Oftalmologia - Vol. 36 Oftalmologia REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA Publicação Trimestral | Vol. 36 | Outubro - Dezembro 2012

Editor Conselho Redactorial José Henriques António Campos [email protected] Cristina Seabra Isabel Lopes Cardoso João de Deus João Segurado Marinho Santos Olga Berens Pedro Cruz Ricardo Faria Rui Proença

Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Comissão Central Conselho Fiscal Presidente Manuel Vinagre Manuela Carmona Luís Agrelos João Filipe da Silva Vice-Presidente Paulo Torres Coordenadores das Secções da S.P.O. Grupo Português de Retina-Vítreo Tesoureiro João Nascimento Augusto Magalhães Grupo Português de Inflamação Ocular Ana Paula Sousa Vogais Eduardo Silva Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo Rufino Silva Rita Dinis da Gama

Secretária-Geral Adjunto Cirurgia Implanto-Refractiva de Portugal Ana Amaral Francisco Loureiro

Secretário-Geral Grupo Português de Contactologia José Pedro Silva Miguel Amaro Grupo Português de Glaucoma Mesa da Assembleia Geral Manuela Carvalho Presidente Jorge Breda Grupo Português de Neuroftalmologia Ivone Cravo Vice-Presidente Nuno Canas Mendes Grupo Português de Patologia, Oncologia e Genética Ocular João Cabral

1ª Secretária Grupo Português de Ergoftalmologia Sandra Moniz Fernando Bivar

2° Secretário Editor da página da S.P.O na Internet Barros Madeira Helena Filipe

SUBLINHADO Publicações e Publicidade Unipessoal - R. Prof. Vieira de Almeida, 38 - Lj. A - Bloco B - Piso 0 - 1600-371 LISBOA - Tel.: 21 757 81 35 | Depósito Legal 93 889/95 - ISSN 1646-6950

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | I

Oftalmologia - Vol. 36

Índice

Editorial V Complicações Hemorrágicas após Injecções Manuela Carmona Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo 411 Nota do Editor VII Cláudia Loureiro, Ana Bastos Carvalho, José Henriques Joana Valadares, Joaquim Prates Canelas, Manuel Monteiro Grillo Artigos de Revisão Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Não Infecciosas 337 Secundária de Lente De Suspensão Escleral Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., com Íris Artificial 417 Menéres P. Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana 353 Espessura Foveal Central (EFC) da Retina José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira medida por Tomografia de Coerência Óptica Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro (OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg) 425 Artigos Originais Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, Implante Intravítreo de Dexametasona: António Rodrigues, Fernanda Vaz Os Nossos primeiros 100 casos 365 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença Uma Doença Idiopática? 433 Marta Guedes, António Travassos, Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Portuguese Patients with CFEOM Syndrome 377 Júlia Veríssimo, Rui Proença Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Comunicações Curtas e Casos Clínicos Eduardo D. Silva Doença de Best. Casos clínicos 439 Juan E. Cedrún, Eva Chamorro, Carlos Orduna, Multifocalidade - Seleccionar para Resultar 387 Mercedes Maza, Isabel Portero João Paulo Cunha, Arnaldo Santos, Joana Ferreira, Duarte Amado, Margarida Marques Membrana Neovascular Bilateral Secundária a Estrias Angióides com Pseudoxantoma Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de Elasticum – Caso Clínico 443 Maleato de Timolol em Doentes Medicados Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida, com Prostaglandina nas Curvas de Pressão Margarida Santos, David Martins Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial nas 24 Horas 393 Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório, de Suporte Angular Acrysof Cachet® – Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira, 2 Anos de Follow-Up 447 João Neves Martins Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira, Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser 405 Síndrome de Goldenhar – Caso Clínico e Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Revisão da Literatura 455 Isabel Domingues, José Pedro Silva, Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, João Paulo Cunha, Maria Reina Pedro Menéres, Maria Araújo

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | III Termo de Consentimento Informado para Cirurgia de Catarata 463 Leonor Duarte Almeidao

Caso Clínico Mistério Resposta ao Caso do Número Anterior 467 Tânia Rocha, António Mendes Carvalho, Mário Neves, João Filipe Silva, António Roque Loureiro

Secção Histórica e Iconográfica - Histórias da Oftalmologia Portuguesa Orgulho e Preconceito 469 João Segurado

Indicações aos Autores e Normas de Publicação 471

IV | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36

Editorial

Em final de mandato, fujo ao balanço que só o tempo deve fazer . A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia contraria algumas tendências que fragilizam muitas das instituições que conhece- mos. Em várias áreas existe um alheamento e afastamento entre os decisores e todos os outros. A SPO tem prestígio científico, é uma instituição respeitada e, sobretudo, os seus sócios, na esmagadora maioria, identificam-se com a “sua sociedade”. A of- talmologia está mais interventiva, os jovens participam e interessam-se pelo destino da sociedade, existe uma participação em actos eleitorais invejável. Em termos económicos está sólida, tem a sede totalmente paga e continua a ter resultados positivos num contexto adverso. O respeito e o tratamento equitativo dado a todos os sócios, a qualidade das reuniões científicas, a melhoria verificada na revista, o trabalho de comunicação junto dos sócios, junto de outros intervenientes como a OM, sociedades científicas, deciso- res políticos e, através da comunicação social, esclarecendo e educando para a saúde a população, devem continuar a ser uma prioridade. Num tempo conturbado e de grande desespero de muitos, a independência e isenção da SPO em relação a interesses privados ou de grupos é indispensável. Temos oftalmologistas com qualidade e em número suficiente, aliás em número superior, à recomendação da OMS. Este número tremendamente elevado de oftalmologistas, muitíssimo bem preparados e maioritariamente jovens, é sinal de vitalidade mas não pode continuar a aumentar a este ritmo. A colaboração institucional e um bom relacionamento da SPO com o Colégio de Oftalmologia é fundamental. Importa cuidar a formação e manter um número equilibrado de oftalmologistas. Mas a SPO não é uma ilha. Hoje o conceito de oftalmologia global é uma realidade na qual as sociedades científicas se devem posicionar. Abrem-se novos horizontes, surgem novas alianças também científicas. A SPO pode e deve ser a impulsio- nadora dum conceito de Oftalmologia de língua portuguesa. O português está a ter uma influência crescente a nível mundial e essa “onda” deve também levar a Oftalmologia. Vemos com agrado a PAAO revitalizada acompanhando o dinamismo das economias da América Latina. A SPO, sem esquecer o seu espaço europeu, pode e deve acarinhar esta ligação. Constatamos que os problemas que hoje enfrentamos são transversais aos países desenvolvidos: a destruição do exercício da medicina como profissão liberal tornando os médicos assalariados e transformando os doentes em clientes. A descrição magistral desta realidade, feita pelo Dr. António Travassos no editorial anterior, é um grito de alerta. Um grito de alerta deve ser ouvido e deve impor uma actuação. O momento das palavras e dos lamentos está esgotado. É hora de actuar. A SPO por si nada pode, aliás este não é um pro- blema da Oftalmologia mas de toda a medicina. Deve existir uma posição concertada de todas as Sociedades científicas e dos vários colégios liderada pela Ordem dos Médicos. Estou certa que a OM e o Sr. Bastonário, com o apoio de todos, estão à altura do desafio. Tendo presente os vários desafios que enfrentamos importa melhorar os estatutos da SPO: colocá-los de acordo com a legis- lação em vigor e libertá-los de amarras datadas. A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia continuará assim a reflectir o sentir de cada um dos seus sócios – os oftalmologistas portugueses.

Manuela Carmona Presidente da SPO

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | V

Oftalmologia - Vol. 36

Nota do Editor

José Henriques

PRODUÇÃO & PUBLICAÇÃO CIENTÍFICAS EM OFTALMOLOGIA – balanço e novas oportunidades!

A produção científica faz parte da actividade normal de uma unidade de saúde, embora esta área não seja tida em conta como indicador de produção nos contratos-programa das unidades públicas com a ACSS! Mas desde sempre, e à semelhança do que se faz internacionalmente, deixar de estar subjugado exclusivamente à actividade assistencialista e produzir ciência é uma boa prática. Incrementar o conhecimento técnico-científico ou de processo, auditar a actividade clínica através da análise da casuística do serviço e seus resultados, comparar e melhorar a eficácia e a efectividade no sentido de menor variabilidade e de aproximação dos padrões e resultados de outros grupos clínicos da mesma área de especialização ou sub-especialização, são medidas de melhoria de qualidade, de maior eficiência e de busca da EXCELÊNCIA que cada unidade de saúde procura.

Mas tudo o que se fizer, se não se publicar, é quase como se não tivesse existido. Por isso é fundamental que se dedi- quem recursos, humanos e tempo para a actividade de planeamento da publicação em ciência, da produção clínica, da esta- tística das séries clínicas, dos estudos de efectividade e estudos de eficácia (ensaios clínicos) e da sua publicação efectiva. Até aqui era difícil publicar pois todo o processo de revisão e selecção das revistas e critérios de admissão do manuscrito impediam uma ampla actividade de publicação à escala nacional e pior ainda, à escala internacional. Hoje, fruto das platafor- mas de arquivo e publicação em acesso aberto da produção científica, como é caso do projecto RCAAP da Fundação para a Ciência e Computação Nacional, e da criação dos repositórios científicos institucionais e das publicações científicas, essa tarefa de publicação está mais facilitada.

Balanço do biénio 2010-2012 Para não correr o risco de omissão e de divulgar unicamente parte da actividade científica publicada no âmbito da oftal- mologia nacional, refiro globalmente as publicações realizadas na Oftalmologia revista da SPO, revistas internacionais de Oftalmologia pesquisáveis no web of science e medline e outras publicações (não é objectivo desta nota do editor fazer um trabalho exaustivo sobre o tema, mas tão somente dar exemplo de boas práticas e desta forma estimular a sua replicação).

A OFTALMOLOGIA revista da SPO, publicou nestes últimos 2 anos em que esta equipa redactorial orientou a revista: 11 artigos de revisão, 75 artigos originais, 28 comunicações curtas e casos clínicos, 27 outros artigos no total de 142 publica- ções. No total foram publicadas 8 números e um suplemento.

De acordo com pesquisa na web of science, ou seja, em revistas com factor de impacto, nos anos de 2011 e 2012 foram efectivadas 123 (2011=60; 2012=63) publicações na área da oftalmologia em revistas internacionais. No mesmo período de tempo na medline encontram-se 67 referências que correspondem a trabalhos em que o primeiro autor é português. A soma das citações foi de 176, a média das citações 1,43 e o índice-h igual a 6.

O GER – grupo de estudos de retina, fruto do trabalho de dezenas de colegas que escreveram capítulos individualmente ou associados, alguns capítulos com a participação de colegas de outros países (como o AMDBOOK), fez nestes 2 anos as seguintes publicações: 1) Guidelines da Retinopatia Diabética em Dez 2010, 2) AMDBOOK, AMD – Age - Related Macular Degeneration, http://amdbook.org/ 3) 25 perguntas e 25 respostas sobre Membranas pré maculares, 4) 25 perguntas e 25 res- postas sobre sobre Degenerescência Macular da Idade, 5) 25 perguntas e 25 respostas sobre sobre Buraco macular (a sair no mês de Dezembro) 6) 25 perguntas e 25 respostas sobre Retinopatia Diabética – um novo paradigma de cuidados, que foi lan- çado no dia 14 de Novembro deste ano, dia Mundial da Diabetes (para download gratuito consultar: www.ger-portugal.com. 7) Uma brochura para os doentes sobre a Retinopatia Diabética 8) Guidelines sobre oclusões venosas, 9) Actualização da Guidelines sobre DMI.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | VII Em 2011 foi publicado o livro “Cirurgia do Glaucoma no adulto” coordenado pela Dra. Maria da Luz Freitas bem como uma monografia e um atlas de segmento anterior do Dr. António Ramalho.

Vai ser lançado durante o congresso da SPO um livro sobre Glaucoma “Glaucoma: Perguntas Frequentes” da autoria da Dra. Manuela Carvalho, Dra. Manuela Carmona e Prof. Falcão-Reis, um livro sobre Estrabismo “ Estrabismo para totós” da autoria da Dra. Rita Gama, Prof. Eduardo Silva e Dra. Inês Soares Machado, bem como será apresentada uma Monografia da SPO.

Publicar em “open access” e criar um repositório em “open access” da produção científica nacional – tarefa da SPO “O projecto RCAAP tem por missão promover, apoiar e facilitar a adopção do movimento de acesso aberto em Por- tugal. Tem por objectivos: aumentar a visibilidade, acessibilidade e difusão dos resultados da actividade académica e de investigação científica portuguesa; facilitar a gestão e o acesso à informação sobre a produção científica nacional e inte- grar Portugal num conjunto de iniciativas internacionais. Publicar em open access, “Acesso Aberto” (ou “Acesso Livre”) significa a disponibilização livre na Internet de cópias gratuitas, online, de artigos de revistas científicas revistos por pares (peer-reviewed), comunicações em conferências, bem como relatórios técnicos, teses e documentos de trabalho”.

Faz sentido a SPO criar as condições para a publicação em “open access” e haver um repositório da oftalmologia nacional promovido pela nossa sociedade. A nossa revista Oftalmologia está acessível em “open acess” através da plataforma Sherpa/ Romeu desde Agosto de 2012, como foi referido na nota do editor anterior, mas só após publicação dos artigos na Revista.

José Henriques Editor da OFTALMOLOGIA

Colaboraram como revisores nos números 35 e 36 os seguintes oftalmologistas, membros da SPO: Pedro Cruz, Paulo Torres, Marinho Santos, Cristina Seabra, Ricardo Faria, João de Deus, João Segurado, Rui Proença, Isabel Lopes Cardoso, António Campos, Olga Berens, José Henriques, José Guilherme Monteiro, Fernando Vaz, Carlos Marques Neves, Amandio Sousa, Maria Luz Freitas, Maria Araújo, Maria João Santos, Lurdes Vieira, João Paulo Cunha, Rita Flores, Rita Dinis Gama, Luis Gonçalves, Joaquim Neto Murta, João Nascimento, Jorge Breda, Fernan- do Trancoso Vaz, Eduardo Silva, Rufino Silva, Salgado Borges, António Marinho, João Figueira, Manuela Cidade, Isabel Garcia, Manuela Carvalho, João Cabral, Francisco Loureiro.

O editor agradece a colaboração e o empenho de todos.

VIII | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.337-351

Artigo de Revisão Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas Não Infecciosas

Miranda V. P.1, Maia S.1, Oliveira L.1, Guedes M.2, Menéres P.1 1Serviço de Oftalmologia, Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto 2Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto

RESUMO

Objectivo: Revisão da literatura médica sobre a utilização de agentes biológicos no tratamento das uveítes pediátricas não infecciosas. Desenho do Estudo: Revisão bibliográfica. Métodos: Pesquisa na Pubmed das palavras-chave “pediatric uveitis”, “biologics”, “anti-TNFα”, “infliximab”, “adalimumab”, “etanercept”, “golimumab”, “certolizumab”, “interferon α”, “da- clizumab”, “anakinra”, “basiliximab”, “abatacept”, e “rituximab”, com triagem e análise dos artigos relevantes. Resultados: Os agentes biológicos permanecem uma terapêutica não aprovada para o trata- mento de uveítes pediátricas. Na última década têm sido publicados múltiplos estudos sobre a sua utilização “off-label” em uveítes pediátricas refractárias a tratamento com corticoesteróides e imunossupressores. Os anti-TNFα são os agentes biológicos com mais experiência clínica. O etanercept não está actualmente recomendado, após se ter constatado uma baixa taxa de sucesso assim como o aparecimento de episódios de uveíte de novo possivelmente associados à sua uti- lização. O infliximab e adalimumab têm apresentado taxas de sucesso terapêutico de 70-100% e 50-94% respectivamente, na literatura publicada, permitindo a redução e por vezes suspensão da corticoterapia e imunossupressores, com poucos efeitos laterais graves reportados. Os restantes agentes biológicos analisados têm sido utilizados geralmente como terapêutica de resgate quando não há resposta com anti-TNFα. As análises retrospectivas ou casos clínicos descritos com estes fármacos são escassos, revelando, no entanto, boa eficácia e perfis de segurança adequados. Conclusões: O infliximab e adalimumab têm demonstrado ter um papel fundamental no trata- mento dos casos refractários a terapêutica convencional máxima. Múltiplas outras terapêuticas biológicas têm também sido testadas com sucesso terapêutico, embora com nível de evidência muito inferior. Nenhuma está adequadamente validada em estudos controlados, permanecendo terapêuticas “off-label”. Quando iniciar, qual agente escolher e durante quanto tempo, permane- cem por determinar. Apesar da sua eficácia, o custo extremamente elevado destas terapêuticas limita a sua utilização aos casos de mais difícil controlo.

