Um Corpo Entre Imagem E Gesto
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Rodrigo Garcia Barbosa UM CORPO ENTRE IMAGEM E GESTO: A TAUROMAQUIA NA POESIA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras: Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para a obtenção do título de Doutor em Letras: Estudos Literários. Área de Concentração: Literatura Brasileira Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia de Carvalho Casa Nova Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2013 Agradeço a todos que contribuíram com atenção e carinho para que este que aqui está se fizesse, principalmente a Ju, meus pais, Júlio e Jane e também Luísa e Gabi. Agradeço à professora Vera Casa Nova, pela orientação que sempre iluminou muito além deste trabalho; aos professores Marcos Rogério Cordeiro Fernandes e Sérgio Alcides Pereira do Amaral, pela contribuição quando a pesquisa ainda tateava seus caminhos; à professora Sabrina Sedlmayer, que me abriu as portas à docência; aos professores com os quais tive o prazer de conviver durante quase dez anos na Faculdade de Letras da UFMG, especialmente à professora Maria Cecília Bruzzi Boechat, pelo ensinamento e pela cordialidade; à Sam, pela inestimável ajuda, e aos amigos com os quais aprendo sobre o perto e o longe. A ninguém pertencem as palavras, por isso tomo emprestadas estas que Cabral tomou a Marianne Moore: “Está em Marianne Moore: O sentimento mais profundo se mostra sempre em silêncio; não em silêncio, mas contenção. Assim, permiti que vos expresse com a contenção de um lacônico (mas intenso) ‘muito obrigado’ meus agradecimentos por me haverdes acolhido a vossa companhia e pela maneira como me haveis acolhido.” (João Cabral de Melo Neto) Yo llevo siempre a mi lado, como Pascal un abismo, la sombra negra de un toro que es mi pensamiento fijo. Que es un pensamiento fijo que me abisma en la negrura de su espantoso vacío. De un espantoso vacío que me angustia con el eco de su silencio infinito. (José Bergamín) ........................ Ínsula de bravura, dorada por exceso de oscuridad. (Miguel Hernández) ........................ “O poeta é como o toureiro. Precisa viver medindo forças com a morte ou não vive.” (João Cabral de Melo Neto) RESUMO O trabalho analisa as imagens da tauromaquia na poesia de João Cabral de Melo Neto, identificando as relações entre a poética cabralina e os valores estéticos e éticos vinculados a essa manifestação da cultura espanhola. Nesse contexto, ele investiga a praxis do poeta a partir de sua descrição da praxis do toureiro, abordando questões como a impassibilidade do eu, a constituição do ser, a luta contra as palavras, a atuação do corpo, os riscos da criação artística, a atração pelo limite e a presença da morte. Para tanto, realizou-se uma revisão da fortuna crítica sobre a poesia de Cabral, particularmente a que aborda questões relacionadas à tauromaquia, à qual se seguiu uma leitura de viés antropológico, filosófico, cultural e literário. Palavras-chave: João Cabral de Melo Neto, tauromaquia, poesia, corpo, morte. ABSTRACT This work analyzes the images of bullfighting in the poetry of João Cabral de Melo Neto, identifying relationships between Cabral’s poetics, and the aesthetic and ethical values linked to this manifestation of Spanish culture. In this context, he investigates the praxis of the poet from his description of the praxis of the bullfighter, addressing issues like impassivity of self, the constitution of being, the fight against words, the body performance, the risk of artistic creation, the attraction to limits and the presence of death. Therefore this work constitutes a review of critical fortune on Cabral's poetry, addressing particular issues related to bullfighting, followed by an anthropological, philosophical, cultural and literary analysis of his work. Keywords: João Cabral de Melo Neto, bullfighting, poetry, body, death. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Imagem encontrada nas cavernas de Lascaux, França .. .. 66 Figura 2 - Um pase com a capa de Juan Belmonte .. .. .. .. 84 Figura 3 - Detalhe de Guernica (Pablo Picasso, 1937) .. .. .. 90 Figura 4 - El Cid Campeador lanceando otro toro (Goya, 1816) .. .. 91 Figura 5 - Manolete na feira de Badajoz .. .. .. .. .. 124 Figura 6 - Estudo para uma corrida, nº 1 (Francis Bacon, 1969) .. .. 163 Figura 7 - Manolete diante de um touro de Miura em Barcelona .. .. 180 SUMÁRIO Introdução .. .. .. .. .. .. .. .. .. 10 1 Toreo à primeira vista .. .. .. .. .. .. .. 17 1.1 “Eu vi Manuel Rodríguez, Manolete” .. .. .. .. .. 18 1.2 Uma lição estética .. .. .. .. .. .. .. .. 21 1.3 Eficácia e precisão; urgência e angústia .. .. .. .. 26 1.4 Controlada neutralidade, plástica dureza .. .. .. .. 30 1.5 Poesia, existência e autenticidade .. .. .. .. .. 