E DEBATES
A Maria da Fonte e a Patuleia. Alguns problemas *
Aborda o 11resente artigo alguits dor problemas Esta dualidade entre pólos teóricos oponíveis lei3antados pelo estz~doda Marja da Fonre e da Pn- - espontaneidade e enquadramento político - ruleia enquanto renipos de Kuerra civil eni que as constitui um item útil para nortear a análise das principais forças soci~olítk'osse exprimem. pro- várias fases da Maria da Fonte e da Patuleia se bem hlenias esres.frequentemei?tedisciit~dos pela biblio- que seja evidentemente improvável ou mesmo im-
dadelenquodi.an~e~?topolítjcn na Maria da Fonte e A espontaneidade ' é um tópico dificilmente na Paruleio, a natureza destes movimentos e a abordável na medida em que os seus vestígios são roririnuidade ou náo entre eles -que o presente assar vagos. Ela não será definida, como à partida arfigo foi esri~itiirado. poderia parecer ser possível, pela inexistência de coordenação da acção colectiva. Considerarei, sim, como seus elementos balizadores, por um lado, a I. A dicotomia espontaneidade1 concertafão da acção apenas no quadro das comuni- Ienquadramento político na Maria dades locais ' e. oor outro. a autonomia ideolóeica- da Fonte e na Patuleia face às correntes políticas organizadas então exis- tentes e actuantes. A dicotomia espontaneidadelenquadramento Já o enquadramento político é um tópico bas- político na Maria da Fonte e na Patuleia é um tema tante mais passível de ser trabalhado pois consubs- muito discutido pela historiografia recente sendo tancia-se em organizações ou movimentações que pertinente a sua análise. Neste sentido, tentarei rea- deixam vestígios mais palpáveis, traços materiais lizar um teste da validade desta dicotomia ao longo mais nítidos. O enquadramento político parece ter- destes movimentos, antes de mais numa perspectiva -se efectuado essencialmente através das Juntas temática embora utilizando os marcos da história Govemativas - a formacão de Juntas foi tão sieni- política tradicional. Assim, considerarei a primeira ficativa que terá iniciado, segundo a historiografia, fase da Maria da Fonte como decorrente do seu uma nova fase da rebeliáo "- e ainda através de eclodir à formação da primeira Junta e demissão de outras formas de actuacão das forcas, .~olíticas orea- Costa Cabral; a segunda fase da Maria da Fonte nizadas (miguelistas, setembristas e outros anti-ca- como a verificada desde a formação da primeira bralistas) - para além da sua atitude nas Juntas, Junta e queda de Costa Cabral até ao golpe contra- estas correntes exprimiram-se na imprensa em geral -revolucionário de 6110/1846; e a Patuleia como e nos cargos políticos e militares ocupados, a nível delimitada por este golpe contra-revolucionário e central, desde a demissão do governo cabralista até pela derrota popular assumida na Convenção do à Emboscada, e a nível da administração local, Gramido. mesmo nas áreas onde náo se constituíram Juntas.
- - - * ~stetexto é urna adaptação de alguns capítulos do relatório da lição que constitui &componentepedagógica das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica defendidas em Julho de 1987 no I.S.C.T.E.
