© Os direitos de reprodução da obra (copyright) pertencem ao MCTIC; os direitos autorais pertencem aos seus autores que também cederam as fotos contidas na obra, acrescidas de fotos de colaboradores que gentilmente as cederam. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC Gilberto Kassab

Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento - SEPED Jailson Bittencourt de Andrade

Coordenação Geral de Gestão de Ecossistemas - CGEC Andrea Ferreira Nunes

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq Hernan Chaimovich Guralnik

Diretoria de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde – DABS Marcelo Marcos Morales organizadores

Coordenação Geral do Programa de Pesquisa em Ciências da Terra e do Meio Ambiente – CGCTM Ariane Luna Peixoto Onivaldo Randig Jose´ Roberto Pujol luz Marcia aparecida de Brito Coordenação do Programa em Gestão de Ecossistemas – COGEC Fernando da Costa Pinheiro

Programa de Pesquisa em Biodiversidade Marcia Aparecida de Brito Marisa de Araújo Mamede

Realização Redes de Pesquisa do Programa de Pesquisa em Biodiversidade, PPBio, coordenadas por Helena de Godoy Bergallo, Guarino Rinaldi Colli, Geraldo Wilson Afonso Fernandes, Luis Fernando Pascholati Gusmão, William Ernest Magnusson, Valerio De Patta Pillar, Rui Cerqueira Silva; e Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia, Geoma, coordenada por Helder Lima de Queiroz

Organizadores Ariane Luna Peixoto, José Roberto Pujol Luz e Marcia Aparecida de Brito Catalogação na Fonte Revisão de linguagem Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro/ Mariana Ferraz Biblioteca Barbosa Rodrigues (CRB-7 5117)

Projeto gráfico e diagramação P379c Peixoto, Ariane Luna (org.). Conhecendo a biodiversidade / Organizadores Ariane Luna Brasília Mary Paz Guillén Peixoto, José Roberto Pujol Luz, Marcia Aparecida de Brito. – Brasília: MCTIC, CNPq, PPBio, 2016. 2016 Impressão 191 p. : il. color. ; 20 x 25cm. Editora Vozes ISBN 978-85-63100-08-5

1. Biodiversidade. 2. Ecossistemas tropicais. 3. Biomas. 4. Brasil. I. Luz, José Roberto Pujol. II. Brito, Marcia Aparecida de. III.Título.

CDD 577.0981 prefacio´

As decisões sobre intervenções humanas no meio ambiente envolvem questões para as quais não há, na maioria das vezes, respostas imediatas e fáceis, tampouco certeza de que a solução escolhida esteja correta ou dê os resultados esperados. O fato de se co- nhecer relativamente pouco dos ecossistemas, particularmente nos trópicos, não deve ser razão para coibir oportunidades de desenvolvimento, nem para fazê-lo de modo de- senfreado sem qualquer preocupação e responsabilidade com princípios de conserva- ção e proteção ao ambiente. Em situações complexas, como é o caso da gestão em biomas e ecossistemas tropicais, algumas decisões podem ter melhor qualidade se seus efeitos forem monitorados de modo a permitir, por um lado, ajustes de decisões já tomadas, e por outro, a implemen- tação de correções e mitigações por danos eventuais e não previstos. O monitoramento instala um círculo virtuoso que promove o aprendizado de forma escalonada, diminui a incerteza e aprimora o processo da tomada de decisões. A ciência pode desempenhar um papel central se estiver sendo gerada para o aprofun- damento da base de conhecimento em áreas específicas, mas, sobretudo, se tiver o pro- pósito de auxiliar a reduzir incertezas que pautam o processo de decisão. Não se advoga aqui que a ciência deva ser cooptada pela política pública e abdique de sua independên- cia, mas que observe suas possibilidades como atividade de interesse social voltada ao bem-estar da coletividade, oferecendo elementos essenciais aos processos decisórios. Mas como colaborar com esses elementos ditos essenciais se o meio ambiente é com- plexo e não há domínio de conhecimento, pelo menos de forma ordenada, que possa ser co. Assim, os resultados precisam ir além de livros e artigos científicos, desdobrando-se ofertada no prazo compatível com o que as decisões sobre políticas públicas requerem? em brochuras, vídeos e outros meios de comunicação. Essa foi a principal motivação para a constituição de inúmeros programas de longa du- Essa foi a filosofia que nos pautou para conceber e implementar, em 2004, o Programa ração para o meio ambiente em todo o mundo. O somatório de experiências adquiridas de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio). Além das funções próprias de planejamento, com esses programas demonstra que eles tiveram algum sucesso quando realizaram apoio à pesquisa e avaliação de seus resultados, o PPBio nasceu com o viés de mobilizar quatro atividades centrais. e contagiar programas já existentes com a obsessão de amplificar os usos de dados e in- A primeira é a realização de pesquisa de alta qualidade e com protocolos que permi- formações primárias geradas por cada pesquisador da área de biodiversidade, evitando tissem gerar informação e conhecimento que fossem agregáveis e que, portanto, per- que dados similares viessem a ser recoletados por ocasião do início de cada nova linha mitissem alimentar modelos preditivos. Esses modelos foram essenciais para apoiar o de pesquisa. As fontes de recursos para o PPBio vieram de diferentes instituições, ainda planejamento de intervenções, o monitoramento das intervenções e a avaliação de seus que majoritariamente governamentais, e também de entidades internacionais, como é impactos. Essa experiência consolida a pesquisa colaborativa de grande escala que vem o caso do Global Environment Facility (GEF) que apoiou a implantação do Sistema de In- permitindo apoiar o desenvolvimento e implantação de decisões em acordos internacio- formação para a Biodiversidade Brasileira (SiBBr). Esse sistema é gerido pelo Ministério nais. No centro da “policy community’’ desses acordos internacionais estão membros da da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e armazena as bases de dados do Programa e academia que, ademais de suas competências específicas, são capazes de trabalhar em de outros que porventura queiram perenizar suas bases de dados. escalas regionais e globais. Decorrido pouco mais de uma década de atividades, o PPBio gerou resultados científi- A segunda atividade é o compromisso de assegurar que os dados primários de cada cos brilhantes, formou uma quantidade respeitável de novos pesquisadores e perenizou pesquisa estejam armazenados em sistema de informação permanente que seja insti- seu acervo de dados que, segundo vários meios de comunicação, têm possibilitado ações tucionalizado e não em bancos de dados pessoais. Esse sistema de informação deve ser de apoio ao processo de tomada de decisões em políticas públicas. A organização desse regido por uma política de acesso a dados, com a qual cada pesquisador integrante é livro é uma representação de que esse compromisso do PPBio continua vivo e vigoroso. compromissado, e que privilegie o gerador do dado para realizar sua publicação dentro de um limite estabelecido de tempo, a partir do qual o dado deve ficar aberto para os Ione Egler demais usuários, resguardado os casos de sigilo definidos em comitê. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos A terceira é realização de reuniões periódicas de um conselho de governança que pos- Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação sua representação e representatividade equilibrada de diferentes segmentos, entre eles membros da academia e tomadores de decisão tanto do setor privado quanto do go- vernamental. Esses conselhos são essenciais para aprovarem os planos do programa, monitorarem seus resultados, articularem iniciativas assemelhadas para catalisar ações conjuntas e analisarem relatórios de avaliações independentes. A última, mas não menos importante, é a atividade de disseminação de resultados orientada a diferentes públicos, dentre eles o científico, o público leigo, e o público técni- ~ apresentacao,

A geração e a disseminação de conhecimento sobre a biodiversidade são ações críticas para a mudar a percepção sobre os ecossistemas brasileiros. Com acesso à informação de qualidade, a natureza, muitas vezes percebida como um obstáculo ao desenvolvimento do país, se revela uma vantagem competitiva em um mundo cada vez mais dependente de serviços ambientais que somente os ecossistemas naturais podem oferecer. É impor- tante que esse conhecimento chegue ao grande público, especialmente aos tomadores de decisão que atuam nas escalas municipal, estadual e federal. Este livro procura contribuir para que o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira chegue a mais pessoas. Resultado de um projeto intelectual de cientistas e equipes do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) e da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia (Geoma), seu conteúdo e foco foram discutidos em março de 2015 em encontro que reuniu os coordenadores de redes desses programas e técnicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) e do Conselho Na- cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Não se trata, porém, de um livro do PPBio/ Geoma, e sim de uma proposta de diálogo com a sociedade. A divulgação científica em diferentes formatos é uma prática usual no PPBio desde o seu estabelecimento, principalmente no que tange a atividades voltadas para conserva- ção e uso sustentável da biodiversidade e à busca de soluções para melhorar a qualida- de de vida, temáticas presentes em vários dos 43 projetos vinculados às redes. Cursos, oficinas, cartilhas, guias de identificação de plantas, animais e fungos, livros e vídeos são alguns dos instrumentos utilizados pelos pesquisadores das redes em suas práticas de apenas como convergências temáticas, mas gerando debates intelectuais que ao mesmo tem- divulgação do conhecimento e capacitação de recursos humanos. Porém, um produto po que contribuíram para o livro em si, animaram as diferentes redes em suas produções e planejado e realizado de forma conjunta pelas redes atualmente vinculadas ao PPBio/ levaram a discussão a diferentes fóruns nos quais as abordagens sobre biodiversidade eram Geoma ainda não havia sido feito. compartilhadas com outros temas. Esperamos que a obra ofereça ao leitor uma boa visão das A expressiva riqueza e diversidade de animais, plantas e fungos e a diversidade de am- ações de pesquisa e inovações geradas no país, somando-se a diversos outros livros sobre bio- bientes no território brasileiro torna o estudo da biodiversidade um imenso desafio. diversidade como leitura chave para compreender a imensa riqueza natural do Brasil e a sua Esse desafio vem sendo enfrentado com competência por pesquisadores, professores importância para as gerações atuais e futuras. e estudantes vinculados às redes PPBio em um processo dinâmico, responsável, capaz de se autogerenciar e promover pesquisa de alto nível. As ciências da biodiversidade se Ariane Luna Peixoto destacam entre aquelas que mais têm contribuído para o crescimento e qualificação da José Roberto Pujol Luz Marcia Aparecida de Brito produção científica nacional, com participação ativa dessas redes de pesquisa. Assim, este é um livro sobre o Brasil que aborda experiências pretéritas e atuais em Organizadores áreas dos seis biomas - Pampa, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Caatinga e Amazô- nia - sua biodiversidade e as transformações naturais ou provocadas pela ação humana na paisagem; sobre espaços do território brasileiro que ganharam novas configurações através dos séculos de ocupação humana. Os 11 capítulos foram escritos de forma co- laborativa por integrantes das redes e passaram por revisões por seus pares, especial- mente revisões cruzadas, realizadas por membros de diferentes equipes, o que além de proporcionar um espaço adicional de discussão de métodos e técnicas, funcionou como excelente ambiente de integração. O primeiro capítulo aborda principalmente a implantação do PPBio, os desafios do estabele- cimento de atividades e metas frente aos compromissos do país com o conhecimento e a con- servação da biodiversidade. Os seis capítulos seguintes, com grande diversidade de recortes, tratam dos biomas brasileiros. Essa parte do livro privilegia o diálogo entre diferentes ciências da biodiversidade, como a ecologia, a botânica e a zoologia, com outros campos da ciência e suas interseções com as sociedades humanas que viveram ou vivem nesses ambientes. Os quatro capítulos finais abordam alguns temas das ciências da biodiversidade, escolhidos entre muitos outros elencados quando do planejamento da obra. A organização deste livro trouxe imenso ganho de interlocução e trocas entre os seus autores e revisores. Permitiu a articulação entre diferentes disciplinas científicas, não sumario´

14 O Programa de Pesquisa em Biodiversidade 100 Caatinga – Diversidade na adversidade do semiárido brasileiro William Ernest Magnusson, Helena de Godoy Bergallo, Rui Cerqueira, Guarino R. Colli, Luís Fernando Pascholati Gusmão, Luciano Paganucci de Queiroz, Freddy Ruben Bravo Geraldo Wilson Fernandes, Luís Fernando Pascholati Gusmão, Valério De Patta Pillar, Quijano, Flora Acunã Juncá, Reyjane Patricia de Oliveira, Iuri Goulard Baseia Helder Lima de Queiroz 112 Amazônia - Biodiversidade incontável 34 Campos Sulinos - A biodiversidade na imensidão dos campos do William Ernest Magnusson, Ana Sofia Sousa de Holanda, Maria Aparecida de Freitas, sul do Brasil Emiliano Esterci Ramalho, Alberto Akama, Leandro Ferreira, Marcelo Menin, Cecilia Veronica Nunez, Domingos de Jesus Rodrigues, Ângelo Gilberto Manzatto, Rubiane de Valério De Patta Pillar, Eduardo Vélez-Martin, Gerhard E. Overbeck, Ilsi Iob Boldrini Cássia Paggoto, Noemia Kazue Ishikawa

50 Mata Atlântica - O desafio de transformar um passado de 124 Compartilhamento e integração de dados: a construção do devastação em um futuro de conhecimento e conservação conhecimento sobre biodiversidade Márcia C. M. Marques, Ana Carolina Lins e Silva, Henrique Rajão, Bruno Henrique P. Debora Pignatari Drucker e Flávia Fonseca Pezzini Rosado, Claudia Franca Barros, João Alves de Oliveira, Ricardo Finotti, Selvino Neckel- Oliveira, André Amorim, Rui Cerqueira, Helena de Godoy Bergallo 138 Princípios e desafios da restauração ecológica em ecossistemas 68 Cerrado - Um bioma rico e ameaçado brasileiros Gerhard E. Overbeck, Mariana S. Vieira, Milena F. Rosenfield, Sandra C. Müller G. Wilson Fernandes, Ludmilla M. S. Aguiar, Antônio Fernandes dos Anjos, Mercedes Bustamante, Rosane G. Collevatti, José C. Dianese, Soraia Diniz, Guilherme B. Ferreira, Guimarães Ferreira, Manuel Eduardo Ferreira, Renata D. Françoso, Francisco 154 Biodiversidade e saúde, uma relação que precisa ser reconhecida Langeani, Ricardo B. Machado, Beatriz S. Marimon, Ben Hur Marimon Jr., Ana Carolina Rosana Gentile & Paulo Sergio D'Andrea Neves, Fernando Pedroni, Yuri Salmona, Maryland Sanchez, Aldicir O. Scariot, Joaquim A. Silva, Luís Fábio Silveira, Heraldo L. de Vasconcelos, Guarino R. Colli 170 Políticas públicas: em busca de caminhos para a conservação da 84 Pantanal - A identidade de uma grande área úmida biodiversidade Cátia Nunes da Cunha, Pierre Girard, Gustavo Manzon Nunes, Julia Arieira, Jerry Eduardo Vélez-Martin, Demétrio Luis Guadagnin, Valério De Patta Pillar Penha & Wolfgang J. Junk O Programa de Pesquisa em Biodiversidade

William Ernest Magnusson Helena de Godoy Bergallo Rui Cerqueira Guarino R. Colli Geraldo Wilson Fernandes Luís Fernando Pascholati Gusmão Valério De Patta Pillar Helder Lima de Queiroz

"Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas." Convenção sobre a Diversidade Biológica, 1992

A preocupação com o uso adequado e a Um dos mais importantes eventos relacio- conservação dos recursos naturais vem au- nados ao novo olhar da humanidade sobre a mentando em todo o mundo desde o sé- natureza foi a Conferência das Nações Unidas culo passado. Discussões sobre o conheci- sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mento, a conservação e o uso sustentável ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992. O Bra- da fauna, da flora, dos fungos e do ambien- sil, além de sediar a conferência, que ficou te onde vivem esses organismos atualmen- conhecida como ECO-92, liderou os esforços te perpassam diferentes meios de comuni- para estabelecer metas para evitar a erosão cação e segmentos da sociedade. da biodiversidade e dos serviços ambientais. Pelotas de pólen 14 15 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade Bioprospecção Avaliação Estudos de A Convenção sobre Diversidade Biológica para a sociedade, assim como faltavam pro- de impactos Variabilidade (CDB), um dos documentos mais importan- gramas que gerassem conhecimentos larga- ambientais Genética tes resultantes da ECO-92, tornou-se refe- mente distribuídos para diferentes setores rência sobre o tema. Seu texto estabelece, da sociedade, incluindo os tomadores de Levantamentos no artigo 1º, três obrigações a serem cum- decisão. Além disso, ainda não era corrente Biológicos pridas pelos países signatários: a conserva- o compartilhamento de dados e informa- ção da diversidade biológica, o uso susten- ções de forma aberta, através da internet, Planejamento do Coleções tável de seus componentes e a repartição para diferentes usuários. uso da Terra Biológicas justa e equitativa dos benefícios derivados Pesquisa e gestão da biodiversidade reque- Avaliações da utilização dos recursos genéticos. Para rem ações variadas e relacionadas entre si. de Processos os tomadores de decisão, a CDB é um lem- Juntas, essas ações formam um complexo Ecossitemicos brete de que os recursos naturais não são sistema que inclui desde levantamentos bio- infinitos, e que é indispensável pensar e lógicos e estudos de variabilidade genética, Modelo conceitual simplificado de algumas atividades de pesquisa agir em busca do uso sustentável. até a formação de coleções biológicas, a ava- ligadas diretamente com à biodiversidade Apesar do protagonismo brasileiro à épo- liação de impactos ambientais e o planeja- ca da ECO-92, somente uma década mais mento do uso da terra, entre outros. A necessidade de assegurar a vida fu- esse conhecimento útil para diferentes tarde o país instituiu, em consonância com À procura de soluções que preenches- tura do planeta, especialmente diante segmentos da sociedade, o MCTI criou, a CDB, princípios e diretrizes para a imple- sem as lacunas de conhecimento nesse das evidências das mudanças climáticas, em 2004, o Programa de Pesquisa em Bio- 2 mentação da Política Nacional da Biodiver- complexo sistema, o então Ministério da conferiram mais vitalidade às discussões diversidade (PPBio) . O PPBio teve a missão inicial de desen- sidade (PNB)1. Antes da CDB e do estabe- Ciência e Tecnologia, atual Ministério da- e tornaram urgente a necessidade de ge- volver uma estratégia de investimento que lecimento da PNB, o país já havia investido Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), or- rar conhecimentos para ampliar ações de agregasse as diversas competências em em diferentes ações para o conhecimento ganizou uma série de reuniões com atores conservação e de desenvolvimento sus- pesquisa e transferência de conhecimento da biodiversidade, mas tinha feito pouco envolvidos na pesquisa e gestão da biodi- tentável. Assim, após dois anos de discus- sobre biodiversidade, gerando, integrando em aspectos críticos. Faltavam pesquisas versidade brasileira. Os encontros revela- sões para determinar a melhor forma de e disseminando informações que pudes- e ações para converter iniciativas isoladas ram que a infraestrutura para estudos da atuação, e atento à necessidade de agili- sem ser utilizadas pela sociedade. Pode-se em cadeias de produção de conhecimen- biodiversidade precisava ser melhor di- zar a produção de conhecimento sobre o afirmar, então, que o PPBio foi criado a to que resultassem em benefícios práticos mensionada e modernizada. patrimônio biológico brasileiro e de tornar partir de demandas vindas da comunidade

1 Decreto Federal nº 4.339, de 22 de agosto de 2002 institui princípios e diretrizes para a Política Nacional da Biodi- 2 Portaria MCT nº 268, de 18 de junho de 2004, modificada pela Portaria MCT nº 383 de 15 de junho de 2005 versidade http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4339.htm

16 17 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade científica e da sociedade brasileira, ede- O programa teve grande sucesso e e estudantes de institutos de pesquisa e Metodologias para conhecer a biodi- senvolvido em consonância com os princí- sua influência nacional e internacional universidades que atuam como elos na en- versidade pios da CDB, pautado nas diretrizes da PNB. foi reconhecida pelo MCTI e por outros grenagem para geração do conhecimento. Conhecer a biodiversidade como um A estratégia de ação elaborada pelos pes- órgãos de governo, tanto na esfera federal Os cursos, oficinas, trabalhos conjuntos precursor para a sua conservação e uso quisadores envolvidos na iniciativa priori- quanto estadual. Esse reconhecimento em campo e reuniões de planejamento e sustentável é um dos compromissos assu- zou ações de formação e capacitação de possibilitou o acesso a recursos financeiros avaliação funcionam como espaços para midos pelos países signatários da CDB. Po- recursos humanos, de fortalecimento ins- adicionais e o incremento de pessoal e de trocas de dados e informações, e para a rém, o conhecimento da diversidade bio- titucional na área de pesquisa e de socia- ações. As primeiras experiências exitosas consolidação de saberes e práticas em mui- lógica pode ser medido em diferentes es- lização de informações e conhecimentos do PPBio foram usadas como exemplo para tos campos das ciências da biodiversidade. calas, variando de moléculas a biomas. Da sobre a biodiversidade brasileira. planejar a criação do Centro de Pesquisa O compartilhamento na internet também mesma forma, aqueles que dela usufruem O primeiro local a receber atividades do do Pantanal (CPP) e da Rede de Pesquisa é muito usual no dia a dia dos integrantes veem seus recursos em escalas diferentes. PPBio foi a Amazônia, sob coordenação do para o uso Sustentável e Conservação do das redes do PPBio. Nesses fóruns, há in- Como proceder, então, para a avaliar o co- Instituto Nacional de Pesquisas da- Ama Cerrado (ComCerrado). centivo à leitura de novas informações pu- n h e c i m e n t o d a b i o d i v e r s i d a d e ? zônia (Inpa) e do Museu Paraense Emílio Em 2012 o PPBio foi ampliado, e passou blicadas, além de discussões e trocas de Quando o PPBio foi criado já existiam es- Goeldi (MPEG). Logo o programa foi ex- a operar predominantemente através de experiências para a consolidação de pro- forços para documentar, caracterizar e dis- pandido para a Caatinga, sob a coordena- um sistema de edital aberto3 gerenciado tocolos padronizados para diferentes ativi- seminar o conhecimento sobre biodiver- ção da Universidade Estadual de Feira de pelo Conselho Nacional de Desenvolvi- dades. Os protocolos e outros documentos sidade, especialmente no que se refere a Santana (UEFS). A estas instituições, cha- mento Científico e Tecnológico (CNPq). são disponibilizados de forma aberta, e pas- espécies, ecossistemas e biomas. Entretan- madas então de núcleos executores, inú- Desde então, foram aprovados 43 proje- sam a ser utilizados tanto em projetos que to, não resta dúvida de que as ações desse meros institutos de pesquisa e universida- tos distribuídos em sete redes temáticas, integram as redes como por estudantes e programa ofereceram conjuntos de dados des agregaram-se como colaboradores no com pesquisas desenvolvidas na Ama- pesquisadores vinculados a instituições va- maiores e mais consistentes para serem desenvolvimento de ações. A escolha da zônia, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado riadas do país e do exterior. As redes tam- utilizados por diferentes áreas da ciência Amazônia e da Caatinga foi estratégica, já e Campos Sulinos, e um projeto na Rede bém mantêm páginas eletrônicas que são e setores da sociedade. As coletas padro- que os dois biomas eram os menos conhe- Temática de Pesquisa em Modelagem Am- importantes instrumentos para o alcance nizadas, a identificação de materiais bioló- cidos cientificamente e os que mais neces- biental da Amazônia (Rede Geoma). de metas, como as vinculadas à divulgação gicos depositados em coleções de plantas, sitavam de investimentos em infraestrutu- Cada rede está sediada em uma institui- de resultados para diferentes públicos (ges- animais e fungos, além da digitalização e ra e formação de recursos humanos. ção, e envolve pesquisadores, técnicos tores ambientais e educadores, por exem- disponibilização de dados dos espécimes plo), e ajudam a ampliar a divulgação de de coleções e daqueles coletados em cam- 3 Edital MCTI/CNPq nº 35/2012 – referente às ações do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) e da Rede guias, livros e artigos científicos publicados po foram ações do PPBio que colaboraram Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia (GEOMA) http://www.cnpq.br/web/guest/chamadas- em revistas nacionais e internacionais. para a maior qualificação dos acervos. publicas;jsessionid=595A943D4F66E187BB1A6A3E570E0985?

18 19 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade A análise de dados de espécimes em co- te utilizada, que permite avaliações pai- leções online é usualmente utilizada para sagísticas e ecossistêmicas em sítios de indicar áreas nas quais são necessários pesquisa definidos para serem monitora- AMAPÁ RORAIMA mais estudos. Esses dados são também dos em programas de longa duração. Para cotidianamente utilizados por estudantes desenvolver essa metodologia, os pesqui- e cientistas que lidam com taxonomia de sadores debruçaram-se sobre dados de CEARÁ diferentes grupos biológicos, com biogeo- coleções, esforço de coleta e variáveis am- AMAZONAS MARANHÃO PARÁ RIO GRANDE grafia, com modelos preditivos e muitos bientais, buscando relacionar essas infor- DO NORTE PARAÍBA outros ramos da ciência. Nesse contexto, mações com dados ambientais derivados PIAUÍ ACRE PERNAMBUCO as atividades realizadas pelas diferentes de sensoriamento remoto e da experiên- ALAGOAS SERGIPE redes do PPBio junto a universidades, ins- cia de trabalho em campo, entre outros. RONDÔNIA TOCANTINS titutos de pesquisa e outras instituições e A metodologia ficou conhecida como sis- BAHIA MATO GROSSO organizações, especialmente aquelas mais tema Rapeld, por ser adequada para uso distantes de grandes centros, merecem em pesquisas ecológicas de longa-duração GOIÁS

destaque. Essas atividades incluem a ca- (componente Peld) e, ao mesmo tempo, MINAS GERAIS pacitação de pessoal local, técnicos e bió- permitir inventários rápidos (componente

logos para definição de áreas amostrais e RAP) da biodiversidade para, por exemplo, ESPÍRITO SANTO métodos amostrais; coleta e identificação ações de planejamento do uso da terra. MATO GROSSO DO SUL RIO DE JANEIRO de diferentes grupos taxonômicos; cole- Ao longo dos últimos dez anos, o PPBio SÃO PAULO ta de dados ambientais; de solos e sera- apoiou a instalação de cerca de 90 sítios pilheira, entre outras. Todas elas seguem de pesquisa com a metodologia Rapeld, PARANÁ

protocolos bem delineados por especialis- a maioria em áreas que anteriormente SANTA CATARINA tas do programa e testados por diferentes eram carentes de pesquisa ou nas quais os

equipes em campo, e colaboram para a dados obtidos eram dispersos ou de difícil RIO GRANDE DO SUL diminuição das lacunas de conhecimento ou impossível integração. Muitos desses sobre a biodiversidade brasileira. sítios foram planejados também para ser- Um feito que merece destaque foi o virem como locais de treinamento para a Sítios com levantamentos preliminares Sítios de pesquisa PPBio com grades e desenvolvimento, por pesquisadores do população e para a realização de cursos de módulos instalados PPBio, de uma metodologia de coleta de campo direcionados a alunos de gradua- dados em campo, atualmente amplamen- ção, mestrado e doutorado.

20 21 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade O sistema Rapeld também foi usado para de prováveis efeitos de empreendimen- hídricas e energéticas causadas por varia- que visem a gestão territorial e não so- a instalação de sítios de pesquisa no Nepal tos que afetam a biodiversidade, além de ções climáticas. mente a maximização de lucros para um e na Austrália, além de ter atendido a ne- facilitar a tomada de decisões sobre ati- As relações ficam ainda mais complexas segmento da economia. cessidades de órgãos de diferentes minis- vidades de compensação ambiental que, se considerarmos que algumas vezes o se- As diversas populações tradicionais que térios brasileiros. Sua aplicação atualmen- se adiadas, podem atrasar a obra e causar tor agropecuário usa os lucros da extração fazem uso da biodiversidade são atores te é exigida pelo Instituto Brasileiro do prejuízos econômicos. de madeira para financiar o desmatamen- igualmente importantes nesse cenário e o Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Obviamente, decisões dependem de muito to e a criação de pasto no sul da Amazônia. Brasil vem dando crescente atenção à liga- Renováveis (Ibama) em estudos de impac- mais que informações sobre a biodiversida- A perda da floresta afeta o processo de ção entre sociodiversidade e biodiversidade. to ambiental para a instalação de usinas de. Por isso, pesquisadores do PPBio conti- transporte de água, na forma de nuvens, Diferenças entre povos indígenas, por exem- hidroelétricas na Amazônia, e pelo Serviço nuam o trabalho de desenvolver protocolos sobre o continente, aumentando a inten- plo, muitas vezes refletem suas adaptações Florestal Brasileiro (SFB) para o monitora- que maximizem a capacidade de tomada de sidade de períodos de seca em regiões de às condições bióticas locais. O mesmo se mento de novas concessões florestais na decisões sem estender os processos buro- produção agrícola do país e prejudicando aplica às comunidades quilombolas, aos ri- mesma região. Em 2012, durante a Confe- cráticos. Essa busca de soluções é realizada o abastecimento de água e energia em beirinhos e a outros povos tradicionais não rência das Nações Unidas sobre Desenvol- em parceria com instituições governamen- centros industriais. Uma diminuição de 1% indígenas. Essas populações, assim como vimento Sustentável (Rio+20), foi lançado tais, como o Ibama e o Instituto Chico Men- no nível de água do sistema Cantareira, no produtores rurais de pequena escala, utili- “The Rainforest Standard’’, o primeiro pa- des de Conservação da Biodiversidade (ICM- Sudeste, por exemplo, pode custar ao país zam recursos de vida silvestre ou de pesca drão para projetos de créditos de carbono Bio), e com o setor privado. bilhões de reais de prejuízo por dia. para diversos fins, como para suplementar que considera requerimentos para avalia- Alternativas econômicas precisam ser a dieta. Algumas estão também envolvidas ção de carbono, impactos socioculturais e Quem se beneficia da biodiversidade? oferecidas para compensar as pessoas dos em atividades de desenvolvimento susten- socioeconômicos, e efeitos na biodiversi- Muitas vezes o uso da biodiversidade por locais onde atividades com impacto para tável respaldadas por pesquisas científicas dade. O padrão sugerido para os estudos um segmento da sociedade afeta outros a biodiversidade são renunciadas. Opções — como a pesca do pirarucu na várzea ama- da biodiversidade foi o Rapeld. segmentos. Um exemplo é o uso de recur- viáveis dependem do contexto da região, zônica, exemplo de sucesso. O sistema Rapeld também parece ser sos madeireiros pelo setor agropecuário, mas podem incluir o aumento do valor da Mas, ainda há muito o que pesquisar so- uma boa solução para um dos problemas especialmente quando, para maximizar lu- madeira para justificar extração em ciclos bre a sustentabilidade de diversas outras das avaliações de impactos: o fato de os cros, os fazendeiros desmatam as zonas ri- sustentáveis, a exploração de produtos atividades. Entre os exemplos promissores dados geralmente serem coletados sem párias. Nesses casos, os ganhos para cada não madeireiros, o uso sustentável da fau- destacam-se o cultivo de espécies nativas padronização espacial, dificultando a com- fazendeiro são modestos, mas os efeitos na, ou a compensação através do mercado para a produção de frutas, sementes e tu- paração entre diferentes estudos. Graças cumulativos de perda da capacidade da de carbono. Muitas iniciativas desse tipo bérculos; o cultivo de flores para uso pai- ao emprego de análises simples, o uso do paisagem em captar e armazenar a água estão sendo investigadas. O ponto crucial sagístico; o uso de espécies nativas para Rapeld resulta em uma avaliação rápida da chuva são enormes, agravando crises é que estejam inseridas em programas controle biológico de pragas e como me-

22 23 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade Muitas doenças resultam de mudanças Educação sobre a biodiversidade na paisagem e envolvem interações com- Em áreas como a matemática e a física, a plexas. A manipulação planejada da bio- maior parte do conhecimento reside nos diversidade na paisagem pode ser usada, acadêmicos. Em contraste, detentores por exemplo, para evitar ou diminuir pro- de conhecimento sobre a biodiversidade blemas como a proliferação de vetores. O muitas vezes são pessoas de comunidades uso dessa estratégia configura-se como tradicionais, agricultores ou pequenos co- uma alternativa mais eficaz e menos dis- merciantes com pouco acesso à educação pendiosa do que programas para contro- formal. Em uma educação voltada para a lar ou curar doenças por intervenções di- valorização e o respeito à biodiversidade, retas — além de causar menos sofrimento o repertório de saberes e práticas dessas e perdas às populações humanas. pessoas e comunidades deve ser valoriza- Também é preciso considerar que, em do, seus detentores passando a integrar muitos casos, o conhecimento da bio- grupos de trabalhos e projetos. Práticas diversidade é insuficiente para identifi- desse tipo trazem ganhos para todos os Curso sobre Instalação e coleta de dados em módulos car os vetores de doenças sem o uso de envolvidos, oferecendo uma oportunidade Rapeld, realizado na Ilha Grande, Rio de Janeiro técnicas avançadas — é necessário usar de compartilhamento e aprendizagem para taxonomia molecular para distinguir os comunitários, estudantes e cientistas. dicinais, além do uso de espécies nativas em Biodiversidade e saúde principais vetores de leishmaniose, por Diferentes redes do PPBio incluem em sistemas agroflorestais. Iniciativas de produ- Nem todo elemento da biodiversidade é po- exemplo. Existem variedades genéticas seus projetos atividades educacionais vi- ção sustentável desses itens têm estreitado sitivo para o desenvolvimento humano. Ani- entre indivíduos de uma mesma espécie sando a inclusão social e a capacitação as relações entre a comunidade cientifica, as mais podem ser vetores de doenças emer- que podem fazer com que eles difiram técnica de pessoas de comunidades tradi- comunidades locais e tradicionais e o setor gentes, caso das capivaras e a febre maculo- no seu potencial de atuação como veto- cionais e locais. A participação dessas pes- produtivo. As parcerias buscam, particular- sa, em São Paulo; espécies selvagens podem res de doenças. A integração de estudos soas também fornece aos pesquisadores mente, desenvolver iniciativas com cultivos transmitir doenças para animais domésticos, sobre vetores e doenças ao trabalho de um melhor entendimento de processos que não necessitam do desmatamento de como no caso de morcegos hematófagos e a campo de pesquisadores que lidam com ecológicos, uma vez que elas lidam com grandes áreas. Entretanto, considerando a raiva. É preciso estudar não só o processo de a diversidade biológica poderia aumentar tais processos no dia a dia em seus locais riqueza de espécies nativas da flora do país, transmissão entre hospedeiros, mas também as informações sobre diversas doenças de moradia ou trabalho. Essas atividades este potencial pode ser multiplicado caso o o ambiente onde esse processo ocorre e as e permitir ações direcionadas antes do educacionais são também oportunidades leque de pesquisas seja ampliado. relações entre seus organismos. problema se manifestar clinicamente. para a socialização do conhecimento local

24 25 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade especialmente importantes para os jo- de Janeiro, o sítio está consolidando uma vens, pois configuram mais um momento dinâmica produtiva de cursos e pesqui- no qual podem aprender com conhece- sas com alunos de graduação, mestrado dores de suas comunidades, ajudando na e doutorado de diferentes instituições da perpetuação do saber tradicional. região Sudeste. O PPBio também tem contribuído direta- Educação sobre biodiversidade também mente com atividades de formação acadê- é essencial para lidar com temas polêmi- mica. O primeiro sítio Rapeld no Pantanal, cos, como biopirataria. Ao longo dos anos, por exemplo, foi instalado com o intuito ficou claro que a educação de populações de ser um local para aulas de campo e locais, especialmente daquelas que ha- promoção de estudos integrados entre os bitam zonas de fronteiras, de modo que docentes do curso de ecologia da Univer- entendam seus direitos e deveres em rela- sidade Federal de Mato Grosso (UFMT). ção à biodiversidade, é muito mais eficaz Uma das metas era dobrar o número de para proteger a biodiversidade que ape- publicações dos docentes num período de nas ações de fiscalização, especialmente três anos. Efetivamente, o número de pu- num país que cobre mais da metade da Pesquisadores do PPBio em Cerro do Jarau, Quaraí, RS blicações quadruplicou no período. América do Sul. Iniciativas bem-sucedi- Já o sítio Rapeld mais antigo, na Reser- das de conservação dependem da ade- da biodiversidade na deterioração da qua- formal. O desenvolvimento de atividades va Florestal Adolpho Ducke, em Manaus, são e engajamento da sociedade local. lidade de vida, na saúde e na economia de pesquisa, uso e conservação da biota foi instalado em 2000 com recursos do Sem a compreensão dos aspectos bené- das comunidades locais. Com frequência, nessas regiões deve ser feito com a apro- Ministério da Educação através do Progra- ficos que a biodiversidade produz no dia pessoas dessas comunidades participam vação e colaboração das forças armadas, ma Nacional de Pós-Doutorado (PNPD). O a dia de cada cidadão, as populações que de oficinas, cursos e exposições, e de ativi- além dos povos indígenas e agricultores local abriga cursos técnicos e acadêmicos, habitam o entorno de áreas protegidas dades de campo que buscam capacitá-las que a habitam. O Ministério da Defesa tendo se tornado o sítio de pesquisa com têm dificuldade de aderir às iniciativas de para ações que gerem trabalho e renda. apoia iniciativas de estudo da biodiver- mais estudos realizados em toda a região conservação. A zona mais sensível para ações envol- sidade nessas regiões, como o Projeto da Amazônia e dos Andes. O desenvolvi- Projetos vinculados às redes PPBio, rea- vendo comunidades locais é aquela que Fronteiras, e, desde 2015, o Comando mento das atividades no mais novo sítio lizados em estreita colaboração com o compreende as terras dentro dos cerca Militar da Amazônia está promovendo, Rapeld apontam na mesma direção: ins- ICMBio e órgãos estaduais, têm buscado de 11.200 km de fronteiras internacio- em parceria com instituições de pes- talado em 2014 numa porção de Mata desenvolver atividades de modo a ampliar nais da Amazônia brasileira, uma das quisa, o programa Oceano Verde, que Atlântica em Ilha Grande, litoral do Rio a compreensão sobre os efeitos da perda regiões menos conhecidas pela ciência apoia a pesquisa, o desenvolvimento