Palavras-chave Uveítes pediátricas, Agentes biológicos, Revisão.

ABSTRACT

Objective: Review of the medical literature on the treatment of non infecious pediatric uveitis with biologics.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 337 Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.

Study Design: Bibliographic review Methods: Pubmed search of the key-words “pediatric uveitis”, “biologics”, “anti-TNFα”, “infliximab”, “adalimumab”, “etanercept”, “golimumab”, “certolizumab”, “interferon α”, “da- clizumab”, “anakinra”, “basiliximab”, “abatacept”, e “rituximab”, followed by a triage and analysis of the relevant articles Results: Biologics remain an off-label treatment for non infectious pediatric uveitis. Howe- ver, on the last decade, there have been multiple studies on their use for the treatment of pe- diatric uveitis refractory to high dose treatment with corticosteroids and immunossupressors. Anti-TNFα agents have been the most used biologics in this clinical setting. Etanercept is no longer recommended, due to a low efficacy and concerns over new onset uveitis episodes in these patients. Infliximab and adalimumab have presented an efficacy of 70-100% and 50-94% respectively in the published literature, allowing a dose reduction and sometimes withdrawal of corticotherapy and immunossupressors, with a few to none severe adverse events reported. Many other biologics have been used in these patients, usually when there is no response to anti- TNFα therapy; the retrospective analysis and case reports published are sparse, but reveal a good efficacy rate and few adverse events. Conclusions: Infliximab and adalimumab have been shown to have an essential role in the treat- ment of non infecious pediatric uveitis refractory to high dose conventional treatment. Several other biologics have been used with good efficacy, but the evidence level still remains anecdotal. Non as of yet is approved for this clinical setting, as there is a lack of controlled studies on its use in these uveitis patients. These studies will be crucial to determine when to initiate treatment, which agent to choose and how long should the treatment last. Although highly successful in lowering intra-ocular inflammation, the extremely high cost of these therapies prohibits its use in all but the most refractory cases.

Key-words Pediatric uveitis; Biologics; Review

1. Introdução operatório. As terapêuticas instituídas têm que ser adapta- das à idade e peso da criança, podendo variar significati- As uveítes pediátricas são patologias relativamente ra- vamente entre faixas etárias. O diagnóstico diferencial é ras, apresentando uma incidência e prevalência que se es- também consideravelmente diferente. tima 5 a 10 vezes inferior à dos adultos (incidência anual Dado o frequente diagnóstico tardio, 17% das crian- de 4.3-6 / 100.000 crianças; prevalência de 30 / 100.000 ças já apresentam diminuição significativa da acuidade vi- crianças). Estas uveítes constituem apenas 5-10% de todos sual na primeira observação oftalmológica. Com o evoluir os casos de uveíte observados no contexto de unidades de da patologia, 8-75% desenvolvem sinéquias posteriores, saúde terciárias1,2. No entanto, a sua importância deriva das 13-58% desenvolvem catarata, 5-56% desenvolvem quera- sequelas oftalmológicas que podem provocar e do seu im- topatia em banda, 3-27% desenvolvem glaucoma e 10-38% pacto no desenvolvimento da criança. apresentam uma melhor acuidade visual corrigida inferior A avaliação e diagnóstico de uma uveíte pediátrica é a 1/103. Existe pouca literatura oftalmológica com nível de substancialmente diferente da uveite de um doente adulto. evidência 2 ou 3 sobre uveítes pediátricas, pelo que a sua Estas crianças são frequentemente subdiagnosticadas, uma interpretação é complexa. Contudo, historicamente, tem-se vez que geralmente não referem queixas, colaboram mal, verificado uma melhoria progressiva do prognóstico destes e os pais desconhecem ou não compreendem a doença. O doentes ao longo das últimas décadas. Não é claro se essa exame oftalmológico é mais difícil, pode demorar muito melhoria será o resultado de um diagnóstico mais precoce, tempo, e por vezes requer observação sob sedação no bloco um tratamento mais eficaz, ou ambos.

338 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas

Os corticoesteróides permanecem há décadas como Têm assim sido identificados múltiplos alvos terapêu- tratamento de primeira linha nas uveítes pediátricas não ticos dirigidos aos pontos chave da patogénese da doença, infecciosas. Nos casos em que não é possível controlar a com desenvolvimento recente de terapêuticas mais selecti- inflamação apenas com corticoterapia, é necessário insti- vas que evitam outros efeitos indesejados sobre o sistema tuir terapêutica de segunda linha com imunossupressores. imune. Caspi et al9 fez uma revisão extensa destes mecanis- Ao longo das últimas 3 décadas, tem-se verificado que o mos e respectivos alvos terapêuticos. uso de imunossupressores em crianças permite um controlo Os corticoesteróides foram os primeiros fármacos uti- eficaz da doença e minimiza os efeitos laterais da cortico- lizados com grande sucesso para o tratamento de uveítes, terapia. Isto torna-se particularmente importante em uveítes dada a sua elevada potência anti-inflamatória e imunossu- crónicas ou recidivantes. pressora. Estes fármacos apresentam mecanismos de acção À medida que se compreende melhor a patofisiologia genómicos, ligando-se directamente a receptores nucleares das uveítes, têm sido identificados novos alvos terapêuticos, onde induzem ou inibem a transcrição de determinados mais selectivos e com menos potenciais efeitos laterais. Na genes, e mecanismos de acção não-genómicos, através da última década, têm sido utilizados múltiplos agentes bio- ligação a diferentes receptores localizados na membrana lógicos no tratamento de uveítes refractárias a tratamento citoplasmática celular10. Dada a ubiquidade destes recepto- com corticóides e imunossupressores, com bons resultados res, os corticoesteróides apresentam uma multiplicidade de e perfil de segurança. Contudo, à data de elaboração deste acções em diferentes tecidos e orgãos. Entre as acções dese- artigo, todos os agentes biológicos disponíveis permanecem jáveis no contexto da inflamação intra-ocular incluem-se a terapêuticas “off-label” para o tratamento de inflamação in- inibição de múltiplas citocinas pro-inflamatórias (IL-2, IL- tra-ocular, tanto em adultos como em crianças. 6, TNFα) e prostaglandinas, inibição da mielopoiese, redu- O objectivo dos autores é rever e sintetizar a literatura ção de leucócitos circulantes, diminuição da permeabilida- científica sobre as modalidades terapêuticas mais recen- de vascular, inibição da expressão de moleculas de adesão tes disponíveis para uveítes pediátricas, analisando com leucocitária e inibição da proliferação fibroblástica11. Entre particular atenção as suas indicações, eficácia e perfil de as acções indesejáveis incluem-se alterações dermatológi- segurança. cas (atrofia, telangiectasias, -tricose, estrias, etc), mus- culo-esqueléticas (atrofia muscular, miopatia, osteoporose, etc), oculares (catarata, glaucoma, coriorretinopatia central 2. Imunologia das uveítes não infeccio- serosa, etc), neurológicas (perturbações do humor, com- sas portamento, memória e cognição), endócrinas (sindrome de Cushing, Diabetes Mellitus, insuficiência suprarrenal, As uveítes não infecciosas resultam de uma disfunção hipogonadismo, atraso da puberdade, etc), cardiovasculares do sistema imune de auto-tolerância, com aparecimento de (hipertensão arterial sistémica, dislipidemia), infecciosas respostas patogénicas dirigidas a antigénios presentes nos (aumento do risco infeccioso, reactivação de infecções la- tecidos intra-oculares. Pensa-se serem causadas por meca- tentes), gastrointestinais (úlcera péptica, hemorragias gas- nismos de imunidade celular nos quais as células T parecem trointestinais, pancreatite, etc), entre outras12. ter um papel preponderante, constituindo assim o principal A introdução de imunossupressores como o Metotrexa- alvo para imunomodulação. Os mecanismos de imunidade to, a Ciclosporina, a Azatioprina, o Micofenolato de Mofetil, humoral (anticorpos) podem agravar a doença, mas assu- etc, veio aumentar a especificidade da abordagem terapêu- me-se não serem capazes de iniciar o processo patológi- tica, reduzir o número de potenciais efeitos laterais e dimi- co, uma vez que não atravessam a barreira hemato-ocular nuir a dose necessária de corticoterapia. Apesar dos poucos normo-funcionante. estudos controlados realizados nesse âmbito, a experiência Graças aos modelos animais experimentais de uveíte clínica acumulada tem demonstrado um bom perfil de se- (uveíte induzida por interleucina-1, uveíte experimental gurança. O Metotrexato, é actualmente o imunossupressor autoimune (UEA), uveíte induzida por endotoxina (UIE), mais utilizado no tratamento de uveítes em crianças. Em etc4-7), tem sido posível identificar os diferentes mecanis- doses terapêuticas habituais, inibe a replicação de DNA e a mos envolvidos na patogénese das uveítes. Embora ne- transcrição de RNA, actuando essencialmente sobre células nhum modelo animal consiga reproduzir isoladamente todo de divisão rápida como os linfócitos T e B. No âmbito das o espectro das uveítes humanas, o modelo da UEA parece uveítes pediátricas, é habitual o seu uso em baixas doses, apresentar muitas das características e mecanismos mais nas quais o efeito é mais anti-inflamatório ao inibir a acti- comuns nas uveítes humanas. vação e adesão dos linfócitos T, do que através da apoptose

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 339 Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.

destas células14. A Azatioprina e o Micofenolato de Mofetil, TNFα suprime a produção de todas estas citocinas, e sub- através de diferentes mecanismos de acção, inibem também sequentemente reduz a actividade dos linfócitos Th1, inibe a replicação de DNA, interferindo com a multiplicação de a activação dos macrófagos e previne a destruição tecidular linfócitos, particularmente de linfócitos T. A Ciclosporina e na UEA19,20. o Tacrolimus são ambos inibidores da calcineurina, e com- Actualmente existem 5 anti-TNFα disponíveis no mer- prometem a activação dos linfócitos T, principalmente atra- cado português: 4 anticorpos anti-TNFα (infliximab, adali- vés da inibição da síntese de IL-2 bem como da expressão mumab, certolizumab e golimumab) e 1 receptor solúvel de do seu receptor14. TNFα (etanercept). As abordagens dirigidas especificamente a linfócitos ac- O infliximab é um anticorpo anti-TNFα IgG1 monoclo- tivados ou a processos envolvidos na activação e/ou função nal quimérico (rato-humano). O adalimumab, certolizumab da resposta imunitária, como o bloqueio de certas citocinas e o golimumab são anticorpos (ou fragmentos de anticor- ou receptores de citocinas (uso de anti-TNF-α, anti-inter- pos) anti-TNFα IgG1 monoclonais humanizados. Todos leucinas, interferão-α, entre outros), são mais específicas são capazes de capturar as formas solúveis e membranares do que o mecanismo de acção dos corticoesteróides e imu- do TNFα, e são capazes de induzir apoptose mediada pelos nossupressores clássicos, mas têm ainda o potencial para factores de complemento em células que expressem TNFα. comprometer a resposta de imunidade adaptativa contra Contudo, tem sido demonstrado que em 15-40% dos doen- microorganismos patogénicos. Para explorar estes mecanis- tes21 o seu uso leva à indução de anticorpos anti-quiméricos, mos têm sido desenvolvidos múltiplos agentes biológicos. que reduzem a sua eficácia e aumentam a probabilidade de O seu uso em uveítes pediátricas tem sido geralmente res- reacções de hipersensibilidade22. A administração concomi- tringido aos casos de uveítes refractárias ao tratamento con- -tante de um imunossupressor, como o metotrexato, reduz vencional, bem como a casos em que o tratamento conven- significativamente o desenvolvimento destes anticorpos23. cional se associa a efeitos laterais significativos. Isto resulta O adalimumab, certolizumab e golimumab são teoricamen- não só de existir ainda pouca evidência relativa à eficácia te menos imunogénicos que o infliximab, mas também têm e segurança a médio e longo prazo da sua utilização, bem sido identificados alguns pacientes que desenvolvem anti- como dos elevados custos associados. Há, contudo, autores corpos anti-adalimumab24. que sugerem a existência de benefícios na introdução destes O etanercept é uma proteína solúvel que combina 2 recep- agentes numa fase mais precoce da evolução da doença15. tores de TNFα p75 associados a um domínio Fc de uma IgG1. As abordagens dirigidas ao antigénio que está na origem É capaz de se ligar tanto ao TNFα como à linfotoxina-α25 do processo auto-imune são, teoricamente, as mais selecti- mas não induz apoptose celular mediada pelos factores de vas, uma vez que afectam exclusivamente os linfócitos auto- complemento. Adicionalmente, não está descrita a formação reactivos que estão na base do processo patológico, não afec- de anticorpos anti-etanercept26. Ao contrário dos restantes tando o restante sistema imunitário. Todavia, na maioria dos anti-TNFα, o etanercept forma ligações menos estáveis com casos, não é ainda possível identificar o antigénio causal do a variante transmembranar do TNFα27. processo auto-imune, ou este pode variar ao longo da evolu- A evidência mostra que os diferentes anti-TNFα têm efi- ção da doença. Espera-se que futuramente surjam tratamen- cácias diferentes na mesma patologia e no mesmo doente, tos dirigidos especificamente para cada etiologia distinta. pressupondo mecanismos de acção também diferentes, e ainda mal esclarecidos. Num estudo experimental e modelo de UEI, a neutralização do TNFα mediada pelo infliximab 3. Agentes Biológicos ou adalimumab apresentou efeitos distintos: o adalimumab revelou-se mais eficaz na supressão de mecanismos inflama- 3.1 Anti-TNFα tórios mediados por espécies reactivas de oxigénio e o infli- O TNFα é uma citocina proinflamatória que apresenta ximab revelou-se mais eficaz na redução das concentrações um papel preponderante na patogénese de múltiplas pato- das citocinas inflamatórias28. Outros estudos têm também re- logias inflamatórias, incluindo nas uveítes não infecciosas. portado diferentes mecanismos de acção entre anti-TNFα29. Em experiências em modelos animais, tanto de UEI16 como Isto suporta o conceito de “drug-switching” ou troca entre de UEA17,18, o TNFα foi detectado em elevadas quantida- anti-TNFα, quando ocorre falência terapêutica ou efeitos la- des, sendo implicado na sua patogénese. Esta citocina induz terais intoleráveis. Tynjälä et 30al reportou que, quando ocor- a expressão de múltiplas quimiocinas, moléculas de adesão ria falência terapêutica de um anti-TNFα no tratamento de e outras citocinas envolvidas no prolongamento e exacerba- uma uveíte pediátrica, a troca para outro anti-TNFα permitia ção do processo inflamatório. A inibição da actividade do resposta terapêutica em cerca de 1/3 dos casos.