159 Dadas as características apontadas dos itens cipação feminina nas práticas religiosas, mais inten- .espontaneidade>> e renquadramento político>>,o siva nesta época do que a masculina, talvez contri- segundo será naturalmente bastante mais desenvol- bua ainda para explicar o maior peso das mulheres vido ao longo do texto do que o primeiro. na obstaculização ao cumprimento das Leis da Saúde. Na segunda fase da Maria da Fonte, verifica-se I. 1. Espontaneidade uma maior clareza política com a formação genera- lizada de Juntas e com o sucesso de uma das rei- Na primeira fase da Maria da Fonte, a partici- vindicações (políticas) da Maria da Fonte: a demis- oação.. popular.. é grande, viva e sentida. são dos Cabrais. Tanto os campos como as cidades, embora com Porém, no Verão de 1846, realidades como a obiectivos diferenciados e de forma diversa. se re- persistência de guerrilhas no Norte e a resistência voltaram e armaram. Nos campos do Norte, surgi- ao desarmamento e à dissolução de várias Juntas ram as guerrilhas. Vilas e cidades - como, por parecem manifestar a continuidade de formas de exemplo, Guimarães e Braga - foram invadidos acção e comportamentos que se situam do lado da por populares empunhando armas assiin como ins- «espontaneidade» humentos de trabalho, verificando-se também mo- As guerrilhas sobreviventes do Norte foram vimentações no interior dos centros urbanos. frequentemente dirigidas por eclesiásticos, nomea- A própria pluralidade de explosões, as suas diferen- damente mieuelistas.- salientando-se entre elas. a do ciadas motivações e a diversidade de objectivos Padre Casimiro. Este padre de Vieira do Minho expressos manifestam o carácter em larga me- chegou a comandar ceica de 3000 homens na re- dida espontâneo dos primeiros tempos da Maria da -eião. Primeiramente aclamado ~IntendenteGeral da Fonte. Comarca da Póvoan. intitulou-se posteriormente No Norte rural, as mulheres e o clero tiveram «Defensor das Cinco Chagas e Comandante Geral uma acção relevante das Forgas Populares do Minho e Trás-os-Mon- Membros do clero, sobretudo dos escalões tem ', mantendo a sua guerrilha em acção desde o mais baixos da hierarquia, dirigiram guerrilhas e detonar da Maria da Fonte até ao fim da Patuleia. áreas sublevadas Os eclesiásticos eram frequente- Foi precisamente no Verão de 1846 que o Padre mente importantes notáveis locais, tendo um grande Casimiro manifestou, numa carta por si escrita e prestígio e autoridade e um papel mediador essen- depois aprovada pelos populares, algumas reivindi- cial. Destacaram-se eclesiásticos miguelistas e se- cações dos partidários da rebelião: entre outras coi- tembristas assim como cabralistas. Ficaram conheci- sas, reclamava contra o govemo e os tributos - dos nomes como, por exemplo, os do cónego Mon- nomeadamente a propósito das estradas -, lembra- talverne, do padre José das Taipas, do abade de va o govemo de D. João VI e de D. Miguel, pedia Priscos, do padre António Teixeira das Quintas e um sufrágio eleitoral alargado apenas limitado pelo sobretudo o do Padre Casimiro '. analfabetismo e uma reorganização da Guarda Na- Perdurou também, na memória culta e popular cional, onde seria facilitada a entrada e onde os o papel das mulheres na rebeliáo A própria desig- oficiais seriam escolhidos por votação no seu inte- nação da revolta - Maria da Fonte - evoca a rior 'O. Ora estas reivindicaiões dificilmente podem importância das mulheres, designação tanto mais ter resultado aoenas de um enauadramento ~olitico curiosa quanto se trata, segundo a historiografia, de miguelista, mesmo admitindo que as formas deste. uma designação mítica. menos conhecidas, possam ter sido mais subterrâ- As mulheres tiveram frequentemente um papel neas e mais próximas de uma dinâmica local de essencial nos motins populares do Antigo Regime concertação