26 27 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade sustentável e a fixação de pesquisado- pela falta de ações estratégicas para man- mação sobre a Biodiversidade Brasileira para qualquer programa estratégico para o res nestas zonas. ter a infraestrutura necessária para pes- (SiBBr)5. O envolvimento do GEF e o porte país. O esforço dos pesquisadores e o apoio quisa de longo prazo. do investimento aplicado são indicativos de institutos de pesquisa e universidades, Integração para melhores resultados Outro grande desafio, não só da pesqui- da importância dada ao tema para o de- e mesmo de financiadores internacionais, Ecossistemas saudáveis, além de belos, sa sobre biodiversidade, mas da ciência senvolvimento do país. Prestigiando o tra- têm sido a base para as atividades do PPBio. são a base de toda a vida, garantem o ar de modo geral, é garantir que os dados balho realizado, o SiBBr adotou, de forma No entanto, cada sucesso do programa gera limpo, a água usada nos plantios e no coti- obtidos nos estudos não sejam desperdi- conjunta, sistemas de armazenamento e mais demandas. É preciso garantir a conti- diano, além de muitos outros dos chama- çados. Por isso, desde a sua concepção o recuperação de dados desenvolvidos tan- nuidade para que os resultados tragam be- dos serviços ambientais. A biodiversidade, PPBio tem se preocupado com o armaze- to pelo PPBio como por outros programas nefícios para a sociedade a longo prazo. por sua vez, é afetada e afeta processos namento e a disponibilização dos dados e projetos no país, tornando as informa- ecossistêmicos, como os ciclos de água, coletados e gerados por suas redes, sendo ções acessíveis, de forma unificada, no O futuro da biodiversidade carbono e nitrogênio, e os fluxos de mine- um dos poucos programas governamen- site do projeto lançado em 2014. O Brasil está entre os países que detém alta rais e poluentes. tais com uma política de dados explícita4. A garantia da manutenção a longo prazo de diversidade biológica — chamados de países Em busca de um melhor entendimento O PPBio também foi responsável pela cria- iniciativas como o SiBBr é uma preocupação megadiversos —, abrigando em seu territó- das intrincadas relações entre esses pro- ção de um repositório de dados ecológicos para todos os envolvidos com a conserva- rio cerca de 20% das espécies vivas conheci- cessos, o PPBio trabalhou entre os anos que, apesar dos poucos recursos disponí- ção da biodiversidade e deve ser examinada das em todo o mundo. O país tem, portanto, de 2009 e 2014 junto com o Programa de veis, é atualmente o maior da América do criteriosamente. É também de extrema im- papel decisivo e de vanguarda na geração de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Sul, além de estar interligado a redes in- portância garantir fontes de financiamento conhecimento sobre as espécies e os ecos- Amazônia (LBA) e com a Rede Geoma no ternacionais, sendo, por exemplo, um dos de mais longo prazo para as diferentes ativi- sistemas que possibilitem o uso sustentável Projeto Cenários. O resultado foi extre- nós da rede “Data One’’, uma das principais dades relacionadas à gestão e produção de e a conservação dessa imensa riqueza. mamente positivo. Os coordenadores das iniciativas mundiais para interligação e in- conhecimento sobre a biodiversidade. Documentos oriundos de diferentes con- iniciativas entendem que não é possível teroperabilidade de repositórios de dados. O PPBio busca ver e tratar a biodiversida- venções e reuniões internacionais, reali- estudar processos sem considerar os orga- Recentemente, o MCTI, com financia- de de forma abrangente, sendo essencial zadas principalmente ao longo dos anos nismos que os geram. O Projeto Cenários mento do Fundo Mundial para o Meio a manutenção dos recursos que permitam 2000, têm expressado preocupação com a foi importante em muitos aspectos, mas Ambiente (GEF), desenvolveu um sistema sua atuação, especialmente para tópicos persistência e a velocidade dos impactos uma de suas principais conclusões foi que de gerenciamento de dados sobre a bio- estratégicos, como os estudos das dimen- negativos sobre espécies e sistemas eco- ainda é preciso superar o desafio imposto diversidade chamado Sistema de Infor- sões sociais e econômicas da biodiversida- lógicos responsáveis pelo fornecimento de. A falta de continuidade não faz sentido de bens e serviços indispensáveis para a 4 A Portaria nº 693, do MCTI, de 20 de agosto de 2009, publicada no Diário Oficial da União, seção 1, n. 160, p 8-9, Institui, no âmbito do Programa de Pesquisa em Biodiversidade - PPBio, a Política de Dado política de dados https:// ppbio.inpa.gov.br/sites/default/files/politica_dou.pdf 5 www.sibbr.gov.br

28 29 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade humanidade. Os padrões atuais de produ- programas de pesquisa e na capacitação cientistas e estudantes trabalhando em re- A participação cada vez maior dos pro- ção, consumo e ocupação do solo geram de pessoal, especialmente pelos gover- des para geração de conhecimento. É pre- dutos diretos e indiretos da diversidade impactos negativos sobre as espécies e os nos federal e estaduais, mas também ciso mais recursos financeiros e materiais biológica na economia mundial obriga-nos ambientes onde elas vivem, e o futuro das por empresas e outras organizações. para possibilitar a aceleração e o aprofun- também a considerar estes recursos do nações depende, cada vez mais, da solu- Entretanto, são necessários ainda muitos damento do conhecimento, bem como o ponto de vista do planejamento estratégi- ção de uma equação onde a saúde e a ri- esforços para superar o desafio do alcan- desenvolvimento de atividades que levem co. A biodiversidade, além de um recurso queza dos ecossistemas são variáveis que ce das Metas Nacionais de Biodiversidade ao entrelaçamento mais efetivo dos atores econômico, reflete a diversidade cultural assumem importância crescente. para 2020, estabelecidas pelo governo com diferentes competências, como gesto- do país e faz parte de sua identidade. In- Embora o Brasil e todos os outros paí- brasileiro em sintonia àquelas definidas res e tomadores de decisão atuantes nas vestir em conhecer e usar adequadamen- ses signatários da CDB não tenham de- pela CDB para 2011-2020. O alcance de áreas do meio ambiente, agricultura, pro- te a biodiversidade no presente é garantir senvolvido capacidades e habilidades tais metas é um enorme desafio conside- dução de energia e saúde, entre outros. um futuro melhor para todos. suficientes para o cumprimento do con- rando a megadiversidade que o país abri- junto de metas estabelecidas pela con- ga e a pressão direta que o modelo atual venção para serem alcançadas em 2010, de desenvolvimento econômico impõe. há indicativos de soluções para o alcan- O PPBio, um programa do MCTI, desde Sugestões de leitura ce das metas pactuadas para 2020. No a sua criação, há 11 anos, procura desen- Para melhor entender o contexto no qual o PPBio foi estabelecido, é esclarecedora a leitura do Brasil, entre os avanços destacam-se: o volver atividades de forma articulada com texto de Ione Egler, “Desenvolvimento de Políticas e Programas de Biodiversidade no Âmbito do aumento da produção de conhecimento diferentes atores envolvidos com a biodi- Ministério de Ciência e Tecnologia”, disponível em http://bit.ly/1JgMzFX. Para conhecer a varie- nas chamadas ciências da biodiversida- versidade, um trabalho que resultou em dade de temas tratados pelas redes PPBio, consultar os trabalhos apresentados no I Simpósio da de; a maior aproximação entre a ciên- produtos de interesse tanto para o MCTI, Rede Mata Atlântica, realizado 2015 disponíveis em http://www.ppbioma.uerj.br/. A descrição e cia e a sociedade; o estabelecimento e como para os Ministérios da Saúde, Educa- um pouco da história de desenvolvimento do método RAPELD pode ser encontrado em https:// manutenção de unidades de conserva- ção, Meio Ambiente, Defesa, Agricultura e ppbio.inpa.gov.br/metodos/rapeld. Entre as muitas publicações, há quatro livros, disponibili- ção em níveis federal, estadual e muni- Pecuária e Abastecimento. Descobertas zados gratuitamente, que trazem informações preciosas sobre pesquisas integradas realizadas cipal e o estabelecimento de conselhos feitas pelos pesquisadores do programa pelo programa: “Artrópodes do Semiárido: Biodiversidade e Conservação’’, disponível em http:// nessas unidades com a participação de são importantes para a segurança hídrica, bit.ly/1ZLsizD; “Biodiversidade e Monitoramento Ambiental Integrado’’, disponível em http:// gestores, cientistas e moradores das co- alimentar e energética, e contribuem para bit.ly/1V77E6j; “Amazônia Maranhense: Diversidade e Conservação’’, disponível em http://bit. munidades locais, entre outros atores; a saúde da população e com questões de ly/1Kq2mNx; e “Os Campos do Sul’’, encontrado em http://bit.ly/1QmK1aC. Há também um a elaboração de legislação ambiental soberania nacional. vasto acervo de vídeos, fotografias, listas de espécies, protocolos, artigos e livros publicados e outras normas a partir de discussões Entretanto, ainda são necessários muitos pelo PPBio disponível nas páginas das redes do programa que estão indicadas ao final de cada com a sociedade; e o investimento em mais esforços e muitos outros grupos de capítulo das redes neste livro.

30 31 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade A IMPORTÂNCIA DA BIODIVERSIDADE: O EXEMPLO DOS FUNGOS

Muitas vezes os elementos da biodiversidade menos visíveis são os mais importantes para a manutenção de aspirações da sociedade. Os fungos são um bom exemplo. A di- versidade de fungos é incrível e o Brasil tem destaque em alguns grupos desses orga- nismos. Os campos rupestres dos Cerrados, por exemplo, concentram 25% da riqueza mundial de fungos micorrízicos conhecidos. A maioria das espécies de plantas lenhosas precisa formar associações com fungos para aproveitar os nutrientes no solo. Esses fungos, chamados micorrizas, são muito impor- tantes para a produção de mudas de espécies comerciais, e agrônomos e engenheiros florestais sabem que o conhecimento sobre essas espécies é essencial para manter a produtividade de lavouras e florestas de produção. Os não especialistas, por sua vez, somente reconhecem os fungos quando estes produ- Pesquisadores do PPBio e os chefs Felipe Schaedler e Alex Atala zem seus corpos de frutificação — os maiores deles conhecidos como cogumelos. Mas com os fungos Geastrum inpaense e Geastrum echinulatun a maior parte dos fungos está escondida no solo ou nos corpos de outros seres vivos na forma de fibras microscópicas. Muitas vezes, portanto, os fungos passam despercebidos. para desenvolver técnicas de armazenamento e cultivo das espécies que ajudem a ga- Curiosamente, o maior organismo conhecido atualmente é um fungo descoberto nos rantir sua segurança alimentar. Estados Unidos apenas no ano 2000. Trata-se de um fungo que cobre quase nove km2, o Outros segmentos da sociedade querem usar os fungos. O PPBio trabalha em colabo- equivalente à área de quase 1.100 campos de futebol! ração com chefs de cozinha reconhecidos, como Alex Atala e Felipe Schaedler, para in- A diversidade de fungos ainda é tão desconhecida que uma nova espécie foi descoberta troduzir os fungos brasileiros no cardápio de restaurantes do país inteiro. Essa pesquisa em 2014 no meio de uma cidade de dois milhões de habitantes. A descoberta, feita por envolve ainda os produtores de castanha-do-Brasil, pois busca desenvolver um sistema pesquisadores do PPBio em um pequeno toco de árvore em um gramado dentro do Ins- que usa os galhos descartados na produção da castanha para o cultivo de fungos que tituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, rendeu à espécie o nome atendam as necessidades do mercado. de Geastrum inpaense, uma homenagem ao local improvável onde foi encontrado. Não Os fungos também são fontes de substâncias que podem ser usadas para combater existe estimativa do número de espécies de microrganismos esperando para serem des- doenças. O caso mais conhecido é a penicilina, antibiótico que revolucionou a medicina cobertas em regiões menos povoadas. e que é produzido a partir de um fungo do mesmo gênero do bolor de pão. O potencial Algumas espécies de fungos, porém, fazem parte do dia a dia de diferentes populações. para novas descobertas nos campos da farmacologia e biotecnologia é enorme e os pes- Os índios Yanomami, por exemplo, sempre incluem fungos na dieta durante suas migra- quisadores do PPBio estão trabalhando em colaboração com instituições para isolar e ções sazonais. A frequência desses deslocamentos tem diminuído devido à disponibili- descrever substâncias que possam ser usadas para fabricação de remédios, entre outros dade de centros de saúde e outros serviços em pontos estratégicos, mas os indígenas usos. A hipnofilina é um desses compostos. Conhecida por sua atividade in vitro contra querem manter os fungos na sua dieta, ou até comercializar parte da coleta. Como a protozoários causadores de doenças como malária, Chagas e leishmaniose, o composto quantidade disponível pode não suportar a colheita, eles solicitaram apoio doPPBio foi isolado de um cogumelo comestível nativo da Amazônia.

32 o programa de pesquisa em biodiversidade Conhecendo a Biodiversidade 33 Campos Sulinos ~ A biodiversidade na imensidao dos campos do sul do Brasil

Valério De Patta Pillar Eduardo Vélez-Martin Gerhard E. Overbeck Ilsi Iob Boldrini

"A estrada estendia-se deserta; à esquerda os campos desdobravam-se a perder de vista, serenos, verdes, clareados pela luz macia do sol morrente, manchados de pontas de gado que iam se arrolhando nos paradouros da noite; à direita, o sol, muito baixo, vermelho- -dourado, entrando em massa de nuvens de beiradas luminosas." Simões Lopes Neto em seu conto Trezentas Onças

Os Campos Sulinos estão situados em uma grande região dominada por ambien- tes campestres no sudeste da América do Sul, englobando a parte sul do Brasil, o Uruguai e grande parte do norte da Argentina, onde são chamados de Pastizales del Rio de La Plata. No Brasil, fazem parte de dois biomas: Pampa e Mata Atlântica. Um grande número de espécies vegetais, incluindo algumas das mais abundantes, ocor- rem nos campos em ambos os biomas, o que justifica usar Campos Sulinos para se referir aos campos da região como um todo. Em alguns locais, os campos predomi- nam ou predominavam antes de sua transformação em pastagem e áreas de cultivo, enquanto noutros, formam mosaicos com florestas que, muitas vezes, ocupam as Barba-de-bode (Aristida uruguayensis) em margens dos rios. campos da Campanha sobre solos profundos, em Aceguá,34 RS 35 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade CLIMA E RELEVO PARANÁ O clima da região dos Campos Sulinos é subtropical úmido, com verões quentes e sem estação seca. Nas partes mais altas, ocupadas pelo bioma Mata Atlântica, os verões são mais frios (a média de temperatura varia entre 19,7 °C e 22,7 °C) e na sua borda leste a

precipitação é maior, com 1.500 mm a 2.200 mm anuais bem distribuídos ao longo do SANTA Bioma Pampa CATARINA ano. Já nos locais de menor altitude, ocupados pelo bioma Pampa, a amplitude térmica Bioma Mata Atlântica anual é maior (média de 21,5 °C) e a precipitação é de 1.200 mm a 1.450 mm por ano, Remanescentes Campestres Distribuição original dos campos diminuindo em direção ao sul e ao interior do continente, com episódios recorrentes, RIO GRANDE nativos no Pampa e na Mata Atlântica. curtos e localizados, de seca no verão. DO SUL

BIODIVERSIDADE Distribuição original e remanescente de campos nativos no sul do Brasil. Classificação de biomas Nas áreas campestres dos Campos Sulinos são encontradas, somente no Rio Grande segundo IBGE 2004. (Fonte Laboratório de do Sul, cerca de 2.600 espécies de plantas, muitas delas endêmicas. A fauna também Geoprocessamento, UFRGS) é diversificada, ainda que muitas espécies não sejam exclusivamente campestres. São conhecidas 92 espécies de mamíferos, das quais 29 são exclusivamente campestres, e cerca de 95 espécies de aves campestres. Já foram registradas 158 espécies de répteis e 84 de anfíbios. A fauna de invertebrados ainda é pouco conhecida, mas já foram Os Campos Sulinos estão na raiz econômi- caso dos Campos Gerais do Paraná, os re- identificadas 28 ordens de artrópodos, que incluem espécies de percevejos, formigas, ca, social e cultural da região Sul do Brasil. manescentes campestres totalizam menos abelhas, besouros, aranhas, gafanhotos e borboletas. Esses organismos constituem A imensidão das paisagens abertas, com de 10% da distribuição original. uma teia complexa de relações que asseguram a integridade das paisagens campes- sua vegetação baixa que permite ver o ho- Além da perda de habitat, esse proces- tres e de seus serviços ambientais. rizonte, é elemento essencial da identida- so resulta na fragmentação dos ecossiste- de e do sentimento de pertencimento para mas, o que aumenta o risco de extinção de grande parte da população local. Até há plantas e animais silvestres. A conversão poucas décadas, esses ecossistemas pre- de campos nativos em lavouras, em silvi- dominavam na região. Entretanto, no ano cultura ou em pastagens cultivadas impli- 2002, a transformação dos Campos Sulinos ca na retirada da cobertura vegetal nativa do Rio Grande do Sul em lavouras e planta- pelo uso de herbicidas ou pelo revolvi- ções de árvores já havia chegado a 50% de mento do solo e sua substituição por um sua área de distribuição original. Estima-se agroecossistema simplificado. Mesmo que que atualmente restem menos de 40%. No algumas espécies de animais consigam so-

36 37 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade Campos de altitude no Parque Nacional da Serra Geral, em Cambará do Sul, RS

breviver após a substituição, a maioria se mente, identificados como resultantes de e florestas. Com a introdução do gado, no racterística desses ecossistemas. Ou seja, extingue localmente. desmatamento. século 17, a vegetação nativa campestre é possível ter desenvolvimento econômi- A supressão da vegetação desestabiliza ou Campos nativos são diferentes de pas- passou a ser usada como pastagem. co e social a partir da conservação da ve- colapsa a complexa rede de interações en- tagens cultivadas. Estas geralmente são Pesquisas realizadas pela Rede Campos getação nativa. tre organismos que mantém importantes formadas por espécies exóticas, têm um Sulinos, especificamente no projeto Pes- Os ganhos são maiores se for considera- processos ecológicos e os serviços ambien- número pequeno de espécies, e sua im- quisas Ecológicas de Longa Duração-Cam- do que os Campos Sulinos, quando preser- tais que deles decorrem. O risco é agrava- plantação envolve a retirada da vegetação pos Sulinos (PELD Campos Sulinos), têm vados, garantem serviços ambientais que do quando a supressão ocorre em grandes nativa. Já os campos nativos caracteriza- indicado que esse uso pastoril, em geral, beneficiam toda a sociedade. Entre os be- áreas contínuas, sem a manutenção de re- vam grande parte do sul do Brasil bem an- preserva a vegetação nativa e é essencial nefícios estão a provisão de água, uma vez fúgios e de corredores para conexão entre tes da expansão das formações florestais, para manter paisagens abertas e com alta que os principais rios da região nascem em remanescentes de vegetação nativa. Além ocorrida há cerca de três mil anos. biodiversidade. Isso acontece porque, ao áreas que são, ou eram, campos; a mitiga- das perdas imediatas de biodiversidade, a A história ambiental dos campos é conhe- pastar, o gado realiza um papel ecológico ção de mudanças climáticas, pois ecossis- conversão dos campos pode favorecer a in- cida a partir de estudos do pólen encon- que já foi dos grandes mamíferos herbí- temas campestres propiciam o acúmulo de vasão por espécies exóticas, como o capim- trado em turfeiras — cuja formação teve voros que ocupavam a região no passado, grandes estoques de carbono no solo; e a -annoni (Eragrostis plana), outra ameaça à início há 40 mil anos e prossegue até os e que foram extintos há cerca de 10.000 manutenção da beleza cênica, um poten- integridade dos campos nativos. dias de hoje — e da análise de fósseis anos. Assim, a adoção de boas práticas cial turístico ainda pouco explorado. Mesmo com todas essas consequências, de animais pastadores, que indicam que de manejo permite aliar, na mesma área, a perda dos Campos Sulinos tem sido ne- desde há cerca de 35 milhões de anos a ganhos significativos de produtividade, A diversidade dos campos gligenciada, entre outros fatores, porque região tem sido caracterizada por paisa- rentabilidade econômica da atividade pas- Os Campos Sulinos englobam campos esses campos são, frequente e erronea- gens abertas ou por mosaicos de campos toril e conservação da biodiversidade ca- com aparências distintas, determinadas

38 39 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade Campos da Serra do Sudeste, em Bagé, RS

principalmente pelas diferenças no clima, ocorrência de algumas espécies vegetais, e também plantas carnívoras, indicadoras ções sem pastejo ou fogo, indicando a im- no solo e no manejo. Cada fisionomia é clas- quanto ao clima predominante. As diferen- de baixa disponibilidade de nutrientes. portância dessas perturbações para a con- sificada principalmente pelo grau de cober- ças climáticas influenciam a composição servação da biodiversidade dos campos. tura do solo, pela altura do estrato herbáceo vegetal: enquanto plantas indicadoras de Manejo e conservação Esses resultados demonstram a necessi- (gramíneas e outras ervas), e pela presença clima mais temperado são mais frequentes Clima, solo e relevo influenciam a distri- dade de manter um regime de distúrbios ou ausência de árvores e arbustos em meio em direção ao sul, a combinação de menos buição das espécies numa escala regio- também nos campos nativos localizados a essa vegetação baixa. Há ainda diferenças chuva com períodos mais secos no verão nal, mas cada ecossistema campestre tem em áreas protegidas, como unidades de na composição da fauna. Muitas espécies de resulta no aumento, de leste a oeste, da uma dinâmica natural singular, associada conservação, Reservas Legais ou Áreas aves, por exemplo, têm adaptações físicas e frequência de espécies adaptadas à seca. à ocorrência de determinados níveis de de Preservação Permanente, desde que comportamentais para a vida em campos Há também espécies vegetais com dis- perturbação pelo gado ou pelo fogo. Esses sejam adotadas boas práticas de manejo. com vegetação baixa, enquanto outras de- tribuição geográfica ampla, mas que res- distúrbios são importantes, pois promo- Entretanto, a adoção desse tipo de mane- pendem de locais com vegetação campestre pondem a variações locais de solo e da vem a renovação dos processos de suces- jo em áreas campestres de unidades de densa e alta. Entretanto, pesquisas a respei- posição no relevo. Além disso, em quase são, no qual espécies diferentes ocupam o conservação ainda é tabu no Brasil. to das relações entre vegetação e fauna em todas as fisionomias campestres ocorrem ambiente conforme o tempo passa, impe- O pastejo por grandes animais não é um escala regional ainda são objeto de análise ambientes extremos, como afloramentos dindo que ele seja dominado por poucas fenômeno estranho à evolução dos cam- por pesquisadores. rochosos e áreas úmidas com acúmulo espécies competitivamente superiores. pos. Há evidências de que muitos animais Os campos dos biomas Pampa e Mata de matéria orgânica, as turfeiras. Cactos, Avaliações feitas pelo projeto PELD Cam- pastadores coevoluíram com espécies de Atlântica apresentam muitas semelhanças bromélias e orquídeas caracterizam sítios pos Sulinos encontraram influência posi- gramíneas na América do Sul desde o Oli- em suas fisionomias e respostas ao mane- rochosos, enquanto esfagnos e ciperáceas tiva dos distúrbios sobre a diversidade de goceno, há cerca de 35 milhões de anos. jo pastoril, mas diferem quanto à origem e caracterizam as turfeiras, que apresentam plantas e artrópodes, em relação a situa- Além disso, análises de DNA indicam que

40 41 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade os cavalos do gênero Equus, extintos na manejadas adequadamente com pastejo América do Sul ao final do Pleistoceno, há são menos inflamáveis. Portanto, o mane- cerca de 10 mil anos, pertencem à mesma jo pastoril adequado reduz a necessidade espécie do cavalo doméstico. A presença de queimadas e também os riscos de quei- de animais pastadores modifica a estrutu- madas catastróficas, o que é de especial re- ra da vegetação pela seleção entre plantas levância para algumas espécies da fauna e palatáveis e não palatáveis e pelo pisoteio, também para as unidades de conservação. criando uma diversidade de habitats que Embora o uso pastoril dos Campos Su- permite a ocorrência de maior número de linos seja importante do ponto de vista espécies da fauna. As queimadas, por sua econômico e ecológico, frequentemente vez, têm ocorrido nos campos desde cerca a não adoção de boas práticas de manejo de 12 mil anos antes do presente, prova- dessa atividade pode levar à depaupera- Sphagnum sp. em turfeira velmente por conta da ação humana, pois ção desses ecossistemas e facilitar a inva- esse período coincide com a chegada dos são por espécies exóticas. primeiros grupos humanos à região. patrimônio ambiental incluem o incentivo adequado dos campos nativos, com ajuste Fogo e pastejo estão negativamente as- O futuro dos Campos Sulinos à pecuária sustentável, a adoção dos me- da carga animal de acordo com a oferta de sociados: onde o pastejo é suprimido a Estima-se que existam cerca de 8,7 mi- canismos legais de proteção da vegetação forragem, combinado ou não com o pasto- vegetação se torna mais inflamável e as lhões de hectares de remanescentes de nativa e a criação de unidades de conser- reio em rotação, tem efeitos positivos tanto queimadas tendem a apresentar maior campos nativos no sul do Brasil. Estraté- vação. Além disso, a continuidade da pro- na manutenção da diversidade de plantas extensão e intensidade, enquanto áreas gias para assegurar a conservação desse dução pecuária representa uma oportu- quanto na produção animal e no rendimen- nidade única de conservação dos campos to econômico. É imprescindível que esse nativos na escala de milhões de hectares, conhecimento seja aplicado regionalmente Manejo pastoril com pastejo rotativo, campos nativos de Aceguá, RS e também a possibilidade de recuperação por meio de políticas públicas que incenti- de campos degradados pelo cultivo. vem o uso sustentável ao invés da conver- Parte da crescente degradação dos Cam- são. É essencial o reconhecimento desse pos Sulinos decorre da baixa rentabilidade potencial pelos gestores públicos e privados. da atividade pastoril. Isso é um contrassen- A efetiva implementação dos limites de so, já que estudos indicam que o manejo conversão definidos por lei1 ajudaria a

1 Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012)

42 43 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade Os diferentes tipos de campos no sul do Brasil

evitar a descaracterização total de paisa- hectares de campos, enquanto no Paraná, Campos de altitude gens campestres inteiras, que no passado o Parque Nacional dos Campos Gerais, o Nos campos de altitude dominam gramíneas que formam touceiras, sobretudo o capim-ca- recente eram campos e hoje estão altera- Refúgio de Vida Silvestre Campos de Pal- ninha (Andropogon lateralis). Ao final do inverno, dependendo do tipo de manejo pastoril, das e fragmentadas. É necessário também mas e o Parque Estadual de Vila Velha, estes campos acumulam restos vegetais, o que motiva o uso tradicional de queimadas. No aumentar a área e o número de unidades conjuntamente, protegem cerca de nove norte do Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, os campos, também chamados de conservação, com categorias adequa- mil hectares de campos. de Campos de Cima da Serra, formam mosaicos com a Floresta com Araucária entre 700 m das à dinâmica desses ecossistemas. No Por fim, há ainda lacunas de conheci- e 1.300 m de altitude, com picos de 1.900 m. No Paraná, apresentam elementos da vegeta- Rio Grande do Sul, por exemplo, somen- mento mais específico sobre os efeitos das ção de savana do Cerrado, indicando a transição entre esses ambientes. Os remanescentes te 1,48% da superfície original de Campos mudanças no uso da terra na biodiversi- atuais encontram-se sobre solos menos propícios à agricultura intensiva, mas estão sujeitos à Sulinos estão formalmente protegidos, a dade dos Campos Sulinos. O Programa de supressão para cultivos, sobretudo dePinus . Onde os solos são mais profundos e bem drena- maior parte concentrada na Área de Pro- Pesquisa em Biodiversidade tem uma rede dos, principalmente no planalto médio do Rio Grande do Sul e no Paraná, os campos foram teção Ambiental (APA) do Ibirapuitã, no de pesquisa nos Campos Sulinos (PPBio praticamente dizimados, convertidos em lavouras. bioma Pampa, e, em menor proporção, Campos Sulinos) para gerar essas infor- nos Parques Nacionais da Serra Geral e mações e levá-las à sociedade, de modo a de Aparados da Serra e em unidades esta- contribuir, por exemplo, para o ajuste dos duais no planalto no norte do estado. Em limiares de conversão que venham a ser Santa Catarina, o Parque Nacional de São estabelecidos regionalmente para o licen- Joaquim protege pouco mais de oito mil ciamento da supressão de campos nativos.

Sugestões de leitura

O livro “Os Campos do Sul’’, organizado por Valério Pillar e Omara Lange, é uma boa introdução ao tema. Publicado em 2015, utiliza linguagem acessível e muitas fotografias, reunindo con- tribuições de diversos pesquisadores da Rede Campos Sulinos. Para uma leitura técnica mais aprofundada, incluindo aspectos biológicos, zootécnicos e econômicos relacionados aos Cam- pos Sulinos, pode ser consultado o livro “Campos Sulinos: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade’’, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (2009) e organizado por Valério Campos de altitude no Parque Nacional Aparados da Serra, em Cambará do Sul, RS, seis meses após uma queimada Pillar, Sandra Müller, Zélia Castilhos e Aino Jacques.

44 45 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade ~

Campos da Campanha

Podem ocorrer sobre solos rasos ou profundos. Na fronteira oeste do Rio Grande do Sul ocorrem sobre solos rasos, formados sobre basalto, onde a vegetação campestre é subme- tida frequentemente à falta de água no verão, com muitas gramíneas endêmicas. Devido às limitações do solo, os campos sobre solos rasos foram pouco transformados para outros usos. Os campos sobre solos profundos ocorrem no sudeste da região da Campanha e Campos sobre solos arenosos, em São Francisco de Assis, RS foram, em sua maior parte, transformados em lavouras. Os remanescentes destes campos apresentam alta frequência de gramíneas que podem crescer bem no inverno e na prima- Campos do escudo granItico´ vera, como as flechilhas (Nassella spp.). Na região da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, ocorrem os campos do escudo graníti- co, sobretudo sobre solos rasos e pedregosos em relevo fortemente ondulado. Esses campos formam mosaicos com a vegetação arbórea e arbustiva, com mais ou menos árvores depen- dendo da intensidade do uso pastoril. Os morros de Porto Alegre, com alta diversidade de plantas, estão na parte mais ao norte desse escudo.

~ Campos da DepressAo Central

Campos da Campanha sobre solos rasos, Quaraí, RS

Campos sobre solos arenosos

Encontrados no centro-oeste do Rio Grande do Sul, desenvolvem-se sobre solos mal estrutu- rados e sujeitos a fortes processos de erosão e arenização, formando dunas, o que é agrava- do pelo manejo pastoril inadequado e pelo cultivo de lavouras. Apresentam baixa cobertura vegetal e muitas plantas adaptadas à escassez de água. Predominam gramíneas com estrutu- ras subterrâneas muito desenvolvidas e muitas espécies de compostas endêmicas.

Campos da Depressão Central, em São Vicente do Sul, RS

46 47 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade A REDE PPBIO CAMPOS SULINOS

Os projetos desenvolvidos pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) nos Estendem-se pelo centro do Rio Grande do Sul, sendo caracterizados por um estrato Campos Sulinos compõem uma rede com 32 pesquisadores de 16 instituições de pesqui- baixo dominado por gramíneas rizomatosas (que apresentam um tipo de caule chamado sa. O principal objetivo é identificar padrões de variação da biodiversidade e sua relação rizoma, de crescimento horizontal subterrâneo ou na superfície do solo), como o capim- com fatores ambientais. Os levantamentos são realizados nos três estados do sul do Bra- -forquilha (Paspalum notatum), e um estrato alto dominado por gramíneas cespitosas sil, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em campo, os pesquisadores avaliam a (que formam tufos ou touceiras), como capim-caninha (Andropogon lateralis), além de ocorrência de espécies da vegetação campestre e florestal, de invertebrados terrestres, espécies de compostas, como o alecrim-do-campo (Vernonanthura nudiflora). Têm sido e de peixes, anfíbios e aves. A demarcação das áreas estudadas segue o sistema Rapeld. transformados em lavouras e atualmente são raros os remanescentes. São 13 sítios de amostragem, contemplando as principais regiões campestres do sul do Brasil. Cada sítio corresponde a uma área de 25 km2 que engloba paisagens predominan- Campos do litoral temente campestres, mas também florestas, áreas úmidas e riachos.

Campos do litoral, Palmares do Sul, RS

Na planície costeira, os campos do litoral ocorrem sobre solos arenosos e pouco estrutu- rados, desenvolvidos sobre dunas ou sobre áreas úmidas. Em locais bem drenados predo- minam as gramíneas prostradas (que crescem rente ao solo) e há muito solo descoberto, enquanto nos locais mal drenados ocorre alta riqueza de espécies, principalmente as cipe- Pesquisadores da Rede PPBio Campos Sulinos realizando levantamento ráceas. A cobertura original desses campos tem sido fortemente reduzida pela sua conver- das espécies da comunidade de plantas no município de São Borja, RS são em lavouras de arroz e silvicultura.

48 49 campos sulinos Conhecendo a Biodiversidade mata atlantica^ O desafIO de transformar um passado de devastacao~ em ' um futuro de conhecimento e conservacao~ '

Márcia C. M. Marques, Ana Carolina Lins e Silva, Henrique Rajão, Bruno Henrique P. Rosado, Claudia Franca Barros, João Alves de Oliveira , Ricardo Finotti, Selvino Neckel-Oliveira André Amorim, Rui Cerqueira, Helena de Godoy Bergallo.

“Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tan- to, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar.” Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manoel I

A Mata Atlântica é a formação florestal mais antiga do Brasil, estabelecida há pelo menos 50 milhões de anos, quando três fatores passaram a ocorrer juntos: a existên- cia do oceano Atlântico, a formação de sistemas de montanhas na borda atlântica da América do Sul e o aumento da temperatura na Terra, permitindo o surgimento de florestas costeiras exuberantes, com folhas grandes e sempre verdes. É uma floresta tropical úmida, e uma das mais imponentes florestas do mundo, com flora e fauna singulares e ampla diversidade de formas de vida e ecossistemas. O clima é quente e chuvoso, proporcionado pelos movimentos de ar que se deslocam no continente, Interior da Mata de restinga, na influenciados pelo oceano Atlântico. Reserva Biológica da Praia do Sul, Ilha Grande,50 Angra dos Reis, RJ 51 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade CLIMA E RELEVO Antes da colonização do país, a Mata Longe de serem homogêneas, as características geológicas, geomorfológicas e clima- Atlântica distribuía-se por grande parte tológicas variam ao longo da Mata Atlântica. No Rio Grande do Sul e em parte de Santa do território brasileiro, na região litorânea Catarina, os terrenos são relativamente planos e estendem-se das planícies longas do desde o norte do Rio Grande do Norte até litoral para os planaltos no centro e oeste. Do norte de Santa Catarina até Espírito Santo o Rio Grande do Sul, e também no interior, e Minas Gerais, grandes maciços montanhosos, também chamados de “mares de mor- penetrando pelo continente sul-america- ros”, geram uma variação altitudinal importante e separam as regiões mais próximas do no no sentido leste-oeste. Aproximada- litoral daquelas mais interiores. Nesta região, as serras do Mar e da Mantiqueira retêm mente 70% da população brasileira atual- grande parte da umidade vinda do mar, conferindo um caráter muito úmido às encostas mente moram na região de ocorrência da voltadas para o litoral. Já nas áreas de baixada próximas ao mar, a planície litorânea pode Mata Atlântica, resultado de uma história ser muito extensa e os depósitos marinhos arenosos recentes possibilitam a ocorrência de ocupação que ocasionou uma drástica de restingas e brejos marinhos. Em direção a oeste, as serras são substituídas por planal- redução de sua área a percentuais entre tos. No litoral nordeste, a partir do vale do rio Doce até o Rio Grande do Norte, o Grupo 11% e 16% da cobertura original. Dos frag- Barreiras é a unidade geológica predominante. Os terrenos planos são abruptamente mentos que existem atualmente, apro- rompidos no litoral, gerando falésias. No interior da região, ao norte do rio São Francis- ximadamente 80% são pequenos, com co, planaltos e chapadas acima de 500 m de altitude formam “ilhas úmidas” devido às menos de 50 hectares, e apenas 9% estão chuvas orográficas que garantem condições privilegiadas de umidade e temperatura. em unidades de conservação de proteção integral. É, portanto, juntamente com o BIODIVERSIDADE Cerrado, o bioma mais degradado e amea- A Mata Atlântica é uma das florestas com maior número de espécies de animais e plan- çado do Brasil. tas por unidade de área, tendo entre 1% e 8% de toda a flora e fauna mundiais. Na Devido à sua importância mundial para Mata Atlântica ocorrem 261 espécies de mamíferos (40% do total de espécies do Brasil), Floresta Ombrófila Densa a conservação da biodiversidade e para o Floresta Ombrófila Mista 688 de aves (38%), 200 de répteis (29%) e 280 de anfíbios (35%). Das 32.831 espécies desenvolvimento sustentável, a Organiza- Floresta Estacional Semidecidual de Angiospermas (plantas com flores e frutos) registradas no Brasil, 15.511 ocorrem na Remanescentes ção das Nações Unidas para a Educação, a Mata Atlântica, sendo que 8.443 são endêmicas. De 627 espécies da fauna ameaçadas Ciência e a Cultura (Unesco) reconhece a de extinção no Brasil, 61% ocorrem na Mata Atlântica. Em relação à flora, apresenta Mata Atlântica como Reserva da Biosfera 1.544 espécies ameaçadas de extinção, sendo o bioma brasileiro com maior número de e duas de suas regiões como Patrimônios Distribuição pretérita das principais formações espécies ameaçadas. da Mata Atlântica e seus remanescentes (Fonte: Naturais Mundiais, a Reserva do Sudeste SOS Mata Atlântica, 2015) da Mata Atlântica, que engloba os estados do Paraná e São Paulo, e a Costa do Des-

52 53 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade cobrimento, que se estende pelo litoral da cursos d’água), passando por terras baixas Bahia e do Espírito Santo. O bioma é de- e subindo as encostas montanhosas, rece- clarado Patrimônio Nacional no artigo 225 bendo as denominações de sub-montana, da Constituição Federal e é o único a ter montana e alto-montana, esta última atin- uma legislação específica, a Lei da Mata gindo mais de 1.000 m de altitude. Por esta Atlântica1. Por ser uma das áreas biologi- classificação mais detalhada da vegetação camente mais insubstituíveis e importantes brasileira, a Mata Atlântica é composta por no mundo, com pouco mais de sete mil es- 13 formações florestais. pécies endêmicas de plantas, e por sua alta Associados ao bioma estão, ainda, ecos- vulnerabilidade, comprovada pela avan- sistemas importantes no funcionamento e çada redução e fragmentação da sua área na diversidade das florestas, tais como as original, é também considerada uma região restingas, vegetação com influência mari- prioritária (hotspot) para conservação. nha que ocorre nas planícies litorâneas do As grandes variações ao longo de toda sua nordeste ao sul do país; os manguezais, extensão promovem uma diversidade de vegetação com influência fluvio-marinha condições ambientais, influenciando tanto que ocorre nas regiões de desembocadu- a biodiversidade quanto a aparência (fito- ra dos rios no mar; os campos de altitude, fisionomia) da vegetação. Por este motivo, nas regiões mais altas dos grandes maci- a Mata Atlântica não é considerada uma ços de montanhas da Serra do Mar e da única floresta homogênea. Reconhece-se, Serra da Mantiqueira; e os campos suli- Floresta Ombrófila Mista (Floresta Interior de mata de restinga, na Reserva na região litorânea do Nordeste e Sudeste, de Araucária) na região do Parque Biológica da Praia do Sul, na Ilha Grande, RJ nos, entremeados à Floresta de Araucária, onde os efeitos do oceano Atlântico deter- Nacional de São Joaquim, SC em partes do sul do país. minam um clima quente e úmido, a chama- Outra forma de compartimentar a Mata da Floresta Ombrófila Densa, ou Floresta Ombrófila Mista, ou Floresta com Araucá- dos e invernos frios e secos, ocorre a Flo- Atlântica é observando a distribuição das Pluvial Atlântica, caracterizada por uma ria, caracterizada pela presença marcante resta Estacional (Semidecidual e Decidual), suas espécies. Pesquisadores que anali- flora tropical, com uma diversidade de for- da araucária, uma espécie de pinheiro de caracterizada por uma flora tropical rica saram padrões de endemismo propuse- mas de vida vegetal e animal. Na região Sul, clima temperado. Já no interior do país, em que perde parte das folhas durante o inver- ram dividir o bioma em oito sub-regiões em climas úmidos e frios, ocorre a Floresta clima sazonal, com verões quentes e úmi- no. Todas essas florestas podem ser ainda biogeográficas, sendo cinco áreas de en- divididas de acordo com a posição altitudi- demismo (quatro nas florestas úmidas 1 Lei nº 11428/2006, regulamentada pelo decreto 6660/2008 nal, desde aluvial (dentro dos terraços dos do Nordeste e a cadeia de montanhas

54 55 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade Floresta Estacional Semidecidual na Reserva Natural Vale, Linhares, ES

costeira da Serra do Mar) e três áreas leta de mariscos, frutos e de uma agricul- lo. As matas foram substituídas pela nova áreas remanescentes estão imersas em de transição (denominadas São Francis- tura de baixo impacto, que pouco afetava lavoura, ficando a floresta nativa restrita matrizes predominantemente agrícolas co, Florestas de Interior e Florestas de a diversidade da floresta. A chegada dos aos morros mais íngremes. No século XX, ou urbanas, isolando fragmentos e impos- Araucária). De modo mais simplificado, o colonizadores mudou o uso da terra, pas- houve grandes derrubadas para extração sibilitando o fluxo de espécies. bioma pode ser separado em apenas dois sando inicialmente por uma economia ba- de madeira e plantação de café no Espí- Embora a devastação da Mata Atlântica blocos, um ao norte e um ao sul, com li- seada no extrativismo de pau-brasil e na rito Santo e, com a colonização do Para- venha ocorrendo há cinco séculos, muito mite coincidindo com o vale do rio Doce, agricultura de subsistência. Já no século ná, ocorreu a expansão das monoculturas, ainda se devastou em tempos recentes. no Espírito Santo. Observando as plantas XVI, iniciou-se o cultivo de cana-de-açúcar chegando-se à situação atual. Como exemplo, planos governamentais nesses dois blocos, a flora do bloco ao em amplas áreas, principalmente no nor- Estudos mostram que a devastação não para expansão do cultivo de cana-de-açú- norte tem mais influência da Amazônia, deste do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, foi aleatória, mas seguiu um padrão guia- car para produção de etanol, na década de enquanto a flora ao sul é influenciada por onde a floresta começou a ser devastada do pelo relevo. Inicialmente, as florestas 1970, devastaram boa parte dos últimos outras regiões, como os Andes. e substituída pela monocultura canavieira. aluviais, as de terras baixas e as sub-mon- remanescentes. No século XXI, as amea- Com a descoberta de ouro em Minas Ge- tanas foram devastadas, restando cober- ças ao bioma incluem, principalmente, Breve história da devastação da Mata rais, a população aumentou e boa parte tura florestal nas áreas mais íngremes. As- corte seletivo para produção de carvão, Atlântica das florestas de Minas Gerais foi derruba- sim, muito do que foi destruído pode ter desmatamento ilegal de áreas florestadas, Os europeus iniciaram a colonização do da. No século seguinte, deu-se início ao tido espécies ou características que nem caça, coleta de espécies vegetais e invasão Brasil pela Mata Atlântica, onde havia uma cultivo do café, primeiramente na cidade sequer chegaram a ser descritas pela ciên- por espécies exóticas vegetais e animais. população indígena com, possivelmente, do Rio de Janeiro, depois no vale do rio Pa- cia. Boa parte do que restou ocupa en- alguns milhões de pessoas. Estes índios raíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro, costas onde a declividade acentuada não Biodiversidade e processos ecológicos viviam principalmente da caça, pesca, co- e, posteriormente, no Estado de São Pau- permitiu outros usos do solo. As pequenas A biodiversidade da Mata Atlântica é re-

56 57 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade sultado de vários processos que ocorre- lação das espécies com o ambiente e sua ram ao longo do tempo evolutivo, além influência sobre o meio propicia a existên- daqueles gerados pela forma com que as cia do nicho ecológico, cada espécie ocu- espécies ocupam os nichos disponíveis. pando um papel particular. A distribuição Embora sua biodiversidade seja impres- dos nichos no espaço geográfico faz com sionante, estudos recentes mostram que, que cada espécie tenha uma distribuição possivelmente, muito mais espécies de- própria sobre a superfície da Terra. Estas vam ocorrer. Para árvores, por exemplo, ideias permitem compreender como mu- calcula-se que apenas 0,01% das áreas danças ambientais são capazes de afetar a Região de agricultura no limite de remanescente florestal no norte do Paraná protegidas tenham tido suas árvores ca- distribuição e a abundância das espécies e talogadas ao longo dos mais de 70 anos processos ecossistêmicos, como o ciclo de dirigem a formação do solo. O resultado ao longo de uma variação altitudinal entre de estudos na Mata Atlântica. Isso permi- nutrientes e sais minerais, o ciclo hidroló- é uma alta heterogeneidade de tipos de 100 m e 1.000 m acima do nível do mar, te estimar que seriam necessários outros gico, o ciclo das chuvas, a evaporação, as solo, de decomposição de matéria orgâni- cientistas observaram reduções nas emis- 100 anos para que 1% de toda a área seja cheias e enchentes dos rios e o estoque de ca, de fluxo de gases e de variação na dis- sões de óxido nitroso (N O), um dos gases avaliada. Programas amplos de levanta- carbono. Tais processos têm enorme im- 2 ponibilidade de água e nutrientes. de efeito estufa, provenientes do solo. mento de diversidade, como o Programa portância para a vida humana. Embora os processos relacionados aos Esta menor emissão de N O nas encostas de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), Um dos compartimentos essenciais em 2 solos (chamados de processos edáficos) das montanhas pode ser decorrente das são essenciais para se conhecer a biodi- inúmeros processos ecológicos é o solo. ainda sejam uma das “caixas-pretas” da temperaturas mais baixas e da baixa taxa versidade e prever os possíveis impactos A formação de solos depende, essencial- ecologia, a importância de avaliar seu fun- de decomposição da matéria orgânica da perda de espécies para os sistemas mente, de cinco fatores: clima, tipo de cionamento é amplamente reconhecida, nestes locais. Essa combinação de fatores biológicos. rocha matriz, relevo, tempo de formação uma vez que processos relacionados à de- edáficos ao longo de variação altitudinal A biodiversidade está relacionada com os e biota. De modo geral, os solos da Mata composição, estoque de carbono e regu- na Mata Atlântica pode explicar, por exem- processos ecológicos que acontecem nos Atlântica são distróficos, ou seja, com lação da água são essenciais para a elabo- plo, por que as plantas apresentam maior ecossistemas. A partir de uma perspectiva poucos nutrientes, com pH ácido e com ração de melhores teorias que expliquem investimento em raízes finas em florestas de funcionalidade, tais processos podem alto grau de lixiviação (muita modificação o funcionamento de florestas tropicais. Na montanas, o que deve maximizar a absor- ser classificados como processos relaciona- da composição do solo e muito transpor- Mata Atlântica, estudos têm avaliado a re- ção de nutrientes em função das baixas ta- dos às respostas das espécies às variações te de nutrientes para outras áreas). Como lação dos solos com alterações diretas na xas de decomposição neste ambiente. nas condições e recursos, ou como proces- existe uma variação grande na topografia estrutura e funcionamento da vegetação Outro componente da “caixa-preta” está sos relacionados aos efeitos das espécies e no clima ao longo do bioma, há também e de organismos associados. Por exemplo, relacionado ao papel de microrganismos (papéis funcionais) nos ecossistemas. A re- diferentes combinações dos fatores que

58 59 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade Especializacao~ de habitats e endemismo na Mata Atlantica^ '

em processos ecológicos. Resultados recen- como climáticas, hidrológicas, socioeco- Uma das características mais marcantes da Mata Atlântica tes apontam que cada espécie de árvore da nômicas e agrícolas, todas relacionadas é o alto grau de endemismo, tipo de distribuição geográ- Mata Atlântica seleciona, através de suas à entrada de água no sistema e deman- fica onde as espécies são restritas a regiões muito especí- características, um conjunto específico de da para um dado processo. Dependendo ficas. Isso acontece porque, uma vez que surja uma nova bactérias que ocorrem nas folhas e no solo da demanda, a entrada de água via pre- espécie, ela pode ter preferência por uma determinada em contato com as raízes. Essa descoberta cipitação pode estar aquém do necessá- condição ambiental ou habitat específico. As aves são um abre novas perguntas, não apenas sobre uma rio. Por exemplo, como assumir que uma bom exemplo. Cerca de 80% de todas as espécies de aves riqueza de espécies ainda oculta, mas tam- precipitação anual de 2.000 mm na Mata endêmicas habitam florestas úmidas. Isso é mais marcan- bém sobre o que faz a mediação das relações Atlântica é suficiente? Suficiente para qual te nas famílias dos mutuns (Cracidae), pica-paus (Picidae), de interdependência entre microrganismos processo? Se a demanda da vegetação e arapaçus (Dendrocolaptidae), chocas (Thamnophilidae), e a vegetação, e sobre os papéis ecológicos de atividades humanas for superior a esse anambés e arapongas (Cotingidae), tangarás (Pipridae) e das comunidades de microrganismos em limite, ocorre uma seca tanto ecológica saíras (Thraupidae). processos como decomposição, ciclagem de quanto hidrológica, mas que não necessa- As pequenas choquinhas (família Thamnophilidae), por nutrientes e defesas das plantas. riamente ocorrem simultaneamente. exemplo, estão representadas na Mata Atlântica por seis es- Se o conhecimento sobre estrutura da As árvores da Mata Atlântica são suscetíveis pécies que ocorrem nos blocos sul e norte do bioma, desde vegetação da Mata Atlântica é pequeno, à variação sutil na disponibilidade de água e o Rio Grande do Sul até o estado de Alagoas, desde o nível há ainda menos informação sobre pro- apresentam mecanismos de maximização do mar até os picos mais elevados das Serras do Mar e da cessos funcionais da vegetação. Apenas da economia de água em períodos de me- Mantiqueira, ou seja, das terras baixas à região alto-montana. recentemente alguns dogmas científicos nor precipitação. Adicionalmente, sabe-se As espécies apresentam distribuições bem restritas. A cho- começaram a ser superados em relação ao que em florestas tropicais montanas a maior quinha-carijó (Drymophila malura), a trovoada-de-bertoni (D. conhecimento, um deles sobre os proces- radiação solar e menor pressão atmosféri- rubricollis) e a choquinha-da-serra (D. genei) ocorrem apenas sos ambientais relacionados à água. A água ca aumentam a taxa de evapotranspiração do extremo sul do Brasil até os estados do Sudeste, e a trovoa- não é comumente considerada um fator (soma do que evapora direto da água e do da (D. ferruginea) e o pintadinho (D. squamata) estendem-se limitante na Mata Atlântica e, portanto, a solo e corpos d’água com a água proveniente também até os estados da Bahia e Alagoas. Porém, em uma existência de uma estação seca foi, de certo da transpiração das plantas) e tornam os am- mesma região, essas espécies apresentam claras preferências Choquinha-da-serra Drymophila genei modo, negligenciada. bientes mais secos. Nesse sentido, na floresta altitudinais, algumas restritas às baixadas litorâneas, como é Trovoada O erro em assumir que não há eventos montana, a economia de água das árvores é o caso do pintadinho, e outras espécies endêmicas das partes Drymophila ferruginea de seca na Mata Atlântica começa por não ainda mais acentuada, e as estratégias de uso mais altas das serras do Sudeste, como a choquinha-da-serra. Pintadinho contemplar a existência dos vários concei- de água são similares às de plantas que Drymophilaru bricollis tos de seca. As secas podem ser definidas ocorrem em ambientes mais secos, como

60 61 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade processos através dos quais os ecossiste- de ecossistemas, a complexidade de seu A Mata Atlântica desempenha papel im- mas naturais e as espécies mantêm a vida funcionamento, bem como a particulari- portante na regulação dos serviços locais, humana. Atualmente são reconhecidos 24 dade de sua biota, a Mata Atlântica tem regionais e globais de água e clima, por serviços ecossistêmicos, que podem ser um papel singular na entrega de serviços, meio de diferentes funções interligadas. agrupados em quatro principais catego- os quais não podem ser substituídos pelos A cobertura vegetal e o solo dessa flo- rias: serviços de provisão, como alimento entregues por outros ecossistemas. restas estocam grande volume de água e e água; serviços de regulação, como a re- Florestas tropicais armazenam, abaixo ou a transportam para o ar via transpiração, gulação de enchentes e secas, degradação acima do solo, cerca de um terço do total resfriando a atmosfera e proporcionando dos solos e doenças; serviços de suporte, de carbono de reservas mundiais economi- a formação de nuvens e precipitação. A como a formação dos solos, a produção camente importantes, como as reservas de derrubada das matas interfere neste ciclo, de oxigênio e os ciclos de nutrientes; e petróleo, gás e carvão. Florestas tropicais, pois impede o armazenamento da água Corpo reprodutivo do fungo Phallus indusiatus serviços culturais, como o ecoturismo e intactas e secundárias, também seques- no solo, gerando enchentes e grandes pre- a recreação, o valor espiritual e religioso tram continuamente o carbono atmosféri- juízos aos seres humanos. Quando o ciclo restingas e florestas secas. Esses resultados e outros benefícios não materiais. Todos co resultante de emissões de gases do efei- da água é mantido pelas áreas florestais, o reforçam estudos que dizem que em época estes serviços trazem benefícios à huma- to estufa. O acúmulo de carbono, medido clima torna-se ameno, favorecendo a pro- passadas, mais secas, a Mata Atlântica se nidade e, para que possam ser gerados, é pela biomassa aérea, varia entre as fitofi- dução agrícola e a própria permanência restringiu à base das montanhas, nas terras necessário que os processos que ocorrem sionomias, com florestas montanas acumu- das populações humanas nas regiões pró- baixas (a cerca de 100 m acima do nível do nos ecossistemas e a própria diversidade lando mais que as submontanas, que por ximas à floresta, ou mesmo nas cidades. mar), enquanto em áreas montanhosas deu biológica sejam conservados nos ambien- sua vez acumulam mais que florestas de A Mata Atlântica também é importante lugar a uma vegetação campestre. Por, pos- tes naturais. terras baixas e as restingas. A fragmentação para a formação do solo e sua proteção, sivelmente, estarem próximas ao limite de Assim como outras florestas tropicais, a pode alterar drasticamente esse processo, através do controle da interceptação da tolerância fisiológica, as áreas montanhosas Mata Atlântica tem importante papel no reduzindo a um terço o total de carbono água sobre o solo e da regulação do flu- são mais vulneráveis a eventos de seca, que fornecimento de serviços ambientais para sequestrado. Embora essa situação de alta xo de sedimentos. Em condições naturais, podem se tornar mais frequentes com as a população humana. Considerando que fragmentação e perturbação seja recor- os solos florestais retêm sedimentos no mudanças climáticas. se distribui ao longo de 17 estados brasi- rente em diferentes regiões do país, estu- ecossistema, controlando a perda de nu- leiros, abrigando grande parte da popu- dos mostram que a restauração da Mata trientes em escala local. Em áreas onde Serviços ambientais e benefícios da bio- lação do país, os serviços oferecidos pela Atlântica pode reverter esse quadro, sendo a cobertura vegetal foi removida ou con- diversidade Mata Atlântica representam uma parcela possível triplicar a quantidade de carbono vertida em sistemas agrícolas, o solo é Os serviços ambientais ou ecossistêmicos importante das condições de vida no Bra- sequestrado em áreas florestais em rege- erodido, com uma constante remoção podem ser definidos como as condições e sil. Além disso, dada a grande variedade neração em apenas 60 anos. de sedimentos das camadas mais super-

62 63 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade ficiais e inúmeros impactos negativos so- único de produtos potencialmente úteis à essa situação com ações que permitam re- bre os serviços ecossistêmicos. Os efeitos população humana. cuperar as áreas que já foram devastadas, incluem redução da qualidade do solo, A Mata Atlântica fornece ainda serviços assim como rever o código de forma que a eutrofização (aumento drástico na quan- culturais para a população que vive nas suas Mata Atlântica seja restaurada e que todos tidade de nutrientes), contaminação e se- proximidades. Algumas das áreas protegi- possam usufruir de seus serviços. Políticas dimentação de reservatórios e cursos de das da Mata Atlântica possuem importante públicas que não incentivam a restauração água (devido ao transporte superficial de estrutura de ecoturismo, que pode ser a dos ecossistemas e a manutenção da biodi- sedimentos) e o aumento das emissões de principal atividade econômica de algumas versidade terão consequências graves para gases de efeito estufa. A restauração da regiões, como acontece em vários pontos a humanidade – consequências que já se vegetação nativa pode reverter parte das do litoral brasileiro. Embora em situações fazem sentir nos eventos de enchentes e perdas. Portanto, um controle efetivo dos raras, devido ao alto grau de fragmenta- falta d’água em diferentes partes do Brasil. solos sob as florestas é essencial para a ção em que a Mata Atlântica se encontra, A segurança hídrica, energética e alimentar entrega de serviços para as pessoas. algumas florestas remanescentes também do país dependerá, cada vez mais, da res- A ciência vem demonstrando que ecos- Delimitação de parcela aquática no servem parcialmente como meio de subsis- tauração das florestas. tência para populações locais. sistemas mais diversos em espécies for- módulo Rapeld na Reserva biológica Augusto Ruschi, em Santa Teresa, ES Apesar de sua importância, recentemente necem maior quantidade ou qualidade de Estratégias de conservação e uso sus- houve retrocesso na lei de proteção dos re- serviços ambientais. Essa relação é espe- sedimentos pela ação de suas raízes etc.). tentável manescentes florestais. O Código Florestal cialmente importante em ecossistemas Exemplo de espécie-chave para o serviço aprovado em 20122 permitiu uma redução O desmatamento e a consequente frag- como a Mata Atlântica, onde a diversida- de produção são as abelhas nativas, que, da cobertura vegetal exigida nas margens mentação são algumas das principais de de espécies e o endemismo são altos. ao se deslocarem da floresta para as áreas dos rios e topos de montanhas no Brasil, ameaças à Mata Atlântica. As áreas rema- A ação positiva da diversidade se dá pelo agrícolas vizinhas, realizam a polinização estabelecendo faixas mínimas de vegeta- nescentes sofrem tanto com expansão de- efeito dominante de algumas espécies e aumentam substancialmente a produ- ção de acordo com o tamanho da proprie- sordenada das cidades e com a instalação chave, que fornecem uma quantidade ção de espécies agrícolas, como frutífe- dade rural. Estima-se que as mudanças de empreendimentos hidrelétricos e de grande de serviços (por exemplo, espé- ras e grãos. Além disso, a rica variedade promovidas por essa lei reduzam drasti- mineração, quanto com a ampliação dos cies de árvores gigantes que sequestram de flora e fauna que interagem entre si e camente os serviços providos pela Mata plantios de árvores exóticas para cons- carbono em sua biomassa), ou pelo soma- com o ambiente assegura a renovação e Atlântica, especialmente a qualidade de trução civil e carvão vegetal. De 1985 a tório dos serviços variados desempenha- a resiliência da floresta, atuando positiva- hábitat, o estoque de carbono e a reten- 2000, essas atividades contribuíram com dos por múltiplas espécies (algumas com mente na própria manutenção das espé- ção de sedimentos. É necessário reverter a destruição de aproximadamente mil km2 maior efeito sobre o sequestro de carbo- cies. Como consequência, é assegurado

no, outras realizando o aprisionamento de o armazenamento de material genético 2 Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012)

64 65 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade PPBIO MATA ATLÂNTICA

A pesquisa em biodiversidade é estratégica para o país e o Programa de Pesquisa em Bio- anuais de Mata Atlântica. Mesmo que na A recuperação dessas áreas possibilita o diversidade (PPBio) objetiva exatamente articular os diferentes setores e competências última década tenha havido redução de crescimento gradual da floresta, que pode para ampliar, disseminar e utilizar as informações sobre a diversidade biológica brasilei- 80% na taxa anual de desmatamento, mui- recuperar algumas das suas características ra. Há hoje no Brasil duas redes de pesquisa PPBio na Mata Atlântica, criadas em 2012 to precisa ser feito para zerar a destruição funcionais e estruturais, e assim contribuir e formadas por mais de uma centena de pesquisadores em diferentes regiões do Brasil. e estabelecer estratégias de conservação para melhoria dos serviços ambientais. Essas redes mantêm pesquisa integrada utilizando protocolos padrão, organizam cursos e uso sustentável do bioma. Áreas restauradas também podem ser de capacitação, atuam de maneira coordenada nas melhorias das coleções científicas, As soluções para a conservação da Mata usadas como corredores ecológicos que promovem a difusão do conhecimento científico e a articulação com outros setores da Atlântica passam pela proteção dos re- ligam unidades de conservação. Assim, sociedade. As pesquisas buscam responder questões como: quantas e quais são as es- manescentes de floresta nativa, através associando-se a proteção em unidades de pécies da Mata Atlântica? Quais fatores determinam a distribuição da biodiversidade? da criação de novas unidades de conser- conservação à restauração ecológica, po- Como variam as comunidades biológicas no tempo? De que maneira as espécies serão vação, e pela restauração ecológica de de-se aumentar as chances de proteger a capazes de responder a eventos climáticos extremos, cada vez mais intensos e frequen- áreas degradadas e abandonadas prin- biodiversidade e os serviços ecossistêmi- tes? Qual o papel da floresta na regulação do clima? Perguntas como estas apenas po- cipalmente por atividades agropastoris. cos deste importante bioma brasileiro. dem ser respondidas se os esforços de pesquisa forem integrados e de longa duração.

Sugestões de leitura

A história da Mata Atlântica, desde sua formação há milhões de anos até os tempos atuais, in- cluindo o impacto que sofreu após a chegada dos colonizadores europeus, está bem descrita no livro do historiador Warren Dean intitulado “A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira”, da Companhia das Letras. O autor nos leva a uma viagem no tempo, da chegada dos colonizadores passando pelos ciclos econômicos que foram destruindo o bioma. Em 2009, Milton Ribeiro e colaboradores publicaram na revista Biological Conservation o marco atual da dimensão da perda e a distribuição dos remanescentes da Mata Atlântica, em artigo intitulado “The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distri- Pesquisadores, professores e alunos da rede PPBio Mata Atlântica em reunião de avaliação e planejamento no Instituto de Pesquisas Jardim buted? Implications for conservation”. Essas obras ajudarão o leitor a compreender o processo Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), Rio de Janeiro, RJ de devastação da Mata Atlântica e as prioridades para sua conservação.

66 67 mata atlantica^ Conhecendo a Biodiversidade cerrado um bioma rico e ameacado '

G. Wilson Fernandes, Ludmilla M. S. Aguiar, Antônio Fernandes dos Anjos Mercedes Bustamante, Rosane G. Collevatti, José C. Dianese, Soraia Diniz Guilherme B. Ferreira, Laerte Guimarães Ferreira, Manuel Eduardo Ferreira Renata D. Françoso, Francisco Langeani, Ricardo B. Machado Beatriz S. Marimon, Ben Hur Marimon Jr., Ana Carolina Neves Fernando Pedroni, Yuri Salmona, Maryland Sanchez, Aldicir O. Scariot Joaquim A. Silva, Luís Fábio Silveira, Heraldo L. de Vasconcelos e Guarino R. Colli

“Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da chapada. Saudades, dessas que respondem ao vento; saudade dos Gerais.” Gui- marães Rosa, Grande Sertão: Veredas

Tendo originalmente coberto cerca de um quarto do território brasileiro, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, menor apenas que a floresta amazônica. Compreende formações vegetais que incluem campos, savanas, veredas e florestas, determinadas em grande parte por variações na topografia, solos e disponibilidade de água. Ocorre como um grande bloco contínuo no Brasil central e em manchas isoladas no interior de outros biomas, remanescentes de uma distribuição mais extensa no passado. É um ambiente sujeito a queimadas periódicas e à baixa pluviosidade. O Cerrado é parte de um corredor de paisagens abertas e secas da América do Sul, limitado pelo Chaco no sudoeste e pela Caatinga no nordeste, formando uma barreira biogeográfica entre a Amazônia e a Mata Atlântica. Vereda no Parque Nacional do Grande Sertão Veredas, MG 68 69 cerrado Conhecendo a Biodiversidade CLIMA E RELEVO As origens do Cerrado remontam a cer- O relevo é caracterizado por planaltos antigos, com topografia suave ou levemente ca de 80 milhões de anos, quando os ondulada, em geral acima dos 500 metros, separados por depressões formadas pelas dinossauros ainda caminhavam sobre a principais bacias hidrográficas do Brasil central: Paraná-Paraguai, Tocantins-Araguaia, Terra e a América do Sul e a África es- São Francisco e Parnaíba. A temperatura média anual é de 24 °C, mas na primavera e no tavam conectadas. Depois que os dois verão pode chegar aos 40 °C, enquanto nos meses de inverno (junho, julho e agosto) a continentes se separaram, a América temperatura fica em torno de 12 °C, podendo chegar até 0 °C. Nos dias mais frios podem do Sul permaneceu como uma ilha em ocorrer geadas, principalmente na região sul do Cerrado. As estações são bem marca- completo isolamento do resto do mun- das: o período seco ocorre entre os meses de abril e setembro, e a estação chuvosa do durante cerca de 60 milhões de anos. ocorre entre outubro e março. A precipitação anual varia entre 1.250 mm e 2.000 mm. Então, há aproximadamente 15 milhões De forma similar às savanas da Austrália, África e América do Norte, o Cerrado brasileiro de anos, a conexão com as Américas do ocorre sobre solos antigos e pobres em nutrientes. Norte e Central começou a ser reesta- belecida, fato que possibilitou grande BIODIVERSIDADE intercâmbio de fauna e flora. Foi apenas A biodiversidade do Cerrado é elevada e muito maior que a de savanas em outros con- há cerca de quatro milhões de anos que tinentes. O bioma abriga quase a metade das aves conhecidas no Brasil e mais de dois o Cerrado teve sua configuração atual terços dos mamíferos, sendo 11 de grande porte, como o tamanduá-bandeira, o tatu-ca- estabelecida. nastra e a anta. Dos morcegos conhecidos no país, 66% vivem no Cerrado. São mais de Muito tempo depois, grupos humanos 210 espécies de anfíbios, mais de 300 espécies de répteis e 13.140 espécies de plantas, usaram a conexão entre as Américas 36,9% do total listado na “Flora do Brasil’’ e 4,8% da flora mundial. Apesar da carência de Distribuição da cobertura vegetal nativa (em para alcançar várias regiões do conti- inventários, são conhecidas cerca de 1.200 espécies de peixes, o que representa 46,4% verde) e áreas de uso antrópico (em rosa) no nente. Um dos registros humanos mais Cerrado, bioma brasileiro que mais perdeu das espécies brasileiras. O Cerrado abriga também o maior número de insetos galha- antigos da América do Sul, datado de 13 vegetação nativa nos últimos 50 anos dores do mundo e ao menos 1,5 mais espécies de formigas que as savanas da Austrália (1 milhão de km2) mil anos, foi encontrado em Lagoa San- e da África. Embora sejam poucos, os estudos existentes indicam que 25% da riqueza ta, Minas Gerais, numa região de Cerra- mundial de fungos micorrízicos se concentra apenas nos campos rupestres do Cerrado. do. É provável que mudanças climáticas ocorridas no final do último ciclo glacial, há cerca de 10 mil anos, tenham impul- sionado os grupos humanos em direção ao sul, acompanhando a expansão da floresta amazônica sobre o Cerrado.

