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19º Congresso Brasileiro de Sociologia 9 a 12 de Julho de 2019 UFSC - Florianópolis (SC) Grupo de Trabalho: Sociologia da Cultura Título: Ayrton Senna, a Fórmula 1 e o Brasil: o espetáculo da alta excitação e a redefinição da identidade nacional moderna Nome: Felipe dos Santos Tartas Instituição: Universidade de Brasília As realizações práticas de Ayrton Senna eram um exercício de produção presencial de uma narrativa de nação brasileira moderna. Através do corpo de Senna em ação, desenhava-se uma narrativa de nacionalidade brasileira, nos espaços próprios destinados a comunicação e desenvolvimento dessas próprias narrativas. As narrativas mitológicas dependem de exercícios práticos para se comunicarem, a linguagem não é nada sem o ato de fala que a perpetua. A figura de Senna como um herói brasileiro vencedor em disputas internacionais revela um contraste entre a imagem que uma parte dos brasileiros construiu para si, de país derrotado em oposição à imagem da modernidade dos países do Norte, vencedores. O Brasil teria ficado para trás na corrida pelo desenvolvimento em direção à modernidade, tendo em vista que os padrões culturais típicos da nacionalidade brasileira seriam arcaicos demais e não completamente adaptados para essa realização. No Brasil predominariam padrões de sociabilidade personalistas que são avessos a uma lógica racionalista burocrática e profissional. A obediência às normas legais e burocráticas não teriam desenvolvido plenamente e suficientemente para a possibilidade de surgimento de instituições impessoais. Se a vitória é o alcance do pleno desenvolvimento de uma sociedade regulada por normas racionais, o Brasil seria então um país derrotado. Não apenas esses foram considerados empecilhos para o desenvolvimento racional, como também para o desenvolvimento tecnológico. Mas por outro lado, se o Brasil não conseguiu erguer uma indústria tecnológica avançada como poderia ter surgido através do protecionismo à indústria automobilística, por outro lado, através de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, pôde se observar o desenvolvimento de mãos qualificadas não para a produção de automóveis e sim para a condução dos mesmos. O contraste aqui é então marcado pela carência de competência científica e tecnológica e a abundante competência em arrojo e destreza necessários para a condução automobilística. Mas mais que apenas um piloto arrojado e dotado de uma destreza rara para a condução automobilística, também o piloto brasileiro Ayrton Senna apresentou muitas outras qualidades nos seus trânsitos pela esfera pública tanto nacional quanto internacional. Qualidades que fugiam às tradicionais marcas da identidade nacional brasileira vigente até então. Senna não estava próximo de ser um cafajeste, caloteiro ou malandro. Apesar do piloto brasileiro não ser exigido em sua profissão uma alta escolaridade, Senna logo aprendeu a ouvir e falar a língua inglesa, a formar frases gramaticalmente corretas tanto em sua língua nativa quanto na língua estrangeira. Também aprendeu a língua italiana. Em suas aparições públicas, Senna comumente apareceu como um homem muito mais educado e cordial. Mas também Senna não deixava de ser um brasileiro, não escondendo o orgulho pela sua nacionalidade. Sendo assim, não seria uma espécie de não brasileiro nascido em terras brasileiras. Pelo contrário, Senna aparecia como um dos exemplos mais bem acabados de novo brasileiro, completamente adaptado aos protocolos da modernidade. Essa nação brasileira teria demonstrado através de Senna ter sido capaz de superar seus próprios dilemas. Não apenas ela demonstrou a capacidade de desenvolver em seus próprios limites territoriais uma pessoa plenamente adaptada aos protocolos modernos, como também não deixou de exercer a sua influência em muni-lo de competências arrojadas, fazendo de Senna, uma espécie incomum e rara, que trouxesse em si aquilo que existe de melhor no antigo e novo mundo. A vitória de Ayrton Senna expressa a vitória da nação brasileira, dessa nova identidade brasileira, que tanto carrega os símbolos antigos modificados quanto os novos maleados. Participando de um circuito recheado das mais novas tecnologias automotivas, em seu estado da arte, ainda em fase de elaboração e desenvolvimento, Ayrton Senna na Fórmula 1 expressava o encontro de uma pessoa, em seus gostos, com o mais avançado estágio da sociedade, a modernidade. Modernidade que se encontrava nesses carros munidos de novidades pertencentes ao universo da engenharia mecânica e também da computação, sendo este último caso, o mais expressivo, porque recorrentemente associado, à idéia de modernidade. Essa proximidade de Ayrton Senna com os signos associados à modernidade foi recorrentemente explorada por criadores de produtos – em que estão inseridos os designers na criação, e os responsáveis por sua divulgação: os publicitários – unindo a imagem de piloto brasileiro a diversas marcas, contando com o valor da imagem de uma pessoa transferindo-o para diversos bens e serviços. A imagem de Ayrton Senna, os significados recorrentemente associados ao piloto, surgiam como os toques finais para que se transferissem os signos de dinamismo, modernidade e sofisticação. Nesses usos da imagem de Ayrton Senna é possível observar de que espécie de ídolo Ayrton Senna e que posição ele ocupava no espaço social. O conjunto das escolhas pautadas por um gosto produto de uma trajetória no espaço social revela a história dessa própria trajetória. De uma trajetória bastante particular, que o contraste entre as escolhas possíveis a tudo o que diz respeito às práticas que definem um estilo de vida é bastante explícito quando Ayrton Senna é comparado aos tradicionais ídolos da nacionalidade brasileira, em destaque, no universo esportivo, os tantos vários ídolos jogadores de futebol. As pesquisas1 realizadas por institutos como o Data Folha revelam o favoritismo de Ayrton Senna como o ídolo mais importante para a nova geração de jovens em camadas da classe média brasileira. Em meio ao sentimento de vira-lata, de pertencimento a uma nação fracassada, que mal pode ser tomada como motivo de orgulho e ao lado dos sucessivos fracassos da seleção brasileira de futebol, essa nova geração se inspira no modelo de sucesso de Ayrton Senna. Aos poucos, a representação social do espaço social formada pelos seus próprios partícipes deslocaria determinados signos para o passado associando-os ao derrotismo emergindo em seu lugar novos signos colocando-os como pertencentes ao presente e ao futuro associando-os ao sucesso. Nessa nova representação do espaço social brasileiro formada por diversos agentes e instituições que ocupam esse próprio espaço e possuem visões parciais a respeito deste próprio espaço conforme os pontos de vista limitados pela posição a qual pertencem neste espaço, os sentidos da nova identidade brasileira estão em disputa. Os que ocupam posição privilegiada, estando mais próximos dos dispositivos de comunicação, contam com maior probabilidade de fazer suas representações sociais as mais legítimas, tornando em consequência as outras representações menos legítimas. Nesse sentido, quando se toma essas descrições realizadas pela imprensa nacional brasileira, pelo poder de alcance dessas mídias, e com o grau de legitimidade que contam, pode se observar o processo de redefinição da identidade brasileira. Ayrton Senna é tomado nesses 1 FOLHA DE SÃO PAULO. Veja o resultado da eleição dos leitores. Guns N' Roses ganha disparado em 'disco' e 'grupo'; Ayrton Senna também abafa como 'craque' e 'esperto'. Folha de São Paulo, São Paulo, 6 de janeiro de 1992. periódicos2 como um exemplo ilustrativo dos novos sentidos da identidade nacional brasileira. Seu sucesso no circuito internacional da Fórmula 1 é expressivo do valor dos signos associados à essa nova identidade. As práticas que mobilizavam os signos da identidade nacional brasileira tradicional e antiga não conquistavam maiores resultados, como se observava nos repetidos insucessos da seleção brasileira de futebol em Copas do Mundo, servindo assim essa totalidade de fracassos, não apenas fracassos esportivos, como também fracassos políticos e econômicos, como se observava na recessão econômica enfrentada pelos brasileiros durante os anos 1980, como demonstrativos de que essas práticas não poderiam perpetuar-se para sempre, e que o Brasil precisaria renovar-se. O Brasil, segundo esses periódicos, deveria se espelhar cada vez mais em Ayrton Senna e abandonar as suas antiquadas práticas. Voltando para o início do ano de 1991 as expectativas3 eram de que Alain Prost poderia ainda se manter como um dos favoritos para a disputa do título mundial de pilotos da Fórmula 1 em mais uma temporada. Jean Alesi era observado como uma espécie de garoto prodígio, por conta de seu estilo agressivo e arrojado, uma espécie de possível novo Senna, agora na Ferrari cresciam as expectativas por bons resultados. Nelson Piquet, ofuscado pelas conquistas de Ayrton Senna, após duas vitórias ao final da temporada de 1990, animava-se, e não sem razão, pois John Barnard que recentemente desenvolvera o postulante a título Ferrari 641, transferia-se para a emergente Benetton. A experiência de Piquet auxiliaria no desenvolvimento do carro que poderia se colocar como um dos favoritos. Em Mansell, só se podia esperar que algo de bom resultasse do seu talento, de um temperamento explosivo que pudesse dar em qualquer coisa, ou um grande triunfo, ou um grande fracasso. Ainda não se esperava que a equipe Williams, a qual Mansell retornaria depois de dois anos de 2 ALVES, Alessandra.