37 1.6 O risco diante do vazio .. .. .. .. .. .. .. 41 1.7 A presença soberana da linguagem .. .. .. .. .. 51 1.8 Outras visões da corrida .. .. .. .. .. .. .. 54 2 Esboço de tauromaquia .. .. .. .. .. .. .. 60 2.1 Um touro ancestral .. .. .. .. .. .. .. 62 2.2 O percurso das corridas .. .. .. .. .. .. .. 70 2.3 O toro de lidia .. .. .. .. .. .. .. .. 77 2.4 Uma nova dimensão do jogo .. .. .. .. .. .. 80 2.5 As corridas e os poemas .. .. .. .. .. .. .. 89 2.6 Anexo cabralino .. .. .. .. .. .. .. .. 96 3 Figurações toreras .. .. .. .. .. .. .. 99 3.1 Um eu longe de si .. .. .. .. .. .. .. .. 100 3.1.1 O poema do lado de fora .. .. .. .. .. .. .. 105 3.1.2 O mundo como refúgio .. .. .. .. .. .. .. 113 3.2 O que o poema vê .. .. .. .. .. .. .. .. 118 3.2.1 Uma flor antiga .. .. .. .. .. .. .. .. 127 3.2.2 Uma visão da linguagem .. .. .. .. .. .. .. 130 3.2.3 A linguagem desdobrada do visível .. .. .. .. .. 135 3.3 Uma visão reveladora .. .. .. .. .. .. .. 147 4 REVOLUÇÕES SOBRE A PÁGINA BRANCA .. .. .. .. 157 4.1 Navegar o poema .. .. .. .. .. .. .. .. 158 4.2 Aberturas no vazio .. .. .. .. .. .. .. .. 169 4.3 Sacrifício e exorcismo .. .. .. .. .. .. .. 178 4.3.1 Diante da muralha de olhos .. .. .. .. .. .. 186 4.3.2 “Uma coisa de tripa” .. .. .. .. .. .. .. 196 4.4 Espaço de luz e sombra .. .. .. .. .. .. .. 201 4.5 Uma pergunta infernal .. .. .. .. .. .. .. 212 CONSIDERAÇÕES FINAIS .. .. .. .. .. .. 217 REFERÊNCIAS .. .. .. .. .. .. .. .. 222 ANEXO .. .. .. .. .. .. .. .. .. 232 INTRODUÇÃO Grande alboroto, mucha confusión, voces de vaya y venga el boletín, gran prisa por sentarse en un tablón, mucho soldado sobre su rocín; ya se empieza el magnífico pregón, ya hace señal Simón con el clarín, el pregonero grita: “Manda el rey”, todo para anunciar que sale un buey. (Juan Bautista Arriaza) Uma das imagens mais significativas na poesia de João Cabral de Melo Neto é a do toureiro e sua luta contra o touro, importância reconhecida pelo poeta, que em versos e depoimentos destaca, além do fascínio pela Espanha e suas manifestações culturais, a arte dos matadores como uma lição de poesia; e também pela crítica1, que com frequência aborda os trabalhos cabralinos sobre o tema. A maior parte dessas abordagens se concentra sobre alguns poucos poemas, inserindo-os no conjunto das analogias utilizadas por Cabral para caracterizar e analisar o trabalho de criação artística, principalmente o seu próprio, tal como faz com a arquitetura, as artes plásticas, a dança e outras formas de arte. Contudo, a relação entre literatura e tauromaquia configura um amplo quadro crítico explorado há décadas por poetas, escritores, teóricos, filósofos, historiadores e antropólogos, o que nos levou a considerar a possibilidade de se investigar mais profundamente a forma como essa relação se dá na obra do poeta pernambucano, não para reinseri-la no quadro geral de comparações que, como dissemos, ele estabelece entre a poesia e outras formas de expressão, mas para identificar aí suas especificidades, aspectos especialmente ressaltados pela tauromaquia – e também pela abordagem cabralina do fenômeno – que permitissem analisar a partir de uma determinada perspectiva a poesia que a ela se dedica, identificando, principalmente, os pontos de contato entre a poética de Cabral e a poética dos toureiros, ou seja, os valores estéticos e também éticos que 1 Dentre os autores que em alguma medida abordam o tema da tauromaquia na obra poética de Cabra, podemos citar (os nomes foram ordenados cronologicamente segundo a data da publicação original dos trabalhos, que aqui são referidos pelas datas de publicação das edições consultadas): Othon Moacyr Garcia (1958), Haroldo de Campos (2004), Luiz Costa Lima (1995), José Guilherme Merquior (1997), Lauro Escorel (1973), João Alexandre Barbosa (1975), Angélica Soares (1978), Marta de Senna (1980), Marta Peixoto (1983), Antonio Carlos Secchin (1985), Waldecy Tenório (1996), Ivo Barbieri e Helton Gonçalves de Souza (1999; 2004), entre outros. 11 ambos compartilham. Afinal, o próprio poeta confessa ter encontrado na tauromaquia uma “lição de poesia”. Para tanto, realizamos no primeiro capítulo uma revisão da fortuna crítica sobre a obra do poeta, a partir da qual identificamos as principais linhas de interpretação que, ao longo de quase cinco décadas, definiram o lugar da tauromaquia na poesia cabralina, e que poderíamos resumir em palavras como luta, precisão, lucidez, contenção, autenticidade, risco e morte. Durante esse processo, ficou claro que, apesar da qualidade dos trabalhos consultados, grande parte deles foi escrita em períodos nos quais o número de poemas sobre as corridas publicados por Cabral era inferior ao que temos hoje, quando sua obra já se encontra consolidada, o que reforçou nossa percepção de que o tema poderia e deveria ser abordado de maneira