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Em estudos humanos, os anti-TNFα têm demonstrado reportando em 2008 que apenas 7% dos doentes permane- eficácia no tratamento das uveítes pediátricas, estabilizando ciam sem recidiva após 16 meses de tratamento41 e em 2011 a acuidade visual, melhorando o controlo da inflamação in- que apenas 19% dos doentes permaneciam sem recidiva tra-ocular e reduzindo a necessidade de corticoterapia tópi- após 40 meses de tratamento43. Em estudos anteriores, foi ca. O anexo 1 resume os principais estudos realizados com reportado igualmente a necessidade de aumentar a dose de anti-TNFα em uveítes pediátricas. No entanto, a natureza infliximab ao longo do tempo para manter a sua eficácia, retrospectiva e não randomizada da maioria dos estudos, podendo atingir doses 4 vezes superiores à dose habitual. associada a diferentes conceitos de sucesso terapêutico, tor- Kahn et al40 usou em alguns pacientes doses de 10-20 mg/ na a sua interpretação complexa e a generalização dos seus kg por infusão e Rajaraman et al37 doses até 18 mg/kg. Ar- resultados perigosa. doin et al39 reportou também a necessidade de aumentar De notar que, embora os doentes em tratamento com as doses de manutenção do infliximab ao longo do tempo, anti-TNFα tenham risco aumentado de desenvolver múlti- atingindo uma dose mediana de 8.2 mg/kg ao longo de 26 plas infecções, existe um risco particularmente aumentado meses de tratamento. Alternativamente, reduziram-se os in- de desenvolver tuberculose. A maioria dos casos são reac- tervalos entre infusões até 4 semanas, também com bons tivações de tuberculose latente, que pode ser fatal54. Assim, resultados. As recidivas reportadas geralmente reponderam é prudente o rastreio e tratamento adequado de tuberculose bem a corticoterapia tópica sem deterioração significativa antes de iniciar terapêutica inibidora de TNFα. da acuidade visual, e a percentagem de doentes ao fim do seguimento sem inflamação ou com redução de pelo menos 3.1.1 Infliximab 2 graus da inflamação intraocular permaneceu elevada. O infliximab foi inicialmente aprovado para o- trata Tynjälä et 30al reportou que ao longo de 2 anos de segui- mento de Doença de Crohn moderada a grave. O esquema mento, apesar do eficaz controlo da inflamação intra-ocular, terapêutico aprovado para esta patologia inclui perfusões o número de complicações intra-oculares continuou a au- intravenosas de 5 mg/kg às 0, 2 e 6 semanas, seguidas de mentar, especulando que será uma possível consequência infusões de manutenção de 8/8 semanas. O seu uso “off- de uma uveíte crónica mal controlada já de longa duração -label” noutras patologias inflamatórias, nomeadamente antes de ter sido iniciado o tratamento com infliximab. oftalmológicas, tem demonstrado elevadas taxas de suces- Foram registados múltiplos efeitos laterais atribuídos ao so, constituindo cada vez mais uma alternativa em doentes tratamento com infliximab, mas raramente foi necessário refractários a terapêutica convencional. Em uveítes pediá- suspender o tratamento. Tynjälä et 30al suspendeu o tratamen- tricas, o infliximab tem demonstrado em múltiplos estudos to em 4 doentes: 3 por reacções de hipersensibilidade grave a sua eficácia no tratamento de uveítes anteriores, intermé- durante as infusões e 1 por aumento marcado dos anticorpos dias e posteriores não infecciosas (ver anexo 1). anti-nucleares e anti-dsDNA associado a alopécia. Simonini Em todos os estudos, o infliximab foi administrado em et al41 suspendeu o tratamento num doente por reacção de casos de uveítes pediátricas crónicas não infecciosas re- hipersensibilidade grave durante a infusão, ao 18º mês de fractárias a tratamento com corticoterapia e pelo menos um tratamento. Outros efeitos laterais incluem: prurido e rinor- imunossupressor (mais frequentemente, o MTX). Excepcio- reia36, broncospasmo e hemovítreo37, abcesso periamigdalino nalmente, o infliximab foi iniciado concomitantemente com e pansinusite30, náuseas, leucopenia transitória e aumento das um fármaco imunossupressor, quando a gravidade do caso transamínases40,41,43, herpes labial e zona42. sugeria a sua futura necessidade ou quando era necessária uma rápida indução de remissão para realização de cirurgia39. 3.1.2 Adalimumab Ocorreu uma rápida melhoria da inflamação intra-ocular O adalimumab foi inicialmente aprovado para artri- (traduzida como indução de remissão ou como uma redução te reumatóide e posteriormente para artrite psoriártrica e em dois graus da inflamação intra-ocular, segundo a escala Doença de Crohn. O esquema terapêutico inicialmente do SUN Working Group) em 70-100% dos doentes, obser- aprovado para esta patologia inclui administrações subcu- vável em 2 semanas a 19 meses após início da terapêuti- tâneas de 40 mg de 2/2 semanas, com eventual redução do ca34,38,40,41,43. Foi também possível, na maioria dos doentes, intervalo de administração para 1/1 semana. reduzir ou suspender a corticoterapia oral e tópica e reduzir Tal como o infliximab, o seu uso “off-label” noutras para doses de manutenção o imunossupressor sistémico. patologias inflamatórias tem apresentado elevadas taxas de Simonini et al reportou em dois estudos prospectivos sucesso. Apesar de não estar aprovado para uso em crian- uma perda de eficácia do infliximab ao longo - dotem ças, o seu benefício tem vindo a ser demonstrado em uveí- po, mesmo com a administração concomitante de MTX, tes pediátricas em vários estudos (ver anexo 1).

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Nos estudos publicados, o adalimumab foi administrado controlado demonstrou ausência de melhoria estatisticamen- em casos de uveítes pediátricas crónicas não infecciosas re- te significativa quando comparado com placebo. fractárias a tratamento com corticoterapia e pelo menos um Schmeling et al32 realizou um questionário multicêntrico imunossupressor como fármaco de terceira linha. A poso- onde se constatou a ocorrência de episódios inaugurais de logia variou entre os 20-40 mg/semana via subcutânea com uveíte em doentes com AIJ sob tratamento com etanercept. administrações 1/1 a 2/2 semanas. Recentemente foi publicada uma revisão de todos os casos Registou-se uma rápida melhoria da inflamação intra- de uveítes inaugurais durante terapêutica com anti-TNFα -ocular em 50-94% dos casos após 2-16 semanas de tera- em França59, verificando-se 31 casos (5-70 anos de idade), pêutica44,45, sendo possível reduzir ou suspender a cortico- 74% dos quais associados a etanercept. Nos casos de uveíte terapia oral e tópica e reduzir o imunossupressor sistémico inaugural sob tratamento com etanercept, está recomendada para doses de manutenção na maioria dos doentes. a mudança de tratamento para adalimumab ou infliximab60. O estudo elaborado por Tynjälä et al30, ao contrário dos Actualmente, o uso off-label de etanercept como agente restantes, passou pela administração de adalimumab a pa- de terceira linha no tratamento de uveíte pediátrica refractá- cientes refractários a outro agente biológico (em 90% dos ria deve ser desaconselhado34. doentes), o que provavalmente explica a taxa de sucesso (35%) consideravelmente inferior. 3.1.4 Golimumab Nos estudos efectuados não se verificou perda de efi- O golimumab é um dos anti-TNFα mais recentes e está cácia significativa ao longo do tempo ou necessidade de actualmente aprovado, tanto nos EUA como na Europa, aumento da posologia dependente do tempo de evolução em adultos para o tratamento de artrite reumatóide61, artrite da terapêutica, por oposição ao observado nos estudos com psoriática62 e espondilite anquilosante63. infliximab. No entanto, todos os estudos apresentaram um William M et al64 publicou em 2012 um relato de 2 casos seguimento inferior a 2 anos, com excepção do estudo efec- de uveíte pediátrica associada a AIJ tratados com golimu- tuado por Gallagher et al40, com uma mediana de 5.7 anos mab (50 mg de 4/4 semanas). Ambos eram refractários a te- de seguimento mas com apenas 6 doentes. rapêutica convencional e tinham desenvolvido previamente Foram registados múltiplos efeitos laterais atribuídos ao efeitos laterais não toleráveis ao infliximab e um deles ao tratamento com adalimumab, sendo o mais frequente a dor adalimumab. Após iniciar golimumab, obteve-se remissão no local da injecção subcutânea, por vezes associada a eri- em ambos ao fim de 1 e 2 meses, sendo possível reduzir tema e prurido. Outros efeitos laterais descritos incluem in- a dose de corticoterapia oral e realizar cirurgia de catarata fecções do tracto respiratório superior, infecções herpéticas, com melhoria da acuidade visual corrigida. gastrite e menorragias. Trachana et al47 reportou a ocorrência O golimumab não está ainda aprovado para uso em de uma sépsis fatal 2 meses após reinjecção de adalimumab. doentes pediátricos, nem o seu perfil de segurança escla- recido nesta faixa etária. Assim, de momento, o seu uso 3.1.3 Etanercept “off-label” no tratamento das uveítes pediátricas deve ser O etanercept está actualmente aprovado para o trata- considerado apenas quando os outros anti-TNFα falharem. mento de artrite reumatóide moderada a grave, AIJ poliar- ticular moderada a grave, artrite psoriática, espondilite an- 3.2 Anti-Interleucinas quilosante e psoríase em placas moderada a grave. Na AIJ Os modelos laboratoriais de UEA têm demonstrado o a dose inicialmente aprovada era a de 0.4 mg/kg 2x/sem até papel da IL-1 e IL-2 na patofisiologia da uveíte posterior. um máximo de 25 mg/sem54, sendo actualmente utilizada O antagonista do receptor da IL-1 (AR IL-1) é um uma dose de 0.8 mg/kg 1x/sem até um máximo de 50 mg/ inibidor presente naturalmente no organismo humano. sem55-58. No entanto, todos os estudos efectuados em uveítes O anakinra é uma versão recombinante do AR IL-1 hu- pediátricas utilizaram a dose inicialmente aprovada de 0.4 mano. Em 2007 foi publicado um caso clínico em que o mg/kg 2x/sem. anakinra foi utilizado com sucesso no tratamento de uma O etanercept foi o primeiro anti-TNFα a ser utilizado para uveíte associada a síndrome articular, cutâneo e neuroló- o tratamento de uveítes pediátricas refractárias a tratamento gico infantil crónico (CINCA), previamente refractária a convencional. O primeiro estudo publicado por Reiff et al31 tratamento com anti-TNFα65. Este síndrome resulta de mu- em 2001, mostrou resultados promissores com uma melho- tações do gene CIAS1 que codifica a criopirina, resultando ria da inflamação em 63% dos doentes. No entanto, estudos numa diminuição da apoptose das células inflamatórias e subsequentes demostram taxas de redução da inflamação in- num aumento da produção da IL-166-68. Em 2012, Planck SR feriores ou iguais a 50%. Smith et al33, num pequeno estudo et al demonstrou a importância do AR IL-1 na modulação

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da resposta inflamatória na UEI, suportando a sua potencial A maioria das publicações recentes sobre IFNα no tra- utilização noutras causas de inflamação intra-ocular69. tamento de uveítes têm sido em pacientes com Doença de O daclizumab é um anticorpo monoclonal humanizado Behçet (DB), onde o IFNα parece ser particularmente efi- dirigido contra um epíteto da subunidade alfa do receptor caz, por oposição a outras etiologias de uveíte76. Têm sido da IL-2 (CD25), que está localizado nas células T activadas publicados estudos sobre o seu efeito no tratamento de pa- e outras células do sistema imune. O daclizumab foi inicial- nuveíte idiopática, uveíte intermédia, coroidite serpigino- mente utilizado para o tratamento de episódios de rejeição sa, coriorretinopatia birdshot, doença de Vogt-Koyanagi- aguda de transplantes renais70,71, mas mais recentemente tem -Harada e oftalmia simpática77-79. Infelizmente, o IFNα está também sido utilizado de forma eficaz em baixas doses para associado a múltiplos efeitos laterais potencialmente debili- o tratamento de uveíte posterior e intermédia em adultos72,73. tantes que as terapêuticas com anti-TNFα não apresentam: Em 2007, Gallagher et al40 descreveram retrospectivamente febre, mialgias, náuseas, fadiga, toxicidade hematologica, o uso de daclizumab em baixas doses (1 mg/kg, a cada 2-8 aumento das transamínases, e distúrbios psiquiátricos80. semanas) em 5 casos de uveítes pediátricas, nenhum dos Até à data, a única publicação do seu uso em doentes quais com uveíte associada a AIJ. Nesse estudo, o daclizu- pediátricos limitou-se a um estudo com 7 crianças com DB mab associou-se a melhoria da inflamação intra-ocular em e uveíte cortico-resistente81. Neste grupo foi administrado 3 das 5 crianças, demorando 3.4 a 46.3 semanas a atingir re- IFNα 1.5-3 milhões IU 3x/sem, sendo atingida remissão missão. Em 2009, Sen HN et al49 publicaram uma série de 6 e redução da dose de corticóide administrada em 5 das 7 casos de uveíte associada a AIJ refractária a tratamento com crianças, 3 das quais mantiveram a remissão mesmo após corticoterapia e imunossupressão, nos quais foi administra- suspensão do INFα. Ocorreu uma normalização das acui- do daclizumab. Três dos casos eram também refractários a dades visuais após uma média de 2.2 meses de tratamento, tratamento com infliximab. O daclizumab foi administrado tendo os doentes um seguimento médio de 14.6 meses. por via intravenosa com um esquema de indução às 0, 2 e 4 semanas, (8 mg/kg, 4 mg/kg e 2 mg/kg), seguido por um 3.4 Abatacept esquema de manutenção com injecções de 4/4 semanas (2 O abatacept é uma proteína de fusão que consiste na mg/kg). Quatro dos 6 doentes obtiveram melhoria de pelo união de um segmento modificado Fc de uma imunoglobu- menos 2 graus de inflamação ao fim do 3º mês de tratamen- lina G1 (IgG1) com um domínio extracelular do antigénio to, e um 5º doente obteve melhoria após um novo esquema 4 de um linfócito T citotóxico (CTLA4). Actua interferindo de indução. Os efeitos laterais apresentados consistiram em na interacção da célula apresentadora de antigénio com o zona, palpitações e dermatite eczematosa. linfócito T, impedindo a sua adequada estimulação. Liga- O daclizumab foi retirado do mercado europeu por -se avidamente ao CD80/CD86 nas células apresentadoras motivos comerciais, apesar de permanecer em estudos de de antigénio e bloqueia o sinal co-estimulador do CD28, fase III nos EUA para o tratamento de esclerose múltipla74. resultando na inactivação dos linfócitos T82. O basiliximab, um anticorpo quimérico rato-humano anti- Têm sido publicados múltiplos casos clínicos do uso de -CD25 (subunidade alfa do receptor da IL-2), permanece abatacept em uveítes associadas a AIJ refractárias a cor- disponível mas só se encontra aprovado para o tratamento ticoterapia, imunossupressores clássicos e outros agentes de rejeição aguda de transplante renal. Não existem, à data biológicos (anti-TNFα e rituximab)83,84. Nestes doentes, de realização desta revisão, estudos efectuados com este todos eles adolescentes, foram administradas perfusões agente biológico no tratamento da inflamação intra-ocular. intra-venosas de 500 mg de abatacept com um esquema de indução às 0, 2 e 4 semanas, seguido por um esquema de 3.3 Interferão-α manutenção de 4/4 semanas. Em dois deles ocorreu melho- O interferão-α (IFNα) é uma citocina fisiológica pre- ria da inflamação intra-ocular após 2 meses de terapêutica. sente no organismo humano e que é produzida em resposta Foi atingida remissão da uveíte em todos, com manutenção a infecções víricas, principalmente por células dendríticas até 18 meses após o início da terapêutica. plasmocitóides. De uma forma muito simplificada, o IFNα Zulian et al50, em 2010, publicou um estudo retrospec- pode ser considerado a principal citocina patogénica em tivo de 7 doentes pediátricos com uveíte associada a AIJ doenças autoimunes sistémicas (como por exemplo, o lú- tratada com abatacept. Todos os doentes mantinham infla- pus eritematoso sistémico), enquanto o TNFα pode ser con- mação intra-ocular activa apesar de tratamento com imu- siderado a principal citocina patogénica em doenças auto- nossupressores e pelo menos 2 anti-TNFα diferentes. Todos -imunes mais circunscritas a determinado órgão, tais como os doentes demonstraram melhoria da inflamação 2 sema- as uveítes posteriores e artrite reumatóide75. nas a 6 meses após iniciar abatacept, tendo sido seguido o

