Game Music Como Produto Cultural Autônomo: Como Ela Ultrapassa Os Limites Do Jogo E Se Insere Em Outras Mídias∗
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Game music como produto cultural autônomo: como ela ultrapassa os limites do jogo e se insere em outras mídias∗ Camila Schäfery Índice cada vez mais visível também fora do uni- verso dos videogames. A partir desses estu- Introdução1 dos, da análise dos processos de autonomiza- 1 Game Music: Importância e Funções2 ção, concluiu-se que a game music, além de 2 Processos de Autonomização3 sua importância para os jogos, constitui-se Conclusão 12 num novo fenômeno midiático que a cada Bibliografia 13 dia cresce e contagia mais pessoas ao redor do mundo. Resumo Palavras-chave: game music, música, jo- gos eletrônicos. A música, nos jogos eletrônicos, além de servir como fundo, também é utilizada como forma de potencializar a experiência Introdução de imersão e interatividade do jogador. Con- siderando seu papel no game como de ex- UALQUER estudo na área de trema importância, este artigo procura ana- Q videogames é um desafio. Mesmo lisar como a música de videogames se tornou fazendo parte de nossas vidas há décadas, um produto cultural autônomo. Depois de essa mídia de entretenimento sempre foi realizada a pesquisa bibliográfica, foi ana- vista como brinquedo de criança e apenas lisado o movimento de autonomização da hoje ela ganha contornos mais sérios. A game music para identificar em quais mídias música, por outro lado, que é uma forma de esse tipo de música se insere atualmente e arte, sempre refletiu modismos e caracterís- como ela está se tornando uma manifestação ticas da sociedade de cada época. Agora, com a evolução tecnológica dos séculos XX ∗Artigo originalmente publicado na Revista Fron- e XXI, o impacto dela tem se expandido em teiras, v.13, n. 2 (2011), p. 111-120. y várias áreas e uma delas é a de videogames. Jornalista, graduada em 2010 pela Unisinos. Na década de 1980, com a substituição Atua como jornalista e diagramadora na agência de comunicação TRCOM. Também escreve para os dos programadores por pessoas com co- blogs Console Sonoro e sites Nintendo Blast e Ponto nhecimento musical, a game music ganhou V! E-mail: [email protected]. maior qualidade. Essa época foi tão propí- 2 Camila Schäfer cia à música de videogame que muitas de- firmou e atualmente os videogames estão las são lembradas até hoje. Como exem- ganhando cada vez mais relevância no uni- plo, podemos citar a música tema do jogo verso audiovisual. Super Mario Bros., que, segundo pesquisa A trilha sonora é de extrema importância realizada com 47 estudantes universitários, em um jogo e possui várias funções, como ainda é lembrada por 66% deles, mesmo que ambientar a cena e dar sinais ao jogador, não joguem há anos (Pidkameny, 2002). além de tornar a experiência do jogo mais O sucesso das músicas nos games inspirou interativa, imersiva e divertida. Em games muitas produtoras e resultou na venda das como Super Mario Bros., por exemplo, é canções à parte do jogo. Compositores e quase impossível jogar sem som, pois di- músicos, que antes trabalhavam em filmes ou versos sinais são dados ao longo do game faziam música popular, estão cada vez mais através do áudio. Whalen (2004) traz dois envolvidos na produção de jogos musicais e termos da linguística para descrever duas canções para games, na medida em que elas funções-chave da game music: metáfora e ganham maior notoriedade. metonímia. A função metafórica é a que pro- Portanto, pensando nesse movimento e no porciona uma sensação de espaço, caracteri- processo de autonomização pelo qual a game zação e atmosfera em um jogo. É a música music está passando, este trabalho tem como de fundo ou que representa certo ambiente objetivo principal realizar um estudo sobre (dia ensolarado, caverna escura etc.). Já a esse fenômeno, através de uma abordagem função metonímica é a que mantém a estru- que busca evidenciar suas atualizações em tura sintática do jogo, obrigando o jogador diferentes mídias. O objetivo é analisar, a progredir na narrativa do game. Como principalmente, o cenário que vem se con- exemplo, temos as músicas que sinalizam solidando no Brasil e responder à questão: para o jogador quando o inimigo se apro- Como a música de videogames está se tor- xima. Analisando essas funções, podemos nando um produto cultural autônomo, para perceber que a trilha sonora dos videogames além dos videogames? não serve mais apenas como “plano de fundo” de um game. Cada canção, cada 1 Game Music: Importância e efeito sonoro, está em seu lugar, cumprindo sua função de ambientar o jogo. Funções Em qualquer audiovisual, o áudio tem Segundo Murray (2003), nas décadas de tanta importância quando o vídeo. Na época 1970 e 1980 as pessoas viam os videogames das radionovelas, por exemplo, nas quais como algo diabólico, porque eles adi- não havia o recurso da imagem, já se podia cionaram