e coorde- da revista Código (revista de poesia de vanguarda, raríssi- nador de oficinas literárias, inclusive para pacientes com ma, publicada entre as décadas de 70 e 80), transtornos mentais do CPTT (Centro de Prevenção e Tra- tamento de Toxicômanos) e do CPAS (Centro de Atenção

NATHANIEL WOLFSON é um escritor e pesquisador ca- Psicossocial), instituições da Secretaria de Saúde da Pre- nadense. Ele é atualmente doutorando no departamento feitura de Vitória. de Espanhol e Português na Universidade de Princeton, onde desenvolve a pesquisa intitulada “Versions of the VIVIANE CARVALHO DA ANNUNCIAÇÃO Concrete in Brazil’s Mid-Century Art”, que explora uma É doutora em Estudos Linguísticos e Literários pela Uni- genealogia de arte (literatura e artes plásticas) concreta versidade de São Paulo e autora do livro Exile, Home and no contexto filosófico e político do Brasil nos meados de Cidade: The Poetic Architecture of Belfast (Humanitas, século vinte. Este ano, ele contribuiu com textos para o 2015). Em 2014, como pesquisadora visitante e professo- livro Brasil, cultura cosmopolítica? (EDUerj) e as revistas ra de Português no Centro de Estudos Latino-Americanos Flash Art e General Fine Arts. da Universidade de Cambridge (CLAS), ajudou a organizar a exposição ‘a token of concrete affection’, que comemo-

ORNELA SOLEDAD BARISONE é doutoranda pelo Con- rou o quinquagésimo aniversário da primeira exposição de selho Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas Poesia Concreta no St. Catherine’s College, Cambridge. Em (CONICET-Argentina), professora na Universidad Nacional abril de 2015, tornou-se professora associada do CLAS e de Entre Ríos (UADER/Argentina) e Universidad Católica de membro sênior do Robinson College e continua a pesquisar Santa Fe (UCSF/Argentina). Publicou artigos em revistas o movimento Noigandres e as complexas relações entre com avaliação nacional e internacional. Destacam-se, en- Brasil, América Latina e Grã-Bretanha em Poesia Concreta. tre outros, seus trabalhos: Edgar Bayley y el invencionis- mo: los primeros pasos de la poesía concreta en Argentina (Santa Fe, UNL); “La escapada de la línea: Edgardo Anto- nio Vigo y la construcción de la poesía visual como género” (Laboratorio, Chile, 2014).

RAQUEL BERNARDES CAMPOS é doutoranda do Progra- ma de Pós-Graduação em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB). É membro do Grupo de Pesquisa “Escritura:

Linguagem e Pensamento”, da Universidade de Brasília. Publicou artigos nos livros Pensamento Intruso: Jean-Luc Nancy & Jacques Derrida e Alegorias da Poesia.

SÉRGIO BLANK (Cariacica – ES, 1964) é poe- ta, autor dos volumes Estilo de ser assim, tampou- co (1984), Pus (1987), Um, (1988), A Tabela Periódi- ca (1993) e Vírgula (1996), além da fábula infanto-juvenil realização