70 71 cerrado Conhecendo a Biodiversidade Antes da chegada dos europeus ao Brasil, — estas últimas foram tão intensamen- o Cerrado cobria uma extensa e contínua te ocupadas que ficaram conhecidas em área com mais de dois milhões de quilô- conjunto como “arco do desmatamento’’, metros quadrados. No século XVIII, a des- pois ali o crescimento de atividades como coberta de minerais, notadamente o ouro, a pecuária e agricultura dizima o Cerrado moveu o eixo econômico da Mata Atlânti- e avança para Amazônia, causando desma- ca, no litoral, em direção ao Cerrado. Foi tamento em ambos os biomas. Na década a primeira atividade econômica que des- seguinte, a atividade agrícola expandiu-se locou populações para o interior do país. para o que restava de Cerrado ainda não Mas a infraestrutura ainda era inadequada ocupado, numa região denominada Ma- e isso manteve a região relativamente iso- topiba, localizada na confluência dos esta- lada até a segunda metade do século XIX, dos do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. quando as primeiras ferrovias adentraram Os preços de terra muito baixos, a mecani- pelos estados de São Paulo e Minas Gerais zação, o aumento da fertilidade do solo e e depois chegaram ao coração do Cerrado, o desenvolvimento de variedades agrícolas no Mato Grosso do Sul e em Goiás. Foi na provocaram uma nova frente de ocupação década de 1970, com a criação de planos nessa região. Na década de 2000, o plantio nacionais de desenvolvimento, que tecno- para a produção de biocombustíveis tam- logias modernas de exploração e uso in- bém avançou para o interior do Cerrado, tensivo da terra para a agricultura foram intensificando a força do agronegócio. introduzidas, dando início à ocupação efe- Atualmente, a agricultura de soja, milho, tiva do bioma. algodão, cana-de-açúcar e a pecuária para Na década de 1980, o oeste da Bahia e, es- abastecer o mercado nacional e interna- pecialmente, regiões do Mato Grosso, Pará cional são as principais atividades econô- e Rondônia foram as novas áreas ocupadas micas no Cerrado. A produção animal é o uso predominante da terra, seguido por

“Nem tudo que é torto é errado culturas agrícolas. A produção de carvão vide as pernas do Garrincha vegetal para a indústria siderúrgica, princi- e as árvores do cerrado” Nikolas Behr, palmente em Minas Gerais e, mais recen- Nem tudo que é torto temente, no Mato Grosso do Sul, também Campo sujo em Carrancas, MG

72 73 cerrado Conhecendo a Biodiversidade está se tornando uma importante (e ame- futuras, como a fragmentação de habitats de anos, permitindo que comunidades úni- gos no Cerrado, mas atualmente apenas açadora) atividade econômica. e a invasão biológica através da introdu- cas de animais e plantas se desenvolvessem. 1% desse valor é conhecido, e a diversi- Se por um lado a ocupação e a intensifica- ção de espécies exóticas de gramíneas Regiões de contato do Cerrado com outros dade de mixomicetos, apenas começou a ção do agronegócio proporcionaram o au- africanas, entre outras. biomas também possuem ambientes úni- ser revelada na última década. O conheci- mento da importância econômica do Cer- cos, como a transição com a Amazônia, que mento sobre fungos associados às raízes rado, por outro, implicaram em grandes Um bioma prioritário para a conservação se estende por mais de 6.000 km, do Mara- das plantas também é rudimentar. perdas de vegetação nativa. Dados oficiais O Cerrado é considerado um hotspot, nhão até a Bolívia, e, infelizmente, onde se localiza o “arco do desmatamento’’. indicam que já foram derrubados mais de um local prioritário para a conservação da Sazonalidade das chuvas, fator essencial Há também grandes lacunas de conheci- um milhão de quilômetros quadrados do biodiversidade mundial, pois está sob for- para o Cerrado mento sobre o Cerrado. Para se ter uma Cerrado original. De 2002 a 2014, o des- te pressão antrópica, abriga grande bio- A forte sazonalidade das chuvas é um fa- ideia, aproximadamente 1.300 novas es- matamento no bioma causou a supres- diversidade e possui muitas espécies en- tor importante nos processos ambientais dêmicas — 38% do total de plantas, 37% pécies de vertebrados foram descritas no são de aproximadamente 64.000 km2 de no Cerrado e a biota responde à acentua- das espécies de lagartos e serpentes, 50% Brasil nos últimos 30 anos, desse total, área nativa. Dos 9,5 milhões de toneladas dos anfíbios, 12% dos mamíferos e 4% das 340 foram encontradas no Cerrado, o que de carvão produzidos no Brasil em 2005, aves, dentre outros. O bioma apresenta equivale a quase uma espécie descrita por 50% veio da queima da vegetação nativa, também muitos dos chamados centros de mês no bioma. Além disso, estima-se que na maior parte do Cerrado. E o processo endemismo, locais com muitas espécies que existam cerca de 100 mil espécies de fun- de ocupação continua, especialmente ao só ocorrem ali. É o caso da Serra do Espinha- norte, no Maranhão, Piauí e Tocantins, e a ço (MG), das chapadas dos Veadeiros (GO) e oeste, no Mato Grosso. dos Guimarães (MT), da planície do rio Ara- Baseados em projeções sobre a econo- guaia (TO/PA) e do vale do rio Paranã (GO). mia e nas taxas de desmatamento atuais, Essas regiões, aparentemente, permanece- modelos computacionais apontam o avan- ram isoladas umas das outras por milhares ço da ocupação do Matopiba em cerca de 40.000 km2 por década, rumo a um desas- “O buriti é das margens, ele cai seus cocos tre ambiental. Mesmo onde o desmata- na vereda – as águas levam – em beiras, o mento diminuiu em relação às décadas de coquinho as águas mesmas replantam; daí o 1990 e 2000, como na fronteira agrícola buritizal, de um lado e do outro se alinhando, do Mato Grosso, as queimadas frequentes acompanhando, que nem que por um cálculo.” Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas estão produzindo alterações na vegetação Jardim de Maytrea, Parque Nacional da Chapada do Cerrado, com prováveis consequências dos Veadeiros, GO

74 75 cerrado Conhecendo a Biodiversidade da variação desse recurso. Há roedores Em função dos solos pobres em nutrien- tratamento de água em que aproveitam a florada das gramíneas tes e da restrição hídrica durante a seca, cerca de 100 vezes. para se reproduzir em plena seca, mas a vegetação típica do Cerrado tem mais Animais também cum- muitas espécies se reproduzem no come- biomassa embaixo da terra do que na par- prem importantes pa- ço da estação chuvosa. Aves migratórias te de cima. De certa forma, é como se as péis. Cupins e formigas retornam à região antes das chuvas para árvores do Cerrado crescessem de cabeça são fundamentais na re- iniciar a reprodução; cupins voam aos mi- para baixo, tendo muito mais biomassa ciclagem de nutrientes e lhões em busca de parceiros, fenômeno nas raízes do que acima do solo, em tron- estruturação dos solos. aproveitado pelos animais que deles se cos e folhas. Esse fato faz com que ecossis- Abelhas, besouros, aves alimentam; cigarras também afloram de- temas de Cerrado representam estoques e morcegos realizam a pois de até 17 anos vivendo no subsolo, e significativos de carbono, em especial con- polinização, aumentan- rapidamente mudam para a forma adulta siderando-se a matéria orgânica no solo. do a produtividade de para reproduzir. cultivos como o de café, A chegada das chuvas faz com que di- Serviços ambientais e usos da biodiver- laranja e limão, tomate, Arara-canindé (Ara ararauna) sobre palmeira em frutificação versos anfíbios aumentem explosivamen- sidade berinjela, abóbora, pe- te suas populações, além de fazer brotar O Cerrado contribui enormemente para qui, jatobá e muitos outros. Aumentar a diversos bens para consumo próprio e muitas sementes que ficam dormentes o bem-estar humano provendo serviços produtividade com a ajuda desses animais geração de renda, desde alimentos, fibras no solo. Um dos casos mais curiosos é o ecossistêmicos em escalas local, regional é muito mais barato e rápido do que, por e óleos, até medicamentos e material de do pirá-brasília (Simpsonichthys boitonei), e global. O bioma é, por exemplo, respon- exemplo, realizar artificialmente a polini- construção. Muitos frutos comestíveis, um peixe endêmico do Distrito Federal sável pela manutenção da dinâmica hí- zação, como ocorre em algumas culturas, como o pequi (Caryocar brasiliense) e o que desenvolveu um comportamento re- drica das bacias do Amazonas, Tocantins, como a do maracujá. Estudos em cafezais buriti (Mauritia flexuosa), são retirados produtivo extremo. Os adultos da espécie Parnaíba, São Francisco, Paraná e Para- mineiros constataram que aqueles loca- da natureza e comercializados em grandes se reproduzem no período chuvoso e mor- guai. Extensas áreas, especialmente dos lizados próximos à vegetação nativa são quantidades pela indústria agrícola e por rem com a seca, deixando ovos deposita- chapadões do Brasil central, contribuem 14,6% mais produtivos que os mais afas- extrativistas, sejain natura ou na forma de dos no fundo de lagoas temporárias. Quan- para a recarga e a manutenção do volu- tados. Essa diferença se deve à ação dos conservas, compotas, sorvetes, óleos, fari- do a chuva enche novamente as lagoas, os me, da vazão e da qualidade da água de polinizadores que habitam as áreas nativas nha, entre outros. Esses produtos têm am- alevinos formam novas populações. aquíferos, como o Guarani. Sua vegetação próximas aos plantios. Ou seja, é um bom plo consumo regional, e alguns chegam a O ciclo hidrológico também mantém a nativa, principalmente os campos úmidos negócio preservar a biodiversidade. outras partes do país, como o pequi, pre- dinâmica de rios e bacias e é um fator con- e as várzeas, regula o fluxo de água e man- Comunidades, povos tradicionais e agri- sente em feiras da cidade de São Paulo. trolador de fluxos e estoques de carbono. tém sua qualidade, reduzindo o custo do cultores familiares extraem do Cerrado Assim como em outros biomas, os nú-

76 77 cerrado Conhecendo a Biodiversidade “O senhor vê: o remôo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio põe no colo. Eu sou donde eu nasci.” Guimarães Rosa, Grandes Sertão: Veredas economia e para os meios de vida das toneladas, e em 1991 gerou US$2,74 mi- Tempestade em formação sobre os campos sujos do Parque Nacional das Emas, GO comunidades tradicionais, além de um lhões. Esse comércio ocorre há décadas, aliado no manejo sustentável e na con- remunerando famílias de baixa renda nas meros oficiais dos volumes de plantas na- plo, pode gerar, em um ano, rendimentos servação da biodiversidade. Cooperativas zonas rural e urbana, e constituindo um tivas comercializados estão muito abaixo que vão de 10 a 80 salários mínimos. Du- e associações de agricultores desempe- rico patrimônio cultural ainda pouco co- dos valores reais. Dados oficiais indicam rante a safra de pequi, homens e mulheres nham papel importante nesse processo. nhecido por pessoas de fora da região. A que a produção nacional de pequi foi de de todas as idades colhem os frutos para Há cooperativas no Cerrado que chegam contribuição de produtos da biodiversi- 5.700 toneladas em 2010, sendo Minas vendê-los para intermediários, obtendo a processar até 240 toneladas ao ano de dade para a renda das famílias pode ser Gerais responsável por quase 30% desse renda diária que excede em quatro vezes frutos nativos. substancial, mas a diferença entre os pre- total. No entanto, resultados de pesqui- a renda diária obtida como empregado de A biodiversidade do Cerrado fornece ços dos produtos vendidos nos centros ur- sas conduzidas pelo PPBio-Cerrado confir- uma fazenda. É importante notar que há também uma miríade de medicamentos, banos pode chegar 1.300% do valor pago mam que apenas um comerciante chega a estudos que evidenciam ser possível ex- como a rutina, substância que fortalece os ao agroextrativista no campo. transportar e comercializar 7.500 tonela- trair, de forma sustentável, 40% dos frutos vasos sanguíneos, e a isoquersetina, usa- das nos anos em que a safra é boa. de pequi deixando o suficiente para a fau- da no tratamento da diabetes e catarata, Ameaças e Soluções Há milhares de comerciantes que com- na nativa. ambas extraídas da fava-d’anta (Dimor- Atualmente, o Cerrado tem um nível de pram a produção diretamente dos agroex- O volume de frutos colhidos e comercia- phandra mollis). As plantas do Cerrado proteção ambiental muito aquém das me- trativistas, cooperativas que processam os lizados, e a quantidade de pessoas ocupa- possuem grande valor estético, e muitas tas internacionais de conservação da bio- frutos e uma intensa comercialização em das com a cadeia produtiva relacionada a são coletadas por populações de baixa diversidade. São visíveis o comprometi- feiras e margens de rodovias, atividades espécies nativas, embora desconhecidos, renda e exportadas como plantas orna- mento dos recursos hídricos, os processos que envolvem milhares de pessoas. O co- indicam que o agroextrativismo no -Cer mentais para mais de 50 países. Em 2003, erosivos, inundações e outros impactos mércio de castanhas de baru, por exem- rado é uma atividade importante para a o volume das exportações chegou a 940 que trazem, ironicamente, insegurança

78 79 cerrado Conhecendo a Biodiversidade Áreas de Proteção Ambiental, ou seja, No âmbito internacional, o Brasil assu- com baixíssima contribuição efetiva para miu compromissos de conter a perda de a conservação do bioma. Embora os com- biodiversidade ao ratificar a Convenção promissos assumidos internacionalmente das Nações Unidas sobre Diversidade Bio- pelo Brasil recomendem que até 2020 esse lógica (CDB), e de reduzir emissões de ga- percentual deva dobrar, considerando-se ses de efeito-estufa com a ratificação da as medidas ineficientes e tendências polí- Convenção sobre Mudanças Climáticas ticas para a conservação do bioma, dificil- (UNFCCC). Esses compromissos preveem mente a meta será alcançada. Agravando o aumento da proteção e a redução dos

Ema (Rhea americana) no Parque Nacional das Emas, GO a situação, a demanda local e global por desmatamentos, tornando prioritária a acesso e uso dos recursos naturais já exer- identificação das áreas mais ameaçadas ce pressão para a diminuição e recategori- pela perda da vegetação e dos locais que para a agricultura e pecuária, fatores cau- Cerrado é severa e continuamente afeta- zação das unidades de conservação. Entre mais contribuem para o sequestro de car- sadores da ocupação do bioma. Infeliz- do por desmatamentos e pela ocupação 1981 e 2012 a perda do status de unidade bono. O Cerrado precisa ser efetivamente mente, há também descaso na ocupação desordenada. Por que isso acontece? E, de conservação, conhecida juridicamente integrado à política internacional sobre do Cerrado em relação às comunidades no futuro, qual será a trajetória de ocu- como desafetação, totalizou uma área de a biodiversidade. Mais de um milhão de indígenas e tradicionais. Casos emblemá- pação? Como evitar o desaparecimento quase 300.000 ha no Cerrado. km2 da sua área original, ou seja, mais de ticos são os dos índios Goyazes, extintos do Cerrado? As respostas não são sim- Além da criação e fortalecimento de uni- 50% da vegetação nativa, foi convertida, desde o tempo dos bandeirantes, e dos ples e requerem novas frentes de traba- dades de conservação, é preciso investir tornando o Cerrado o bioma que mais Avá-Canoeiros, grupo nômade que atu- lho que envolvam aumento da proteção na restauração ecológica. Recompor os tem sofrido com o desmatamento. Graus almente totaliza menos de 25 pessoas, e ambiental, recuperação das áreas exces- ecossistemas nativos é uma estratégia maiores de proteção e ações concretas de que teve suas terras paulatinamente ocu- sivamente ocupadas, desenvolvimento para diminuir os chamados passivos am- conservação tem sido estabelecidas em padas por fazendas, garimpos e cidades. de pesquisas e adoção de modelos eco- bientais, obrigações que empreendimen- ambientes florestais, algo que não têm O Brasil possui diversos mecanismos le- nômicos ambientalmente adequados e tos que causam impacto ambiental devem acontecido com a mesma velocidade e in- gais capazes de assegurar que a implanta- socialmente justos. cumprir para compensar os danos que tensidade no Cerrado, na Caatinga e nos ção de empreendimentos de significativo Em todo o mundo, unidades de conser- causam. A recomposição ainda melhora a Campos Sulinos. O atendimento às políti- impacto ambiental seja acompanhada de vação são a base para a proteção da bio- qualidade da água, reduz emissões de ga- cas internacionais não pode ser feito ape- estudos de impacto e da adoção de medi- diversidade. No Cerrado, os locais prote- ses de efeito-estufa e coloca o ambiente nas em um ou outro bioma, às custas da das de mitigação das alterações ambien- gidos representam ínfimos 8,6% da área no seu rumo natural e em sintonia com o savana mais rica em espécies do planeta. tais e sociais causadas. Mesmo assim, o original do bioma. Deste total, 4.9% são ecossistema intacto adjacente. Pesquisas e conhecimento científico são

80 81 cerrado Conhecendo a Biodiversidade REDES COMCERRADO E RPBCERRADO

A rede ComCerrado é formada por 12 instituições de ensino e pesquisa, e organiza- parte da solução para os problemas no O avanço no conhecimento e a formação ções não-governamentais. Criada em 2009, está estruturada em nove núcleos regio- Cerrado. Processos inovadores e ativida- de pessoal especializado são fundamen- nais distribuídos entre Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Bahia, Maranhão, além de des comerciais voltadas para produtos tais para o estabelecimento de atividades Minas Gerais e Mato Grosso, que contam com dois núcleos cada. Os núcleos atuam nativos, como a exploração de princípios de conservação e uso sustentável do Cer- em conjunto no desenvolvimento de pesquisa, intercâmbio de informação e experi- fármacos, polpas e ecoturismo, entre ou- rado. São necessárias informações preci- ências, treinamento e formação de pessoal e na publicação de artigos técnicos e cien- tros, devem ser fortemente estimulados. sas, que devem ser continuamente bus- tíficos. A Rede de Pesquisa Biota do Cerrado (RPBCerrado) foi criada em 2010. Com A restauração ambiental e o aumento da cadas em campo, monitoradas e usadas coordenação na Universidade de Brasília, integra outras 13 instituições. Suas ativida- eficiência no uso de áreas já ocupadas para a definição de alternativas de uso do des visam ampliar e divulgar o conhecimento sobre a biodiversidade do Cerrado para devem ser igualmente implementados. É bioma para o bem da sociedade brasileira. promover sua conservação e uso sustentável, e formar pessoal altamente qualificado possível ainda que instrumentos econômi- O conhecimento científico sobre o Cerra- em biodiversidade do Cerrado. cos sejam mais eficientes na regulação da do pode fornecer essas informações e as ocupação do Cerrado do que todo o con- bases para repensar e reformular o pro- junto de ações de fiscalização e imposição cesso de ocupação e as estratégias para a dos mecanismos legais. conservação do bioma.

Sugestões de leitura Um bom começo para quem quer entender o Cerrado é o livro organizado por Aldicir Scariot, José Carlos Souza-Silva e Jeanine M. Felfili, “Cerrado: Ecologia, Biodiversidade e Conservação’’. A obra traz a contribuição de 46 pesquisadores empenhados em desvendar as peculiaridades, belezas e a diversidade biológica dos cerrados brasileiros. Leituras mais aprofundadas podem ser feitas a partir dos textos de Ilse e Gerhard Gottsberger no livro “Life in the Cerrado”, volumes I e II, que apresentam aspectos da evolução da flora do Cerrado. Já o livro editado por Paulo S. Oliveira e Robert Marquis, “The Cerrado of ’’, apresenta uma excelente revisão de vários aspectos do Cerrado, desde sua origem até a ecologia de interações. Para quem quer conhecer melhor os campos rupestres, sugerimos “Ecology and Conservation of Mountain-Top Grasslands Sapo flecha (Ameerega flavopicta) na Chapada dos Veadeiros, GO in Brazil’’, editado por Geraldo Wilson Fernandes e lançado em 2016. Na internet, uma boa fonte Mocó (Kerodon rupestris) no Parque Nacional da Chapada Diamantina, BA de informação é a página do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento Veado campeiro (Ozotoceros bezoarticus) no Parque Nacional das Emas, GO da Universidade Federal de Goiás (www.lapig.iesa.ufg.br), que traz, por exemplo, dados sobre o Gafanhotos (espécie desconhecida) no Parque Nacional das Emas, GO desmatamento na região.

82 83 cerrado Conhecendo a Biodiversidade pantanal A identidade de uma grande area´ umida´

Cátia Nunes da Cunha Pierre Girard Gustavo Manzon Nunes Julia Arieira Jerry Penha Wolfgang J. Junk

"No Pantanal ninguém pode passar régua. Sobre muito quando chove. A régua é existidu- ra de limite. E o Pantanal não tem limites." , Livro de Pré-Coisas

O Pantanal Mato-Grossense é uma planície de inundação com cerca de 150 mil km2 locali- zada na região Centro-Oeste do Brasil. Essa enorme área úmida apresenta uma fase aquática e outra terrestre que se alternam anualmente, e é composta por diferentes macrohabitats, unidades de paisagem sujeitas a condições hidrológicas similares e cobertas por vegetação característica. Atualmente, há 57 macrohabitats descritos para o Pantanal, número que cer- tamente aumentará conforme mais estudos sejam feitos. Os limites do Pantanal são indica- dos pela presença de solos hidromórficos (caracterizados pela drenagem deficiente ou ocor- rência de inundações periódicas e prolongadas) associados ou não à presença de plantas adaptadas a condições de submersão, alagamento ou encharcamento. Campo de mimosinho , com predominância de capim mimoso 84 85 (Axonopus purpusii) pantanal Conhecendo a Biodiversidade CLIMA E RELEVO grande diversidade de espécies adaptadas O Pantanal situa-se na depressão do alto rio Paraguai, que se estende entre o Brasil a variações na disponibilidade de água. central e a base dos Andes. A depressão é circundada por diferentes formações geológi- O Pantanal é uma grande área úmida cas e é coberta, em maior parte, com sedimentos de origem lacustre ou fluvial deposi- que se estende pelos estados brasileiros tados entre cinco milhões e 11 mil anos atrás, entre o Plioceno e o Pleistoceno. Os solos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até são geralmente hidromórficos, com textura variando de argilosas a arenosas. De maio a a Bolívia e o Paraguai. É caracterizado por setembro ocorre a estação seca, e de outubro a abril, a estação chuvosa. A precipitação um pulso de inundação previsível, com anual varia de 1.089 mm (Corumbá, MS) a 1.250 mm (Cáceres, MT). A temperatura varia uma fase aquática e outra terrestre, de de 27.4 °C (dezembro) a 21.4 °C (julho) próximo a Cuiabá, mas pode ocasionalmente baixa amplitude (médias máximas abaixo descer a 0o C quando massas de ar frio chegam à região. de quatro metros) e longa duração (aci- ma de seis meses). O pulso de inundação BIODIVERSIDADE coincide, na parte norte, com a estação Estima-se que existam cerca de 2.000 espécies de plantas no Pantanal, 13% das quais das chuvas, e tem uma defasagem de cer- são macrófitas aquáticas e 87% são espécies terrestres. Destas, 50% são espécies de ca de três meses na parte sul. ampla distribuição, 30% são espécies do bioma Cerrado e 20% têm outras origens. Entre As paisagens pantaneiras atuais mostram as espécies de ampla distribuição estão: aguapé (Eichhornia crassipes), orelha-de-onça Bacia do Alto Paraguai e elementos testemunhos das mudanças no subsistemas hidrogeomorfológicos (Salvinia auriculata) e guanandi (Calophyllum brasiliensis). A maior contribuição vem do do Pantanal. (Fonte: Assine 2003) clima e na geografia da região iniciadas há Cerrado, principalmente quanto a árvores e arbustos que ocupam áreas livres ou inun- 2,5 milhões de anos. Atualmente, sua es- dadas somente em anos de inundação muito grande, como pau-terra (Qualea grandi- Cerca de 20% da América do Sul tropical trutura e funcionamento dependem dos flora), lixeira (Curatella americana) e timbó (Magonia pubescens). Outras contribuições são áreas úmidas, embora algumas tenham níveis de água oscilantes: é a oscilação vêm do Chaco, que se estende da Bolívia ao Paraguai e adentra o Pantanal, como o ca- pequenas dimensões e sejam pouco co- que promove o intercâmbio de águas, de randá (Copernicia alba). Da bacia amazônica ocorrem aquelas consideradas tolerantes nhecidas. Áreas úmidas são ecossistemas nutrientes e de organismos entre os rios, à inundação, por exemplo a pimenteira (Licania parvifolia), o novateiro (Triplaris ameri- na interface entre ambientes terrestres e lagos e as áreas alagáveis adjacentes. cana) e a fruta-de-pacú (Pouteria glomerata). A Floresta Seca Chiquitana e as Florestas aquáticos cuja identidade é definida pela A dinâmica de inundação confere ao Pan- Semidecidua e Decídua brasileiras trazem espécies como o ipê-branco (Handroanthus hidrologia. Regimes distintos de flutuações tanal sua identidade e é dirigida por uma roseo-albus) e ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus). do nível da água do solo, o chamado pulso conjunção de fatores climáticos, geomor- de inundação, diferenciam a maioria das fológicos e hidrológicos. A inundação sa- áreas úmidas no Brasil, influenciando a dis- zonal é resultante da drenagem restrita do tribuição e a composição de comunidades solo ou da elevação do nível da água sub- de plantas e animais, o que resulta numa terrânea, da existência de um relevo qua-

86 87 pantanal Conhecendo a Biodiversidade se plano e de chuvas concentradas duran- Essas formações são representadas por fi- te o verão. Nesse período, os rios trans- sionomias aquáticas, campestres, savâni- bordam e a água da chuva empoça sobre ca-cerrado e florestais. A flora da região é os solos devido à sua baixa capacidade de composta por elementos oriundos de do- drenagem. Como resultado, uma significa- mínios morfoclimáticos e fitogeográficos tiva parte dos solos da planície pantaneira como o Cerrado, a Amazônia e o Chaco, permanece saturada ou inundada por pe- que imigraram para o Pantanal devido a ríodos que variam de poucos dias a mais oscilações climáticas ocorridas durante o de oito meses. Pleistoceno, entre 2,5 milhões e 11,5 mil Além das variações anuais, podem ocor- anos atrás. rer períodos plurianuais chuvosos e de estiagens, que resultam em eventos- ex Gestão e conservação tremos de enchentes e secas acompanha- Grandes áreas úmidas como o Pantanal Precipitação média mensal e nível d’água médio do rio. a) Cuiabá norte do Pantanal (Fonte: Zeilhofer, 1996); das de grandes incêndios. Essas variações, apresentam conjuntos complexos de uni- tanto anuais quanto plurianuais, afetam a dades de paisagem sujeitos a diferentes b) Ladário, sul do Pantanal (Fonte: Hamilton et al., 1999) Savana Estepica Parque com Paratudal biota com diferentes intensidades e em di- Savana Parque padrões de inundação e seca, e que intera- ferentes escalas de tempo. Savana Estepica Parque �nundável gem quanto aos fluxos de água, ciclos bio- Campos de Alta Inundação A vegetação do Pantanal pertence ao geoquímicos e intercâmbio de flora e fau- Floresta Estacional não Inundável domínio fitoecológico da Savana/Cer- Savana Florestada não Inundável na. Devido à alta complexidade, várias pro- rado, com fitofisionomias de cerradões Floresta Estacional Semidecidual Inundável postas de classificação têm sido apresenta- Savanas e Florestas Inundáveis com Dinâmicade Vegetação ocorrendo em áreas permanentemente das para tornar possível o planejamento, a Campos de baixa Inundação terrestres, enquanto cerrado, campos Savana Estepica Florestada não Inundável gestão e a conservação do Pantanal. cerrado e outras fisionomias do cerrado Savana Estepica Arborizada Inundável Uma das propostas, feita pelo geólo- Contato Savana / Savana Estépica lato sensu ocorrem em áreas periodica- go Mario Luis Assine em 2003, divide o Campos de Média Inundação Flutuações anuais do nível d’água do rio Paraguai mente inundáveis. Pecuária e Culturas Cíclicas Pantanal em nove subsistemas com base em Ladário de 1900 – 2012. Períodos plurianuais O clima influencia a dominância de fitofi- Corpos d´Água nos processos hidrogeomorfológicos que de inundação com anos de secas extraordinárias sionomias savânicas na região. De acordo comandam a formação e a dinâmica da e anos com fluxos variáveis de inundação. Dados do Departamento Nacional de Águas (ANA) com a abordagem atual, o Pantanal com- paisagem. Apesar de essa proposta repre- Mapa preliminar da vegetação do Pantanal preende 13 formações que traduzem a co- sentar um avanço para a gestão do Pan- resultante da sobreposição de mapas da bertura vegetal e o regime de inundação. vegetação e dados sobre inundação tanal, ainda havia necessidade de definir

88 89 pantanal Conhecendo a Biodiversidade e delimitar unidades operacionais em escala e representam a escala mais adequa- bientes e migram entre os macrohabitats “ilhas’’ terrestres em áreas campestres espacial mais detalhada, que tratassem do da para o entendimento e o manejo da para procurar alimento, proteção contra encharcadas. Tais “ilhas” são cobertas por ambiente físico associado à biota e que tives- paisagem. Esse conceito também requer predadores, refúgio contra inundação ou espécies típicas do cerrado, como a lixeira sem reconhecimento pela população local. que os gestores de iniciativas na região seca, ou locais para reprodução. Assim, (Curatella americana), e os espaços entre Com o intuito de suprir essa necessidade foi utilizem nomes para os macrohabitats mantendo-se a diversidade de macrohabi- os murunduns são ocupados, na fase da proposta a utilização dde unidades naturais que correspondam aos utilizados pelos tats protege-se a integridade estrutural e cheia, por plantas aquáticas e de ambien- denominadas macrohatats. pantaneiros. Dessa forma, a população funcional da área úmida como um todo, tes encharcados, e na fase seca, por plan- No Pantanal, os macrohabitat são uni- local reconhece os macrohabitats e pode bem como sua biodiversidade. tas herbáceas terrestres. dades de paisagem sujeitas a condições praticar seu uso de forma sustentável, Pombeiral é um macrohabitat formado hidrológicas similares e com uma vegeta- promovendo sua proteção. Principais macrohabitats pantaneiros por densos conjuntos de um arbusto es- ção característica. Formando um mosai- Planos de manejo e projetos científicos Os principais macrohabitats do Pantanal candente conhecido como pombeiro, cujo co, cujas peças estão interconectadas e no Pantanal também devem considerar a foram definidos por Cátia Nunes da Cunha nome científico é Combretum laxum. Es- interagem de forma complexa. Por isso, diversidade de macrohabitats. Muitos ani- e Wolfgang J. Junk, pesquisadores ligados ses adensados de arbustos são considera- correspondem ao nível mais detalhado mais aquáticos e terrestres passam fases ao Programa de Pesquisa em Biodiversida- dos um problema pelos fazendeiros, pois dentro da classificação de áreas úmidas, do seu ciclo de vida em diferentes am- de (PPBio). costumam ocupar campos limpos usados Entre os macrohabitats campestres há os como pasto para o gado. campos de mimoso, cujas plantas predo- Existem também diversos macrohabi- Área alagada com vitória-régia em flor (Victoria amazonica) minantes são do tipo C3, consideradas es- tats florestais. Os landis, por exemplo, pécies esbanjadoras de água, enquanto os são florestas sazonalmente inundáveis campos de murundus, de caronal e de ma- que se formam em antigos canais de cega-vermelha são dominados por plantas drenagens e apresentam predomínio de savânicas típicas, do tipo C4, econômicas uma espécie conhecida como pimentei- quanto ao uso da água. Os campos de mi- ra, a Licania parvifolia, e de outra co- mosinho são cobertos por capim-mimoso nhecida como guanandi, a Calophyllum (Axonopus purpusii e Reimarochloa brasi- brasiliense. Eles funcionam como cor- liensis), espécies reconhecidas pelo sabor redores naturais que transportam água agradável e pelo alto valor nutricional para dentro da planície durante a fase aquá- o gado. Já os campos de murunduns repre- tica do sistema, e servem como refúgio sentam um macrohabitat muito caracte- das altas temperaturas para a fauna du- rístico, onde cupins constroem pequenas rante a fase terrestre. Já os cambarazais

90 91 pantanal Conhecendo a Biodiversidade são florestas dominadas por uma planta para a fauna e os macrohabitats mais afe- de áreas úmidas, respeitando sua caracte- produção de alimento; estocam carbono e conhecida como cambará (Vochysia di- tados por alterações no ciclo da água, se- rística ecológica principal, como preconiza- controlam erosões, retendo sedimentos e vergens) e ocorrem em planícies onde jam elas causadas por eventos naturais ou do no contexto da Convenção de Ramsar. nutrientes; reabastecem rios, amortecen- a inundação pode durar por até seis pela ação humana. Leis federais, como o Código Florestal1 e do extremos climáticos; e ajudam no con- meses. O cerradão, por sua vez, é uma A ação humana é, por sinal, responsável a Política Nacional de Recursos Hídricos2, trole da proliferação de doenças. floresta baixa e densa, com árvores e pela existência de macrohabitats específi- ignoram a natureza ecológica de áreas A despeito disso, as áreas úmidas estão arvoretas de lixeira e cumbaru, timbó e cos no Pantanal, caso dos pastos planta- úmidas como o Pantanal e delegam a cada sob forte ameaça de desaparecimento ou gonçaleiro (respectivamente: Curatella dos com cultivos exóticos, caracterizados estado a responsabilidade da aplicação degradação. Tradicionalmente, as leis bra- americana, Dipteryx alata, Magonia pu- pelo estrato herbáceo denso com predo- de dispositivos legais, sem levar em conta sileiras que tratam de temas relacionados bescens, Astronium fraxinifolium) e cujo minância da espécie de gramínea Brachia- a possibilidade de conflitos. Assim, urge a ao meio ambiente são fundamentadas estrato herbáceo é composto principal- ria humidicola. criação de instrumentos políticos novos, em conhecimentos sobre ecossistemas mente por gravatás (Bromelia balan- cujo foco esteja especificamente nas áreas terrestres ou aquáticos, algo inadequado sae). Cerrados nas terras secas são refú- Instrumentos legais e desafios para pro- úmidas. Estes instrumentos legais devem para o Pantanal. Para essa região, as polí- gios importantes para animais silvestres teção das áreas úmidas considerar a natureza intrínseca do Panta- ticas públicas devem ser baseadas em sua e domésticos, principalmente durante a O Pantanal Mato-Grossense é declarado nal e buscar a manutenção dos processos natureza intrínseca de área úmida e em fase aquática do sistema, porque estas patrimônio nacional na Constituição Fede- hidroecológicos em toda a bacia hidrográfi- conhecimento científico acumulado sobre áreas permanecem livres da inundação. ral de 1988, e sua utilização deve ser feita ca, de modo a garantir o uso e a gestão de essas áreas, não utilizado, por exemplo, Os brejos caracterizam-se pela presença na forma da lei, dentro de condições que modo sustentável. no Código Florestal de 2012 e no projeto de solo saturado por água ou com lâmina assegurem a preservação do meio am- Áreas úmidas são de imenso valor para pa- da Lei do Pantanal3. d’água que varia durante o ano, ainda que biente, inclusive quanto ao uso dos recur- íses tropicais, principalmente para aqueles Em relação à gestão de áreas pantanei- alguns possam secar completamente em sos naturais. A conservação e o uso sus- que enfrentam períodos prolongados de ras, é preciso considerar a dificuldade im- anos de extrema seca. Podem ser domi- tentável do Pantanal também se tornaram falta d’água ou para os quais são projetados posta pela existência de enorme diversi- nados por uma única espécie herbácea, um compromisso oficial quando o Brasil, cenários negativos de mudanças do clima. dade de macrohabitats e as variações do como acontece no pirizal, dominado por em 1996, assinou a Convenção sobre Zo- Essas áreas assumem funções importantes ecossistema em suas fases aquática e ter- Cyperus giganteus. Brejos representam nas Úmidas de Importância Internacional, que contribuem para o bem-estar das po- restre. Uma gestão que efetivamente apli- cerca 7,4% das formações vegetais do Pan- mais conhecida como Convenção de Ram- pulações humanas: fornecem recarga de casse os princípios acordados na Conven- tanal. No entanto, esses ambientes ainda sar. Mas, mesmo com essas duas referên- água dos rios e aquíferos; são locais para ção Ramsar funcionaria como um marco carecem de caracterização mais adequa- cias jurídicas sustentando as diretrizes de 1 Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012) da e recomenda-se que sejam objetos de políticas públicas para o Pantanal, a região 2 Lei nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997 estudos, posto que são habitats especiais não é de fato tratada como um ecossistema 3 Projeto de Lei do Senado nº 750, de 2011.

92 93 pantanal Conhecendo a Biodiversidade principais macrohabitats´ no pantanal em areas´ periodicamente terrestres regulatório para a gestão de toda a região. bitats naturais, dos processos ecológicos Campos pouco ou não alagados e campos inundados de três a seis meses Tal gestão deve atender a uma visão ecos- e das espécies, incluindo o fluxo gênico Conhecidos como campos de caronal, onde predomina o capim-corona (Eleonuros sistêmica, garantindo a manutenção do dentro do Pantanal e com o planalto que muticus), são pouco ou não alagados (a esquerda); campos de macega ou campos de caráter de área úmida do ambiente panta- o circunda. Projetos de grandes obras de capim-vermelho, nos quais predominam o capim-vermelho (Andropogon hypogynus) e neiro mediante a implantação de ações de infraestrutura que alteram a hidrologia e Axonopus leptostachium, são inundados por cerca de três meses (a direita); ou campos desenvolvimento sustentável. o fluxo de sedimentos e nutrientes não de mimosinho, com predominância de capim-mimoso (Axonopus purpusii) e outras es- Para o uso sustentável no Pantanal, as ati- devem ser executados, evitando o colapso pécies, inundados por cerca de seis meses (foto na página 82). vidades devem primar pela manutenção do ecossistema. É também imprescindível do ciclo hidrológico natural e dos fluxos de que as atividades garantam a estabilidade sedimentos e nutrientes, bem como pela e a manutenção de condições de vida ade- manutenção da diversidade dos macroha- quadas às populações tradicionais.

Sugestões de leitura Campos de murundus O marco conceitual do Pantanal enquanto área úmida se fez através de artigo publicado em 1989 na Canadian Special Publications for Fisheries and Aquatic Sciences por Wolfgang Jung e colabo- Campos murundus são inundados por algumas semanas pela água de chuva (período radores. O artigo, intitulado "The Flood Pulse Concept in River-Floodplain-Systems", mostra a im- chuvoso a esquerda e período seco a direita). Apresentam espécies de cerrado, como portância do fluxo lateral da água dos rios, que ocorre anualmente durante a inundação, sobre os lixeira (Curatella americana) e craibeira (Handroanthus aureus), enquanto as partes processos ecológicos. O livro de Aziz Ab’Saber intitulado “Brasil: Paisagens de Exceção’’ e o artigo alagadas são dominadas por plantas herbáceas. de Mario Assine e Paulo César Soares, "Quaternary of the Pantanal, West-Central Brazil", publi- cado em 2004 no jornal Quaternary International, são referências para entender a gênese desse ecossistema. O artigo "Biodiversity and its Conservation in the Pantanal of Mato Grosso, Brazil", publicado na Acquatic Science em 2006 por Junk e colaboradores, reúne conhecimento sobre a fauna e a flora do Pantanal. Em um esforço recente para criar um sistema de classificação para as áreas úmidas brasileiras, pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INCT-INAU/UFMT) publicaram a classificação dos macrohabitats do Pantanal, mostrada no livro “Classificação e Delineamento das Áreas Úmidas Brasileiras e de seus Macrohabitats’’.

94 95 pantanal Conhecendo a Biodiversidade Pombeiral Floresta monoespecífica Formações densas de arbustos com até quatro metros de altura, com especies como Conhecida como cambarazal, a floresta monoespecífica ocorre em planícies onde a o pombeiro-preto e o pombeiro-branco (Combretum laxum e C. lanceolatum). Podem inundação pode perdurar até oito meses. Seu nome vem da árvore conhecida como permanecer inundados por até seis meses. cambará (Vochysia divergens).

em areas´ pantanosas Floresta poliespecífica e Landis (Floresta monoespecífica)´ Inundadas por poucas semanas na porção mais alta do dique marginal, com espécies Pântanos (ou brejos) de plantas herbáceas como Banara guianensis e Mabea paniculata. Já os landis ocorrem em canais rasos, Podem ser poliespecíficos (esquerda) ou monodominantes (direita), frequentemente sazonais e conectados ao lençol freático. Seu nome vem da árvore conhecida como chamados de brejos. São o habitat preferencial do cervo pantaneiro. O pirizal, que guanadi (Calophyllum brasiliense). tem como principal espécie o piri (Cyperus giganteus), é um exemplo de brejo mono- dominante.