da acção colectiva. que foi em parte o caso da Maria da Fonte. Para Refira-se, agora, a resistência ao desinembra- além disso, a mulher tinha uma posição relevante mento das Juntas. Por um lado, houve uma resis- na vida e no trabalho no Noroeste Atlântico. Sendo tência a dissolução de certas Juntas encabeçada por uma região de emigração, o peso das mulheres acti- elas próprias enquanto náo estiveram seguras de vas era, em consequência, importante. Era também alguns dos seus objectivos terem sido atingidos ou uma área em que a pequena exploração agrícola estarem em vias de sê-lo - como, por exemplo, exigia a participação no trabalho rural do maior nos casos das Juntas de Coimbra, Santarém e Evo- número de membros da família camponesa. A parti- ra ". Todavia. por outro lado, poderá ter havido uma resistència que escapou ao enquadramento de que será exemplo a marcha dos pulares sobre Lis- boa detida por Passos Manuel I'. São, pois, numerosos os indícios da continua- ção de uma participaçáo popular espontânea forte na segunda fase da Maria da Fonte. Na Maria da Fonte, constituiran-se Juntas em Na Patuleia, apesar do carácter mais efectivo Viana do Castelo, Braga, Penela (Barcelos), Guima- do enquadramento politico, a espontaneidade conti- rães, Vila Real, Aveiro, Lamego, Viseu, Guarda, nua a existir. Coimbra. Leiria, Porto de Mós. Nazaré. Batalha, Dela serão manifestações, por exemplo, o Alcobaça, Caldas da Rainha, Lourinhã, Torres Ve- comportamento das massas populares mais exalta- dras, Santarém, Portalegre, Évora. Setúbal. Santiago das no Porto aquando da prisão do Duque da Ter- do Cacéin, Beja, Loulé. Alcantarilha. Faro ". As ceira, as movimentaçòes rurais na área de Sintra Juntas distribuíam-se, pois, por todo o país, haven- pouco depois da Emboscada, e certas actuaçòes de do porém mais Juntas no litoral do que no interior guerrilhas e de batalhões de voluntários I'. Contu- - coincidindo com a área de maior concentração do, estes «excessos. poderão não ser sintomáticos de centros urbanos (e mais importantes); contudo, de espontaneidade: não estariam os setembristas in- nas principais vilas e cidades do interior, formaram- teressados na agitação popular no Porto? Para alem -se geralmente Juntas. disso, muitas guerrilhas foram lideradas por indivi- A primeira Junta, a de Vila Real, surgiu a 10151 dualidades políticas assim como os batalhões de vo- 1846; ora, tendo a Maria da Fonte tido inicio entre luntários foram apoiados e utilizados pelas forças 19 de Março e meados de Abril (consoante as anti-cabralistas organizadas. Todavia, nestas situa- várias versòes). decorreu entre um a, no máximo, ções parecem ter continuado a existir comportamen- dois meses entre os primeiros motins e a formação tos populares em larga medida autónomos. de órgãos de poder alternativo lc. Enquanto a primeira Junta surgiu a 101511846, a última consti- tuída, a de Penela, aliás um caso tardio, formou-se a 141611846". Foi, pois, relativamente rápida quer I. 2. Enquadramenfo Político a constituição das Juntas quer a sua difusão. Na Patuleia, foi no Porto que surgiu a primeira Junta, que veio aliás a liderar as forças anti-gover- namentais. Logo. em seguida, constituiram-se Jun- Apchir J
vara além da crítica da leeislacão~ mais conflituosa e organização alternativa a do governo central. E par- do afastamento dos Cabrais e dos cabralistas dos ticularmente conhecido o caso da Junta de Coimbra seus empregos públicos, se centram em torno da re- com as suas quatro repartições - Reino, Justiça, oreanizacão da Guarda Nacional e da reviião da Guerra e Fazenda - que nomeou autoridades civis Carta nos termos do decreto de 10 de Fevereiro de e militares e organizou a Guarda Nacional ". O pa- 1842. pel das Juntas foi nitidamente de organização, de Tendo as Juntas sido enquadradas pelas forças manutenção