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mesmo esquema terapêutico utilizando por Angeles-Han et 4. Relação custo-benefício al; três deles entraram em remissão. Um dos doentes des- continuou terapêutica ao fim de 3 meses após aparecimento Em Portugal, segundo a ACSS, o preço com IVA de in- de reacções cutâneas, candidíase oral e agravamento da ar- fliximab é de 515.16 € / 100 mg e o de adalimumab é 497.67 trite. O seguimento destes doentes foi relativamente curto € / 40 mg. Um tratamento em dose de manutenção (cerca com uma média de 9.2 meses após início do abatacept. de 5 mg/kg de 6/6 semanas) com infliximab custa 8242.56 € / ano numa criança de 35 kg ou 12363.84 € / ano numa 3.5 Rituximab criança de 55 kg. Um tratamento em dose de manutenção O rituximab é um anticorpo monoclonal quimérico mu- com adalimumab (24 mg/m2 2/2 semanas) custa 12939.42 € rino humanizado dirigido contra o marcador celular CD20, / ano, independente-mente do peso da criança, dado o ada- presente nos linfócitos B maduros, induzindo a sua apopto- limumab só ser vendido em doses de 40 mg. Portanto, para se. Este marcador não está presente nas células estaminais crianças mais jovens com menor peso, a terapêutica com precursoras de linfócitos B nem nos plasmócitos presentes infliximab em doses standard é mais económica que a tera- na medula óssea, pelo que o rituximab não afecta estas cé- pêutica com adalimumab. Para crianças com mais de 55 kg lulas. Isto significa que a produção de anticorpos contra an- ou que necessitem de posologias mais elevadas ou mais fre- tigénios previamente encontrados não fica comprometida51. quentes, o adalimumab torna-se a opção mais económica. O rituximab foi inicialmente aprovado nos EUA e na Euro- A diferença de preços entre a terapêutica dita standard e pa para o tratamento de linfoma recidivado ou refractário, a terapêutica biológica é tão marcada que nenhum serviço sendo actualmente utilizado no tratamento de múltiplas pa- nacional de saúde ou serviço privado de saúde seria sus- tologias, nomeadamente artrite reumatóide. tentável com uma prescrição liberal dos mesmos. Para uma A etiologia da uveíte associada a AIJ permanece mal análise comparativa das diferentes terapêuticas disponíveis compreendida, mas será provavalmente multifactorial. His- ver a tabela 1. topatologicamente, está descrita infiltração não granuloma- De notar que a patente para alguns destes agentes ex- tosa de células inflamatórias na íris e corpo ciliar85. Apesar pira brevemente: a do etanercept em Outubro de 2012; a de se encontrarem linfócitos T e monócitos, a infiltração é do infliximab e rituximab em 2014; a do adalimumab só dominada por linfócitos B e plasmócitos, com predomínio em 2017. No entanto, é importante salientar que os agentes marcado de células que expressam CD2086, justificando-se biológicos não estão sujeitos às mesmas exigências e reque- assim a utilização de rituximab nesta patologia. sitos legais aplicáveis às formulações químicas. Nos EUA o Em 2011, Miserocchi et al51 avaliou retrospectivamente etanercept já obteve um prolongamento da patente por mais a eficácia de rituximab em 8 doentes com uveíte associada 16 anos, dado não ser actualmente permitida a criação de a AIJ refractária a tratamento convencional e pelo menos 2 biológicos genéricos nesse País. No entanto, a União Euro- anti-TNFα. O rituximab foi administrado em perfusão in- peia permite a criação de genéricos bioequivalentes desde travenosa de 1 g no dia 1, 15 e ao fim de 1 ano, segundo que clinicamente testados e monitorizados, pelo que já múl- o protocolo aplicado no tratamento de artrite reumatóide. tiplas empresas se encontram a desenvolver genéricos para O seguimento variou entre 4 e 22 meses, tendo-se constata- estes fármacos, nomeadamente a Sandoz (grupo genérico do remissão clínica em 7 dos 8 pacientes, com redução da da Novartis) e a Teva. É assim possível que ocorra uma corticoterapia tópica e sistémica, bem como da imunossu- redução significativa dos preços a curto-médio prazo que pressão. A melhoria da inflamação intra-ocular começou a permita a expansão das aplicações destes agentes. verificar-se cerca de 4 meses após o início da terapêutica com rituximab. Também em 2011, Heilingenhaus et al52, em colaboração com Miserocchi, reportou retrospectiva- 5. Proposta de abordagem terapêutica mente o uso de rituximab em 10 pacientes com uveíte as- sociada a AIJ refractária a tratamento convencional e anti- Dada a relativa raridade das uveítes pediátricas não TNFα. Foram administradas duas doses de rituximab 375 infecciosas, persiste uma ausência de estudos controlados mg/m2 separadas por 15 dias, sendo reportada melhoria da adequados para validar o uso das terapêuticas biológicas no inflamação em 7 dos 10 doentes, ao fim de uma média de tratamento destas patologias. No entanto, tendo por base os 3.1 meses após início do tratamento, sendo possível reduzir estudos aqui revistos e os excelentes resultados associados as doses da corticoterapia e do imunossupressor em curso. a um bom perfil de segurança, pode-se considerar aceitável Durante o seguimento de 7-18 meses, não foram reportados o uso “off-label” de infliximab e adalimumab (anti-TNFα) efeitos laterais significativos. nestas uveítes.

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Tabela 1 | Principais tratamento disponíveis, posologias e custo anual estimado.

Fármaco Dose Mecanismo de acção Custo anual estimado Corticóides Tópicos Acetato de 8/8h (por ex) Inibidor da síntese de citocinas (IL-2, IL-6, 41,40 € TNFα), prostaglandinas e moléculas de prednisolona 1% 2/2h (por ex) 82,80 € adesão leucocitária, inibidor da mielopoise, Sistémicos diminuição da permeabilidade vascular Prednisolona 1-2 mg/kg/d 86,76 € (1 mg/kg/d) Imunossupressores Inibidor da síntes de purinas e pirimidinas; Metotrexato 15 mg/m2/sem 25,40 € (12.5 mg/sem) promotor da libertação celular de adenosina Azatioprina 1-2 mg/kg/d Inibidor da síntese de purinas 60,17 € (1 mg/kg/d; 35 kg) Micofenolato 3 3 9 . 6 2 € (1.19 m2) 600 mg/m2/d Inibidor da síntese de purinas Mofetil 188.68 € (1.74 m2) Ciclosporina A 3-5 mg/kg/d inibidor da calcineurina (inibe IL-2) 599,52 € (4 mg/kg/d; 35 kg) Biológicos 5-15 mg/kg Infliximab inibidor do TNFα 8.242,56 € (5.7 mg/kg; 6/6 sem; 35 kg) (4-8 sem) 24 mg/m2 Adalimumab inibidor do TNFα 12.939,42 € (28.5 mg 2/2 sem; 1.19 m2) (1-2 sem) 0.4 mg/kg Etanercept inibidor do TNFα 6.526,21 € (25 mg/sem; 35 kg) 2x/sem 10 mg/kg anti-CD80/CD86; bloqueador Abatacept 9.509,50 € (35 kg) (4/4 sem) da co-estimulação dos linfócitos T 375 mg/m 2 anti-CD20 - indutor da apoptose 3568.02 € (1.19 m2, 1º ano) Rituximab (0, 2 sem, 1/1A) de células B 1784.01 € (1.19 m2, manutenção) Área corporal estimada para uma criança do sexo masculitno que respeita percentil 50 de peso e altura (utilizada fórmula de DuBois: DuBois D, DuBois E.F. A formula to estimate the approximate surface area if height and weight be known. Arch. Intern. Med. 17:862, 1916). Utilizadas curvas de crescimento da DGS publicadas na Circular Normativa Nº 05/DSMIA de 21/02/2006

Tendo por base os critérios de selecção para os estu- incompatíveis com a continuação da terapêutica, é possível dos apresentados, serão candidatos a tratamento de 3ª linha trocar o anti-TNFα, estando descrito sucesso com inflixi- com anti-TNFα (infliximab e adalimumab) os doentes com mab quando adalimumab não resultou e vice-versa. uveítes pediátricas não infecciosas com as seguintes cir- É de salientar a propensão para diminuição da eficácia cunstâncias: uveíte crónica persistente (células na câmara do infliximab com o prolongar do tempo de terapêutica (>1- anterior >1+ / vitrite / papilite / vasculite / edema macular) 2 anos), presumivelmente devido ao aparecimento de an- refractária a tratamento combinado máximo com corticote- ticorpos anti-infliximab. Estima-se que este problema seja rapia (tópica + sistémica) e imunosupressores (um ou dois menos relevante no tratamento com adalimumab, embora associados). os estudos apresentados com adalimumab tenham um me- O seu uso em doentes sem uveíte crónica mas com ele- nor tempo médio de seguimento. vado número de recidivas/ano (>3) e progressão das com- Não está ainda definido o melhor esquema de redução e plicações intra-oculares, é apoiado por alguns autores com suspensão da terapêutica anti-TNFα após remissão da uveí- o objectivo de minimizar as complicações resultantes tanto te: não só não está determinado quanto tempo após remissão da uveíte como da corticoterapia15. inflamatória se pode iniciar a redução e eventual suspensão Quando não se verifica resposta adequada após iniciar terapêutica, como também se desconhece o quão lenta deve terapêutica com infliximab ou adalimumab em dose stan- ser essa redução, e se haverá menor risco de recidiva após dard, é possível aumentar a dose até 10-15 mg/kg (inflixi- reduzir/suspender primeiro o imunossupressor e depois o mab) ou 40 mg (adalimumab) e/ou diminuir a frequência anti-TNFα ou vice-versa. de administração até 4/4 semanas (infliximab) ou 1/1 se- A experiência clínica com os restantes agentes bioló- mana (adalimumab). Quando não ocorre melhoria signifi- gicos é aínda demasiado reduzida para se poder conside- cativa da inflamação intra-ocular, ou surgem efeitos laterais rar seguro o seu uso “off-label” nas uveítes pediátricas.

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No entanto, em doentes que não respondem a terapêutica retrospectivos tem mostrado elevadas taxas de sucesso e combinada com anti-TNFα, pode-se ponderar como tera- bom perfil de segurança em uveítes refractárias a terapêuti- pêutica de resgate o abatacept ou o rituximab, que têm sido ca convencional máxima. Contudo, os seus custos extrema- utilizados para esse efeito com bons resultados (não devem mente elevados limitam a sua utilização apenas aos casos ser aplicados como agentes de 4ª linha mas sim em subs- de mais difícil controlo. tituição do anti-TNFα). De igual forma, em doentes com uveíte grave associada a DB pediátrica, que não responde a terapêutica combinada com anti-TNFα, pode-se considerar terapêutica de resgate com IFNα. É importante ter em conta, Bibliografia no entanto, o espectro de efeitos laterais, alguns potencial- mente graves, habitualmente associados a esta terapêutica. 1. Edelsten C, Reddy MA, Stanford MR, et al. Visual loss Para uma revisão sobre os aspectos práticos da utiliza- associated with pediatric uveitis in English primary and ção de agentes biológicos recomendamos o guia publicado referral centers. Am J Ophthalmol. 2003; 135: 676–680. em 2011 pelo Grupo de Estudos de Artrite Reumatóide da 2. Paivonsalo-Hietanen T, Tuominen J, Saari KM. Uvei- Sociedade Portuguesa de Reumatologia87. tis in children: population-based study in Finland. Acta Ophthalmol Scand. 2000; 78: 84–88. 3. Cabral DA, Petty RE, Malleson PN, Ensworth S, Mc- 6. Discussão Cormick AQ, Shroeder ML. Visual prognosis in chil- dren with chronic anterior uveitis and arthritis. J Rheu- Nas próximas décadas, o estado da arte da terapêutica matol 1994; 21: 2370–5. das uveítes não infecciosas vai mudar substancialmente 4. Rosenbaum JT, Samples JR, Hefeneider SH, Howes Jr com a introdução de novos agentes biológicos, sendo ex- EL. Ocular inflammatory effects of intravitreal interleu- pectável a sua utilização cada vez mais frequente nestas kin-1. Arch Ophthalmol 1987; 105: 1117–20. patologias. 5. Mo JS, Matsukawa A, Ohkawara S, Yoshinaga M. In- A fisiopatologia específica de cada uveíte tem vindo a volvement of TNF-α, IL-1beta and IL-1 receptor anta- ser lentamente esclarecida, e as citocinas e outros media- gonist in LPS induced rabbit uveitis. Exp Eye Res 1998; dores pró-inflamatórios preponderantes em cada uma delas 66: 547–57. têm vindo a ser identificados. Estão neste momento em es- 6. Bhattacherjee P, Henderson B. Inflammatory responses tudo múltiplos agentes biológicos dirigidos à inibição da to intraocularly injected interleukin-1. Curr Eye Res acção destes mediadores pró-inflamatórios. Isto permitirá 1987; 6: 929–34. uma terapêutica progressivamente mais individualizada 7. Pennesi G, Mattapallil MJ, Sun SH, Avichezer D, Silver para cada etiologia, presumivelmente aumentando a sua efi- PB, Karabekian Z, et al. A humanized model of experi- cácia, reduzindo o número de complicações e minimizando mental autoimmune uveitis in HLA class II transgenic os efeitos laterais iatrogénicos. mice. J Clin Invest 2003; 111: 1171–80. Existe também potencial na aplicação local das terapêu- 8. Smith JR, Hart PH, Williams KA. Basic pathogenic ticas biológicas para minimizar os seus efeitos sistémicos. mechanisms operating in experimental models of acute Está em estudo um anti-TNFα de aplicação ocular tópica anterior uveitis. Immunol Cell Biol 1998; 76: 497–512. (ESBA105)88 que revelou boa penetração intra-ocular em 9. Caspi RR, Mechanisms Underlying Autoimmune Uvei- modelos animais, tanto no segmento anterior como no seg- tis, Drug Discovery Today: Disease Mechanisms 2006; mento posterior89. Há também múltiplos estudos realizados vol 3, 2: 99-206. em modelos animais e humanos, que avaliam a eficácia do 10. Stahn C, Löwenberg M, Hommes DW, et al. Molecu- infliximab intravítreo na redução de edema macular bem lar mechanisms of glucocorticoid action and selective como a sua toxicidade retiniana. Os resultados, no entanto, glucocorticoid receptor agonists. Mol Cell Endocri- são ainda escassos e contraditórios90-94 sendo necessários nol 2007; 275: 71–8. estudos controlados para avaliar a segurança e eficácia des- 11. Buttgereit F, Saag KG, Cutolo M, da Silva JA, Bijlsma ta abordagem terapêutica. JW. The molecular basis for the effectiveness, toxicity, Os anti-TNFα (infliximab e adalimumab) têm-se reve- and resistance to glucocorticoids: focus on the treatment lado na última década uma terapêutica eficaz em uveítes of rheumatoid arthritis. Scand J Rheumatol 2005; 34: pediátricas não infecciosas. Apesar da falta de estudos con- 14–21. trolados, o seu uso “off-label” em estudos prospectivos e 12. Schacke H, Docke WD, Asadullah K. Mechanisms

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350 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas

Anexo 1 | Estudos publicados sobre agentes biológicos no tratamento de uveítes pediátricas não infecciosas