96 97 pantanal Conhecendo a Biodiversidade A REDE PPBIO PANTANAL areas´ permanentemente terrestres ´ As cordilheiras com cerradão (esquerda) são savanas florestadas com relação florística O Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) atua na porção norte do Pantanal e estrutural aos cerradões do Centro-Oeste. Entre as espécies arbóreas destacam-se implementando projetos ecológicos de longa duração no município de Nossa Senhora do Qualea parviflora (pau-terra), Qualea grandiflora e Alibertia edulis. As florestas decí- Livramento, próximo a Poconé, em um sítio experimental chamado Sítio Pirizal. As ativi- duas não inundáveis (direita), geralmente localizam-se sobre terraços aluviais antigos dades são realizadas por um grupo de 12 pesquisadores das universidades federais de e apresentam espécies como Handroanthus impetiginosus, Combretum leprosum e Mato Grosso (UFMT), de Brasília (UnB) e de Minas Gerais (UFMG). O principal objetivo é Myracrodruon urundeuva. identificar padrões de variação da biodiversidade e sua relação com os fatores ambientais e com as técnicas de manejo praticadas pela população rural nessa região. O sítio se inse- re em áreas privadas onde é praticada a pecuária extensiva, e contempla uma paisagem complexa, caracterizada por um mosaico savânico submetido a alagamento sazonal. Os estudos ocorrem em diferentes macrohabitats, incluindo áreas sazonalmente inundáveis (como campos nativos, pastagens de gramíneas exóticas, campos de murundus, landis e cambarazais) e sistemas terrestres não inundáveis (por exemplo, cordilheiras com savana arbórea densa e savana arbórea aberta). Os principais grupos monitorados são plantas, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos, aves e alguns invertebrados.

em areas´ antropogonicos

Pastagens exóticas são campos de espécies exóticas como Brachiaria humidicola ou ou- tras gramíneas mantendo ilhas de vegetação de murundus.

Vista do Pantanal em período de cheia em Pocone - MT

98 99 pantanal Conhecendo a Biodiversidade caatinga Diversidade na adversidade do semiarido´ brasileiro

Luís Fernando Pascholati Gusmão Luciano Paganucci de Queiroz Freddy Ruben Bravo Quijano Flora Acuña Juncá Reyjane Patricia de Oliveira Iuri Goulart Baseia

Em toda a extensão da vista, nenhuma outra árvore surgia. Só aquele velho juazeiro, de- vastado e espinhento, verdejava a copa hospitaleira na desolação cor de cinza da paisagem. em O Quinze, 1930

A Caatinga ocupa 844.453 km2, o equivalente a 11% do território brasileiro, e com- preende quase a totalidade dos 980.00 km2 da região do Semiárido. Sob o termo Caatin- ga existem vários tipos de vegetação. A paisagem mais comum é dominada por árvores baixas, frequentemente com espinhos e folhas diminutas, além de plantas suculentas, como cactos e eufórbias. Muitas plantas perdem as folhas na estação seca e apresen- tam floração intensa e rápida no início da estação chuvosa. Os índios já denominavam essa vegetação de Caatinga, que significa “mata branca” na língua tupi-guarani (“Caa” significa planta ou floresta e “tinga”, branca), ressaltando o aspecto claro da vegetação desfolhada na longa estação seca. Flor de cactos conhecido como Quipá ou Guigóia (Tacinga inamoema) 100 101 caatinga Conhecendo a Biodiversidade 1 4

2 5 PROBIO - Importância Biológica 8

14 Extrema 6 9 13 3 15 7 Muito alta CLIMA E RELEVO 16 10 Alta 18 17 20 As chuvas são escassas e irregulares, concentradas em três a seis meses por ano, com 11 12 19 médias anuais entre 250 mm e 800 mm. As temperaturas são altas, com média anual 24 21 34 25 22 36 35 32 26 23 de 27 °C. Muitas áreas ficam seis meses ou mais sem chuvas. Além de concentradas em 37 33 28 38 27 Mapa de áreas prioritárias para curto período, a distribuição das chuvas é muito irregular, podendo não chover durante 29 30 39 conservação e conhecimento da 41 40 todo um ano, especialmente quando ocorre o fenômeno conhecido como El Niño. O re- 31 biodiversidade no domínio da 44 45 levo é dominado por grandes depressões, com altitudes variando entre 200 m e 600 m e 42 43 Caatinga. Círculos cinzas indicam 46 48 áreas já inventariadas pelo PPBio solos derivados diretamente do embasamento cristalino. Alguns planaltos têm altitudes 49 52 53 47 Semiárido. (Fonte: Fundação de até 1.200 m, com predomínio de rochas sedimentares e solos arenosos. 51 50 Biodiversitas, 2000) 54

56 BIODIVERSIDADE 56 57 A diversidade biológica da Caatinga é expressiva. Hoje são conhecidas 178 espécies de mamíferos, 975 de aves, 240 de peixes, 177 de répteis, 80 de anfíbios, 221 de abelhas, além de cerca de 6.000 espécies de plantas e mais de 1.000 espécies de fungos. Os nú- A água é essencial para a vida e sua dis- Com 2.814 km de extensão, o São Francisco meros, no entanto, podem ser bem maiores. Trabalhos desenvolvidos pelo Programa ponibilidade leva a uma extraordinária di- corta a Caatinga levando água a 521 muni- de Pesquisa em Biodiversidade do Semiárido (PPBio Semiárido) já catalogaram mais de versificação, tanto biológica como cultural. cípios em cinco estados do Nordeste e sus- 4.500 espécies de diferentes grupos, com a descoberta de cerca de 400 espécies novas Grande parte de oito dos nove estados da tentando seis usinas hidrelétricas. para a ciência. região Nordeste do Brasil e o norte de Mi- Historicamente, a Caatinga foi obser- nas Gerais têm na falta da água a sua prin- vada com uma visão simplista que a cipal e mais dramática feição, caracterizan- reduzia a uma vegetação resultante da do o clima semiárido. A Caatinga recobre degradação de florestas exuberantes boa parte da região semiárida do Brasil e como as encontradas na Mata Atlântica as plantas, animais e humanos que ali ha- e na Amazônia. Essa visão levou à falsa bitam convivem com uma oferta de água ideia de que a Caatinga abrigava poucas esporádica, irregular e imprevisível. espécies. Entretanto, estudos recentes Os rios da Caatinga são quase sempre tem- estão produzindo uma nova perspectiva porários, na estação seca restam apenas os que demonstra que a biota é extrema- seus leitos secos, que chegam a ser utiliza- mente diversa. Esses estudos estão re- dos como estradas. O maior rio da região, e velando que há uma proporção elevada Ziziphus joazeiro: "Ai, juazeiro, Tô cansado de sofrer. Juazeiro, meu destino, Tá ligado um dos poucos perenes, é o São Francisco. de espécies que ocorrem apenas na re- junto ao teu" & , Juazeiro

102 103 caatinga Conhecendo a Biodiversidade gião: são conhecidos atualmente 18 gê- por espécies de distribuição restrita, mesmo e anos chuvosos). Essas variações contri- neros endêmicos de plantas, o que pode em áreas relativamente próximas. Assim, buem para acentuar a heterogeneidade indicar que se trata de organismos que o avanço no conhecimento da diversidade ambiental e biológica do bioma. surgiram na Caatinga como resultado de da Caatinga dependerá do estudo de mais Além do clima, há estudos demonstran- adaptação às suas condições inóspitas; áreas e habitats. do que a composição e o funcionamento e diversos animais, como o soldadinho- Atualmente, as plantas, particularmente da biota da Caatinga respondem à origem -do-araripe, a arara-azul-de-lear e o vea- as plantas com flores, são os organismos do solo, havendo distinções marcantes en- do-catingueiro. mais conhecidos. Entre os vertebrados, a tre animais e plantas de áreas com solos Apesar disso, a Caatinga ainda está en- diversidade de peixes é a mais bem conhe- derivados diretamente do embasamento volta pela ideia de improdutividade, sen- cida, embora novas espécies continuem cristalino (solos rasos e pedregosos, geral- do vista como uma fonte menor de recur- sendo descritas. Outros grupos, como an- mente férteis) e de solos derivados de ba- sos naturais, pobre e sem atrativos, o que fíbios e mamíferos, principalmente morce- cias sedimentares (arenosos, geralmente tem feito com que siga sendo fortemente gos e roedores, têm, comparativamente, pobres em nutrientes). devastada e sua biota impiedosamente menos estudos. Falta também conhecer A principal resposta fisiológica das árvo- eliminada e reduzida. As estratégias de melhor musgos e samambaias, fungos e in- res e arbustos à seca é a perda das folhas, proteção também têm sido negligencia- setos, estes últimos tão pouco estudados. processo conhecido como caducifolia. das: menos de 1% do território da Caatin- Para gerar esse conhecimento é preciso Muitas espécies da Caatinga apresentam ga encontra-se em unidades de conserva- muitas amostras, exemplares coletados em estratégias para rebroto intenso no início Ceiba glaziovii, conhecida como barriguda. ção permanentes. campo pelos pesquisadores, pois eles per- da estação chuvosa, na forma de gemas Na Caatinga ainda há muito a conhecer. mitem saber quais espécies existem, onde dormentes que se expandem rapidamen- de solos sedimentares, com cerca da me- Se sua riqueza de espécies é menor que existem e que habitat ocupam. te com as primeiras chuvas. É uma estraté- tade das plantas produzindo folhas novas em florestas tropicais úmidas, como a gia semelhante à observada em florestas ao longo do ano, a não ser naqueles exces- Mata Atlântica e a Amazônia, a diversida- Estratégias de sobrevivência das plantas de regiões temperadas de outros países, sivamente secos. de de habitats, o isolamento e a adaptação Os processos ambientais na Caatinga são onde as árvores rebrotam rapidamente a A reprodução das plantas também apre- das espécies às condições do clima garan- extremamente dependentes do regime lo- partir de gemas na primavera, após a per- senta sincronia com a chegada das chu- tem maior heterogeneidade e diversidade cal de chuvas e esta apresenta imensa di- da das folhas no inverno rigoroso. Há for- vas. Em geral, elas florescem antes ou ao entre áreas dentro da Caatinga do que nos versidade espacial na sua distribuição, va- te sincronismo entre a perda e o rebroto mesmo tempo em que as folhas estão se demais domínios fitogeográficos brasileiros. riando em quantidade (médias anuais), na de folhas das árvores, especialmente nas expandindo. Assim, no início das chuvas A biodiversidade está ligada a condições distribuição ao longo do ano (existência e áreas sobre solos derivados do cristalino. há grande oferta de flores e frutos para a ambientais muito locais, que determinam duração de períodos secos e chuvosos) e A sincronia não é tão marcante nas áreas fauna e, provavelmente, os polinizadores biotas relativamente distintas, formadas entre os anos (existência de anos secos

104 105 caatinga Conhecendo a Biodiversidade pulações residentes na Caatinga, expressa demanda por lenha e carvão na Caatinga nos costumes, na forte religiosidade e na pode ser suprida pelo reflorestamento de importância de algumas festas, como o áreas desmatadas com espécies resistentes São João, que ocorre no mês de junho. Há ao corte, como a jurema-preta (Mimosa te- gêneros específicos de produção cultural, nuiflora), a catingueira (Poincianella pyrami- como a literatura de cordel, e, na música, dalis) e o marmeleiro (Croton sonderianus). o xaxado, o forró e o baião. A vida das po- A produção de combustíveis a partir do A caatinga em período seco e chuvoso pulações no meio rural está intimamente manejo sustentável de áreas reflorestadas “O nosso sertão amado, de sementes que germinam rapidamente Estrumicado e pelado, ligada ao meio natural e ao uso da biodi- com essas espécies pode diminuir significa- Fica logo transformado no período chuvoso, como ocorre com vá- versidade. O sertanejo retira da vegetação tivamente a pressão por desmatamento de No mais bonito jardim. rias espécies de gramíneas. Um caso notá- combustível, na forma de lenha, - remé novas áreas e deve ser incentivada. vel é o das plantas aquáticas que crescem dios, alimento para ele e para o gado. Outro uso expressivo da vegetação é na Neste quadro de beleza A gente vê com certeza em brejos e lagos temporários e que, sur- Embora de importância marcante na histó- produção de mel. A flora do bioma é predo- Que a musga da natureza preendentemente, apresentam grande di- ria, a Caatinga abriga as mais profundas con- minantemente adaptada à polinização por Tem riqueza de incantá”. versidade de espécies endêmicas em um tradições e desigualdades sociais do Brasil. abelhas e tem sido usada como pasto para Patativa do Assaré, A festa da natureza ambiente marcado pela falta d’água. Com cerca de 20 milhões de habitantes, é a abelhas europeias (Apis mellifera), algumas competem por estes recursos. A forte sin- região semiárida mais populosa do mundo vezes de forma itinerante, seguindo os - rit História e cultura na Caatinga cronia da floração é observada nas áreas e, no Brasil, é a que apresenta os mais baixos mos de floração naturais da vegetação. Mas A região da Caatinga foi colonizada por de solos derivados do cristalino, mas não Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). essa produção poderia ser feita com abelhas portugueses a partir do século XVI. Os novos nas áreas de solos sedimentares. nativas sem ferrão, como a mandaçaia (Meli- habitantes europeus rapidamente adapta- As plantas menores, como ervas, capins O potencial econômico da natureza na pona mandacaia), que gera um mel de maior ram seu modo de vida ao ambiente, possibi- e pequenos arbustos, desaparecem na es- Caatinga valor agregado. litando a criação de gado em grandes áreas tação seca e reaparecem na chuvosa. Al- A vegetação reponde por cerca de 30% da O potencial é enorme. A fauna apícola da do interior do Nordeste, por muito tempo gumas passam a seca na forma de bulbos matriz energética da região, especialmente Caatinga é representada por 187 espécies de o principal fornecedor de carne para as po- ou rizomas subterrâneos (são as chamadas pelo uso da lenha como principal combus- 77 gêneros. A utilização dos recursos natu- pulações do litoral. Esse modo particular de plantas geófitas) e emergem rapidamente tível no meio rural. Infelizmente, cerca de rais através da apicultura e de seus produtos, vida gerou um tipo cultural distinto, o serta- na estação chuvosa, em geral com floração 80% da produção de lenha e carvão ainda como mel, pólen apícola, própolis e geleia nejo, cujo convívio com o gado se reflete até muito intensa, como é o caso das açucenas. proveem do desmatamento da vegetação real, atende aos pressupostos do tripé da au- nas típicas vestimentas de couro. Outra estratégia de algumas espécies do nativa e apenas 6% de áreas de manejo. Mas tossustentabilidade: o econômico, gerando Existe grande identidade cultural das po- estrato herbáceo é a formação de bancos há experimentos mostrando que a grande renda para o agricultor; o social, empregando

106 107 caatinga Conhecendo a Biodiversidade so à água na seca são as aguadas, baixios na Caatinga tem causas que não são naturais no terreno que são adaptados diferentes daquelas encontradas em outras para o armazenamento de água da chu- regiões semiáridas do mundo. Na maioria va. A água armazenada geralmente é das vezes, está ligada à exploração dos utilizada para a criação de animais e não recursos naturais, à agricultura irrigada de tem qualidade para o consumo humano, forma inadequada, a práticas equivocadas mas muitas vezes é a opção na seca. de uso do solo, como o superpastoreio e o Os diversos potenciais da Caatinga cultivo excessivo e, sobretudo, a métodos devem ser aproveitados e usados para de desenvolvimento imediatistas. ajudar a superar os desafios atuais para No Brasil, dois fatores são mais relevantes: a conservação de sua biodiversidade e o aumento da intensidade do uso do solo os problemas que podem surgir ou se e a redução da cobertura vegetal nativa. Erythrina velutina: “Os mulungus rotundos, à borda das cacimbas cheias, estadeiam a intensificar. Estudos recentes apontam Ambos têm levado à redução da fertilida- púrpura das largas flores vermelhas, sem esperar pelas folhas” Euclides da Cunha, Os Sertões que o semiárido brasileiro e a região de do solo, o que demonstra a fragilidade amazônica serão as regiões mais afetadas desse ecossistema. A perda de solo por mão de obra familiar no campo; e o ecológi- tante adequado para geração de energia. pelas mudanças climáticas. Para o erosão contribui para reduzir a produção co, visto que a atividade depende da preser- O potencial da geração de energia a partir semiárido, as vulnerabilidades estão no agrícola na Caatinga, e as recentes secas vação da vegetação para seu sucesso. A pro- do vento também é enorme no Nordeste, aumento da temperatura do ar (que pode no Nordeste têm agravado o problema. dução de mel e seus derivados com abelhas sendo o maior do Brasil. Estima-se que cer- ficar entre 2 °C e 4 °C mais quente), nas A desertificação altera todo o ciclo do nativas preserva a biodiversidade, pois impli- ca de 75.000 MW possam ser produzidos, o reduções substanciais da precipitação, ecossistema, modificando drasticamente ca na manutenção de diversos recursos, como que representa mais da metade do poten- na ocorrência de mais dias secos e na a fauna e a flora e ameaçando a subsistên- os locais e materiais usados pelas abelhas cial de geração de energia eólica brasileiro, presença de ondas de calor. Somadas, cia da comunidade rural, que, sem animais para construção de ninhos e as diferentes de 140.000 MW. essas alterações provocariam a mudança para caçar e sem terra fértil para plantar, flores, cujo néctar é imprescindível para O armazenamento de água da chuva, por do clima semiárido para um clima árido e tende a migrar para a zona urbana. O tra- obtenção do produto final. sua vez, é uma necessidade real para o ser- a subsequente desertificação. balho em cooperação, a formação de coo- Há ainda que considerar o potencial para tanejo. Diversas são as ações do governo A desertificação de regiões da Caatinga, perativas e a ajuda mútua entre agriculto- geração de energia. O índice de radiação para que a água fique disponível por um por sinal, já é uma preocupação e a res, apicultores e criadores podem ser as solar do Nordeste é um dos mais altos do período maior na estação da seca, como conservação desse ecossistema está bases para a construção de ações voltadas mundo e não apresenta grandes variações a construção de cisternas. Uma das for- diretamente associada ao combate desta ao desenvolvimento local sustentável e à ao longo do dia, sendo considerado bas- mas mais comuns do sertanejo ter aces- ameaça. De forma geral, a desertificação manutenção do agricultor no campo.

108 109 caatinga Conhecendo a Biodiversidade PPBIO SEMIÁRIDO

O Programa de Pesquisa em Biodiversidade do Semiárido (PPBio-Semiárido) tem ob- Ações para garantir o futuro blicação da proposta de emenda cons- tido avanços significativos ao desenvolver estudos em áreas consideradas prioritárias Apesar de sua importância, a Caatinga titucional que transforma a Caatinga e áreas de extrema, muito alta e alta importância biológica para o conhecimento e tem sido desmatada de forma acelerada em patrimônio nacional, a criação da estudo da biodiversidade (essa classificação foi proposta pelo biólogo Agnes Velloso nos últimos anos, devido principalmente Comissão Nacional da Caatinga, a fina- e colaboradores em trabalho indicado nas Sugestões de Leitura). De 57 áreas prioritá- ao consumo de lenha, ao sobrepastoreio e lização do Plano de Prevenção e Con- rias, 22 áreas de extrema importância biológica foram inventariadas pelo PPBio-Semi- à sua conversão para pastagens e agricul- trole do Desmatamento da Caatinga, a árido. Ao longo dos 10 anos de atuação do programa, as atividades agregaram mais de tura. O avançado desmatamento chega a criação de mais unidades de conserva- 18 instituições de pesquisa e ensino, e mais de 150 pesquisadores e bolsistas. Houve 46% de toda a área. A exploração preda- ção e a destinação de mais verbas para inserção de alunos de programas de pós-graduação e graduação, com desenvolvimen- tória para satisfazer demandas por carvão preservação e uso sustentável de seus to de teses, dissertações e monografias, um trabalho que resultou, até o momento, vegetal e lenha usados nas casas e indús- recursos naturais. em mais de 200 espécies novas descritas, entre plantas, fungos e animais vertebrados trias, como os polos de produção de ges- Há enormes desafios. Com imenso po- e invertebrados. Mas há ainda muito por estudar. A manutenção de programas como so, cal, cerâmica e ferro-gusa, é pulveriza- tencial para a conservação, uso sustentá- esse é fundamental para acelerar o processo de conhecimento e conservação da bio- da, o que dificulta a fiscalização e requer vel e bioprospecção, a Caatinga é decisiva diversidade da Caatinga. ações específicas. para o desenvolvimento do país, e sua bio- A Caatinga ainda carece de marcos re- diversidade pode fornecer subsídio para gulatórios, ações e investimentos na atividades de agrosilvopastoreio e para sua conservação e uso sustentável. En- indústrias farmacêuticas, cosméticas, quí- tre as ações fundamentais estão a pu- micas e de alimentos.

Sugestões de leitura Uma visão bem interessante sobre a heterogeneidade da Caatinga pode ser obtida no livro “Ecorregiões Propostas para o Bioma Caatinga’’, organizado por Agnes Velloso, Everaldo Sam- paio e Frans Pareyn e publicado pela Associação Plantas do Nordeste e The Nature Conservancy do Brasil em 2002. Outro livro recomendado é “Uso Sustentável e Conservação dos Recursos Flo- restais da Caatinga’’, organizado por Maria Auxiliadora Gariglio, Everaldo Sampaio, Luis Antônio Cestaro e Paulo Kageyama, publicado pelo Serviço Florestal Brasileiro em 2010 e disponível no Algumas espécies da fauna da Caatinga: Periquito-da-caatinga (Epsitulla site do Ministério do Meio Ambiente. As duas obras darão ao leitor uma avaliação da Caatinga, cactorum); lagarto (Cnemidophorus ocellifer) e Arara-azul-de-lear inclusive com indicação de áreas prioritárias para conservação, além do uso dos recursos flores- (Anodorhynchus leari) tais e propostas para sua conservação.

110 111 caatinga Conhecendo a Biodiversidade amazonia^ biodiversidade incontavel´

William Ernest Magnusson , Ana Sofia Sousa de Holanda , Maria Aparecida de Freitas, Emiliano Esterci Ramalho, Alberto Akama, Leandro Ferreira, Marcelo Menin, Cecilia Veronica Nunez, Domingos de Jesus Rodrigues, Ângelo Gilberto Manzatto, Rubiane de Cássia Paggoto, Noemia Kazue Ishikawa.

"Parte integrante, Deste país gigante, Que luta pra manter-te inteira, Intacta, linda, ma- jestosa, Amazônia, pulmão do mundo, Nossa sempre serás!" Mazé Carvalho em Ama- zônia, 2008

O bioma amazônico ocupa uma área de aproximadamente 6,7 milhões de km2, mais da metade da qual está em território brasileiro (4,1 milhões de km2), onde cobre partes de Acre, Amazonas, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Amapá, Tocantins e Maranhão. Bastante devastado pela exploração econômica predatória, especialmente para expansão agrícola e extração de madeira, desde 1988 perdeu cerca de 11% da cobertura vegetal original. Maior bioma brasileiro, ocupa 49% do território nacional e apresenta grande variedade de ambientes, incluindo áreas montanhosas, as maiores planícies de inundação do mundo, a Trecho de floresta de campinarana, em Novo maior floresta tropical do mundo, além de campos abertos e grandes áreas de manguezais. Airão, AM 112 113 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade Núcleo Regional de CLIMA E RELEVO Roraima Núcleo Regional de Núcleo Regional do O clima na Amazônia é predominantemente equatorial, com chuvas abundantes na esta- São Gabriel AM Núcleo Regional e Núcleo Amapá Executor Manaus Núcleo Executor ção chuvosa. A distribuição das chuvas varia muito ao longo da bacia, com chuva intensa o Belém Núcleo Regional do Maranhão ano inteiro na porção noroeste e épocas de seca prolongada na área que vai do rio Tocan- Núcleo Regional Coari

tins, no sul, até as savanas de Roraima e do Amapá. A chuva vinda do mar é reciclada pela Núcleo Regional de Humaitá

floresta, que assim gera a maior parte da precipitação das regiões de produção agrícola no Núcleo Regional Núcleo Regional do Acre Núcleo Regional Núcleo Regional de Tocantins de Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país. O bioma abriga a maior bacia hidrográfica do mun- de Rondônia de SINOP do e também o maior rio em volume de água: o rio Amazonas, com 6.937 km de extensão. Além do Brasil, a bacia hidrográfica do Amazonas compreende partes da Bolívia, Colômbia, Núcleo Regional Equador, Guianas, Peru, Suriname e Venezuela. O relevo varia de regiões montanhosas na Mato Grosso periferia, incluindo o Pico de Neblina, a montanha mais alta do Brasil, até extensas planí- cies a somente dez a trinta metros acima do nível do mar. Localização de Núcleos Executores e Regionais do PPBio BIODIVERSIDADE Amazônia Ocidental. Fonte: PPBio Am-Oc A Amazônia apresenta grande diversidade de habitats, o que se traduz em enorme riqueza de animais, plantas e fungos, dando ao bioma o status de maior reserva de bio- diversidade do planeta. Estima-se, por exemplo, que a bacia amazônica abrigue mais de duas mil espécies de peixes de água doce, das quais mais de 1.800 são endêmicas. Isso Apesar de sua imensa biodiversidade, vações que cobrem cerca de 25% do seu representa quase um quarto de todas as espécies de peixes de água doce do mundo. a Amazônia sofre com algumas das desi- território, segundo o Sistema Nacional Estimativas recentes indicam que podem existir mais que 16.000 espécies de árvores na gualdades sociais mais agudas do país. de unidades de conservação (SNUC). É na Amazônia, das quais menos de um quarto foi descrito cientificamente. Enquanto alguns centros, como Manaus e Amazônia que se encontram as maiores Belém, são tecnologicamente avançados e Unidades de Conservação do Brasil em

Victoria amazonica, possuem alto índice de desenvolvimento área física, embora se reconheça que, de conhecida como Vitória-régia humano, comunidades distantes dessas modo geral, carecem de recursos huma- localidades apresentam índice de desen- nos e materiais que possibilitem o cumpri- volvimento humano muito baixo, altas mento da missão à qual se destinam. taxas de analfabetismo e altos índices de No entanto, seguindo um padrão mun- mortalidade infantil. Em contrapartida, dial, as áreas de maior desconhecimento esforços da sociedade e ações de governo sobre a biodiversidade na Amazônia são hoje se traduzem em unidades de conser- também as regiões com os mais graves

114 115 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade problemas sociais. A infraestrutura de pes- dem de centros regionais e nacionais com planejamento quanto no desenvolvimen- (SFB) exigem protocolos padronizados para quisa na região mostra o mesmo contras- maior infraestrutura para obter produtos to dos projetos. Investimento na formação estudos de impactos ambientais, e monito- te entre áreas bem desenvolvidas e áreas finais e valorizar a matéria-prima. de recursos humanos para estudar a bio- ramento de concessões florestais na Ama- carentes. A maioria dos pesquisadores e Atualmente, a região é alvo de várias diversidade e o aporte de recursos para zônia. Entretanto, são ainda poucos os pro- instituições de pesquisa estão em Manaus obras de infraestrutura que geram polê- essa finalidade através dos grandes - em gramas de capacitação tanto para os ana- ou Belém. Essas capitais também abrigam mica tanto social quanto ambiental. Es- preendimentos poderiam contribuir para listas analistas quanto para as empresas de as maiores e mais diversas coleções bio- sas obras, como a construção de grandes diminuir esses contrastes. consultoria, resultando na perda de grande lógicas da Amazônia, embora importan- centrais hidrelétricas, estradas, gasodutos parte do investimento na avaliação e moni- Desafios e ações futuras tes coleções de referência para pesquisas e projetos de colonização, podem promo- toramento da biodiversidade no país. As áreas de atuação do PPBio na Amazô- em instituições do interior tenham sido ver o desmatamento e a extinção local A Amazônia é o maior bioma do Brasil, nia estão localizadas em regiões remotas criadas nos últimos anos. Laboratórios de de espécies. A mineração (legal e ilegal) o de maior biodiversidade e com a maior e de difícil acesso, muitas vezes a cente- genética e bioprospecção para aprimorar também ameaça a região, especialmente proporção da população diretamente de- nas de quilômetros de instituições de pes- o estudo com os elementos da biodiver- os ambientes aquáticos. Uma das maiores pendente da biodiversidade. No entanto, quisa ou ensino mais próximo, tornando sidade regional também são encontrados críticas aos projetos de desenvolvimento também é a área com a menor densidade o trabalho de campo e a manutenção da no interior, porém, poucos são capazes de é a desconsideração da biodiversidade e de pesquisadores, menor infraestrutura infraestrutura um desafio constante para realizar análises mais complexas e depen- dos serviços ambientais, tanto na fase de de pesquisa e recebe a menor quantidade a rede. Os Núcleos Regionais também já de recursos para estudos da biodiversidade. identificaram demandas em todos os es- A rede PPBio necessita, mais do que nun- tados para capacitação em biotecnologia, ca, adentrar e aprofundar suas práticas genética, bioinformática, monitoramento, em regiões com conhecimento incipiente. análises econômicas e transferência de Para isso, precisa fortalecer e consolidar tecnologia. No entanto, ainda é um desa- ações dos Núcleos Regionais, realizando fio incluir um diagnóstico local inicial para desde o resgate de conhecimento gera- aproveitar os recursos humanos qualifica- do historicamente até a implementação dos, infraestrutura instalada e delinear um de formação científica para cidadãos co- programa que atenda a todas as demandas muns que permita a sua participação em da cadeia de produção de conhecimento. discussões técnico-científicas associadas Atualmente, o Instituto Brasileiro do Meio a projetos de desenvolvimento. A conso- Ambiente e Recursos Naturais Renováveis lidação dos Núcleos Regionais permitirá Alunos e pesquisadores do PPBio Atividade de extensão realizada pelo PPBio (Ibama) e o Serviço Florestal Brasileiro maior fortalecimento das suas ações em em atividade de campo

116 117 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade Rios de nuvens sobre a floresta Comunidade estabelecida na beira dos rios

âmbito estadual e regional. Essa microrre- estão amadurecendo e assumindo o papel gionalização do conhecimento é um bom de Núcleo Executor para a sua região. Sugestões de Leitura caminho para o desenvolvimento susten- Nos dias atuais, a atividade científica é uma Os livros “Cenários para a Amazônia”, de Thaise Emílio e Flávio Luizão, publicado em 2014 (Edi- tável e redução das desigualdades sociais atividade colaborativa. A ciência na educa- tora Inpa, Manaus, AM) e “Biodiversidade e monitoramento ambiental integrado” de William na Amazônia. ção para a cidadania tem como propósito Magnusson e colaboradores, publicado em 2013 (Áttema Editorial, Santo André, SP), mostram Mesmo ainda possuindo desníveis regio- contribuir para o debate em torno do seu parte dos avanços no conhecimento nesta imensa região e os desafios a serem enfrentados. Guias de identificação de anuros, lagartos, cobras, samambaias, Zingiberales, leguminosas her- nais, o conhecimento obtido desde 2004, papel na educação científica e na formação báceas, fungos micorrízicos e arbusculares, formigas, fungos de liteira e palmeiras, publicados quando o PPBio foi criado, permitiu incor- de uma cidadania para a participação na to- pelo PPBio, encontram-se disponibilizados gratuitamente, em versão digital, no site do PPBio porar ações socioambientais e socioeduca- mada de decisões. Somente uma rede ex- (http://ppbio.inpa.gov.br/public). tivas com profundidade, permeabilidade tensa e eficaz, como a do PPBio, pode con- e maior segurança. Os Núcleos Regionais tribuir para vencer esses desafios.

118 119 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade PPBIO AMAZÔNIA

A rede de pesquisas do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) é a base do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (INCT-CENBAM). Criado em 2008, o Cenbam atua em nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A rede é formada por Núcleos Executores e Núcleos Regio- nais. Os Núcleos Executores têm o papel de promover o intercâmbio entre os Nú- cleos Regionais e de facilitar o acesso dos pesquisadores aos sítios de pesquisa, além de garantir a manutenção da infraestrutura de acampamentos e a manuten- ção dos sistemas de trilhas e parcelas. Os Núcleos Executores estão sediados no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), na cidade de Manaus, e no Pesquisadores, professores e alunos da rede PPBio Amazônia Ocidental reunidos no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém. Os Núcleos Regionais estão Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus, AM sediados em instituições de pesquisa nas cidades de Manaus, Coari, Tefé, São Ga- briel da Cachoeira, Boa Vista, Porto Velho, Rio Branco, Sinop, Cáceres, Santarém, PPBio faz parte do consórcio internacional para o compartilhamento de dados, DataO- Palmas, Altamira, Belém, São Luís e Macapá. NE, e disponibiliza dados ecológicos através do sistema Metacat, adotado pelo Sistema A área de atuação do PPBio na Amazônia é composta por grande diversidade fito- de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr). Dados de coleções estão arma- fisionômica, incluindo florestas ombrófilas e semidecíduas, campinas e campinara- zenados e disponibilizados através dos programas Brahms e Specify, que estão ligados à nas, savanas, várzeas, igapós, campos rupestres e campos de altitude. Estados onde rede speciesLink1, um sistema distribuído de informação que integra dados primários de o PPBio desenvolve suas atividades possuem fronteiras com diversos países, como coleções científicas. A maioria dos Núcleos Regionais não tem capacidade para armaze- Guiana Francesa, Guiana, Suriname, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. Incluem nar e disponibilizar seus dados ecológicos, de inventários e outros diretamente na rede áreas com altitudes que variam de 30 m até 2.994 m acima do nível do mar, incluin- e, portanto, usam os repositórios centrais dos Núcleos Executores. do o Pico da Neblina. Também, inclui grande número de etnias indígenas e 77,2% das O PPBio tem um papel estratégico na integração de programas de capacitação de re- terras indígenas formalmente homologadas por decreto e regularizadas no Brasil. cursos humanos nos diferentes níveis de formação na bacia Amazônica. Diversas uni- A aprovação desta rede pelo governo federal em edital aberto mostrou o reco- versidades e instituições de pesquisa que atuam na Amazônia oferecem a capacitação nhecimento do papel do PPBio nos estudos da biodiversidade amazônica, e tem de recursos humanos, tanto no meio acadêmico como não acadêmico, em aspectos re- permitido a interação com instituições sediadas em outros países amazônicos, além lacionados à biodiversidade. O PPBio, em colaboração com o INCT-CENBAM, tem atua- de intercâmbio com pesquisadores da Europa, Estados Unidos, Japão e Austrália. O

1 Disponível em splink.cria.org.br

120 121 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade ção em todos estados da Amazônia brasileira e, desde o começo do programa, realiza da região. A criação dos Núcleos Regionais e a capacitação de pessoal nesses núcleos cursos, oficinas e outras atividades, capacitando funcionários de agências ambientais, permitiram criar um efeito multiplicador, onde o pessoal já capacitado passou a minis- professores e estudantes universitários, técnicos de empresas privadas e moradores de trar cursos, contribuindo para a descentralização dos treinamentos. Parcerias com o se- comunidades locais. No entanto, os cursos ministrados até o momento foram pontuais tor produtivo e empresarial também obtiveram bom resultado e apresentam grande e concentrados nas capitais estaduais, além de proverem pouco apoio aos participantes potencial. As parcerias também permitiram a publicação de trabalhos de alto impacto das cadeias de produção não acadêmicos, como comunidades locais e donos de micro disseminando o conhecimento da biodiversidade em colaboração com redes internacio- empreendimentos. O maior desafio hoje consiste em descentralizar os treinamentos e nais, como a rede Amazônica de Inventários Florestais (Rainfor) e a Rede da Diversidade torná-los mais acessíveis aos diversos atores envolvidos. No âmbito acadêmico, alunos de Árvores da Amazônia (ATDN). realizaram ou estão realizando suas dissertações e teses dentro do programa, contri- buindo diretamente para o conhecimento da biodiversidade, o desenvolvimento de pro- tocolos para estudos de impactos ambientais e o monitoramento da biodiversidade. Os Núcleos Executores da rede do PPBio oferecem, regularmente, cursos e oficinas so- bre organização, manejo e disponibilização de dados para coleções biológicas e projetos ecológicos, sobre instalação de infraestrutura de campo, sobre levantamentos de espé- cies alvo, estatística e preparação de publicações, além de cursos específicos por deman- da, como cursos sobre o uso de equipamentos e identificação de grupos taxonômicos. Também são responsáveis por realizar reuniões regulares que promovem a organização e a compilação de resultados e o intercâmbio entre pesquisadores de diferentes Núcle- os Regionais, por manter listas de discussão sobre tópicos de interesse que auxiliam a nortear a pesquisa integrada, e cuidar dos sites onde o público pode obter informações sobre o programa. Para disseminar informações sobre a biodiversidade tanto para pes- quisadores como para um público mais amplo interessado, (por exemplo, estudantes e guias turísticos), o PPBio produziu guias de identificação para vários grupos biológicos. Todas as publicações são fornecidas gratuitamente para organizações ou instituições lo- calizadas na Amazônia e disponibilizados em versão digital no site do PPBio2. Os desafios logísticos que a Amazônia oferece exigiram o desenvolvimento deuma rede de capacitação que permitisse que o treinamento chegasse aos diferentes estados

2 http://ppbio.inpa.gov.br/public Árvore emergente em barranco

122 123 amazonia^ Conhecendo a Biodiversidade ~ Compartilhamento e Integracao, de Dados ~ a construcao, do conhecimento sobre biodiversidade