da ordem, de pacificação das movi- políticas organizadas, as suas reivindicações foram mentações populares. em grande medida as dos grupos que as hegemoni- Passemos, agora, às Juntas na Patuleia. zavam. Fundamentalmente, estas Juntas reclamaram a Os governos posteriores à demissão de Costa destituição dos miiiistérios saldanhistas e a sua Cabral, governos estes integrados por anti-cabralis- substituição por um outro que inspirasse confiança tas conhecidos e mesmo por setembristas, pretende- ao pbvo; constituíani os seus objectivos o apoio à Cornpori~áodar 3untas Governatirar na Maria da Fonte e na Patuleia oposição popular ao golpe do Marechal Saldanha e da Fonte, apesar do lugar frequentemente atribuído o evitar da eanarchia eminente» ". h Junta de Santarém, nenhuma Junta que claramen- Como é sabido, a Patuleia foi liderada pela te desempenhasse esse papel ". Junta do Porto. Cronologicamente, foi esta a pri- Abordemos agora uma das outras vias do en. ineira Junta formada e, desde o primeiro momento, quadrameto politico. em parte sobreposta à das pareceu querer encabeçar a resistência popular; or- Juntas: a da acção das correntes políticas organiza. ganizativamente, as outras Juntas parecem ter-lhe das. sido subordinadas em termos da opinião pública, o lugar da Junta do Porto foi indiscutível - assim, por exemplo, a adesão do general Póvoas à Junta 1.2.2. Correntes políticas anti-cabralistas organi. do Porto foi vista como a aliança dos miguelistas zadas com os setembristas e outros patuleias ". A medida que o exército saldanhista conquista- Miguelisras 'O va novas posiçóes e a intervenção estrangeira se consumava, as Juntas foram-se dissolvendo e extin- Na segunda fase da Maria da Fonte, para além guindo. da sua participação nas Juntas, os miguelistas ex- Durante o seu tempo de vigência, as Juntas primiram-se essencialmente nas aclamações de desempenharam um claro papel de organização e de D. Miguel - em Gondarém, Vila Chá, Vieira do gestão da vida local e regional. Minho. Montalegre -, na vinda do general esco- Tentemos agora um balanço sobre os objecti- cês MacDonnall assim como na persistência de vos e as funções das Juntas na Maria da Fonte e na guerrilhas no Norte, salientando-se a do Padre Casi- Patuleia. miro. Em ambos os movimentos, as Juntas propuse- Dum modo geral, os miguelistas propuseram ram-se prosseguir objectivos semelhantes - de então a luta anti-cabralista, manifestando-se alguns manutenção da ordem e de apoio aos levanta- men- sectores em aclamaçóes da Santa Religião, da Na- tos. ção, de D. João VI e de D. Miguel" enquanto O seu papel de organização e enquadramento outros sectores aderiram às reivindicações das Jun- foi também semelhante ainda que, na Maria da tas ". Fonte, as Juntas tenham sido ainda responsáveis em Verificaram-se, no interior do miguelismo, rei- boa parte .pela .pacificação das movimentações~ Po-~ vindicacões assim como actuacões diverificadas - pulares '#. miguelistas houve que colaboraram com outros Tanto na Maria da Fonte como na Patuleia, as oposicionistas (como, por exemplo, o general Pó- Juntas formularam reivindicações em grande medi- voas na liderança da Junta da Guarda) e miguelistas da concretas, precisas, exequiveis e apresentadas houve também que se confrontaram com os setem- como tal. Todavia as reclamaçóes foram de nature- bristas e ouhos anti-cabralistas (6 o caso da oposi- za bem diversa, explicável dada a diversidade de ção entre o Padre Casimiro e Almargem e Antas). contextos em que as Juntas actuaram: a única rei- Na Patuleia, para além das Juntas, a actividade vindicação semelhante foi a da demissão de um dos miguelistas fez-se sobretudo sentir na reactiva- ministério impopular - o que é compreensível ção das guerrilhas nortenhas, continuando a salien- dados os momentos de formação das Juntas -; tar-se