Melhoria da Nº Indicação Autores Ano Nacionalidade Desenho Dose inflamação Doentes (% de Doentes) (%) Etanercept 0.4 mg/kg Reiff et al31 2001 EUA Aberto, prospectivo 10 AIJ (70); Idiopática (30) 63 2x/sem Questionário Etanercept 0.4 mg/kg Schmeling et al32 2005 Alemanha 33 AIJ (100) 36 multicêntrico 2x/sem Randomizado Etanercept 0.4 mg/kg sem melhoria Smith et al33 2005 EUA 7 AIJ (100) controlado 2x/sem VS placebo AIJ (55); Idiopática (27); Etanercept 0.4 mg/kg Saurenmann et al34 2006 Canada Retrospectivo 11 54 Behçet (18) 2x/sem Etanercept 0.4 mg/kg Tynjälä et al30 2007 Finlândia Aberto, prospectivo 24 AIJ (100) 21 2x/sem Questionário Etanercept 0.4 mg/kg Foeldvari et al35 2007 Alemanha 34 AIJ (100) 47 multicêntrico 2x/sem Infliximab 5-10 mg/kg Richards et al36 2005 Australia Retrospectivo 6 AIJ (100) 100 4-6 sem AIJ (50); Idiopática (33); Infliximab 5-18 mg/kg Rajaraman et al37 2006 EUA Retrospectivo 6 100 Pars Planitis (17) 4-6 sem AIJ (59); Idiopática (29); Infliximab 3-10 mg/kg Saurenmann et al34 2006 Canada Retrospectivo 21 92 Behçet (9); Sarcoidose (5) 4-6 sem AIJ (59); Sarcoidose (12); Infliximab 10-20 mg/kg Kahn et al38 2006 EUA Retrospectivo 17 100 VKH (12); Idiopática (18) 4-6 sem Infliximab 3-6 mg/kg Tynjälä et al30 2007 Finlândia Aberto, prospectivo 21 AIJ (100) 43 4-6 sem AIJ (25); Artrite Infliximab 5-10 mg/kg Ardoin et al39 2007 EUA Retrospectivo 16 Psoriática (6); Idiopática 79 4-6 sem (69) Questionário Infliximab 3-10 mg/kg Foeldvari et al35 2007 Alemanha 25 AIJ (100) 70 multicêntrico 4-6 sem Infliximab 100-700 mg Gallagher et al40 2007 EUA Aberto, prospectivo 13 AIJ (100) 77 4-8 sem Infliximab 5 mg/kg Simonini et al41 2008 Itália Aberto, prospectivo 15 AIJ (100) 87 6-10 sem AIJ (35); Idiopática (60); Infliximab 5 mg/kg Tugal-Tutkun et al42 2008 Turquia Retrospectivo 20 80 Behçet (1) 4-8 sem AIJ (59); Idiopática (29), Infliximab 5 mg/kg Simonini et al43 2011 Itália Aberto, prospectivo 17 Sarcoidose (6), Behçet 94 6-8 sem (6) Vasquez-Cobian Adalimumab 20-40 mg 2006 EUA Aberto, prospectivo 14 AIJ (64); Idiopática (36) 81 et al44 2/2 sem Adalimumab 20-40 mg Biester et al45 2007 Finlândia Retrospectivo 18 AIJ (94); Idiopática (6) 89 2/2 sem Adalimumab 40 mg Gallagher et al40 2007 EUA Aberto, prospectivo 5 AIJ (80); Behçet (20) 50 2/2 sem Adalimumab 20-40 mg Tynjälä et al46 2008 Finlândia Retrospectivo 20 AIJ (100) 35 1-2 sem Adalimumab 25 mg/m2 Trachana et al47 2011 Grécia Aberto, prospectivo 6 AIJ (100) 50 2/2 sem Adalimumab 24 mg/m2 Kotaniemi et al48 2011 Finlândia Retrospectivo 54 AIJ (100) 57 1-2 sem AIJ (75); Idiopática (19), Adalimumab 24 mg/m2 Simonini et al43 2011 Itália Aberto, prospectivo 16 94 Behçet (6) 2/2 sem Sarcoidose (40); Daclizumab 1 mg/kg Gallagher et al40 2007 EUA Aberto, prospectivo 5 80 Idiopática (60) 2-8 sem Daclizumab 2 mg/kg Sen et al49 2009 EUA Aberto, prospectivo 6 AIJ (100) 67 4/4 sem Abatacept 10 mg/kg Zulian et al50 2010 Itália Retrospectivo 7 AIJ (100) 100 4/4 sem Rituximab 1g Miserocchi et al51 2011 Itália Retrospectivo 8 AIJ (100) 88 (D1, D15, 12M e 21M) Alemanha, Itália e Retrospectivo, Rituximab 375 mg/m2 Heiligenhaus et al52 2011 10 AIJ (100) 70 Finlândia multicêntrico (D1, D15)

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 351

Oftalmologia - Vol. 36: pp.353-364

Artigo de Revisão Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana

José Henriques1,2,6, João Nascimento1,3,6, Paulo Caldeira Rosa1,2, Fernando Trancoso Vaz1,4,6, Miguel Amaro1,5,6 1IRL – Instituto de Retina de Lisboa; 2IOGP – Instituto Oftalmologia Gama Pinto; 3HBA – Hospital Beatriz Ângelo; 4Hospital Doutor Fernando da Fonseca, EPE; 5Hospital Vila Franca Xira; 6SPILM – Sociedade Portuguesa Interdisciplinar do Laser Médico

RESUMO

Há vários efeitos resultantes da interacção da luz laser com os tecidos biológicos que podemos classificar em 5 tipos: efeito fotoquímico, fototérmico, fotoablativo, fotoablação induzida por plasma e fotodisrupção. Estes efeitos biológicos são modelados pelas propriedades ópticas dos tecidos: reflexão, absorção e dispersão e pelas características do feixe laser, nomeadamente o seu comprimento de onda (cdo) que influência a absorção da energia pelos pigmentos biológi- cos, bem como pela energia do feixe e do tempo da interacção do laser com os tecidos. Na retina humana usamos principalmente o laser de efeito fototérmico na banda do verde- -amarelo (532nm), amarelo (577nm) ou díodo (810nm), obtidos actualmente a partir de um laser de estado sólido (Nd:YAG-KTP) ou díodo e dispensado em modo contínuo ou micro- pulsado (µP). Na retina humana pretende-se que o feixe laser atravesse os meios ópticos “transparentes “ ao cdo do laser em utilização e a sua energia seja absorvida pelos dois pigmentos: melanina do EPR e corio-capilar (CC) ou pela hemoglobina (microaneurismas). O calor gerado está depen- dente da energia do feixe por área do spot (fluência) e seu tempo de interacção com o EPR, do modo de saída em onda contínua ou micropulsos. O aquecimento induzido ao complexo EPR- -CC pode ficar confinado a um volume próximo do local do spot ou aumentar no sentido da coroideia e muito mais no sentido da retina interna, lesando tecidos e células nobres da retina causando lesão térmica com desnaturação proteica e do DNA – fotocoagulação. Vários estudos realizados permitem-nos considerar os seguintes mecanismos de acção tera- pêutica do laser térmico: (i) Diminuição do consumo de O2 pelos fotorreceptores (FR) des- truídos pelo laser. Tem-se considerado desde há muito como o único mecanismo de acção. (ii) Aumento da oxigenação da retina – “pontes de O2” retinocoroideias (iii) Aumento da produção de mediadores químicos pelas células do EPR (PEDF e outros mediadores com expressão genética aumentada ou diminuída de determinados genes envolvidos no processo de reparação dos organelos celulares) (iv) Activação da renovação celular e remodelação dos tecidos retinianos (v) Diminuição das Metalo Proteinases da Matriz ( MMP’s) (vi) Aumento das proteinas de shock térmico (HSP’s) (vii) Migração de células HSC da medula óssea com efeito reparador. O laser térmico na retina humana pode ser usado na área macular ou na retina periférica. No primeiro caso a lesão deverá ser a menor possível de forma a preservar os tecidos e células responsáveis pela função visual, sendo importante personalizar e combinar a terapêutica (cor- ticóides e anti-VEGF). Podemos descrever 12 técnicas diferentes para abordar o edema macu- lar diabético (EMD) com laser térmico, preferencialmente usando cdo amarelo 577nm e verde 532nm, podendo no entanto ser usado krypton 657nm ou díodo 810nm. Quando falamos em laser temos que ter presente que podemos estar a referirmo-nos apenas a uma ou duas das téc- nicas descritas mas, o rigor científico, obriga-nos a conhecer as várias possibilidades técnicas e a descrever com precisão aquilo a que nos estamos a referir.

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Palavras-chave Laser fototérmico, laser estado sólido, laser micropulsado, interacção laser-tecido, fotocoagu- lação laser, Nd:YAG-KTP, PEDF, VEGF, HSP, MMP, edema macular diabético, terapêutica combinada

ABSTRACT

There are several effects resulting from the interaction of laser light with biological tissues which can be classified into 5 types: photochemical, photothermal, photoablation, photoa- blation induced by plasma and photodisruption. These biological effects are modeled by the optical properties of the tissues: reflection, absorption and dispersion, and the characteristics of the laser beam, in particular its wavelength (cdo) that influences the absorption of energy by organic pigments, as well as by the energy beam and the time for interaction of the laser with the tissue. In the human retina we mainly use laser photothermal effect in the green-yellow band (532nm), yellow (577nm) or diode (810nm), currently obtained from a solid state laser (Nd: YAG-KTP) or diode, and dispensed in a continuous or micropulsed (μP) mode. In the human retina the laser beam is expected to cross the optical means which are “transpa- rent” to the laser cdo used and its energy is absorbed by two pigments: melanin of EPR and chorioretinal capillary (CC), and hemoglobin (microaneurysms). The heat generated depends on the energy of the beam by spot area (fluence) and its time of interaction with the EPR, of output mode in continuous wave or micropulse. Induced heating of the complex EPR-CC can be confined to a volume near the site of the spot or increased towards the choroid or the inner retina, damaging tissues and cells and causing protein denaturation and DNA - photocoagu- lation. Several studies allow us to consider the following mechanisms of action of phototermic laser in human retina: (i) the decrease of O2 consumption by photoreceptors (FR) destroyed by the laser. It has long been regarded as the only mechanism of action. (ii) increasing the oxygena- tion of the retina - chorioretinals “ O2 bridges” (iii) Increased production of chemical media- tors by RPE cells (PEDF and other mediators with gene expression increased or decreased in certain genes involved in the repair of cellular organelles) (iv) Activation of cell renewal and retinal tissue remodeling (v) Reduction of matrix metallo-proteinases (MMPs). (vi) Increase of shock thermal proteins (HSPs ) (vii) migration of HSC cells from bone marrow with a re- parative effect. The laser heat in the human retina can be used in the macular area or the peripheral retina. In the first case the lesion should be as small as possible in order to preserve tissues and cells responsible for visual function and is important to customize and combine therapy (corticoste- roids and anti-VEGF). We describe 12 different techniques to address diabetic macular edema (DME) with thermal laser, preferably using cdo yellow 577nm and 532nm green, but krypton 657nm or 810nm diode may be used as well. When we talk about laser we usually refer to one or two of the techniques described, but the scientific rigor, requires us to know the various technical possibilities and accurately describe what they are referring to.

Key-words Photothermal laser, solid-state laser, micropulse laser, laser-tissue interaction, laser photo- coagulation, Nd:YAG-KTP, PEDF, VEGF, HSP, MMP, diabetic macula edema, combined therapy

354 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana

Aspetos gerais da física do laser O laser que usamos na retina para obter efeito terapêuti- co é o laser com acção térmica (laser fototérmico). O laser Há vários efeitos resultantes da interacção da luz laser é produzido na cavidade laser e de acordo com o meio laser com os tecidos biológicos. Múltiplos factores intervêm na podemos ter laser gasosos (Argon 514nm, Kripton 647nm, variabilidade destes efeitos. Referimo-nos, em primeiro lu- CO2 10,6µm e Excimer193nm) e de estado sólido gar, às propriedades ópticas dos tecidos: reflexão, absorção (Nd: YAG 1064nm, Nd:YVO4 1064nm - -do- e dispersão. Outro factor de peso diz respeito às caracterís- ped orthovanadate, Nd:YAG-KT 532nm, Er:YAG ticas da radiação luminosa, nomeadamente: comprimento 2940nm, Ho:YAG 2120nm) ou diodos. de onda (λ), tempo de exposição, densidade de potência ou Actualmente, o laser fototérmico mais comumente usa- Irradiância (W/cm2 – relaciona a intensidade da luz com o do em Oftalmologia é o laser Nd:YAG-KTP (vulgarmente diâmetro do spot) e densidade de energia ou Fluência (J/cm2 chamado de laser KTP) que tem por base um laser Nd:YAG

– relaciona a energia com o diâmetro do spot). 1064nm, um “rod” de cristal incolor Y2Al5O12 (yttrium alu- Os fotões monocromáticos colimados e de elevada den- minum-garnet = YAG) onde 1% dos átomos de ítrio são sidade de potência saem da cavidade laser e seguem uma substituídos por iões de neodímio com carga eléctrica +3. direcção determinada pela fibra óptica, espelhos e lentes te- Os iões de neodímio são a fonte de luz laser (espécie la- rapêuticas. Se não fossem direccionados para o nosso alvo sante). O cristal sólido de YAG é o “host”, sendo o suporte terapêutico, seguiriam em conjunto uma direcção rectilínea para as impurezas iónicas de neodímio2. como a luz. O feixe além de colimado (todo compacto e O laser Nd:YAG produz um feixe laser infra-vermelho direccionado, sem desvio de fotões da sua trajectória) tem próximo, de 1064nm. Para se conseguir um feixe na faixa elevada energia comparativamente à luz difusa. do visível, verde-amarelo 532nm, é interposto um cristal Desde a invenção dos lasers por Maiman em 1960, têm não linear de KTP (Potasium Titanil Fosfato). Este cristal sido investigados os possíveis efeitos da interacção dos la- não linear diminui para metade o comprimento de onda pas- sers com os tecidos1. Podemos classificar em 5 tipos: efeito sando o feixe laser de 1064nm, na faixa do infra vermelho fotoquímico, efeito fototérmico, efeito fotoablativo, efeito próximo, para 532nm na faixa do verde amarelo. fotoablativo induzido por plasma e efeito fotodisruptivo. A maioria dos laser fototérmicos usados actualmente em oftalmologia usam como meio de bombagem laser um dío- do laser infra-vermelho ou um conjunto de díodos (array) e são chamado de DPSS – díodo-pumped solid-state laser. O laser é normalmente definido pela constituição do meio laser, o seu modo de saída (contínuo, pulsado, mi- cropulsado ou superpulsado) e o seu comprimento de onda (cdo). O seu comprimento de onda (cor do laser) está de- pendente do meio laser. De acordo com o modo de saída: continuo, pulsado ou superpulsado, assim varia a sua acção nos tecidos. Contudo, interacção do laser nos tecidos está dependente, em primeiro lugar, do comprimento de onda que influencia a sua absorção pelos tecidos e que, por sua vez, está relacionado com a profundidade de penetração nos tecidos do feixe laser. Fig. 1 | Um laser é constituído fundamentalmente por um meio activo que permita a transmissão de luz no seu seio (Ex.: Profundidade de penetração nos tecidos e a absor- Nd:YAG, Argon, Rubi, CO2), um sistema de espelhos colocados nas extremidades do meio activo, habitual- ção da energia laser mente com forma cilíndrica, a fim de permitir construir Esta capacidade de penetrar em profundidade nos te- uma cavidade óptica ressonante, um sistema de forneci- cidos está dependente da absorção da energia laser por mento de energia ao meio activo ou seja um sistema de pigmentos biológicos endógenos (por ex. hemoglobina, bombagem laser ( Ex.: uma lâmpada de flash, um outro melanina, água) que fazem de ecran ao feixe laser. Assim, laser, um díodo, um arco eléctrico) e um sistema de saída tecidos ricos nestes pigmentos, absorvem a energia laser com mecanismos de regulação da saída do feixe laser. Convém referir que o espelho posterior é 100% reflector se usarmos o comprimento de onda adequado, e o tecido e levemente côncavo e o anterior é menos do que 100% aquece. Assim para o laser verde ou amarelo, por exemplo, reflector. os tecidos com hemoglobina ou melanina (vasos e EPR ou

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coróide) absorvem muito bem estes cdo. Já a córnea, o cris- “on”, de duração previamente definida pelo opera- talino, o vítreo e a retina são “transparentes” a estes cdo tal dor. Se seleccionado o modo repetitivo, enquanto o como ao espectro da luz visível. Mas se usarmos laser de pedal estiver a activar o laser, este faz períodos “on” Er: Yag com cdo de 2940nm, a córnea ou outro tecido rico e períodos “off”, ambos modelados e previamente em água, absorve toda a energia à sua superfície3. seleccionados pelo operador. No laser µP (micro- Também podemos variar os efeitos laser variando a pulsado) quando se activa o laser, este dispensa um densidade de potência e os tempos de exposição do feixe “envelope” laser de, por exemplo, 200ms composto laser. Tempos longos da ordem dos segundos a minutos e por períodos de 100microsegundos em que o laser baixa potência são típicos do laser de efeito fotoquímico, la- está “on” e 1900microsegundos em que o laser está ser de potência intermédia e tempos da ordem dos segundos “off” correspondendo a 5% Duty Cicle, ou seja, em a milissegundos são responsáveis pelo efeito fototérmico, 200ms (=200 000µs) haverá 100 micropulsos de laser com potências elevadas e tempo de exposição da or- 100 microsegundos, intervalado por outras tantas dem dos milissegundos a micro segundos causam efeito fo- pausas da acção do laser de 1900µs, duração muito toablativo, laser de potência muitíssimo elevadas da ordem maior para arrefecimento dos tecidos. (200000µs = de MW e TW têm efeito fotodisruptor ou ablação induzida (100x100µs)+(100x1900µs)) Este é o chamado laser por plasma, com tempos de acção da ordem nano, pico ou micropulsado ou laser sublimiar porque atua abaixo fentosegundos. Ver a figura 2. do limiar da lesão das estruturas nobres retinianas4.