Debora Pignatari Drucker Flávia Fonseca Pezzini

O conhecimento sobre a biodiversidade dados. Após visitarem densas florestas, brasileira é fundamental para o suces- caminharem por campos abertos ou inves- so na sua conservação e uso sustentável. tigarem qualquer outro ecossistema, de- Acompanhar as mudanças na diversidade pois de consultarem imagens de satélites, e na distribuição das espécies e suas re- bases de dados e outros instrumentos, os lações com o ambiente permite definir pesquisadores voltam aos seus laborató- estratégias e mecanismos efetivos para a rios com os dados sobre o que viram e as conservação. Mas como são obtidas as in- amostras que recolheram, quando neces- formações que permitem conhecer cada sário. Essas dados são registrados, orga- espécie? Estimativas apontam que a biota nizados e analisados de maneira específi- brasileira representa mais de 20% da biota ca de acordo com o que se quer estudar, mundial. Diante de tamanha grandiosida- resultando em informações. Os materiais de, como os pesquisadores fazem para co- são processados e analisados em labora- nhecer a biodiversidade e seus processos? tórios ou em coleções científicas. Como podem analisar se uma determina- Dados são a base da pesquisa científica da atividade econômica está realmente em todos os campos do conhecimento, sendo sustentável? não apenas nas áreas relacionadas à bio- A resposta para essas e outras perguntas, diversidade. São peças fundamentais para por incrível que pareça, é a mesma: eles embasar o avanço da ciência e informar a fazem isso integrando e compartilhando tomada de decisões. Podem ser obtidos

124 125 dados Conhecendo a Biodiversidade de diferentes maneiras, em diferentes lo- Entretanto, para que as diferentes infor- ecológicos, sobre as interações entre espé- cais e analisados e reanalisados mesmo mações sejam combinadas é necessário cies, por exemplo; dados de distribuição muito tempo depois de sua obtenção. que os diversos grupos de pesquisa con- geográfica de organismos; dados de expe- Pesquisas em biodiversidade são for- siderem pontos tais como: precisam sa- rimentos de campo, laboratório ou casa de temente baseadas em representações ber da existência dos diversos conjuntos vegetação, entre outros. Os levantamentos quantificáveis, ou seja, números que- re de dados. Depois, precisam ter acesso a realizados para obter esses dados são pla- presentam entidades ou fenômenos, e es- eles. E, para utilizá-los, precisam entender nejados com meses de antecedência e, na timativas. Uma pesquisa pode incorporar como foram obtidos e se são dados bru- maioria das vezes, direcionados ao estudo dados coletados por pesquisadores em tos, ou seja, se são apresentados assim de um grupo biológico ou um fenômeno diferentes locais, assim como dados pu- como foram coletados em campo, antes ecossistêmico pré-determinado. blicados em repositórios ou na literatura de qualquer análise. Precisam ainda iden- De acordo com as características das per- para serem reanalisados em novos estu- tificar os responsáveis pelos dados, bem guntas que os pesquisadores querem res- dos. Os dados podem também ser inte- como os direitos de uso e redistribuição ponder, são definidos os instrumentos de grados de modo a construir um conheci- dos mesmos, de modo a assegurar o de- Oficina de gerenciamento de medição, a composição da equipe, os ma- dados e metadados em ecologia mento complexo. É possível, por exemplo, vido crédito aos autores e viabilizar novas oferecidos pelo PPBio contrinuem teriais para a preservação das amostras, integrar dados de organismos diferentes parcerias científicas a partir de colabora- para a divulgação da importância a estrutura da tabela a ser preenchida no que ocorrem em um mesmo local, como ções em novas análises e interpretações e e do cuidado com a qualidade e do campo, os dispositivos eletrônicos para a compartilhamento de dados dados sobre a estrutura da vegetação e na publicação de resultados. gravação, dentre outros itens importantes a diversidade de aves em uma unidade Com as novas tecnologias computacio- para o sucesso de uma expedição. É tam- de conservação. É possível combinar da- nais, a quantidade de dados disponíveis cursos para sua obtenção que não podem bém recomendável que o planejamento dos de um mesmo grupo em tempos di- para a pesquisa tem aumentado de forma ser desperdiçados. do trabalho de campo incorpore aspec- ferentes, como a variação da composição acelerada. Ao mesmo tempo, o avanço nas tos sobre a organização e o uso futuro da comunidade de aves dessa unidade de tecnologias de comunicação tem tornado Dados sobre biodiversidade dos dados. Isto significa considerar todo conservação em diferentes estações do a ciência cada vez mais colaborativa. Por- Há inúmeros tipos de dados que são o ciclo de vida dos dados – um contínuo ano. Ou ainda, combinar informações de tanto, cada um desses passos – aquisição, coletados continuamente pelos cientistas de etapas de curadoria necessárias para diferentes grupos biológicos em diferen- gestão, compartilhamento e divulgação de para representar a biodiversidade: dados transformá-los em novo conhecimento. tes locais e tempo – para descobrir, por dados científicos –, e especialmente a boa taxonômicos, relacionados à classificação Em uma perspectiva ampla, curadoria de exemplo, como a comunidade de aves va- documentação de um conjunto de dados, de seres vivos em grupos como espécies, dados científicos é entendida como o con- ria ao longo do ano em áreas com diferen- tem cada vez mais importância. Dados de gêneros e famílias; dados ambientais, junto de atividades e processos realizados tes estruturas de vegetação. campo têm alto valor, exigem esforço e re- como aqueles sobre o solo e o clima; dados para gerenciar, manter, validar e armaze-

126 127 dados Conhecendo a Biodiversidade Planejar

quais levarão ao início de um novo ciclo de Dados publicados em repositórios ou na Analisar Coletar planejamento de novas investigações para literatura podem ser reanalisados em no- respondê-las. A disponibilização pública vos estudos. Tecnologias computacionais dos dados em repositórios científicos au- facilitam a produção, o acesso e a integra- menta muito o aproveitamento e o valor ção de dados de procedência diversa como social das pesquisas, uma vez que possi- dados obtidos por sensoriamento remoto, bilita o cruzamento de dados produzidos frequentemente por meio de satélites; da- Integrar Validar por diferentes grupos de pesquisa, e vem dos gerados por sensores de campo, como sendo cada vez mais exigida por revistas estações meteorológicas; ou câmeras que científicas e agências de financiamento. registram a presença de vertebrados. Ain- As perguntas a serem respondidas por da assim, a obtenção continuada de dados um grupo de cientistas podem não ser as em campo por pessoas é imprescindível Descobrir Descrever mesmas perguntas de interesse de outro para produzir representações da biodiver- grupo. Entretanto, frequentemente, os sidade confiáveis. Esses dados dependen- dados brutos coletados por um grupo são tes da observação e anotação humana ca- Preservar úteis para outros grupos, especialmen- racterizam-se por seu alto valor agregado, te se forem coletados em uma mesma tanto do ponto de vista do esforço empre- área ou em uma mesma escala espacial. endido para sua obtenção, bem como sob Ciclo de vida dos dados, desde seu planejamento e geração até sua preservação, Um exemplo são os dados coletados em o aspecto dos recursos necessários para integração e análise, produzindo resultados que levarão ao avanço do conhecimento e estimularão novas perguntas, levando a um novo ciclo. parcelas permanentes, que são áreas de- viabilizar sua aquisição. São heterogêne- Fonte: adaptado de https://www.dataone.org/best-practices limitadas em locais de interesse para co- os, com variações no formato, modelo e leta de dados e amostradas durante longo semântica, características desafiadoras prazo e nos quais inúmeros projetos de em termos de viabilizar sua preservação, pesquisa diferentes são conduzidos. Uma recuperação e reutilização. nar dados de pesquisa de forma a preser- até sua recuperação por buscas e consul- característica de parcelas permanentes é Por exemplo, quando o interesse está vá-los e permitir seu reuso. tas, sua integração, análise e publicação o investimento em infraestrutura e condi- voltado para a compreensão da quanti- O ciclo de vida dos dados abrange eta- dos resultados. Como a construção do ções de pesquisa para viabilizar a investi- dade estocada e da dinâmica de carbono pas que vão desde a geração e aferição conhecimento é contínua, uma volta no gação de fenômenos que demandam um em uma floresta, pesquisadores utilizam de sua qualidade, a documentação (com ciclo produzirá resultados que incitarão a longo período de observações e coleta de uma série de técnicas em conjunto. Boa metadados apropriados) e preservação, geração de novas perguntas científicas, as dados para serem compreendidos. parte do carbono estocado em uma flo-

128 129 dados Conhecendo a Biodiversidade resta está armazenado nas árvores. Para dições de altura e diâmetro realizadas. A estimar a quantidade estocada no compo- localização das árvores também é registra- nente arbóreo, é preciso medir o diâme- da, normalmente com os valores x e y de tro e a altura das árvores de determinado um plano cartesiano. Esse procedimento local. Em geral, a parcela no campo, seja viabiliza que novas informações atribuídas ela permanente ou temporária, é identifi- a cada árvore sejam registradas e compa- cada e marcada com estacas e fitas. Mui- radas. Além de todo o esforço para medir tas vezes, os dados de altura são estima- as árvores acima do solo, um grande de- dos, por diferentes técnicas, pois é difícil safio no estudo da estocagem de carbono visualizar o topo das árvores. No caso do é a medição de sua presença nas raízes, diâmetro, há um protocolo a ser seguido, um processo custoso. Para aumentar ain- e convencionou-se medi-lo à altura do da mais a complexidade, há também o peito, considerado como 1,30 m do solo. componente da respiração do solo para As medições são anotadas em planilhas ser contabilizado nas equações de carbo- de campo, nas quais são anotadas tam- no. Além disso, diferentes espécies têm bém singularidades das árvores medidas, diferentes densidades de madeira, o que como o fato de algumas delas bifurcarem também afeta as estimativas. Para se co- antes da altura de 1,30 m. Todo e qual- nhecer as diferentes espécies, é preciso quer detalhe é importante para o resulta- identificá-las, o que requer a amostragem

do final e por isso o cuidado em anotá-lo de galhos, folhas, flores e frutos. O mate- Par cela permanente devidamente é essencial. rial coletado, chamado de testemunho ou Como, normalmente, há o interesse em voucher, é acondicionado em prensas que acompanhar o crescimento das árvores ao serão secas em estufas. longo do tempo, um número de campo é Não importa qual a pergunta ou o obje- atribuído a cada uma delas. Esses núme- tivo da pesquisa, é sempre preciso coletar ros, registrados também em pequenas o material testemunho. Trata-se de exem- placas fixadas nas árvores, passam a ser plares dos organismos estudados que são

seus códigos de identidade e são infor- coletados exclusivamente para armazena- Parcelas permanentes permitem integrar estudos sobre diferentes matizados em bases de dados no compu- mento em coleções científicas. O material grupos de organismos e processos ecológicos, em diferentes épocas, tador, juntamente com os dados das me- testemunho pode ser uma planta (geral- contribuindo para gerar informação e conhecimento a longo prazo.

130 131 dados Conhecendo a Biodiversidade mente partes contendo folhas, flores ou diferente de acordo com o herbário no vel agregar informações a eles ou corrigir Um dos desafios relacionados à preser- frutos), que será incorporada a herbários; qual foi depositada, mas todas estarão erros, aumentando sua qualidade e utili- vação de dados sobre biodiversidade para exemplares de animais que serão incorpo- interligadas pelo nome e número do co- dade. Aquela mesma árvore marcada em reuso futuro é acompanhar as mudanças rados à coleções zoológicas; ou mesmo te- letor. Assim, todos os espécimes que fo- uma parcela permanente em um estudo que ocorrem nos sistemas de referência cidos, tanto de animais como de plantas, ram estudados em um levantamento de sobre estoque de carbono, por exemplo, taxonômicos ao longo do tempo. Caso o cujas coleções vêm crescendo cada vez campo possuem informações associadas será estudada com outros objetivos. É taxonomista faça uma nova determina- mais em importância. nos respectivos metadados e também possível ter, além do nome que identifi- ção, é desejável poder rastrear todos os Ao coletar um voucher, os pesquisadores material testemunho depositado em co- ca a espécie, uma série de informações, estudos aos quais ela está ligada e atua- também anotam as informações associa- leções científicas. tais como: medidas de diâmetro e altu- lizar seu nome. Isso inclui outras bases de das, chamadas tecnicamente de metada- O controle do nome e número de cole- ra (estrutura); dados sobre crescimento dados online, como o de sequências ge- dos. Essas informações incluem o local, as tor é muito importante e deve ser feito (dinâmica), produção de flores, frutos e néticas, GenBank. Mas todas podem estar coordenadas geográficas e a data de co- pelo pesquisador. O número é um iden- renovação de folhas (fenologia); quantifi- ligadas ao voucher depositado em uma leta, o nome do coletor e seu número de tificador único que pode ser citado como cações do tipo de solo em que ela ocorre; coleção, o que facilita a realização de mu- coleta, informações taxonômicas, e quem referência em artigos científicos, seja de quais animais a polinizam e se alimentam danças conforme elas ocorram. identificou o indivíduo coletado. Esse últi- revisão taxonômica ou estudos ecoló- dela e quais são seus predadores (intera- mo, muitas vezes, incorporado aos meta- gicos. Nos últimos anos, sequências ge- ções ecológicas); ou quais compostos quí- A importância do cuidado com os dados dados posteriormente. néticas depositadas em bases de dados micos ela produz e para que eles podem O trabalho com dados requer cuidado e Assim que o voucher é depositado em online, como o GenBank1, passaram a ser úteis (bioprospecção); como ela lida atenção. Rasuras e falta de informações uma coleção, ele recebe um número de utilizar esse código como referência dos com as variações de disponibilidade de no preenchimento de fichas de campo tombo, número exclusivo que o identi- dados ali depositados. O número de co- luz e água (fisiologia); em quais outros lu- ocasionam problemas de interpretação fica como um item daquela coleção. Em letor é também de extrema importância gares essa mesma espécie está presente nas análises futuras. Erros de digitação co- pesquisas botânicas, normalmente vá- para rastrear e atualizar informações so- (distribuição geográfica); há quanto tem- metidos, por exemplo, ao criar uma tabela rias duplicatas de um mesmo indivíduo bre as espécies nas diferentes coleções, po essa espécie se diversificou e está ali a partir das anotações nas fichas de cam- são coletadas e distribuídas por diferen- bem como para associa-las aos dados co- naquele ambiente (biogeografia); entre po, também devem ser evitados, e todo tes herbários, prática que pode ser mais letados em campo. outros dados. Em geral, essas informa- dado digitado deve ser conferido. Quan- difícil em pesquisas zoológicas. Cada Dados sobre biodiversidade são dinâ- ções são obtidas ao longo de meses ou do os dados são adquiridos por meio de duplicata recebe um número de tombo micos: com o passar do tempo é possí- anos por meio de estudos realizados por sensores e armazenados em dispositivos diferentes grupos de pesquisa — muitas de gravação automáticos, é preciso reali-

1 O GenBank é uma base de dados de sequências genéticas amplamente utilizado, que pode ser consultada em http:// vezes são produto de várias dissertações zar procedimentos de verificação que au- www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/ de mestrado e teses de doutorado. xiliem a detectar valores improváveis que

132 133 dados Conhecendo a Biodiversidade possam estar sendo registrados devido, cional de Análise e Síntese Ecológica por exemplo, a problemas de calibração (NCEAS, na sigla em inglês), da Univer- de instrumentos. sidade da Califórnia, em Santa Bárbara, Ao realizar seu experimento, um pesqui- nos Estados Unidos, reúne pesquisado- sador tem claros os detalhes necessários res que buscam integrar e analisar da- para usar o conjunto de dados obtidos. dos ecológicos para produzir estudos de Sabe como uma coleta foi feita, como síntese do conhecimento. A experiência o experimento foi montado ou o tipo, desses cientistas mostrou que encontrar, marca e modelo dos aparelhos utilizados acessar e compreender dados coletados — após realizar o experimento essas in- por outros pesquisadores para poder in- formações estão vivas em sua memória. tegrá-los eram algumas das etapas mais Mas elas logo se perderão se não forem demoradas e trabalhosas da pesquisa. organizadas, seja no papel ou no compu- Essa constatação levou a equipe de tador. Além de ficarem indisponíveis para ecoinformática do NCEAS a desenvolver outras pessoas caso isso não seja feito, é ferramentas computacionais de código muito provável que o próprio pesquisador aberto para armazenar, organizar e pre- esqueça a maioria dos detalhes em pouco servar dados ecológicos. Uma dessas fer- tempo. A falta de registro organizado dos ramentas é o Metacat, um repositório no dados, obtidos às custas de muito esforço qual dados e seus respectivos metadados e com recursos financeiros e humanos, in- são armazenados e documentados em viabiliza que eles sejam aproveitados em uma estrutura e linguagem fixa, seguindo seu máximo potencial. um padrão chamado “Ecological Metada- ta Language - EML’’. Computação, uma aliada O Metacat é um repositório flexível e, A organização de dados sobre a biodi- justamente por isso, é recomendável a versidade em uma só base de dados pode presença de um gestor de dados, uma ser muito complexa, dada a variedade de pessoa que assegura que a documentação tipos de informações que podem ser co- seja feita de forma a viabilizar o reuso dos Pesquisadores trabalhando em parecelas permanentes: investimento em letadas e a dificuldade de prever quais dados. Em 2010, o Programa de Pesquisa infraestrutura para pesquisas de médio e longo prazo integrando dados serão coletadas no futuro. O Centro Na- em Biodiversidade Amazônia Ocidental coletados por diferentes equipes

134 135 dados Conhecendo a Biodiversidade (PPBioAmOc) começou a usar o Metacat ção de termos padronizados, de modo a Science Foundation’’ nos Estados Unidos para armazenar dados e metadados. Desde favorecer o uso de palavras-chave iguais e o “Natural Environment Research Coun- 2005, há, no PPBioAmOc, uma pessoa ex- para representar o mesmo fenômeno ou cil’’ no Reino Unido, já exigem que os pes- clusivamente responsável por garantir que entidade. Por exemplo, o uso das palavras quisadores incluam um plano de gestão as informações sejam providenciadas pelos “sapo” e “anura” como palavras-chave em de dados na proposta de pesquisa a ser pesquisadores e, posteriormente, disponi- diferentes metadados pode influenciar submetida para financiamento. Esse pla- bilizadas. A presença do gestor de dados foi os resultados exibidos em determinada no deve incluir informações como quem um fator determinante para os resultados busca. Diversos grupos vêm trabalhando, será o responsável pelos dados, quais os positivos do programa, colaborando para nacional e internacionalmente, com o de- tipos de dados produzidos, padrões de o incremento contínuo na quantidade de senvolvimento de técnicas para facilitar dados e metadados que serão adotados, dados depositados no repositório. Pesqui- Número acumulativo de metadados essas representações, favorecendo o que onde e como serão preservados ao longo sadores, muitas vezes, precisam de orien- disponíveis no repositório PPBio Am-Ac de chamamos de interoperabilidade semân- dos anos, mesmo depois que o projeto ti- 2005 a 2014. O incremento anual de dados tação de como organizar e disponibilizar tica. É também fundamental descrever os ver sido encerrado, quem terá acesso a es- descritos e organizados no sistema demonstra seus dados e raras vezes de incentivo e ex- a adesão da comunidade de pesquisa aos procedimentos usados para integrar os ses dados, como eles serão disseminados, plicação de porque é importante. O gestor procedimentos de gestão de dados. dados, os códigos e as equações utilizadas reutilizados e compartilhados. Além disso, de dados auxilia o pesquisador a realizar as nas análises, e os métodos de visualização importantes revistas científicas internacio- boas práticas ao longo do ciclo de vida dos de dados escolhidos. Essas práticas ainda nais na área de biologia, como “American dados, em especial nas etapas de valida- Morpho, a qual interage com o Metacat. são incomuns na comunidade científica, Naturalist’’ e “Heredity’’, passaram a exi- ção, descrição e preservação, assegurando Essa ferramenta funciona como um guia mas provavelmente passarão a ser mais gir que os dados relacionados aos artigos seu reuso e a reprodutibilidade de resulta- para a estruturação de metadados em con- frequentes ao longo dos próximos anos, à nelas publicados sejam disponibilizados dos. Uma política de dados bem definida é sonância com padrões abertos amplamen- medida que as ferramentas e tutoriais se em repositórios públicos. outro fator chave que vem consolidando a te adotados, criando arquivos em formato tornem mais acessíveis. No Brasil, algumas agências vêm sinali- cultura do compartilhamento de dados no XML – uma linguagem de marcação que fa- zando a adoção de procedimentos seme- PPBio AmOc2. cilita a recuperação da informação por me- O futuro da gestão e compartilhamento lhantes aos das agências de fomento ame- Pesquisadores e gestores de dados utili- canismos de busca, utilizando por exemplo de dados sobre biodiversidade ricana e britânica, o que indica que a prá- zam para seu trabalho outro programa cria- palavras-chave. Em muitos países, os dados brutos co- tica de planejamento da gestão de dados do pelo NCEAS, uma ferramenta de edição Mas ainda há desafios a serem vencidos. letados pelos pesquisadores começaram passará a ser uma realidade também no de metadados, também no EML, chamada É preciso, por exemplo, estimular a ado- a ser reconhecidos e tratados como um contexto nacional. Essa iniciativa beneficia dos principais produtos das pesquisas. as pesquisas e é exemplo de transparência Agências de fomento, como a “National e bom uso de recursos públicos. 2 A política de dados do PPBio pode ser consultada em https://ppbio.inpa.gov.br/sites/default/files/politica_dou.pdf

136 137 dados Conhecendo a Biodiversidade Cada vez mais há interesse em compre- tricas possibilitam analisar a atenção que ficos acessíveis a todos os níveis da uma madas sobre ações tomadas no mundo. ender de que maneira os resultados de determinado produto de pesquisa alcan- sociedade, facilitando a comunicação so- Nessa perspectiva, a existência de dados pesquisas levam a transformações na so- çou, ou seja, quantas pessoas foram ex- bre ciência entre profissionais e amado- abertos sobre biodiversidade permite a ciedade. Métricas tradicionais de impacto postas ao conteúdo, sua disseminação res em benefício de todos. O movimen- tomada de decisões com base em fatos e de pesquisas são baseadas em citações de – onde e como um resultado de pesquisa to é baseado no princípio de que dados em conhecimentos e deve ser estimulada artigos científicos em novos artigos científi- está sendo discutido ou compartilhado, o acessíveis proporcionam escolhas infor- no Brasil. cos, ou seja, avaliam o impacto na esfera da impacto e sua influência, tanto entre cien- ciência. Como complemento, métodos ino- tistas como na esfera pública. vadores para a medição dos impactos da ci- Outra tendência na relação da socieda- ência vêm sendo propostos por grupos que de com os dados científicos é o aumento pesquisam como detectar os acessos aos de atividades de ciência cidadã (do inglês resultados de pesquisas no mundo digital, “citizen science’’). A ciência cidadã busca Sugestões de leitura uma nova área de pesquisa que tem sido engajar voluntários não especializados Um panorama dos dados existentes sobre a biodiversidade brasileira e as principais lacunas do chamada de altmetria, nome derivado de em atividades relacionadas à ciência. Um conhecimento é apresentado nos dois volumes do livro “Avaliação do Estado do Conhecimen- métricas (ou medições) alternativas. exemplo interessante é o WikiAves3, pla- to da Biodiversidade Brasileira”, de Thomas Michael Lewinsohn, publicado e disponibilizado na internet pelo Ministério do Meio Ambiente (2006). Para saber mais sobre o repositório de da- Na altmetria, as informações sobre o taforma digital na qual observadores de dos do PPBio, com ênfase em dados de vegetação, consulte o artigo “The Brazilian Program for acesso às informações científicas são- re aves divulgam dados sob a forma de ima- Biodiversity Research (PPBio) Information System”, escrito por Flávia Pezzini e colaboradores e gistradas a partir da interação das pessoas gens, sons, textos e outros. Redes como disponível em http://bit.ly/1QBerT4. Há diversos portais para consulta: “Biodiversity Informa- (pesquisadores ou não) com portais de ci- essa possibilitam a interação entre espe- tion Standards” (www.tdwg.org/), traz informações sobre padrões adotados nacional e inter- ência, por exemplo, pelo registro de visu- cialistas e interessados e colaboram com nacionalmente para dados de biodiversidade; DataOne (www.dataone.org/) apresenta dados alizações e downloads de conteúdos cien- a compreensão de fenômenos associados de organizações de todo o mundo, informações sobre boas práticas de gestão de dados, além tíficos, discussões em blogs de ciência, à biodiversidade e com a conservação de de eventos e webinars. Dados sobre espécies, inclusive de vouchers coletados no Brasil e de- citações na Wikipedia ou em documentos espécies e ecossistemas. positados como material testemunho em coleções brasileiras estão disponíveis no Sistema de voltados para políticas públicas, divulga- Os novos interesses e padrões de intera- Informação sobre a Biodiversidade Brasileira – http://www.sibbr.gov.br/, o qual está vinculado à ção em mídias jornalísticas e compartilha- ção com o conhecimento científico estão iniciativa internacional Global Biodiversity Information Facility - http://www.gbif.org/. Altmetric mento, etiquetagem e comentários sobre em consonância com o movimento mun- (www.altmetric.com) apresenta métricas alternativas e é voltado a instituições, financiadores, editoras e pesquisadores. A Rede pelo Conhecimento Livre (http://br.okfn.org/) busca tornar a conteúdos científicos em mídias sociais dial em prol da ciência aberta, ou “open relação entre governo e sociedade mais transparente. Sobre ciência cidadã, sugerimos o portal como Twitter, Facebook ou G+. Essas mé- science’’, que busca tornar dados cientí- www.citizenscience.org. Sobre curadoria de dados em repositórios institucionais, sugerimos a leitura do artigo “The Data Curation Continuum: managing data objects in institutional reposito- 3 O portal WikiAves é direcionado à comunidade de observadores de aves, os quais podem contribuir com conteúdo no endereço http://www.wikiaves.com.br/. ries”, de Andrew Treolar e colaboradores, disponível em http://bit.ly/1ThCJan.

138 139 dados Conhecendo a Biodiversidade ~ Principios´ e desafios da restauracao, ecologica´ em ecossistemas brasileiros

Gerhard E. Overbeck Milena F. Rosenfield Mariana S. Vieira Sandra C. Müller

No século XXI, a restauração ecológica tor- trutura e no funcionamento dos processos nou-se parte fundamental da conservação ecológicos, considerando-se seus valores em reação às grandes perdas de ecossiste- ecológicos, econômicos e sociais. A restau- mas naturais e ao forte impacto das ações ração ecológica só funciona de fato quando humanas sobre os remanescentes no mun- também considera questões socioeconô- do inteiro. Atualmente, para manter a diver- micas, nas quais a população local tem pa- sidade biológica e os processos e serviços pel imprescindível para o sucesso dos pro- ecológicos, fundamentais à humanidade, é jetos. Além disso, questões associadas aos preciso restaurar ambientes degradados. custos e potenciais benefícios ecológicos e A restauração ecológica é definida pela socioeconômicos são fundamentais no pla- Sociedade para a Restauração Ecológica nejamento estratégico de restauração eco- (SER, do inglês Society for Ecological Res- lógica de áreas degradadas. toration) como “o processo de auxílio ao A importância da restauração ecológica restabelecimento de um ecossistema que é reconhecida e apoiada por diversas ini- foi degradado, danificado ou destruído’’. ciativas. No âmbito da Convenção sobre Ações de restauração ecológica envolvem Diversidade Biológica (CDB), uma das cha- diferentes setores e atores da sociedade madas metas de Aichi1 é recuperar, até o e buscam restabelecer um nível mínimo ano 2020, no mínimo 15% dos ecossiste- de biodiversidade e de variabilidade na es- mas degradados de todo o mundo. Esse

1 As Metas de Aichi para a Biodiversidade são voltadas à redução da perda da biodiversidade em âmbito mundial. Plantio de espécies de rápida Detalhes em http://portaldabiodiversidade.sp.gov.br/files/2014/06/Metas-de-Aichi.pdf cobertura em local com problema 140 141 de erosão ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade PONTOS CHAVE PARA A RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA

CONCEITOS Sucessão ecológica os biomas brasileiros, com a menor pro- ções geradas por essas pesquisas são de Fragmentação porção de vegetação natural em relação à suma importância para ações de restaura- Comunidades extensão original. ção, uma vez que para restaurar os ecos- Desde então, a restauração ecológica sistemas e sua biodiversidade é preciso AVALIAÇÃO OBJETIVOS no Brasil teve grandes progressos, pro- antes conhecê-los. RESTAURAÇÃO Estrutura/diversidade Objetivos e estratégia pulsionada por avanços científicos e pelo A restauração ecológica tem respaldo ECOLÓGICA Processos ecológicos Sistemas de referência reconhecimento da importância da biodi- na legislação ambiental brasileira, por Socioeconômico Recursos disponíveis versidade e de processos ecológicos para exemplo, por meio da Lei de Proteção da o bem-estar da humanidade. A partir de Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), mais TÉCNICAS 1980, os aspectos teóricos da ecologia conhecida como Código Florestal. A partir Plantio/semeadura ganharam maior destaque nos projetos dessa lei foi criado, em janeiro de 2015, o Nucleação de restauração, o que levou a um novo Plano Nacional de Recuperação da Vege- Manejo uso do conhecimento gerado pelas pes- tação Nativa (Planaveg), que, entre outras quisas sobre biodiversidade. As informa- medidas, prevê a restauração de no mí-

O planejamento envolve conceitos de ecologia que servem de base às definições de projeto e planejamento de ações. Após essas definições, são estabelecidas as técnicas a serem utilizadas e PROPORÇÃO DE REMANESCENTES DE ECOSSISTEMAS NATIVOS E RIQUEZA DE o projeto pode ter início. Por fim, devem ser definidas métricas claras para avaliar e monitorar ESPÉCIES NOS BIOMAS BRASILEIROS (FONTE: IBGE, FLORA DO BRASIL) o desenvolvimento da restauração. As setas laranjas simbolizam o manejo adaptativo e a revisão das ações a curto, médio e longo prazo Bioma Extensão total (mil km2) Remanescentes de Riqueza de espécies vegetação nativa de plantas (Flora do (IBGE 2012) Brasil)* ainda é um objetivo distante, e os desafios árvores. O objetivo principal não foi a res-

são grandes e complexos. tauração da biodiversidade, mas a preser- Amazônia 4.196,9 80% 14262 vação dos recursos hídricos — uma ação Cerrado 2.036,4 51% 13774 Muito mais que uma obrigação legal pioneira muito antes do termo “serviços Mata Atlântica 1.110,2 12% 20751 No Brasil, as primeiras iniciativas de res- ecossistêmicos” ser conhecido. Não é sur- Caatinga 844,5 46% 5963 tauração ecológica datam do século XIX, preendente que a primeira atividade de Pampa 176,5 46% 2041 quando, no atual Parque Nacional da Ti- restauração ecológica conhecida no Brasil juca, na cidade do Rio de Janeiro, foram tenha ocorrido na Mata Atlântica: o bio- Pantanal 150,4 85% 1592 recuperados ecossistemas florestais a par- ma sofreu os primeiros impactos da ação tir do plantio de mais de 70.000 mudas de humana e é hoje o mais degradado entre *Dados disponíveis em 07/08/2015. Os números não são completos, mas permitem uma visão geral da diversidade de plantas nos biomas.

142 143 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade O QUE SÃO SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS?

Características da comunidade nimo 12,5 milhões de hectares até o ano Além disso, há efeitos econômicos diretos propiciam que processos se BIODIVERSIDADE de 2035, incluindo a recuperação de áreas da recuperação de áreas degradadas, como desenvolvam Riqueza de espécies degradadas dentro de unidades de conser- a diversificação da renda dos produtores Composição de espécies vação, Áreas de Preservação Permanente, rurais e a criação de empregos, e efeitos Interações áreas de Reserva Legal e terras indígenas. indiretos, associados à disponibilidade de Uma ferramenta importante para o pla- água e à preservação do solo. nejamento de atividades de restauração É importante lembrar que cada projeto ecológica é o Cadastro Ambiental Rural, de restauração trará benefícios específi- que propõe o registro e a integração das cos, os quais dependem dos objetivos e PROCESSOS informações do uso da terra e do estado das características ecológicas do ecossis- ECOSSISTÊMICOS de conservação das propriedades rurais tema em questão. Cada atividade de res- Produtividade em âmbito nacional. tauração deve estabelecer objetivos cujo Ciclagem de Nutrientes Todavia, os benefícios da restauração eco- alcance possa ser medido. Para isso, são Polinização Regulação hídrica lógica vão além dos requerimentos legais e utilizadas características ecológicas de um da recuperação da biodiversidade: ela tem ecossistema de referência que permitem o potencial de reconstruir a cobertura ve- estabelecer metas de curto e longo prazo. getal de áreas degradadas e de áreas que O ecossistema de referência é geralmente conectam ecossistemas naturais, os cha- considerado como aquele que existia no Processos naturais geram recur- SERVIÇOS mados corredores ecológicos, contribuindo local antes da ação de degradação, e ser- sos ou suprem demandas que ECOSSISTÊMICOS para a melhoria das funções e dos proces- ve de base para a escolha das estratégias e não seriam obtidas sem eles Produção agrícola sos ecológicos e, consequentemente, com técnicas de recuperação, assim como para Produção de madeira a provisão de serviços ecossistêmicos. a seleção das espécies utilizadas no pro- Contenção de erosão Um serviço que tem recebido especial jeto. Mas, muitas vezes, não há como sa- Recarga de aquíferos atenção é a capacidade dos ecossistemas ber como era a composição e estrutura do de armazenar carbono, retirando o dióxi- ecossistema antes do distúrbio. Nestes ca-

Serviços ecossistêmicos são benefícios oferecidos pelo ecossistema e pela diversidade biológica do de carbono (CO2) da atmosfera. Dada sos, a referência passa a ser um ecossiste- aos seres humanos, servindo de base para ou melhorando sua condição de vida. Eles resultam dos essa capacidade, muitos projetos de res- ma sob condições ambientais semelhantes processos ecológicos oriundos da interação entre espécies ou de espécies com seu ambiente podem tauração contribuem para a mitigação das próximo à área degradada. ser divididos em três categorias principais: de provisão (comida, água potável e combustível), de regulação (regulação de clima, água e doenças), de suporte (produção primária e formação do solo). mudanças climáticas, um dos maiores pro- A determinação das metas da restaura- Adicionalmente, ecossistemas podem ter importância cultural (espiritual, estética e de recreação) blemas ambientais das últimas décadas. ção deve também considerar o grau do

144 145 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade PACTO PELA RESTAURAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA (PACTO)

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (Pacto) é uma ambiciosa iniciativa em prol impacto causado no ecossistema, o tama- ecológicos característicos do ambiente é da restauração florestal, em atividade desde 2009. Uma de suas principais metas é res- nho da área a ser restaurada e o contexto essencial para garantir o desenvolvimento taurar 15 milhões de hectares até o ano de 2050. O projeto envolve proprietários de da paisagem do entorno. Nem sempre é do ecossistema e sua sustentabilidade. A terras, empresas privadas, organizações não governamentais e diferentes esferas go- possível alcançar a meta de um ecossis- atuação de processos como produtividade vernamentais. Um de seus importantes produtos foi a indicação de locais prioritários tema de referência e, em algumas situa- primária (quantidade de matéria orgânica para restauração no bioma, buscando ampliar a conectividade entre os remanescentes ções, como no contexto urbano, é mais produzida num certo tempo e numa dada naturais. As ações do Pacto envolvem tanto projetos locais de restauração quanto con- plausível focar em objetivos associados a área, relacionada ao acúmulo de carbono tribuições às políticas públicas, e possibilitam a integração de esforços para viabilizar a serviços ecossistêmicos importantes para no ecossistema), ciclagem de nutrientes e conservação da biodiversidade. O projeto propõe métodos padronizados de monitora- a situação específica. Ainda assim, o pro- interações entre espécies, viabiliza a rege- mento e técnicas, de modo que ações em distintas áreas e regiões possam ser compara- jeto deve estabelecer objetivos claros e neração natural e a retomada da trajetória das, gerando maior conhecimento. realísticos, para que seja possível avaliar de sucessão de espécies e da resiliência, sua viabilidade de sucesso. definida pela capacidade e velocidade do A B ecossistema de se recuperar espontanea- Como restaurar? mente após um distúrbio. Ações de restauração começam com a Existem alguns princípios gerais da res- interrupção das fontes de degradação e tauração que se aplicam a ecossistemas perturbação (“distúrbio”, na linguagem florestais e outros que servem aos ecos- da pesquisa ecológica) e o restabeleci- sistemas não florestais. Em ecossistemas mento da estrutura física que sustenta a aquáticos, seja em rios, lagos ou no mar C D comunidade, como as características do (não abordados aqui), as ações de restau- solo. O objetivo dessa primeira etapa é ração devem também abranger as condi- criar um ambiente no qual a vegetação ções físicas da água e do substrato. possa se desenvolver. Em seguida tem início a restauração do Restauração de ecossistemas florestais componente biótico, cuja meta, de modo Os métodos e técnicas para restauração geral, é recuperar a estrutura da vegetação, florestal já são amplamente difundidos em visando o desenvolvimento de espécies virtude da grande demanda pela conser- O componente biótico na restauração ecológica. A. Plantio de espécies arbóreas em local com problema de erosão. B. Experimento de introdução de espécies campestres nativas a partir nativas e de uma fisionomia semelhante vação e recuperação de florestas, princi- do feno em áreas degradadas pelo plantio de Pinus. C. Área de restauração florestal com alta ao ecossistema original. Nessa etapa, pro- palmente na Mata Atlântica. As estratégias cobertura de gramínea que impede a regeneração de espécies nativas e exige medidas de mover o restabelecimento dos processos se dividem basicamente em dois grupos: controle. D. Poleiros artificiais que servem para atrair aves dispersoras de sementes