a do Padre Casimiro e notabilizando-se tam- reivindicações no sentido da suspensão da legisla- bém a de MacDonnall, nas guerrilhas levantadas ção cabralista mais conflituosa não teriam sentido pelo general Póvoas e pelo brigadeiro Bernardino na Patuleia e, para além disso, propostas políticas nas Beiras e na prática destes em geral. em torno de textos constitucionais, de reformas Os miguelistas propuseram a resistência a políticas ou da composição do governo terão prova- Emboscada de Saldanha e, depois, à intervenção es- velmente tido uma oportunidade bastante menor no t~angeira'~,aclamando alguns sectores a Santa Re- contexto da Patuleia, em que as forças oposicionis- ligião, a Nação. D. Miguel e D. João VI, enquanto tas estiveram sempre na defensiva e na qual não outros sectores apoiaram a Junta do Porto. houve um vario político ao nível do poder central. As guerrilhas do Padre Casimiro e de MacDon- Uma diferença é ainda necessário estabelecer: nall constituem dois exemplos da diversidade de enquanto, na Patuleia, houve uma Junta, a do Porto, modalidades de organização e de mobilizaçáo dos que encabeçou o movimento, não existiu, na Maria corpos armados miguelistas: enquanto a primeira exprime uma acentuada autonomia ideológica face graram batalhóes de voluntários. ocuparam postos ao miguelismo oficial e obedece a uma dinâmica de importantes no exército e actuaram ainda através da organização dominantemente local, a segunda foi imprensa. chefiada por alguém - MacDonnall - cuja vinda Nessa altura, os setembristas "DiU propuseram a para Portugal para promover um movinlento restau- resistência à Emboscada. o apoio à Junta do Porto e racionista fora cuidadosamente preparada por algu- comportaram-se de forma variável face à Rainha e mas das figuras miguelistas de maior relevo em ao Paço assim como face à intervenção estrangeira. Portugal e no estrangeiro 44. O setembrismo não era, pois, um bloco - como o O miguelismo continuou, portanto, a não ser manifestaram as atitudes perante a Rainha, o Paço, um bloco - como o manifestaram as reivindica- a intervenção estrangeira e como o mostrariam, ções e as actuações diferenciadas: por um lado, ainda nesse ano, as posiçóes diversificadas perante miguelistas e setembristas confrontarani-se (na Ré- a ida às urnas i' 5'. -.eua. em Caldas de Arecos-. e a ela voz do Dr. Cândi- Em geral, os setembristas tiverem uma atitude do); por outro, miguelistas, setembristas e outros colaborante com os outros anti-saldanhistas na me- patuleias colaboraram, sobretudo na sequência de dida em que todos estavam na defensiva; com os algumas derrotas (e disso foi testemunho particular- miguelistas em particular, o seu comporiamento mente significativo a adesão de Póvoas e Bernardi- nem sempre foi o mesmo, dependendo da tendência no à Junta do Porto como o foi, já após a Conven- destes e da conjuntura política5'. ção do Gramido, a proposta de ida às umas con- juntamente com os setembristas). Carfistas náo-cabralistas '4
A corrente cartista não-cabralista, integrada por Setemhrrstas relevantes personalidades que já haviam participado na oposição ao cabralismo antes de 184611847, Na segunda fase da Maria da Fonte, para além exprimiu-se também durante estes anos. de se afirmarem nas Juntas, os setembristas actua- Na segunda fase da Maria da Fonte, estes sec- ram politicamente aos vários níveis do poder e tores anti-cabralistas manifestaram-se como tal e exprimiram-se na imprensa em geral. participaram nos governos posteriores ao cabralista, Constituíram então reivindicações setembris- não se individualizando como miguelistas ou se- tas 45" a luta anti-cabralista, a vigilância sobre as tembristas; na Patuleia, opuseram-se ao golpe con- fieuras- afectas ao cabralismo. o reeresso dos exila- tra-revolucionário de Saldanha e apoiaram a Junta dos, a libertação