Interação laser tecidos No laser de onda contínua (CW) os fotões são absorvi- dos pelos “pigmentos endógenos”. Estes podem ser a me- lanina, a hemoglobina ou a água, como vimos. Para cada comprimento de onda (cdo) varia a absorção da radiação, varia a capacidade de captar os fotões pelos pigmentos en- dógenos. A melanina ou o sangue são “pigmentos endóge- nos” que absorvem muito bem a gama do verde ou amarelo, têm o seu pico de absorção neste cdo. Desta forma, quando usamos laser com cdo 532nm (verde) ou 577nm (amarelo) ou com o díodo 810nm, a melanina do EPR e/ou coroideia absorve os fotões e a sua energia é transmitida às moléculas de melanina que aumentam a sua vibração. Ver figura 3. Esta agitação molecular corresponde ao aumento da temperatura. No local de impacto do feixe laser cria-se um foco de tecido aquecido, foco de aquecimento primário que se dissipa por difusão térmica adjacente e está depen- Fig. 2 | Relação entre a densidade de potência e o tempo de expo- sição ao efeito laser. dente da condutividade térmica dos tecidos (maioritaria- mente água). Este aumento da temperatura, ou seja, o efeito Modos de saída do laser fototérmico fototérmico, está também dependente do tempo de duração O feixe laser poderá, no caso do laser fototérmico, ter da acção laser. Se o laser continuar a actuar (laser CW), o dois modos de saída: aquecimento mantém-se, aumenta a temperatura no foco de a) CW ou onda contínua. O feixe laser exerce o seu aquecimento primário (volume aquecido primário) mas efeito continuamente desde que premido o mecanis- vai-se dissipando a temperatura, aumentando o volume de mo de activação do laser e o feixe é interrompido a tecido aquecido (volume aquecido final). Na retina este intervalos de tempo definidos (com efeito “on” du- aquecimento vai atingir a coroideia e a retina interna, tanto rante 10, 20, 50, 100, 200, 500ms ou 1 segundo) ou mais quanto maior for a temperatura atingida no foco de pode manter-se sempre em “on” enquanto estiver a aquecimento primário e maior a duração do impulso laser. ser premido o mecanismo de activação. Se o impulso foi muito curto não haverá tempo para a difu- b) pulsado ou micropulsado: no pulsado um sistema são térmica adjacente e o volume aquecido final, ou seja a electrónico faz com que, de cada vez que é feita a ac- lesão no tecido, fica quase só limitada ao local de impacto tivação do laser no pedal, o sistema faz um período laser5. Ver figura 3.

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Densidade de potência do feixe laser medida da sua energia Como vimos a densidade de potência está relacionada com a área do feixe. Assim, se diminuir ou aumentar o diâmetro do spot, aumentaremos ou diminuiremos expo- nencialmente a densidade de potência, de acordo com a área do círculo. Assim, spots pequenos são susceptíveis de provocarem mais facilmente rotura de M. Brüch (esta ao romper faz um som de rebentar de pipoca e causa he- morragia) do que com diâmetros grandes. Isto acontece frequentemente com a utilização dos laser tipo Pascal que usam densidades de potência elevados e tempos de expo- sição curtos5.

Fig. 3 | O feixe laser é absorvido maioritariamente pelo EPR rico em melanina. Durante o tempo de acção do impulso laser, difunde o calor pelos tecidos adjacentes, atingindo um Efeitos do laser na retina humana volume aquecido final maior do que o volume primário aquecido no início do impacto laser. Desde as primeiras observações empíricas de que os O EPR é aquecido no local de impacto. Se continuar a doentes com coriorretinopatia miópica e diabetes não actuar o feixe laser por maior duração de impulso, o calor apresentavam uma evolução tão rápida para RDP, se pen- vai-se dissipando e um maior volume de tecido é aque- sou em usar a luz para provocar uma cicatriz coriorreti- cido. Assim a coagulação dos tecidos atinge mais e mais as camadas internas da retina e também a coroideia, em- niana. Começou-se então por usar, primeiro a luz solar bora esta seja arrefecida pela circulação coroideia de alto concentrada, e depois a fotocoagulação por arco de Xenon fluxo. Posteriormente haverá uma resposta de reparação (Gerd Meyer-Schwicherath 1956, oftalmologista alemão) à lesão celular mas as células nobres da retina, fotore- que provocava lesões extensas devido ao grande diâmetro ceptores e camadas mais internas da retina ficam lesadas de spot, semelhante às lesões da crio. Com o advento do definitivamente. Esta lesão à periferia não causa dano laser de Rubi (Maiman 1960) passou-se a usar, de forma funcional significativo mas na área macular será perdida a função das áreas de cicatriz laser. mais controlada, a técnica da fotocoagulação. Mais tarde o laser Argon Azul-Verde 488nm-514,5nm, equipamento de grandes dimensões continuamente refrigerado a água Podemos chegar ao ponto em que a duração do impul- e com uma eficiência energética de 3%, passou a sero so seja inferior ao tempo que o tecido demora a difundir laser padrão em patologia retiniana até há cerca de uma o calor (tempo de relaxamento térmico) e então há confi- década atrás. Posteriormente surgiu o díodo 810nm de ele- namento térmico, ou seja, o calor permanece somente no vado eficiência energética, leve e compacto e finalmente local de impacto laser, não sofre difusão adjacente. Preci- os lasers atuais de estado sólido Nd:YAG-KTP 532nm, sando melhor, quando usamos CW a duração do impulso é amarelo 577m, micropulsado ou de onda contínua (CW) crucial para o efeito nos tecidos adjacentes. Dito de outra muito compactos, portáteis e de baixo consumo. forma, impulsos curtos limitam o efeito laser somente ao Diversas formas de interacção do laser com os tecidos local de impacto e de absorção da energia dos fotões. Con- resultam em diferentes aplicações terapêuticas em oftal- vém não esquecer que, para além do tempo de exposição mologia. Para o tratamento da retinopatia diabética (RD) ao laser (duração do impulso), temos que contar com outro e outras patologias vasculares da retina ou para realizar parâmetro do feixe laser, a sua densidade de potência, que retinopexia laser, usamos o efeito fototérmico. Qualquer significa, a potência do feixe por unidade de área medida que seja o comprimento de onda utilizado, a interacção em W/cm2. Quanto maior a densidade de potência maior com o tecido retiniano e coroideu resulta da absorção da o efeito térmico. Se o tempo de duração do impulso for energia ao nível do epitélio pigmentado da retina (EPR), suficientemente curto, uma elevada densidade de potência rico em melanina, e ao nível do pigmento melânico da co- poderá aquecer de tal forma o tecido que, sem tempo para riocapilar (CC). Os tecidos aquecem e sofrem hipertermia a difusão térmica, a água que o compõe, entra em ebulição ou desnaturação térmica (fotocoagulação), seguindo-se e há um efeito de vaporização. Maior densidade de potên- um processo de reparação das células e tecidos lesados cia chega a carbonizar os tecidos5. termicamente5,6.

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Acção terapêutica do laser térmico seja, a lesão laser visível. Contudo, algumas observações Vários estudos realizados permitem-nos considerar os realizadas e estudos levados a cabo demonstraram ser um seguintes mecanismos de acção do laser: pouco mais complexa a explicação para a acção do laser.

I. Diminuição do consumo de O2 pelos fotorrecepto- Em primeiro lugar, e como vimos anteriormente, num res (FR) destruídos pelo laser. Tem-se considerado spot laser há uma área central onde é maior a hipertermia. desde há muito como o único mecanismo de acção. Esta área fica esbranquiçada por ter sofrido fotocoagu-

II. Aumento da oxigenação da retina – “pontes de O2” lação das proteínas das células das camadas externas da retinocoroideias7 retina. Mas há outra área envolvente ao local do impacto III. Aumento da produção de mediadores químicos do “spot” laser que sofreu hipertermia. Sofreu um aumen- pelas células do EPR (PEDF e outros mediadores to de temperatura que não causou fotocoagulação visível com expressão genética aumentada ou diminuída mas lesou membranas celulares, organelos intracelulares de determinados genes envolvidos no processo de e DNA. reparação dos organelos celulares)8,9,10,11,12,13 Estas microestruturas vão então sofrer um processo de IV. Activação da renovação celular e remodelação dos reparação do DNA e das proteínas desnaturadas ou de- tecidos retinianos14,15,16 formadas pela acção térmica, com libertação de mediado- V. Diminuição das Metalo Proteinases da Matriz res químicos locais, intracelulares e no meio intercelular. (MMPs)17 Estes mediadores estão implicados no “signalling” intra e VI. Aumento das proteinas de shock térmico (HSPs)18,19 intercelular que desencadeiam reacções inflamatórias, de VII.Migração de células HSC da medula óssea com reparação celular e/ou tecidular, com particular destaque efeito reparador20,21,22,23 para as células do EPR e as células endoteliais, responsá- veis pela saúde dos capilares e sua permeabilidade luminal 10 I. Diminuição do consumo de O2 pelos dos fotore- e contenção transparietal . ceptores Na realidade, a lesão dos foto-receptores e a conse- O PEDF – inibição activa da neovascularização (e do quente diminuição do consumo de O2 tem sido a principal edema?) explicação para o efeito terapêutico do laser térmico e foi O PEDF é considerado como o mais provável respon- a primeira teoria para justificar o efeito benéfico da acção sável pela acção inibidora da neovascularização e o factor do laser na RDP. que contrabalança a acção activadora das células endote- liais, no sentido da proliferação, migração e aumento de II. Aumento da oxigenação da retina – “pontes de permeabilidade, induzidos pelo VEGF25. Nos doentes com

O2” coroido-retinianas RD e tanto mais quanto maior a gravidade da RD, o PEDF Com efeito, E. Stefánsson (2006)7 defende que são encontra-se diminuído enquanto o VEGF se encontra au- 24 criadas “pontes de O2” nos locais da cicatriz laser que faci- mentado . Podemos dizer que se trata de um equilíbrio litam a difusão do O2 da coroideia para a retina interna. Na entre PEDF e VEGF que permite a homeostasia da vas- realidade, após a realização de pan retino fotocoagulação cularização da retina e que, em caso de doença vascular (PRP), verifica-se uma melhoria da oxigenação da retina retiniana que leve a isquémia, o VEGF aumenta e surge interna, objectivada pela oximetria dos vasos retinianos. quer neovascularização quer edema, sendo a sua acção A explicação para essa melhoria da oxigenação passa pela contrariada pelo PEDF. Por seu turno, após o tratamento diminuição do consumo de oxigénio pelos foto-receptores com laser térmico, inicia-se uma expressão aumentada de periféricos que foram destruídos mas também e, particu- PEDF8, principalmente pelas células do EPR que sofreram larmente, pela difusão a partir da coroideia, exactamente hipertermia e é reposto o equilíbrio homeostático. através das “pontes de oxigénio” que constituem as cica- Inicia-se assim um processo activo de apoptose das trizes do laser. Esta ação explica a diminuição do VEGF células endoteliais induzido pelo PEDF com inibição da conseguida com a fotocoagulação laser mediada, entre ou- neovascularização (ou efeito positivo na diminuição do tos mecanismos de ação, pela melhoria de oxigenação da EMD)25,26,27,28. retina. O PEDF está diminuído quando está aumentado o VEGF na RDP e no EMD e encontra-se aumentado a se- III. Produção de mediadores quimicos pelo laser guir à fotocoagulação29. Nas membranas fibrovasculares Em geral, tem sido considerado como tendo efeito da RDP encontra-se diminuído enquanto o VEGF se en- terapêutico a área de fotocoagulação do “spot” laser ou contra aumentado35.

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Os trabalhos de Aiello em 1994 revelaram que há uma V. As metaloproteinases da matriz (MMPs) diminuição em 75% da concentração do VEGF no vítreo Trabalhos recentes referem também uma acção do laser após a fotocoagulação30. ao nível do equilíbrio das MMP/TIMP (metaloproteinases da matriz extracelular e inibidor tecidular das metalopro- Estudos do Perfil da Expressão Genética teinases) da membrana basal. O EPR produz MMPs após Os estudos de análise “microarray” para avaliar a ex- terapêutica laser17. Após laser térmico em padrão PRP pressão genética desencadeada pela acção térmica subletal detectaram-se MMP-2, MMP-3 e TIMP-1. Neste estudo, a do laser na célula do EPR têm sugerido que esta expressão secreção de MMP-2 e MMP-3 aumentou o dobro em rela- genética reflecte a proliferação das células do EPR, foto- ção ao valor dos controlos. O TIMP diminuiu até dia 4 e -receptores lesados e células da coroideia afectadas pela depois aumentou pelo dia 6. A capatação da Tritiated thy- acção térmica não letal do laser10. midine aumentou 2,5 vezes até dia 6 voltando ao valor ba- De acordo com os trabalhos de Wilson, existem genes seline pelo 8º dia. Sugere-se que a eficácia da PRP se deva que aumentam ou diminuem a sua expressão. Sabemos que também ao balanço entre as MMPs e as TIMPs e não só à há uma alteração da microestrutura retiniana no local da le- acção sobre o VEGF e outros factores relacionados com a são térmica com proliferação e hiperplasia das várias célu- isquemia17. las lesadas, nomeadamente EPR, diminuição da expressão genética de vários factores, entre eles o Agtr2 – Angioten- VI. Proteínas de choque térmico sina II type 2 receptor, aumento da expressão genética do Outra ação interessante do laser é o aumento das pro- CRLR, IL-1β, FGF-14 e FGF-16, PAI-2 e aumento muito teínas de choque térmico (HSPs), nomeadamente a HSP27, relevante do PEDF, como vimos. HSP70 e HSP4718. que deverão ter algum efeito na ação Estes fatores funcionam no curto prazo. laser, provavelmente relacionado com a termotolerância da No longo prazo, de acordo com o trabalho Binz14, exis- retina após a acção do laser e serem protectores da retina tem alterações de proteínas estruturais que se mantém no numa segundo tratamento laser. É de todos conhecido o tempo e que serão, muito provavelmente, responsáveis efeito do laser menos visível com os mesmos parâmetros pela acção mantida do laser e pelo seu efeito de estabiliza- num retratamento. É um campo para investigação. ções da RD no longo prazo, ao contrários dos fármacos que actuam enquanto o fármaco estiver presente. VII. A activação das células STEM Outro local de acção laser tem a ver com a estimulação IV. Acção de regeneração/renovação celular de células “stem” a partir da leão retinocoroideia que fazem Assistimos pois a uma acção de regeneração, renova- migrar da medula óssea células “stem” para repararem os ção dos organelos intracelulares e de células lesadas mas tecidos retinianos lesados, nomeadamente as células endo- não mortas, com produção de HSPs e factores implicados teliais. De acordo com Chag-Ling, estes estudos sugerem na homeostasia da angiogénese e da permeabilidade vascu- que as HSCs (hematopoietic stem cells) possam servir como lar, com destaque para o PEDF9. fonte para a regeneração no longo prazo das células lesadas Mas por sua vez, as áreas de fotocoagulação com necro- da retina e coroideia20,21,22,23. se celular, vão sofrer renovação celular e remodelação do Em resumo a acção terapêutica do laser térmico pode ser tecido, reorganização da microarquitectura, alguma fibrose sumarizada da seguinte forma: (I) Diminuição consumo de e retracção e marcada migração pigmentar do EPR. Estes O2 pelos foto-receptores; (II) Aumento da oxigenação da re- processos de reparação celular e remodelação são media- tina – “pontes de O2” coroido-retinianas; (III) Aumento da dos por genes que se expressam após a acção do laser10. produção de mediadores químicos (PEDF); (IV) Activação da Os trabalhos de Nicolette Binz (2006)14 mostraram renovação celular e remodelação dos tecidos retinianos, (V) existir em localizações específicas na microestrutura reti- Diminui MMP (VI) Aumenta proteínas shock térmico; (VII) niana, após um período de 90 dias da acção laser, 5 crista- Migração células HSC da medula óssea com efeito reparador. linas (CRYαA2 e CRYβB2), Keratin 1-12, Tsp1 – Trom- bospondina - factor anti-angiogénico, Tkt - transketolase - uma enzima chave na via da pentose fosfato, TULP1 Novas técnicas laser no tratamento do – o putativo factor de transcrição da tubby-like protein 1 EMD específico da retina e cérebro14. Pensa-se que poderão ser estas alterações estruturais as responsáveis pelo efeito de Podemos descrever 12 técnicas diferentes para abor- manutenção a longo prazo da acção laser. dar o edema macular diabético (EMD) com laser térmico,