146 147 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade deve considerar suas características ecoló- de referência, não se restringindo à ava- gicas e seu potencial de estabelecimento liação do crescimento de árvores. É pre- nas distintas fases de restauração, com in- ciso também enfrentar os maiores desa- tervenções a curto, médio e longo prazo, fios para a restauração de áreas florestais visando à retomada da trajetória de suces- atualmente: a carência de conhecimento são das espécies no ecossistema. sobre os efeitos da diversidade de espé- Além do plantio de mudas, há um con- cies, da diversidade genética e da diversi- Para recuperar a floresta ao longo do curso do rio é preciso recompor totalmente o substrato e o junto alternativo de técnicas que podem dade funcional para o sucesso da restau- próprio leito do rio com obras de engenharia. Sob condições tão adversas, não é possível saber ser utilizadas, como a instalação de po- ração, bem como a pouca habilidade em se o ecossistema de referência será restaurado, sendo fundamental almejar metas intermediárias leiros artificiais para atração de aves dis- incluir interesses socioeconômicos nas para poder avaliar o progresso da restauração persoras de sementes e a transposição de ações, o que poderia ampliar e difundir a solo de áreas conservadas (com a conse- prática da restauração ecológica em áreas a restauração ativa, que propõe uma in- primeiros passos consideram a reestrutu- quente transferência de sementes, raízes, degradadas em âmbito privado. tervenção direta para acelerar o desenvol- ração do substrato. propágulos e organismos para a área em vimento da vegetação, como o plantio de Na restauração ativa, embora diversas restauração). Essas técnicas almejam o Restauração de ecossistemas não flores- mudas ou a semeadura; e a restauração técnicas tenham sido desenvolvidas, a progresso do sistema de modo mais próxi- tais passiva, na qual a área degradada é isolada mais utilizada é o plantio de mudas. A mo ao natural, agregando heterogeneida- A necessidade de conservar e restaurar dos distúrbios externos, por exemplo, im- seleção das espécies para o plantio geral- de e complexidade à medida que atraem a ecossistemas florestais é amplamente acei- pedindo a entrada de gado, para permitir a mente é feita com base em informações fauna associada. Nesses contextos, a pai- ta. Mas essas ações são igualmente impor- regeneração natural da comunidade. do ecossistema de referência. Inicialmen- sagem do entorno tem grande influência, tantes para os ecossistemas não florestais, A restauração passiva é geralmente indi- te é importante usar espécies de cresci- pois quanto mais modificada pelo ser hu- tais como os campos do Pampa e os cam- cada para áreas pequenas, pouco impac- mento rápido, conhecidas como espécies mano e fragmentada for, mais lento será o pos de altitude da Mata Atlântica, as vege- tadas e próximas a remanescentes flores- pioneiras, pois estas logo desenvolvem processo de restauração. tações rupestres e savanas do Cerrado e tais. A proximidade é fundamental nessa uma cobertura de copas (dossel) que pro- Em síntese, as ações de restauração em Caatinga e as áreas inundadas do Pantanal, abordagem, pois a regeneração do siste- porciona condições favoráveis para o esta- florestas buscam superar barreiras que bem como ecossistemas de dunas e restin- ma degradado depende da chegada de belecimento de outras espécies. O plantio impedem ou retardam o desenvolvimento gas. Originalmente, quase 30% da superfí- frutos e sementes provenientes de áreas de espécies típicas de florestas maduras florestal. No decorrer dos projetos éim- cie do Brasil era coberta por ecossistemas naturais. No caso de degradação mais se- ou a regeneração natural são mais efetivos portante monitorar os processos ecossis- não florestais, os quais têm níveis de bio- vera, como em áreas com histórico de mi- sob condições de maior sombreamento e têmicos nos ambientes em recuperação diversidade semelhante às florestas e con- neração, aplica-se a restauração ativa e os umidade. Portanto, a escolha das espécies e realizar comparações com ecossistemas tribuem igualmente para diversos serviços

148 149 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade ecossistêmicos. No entanto, os ecossiste- mas estão concentradas no estrato herbá- cipalmente à falta de propágulos das es- principalmente no âmbito de projetos mas não florestais têm sido muitas vezes ceo ou, em alguns sistemas, nos estratos pécies típicas do local e à dificuldade de de pesquisa. A transposição de feno e o negligenciados tanto na sua conservação arbustivo e subarbustivo. A restauração dispersão destas espécies. transplante de leivas podem ser técnicas como na necessidade de sua restauração. ecológica deve, portanto, focar nestes A degradação de ecossistemas abertos eficientes para reintroduzir espécies nati- Ainda há grandes lacunas no que diz res- componentes. As barreiras de restaura- muitas vezes compromete os sistemas vas, principalmente devido à falta de se- peito às técnicas que contribuem para a ção, ou seja, os empecilhos à recuperação subterrâneos das plantas, ou seja, as es- mentes de espécies herbáceas nativas no restauração de ecossistemas não flores- dos ecossistemas, também concentram- truturas de reservas (bulbos, tubérculos mercado. No entanto, estas e outras téc- tais no Brasil. Plantar árvores ou permitir a -se em barreiras abióticas, por exemplo, etc.) que permitem o rebrotamento das nicas precisam ser adequadas aos ecossis- colonização natural não é adequado, pois em características do solo após outras espécies após distúrbios. Pode compro- temas brasileiros e nem sempre o sucesso a riqueza e a estrutura desses ecossiste- formas de uso, e bióticas, associadas prin- meter também o banco de sementes de é garantido, por exemplo devido às baixas espécies nativas no solo, fazendo com que taxas de germinação ou estabelecimento seja imprescindível a introdução direta de das espécies-alvo, aquelas espécies de in- Área originalmente campestre na região dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul, propágulos na atividade de restauração. teresse principal para a restauração. Ou- degradada após plantio de Pinus. Sem atividades de restauração ativa, a vegetação campestre não Um grande problema para a restauração tros desafios envolvem ecossistemas sob consegue se recuperar. Aqui a restauração ecológica deveria contemplar a remoção de espécies lenhosas, como regenerantes do próprio Pinus, a remoção dos detritos do Pinus e a reintrodução de ecológica desses ecossistemas, em con- condições ambientais naturalmente seve- espécies herbáceas nativas. No caso dos Campos Sulinos, a falta de sementes de espécies herbáceas traste com a restauração florestal, é a ine- ras, como os campos rupestres, a Caatinga nativas é um problema sério para a restauração ecológica xistência de produção de sementes e mu- ou as restingas, onde uma alternativa se- das de espécies típicas de ambientes aber- ria promover relações de facilitação entre tos, o que inviabiliza a aplicação de técni- espécies de plantas – quando a presença cas de semeadura direta ou o plantio de de uma planta proporciona mudanças nas mudas. A identificação das espécies mais características ambientais do seu -entor adequadas para a restauração ecológica, no, tornando o local mais favorável para seu cultivo e propagação são ações urgen- o estabelecimento de outras espécies –, tes para que haja avanços na restauração aumentando assim as chances de recruta- e conservação desses sistemas, sendo ati- mento a partir de sementes e as chances vidades que precisam ser fomentadas. de sucesso na restauração. Métodos de restauração ativa de ecossis- O manejo da vegetação com animais ou temas abertos empregados com sucesso com o fogo, contraindicado para ecos- no hemisfério Norte também podem aju- sistemas florestais, pode contribuir para dar e começam a ser aplicados no Brasil, o sucesso da restauração de ambientes

150 151 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade campestres ou de savanas, visto que são ecológico consiste em acompanhar as res- ESPÉCIES CARACTERÍS- ecossistemas que evoluíram com a presen- postas do sistema após a implementação TICAS ça destes fatores. Esse manejo pode ser das técnicas de restauração, avaliando AUTO- ESPÉCIES SUSTENTÁVEL usado para controlar o desenvolvimento indicadores de desenvolvimento das me- NATIVAS da biomassa e impedir o desenvolvimento tas estabelecidas. Nessa abordagem são de comunidades dominadas por espécies considerados parâmetros que vão desde a de maior porte, caso estas não constituam taxa de sobrevivência de mudas, até me- ECOSISTEMA GRUPOS parte do sistema alvo da restauração. O didas de processos ecossistêmicos, como RESILIENTE AMBIENTE FUNCIONAIS gado pode contribuir para a dispersão de produtividade e decomposição, além de RESTAURADO propágulos oriundos de áreas conserva- variáveis associadas à capacidade de re- das, além de conciliar a restauração com generação natural, que permitem avaliar uso econômico, ampliando assim o poten- o estado do desenvolvimento e o grau de REDUÇÃO DE AMBIENTE cial de envolvimento da sociedade local independência de novas ações humanas. AMEAÇAS FÍSICO POTENCIAIS ADEQUADO em ações de restauração. Somente através do monitoramento é possível estipular potenciais ajustes nos INTEGRADO FUNÇÕES Monitoramento e critérios de sucesso projetos. Nessa perspectiva, conhecida COM A MATRIX ECOSISTÊMI- CAS ESTABE- Para avaliar o sucesso de um projeto de como manejo adaptativo, há a revisão ECOLÓGICA LECIDAS restauração ecológica é necessário definir constante das estratégias e medidas apli- metas e objetivos e estabelecer um moni- cadas para a restauração, sendo possível toramento detalhado, além de ter clareza traçar novas metas caso sejam necessárias Principais atributos ecológicos de um ambiente restaurado segundo a sobre quais indicadores são mais adequa- novas ações para auxiliar a restauração. Sociedade pela Restauração Ecológica dos a cada fase do projeto. O monitora- O tempo de monitoramento é um ponto mento e os critérios de sucesso devem crucial para o sucesso: muitos dos indica- Sociedade pela Restauração Ecológica metodológica, quanto de ordem finan- contemplar três amplas abordagens, que dores não são detectados a curto prazo, considera vários critérios para chegar a ceira e temporal. Comumente, o monito- são complementares entre si: ecológica, tornando as medidas de longa duração, essas respostas, alguns de avaliação ainda ramento de áreas em restauração se res- socioeconômica e de gestão. mais espaçadas no tempo, tão importan- bastante desafiadora, como o estabeleci- tringe às plantas, ou seja, não considera A abordagem de gestão prevê o moni- tes quanto aquelas necessárias nos pri- mento de funções ecossistêmicas, a au- outros organismos e suas interações, nem toramento da capacidade de programar, meiros anos da restauração. tossustentabilidade e a quantificação de os processos ecológicos. Todavia, uma agir, relatar e ajustar ações nas diferentes Mas como e quando é possível assumir espécies de grupos funcionais e suas in- abordagem ecossistêmica e integradora fases da restauração. O monitoramento que um ecossistema está restaurado? A terações. Os desafios são tanto de ordem se faz necessária para a avaliação efetiva

152 153 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade do sucesso. A pesquisa na área de ecolo- ecossistemas naturais e de criação de vas- Muitos conceitos e abordagens sugeridos dações sobre como restaurar de modo gia de restauração tem apontado diversas tas superfícies degradadas. Os desafios são pela ciência ainda precisam ser incorpo- estratégico. A interação da pesquisa com possibilidades para um monitoramento grandes. Além da falta de ferramentas e rados à prática, tanto na implementação as atividades práticas de restauração são mais abrangente, mas aplicações ainda técnicas adequadas para a recuperação, es- dos trabalhos de restauração, quanto no de grande importância para o alcance dos são escassas. pecialmente de ecossistemas não florestais, monitoramento. Muitas vezes, o estabele- objetivos da restauração ecológica. Além Sob a perspectiva socioeconômica, o também há pouco conhecimento sobre a cimento de uma cobertura vegetal, inde- disso, dada a necessidade de restauração foco da restauração está na manutenção dinâmica dos próprios ecossistemas de refe- pendentemente da identidade e origem em larga escala, também é preciso conti- ou ampliação do bem-estar social e eco- rência. Como estabelecer alvos se em mui- das espécies que a compõem, continua a nuar a qualificar profissionais e membros nômico dos colaboradores diretos e indi- tos casos pouco se sabe sobre a dinâmica da ser considerado como sucesso, mesmo que da sociedade em geral. Cabe aos diferen- retos dos projetos. Os critérios e indicado- diversidade e da estrutura dos ecossistemas tal situação seja bastante distante daquilo tes atores envolvidos com a restauração res usados no monitoramento dos fatores naturais e, menos ainda, sobre os processos que se entende por restauração ecológica. buscar soluções inteligentes e criativas, de socioeconômicos servem para avaliar a ecológicos que as definem? Mas, mesmo existindo lacunas no conhe- modo que as gerações vindouras possam percepção das pessoas e os efeitos da Nesse cenário, pesquisas em biodiversi- cimento e na aplicação de técnicas, há uma usufruir dos serviços ecossistêmicos gera- restauração nos diferentes setores da so- dade como as realizadas no Programa de base científica sólida para fazer recomen- dos pela restauração ecológica. ciedade, e incluem parâmetros como ge- Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) são ração de renda, investimentos, formação fundamentais, assim como projetos de de pessoas e o próprio engajamento das longa duração que permitam o monito- comunidades com a restauração ecológi- ramento de ecossistemas em restauração ca. Diversas experiências têm demonstra- e de referência, a exemplo do que é feito do que o sucesso da restauração está pro- no Projetos Ecológicos de Longa Duração Sugestões de leitura fundamente associado ao envolvimento (PELD). De fato, a ecologia da restaura- das comunidades do entorno, sendo este ção e a restauração ecológica são áreas A Sociedade para a Restauração Ecologia publica e disponibiliza em sua página na internet (www. monitoramento, portanto, uma etapa que que apresentam atualmente grande cres- ser.org) diversos materiais sobre os conhecimentos e resultados mais recentes em restauração não deve ser negligenciada. cimento no Brasil e alta diversificação de ecológica. Destacam-se o documento “Princípios da SER International sobre a Restauração Eco- lógica”, que define conceitos básicos da restauração ecológica e traz uma introdução sobre as conceitos e aplicações graças à diversidade principais abordagens, e a série “The Science and Practice of Ecological Restoration”, que atu- Desafios e oportunidades da restaura- dos ecossistemas brasileiros e suas parti- almente conta com 28 títulos. Entre os livros destacam-se as seguintes obras recentes: “Ecolo- ção ecológica cularidades, o que resulta em diferentes gia da Restauração’’, de Efraim Rodrigues, publicado pela editora Planta em 2013; “Restauração A restauração ecológica no Brasil é de necessidades e estratégias para a restau- Ecológica de Ecossistemas Degradados’’, de Sebastião Venâncio Martins, publicado pela editora extrema importância, uma vez que o país ração. Aqui, receitas genéricas geralmente UFV em 2015; e “Restauração Florestal”, de Ricardo Ribeiro Rodrigues, Sergius Gandolfi e Pedro apresenta altas taxas da supressão dos são pouco indicadas. Henrique Santin Brancalion, publicado pela Oficina de Textos também em 2015.

154 155 ~ restauracao, Conhecendo a Biodiversidade Biodiversidade e saude´ ~ uma relacao, que precisa ser reconhecida

Rosana Gentile Paulo Sergio D’Andrea

A saúde é um direito fundamental do ser Perturbações nos ambientes naturais cau- humano e todo indivíduo deve poder rea- sadas pela ação humana podem alterar lizar e satisfazer suas necessidades em um os padrões de transmissão de organismos ambiente saudável. Saúde é mais que ape- causadores de doenças, pois além de mo- nas a ausência de doenças ou enfermidades, dificarem as relações entre os organismos, é um completo estado de bem-estar físico, criam novos ambientes para vetores e hos- mental e social. Nesse contexto, onde a saú- pedeiros de parasitos, algumas vezes levan- de é entendida de forma abrangente, está do ao surgimento de novas doenças ou ao inserido o conceito de saúde ambiental. aumento do número de casos de doenças De acordo com a Organização Mundial da já existentes. Dependendo das característi- Saúde (OMS), saúde ambiental é a parte cas do modo de transmissão, algumas des- da saúde pública relacionada aos fatores sas doenças podem atingir várias regiões físicos, químicos e biológicos externos à do mundo, tornando-se pandemias, como pessoa, e aos comportamentos que impac- aconteceu com a Síndrome Respiratória tam estes fatores. Engloba o conhecimento Aguda Grave (SARS), com a gripe aviária e e o controle de características ambientais a gripe suína e com o Ebola. que podem afetar a saúde das pessoas, e Surtos de doenças com origem em ani- tem como objetivo manter ambientes sau- mais silvestres ocorreram de forma recor- dáveis e propícios para a vida humana e dos rente no final da década de 1990 e início animais, e, desta forma, prevenir doenças. dos anos 2000 devido ao agravamento da Mata Atlântica na Reserva Biológica Santa Lúcia, Santa Teresa, ES 156 157 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade crise ambiental. Todas eram doenças com Modificações no ambiente e o surgi- fortes tendências a se transformarem em mento de doenças epidemias de impacto mundial. Diante O impacto das atividades humanas nos desse cenário, a OMS resgatou o concei- ecossistemas naturais é um fenômeno to “um mundo, uma saúde” (no original, mundial. No Brasil, todos os biomas vêm “one world, one health’’), segundo o qual sendo perturbados e muito alterados, prin- a transmissão de doenças infecciosas que cipalmente devido à crescente urbanização ameaçam a saúde pública está direta- e às mudanças de uso da terra para fins mente relacionada ao estado de saúde do econômicos, como a implantação de ativi- ambiente, dos animais e do ser humano. dades agrícolas e pecuária. Degradação e Segundo essa abordagem, é preciso lidar desmatamento também ocorrem de modo com a saúde de maneira integrada para acelerado, reduzindo e fragmentando os prevenir ou controlar tais doenças. ambientes naturais e afetando diretamen- No mesmo período surgiu, na Améri- te a biodiversidade e os ecossistemas, com Devastação da floresta Amazônica por queimadas e abertura de estradas impactando a biodiversidade ca do Norte, a medicina da conservação, diminuição da abundância ou mesmo ex- ramo da ciência que também reconhe- tinção de algumas espécies. A taxa de ex- ce que tanto a conservação das espécies tinção das espécies é uma das medidas de quanto as políticas públicas para a saúde perda de biodiversidade mais usadas no humana se beneficiam de abordagens mundo, porém, cabe ressaltar que grande da saúde mais inclusivas. A medicina da parte das espécies ainda é desconhecida, conservação une saúde humana, animal principalmente espécies de invertebrados, e ambiental a partir da consciência da in- plantas, fungos e micro organismos. ter-relação entre as espécies biológicas, a Esses processos têm grandes implicações saúde e o ambiente. O foco está no estudo para a saúde das pessoas, podendo levar ao do contexto ecológico da saúde e na so- surgimento ou ressurgimento de doenças e lução de problemas de saúde dentro de causando a perda de espécies usadas em uma abordagem ecológica. O trabalho é produtos médicos e nas práticas do conhe- colaborativo e multidisciplinar, envolven- cimento tradicional em saúde. As ativida- do profissionais de áreas como epidemio- des humanas parecem ser as responsáveis, Fragmentação florestal no bioma Mata Atlântica e a formação de ilhas de logia, veterinária, toxicologia e ecologia. por exemplo, pela dispersão de endemias florestas isoladas ou pouco conectadas no estado do Rio de Janeiro

158 159 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade como a malária e as leishmanioses. Mas de humanas passando a ocorrer nas espé- aumento da abundância de espécies mais sultado, a preservação dos ambientes na- que maneira modificações no ambiente re- cies silvestres. competentes para a transmissão de agen- turais e das espécies tem tido pouca prio- sultam no surgimento de novas doenças ou tes causadores de doenças. A maior abun- ridade no planejamento do desenvolvi- no ressurgimento de outras já conhecidas? Benefícios da conservação da biodiver- dância dessas espécies facilita e aumenta mento econômico dos países. Além disso, Muitas vezes esse processo começa em sidade para a saúde humana a eficiência da transmissão de organismos há pouca compreensão de que o estudo locais onde o desmatamento e a altera- A conservação dos ecossistemas e de patogênicos entre elas, aumentando sua das espécies e suas relações pode ajudar a ção dos ambientes faz com que espécies sua biodiversidade garante a manuten- ocorrência nas populações animais e, por prever ameaças ao ser humano decorren- que necessitam de áreas maiores, como ção dos serviços ecossistêmicos, que, por consequência, aumentando o risco e as tes da degradação ambiental. os animais de médio e grande porte, de- sua vez, estão diretamente relacionados chances de transmissão aos seres huma- O conhecimento sobre a biodiversidade de sapareçam, causando desequilíbrio nas ao bem-estar humano, às boas condições nos. Entretanto, o efeito diluidor ocorre parasitos e sobre seus mecanismos de trans- interações entre as espécies de todo o de vida das populações e à redução das somente em certas condições locais, e são missão deve ser incluído como parâmetro ecossistema em efeito cascata. As espé- chances de surgimento ou agravamento da as especificidades de cada ecossistema nas questões relacionadas à conservação cies chamadas de especialistas — que transmissão de doenças. Num ecossiste- que determinarão se ele ocorrerá ou não. das espécies e como indicador efetivo da apresentam necessidades mais específi- ma preservado garante-se, por exemplo, o Cabe lembrar que a conservação da bio- saúde geral de um ecossistema. A preven- cas, utilizando uma pequena variedade de bom fornecimento de água para consumo diversidade inclui também os parasitos, ção das zoonoses e das doenças infecciosas recursos quando comparadas com outras humano e animal, terrenos apropriados inclusive os causadores de doenças hu- depende do conhecimento dos organismos espécies — também costumam ser logo para agricultura e habitação, regulação manas. A conservação da biodiversidade causadores dessas doenças, seus reservató- impactadas, pois, de modo geral, são mais natural da temperatura dos ambientes, não deve ser vista de forma simplificada e rios e suas dinâmicas de propagação. vulneráveis às mudanças nos ambientes. entre outros. reducionista, referindo-se apenas às ques- Novas metodologias e iniciativas sur- As espécies que conseguem sobreviver A conservação da biodiversidade tam- tões relacionadas às espécies biológicas e giram na última década para ajudar na nas áreas degradadas ou próximas a no- bém é importante para o fenômeno co- ao equilíbrio dos ecossistemas, deve con- compreensão da relação entre saúde e vas habitações acabam tendo suas abun- nhecido como efeito diluidor. Um ecos- siderar também seu valor econômico e so- ambiente, dentre as quais destacam-se: dâncias aumentadas, como acontece sistema preservado apresenta muitos cial para o ser humano. os estudos da epidemiologia da paisa- com gambás e pequenos roedores. Essas animais com capacidades diferentes de gem; a utilização de modelos matemáti- espécies sobreviventes podem se tornar transmissão de parasitas. A presença de Ações futuras cos preditivos nos estudos de ecologia das elos de contato com as pessoas, even- hospedeiros menos competentes “dilui” Apesar de estar diretamente relacionada doenças; as análises mais complexas que tualmente trazendo parasitos e doenças a transmissão e diminui as chances de à saúde humana, a biodiversidade muitas utilizam dados de diversas regiões com dos ambientes silvestres para o ambien- infecção humana. Num ambiente degra- vezes não é considerada pelo poder públi- o objetivo de se buscar padrões gerais; o te humano. O reverso também acontece, dado, com ecossistemas com menos es- co e por seus gestores na formulação e na uso de indicadores ambientais; as ferra- com parasitos de doenças originalmente pécies, pode ocorrer o favorecimento e o execução de políticas públicas. Como - re mentas de diagnóstico biomédico; técni-

160 161 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade cas de monitoramento não invasivas para Mesmo com todos esses avanços, a vi- os animais, como a marcação e soltura; são inclusiva e de longo prazo da saúde técnicas de biologia molecular; adaptação dentro do conceito “um mundo, uma de sistemas de monitoramento que com- saúde” — que integra saúde humana, binam indicadores ecológicos e de saúde animal e ambiental nas práticas clínicas, para situações de países em desenvolvi- na saúde pública, na pesquisa científica e mento; desenvolvimento da bioinformáti- nas políticas públicas — ainda tem pon- ca; e disponibilização de bases de dados tos a serem desenvolvidos. epidemiológicos e ecológicos. Em relação à biodiversidade, é preciso au-

Abundância de taquaras numa floresta degradada em Santa Catarina. Quando as taquaras florescem, fornecem grande quantidade de sementes que são utilizadas como alimentos pelos roedores silvestres, podendo levar a ratadas (grandes aumentos nas populações de ratos), facilitando a transmissão da hantavirose

mentar o conhecimento sobre as espécies diagnóstico das doenças e o tratamento das envolvidas nos ciclos das doenças, bem como pessoas. É também necessário desenvolver o entendimento sobre o funcionamento dos programas de capacitação de agentes locais ecossistemas. Também é essencial obter esti- para monitoramento das doenças e promo- mativas da quantidade de organismos e suas ver maior integração entre médicos, cientis- Condições ambientais para a transmissão oral da Doença de Chagas no estado do abundâncias, e monitorar populações de es- tas, educadores, poder público, empresas e Pará. Presença de habitações precárias próximas a grandes áreas de monocultura do pécies-chave com diagnóstico permanente população. Por fim, é preciso fomentar pro- açaí, com redução da diversidade de animais vertebrados, fontes de alimento para os dos parasitos que as infectam. gramas de educação que visem a conscienti- barbeiros vetores, e consequente atração para o peridomicilio em busca de animais domésticos e o próprio homem como fontes alternativas de alimento No aspecto humano, é essencial garantir o zação da população sobre a importância da biodiversidade para o bem-estar. 162 163 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade Principais doencas, relacionadas a` saude´ ambiental no Brasil

A maioria das doenças associadas a ambientes não saudáveis atinge principalmente po- pulações humanas mais pobres, que vivem em áreas com urbanização sem planejamento, sem redes de esgoto e acesso à água tratada, ou em ambientes rurais. Doenças infecciosas de origem animal naturalmente transmitidas para humanos são chamadas de zoonoses. Muitas espécies de vertebrados, particularmente mamíferos, são fontes conhecidas de parasitos que afetam as pessoas. Diversas espécies de roedores, gambás, cuícas, tatus e primatas são estudadas como indicadores da saúde do ambiente através do monitoramen- O diagnóstico de infecções naturais por vermes em animais silvestres é um dos indicadores usados para monitorar a saúde de animais de produção, dado o potencial de transmissão de doenças to das abundâncias de suas populações e de suas taxas de infecção por parasito, contri- entre eles. A - Infecção de helmintos nematoides no fígado de um gambá. B – Procedimento de buindo não apenas para a compreensão de certas doenças, mas também para programas necropsia. C - Infecção de um helminto acantocéfalo no intestino delgado do gambá de manejo e conservação da biodiversidade. Epidemias e surtos de doenças infecciosas e de zoonoses têm diversas causas envolvendo seus agentes, os hospedeiros naturais destes agentes e as condições do ambiente. Dada esta complexidade de fatores, epidemias des- sas doenças podem ser consideradas consequências do desequilíbrio de um ecossistema. , Doenca de Chagas

Transmissores e ciclo de vida Causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, a transmissão dessa doença pela via clás- sica — o inseto barbeiro após picar o ser humano para se alimentar, defeca ao lado da picada, as fezes contendo o protozoário entram na corrente sanguínea quando o ser humano coça o local da picada — é tida como controlada no Brasil. Porém, surtos locais da doença ocorreram acidentalmente por ingestão de alimentos contaminados nos es- tados de Santa Catarina, Ceará e Bahia. No caso dos estados amazônicos do Pará, Amapá e Amazonas, regiões produtoras e grandes consumidoras de açaí, surtos têm ocorrido frequentemente nos últimos anos. Nestes estados produtores, o consumo de polpa de A colocação de brincos de identificação em animais silvestres é uma das técnicas açaí contaminada é a principal causa de transmissão da doença de Chagas. que permite monitorar as abundâncias e movimentos dos animais silvestres e, por sua Relações com a saúde ambiental vez, as taxas de infecção por agentes infecciosos O cultivo de palmeiras de açaí em grandes áreas de monocultura reduziu drasticamente a diversidade e a abundância de animais vertebrados. Com isso, os insetos transmissores

164 165 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade do T. cruzi, que antes se alimentavam picando esses animais, passaram a frequentar os Hantaviroses domicílios e áreas ao seu redor em busca de alimento. Esse comportamento do inseto Transmissores e ciclo de vida aumenta as chances de contaminação da polpa do açaí durante suas etapas de armazena- Causadas por vírus do gênero Hantavirus, são transmitidas às pessoas através da ina- mento e preparo, pois ele pode acabar sendo processado junto com a fruta, contaminando lação de aerossóis (partículas sólidas ou líquidas em suspensão no ar) contaminados o produto final. Trata-se de um novo perfil epidemiológico para a doença de Chagas, onde provenientes de fezes e urina de roedores silvestres infectados. o principal modo de transmissão é a infecção por via oral através da ingestão de alimentos contaminados. Nestes casos, os animais adaptados a viver próximos às habitações huma- Relações com a saúde ambiental nas ou a áreas urbanas e periurbanas (chamados de animais sinantrópicos) e os animais Casos de hantavirose ocorrem principalmente em ambientes rurais, onde frequente- domésticos podem apresentar um papel importante no ciclo de transmissão da doença. mente observa-se redução da diversidade de animais, particularmente mamíferos. A ´ ausência desses animais pode favorecer o aumento da população dos roedores silves- Malaria tres que transmitem a doença. A hantavirose apresentou cerca de 2.000 casos humanos desde o primeiro caso relatado no Brasil, em 1993, mas os registros de ocorrência vêm Transmissores e ciclo de vida aumentando desde então. O primeiro caso humano da doença no estado do Rio de Ja- Causada por um protozoário parasito do gênero Plasmodium e transmitida pela pica- neiro, por exemplo, foi registrado em 2015, apesar de haver casos registrados em todas da do mosquito-prego, do gênero Anopheles, a malária é considerada pela Organização as regiões do país, principalmente no Sul e Centro-Oeste. Mundial da Saúde a mais importante doença parasitária do mundo. A malária não é classificada como uma zoonose no sentido estrito, uma vez que é cau- Esquistossomose mansonica^ sada por parasitos que atualmente podem circular somente entre humanos, sem a ne- cessidade de reservatórios silvestres. No entanto, casos de malárias transmitidas entre Transmissores e ciclo de vida primatas silvestres e humanos já foram relatados, inclusive no Brasil, embora sejam re- A esquistossomose mansônica, uma das principais endemias brasileiras, também não é lativamente raros. considerada uma zoonose no senso estrito, mas merece destaque. Causada pelo verme Schistosoma mansoni, a doença é transmitida ao ser humano pelo contato com ambien- Relações com a saúde ambiental tes aquáticos contaminados pela larva do verme, que é eliminada por um caramujo. O Uma das importantes mudanças ambientais que podem provocar aumento dos casos ciclo se completa quando fezes de pessoas infectadas contendo ovos do verme atingem de malária é a construção de hidrelétricas, pois estas favorecem a proliferação das larvas ambientes aquáticos. Em diversos locais, ratos-d’água e ratos-de-cana (roedores silves- dos mosquitos-prego, uma vez que todas as fases do ciclo de vida desse inseto, exceto a tres dos gêneros Nectomys e Holochilus) também atuam como hospedeiros ou reserva- fase adulta, ocorrem na água. A construção de hidrelétricas, assim como atividades de tórios do verme. A presença desses animais infectados em locais distantes de áreas con- mineração, também levam à abertura de estradas e ao aumento do trânsito de trabalha- taminadas por fezes humanas sugere que eles são capazes de levar o parasito consigo, dores entre regiões. O deslocamento de pessoas infectadas com o protozoário de áreas podendo criar novos focos ou potencializar a transmissão em áreas endêmicas e, deste endêmicas para áreas livres de malária pode criar novos focos da doença, resultando na modo, complicar o controle da doença. sua emergência ou no aumento da transmissão.

166 167 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade Relações com a saúde ambiental décadas devido a um complexo de fatores, como o descarte inadequado de resíduos que Entre os fatores relacionados a atividades humanas que favorecem o surgimento da acumulam água e passam a servir de criadouros para as larvas do mosquito, o desmata- esquistossomose estão a construção de barragens, a ausência de saneamento, água po- mento e a urbanização desordenada. Cabe acrescentar que este mosquito também é vetor tável e água encanada nos domicílios, os movimentos migratórios das populações das de outras doenças, como a febre amarela, a chikungunya e a zika, sendo que estas duas úl- áreas de risco, além de atividades de agricultura, como a construção de canais de irriga- timas foram introduzidas recentemente no Brasil. Os vírus causadores destas três doenças ção, e lazer relacionadas ao foco de transmissão da doença. apresentam suas origens em ciclos silvestres associados à primatas não-humanos.

Angiostrongiliase´ Raiva

Transmissores e ciclo de vida Transmissores e ciclo de vida Originária da Ásia, é uma verminose de origem zoonótica, tendo como principais É uma zoonose fatal causada por vírus do gênero Lyssavirus, é também uma das doen- hospedeiros vertebrados as ratazanas e os ratos comuns, que são espécies exóticas ças infecciosas humanas mais antigas que se tem conhecimento. É transmitida pelo con- no Brasil. O principal hospedeiro intermediário é o molusco gigante Achatina fulica, tato com a saliva de animais infectados, principalmente por mordida de cachorros, gatos de origem africana. e morcegos, ou lambida em feridas abertas e mucosas. Nas áreas urbanas, os principais transmissores da doença são os cachorros e gatos, enquanto nas áreas rurais os princi- Relações com a saúde ambiental pais transmissores são os morcegos. Relacionada a modificações da fauna nativa causadas pela introdução de espécies exó- ticas. Esta doença foi registrada recentemente em diversos estados brasileiros, sendo Relações com a saúde ambiental considerada emergente. Apesar de a raiva humana estar bem controlada atualmente, a raiva em animais de cria- Dengue ção ainda é muito prevalente em algumas regiões rurais ou com desmatamento recente.

Transmissores e ciclo de vida Calazar e as outras leishmanioses Causada por um vírus do gênero Flavivírus, tornou-se uma pandemia após a Segunda Transmissores e ciclo de vida Guerra Mundial e vem se expandindo desde então, juntamente com seus vetores. O São doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania, transmitidas por pica- principal vetor da dengue no Brasil é o mosquito Aedes aegypti. das de mosquitos da família dos flebotomíneos conhecidos como mosquito-palha. Os Relações com a saúde ambiental hospedeiros vertebrados incluem mamíferos como roedores, marsupiais, morcegos, ta- O mosquito Aedes aegypti é uma espécie exótica invasora de origem africana, hoje bas- tus e animais carnívoros. tante adaptada ao meio urbano nas Américas e na Ásia. Trata-se de uma espécie capaz Relações com a saúde ambiental de se adequar a modificações no ambiente e de se recuperar numericamente após per- Os processos de urbanização e os remanescentes florestais mantidos dentro das cida- das em suas populações. A área de ocorrência do Aedes aegypti aumentou nas últimas des são fatores determinantes para a exposição do homem a este parasito.

168 169 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade Toxoplasmose Riquetsioses

Transmissores e ciclo de vida Transmissores e ciclo de vida Doença causada pelo protozoário da espécie Toxoplasma gondii, um parasito de am- Doenças causadas por bactérias do gênero Rickettsia e transmitidas por carrapatos, pla distribuição no Brasil, inclusive nos centros urbanos. A transmissão para humanos sendo o carrapato comum, ou carrapato-estrela, da espécie Amblyomma cajennense, o pode ocorrer através da ingestão de ovos encistados (ovos encapsulados por membra- mais importante reservatório e transmissor da febre maculosa nas protetoras) presentes na água e em alimentos contaminados ou através do contato Relações com a saúde ambiental com fezes de felinos. Felinos domésticos ou silvestres são os hospedeiros definitivos do Esse carrapato é muito comum, principalmente onde há criação de gado e de equinos, protozoário, sendo os únicos hospedeiros que podem excretar as formas infectantes no ou mesmo em regiões onde se observa a presença de muitos mamíferos silvestres de ambiente. Esses animais se infectam ao se alimentarem de roedores ou outros peque- médio e grande porte, como as capivaras. A febre maculosa é a riquetsiose de maior nos animais contaminados. importância no território brasileiro. Relações com a saúde ambiental Tanto o ser humano quanto qualquer outro mamífero que participa do ciclo de transmissão desta doença irão se infectar em ambientes contaminados pelos ovos do protozoário.