dos presos políticos, a reorganiza- do Porto, continuando a não se demarcar como mi- ção da Guarda Nacional, Cortes Constituintes, a guelistas ou setembristas; invocaram ainda frequen- revisão da Carta nos ternos do decreto de 10 de temente a Carta cuia reforma admitiam - o aue 1842, Fevereiro de eleições directas, uma Câmara não constitui uma característica distintiva ~já que~ dos Pares eleita, e mesmo uma Constituição popu- facções das outras correntes também a aclamaram. lar. Naturalmente, nas Juntas mais ou menos clara- As críticas a mieuelistas e setembristas não mente enquadradas pelos setembristas apareceram foram muito acesas - embora se tenham verifica- também estas reivindicações, como aliás já foi do, sobretudo no Verão de 1846. apontado. As suas posições não tornam, pois, fácil a Nessa altura, os setembristas mantiveram uma identificação dos cartistas náo-cabralistas. relação tensa com os sectores miguelistas hostis aos novos governos, tendo participado na sua re- Em suma, as correntes políticas que vimos pressão"; com os outros anti-cabralistas colabora- apontando tiveram formas de expressão variadas, ram até certo ponto embora também tenham exerci- individualizando-se até certo ponto os miguelistas. do pressão no sentido de radicalirar o processo As reivindicaçóes daquelas foram recuadas face ao (nomeadamente, quanto à composição do governo, setembrismo e ao miguelismo anteriores. Em conse- à crítica de dadas entidades concretas e quanto a quência, verifica-se alguma dificuldade em diferen- consignação de reivindicações, entre as quais se sa- ciar as correntes políticas, tendo em atenção o ca- lienta a revisão da Carta *X. rácter moderado das suas reivindicações, por uln Na Patuleia, para além de participarem nas lado, e. por outro, a diversidade de actuação de Juntas, os setembristas levantaram guerrilhas, inte- cada uma das correntes e as reclamações tácticas que a conjuntura política poderá ter imposto ". As- Na Patuleia, a participação popular espontânea sim. tornava-se francamente importante para a opi- continuou a fazer-se sentir. Porém o peso político nião pública o conhecimento da autoria das recla- da oposição organizada foi forte - embora parado- mações -exemplo particularmente claro da minha xalmente as reivindicações propriamente políticas afirmação parece ser a repercussão, aquando das tenham sido mais limitadas. As forças politico-mili- eleições previstas para 11 de Outubro de 1846, do tares em presença estavam mais bem definidas. Programa da Associação Eleitoral do Sacramento, Constituíram-se desde os primeiros dias Juntas por visto como muito radical, mas que objectivamente todo o país, lideradas pela do Porto. Estas Juntas se diferencia do da Associação Eleitoral do Mar- tiveram simultaneamente por objectivos combater o quês de Valada apenas pela defesa da consignação golpe de Estado contra-revolucionário de Saldanha da «soberania nacional... como única origem de e evitar a desordem. No combate, no qual participa- toda a autoridade pública. e pela referência explíci- ram guerrilhas, batalhões de voluntários e o exérci- ta à possibilidade de revisão do Tratado de 1842; to regular, encontramos, dum lado, os setembristas, temas porém como, por exemplo, a revisão da Carta miguelistas e sectores cartistas e, do outro lado, ou- por Cortes Constituintes, a reforma da Câmara dos tros sectores cartistas, o governo, Saldanha, os Pares, eleições directas, a ratificação dos tratados Cabrais e a Rainha. pelas Cortes aparecem em ambos estes progra- O enquadramento politico na Patuleia e na mas sh. segunda fase da Maria da Fonte foi, pois, muito Miguelismo, setembrismo e cartismo não-ca- mais efectivo do que na primeira fase. bralista não eram, pois, blocos homogéneos: verifi- cam-se tensões e diversificações no seu interior assim como contradições a esbaterem-se entre umas e outras destas correntes. 11. A Natureza da Maria da Fonte e da Patuleia