interatividade ao encantamento perceber como o som, os ruídos e as vozes sensorial da visão, do som e do movimento. podiam levar os ouvintes a ambientes ima- Muitos condenaram a estimulação fácil dos ginários em suas mentes, fazendo com que jogos, achavam que eram viciantes e que as pessoas imaginassem histórias, sentissem poderiam representar o abandono dos livros. medo, alegria ou outras emoções. No quesito Porém, essa visão “apocalíptica” não se con- imersão, a música para videogames funciona quase da mesma forma que nas radionove- www.bocc.ubi.pt Game music como produto cultural autónomo 3 las ou no cinema, quando se busca a identi- Durante a década de 1990, alguns com- ficação do espectador através da emoção. O positores e programadores de áudio tentaram áudio funciona como forma de ambientar o criar sistemas de som interativo, em que o espaço onde o avatar1 se encontra, além de jogador atuaria diretamente sobre a música. ter a função de despertar os mais diferentes Uma das primeiras tentativas de colocar esse sentimentos no jogador. Segundo Collins tipo de áudio em games foi através da tec- (2008), a imersão é o momento em que o nologia iMUSE,(Interactive MUsic Strea- jogador se identifica com o personagem, es- ming Engine, patenteada em 1994), desen- quecendo temporariamente a fronteira que volvida pela LucasArts em 1991. A tecnolo- o separa do avatar. Ferreira (2008: 1) a gia permitiu que a música mudasse de acordo define da seguinte forma: “[...] entende- com as decisões do jogador e os eventos do mos por imersão a capacidade de um sistema jogo. (ou dispositivo) de trazer seus espectadores Outra questão importante é a das sen- ou usuários para dentro da realidade (vir- sações causadas pela música nos games. tual) por ele construída [...]”. Murray (2003: Collins (2008), em seu estudo, traz uma en- 102) também traz sua contribuição: “a ex- trevista com o compositor B. Scott Morton. periência de ser transportado para um lugar Nela, o músico defende que o jogador pre- primorosamente simulado é prazerosa em si cisa saber quando está em uma fase impor- mesma, independentemente do conteúdo da tante do jogo e isso deve ser mostrado através fantasia. Referimo-nos a essa experiência da música. Ele precisa sentir isso sem fazer como imersão”. esforço algum. O compositor afirma ainda Murray (2003) cita como exemplo o jogo que medo, antecipação e ansiedade são facil- em CD-ROM Myst, afirmando que seu poder mente evocados pela cuidadosa colocação de de imersão está relacionado ao som, que sons ambientes em um jogo. muda de acordo com cada área do jogo. Essas sensações causadas pela game mu- sic são as principais responsáveis pelo sur- A trilha sonora faz parte da téc- gimento de bandas que fazem adaptações e nica do jogo: ela fornece pistas de comunidades virtuais de fãs de game music. que estou clicando com o mouse Durante um jogo, o jogador passa horas em na direção certa [...], a solenidade frente à tela e em contato com a música, por- da música reforça minha sensação tanto, é natural que ele guarde na memória de estar em contato direto com as canções que tocaram por um longo tempo um terrível ato de perversidade. ou que caracterizaram um momento emocio- A música define minha experiên- nante do game. Isso gera identificação e ad- cia dentro daquela cena dramática, miração por parte do jogador. transformando uma simples des- coberta num momento de reve- 2 Processos de Autonomização lação (Murray, 2003: 63). A música, nos jogos eletrônicos, deixou de 1Em informática, avatar é a representação gráfica de um utilizador em realidade virtual. ser um simples complemento da imagem quando se percebeu que ela poderia agir no www.bocc.ubi.pt 4 Camila Schäfer inconsciente do jogador. O sucesso dessas Por remix compreendemos as pos- canções resultou na venda delas à parte do sibilidades de apropriação, desvios jogo, como acontece há anos no Japão. As e criação livre (que começam com pessoas começaram a perceber que as músi- a música, com os DJ’s no hip cas dos jogos podiam ser interessantes fora hop e os Sound Systems) a par- deles, como qualquer outra composição. Se- tir de outros formatos, modali- gundo Santaella (2004: 2), “do mesmo modo dades ou tecnologias, potencializa- que os games absorvem as linguagens de dos pelas características das ferra- outras mídias, estas também passaram a in- mentas digitais e pela dinâmica da corporar recursos semióticos e estéticos que sociedade contemporânea (Lemos, são próprios dos games”. Com o passar do 2005: 2). tempo, a game music foi se tornando um pro- duto cultural autônomo, saindo da esfera dos A prática do remix – ou da versão – videogames e atingindo outras mídias, prin- populariza-se durante a disco music. Num cipalmente a internet. Bandas e fãs passaram primeiro momento, tratava-se de adequar a fazer versões para essas músicas, postando- uma música, às vezes um sucesso pop, por as na rede de forma independente.