Leptospirose

Transmissores e ciclo de vida Doença causada por bactérias Leptospira, transmitidas ao ser humano a partir do con- tato da pele lesionada ou da mucosa das pessoas com águas contaminadas pela bacté- Sugestões de leitura ria. Os ratos comuns e, principalmente, as ratazanas são os principais hospedeiros, eli- Definições relacionadas à saúde ambiental podem ser encontradas no “Dicionário de Termos minando a bactéria através da urina e contaminando corpos d’água como lagos, riachos Técnicos de Medicina e Saúde’’, escrito por Luis Rey e publicado pela editora Guanabara Koogan e piscinas não tratadas. em 2003. A mesma editora publicou o livro “Dinâmica das doenças infecciosas e parasitárias’’, obra de José Rodrigues Coura (editor) de 2005 que traz descrições dos parasitos, ciclos biológi- Relações com a saúde ambiental cos e dados epidemiológicos. Detalhes das abordagens da ecologia da saúde e da medicina da A leptospirose é uma doença relacionada às áreas urbanas, e surtos ocorrem frequen- conservação são encontrados na publicação, disponível apenas em inglês, “New Directions in temente em momentos quando o excesso de chuva causa inundações, principalmente Conservation Medicine’’, editada por Alonso Aguirre, Richard Ostfeld e Peter Daszak, pela editora em regiões degradadas ambientalmente ou com urbanização não planejada. Ocasional- da Universidade Oxford de 2012. O Portal Saúde, iniciativa do Ministério da Saúde, também traz mente também aparece em áreas rurais. informações sobre diversas doenças, tanto para cidadãos como para profissionais e gestores da área, e pode ser acessado no endereço http://portalsaude.saude.gov.br.

170 171 Biodiversidade e saUde´ Conhecendo a Biodiversidade Politicas´ publicas:´ ~ em busca de caminhos para a conservacao, da biodiversidade

Eduardo Vélez-Martin Demetrio Luis Guadagnin Valério De Patta Pillar

A humanidade e o planeta vivem atual- tam a biodiversidade têm menor repercus- mente um momento singular de suas his- são na mídia e no imaginário da socieda- tórias. A expansão e a intensificação da de. O fato concreto é que a biodiversidade agricultura, dos meios de transporte e da agoniza, e junto com ela perde-se também indústria, e o uso maciço de combustíveis a sociodiversidade — a diversidade cultural fósseis são forças motrizes de um modelo de produção e manutenção de variedades, civilizatório perverso, com uma dinâmica raças, conhecimentos e práticas tradicio- econômica que já ultrapassou a capacida- nais de uso dos recursos biológicos. de de suporte da biosfera. O grau de trans- Desde a segunda metade do século XVIII formação da natureza pela ação humana até o presente, a população humana au- atingiu escala global, a ponto de se propor mentou dez vezes e as extinções de espé- uma nova época no tempo geológico, o cies e ecossistemas atingiram uma pro- Antropoceno, quando as principais mu- porção tão grande que já se configura o danças observadas no planeta são aquelas sexto episódio de extinção em massa da causadas pela humanidade. história da vida na Terra. A mudança no A perda da biodiversidade e dos serviços uso do solo, a exploração excessiva de re- ecossistêmicos e as mudanças climáticas cursos biológicos, a poluição, a introdução são a face dramática das transformações de espécies exóticas e as mudanças climá- em curso no mundo. Mas, embora sejam ticas são os principais fatores que causam temas relacionados, os problemas que afe- a perda da biodiversidade. Mas o que a

Ipê-amarelo (Handroanthus au- 172 173 reus) em Brasília, DF Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade sociedade tem que fazer para deter, ou ao de, além de manter uma agenda perma- Biodiversidade, um relatório técnico pe- forma dos distintos biomas — Amazônia, menos minimizar, o problema? nente de mobilização política, institucio- riódico que sintetiza a situação e as ten- Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa Muito já foi discutido, e existe razoável nal, científica e de recursos financeiros em dências globais da biodiversidade. e Pantanal —, e da grande variação bioló- grau de acordo sobre o caminho a seguir. prol da biodiversidade. No âmbito da CDB, gica dentro deles. Na Mata Atlântica, por A Convenção sobre Diversidade Biológica a cada dois anos ocorre a Conferência das Biodiversidade, ciência e políticas pú- exemplo, é possível reconhecer tipos dis- (CDB), um tratado internacional da Orga- Partes (COP), na qual governos, sociedade blicas tintos de florestas (estacional, ombrófila nização das Nações Unidas (ONU) em vi- civil e comunidade científica aprofundam Sem a produção de conhecimento cien- mista e ombrófila densa) e, para cada tipo gor desde 1993, detalha as ações que de- discussões e propõem iniciativas. Entre as tífico e a participação dos cientistas não é florestal, observam-se também importan- vem ser tomadas. A CDB é um guia para iniciativas, destacam-se as Metas de Aichi, possível avaliar o estado da biodiversida- tes variações na ocorrência das espécies os países que a ratificaram. Ela traz as di- um conjunto de vinte metas que integra de e suas tendências, nem propor e ava- desde o solo até a copa das árvores. retrizes para conservação, uso sustentável o planejamento estratégico para o perío- liar ações de conservação e remediação. A sociedade precisa ser capaz de produ- e repartição de benefícios da biodiversida- do de 2011-2020, e o Panorama Global da O reconhecimento da importância de evi- zir e articular o conhecimento científico dências científicas para orientar as deci- sobre a biodiversidade, de modo a for- sões a favor da biodiversidade resultou na mular, orientar e realizar ações concretas criação de uma iniciativa complementar de conservação. A contribuição da ciência Plenária de abertura da 12a Conferência à CDB. Constituída em 2012 também no para a conservação da biodiversidade de- das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica em 2014, na cidade de âmbito da ONU, a Plataforma Intergover- pende da conjugação de múltiplos esfor- Pyeongchang, Coréia do Sul namental sobre Biodiversidade e Serviços ços e iniciativas, especialmente na forma Ecossistêmicos (IPBES) é uma comissão de de políticas públicas. especialistas em biodiversidade que tem a Num conceito abrangente, entende-se missão de revisar, avaliar e sintetizar o esta- por política pública qualquer conjunto de do da arte do conhecimento científico e as orientações voltado à tomada de decisão informações mais relevantes sobre a biodi- e à realização de ações concretas para re- versidade e os serviços ecossistêmicos. solver questões que são de interesse co- A tarefa de conhecer a biodiversidade mum da sociedade. Embora muitas polí- é gigantesca, especialmente porque em ticas públicas necessitem da participação cada região do planeta as espécies evoluí- do poder público, elas também podem ter ram de maneiras diferentes e interagem caráter não estatal. em condições ambientais próprias. No Bra- Por ser um bem comum, a biodiversida- sil, a diversidade pode ser reconhecida na de depende fundamentalmente das polí-

174 175 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade Ainda que não se limitem a isso, as po- missos internacionais assumidos pelo país líticas públicas necessárias para conser- destacam-se o Programa de Pesquisas var a biodiversidade podem ser agrupa- Ecológicas de Longa Duração (Peld), o Sis- das de acordo com seus objetivos: pro- tema Nacional de Pesquisa em Biodiversi- teger ecossistemas, espécies e a diversi- dade (Sisbiota) e o Programa de Pesquisa dade genética; promover o uso susten- em Biodiversidade (PPBio), realizados pelo tável; reduzir as pressões diretas sobre Conselho Nacional de Desenvolvimento a biodiversidade; e recuperar, quando Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Mi- possível, ecossistemas e serviços ecos- nistério da Ciência, Tecnologia e Inovação sistêmicos. (MCTI) (em alguns casos com participação Como as principais causas de extinção de fundações estaduais de apoio à pesqui- da biodiversidade são a perda, a fragmen- sa), bem como o Projeto de Conservação

Pesquisadores realizando estudos em campo tação e a degradação dos habitats, ações e Utilização Sustentável da Diversidade de proteção de ecossistemas e espécies Biológica Brasileira (Probio I) e o Projeto são fundamentais. É preciso identificar Nacional de Ações Integradas Público-Pri- ticas públicas. No plano internacional ela A experiência brasileira com políticas pú- as áreas prioritárias, criar e manejar uni- vadas para Biodiversidade (Probio II), do é entendida como um bem de preocupa- blicas em prol da biodiversidade é relati- dades de conservação, e promover a con- Ministério do Meio Ambiente (MMA). ção comum da humanidade, sobre o qual vamente recente — apesar de não haver servação fora dessas unidades por meio prevalecem os direitos soberanos de cada um marco específico, verifica-se um au- do uso da terra adequado. Todas essas A importância das unidades de conser- país. No Brasil, o artigo 225 da Constitui- mento das iniciativas a partir da década ações dependem da gestão e do ordena- vação ção Federal define o meio ambiente como de 1990. Casos de sucesso combinam-se mento territorial e da realização prévia de As unidades de conservação asseguram a bem de uso comum do povo, impondo-se com inúmeras situações em que elas têm pesquisas, incluindo inventários, mapea- existência de porções do território onde a ao Poder Público e à coletividade o dever sido episódicas, descontinuadas ou inexis- mentos e monitoramentos, e estudos de conservação da biodiversidade e dos ser- de defendê-lo e preservá-lo para as futu- tentes. Sua conexão com o conhecimento longo prazo que permitam diagnosticar as viços ecossistêmicos têm prioridade sobre ras gerações. A biodiversidade é tratada científico produzido no Brasil tem tido al- espécies e os habitats que devem ser ob- outros usos dos recursos e do espaço. Sua na doutrina jurídica brasileira como um tos e baixos. Muitas vezes, a visão limitada jeto das ações de proteção. existência é tão importante que, no Brasil, bem de característica difusa, sem um pro- dos gestores e a pressão exercida por inte- Entre os bons exemplos de políticas pú- uma legislação específica instituiu o Siste- prietário determinado. Ela pertence à co- resses econômicos terminam apartando a blicas que têm possibilitado articular pes- ma Nacional de Unidades de Conservação letividade, transcendendo o conceito de ciência dos processos decisórios, e a biodi- quisa e proteção da biodiversidade e, ao da Natureza (SNUC), com normas para a bem público. versidade acaba prejudicada. mesmo tempo, honrar parte dos compro- criação, implantação e gestão dessas uni-

176 177 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade dades. Já a CDB estabeleceu como 11ª protegidas deve buscar a representativida- micos. Essa lei exige, por exemplo, a deli- quer vegetação nativa, seja ela florestal ou Meta de Aichi que 17% das áreas terres- de de ecossistemas e de espécies, de modo mitação de Áreas de Preservação Perma- não florestal. tres mundiais importantes para a biodi- a complementar aquelas que já existem. nente e de Reserva Legal e sua declaração Áreas de Preservação Permanente (APPs) versidade estarão protegidas até 2020. O no Cadastro Ambiental Rural por todos os são regiões do território ecologicamente compromisso internacional foi referenda- Áreas de Preservação Permanente e Re- proprietários de imóveis rurais. Exige tam- importantes onde a vegetação nativa deve do em 2013 pela Comissão Nacional da serva Legal bém autorização para a retirada de qual- ser mantida. As APPS incluem: faixas de Biodiversidade (Conabio), que aumentou Apesar de sua indiscutível importância, a meta para 30% na Amazônia. Entretan- a proteção feita somente nas unidades de Combate ao desmatamento na Amazônia, exemplo de to, com exceção desse bioma, onde as uni- conservação é insuficiente para proteger uma política pública com resultados importantes dades de conservação já totalizam 27,5% as espécies e os ecossistemas. A biodiver- do território, o déficit de proteção ainda sidade depende de paisagens nas quais os é elevado: a Caatinga tem 10% do bioma remanescentes de áreas naturais mante- protegido por unidades de conservação; o nham-se conectados, permitindo a disper- Cerrado, 9,1%; a Mata Atlântica, 10,7%; o são das espécies e o intercâmbio de mate- Pantanal, 5%; e o Pampa, somente 3,4%. rial genético entre suas populações. A criação de novas unidades de conser- No Brasil, o principal instrumento jurídi- vação é um processo que exige crescente co para garantir a conservação da biodi- esforço e recursos. Os estudos de campo versidade fora de áreas protegidas é a Lei feitos no Brasil vêm gerando informações de Proteção da Vegetação Nativa1, mais sobre a distribuição da biodiversidade e conhecida como Código Florestal — um as tendências de transformação do uso termo equivocado, uma vez que a lei não da terra em regiões em que há lacunas de se refere apenas a florestas. Sua efetiva informação, contribuindo para a definição aplicação permite colocar em prática ins- de novas unidades. Com dados e critérios trumentos de proteção equitativos e dis- científicos é possível maximizar o número tribuídos espacialmente, dentro do princí- de habitats e espécies protegidos, minimi- pio de que todos os proprietários de terras zando a área necessária e os custos econô- devem contribuir para a conservação da micos e sociais. A criação de novas áreas biodiversidade e dos serviços ecossistê-

1 Lei nº 12.651, de 25 de Maio de 2012.

178 179 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade terra com largura variável no entorno de Meio Ambiente. Complementarmente, já rios, lagoas, nascentes, olhos d´água pere- foram estabelecidos mais de 50 Planos de AMAZÔNIA nes e veredas; encostas com declividade Ação Nacional para a Conservação das Es- superior a 45o, bordas de tabuleiros ou pécies Ameaçadas de Extinção (PANs). Es- chapadas, topos de morros e locais com ses planos descrevem as ações prioritárias CAATINGA altitude acima de 1.800 m; e tipos especí- para combater as ameaças que põem em ficos de vegetação, como os manguezais e risco populações dessas espécies e seus

as restingas. ambientes naturais. CERRADO Já a Reserva Legal corresponde a um per- PANTANAL centual obrigatório de vegetação nativa, O uso sustentável da biodiversidade MATA florestal ou não florestal, a ser mantido O bem-estar da humanidade depende de ATLÂNTICA em cada propriedade rural, com a pos- recursos biológicos, cujo uso deve ser susten- sibilidade de sua exploração econômica tável e o acesso, socialmente justo. Estabele- mediante manejo sustentável. Na Amazô- cer sistemas de aproveitamento econômico nia, a Reserva Legal é de 20% em regiões da biodiversidade com essas características é PAMPA de campos, 35% em áreas de savanas ou um dos maiores desafios da atualidade. Biomas 80% em áreas com florestas. Em outros Os sistemas baseados em extrativismo Unidades de Consevação biomas, a porção de vegetação nativa que geralmente estão associados à sobre-ex- Federais

deve ser mantida corresponde a 20% do ploração dos recursos biológicos, espe- Mapa das unidades de conservação tamanho da propriedade. cialmente no caso da pesca e da explora- federais nos biomas brasileiros Há ainda muitas situações que exigem ção madeireira, mas também no caso de (Fonte: ICMBio, 2015) medidas adicionais de proteção, como o diversos recursos florestais não madei- caso das espécies ameaçadas de extinção. reiros, incluindo a fauna, fibras, frutos e comprometer a produtividade econômica. florestais, no entanto, ainda carecem de A partir da aplicação de critérios científi- resinas. Em ecossistemas não florestais, Nos biomas florestais, a Lei de Gestão de políticas públicas específicas. cos, essas espécies são classificadas de o pastoreio mal conduzido pode compro- Florestas Públicas2 e a Lei da Mata Atlânti- A ciência e os cientistas são fundamen- acordo com o grau de ameaça e incluídas meter a regeneração da vegetação her- ca3 são instrumentos reguladores impor- tais para identificar novos usos para os em listas revisadas periodicamente e re- bácea, degradar a qualidade do habitat, tantes que, junto com a Lei de Proteção inúmeros recursos oferecidos pelos ecos- conhecidas por portarias do Ministério do facilitar a invasão por espécies exóticas e da Vegetação Nativa, buscam disciplinar sistemas. São também essenciais para a o uso e o manejo das florestas em áreas compreensão dos fatores responsáveis 2 Lei nº 11.284, de 2 de Março de 2006. públicas e privadas. Os ecossistemas não pela produtividade dos sistemas ecológi- 3 Lei nº 11.428, de 22 de Dezembro de 2006.

180 181 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade cos, para testar e desenvolver melhores Além disso, existe a possibilidade de cola- necessárias ações de controle com ênfase e qualidade da vida humana, é promover práticas de manejo e exploração, para de- boração do conhecimento tradicional. Po- na redução dos danos econômicos ou am- modos sustentáveis de produção e con- terminar os limites sustentáveis de uso e vos indígenas e comunidades tradicionais bientais. O conhecimento científico é fun- sumo. A sustentabilidade ocorre quando para auxiliar na resolução de conflitos. mantêm estreita interação com a biodiver- damental para rever os antecedentes de a exploração da natureza é feita dentro O conhecimento científico possibilita o sidade, identificando espécies potencial- uma espécie como invasora, os fatores que de limites que não comprometem o seu desenvolvimento de novas técnicas de pro- mente úteis e desenvolvendo e protegen- predispõem sua dispersão, colonização e funcionamento e sua perpetuação. Se é dução agropecuária e sua disseminação, do raças animais ou variedades de plantas estabelecimento nos ambientes invadidos, fato que as atividades humanas envolvem capazes de modificar em larga escala os cultivadas. Em um momento de rápidas e para o teste de alternativas de controle. impactos ambientais negativos, também é padrões de uso do solo em direção à sus- mudanças e grandes ameaças, é neces- A melhor forma de reduzir as pressões verdade que existem muitas ações capazes tentabilidade. Permite também ampliar a sário não apenas prospectar e proteger, diretas sobre a biodiversidade, compatibi- de identificar, minimizar e compensar esses capacidade de sistemas de produção que mas também desenvolver rapidamente e lizando conservação, produção econômica impactos, reduzindo os conflitos de uso. combinam agricultura e florestas. Em re- compartilhar novas raças, variedades, téc- giões de campos e savanas, permite desen- nicas e conhecimentos capazes de auxiliar volver e melhorar práticas de manejo pas- na adaptação das economias, das práticas Cardeal-amarelo (Gubernatrix cristata), ave passeriforme com ocorrência na toril, de modo a aumentar a produção e, ao agropecuárias e das próprias comunidades. fronteira do Brasil com a Argentina e o Uruguai. Integra a Lista Nacional Oficial o mesmo tempo, proteger processos ecológi- O conhecimento científico também deve de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção (Portaria MMA n 444, de 17 de Dezembro de 2014), na categoria criticamente em perigo cos, proporcionar serviços ecossistêmicos, embasar políticas públicas que lidem com proteger espécies ameaçadas e criar paisa- as chamadas invasões biológicas, quando gens com alto grau de conectividade. espécies são introduzidas em locais onde O aproveitamento econômico de extratos não ocorrem naturalmente, ameaçando e moléculas de microrganismos, plantas e a biodiversidade existente. É muito difícil animais é outra oportunidade para o uso prever quais espécies podem ser tornar sustentável da biodiversidade brasileira ob- invasoras e causar impactos econômicos tida a partir da pesquisa científica. A recen- e ambientais negativos e graves. A - me te atualização da legislação de acesso ao lhor estratégia nestes casos é a preven- patrimônio genético e repartição de be- ção. Uma vez introduzida, a detecção e o nefícios da biodiversidade representa um controle precoces oferecem as melhores caminho promissor, com possibilidade de oportunidades de erradicação de espécies geração de recursos econômicos adicio- invasoras. Se a espécie já está estabeleci- nais para a conservação. da e disseminada, provavelmente serão

182 183 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade Planejamento ambiental de qualificar a tomada de decisões e de mi- ciso que contemplem um conjunto diver- reorientar diretamente as forças motrizes O planejamento ambiental é outro ele- nimizar os impactos sobre a biodiversidade. sificado de ações direcionadas a combater que frequentemente são as causas funda- mento importante nas políticas públicas Essa articulação de conhecimentos é va- tanto as causas imediatas da perda da mentais da perda da biodiversidade. Além de conservação. O conhecimento do ter- liosa, por exemplo, para a produção de ele- biodiversidade, quanto suas causas mais disso, é necessário um arcabouço legal ritório permite identificar restrições e tricidade a partir dos recursos hídricos. As fundamentais. É necessário que sejam in- apropriado e uma infraestrutura institu- oportunidades, e prognosticar os efeitos hidroelétricas podem ser uma alternativa tegradas às políticas setoriais em agricul- cional que permitam implantar a legisla- individuais e cumulativos das atividades sustentável caso seus impactos negativos se- tura, pecuária, energia, produção indus- ção e conectar a tomada de decisões às humanas, além de orientar o licenciamen- jam adequadamente equacionados. Na bacia trial, transportes, mineração, urbanização, evidências científicas e aos mecanismos to ambiental dos empreendimentos. hidrográfica dos rios Taquari e Antas, no Rio saúde e educação, de modo que se possa de participação social. A definição de regiões com vocação am- Grande do Sul, o conhecimento científico biental para a prática de determinadas permitiu identificar as prioridades de conser- atividades econômicas, ou que têm maior vação de áreas naturais e de determinadas sensibilidade ao impacto dessas atividades, espécies de plantas e animais. Combinando Sugestões de leitura permite que se elaborem os chamados zo- essas informações com os interesses múl- A literatura especializada em políticas públicas sobre biodiversidade ainda é incipiente. O Mi- neamentos ambientais. Várias regiões do tiplos das comunidades no uso do espaço, nistério do Meio Ambiente disponibiliza publicações sobre biodiversidade no endereço eletrô- Brasil já contam com zoneamentos ecoló- da água e dos recursos da bacia, foi possível nico http://www.mma.gov.br/publicacoes/biodiversidade. Muitas das publicações disponíveis gico-econômicos, áreas definidas com base alocar os potenciais de aproveitamento hi- tratam de políticas públicas, como o “Quarto Relatório Nacional para a Convenção sobre Diver- nas potencialidades e fragilidades ambien- drelétrico, minimizando seus impactos nega- sidade Biológica’’ (2011), coordenado por Bráulio Ferreira de Souza Dias, e o estudo “Políticas Públicas e Biodiversidade no Brasil’’ (2002), de autoria de Pedro Leitão, Sarita Albagali e Fábio tais, com regras específicas de uso que tivos. Foram definidos locais impróprios para Leite. A revista científica Natureza & Conservação (http://www.naturezaeconservacao.com.br), orientam a ocupação do espaço geográfico a construção de barragens, trechos mínimos editada pela Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, contém uma seção com de forma ambientalmente correta. de rios que deveriam permanecer livres de temas relacionados a políticas de conservação. A seguir, listamos alguns artigos científicos que Outro instrumento de planejamento são barramento para possibilitar a reprodução tratam de políticas de conservação da biodiversidade: as avaliações ambientais estratégicas, estu- dos peixes, além dos locais onde esses em- Gibbs, H.K., Rausch, L., Munger, J., Schelly, I., Morton, D.C., Noojipady, P., Soares-Filho, B., Barre- dos de impacto ambiental regionais direcio- preendimentos poderiam ser instalados, per- to, P., Micol, L. & Walker, N.F. 2015. Brazil’s Soy Moratorium. Science 347: 377-378. nados para avaliar os efeitos conjuntos de mitindo harmonizar interesses distintos den- Soares-Filho, B., Rajao, R., Macedo, M., Carneiro, A., Costa, W., Coe, M., Rodrigues, H. & Alencar, determinadas atividades humanas, como tro da mesma bacia hidrográfica. A. 2014. Land use. Cracking Brazil’s Forest Code. Science 344: 363-364. a construção de rodovias. Articular o licen- Há outras ações importantes para a con- Overbeck, G.E., Vélez-Martin, E., Scarano, F.R., Lewinsohn, T.M., Fonseca, C.R., Meyer, S.T., Mül- ciamento de empreendimentos individuais servação da biodiversidade, mas, de modo ler, S.C., Ceotto, P., Dadalt, L., Durigan, G., Ganade, G., Gossner, M.M., Guadagnin, D.L., Lorenzen, com os instrumentos de planejamento re- geral, para que as políticas públicas relati- K., Jacobi, C.M., Weisser, W.W. & Pillar, V.D. 2015. Conservation in Brazil needs to include non-fo- gional constitui uma grande oportunidade vas à biodiversidade sejam eficazes, é pre- rest ecosystems. Diversity and Distributions 21: 1455–1460.

184 185 Politicas´ Publicas´ Conhecendo a Biodiversidade autores

Alberto Akama Ângelo Gilberto Manzatto Cecilia Veronica Nunez Emiliano Esterci Ramalho Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém - PA Universidade Federal de Rondônia. Porto Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô- Instituto de Desenvolvimento Sustentável [email protected] Velho - RO nia. Manaus - AM Mamirauá. Tefé - AM [email protected] [email protected] [email protected] Aldicir O. Scariot Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu- Antônio Fernandes dos Anjos Claudia Franca Barros Fernando Pedroni ária, Recursos Genéticos e Biotecnologia. Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Universidade Federal do Mato Grosso. Brasília - DF [email protected] Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ Pombal do Araguaia - MT [email protected] [email protected] [email protected] Beatriz Schwantes Marimon Ana Carolina Borges Lins e Silva Universidade do Estado de Mato Grosso. Debora Pignatari Drucker Flávia Fonseca Pezzini Universidade Federal Rural de Pernambu- Nova Xavantina - MT Embrapa Informática Agropecuária. Royal Botanic Garden Edinburgh. Edin- co. Recife - PE [email protected] Campinas - SP burgh - Grã Bretanha [email protected] [email protected] [email protected] Ben Hur Marimon Junior Ana Carolina Neves Universidade do Estado de Mato Grosso. Demétrio Luis Guadagnin Flora Acunã Juncá Universidade Federal de Minas Gerais. Nova Xavantina - MT Universidade Federal do Rio Grande do Universidade Estadual de Feira de Santana. Belo Horizonte - MG [email protected] Sul. Porto Alegre - RS Feira de Santana - BA [email protected] [email protected] [email protected] Bruno Henrique Pimentel Rosado Ana Sofia Sousa de Holanda Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Domingos de Jesus Rodrigues Francisco Langeani Neto Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô- Rio de Janeiro - RJ Universidade Federal de Mato Grosso. Universidade Estadual Paulista Júlio de nia. Manaus - AM [email protected] Sinop - MT Mesquita Filho. São José do Rio Preto - SP [email protected] [email protected] [email protected] Cátia Nunes da Cunha André Marcio Araujo Amorim Universidade Federal de Mato Gross. Eduardo Vélez Martin Freddy Ruben Bravo Quijano Universidade Santa Cruz. Ilhéus - BA Cuiabá - MT Universidade Federal do Rio Grande do Universidade Estadual de Feira de Santana. [email protected] [email protected] Sul. Porto Alegre - RS Feira de Santana - BA [email protected] [email protected]

186 187 autores Conhecendo a Biodiversidade Geraldo Wilson Fernandes Helena de Godoy Bergallo Joaquim de Araújo Silva Ludmilla M. S. Aguiar Universidade Federal de Minas Gerais. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto Biotrópicos. Januária - MG Universidade de Brasília. Brasília - DF Belo Horizonte - MG Rio de Janeiro - RJ [email protected] [email protected] Stanford University. Stanford - Estados Unidos [email protected] [email protected] José Carmine Dianese Luís Fernando Pascholati Gusmão Henrique Rajão Universidade de Brasília. Brasília - DF Universidade Estadual de Feira de Santa- Gerhard Ernst Overbeck Pontifícia Universidade Católica. Rio de Ja- [email protected] na. Feira de Santana - BA Universidade Federal do Rio Grande do neiro - RJ [email protected] Sul. Porto Alegre - RS [email protected] Jerry Penha [email protected] Universidade Federal de Mato Grosso. Luís Fábio Silveira Heraldo L. de Vasconcelos Cuiabá - MT Museu de Zoologia da Universidade de Guarino R. Colli Universidade Federal de Uberlândia. [email protected] São Paulo. São Paulo - SP Universidade de Brasília. Brasília - DF Uberlandia - MG [email protected] [email protected] [email protected] Julia Arieira Couto Universidade de Cuiabá. Cuiabá - MT Manuel Eduardo Ferreira Guilherme Braga Ferreira Ilsi Iob Boldrini [email protected] Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO Instituto Biotrópicos. Januária - MG Universidade Federal do Rio Grande do [email protected] [email protected] Sul. Porto Alegre - RS Laerte Guimarães Ferreira [email protected] Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO Márcia Cristina Mendes Marques Gustavo Manzon Nunes [email protected] Universidade Federal do Paraná. Curitiba - PR Universidade Federal de Mato Grosso. Iuri Goulard Baseia [email protected] Cuiabá - MT Universidade Federal do Rio Grande do Leandro Valle Ferreira [email protected] Norte. Natal - RS Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém - PA Marcelo Menin [email protected] [email protected] Universidade Federal do Amazonas. Ma- Helder Lima de Queiroz naus - AM Instituto de Desenvolvimento Sustentável João Alves de Oliveira Luciano Paganucci de Queiroz [email protected] Mamirauá. Tefé - AM Museu Nacional, Universidade Federal do Universidade Estadual de Feira de Santa- [email protected] Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ na. Feira de Santana - BA [email protected]

188 189 autores Conhecendo a Biodiversidade Maria Aparecida de Freitas Paulo Sergio D’Andrea Rosana Gentile Valério De Patta Pillar Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô- Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswal- Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswal- Universidade Federal do Rio Grande do nia. Manaus - AM do Cruz. Rio de Janeiro - RJ do Cruz. Rio de Janeiro - RJ Sul. Porto Alegre - RS [email protected] [email protected] [email protected] [email protected]

Mariana de Sousa Vieira Pierre Girard Rubiane de Cássia Paggoto William Ernest Magnusson Universidade Federal do Rio Grande do Universidade Federal de Mato Grosso. Universidade Federal de Rondônia. Porto Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô- Sul. Porto Alegre - RS Cuiabá - MT Velho - RO nia. Manaus - AM [email protected] [email protected] [email protected] [email protected]

Maryland Sanchez Renata Dias Françoso Rui Cerqueira Silva Wolfgang Johannes Junk Universidade Federal do Mato Grosso. Universidade de Brasília. Brasília - DF Universidade Federal do Rio de Janeiro. Max Planck Institute For Limnology. Pombal do Araguaia - MT [email protected] Rio de Janeiro - RJ Manaus - AM [email protected] [email protected] [email protected] Reyjane Patricia de Oliveira Mercedes Maria da Cunha Bustamante Universidade Estadual de Feira de Santa- Sandra Cristina Müller Yuri Botelho Salmona Universidade de Brasília. Brasília - DF na. Feira de Santana - BA Universidade Federal do Rio Grande do Universidade de Brasília. Brasília - DF [email protected] [email protected] Sul. Porto Alegre - RS [email protected] [email protected] Milena Fermina Rosenfield Ricardo Bomfim Machado Universidade Federal do Rio Grande do Universidade de Brasília. Brasília - DF Selvino Neckel-Oliveira Sul. Porto Alegre - RS [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected] Florianópolis - SC Ricardo Finotti Leite [email protected] Noemia Kazue Ishikawa Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro - RJ Instituto Nacional de pesquisas da Amazô- [email protected] Soraia Diniz nia. Manaus – AM Universidade Federal do Mato Grosso. [email protected] Rosane Garcia Collevatti Cuiabá - MT Universidade Federal de Goiás. Goiânia - GO [email protected] [email protected]

190 191 autores Conhecendo a Biodiversidade organizadores

Ariane Luna Peixoto Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ [email protected]

José Roberto Pujol Luz Universidade de Brasília. Brasília - DF [email protected]

Marcia Aparecida de Brito Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Brasília – DF [email protected]

Agradecimentos Ao empenho das coordenações das redes PPBio e Geoma, e seus colaboradores, que discutiram e trataram de cada tema que compõe este livro. Para o seu planejamento e publicação contamos com apoio financeiro do MCTI/CNPq, além da contrapartida dos -or ganizadores, autores e de suas instituições de vínculo. Buscamos e encontramos duas pro- fissionais firmes, porém delicadas, que foram decisivas para a finalização da obra - Mariana Ferraz e Mary Paz Guillén, a primeira, tratando da adequação de linguagem e edição dos textos; a segunda, lidando com a formatação e a arte; ambas buscando junto aos autores a linguagem e a forma que melhor os atendia e ao mesmo tempo permitia uma unidade ao produto final - o livro. A todos somos muito gratos pela confiança. Àqueles que cederam as fotografias que ilustram o livro, aos revisores, a Andrea Ferreira Portela Nunes e Cláudia Morosi Czarneski, ambas do MCTI, a Fernando da Costa Pinheiro e Marisa de Araújo Ma- mede ambos do CNPq, bem como a Helena de Godoy Bergallo, da UERJ, e William Ernest Magnusson, Inpa, agradecemos as sugestões e o entusiasmo pelo trabalho no qual estive- mos envolvidos por tantos meses.

192 193 autores Conhecendo a Biodiversidade creditos´ fotos

Capa pág 45 - Valério Pillar pág 90 - Acervo CPP Dados pág 46 - Valério Pillar pág 95 A e B - Acervo PPBio Pantanal pág 124 - Flavia Pezzini 3 4 7 pág 47 A e B - Valério Pillar pág 95 C e D - Julia Arieira pág 127 - Flávia Pezzini pág 48 - Valério Pillar pág 96 A e B - Julia Arieira pág 134 A e B - Flávia Pezzini 1 pág 49 - Eduardo Vélez-Martin pág 96 C - Acervo PPBio Pantanal pág 134 C - Valério Pillar 5 8 pág 97 A, B e C - Catia Nunes da Cunha 2 6 Mata Atlântica pág 97 D - Abílio Moraes Restauração 1. Valério Pillar pág 50 - Helena de Godoy Bergallo pág 98 A, C e D - Catia Nunes da Cunha pág 138 - Milena Rosenfield 2. Silvio Vince Esgalha pág 51 - João Quental Pág 98 B - Julia Arieira pág 145 A, B, C, D (esquerda) - Gerhard 3. Luciano Queiroz pág 54 - Selvino Neckel-Oliveira pág 99 - Acervo PPBio Pantanal Overbeck 4. Fernando da Costa Pinheiro pág 55 - Helena de Godoy Bergallo pág 145 D (Direita) - Milena Rosenfield 5. Helena de Godoy Bergallo pág 56 - Helena de Godoy Bergallo Caatinga pág 146 - Gerhard Overbeck 6. Lídio Parente pág 59 - José Marcelo Torezan pág 100 - Banco de imagens PPBio Semiárido pág 148 - Gerhard Overbeck 7. Augusto Gomes pág 60 A, B e C - João Quental pág 101 - Flora Juncá 8. João Quental pág 62 - Helena de Godoy Bergallo pág 102 - Luciano Queiroz Saúde pág 64 - Helena de Godoy Bergallo pág 105 - Luciano Queiroz pág 154 - Helena de Godoy Bergallo Biodiversidade pág 67 - Helena de Godoy Bergallo pág 106 A e B - Alexandro Batista pág 157 A e B - Sócrates F. Costa-Neto pág 14 - Ariane Luna Peixoto pág 108 - Domingos Cardoso pág 160 - Sócrates F. Costa-Neto pág 15 - Ana Sofia Sousa de Holanda Cerrado pág 111 A - Fabio Nunes pág 161 - Sócrates F. Costa-Neto pág 24 - Helena de Godoy Bergallo pág 68 - Augusto Gomes pág 11 B - Elisa xavier Freire pág 162 A, B, C, D - Sócrates F. Costa-Neto pág 27 - Valério De Patta Pillar pág 69 - Augusto Gomes pág 111 C - Cyrio Silveira Santana pág 33 A - Tiara Cabral (fungos) pág 72 - Augusto Gomes Políticas Públicas pág 33 B - Ilderlan Viana pág 75 - Augusto Gomes Amazônia pág 170 - Fernando da Costa Pinheiro pág 77 - Augusto Gomes pág 112 - Ana Sofia Sousa de Holanda pág 172 - International Institute for Sus- Campos Sulinos pág 78 - Augusto Gomes pág 113 - Lídio Parente tainable Development pág 34 - Valério Pillar pág 80 - Augusto Gomes pág 114 - Lídio Parente pág 174 - Valério De Patta Pillar pág 35 - Valério Pillar pág 83 A, B, C e D - Augusto Gomes pág 116 A e B - Acervo PPBio Am-Oc pág 177 - Vinicius Mendonça – Ascon. Ibama pág 38 - Valério Pillar pág 118 - Maria Aparecida de Freitas pág 181 - Oscar Fenalti pág 40 - Valério Pillar Pantanal pág 119 - Jefferson Valsko pág 42 - Valério Pillar pág 84 - Catia Nunes da Cunha pág 121 - Acervo PPBio Am-Oc Agradecimentos pág 43 - Ilsi I. Boldrini pág. 85 - Silvio Vince Esgalha pág 123 - Ana Sofia Sousa de Holanda pág 193 - Welinton Lopes

194 195 creditos´ Conhecendo a Biodiversidade Este livro foi impresso na Gráfica Editora Vozes, utilizando o papel couchê 150g no miolo e Cartão Supremo 300g na capa. Tipologias: Calibri, Minion Pro, Moon.