A natureza da Maria da Fonte e da Patuleia 1.3. Balanço tem sido uma das questões mais debatidas pela his- toriografia actual, sendo apresentados três de inter- Que poderei eu, pois concluir sobre os aspectos pretação sobre o seu carácter - que seria sobretudo da dicotomia espontaneidadelenquadramento políti- anti-feudal, anti-capitalista ou anti-estatal. Em min- co e a sua combinação ao longo da Maria da Fonte ha opinião, são matizados e diversificados mas não e da Patuleia? oponíveis os entendimentos de Victor de Sá, Mi- A primeira fase da Maria da Fonte teve um riam Halpern Pereira, Villaverde Cabral, Joyce Rie- carácter em larga medida espontâneo - tratou-se gelhaupt e Rui Feijó sobre o carácter dos conflitos de uma pluralidade de motins e movimentações em estudo. Vou procurarar concretizar, tentando ca- nem sempre desencadeadas por razoes semelhantes. racterizar a . perspectiva . de cada autor, através das Não se constituíram então órgãos de poder alterna- suas próprias palavras em excertos que me parecem tivo com propostas políticas próprias e as correntes sienificativos- da sua visão da Maria da Fonte e da políticas existentes ainda não hegemonizavam duma Patuleia. forma generalizada o movimento, hesitando por Victor de Sá afirma por um lado: «Pretendiam vezes até em tomar posição. os revoltosos, com efeito. destruir por suas próprias A segunda fase da Maria da Fonte foi caracte- mãos o que o novo regime não liquidara por meio rizada pelo prosseguimento de guerrilhas e por mo- de leis: queriam a abolição completa e definitiva de vimentações populares de certa importância por um todos os direitos feudais* 57. Por outro lado, noutro lado, e, por outro, pela existência de Juntas Gover- passo do mesmo texto, escreve: <[inicialmente. tra- nativas com reivindicações politicas precisas e pelo tou-se de uma] explosão de cólera dos camponeses derrube do governo cabralista, substituído por ou- para com os colectores de impostos e autoridades tros integrados por setembristas. Apesa da perma- administrativas e judiciárias» "; porém «a verdadei- nência de movimentações mais ou menos espontâ- ra causa (...) estava no descontentamento que se neas, verificou-se frequentemente uma direcção acumulara contra o sistema capitalista do regime política assumida sobretudo por setembristas, mi- constitucional que, desde a sua instauração, provo- guelistas e cartistas não-cabralistas. cara a ruína do pequeno campesinato. A baixa de salários (...I, o aumento de impostos e as conse- mente o passo sobre a revolta contra os detentores quências da usura, assim como a centralização do poder e riqueza locais, não fez mais do que administrativa (...), constituíram os motivos verda- exprimir, veicular, a revolta contra a penetração das deiramente determinantes dos primeiros levanta- relações capitalistas no campo - penehafão essa mentos. A estas razões veio juntar-se a evolução de que o aparelho de Estado era (...) um instrumen- dos preços dos produtos alimentares (...): a uma to não só privilegiado como até, naquela época, in- baixa acentuada (...) sucede uma brusca subida em dispensável,, 1846 (...)» 59. Manuel Villaverde Cabral, sem deixar de ano- Parece, pois, que Victor de Sá opta pelo carác- tar os vários sentidos sobrepostos na Maria da Fon- ter simultaneamente anti-feudal e anti-capitalista da te e na Patuleia, salienta sobretudo o seu carácter revolta. anti-capitalista e anti-estatal. Miriam Halpern Pereira considera a Maria da Uma outra estudiosa, loyce Riegelbaupt, apre- Fonte, numa das suas obras, «uma revolta campo- senta uma tese - até certo ponto autónoma - que nesa (...) dirigida contra os impostos novos e ve- tende para a valorização do carácter anti-estatal da lhos, sem objectivos claramente diferenciados face Maria da Fonte. sublinhando as suas motivap5es às estruturas políticas existentes (...). Mas juntar-se- político-administrativas, culturais e de mentalida- -lhe-ia uma movimentação dos operários contra a des. Parece ser esta a tese da autora: e. .. na pers- mecanização e o inerente desemprego» ".Assim vê pectiva do camponês as rupturas mais graves situa- a mesma autora a rebelião noutro dos seus textos: vam[-se] menos ao nível da organização económica 111. Conclusão: Continuidade ou não entre a Maria da Fonte e a Patuleia? O tema da continuidade ou descontinuidade entre a Maria da Fonte e a Patuleia tem sentido e eventualmente resposta em função da caracteriza- ção da dualidade e~~ontaneidadelen~uadramento ~olíticono decurso destes movimentos e da nature- za destes conflitos. Pareceu-me ser possível concluir nas partes respeitantes a estes tópicos: - Que, em antenção Aquela dicotomia, não existem diferenças substanciais ntre a Maria da Fonte, por um lado, e a Patuleia, por outro. Espon- taneidade e enquadramento político verificaram-se I Reporto-me funtamen!almenie às seguintes obras: em ambos os movimentos. E indiscutível aue uma CABRAL. Manuel Villaverde - O Desenvolvimento do Ca- espontaneidade maior se verificou na muito curta pitalisma em Ponugal. 3.1 edisão. Lisboa, 1981 FEIIO. Rui - «Mobilizqão Rural e Urbana na Maria da primeira fase da Maria da Fonte, quando a revolta Fonien in O Liberalismo no Peninruio Ibérico no Primeiro Merods ainda mal era noticiada; de qualquer modo, mesmo do Século XIX. volume 2, Lisboa, 1982. nesta primeira fase da rebelião, manifestaram-se PEREIRA, Miriam Halpem - Liuie-Câmbio e Desenvolvi- por vezes setembristas e miguelistas. Assim como mento Econ6mico Portugal na Segunda Metade do Século XIX, se verificaram, na segunda fase da Maria da Fonte 2.' edi~áo.Lisboa. 1982: e Ro'oiuáii. Fiiwncas r Dependência Errrrna. Lisboa. 1979. e na Patuleia, algumas atitudes populares que esca- RIEGELHAUPT. Joyce - «Camponeses e Estado Liberal: a param ao enquadramento. Revolta da Maria da Fonte» in Esiud menie por PEREIRA. Miriam Haloern - Livre Cúmhio,,..D 296. Junlar. Sáo lertemunho daouele os dicursos de Cnaa~~~ Cabra1 àr Refiramse agoraas visões de autores de hJváris décadar~ C8maras e a aprovasão de medidas de ex&o Ver. por exemplo. Assim romeniou Barbosa Colen afonqão da Junta de Diário do Grii.rriio.Lisboa. 2ii411846, pp. 2-3. O alaque a Braga já Vila Real c o seu ~igt~ificad~:«A revoliu delocwa-se da haviaiambem sidonoticiadooficialmenre uns diu~anres-verDiário seu primiiivo cenim. Do Minho paisara a ouiros pontos - e espe- do Gorcrno. Lisboa. 17i4i1846 p. i. ciulmenle a Tr&-oc-Montes. Foi aqui, em Vila Real. que o movi- " Ver novamente as fonier ciiadas na nota li.muito em mnoentrou numa mais disciplinada ucgão. Em vez de Iraiar uni- panicdar Correrpondêitcio dos Juntos Populorec... pp 9 e 33. camente cada um. como meihoi lhe parecesse. d arranjar a gente " Junm recenseadar. a panir de: Liwo A;iri ou Correspoii~ de que pudesse dispor. correndo esiradar e montes aos tiros. os dênciu Rrloriro rins Neg ~ . ,~?. - .. Aimargem Tema já rrarado no corpo do texto a propósiio dos "Ver oh. ?ir. pp. 25~28e 31-32. miguelistas. JuniadeCoimbrade9161iR46assimcomooofíciogovemamen- '"Siluagão Iralada por CARVALHO. Joaquim de - <,h. cii., ia1 de 131611846 in Corrcri>ondènciador.li~nior Popi~lurrs . pp. 26- pp. 305-31 1 assim como referida nu imprensa setembrisiõ - ver. 27. por exemplo. O Noi.iono1. Pono. de 25 de Mdlo a Outubm de "Ver CARVALHO. Joaquim de-01, cir. p. 301~ 1846. O Pairioia. Lisboa, de 22 de Maio a 8 de Ouiubro de 1846. "Ver a proclamqão da Junia do Pono de 1311011846 in O A Re>'ohsüo de Srrririhro. Lisboa. de Maio a 8 de Ourubro de Nacionoi. Parto, 1511011846. p i 1846. A Rei.olu(ui~ do Miith