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preferencialmente usando comprimento de onda amare- embora de forma “cirúrgica”, para ocluir os microaneuris- lo 577nm e verde 532nm, podendo no entanto ser usado mas causadores de edema e, desta forma, inverter o pro- krypton 657nm ou díodo 810nm. Quando falamos em laser cesso de exsudação lipoproteica e difusão e/ou permitir a temos que ter presente que podemos estar a referirmo-nos fragmentação das placas lipídicas e sua mobilização pelos apenas a uma ou duas técnicas das atrás descritas mas, o macrófagos. rigor científico, obriga-nos a conhecer as várias possibili- dades técnicas e a descrever com precisão aquilo a que nos a. Principal Acção do Laser Térmico na Área Ma- estamos a referir32 (Ver tabela 1). cular (Laser Estimulador Celular) - Lesão Subletal das Células do EPR Tabela 1 | 12 técnicas diferentes para abordar o edema Porque estamos a tratar a área macular, a fototerapia la- macular diabético (EMD) com laser térmico ser no EMD não pretende lesar irreversivelmente os FR45. 1. Laser focal32 Temos como objectivo, causar hipertermia nas células do 46 Padrão de Grelha focal no interior de circinados, EPR e, desta forma, estimulá-las a produzir mediadores 2. IRMAS ou pequenas áreas de edema focal33 químicos que provoquem a resolução do EMD, nomeada- mente o PEDF. Pretende-se obter, com o impacto do laser 3. Grelha clássica ETDRS 100-200ms34 térmico, um efeito local de ligeira alteração do EPR47, por Grelha ETDRS modificada (mETRDS) – com vezes difícil de observar na retinografia. Este efeito só é 4. parâmetros um pouco mais suaves e spots de menor objectivado na autofluorescência, retinografia por infra- dimensão até 200micra do centro da fóvea35,36,37 -vermelhos ou angiografia, ou mesmo invisível com estes Grelha ETDRS “mild” (MMG) – levemente visível, 5. exames se for usado o laser micropulsado (µP)48,49,50,51,52,53. spot 50micra mas de menor densidade.38,39 A interacção térmica lesa as células do EPR ricas em me- 40 6. Microgrelha 10ms (µETDRS) tipo PASCAL lanina e por vezes os segmentos externos dos FR se a lesão 7. µETDRS + focal nos microaneurismas se tornar visível. Evitamos lesar os segmentos internos FR Laser micropulsado (µPLT – micro pulse laser e células da camada nuclear externa. Este objectivo é atin- 8. treatment) com HD41,42 gido com os 2 tipos de laser referidos: µPLT em Sandwich (J. Augusto Cardillo) – utilizando a) Com µGrelha, usando baixas densidades de potên- 9. a grelha mETDRS até às 500µ e o µPLT deHD dentro cia e um curto tempo de exposição (10milisegun- de 500µ.43 dos), de forma a evitar a difusão térmica adjacente a 1 10. µPLT em Sandwich associado a laser focal partir do volume primário aquecido . b) Com laser µP, com impulsos da ordem dos 100 Laser 4+ (µETDRS + focal + µPLT HD fóvea + PRP à 11. 1 periferia da retina) microsegundos e tempos de arrefecimento longos . Terapêutica combinada com anti-VEGF e corticóides 12. Com a MMG a lesão térmica uma vez que é tenuemen- de acção prolongada e laser minimamente lesivo te visível, já atinge as camadas externas da retina (foto- -receptores) que irão sofrer um processo de reparação que não é total54. O que se pretende com a acção terapêu- Naturalmente, se forem usados outros parâmetros laser tica do laser térmico na área macular que provoquem um maior aumento da temperatura, pode- e na retina periférica remos provocar cicatrizes retinocoroideias com lesão dos FR e retina interna. Neste caso teremos escotomas centrais A técnica laser a usar deverá ser adequada ao local da ou paracentrais com degradação progressiva da função vi- retina a tratar. Assim, a fotocoagulação capaz de induzir sual, tanto mais que essas lesões tendem a aumentar com 7 55 pontes de O2 e melhorar a Pa O2 da retina está indicada o tempo e a aproximarem-se da fóvea . à periferia e média periferia no caso do tratamento da re- tinopatia diabética proliferativa (RDP). Já o laser suave, b. Maior Densidade de Potência (padrão PRP) fora poupador dos tecidos e capaz de induzir factores homeos- da Área Macular –“Pontes O2, Morte e Renovação táticos no microambiente retiniano, está indicado na área Celular. macular, particularmente na área foveal e perifoveal para Efectivamente, o laser fototérmico, se actuar com tratar o EMD. Nesta última situação poderá ser necessá- maior densidade de potência, provoca lesão do EPR com rio usar laser com parâmetros um pouco mais agressivos44 morte celular que se pode estender à coroideia e à retina

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interna. Se a duração do impulso for maior, irá existir di- BIBLIOGRAFIA fusão térmica adjacente ao volume primário aquecido pela acção directa do laser, e será ainda maior a área da lesão 1. Niemz MH – Laser-Tissue Interactions: Fundamentals provocada pelo laser e também maior o volume do tecido and Aplications Spring-Verlag Berlin Heidelgerg New lesado5. York 1996. Neste caso, o tecido retiniano lesado e morto vai sofrer 2. Dias, JM Os vários lasers médicos in Manual do Curso renovação e remodelação tecidular. Não será só renovação Pós Graduado do Laser Médico – SPILM-Sociedade dos organelos celulares, como acontece na hipertermia. O Portuguesa Interdisciplinar do Laser Médico 1998. tecido retiniano sofrerá uma alteração na sua composição 3. Brito LX, Henriques J, Neves CM, Vaz FT Interação celular, controlada pela expressão genética dos mediado- laser tecidos, efeito fototérmico in Manual do Curso res de inflamação, da vascularização e inibição de neo- Pós Graduado do Laser Médico – SPILM-Sociedade vascularização, da reparação e crescimento celular, com Portuguesa Interdisciplinar do Laser Médico 1998. especial destaque para a proliferação das células gliais e 4. Dorin G. Subthreshold and micropulse diode laser pho- do EPR. Estas sofrem algum processo de metaplasia com tocoagulation. Semin Ophthalmol. 2003;18(3):147-153. migração pigmentar. Os FR verão o seu número diminuí- 5. Henriques J, Nascimento J. Interacção laser tecidos na do no local da cicatriz com consequente diminuição do retina humana in Manual do Curso Laser em Oftalmo- consumo de O2. logia – Curso Pós Graduado do Laser Médico – SPILM – Sociedade Portuguesa Interdisciplinar do Laser Mé- dico 2006. CONCLUSÃO 6. Niemz MH – Laser-Tissue Interactions: Fundamentals and Aplications Spring-Verlag Berlin Heidelgerg New Após a teoria unitária do Oxigénio na retina de Ste- York 1996. fánsson7 diríamos que existem, efectivamente, dois princi- 7. Stefánsson E.Ocular oxygenation and the treatment of pais mecanismos de acção pela qual o laser actua da RD57: diabetic retinopathy. Review. Surv Ophthalmol. 2006 1. A melhoria da oxigenação da retina quer por pro- Jul-Aug;51(4):364-80. vável diminuição do consumo de O2 pelos FR lesados na 8. Zhang NL, Samadani EE, Frank RN. Mitogenesis fotocoagulação quer por abertura de “pontes de oxigénio” and retinal pigment epithelial cell antigen expression entre a coroideia e a retina interna . Convém lembrar que in the rat after krypton laser photocoagulation. Invest a lesão dos FR só é significativa no caso de PRP, não nos Ophthalmol Vis Sci. 1993 Jul;34(8):2412-24. afigurando importante para a diminuição do consumo de 9. Ogata N, Tombran-Tink J, Jo N, Mrazek D, Matsumura O2 no caso da grelha macular, dado que, na mácula, não é M. Upregulation of pigment epithelium-derived factor objectivo do tratamento lesar os FR, mas somente o EPR. after laser photocoagulation. Am J Ophthalmol. 2001 Muito menos se farão “pontes de O2”. Quando muito le- Sep;132(3):427-9. samos os segmentos externos dos FR. 10. Wilson AS, Hobbs BG, Shen WY, Speed TP, Sch- midt U, Begley CG, Rakoczy PE.Argon laser . pho- 2. Modificação da expressão genética e produção de tocoagulation-induced modification of gene expres- mediadores da homeostase da vascularização e de per- sion in the retina.Invest Ophthalmol Vis Sci. 2003 meabilidade vascular, nomeadamente, aumento PEDF Apr;44(4):1426-34. e diminuição do VEGF, directamente ou induzido pelo 11. Ogata N, Wada M, Otsuji T, Jo N, Tombran-Tink J, PEDF, metaplasia ou hiperplasia das células da retina Matsumura M. Expression of pigment epithelium-de- (glia, CE, EPR), com remodelação dos tecidos retinianos rived factor in normal adult rat eye and experimental envolvidos no processo de cicatrização da lesão térmica. choroidal neovascularization. Invest Ophthalmol Vis Associamos o aumento da MMPs, e das HSPs, a estimu- Sci. 2002;43:1168-1175. lação da migração das stem cells para a retina e a reno- 12. Glaser BM, Campochiaro PA, Davis JL, et al. Retinal vação celular e reestruturação da microarquitectura com pigment epithelial cells release inhibitors of neovascu- determinado número de proteínas estruturais. Estas serão, larization. Ophthalmology. 1987;94:780-784. muito provavelmente, também responsáveis pelo efeito de 13. Aiello LP, Avery RL, Arrigg PG, Keyt BA, Jam- longo prazo do efeito terapêutico do laser. pel HD, Shah ST, Pasquale LR, Thieme H, Iwamoto MA, Park JE, et al. Vascular endothelial growth fac- tor in ocular fluid of patients with diabetic retinopathy

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Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 363 José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro

Cdo - comprimento de onda CW - onda contínua CRLR - Calcitonin Receptor-like Receptor IL-1b- Interleucina 1 beta FGF-1 - Fibroblast Growth Factor 1 PAI -2 - Plasminogen Activator inhibitor-2 MMP-2 - Metaloproteinase da membrane -2 TIMP-1 - Tecidual Inibitor Metalo Proteinase-1 FR- foto-receptores

364 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.365-374

Artigo Original Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos Primeiros 100 Casos

Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença Centro Cirúrgico de Coimbra

Resumo

Introdução: Uma formulação de libertação prolongada de dexametasona intravítrea surgiu re- centemente, com indicação no tratamento do edema macular associado a oclusões venosas, mas cujo uso poderá ser generalizado a outras causas de inflamação e edema macular. Objectivos: Analisar a eficácia e eventuais complicações do tratamento do edema macular de diferentes etiologias com implante intravítreo de dexametasona. Materiais e Métodos: Estudo retrospectivo envolvendo 100 olhos (90 doentes), com edema macular associado a diversas patologias e submetidos a injecção intravítrea de implante de dexa- metasona (700 microgramas). Foram realizados diversos exames complementares (retinografia, angiografia fluoresceínica, autofluorescência, microperimetria, OCT e Optomap). Avaliou-se a duração de acção do implante entre doentes não vitrectomizados e vitrectomizados. Resultados: Foram estudados 90 doentes (100 olhos) com idade média de 62,4 ±12,2 anos (var.16-85). As patologias associadas foram oclusões venosas (18 olhos), retinopatia diabética (24 olhos), cirurgia intraocular (33 olhos), traumatismo ocular (7 olhos), uveíte (9 olhos), efu- são uveal (2 olhos) e outras patologias (7 olhos). O tempo médio de seguimento foi de 5,0±2,0 meses. Verificou-se uma redução significativa do edema em 93% dos casos, com efeito mantido durante 3,7 meses. Registou-se uma hipertensão intraocular transitória em 22 olhos, medicamen- te controlada, e uma “migração” do implante para a câmara anterior em 3 olhos, que exigiu a sua recolocação na cavidade vítrea. Conclusões: O implante intravítreo de dexametasona pode acelerar a resolução do edema ma- cular em diferentes patologias, com baixa incidência de efeitos secundários. Um tempo de se- guimento superior será necessário para se comprovar a eficácia, duração de acção e segurança a longo prazo.

Palavras-chave Implante intravítreo, dexametasona, eficácia, complicações.

Introdução peribulbar ou intravítrea permite alcançar concentrações in- traoculares mais elevadas mas, geralmente, face à baixa se- A obtenção de doses terapêuticas eficazes de fármacos mivida dos fármacos1, são necessárias múltiplas injecções, no vítreo e na retina, através da via tópica ou sistémica, é di- com vários riscos associados. Têm sido desenvolvidos di- fícil respectivamente pela baixa penetrabilidade intravítrea versos sistemas de libertação prolongada, sob a forma de dos colírios e pela alta selectividade da barreira hemato-re- implantes ou de “partículas” injectáveis intravítreos, para tiniana. A administração de drogas por via subconjuntival, o tratamento de diversas doenças do segmento posterior.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 365 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença

Alguns implantes não biodegradáveis estão já disponíveis diferentes etiologias com o implante intravítreo de dexa- para aplicação clínica ou encontram-se em fase de investi- metasona e descrever eventuais complicações associadas ao gação clínica avançada. São exemplos o Vitrasert® Implant uso deste dispositivo. (Bausch&Lomb), implante de ganciclovir, para tratamento de retinite por citomegalovirus, o Retisert® (Bausch&Lomb) e o Iluvien® (Alimera Sciences, Inc.), ambos implantes de Materiais e Métodos acetonide fluocinolona, respectivamente para o tratamento de uveítes não infecciosas e edema macular diabético, e o Estudo retrospectivo aberto, unicêntrico, realizado entre NT-501 (Neurotech’s), polímero com células epiteliais reti- Janeiro e Agosto de 2011, no Centro Cirúrgico de Coimbra, nianas modificadas para segregar factor neurotrófico ciliar, e que envolveu 100 olhos de 90 doentes com diagnóstico de para uso na degenerescência macular da idade (não exsuda- edema macular associado a múltiplas patologias e subme- tiva), e na retinopatia pigmentar. tidos a injecção intravítrea de implante de dexametasona. Recentemente surgiu um dispositivo de libertação pro- Os doentes foram informados do uso “off-label” deste longada de dexametasona, o Ozurdex® (Allergan, Irvine, dispositivo (nomeadamente nos casos em que o edema ma- CA, USA), sob a forma de implante biodegradável. Este cular não estava associado a oclusões venosas ou uveítes, implante é constituído por um copolímero de ácido láctico indicações actualmente aprovadas pelo FDA e EMEA) e e ácido glicólico (PLGA), que forma a estrutura da matrix esclarecidos quanto às vantagens possíveis da sua utiliza- (Novadur® , Allergan Inc) e no qual se encontra dispersa ção. Todos doentes assinaram o consentimento informado. dexametasona sem conservantes. O polímero de PLGA é Todos doentes foram submetidos a um exame oftal- conhecido há vários anos e tem sido usado na preparação mológico completo e realizaram exames complementares de nanopolímeros e micropartículas para distribuição de de diagnóstico: retinografia (Topcon TRC 50 IX, Japão e fármacos. Estes sistemas de libertação foram já testados em Optomap, Optos, Escócia), angiografia fluoresceínica au- modelos animais e humanos2-6. A difusão de 700µg de dexa- tofluorescência e tomografia de coerência óptica –OCT metasona ocorre de modo bifásico neste dispositivo. O pico (Spectralis, Heidelberg Engineering, Alemanha), e mi- de concentração no vítreo e retina é geralmente atingido aos croperimetria (SLO Rodenstock, Alemanha), antes e após 2 meses, seguido de um declínio rápido na concentração injecção do implante de dexametasona, para estudo e do- até aos 3 meses e, posteriormente, verifica-se um segundo cumentação da evolução do edema macular. As avaliações “steady-state” até aos 6 meses, em olhos não vitrectomiza- foram realizadas antes da injecção do implante, 1 semana dos7. Os polímeros usados são biocompatíveis, sendo me- após a injecção e depois mensalmente até aos 6 meses. tabolizados em dióxido de carbono e água, pelo que não é Os parâmetro de avaliação primários foram a espessura necessária a remoção cirúrgica do implante1,8. Nos estudos média da retina na área macular (avaliada pelo OCT) e a preliminares o dispositivo era injectado na cavidade vítrea melhor acuidade visual corrigida (MAVC), sendo a avalia- através de uma incisão escleral via pars plana9,10. Posterior- ção do edema angiográfico e restantes exames considera- mente, foi desenvolvido um aplicador de modo a permitir a dos parâmetros secundários. Foram também analisadas as injecção do implante via pars plana através de uma agulha complicações decorrentes do uso do implante, bem como 22G, sem necessidade de sutura11. Este novo sistema de li- os tratamentos que estas implicaram. bertação prolongada de corticóide tem um papel potencial Os doentes foram distribuídos por grupos de acordo com no tratamento de doenças do segmento posterior, particu- as causas do edema macular (oclusões venosas, retinopatia larmente de situações em que a triamcinolona já tenha de- diabética, cirurgia intraocular, traumatismo ocular, uveítes, monstrado eficácia. A sua aplicação clínica foi já aprovada efusão uveal associada a hipermetropia, e outras causas). pela FDA no tratamento do edema macular associado a Foram igualmente avaliados os resultados em doentes vi- oclusões venosas centrais ou de ramo (CRVO e BRVO)11 trectomizados e não vitrectomizados. e em uveítes intermédias e posteriores não infecciosas12. No entanto, a sua utilização poderá ser generalizada a ou- tras causas de inflamação e edema macular. Resultados

Foram estudados 100 olhos (90 doentes) com edema Objectivos macular de diferentes etiologias, e submetidos a injec- ção intravítrea de implante de dexametasona. Os doentes Analisar a eficácia do tratamento do edema macular de apresentavam uma média de idades de 62,4 ±12,2 anos

366 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos

(variando entre 16 e 85), dos quais 60 (66,7%) eram do sexo masculino e 30 (33,3%) do sexo feminino. O tempo médio de seguimento dos doentes foi de 5,0±2,0 meses (variando entre 2 e 8 meses). As patologias associadas ao edema macular foram as oclusões venosas (centrais e de ramo) em 18 olhos, a retino- patia diabética em 24 olhos, a cirurgia intraocular (cirurgia de catarata em 5, cirurgia de membrana epirretiniana em 15, cirurgia a descolamento da retina em 12 e buraco macular em 1) em 33 olhos, os traumatismos ocular em 7 olhos (2 dos quais com hipotonia), a uveíte posterior em 9 olhos, a efusão uveal em 2 olhos, e outras patologias em 7 olhos Fig. 1 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- (schisis miópica com membrana epirretiniana em 3, DMI plante de dexametasona, em todos os casos. em 2, edema macular idiopático em 1 e após queratoprótese em 1). É de referir apenas que, no caso do buraco macular inserido no grupo da cirurgia intraocular, o doente apre- sentava buraco macular e MER. Após a cirurgia o buraco fechou, mas desenvolveu edema macular cistóide que mo- tivou a injecção do implante de dexametasona. Dos olhos estudados, 60 eram vitrectomizados (60%). A distribuição das patologias associadas ao edema macular encontram-se expressas no Quadro I. Nos 100 casos, verificou-se uma redução significativa do edema macular em 93 casos (93%), comprovada pela angiografia fluoresceínica e objectivada pela redução da espessura média da fóvea no OCT (Fig.1). Observaram-se algumas diferenças na redução da espessura média da fóvea entre olhos vitrectomizados e não vitrectomizados (Fig. 2). A espessura média da fóvea, antes da injecção, era de 563,7 µm e de 414,5 µm, uma semana após (Quadro II). Observou-se um efeito mantido de redução da espessura da Fig. 2 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 3,7 me- implante de dexametasona, em todos os casos (vitrecto- ses (entre 2-4 meses), variando de acordo com as patologias mizados e não vitrectomizados).

Quadro I | Patologias associadas ao edema macular (n=100 olhos).

Patologias n / % n (%) de olhos vitrectomizados Oclusões venosas 18 6 (33,3%) Veia central da retina (n=5); ramo venoso (n=13) Retinopatia diabética 24 9 (37,5%) Catarata (n=5); membrana epirretiniana (n=15); Cirurgia intraocular 33 30 (90,9%) descolamento da retina (n=12); buraco macular e MER (n=1). Traumatismo ocular 7 6 (85,7%) Hipotonia ocular (n=2) Uveíte 9 4 (44,4%) Efusão uveal 2 0 Schisis miópica associada a miopia (n=3); DMI Outras causas 7 5 (71,4%) (n=2); Queratoprótese de Boston (n=1); edema ma- cular idiopático (n=1)

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 367 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença

Quadro II | Espessura média na mácula (µm) avaliada pelo OCT (n=100 olhos)

Pré 8 dias 1 Mês 2M 3M 4M 499,2 317,6 273,9 298,4 336,3 632,8 Oclusões venosas (±202,3) (±146,9) (±106,5) (±121,7) (±133,1) (±107,8) 526,7 310,8 288,7 264,1 304,4 612,5 Retinop. diabética (±199,4) (±107,4) (±97,7) (±61,2) (±82,9) (±78,5) 419,6 321,3 309,7 285,3 295,5 407,1 Cirurgia intraocular (±139,9) (±90,2) (±110,5) (±75,2) (±101,4) (±168,2) 448,4 375,4 352,0 280,4 373,7 Traumatismo ocular - (±221,7) (±253,5) (±303,0) (±66,9) (±203,6 449,0 192,8 191,0 180,4 176,3 181,0 Uveíte (±330,4) (±57,5) (±44,5) (±17,8) (±17,8) (±22,6) 602,0 696,0 376,0 Efusão uveal 412,0 287,0 - (±357,8) (±260,2) (±55,2) 430,125 274,857 305,0 262,5 404,5 Outras causas - (±174,4) (±137,4) (±189,7) (±91,2) (±23,3) associadas ao edema macular. Não se verificou uma redução posterior e 2 casos submetidos a cirurgia de membrana epir- aparente do edema macular em 7 casos (7%): 1 caso com retiniana. No entanto, observou-se melhoria do edema ma- retinopatia diabética, 2 casos de hipotonia ocular, 1 caso com cular na angiografia e no OCT nestes doentes. schisis miópica associado a membrana epirretiniana, 1 doen- te operado a MER, outro submetido a cirurgia de catarata e Oclusões venosas finalmente 1 operado a descolamento de retina. Neste grupo de doentes foram incluídos 5 casos de oclu- Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria dos são da veia central da retina e 13 de oclusão de ramo venoso olhos (91%), variando substancialmente com a patologia retiniano. Observou-se uma redução significativa do edema associada. Não se verificou melhoria da MAVC em 9 olhos macular em todos os casos, comprovado pela angiografia (9%):4 casos com oclusões venosas, 1 caso de retinopa- fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura mé- tia diabética, 1 caso de hipotonia ocular, 1 caso de uveíte dia da fóvea no OCT (Fig. 3 e 4).

Fig. 3 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- Fig. 4 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- plante, em casos de oclusão da veia central da retina, vi- plante, em casos de oclusão de ramo venoso retiniano, trectomizados (n=3) e não vitrectomizados, (n=2). vitrectomizados (n=3) e não vitrectomizados (n=10).

368 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos

Observou-se um efeito mantido de redução da espessu- ra da fóvea (considerado duração do efeito terapêutico) de cerca de 2 a 3 meses. Uma melhoria da MAVC foi observa- da na maioria dos olhos (78%). Não se verificou melhoria da MAVC em 4 olhos (22%) apesar de se ter observado melhoria do edema macular na angiografia e no OCT.

Retinopatia diabética Neste grupo de doentes foram incluídos 24 casos e observou-se uma redução significativa do edema macular em 23 casos (95,8%), comprovado pela angiografia fluores- ceínica e objectivado pela redução da espessura média da fóvea no OCT (Fig. 5).

Fig. 6 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- plante de dexametasona, em casos de edema macular após cirurgia intraocular, vitrectomizados (n=30) e não vitrectomizados (n=3).

Observou-se um efeito mantido de redução da espessu- ra da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de cerca de 3 meses. Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria dos olhos (93,9%),. Não se verificou melhoria da MAVC em 2 olhos operados a membrana epirretiniana (6,1%), apesar de se ter observado melhoria do edema ma- cular na angiografia e no OCT.

Traumatismo ocular Neste grupo de doentes foram incluídos 7 casos, dos Fig. 5 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- quais resultaram 2 casos de hipotonia ocular. Observou-se plante de dexametasona, em casos de retinopatia diabéti- ca , vitrectomizados (n=9) e não vitrectomizados (n=15). uma redução significativa do edema macular em 5 casos (71,4%), comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média da retina no Observou-se um efeito mantido de redução da espessura OCT (Fig.7). da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 2 Observou-se um efeito mantido de redução da espessura meses nos doentes não vitrectomizados e de 3 meses nos da retina (considerado duração do efeito terapêutico) du- vitrectomizados. Uma melhoria da MAVC foi observada na rante 1 mês nos doentes não vitrectomizados e pelo menos maioria dos olhos (95,8%). Não se verificou melhoria da 3 meses nos vitrectomizados. Uma melhoria da MAVC foi MAVC em 1 olho (4,2%) apesar de se ter observado melho- observada na maioria dos olhos (85,7%). Não se verificou ria do edema macular na angiografia e no OCT. melhoria da MAVC em 1 olho (14,2%) apesar de se ter observado melhoria do edema macular na angiografia e no Cirurgia intraocular OCT. Neste grupo de doentes foram incluídos 33 casos: 5 ca- sos de cirurgia catarata, 15 de cirurgia de membrana epir- Uveítes retiniana, 12 casos de descolamento da retina e 1 caso de Neste grupo de doentes foram incluídos 9 casos de uveí- buraco macular e MER. Observou-se uma redução signifi- tes posteriores de causa não infecciosa. Observou-se uma cativa do edema macular em 30 casos (90,9%), comprova- redução significativa do edema macular em todos os casos, do pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redu- comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado ção da espessura média da retina no OCT (Fig.6). pela redução da espessura média da retina no OCT (Fig.8).

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 369 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença

edema macular nos 2 olhos em períodos diferentes com- provado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média da retina no OCT (Fig.9), mas com evolução bastante variável. Previamente ao implante, o olho esquerdo deste doente (Nº2, Fig.9) foi submetido a cirurgia escleral para descompressão das veias vorticosas, sem sucesso. Só após a injecção de dexametasona se verifi- cou uma redução significativa do edema.

Fig. 7 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- plante de dexametasona, em casos de edema macular após traumatismos oculares, vitrectomizados (n=6) e não vitrectomizados (n=1).

Fig. 9 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- plante de dexametasona, em casos de edema macular as- sociado a efusão uveal, não vitrectomizados (n=2).

Outras causas Neste grupo de doentes foram incluídos 7 casos: 3 de schisis miópica associada a MER, 2 de DMI, 1 de ede- ma macular idiopático e 1 com queratoprótese de Boston. Os casos com schisis associada a MER foram separados dos outros casos de cirurgia ocular por se tratarem de situações mais raras. A cirurgia destes doentes consistiu na extracção da MER, máculorrexis da MLI e injecção do implante de Fig. 8 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- dexametasona, com melhoria significativa daschisis . plante de dexametasona, em casos de edema macular Observou-se uma redução significativa do edema macu- associados a uveíte, vitrectomizados (n=4) e não vitrec- lar em 6 casos (85,7%), comprovado pela angiografia fluo- tomizados (n=5). resceínica e objectivado pela redução da espessura média da retina no OCT (Fig.10). Observou-se um efeito mantido de redução da espessura Observou-se um efeito mantido de redução da espessu- da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 4 ra da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de meses. Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria pelo menos 1 mês nos olhos vitrectomizados. Uma melho- dos olhos (88,9%). Não se verificou melhoria da MAVC ria da MAVC foi observada em todos dos olhos. em 1 olho (11,1%) apesar de se ter observado melhoria do edema macular na angiografia e no OCT. Evolução e Complicações Em 3 doentes (3%) houve necessidade de recorrer a ou- Efusão uveal tros tratamentos por perda da eficácia terapêutica do implan- Neste grupo foram incluídos 2 olhos com efusão uveal te de dexametasona, tendo sido administrado triamcinolona de 1 doente. Observou-se uma redução significativa do por via subtenoniana ou intravítrea. A partir do momento

370 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos

estimado em função da espessura média da área macular no OCT e da angiografia fluoresceínica. Relativamente a complicações decorrentes do uso do implante, verificou-se uma hipertensão intraocular transi- tória (considerando hipertensão valores de pressão intrao- culares superiores a 22 mmHg) em 22 olhos, controlada medicamente em todos. Observou-se, ainda, a passagem do implante para a câmara anterior em 3 olhos (2 dos quais com edema corneano), que exigiram a sua recolocação na cavidade vítrea (Fig.11).

Fig. 10 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do im- plante de dexametasona, em casos de edema macular associado a outras causas, vitrectomizados (n=5) e não vitrectomizados (n=2). em que estes doentes foram injectados com o fármaco re- ferido foram excluídos dos cálculos estatísticos. Foi reali- zado um segundo implante de dexametasona em 3 doentes (1 caso de oclusão venosa de ramo, 1 caso de uveíte poste- rior e 1 caso após cirurgia de descolamento de retina) por agravamento significativo do edema macular aos 4 meses (entre os 3 e os 5 meses) O tempo médio de duração da eficácia terapêutica do implante de dexametasona foi de 3 meses (Quadro III),

Quadro III | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses)

Olhos não Olhos Patologias vitrectomizados vitrectomizados Fig. 11 | Passagem do implante de dexametasona para a câma- Oclusão VCR 3 m 2 m ra anterior em 2 casos clínicos de traumatismo ocular. Oclusão de ramo a) O implante passou através da ruptura da zónula e 3 m 3 m da VCR do esfíncter da íris, com descompensação corneana B) Fragmento de implante na câmara anterior com descom- Retinopatia 2 m >3 m pensação corneana marcada em doente pseudofáquica. diabética Cirurgia 3 m 3 m intraocular Discussão Traumatismo 1 m >3 m ocular O uso de corticosteróides em oftalmologia teve início 13-14 Uveíte 4 m >4 m na década de 50 e tornou-se uma opção terapêutica muito atractiva face às suas propriedades anti-inflamató- Outras causas - >1 m rias e anti-angiogénicas. O entusiasmo inicial do seu uso

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generalizado deu lugar a uma apreciação mais criteriosa das A forma sólida do dispositivo não turva a visão, e o facto principais indicações terapêuticas15, especialmente após co- de ser de libertação prolongada permite uma distribuição nhecimento dos efeitos secundários locais e sistémicos que ocular mais controlada do fármaco. Além disso, o facto da advieram do seu uso prolongado e da sua acção limitada dexametasona ser cinco vezes mais potente22 e mais hidrofí- na causa responsável pela inflamação, principalmente em lica que a triamcinolona acetonide, permite atingir maiores situações crónicas13. concentrações intravítreas23, com uma redução do número Uma das indicações para o uso deste grupo de fárma- necessário de administrações e, consequentemente, um ris- cos é o tratamento do edema macular que, quando crónico, co potencial mais baixo de efeitos secundários. pode ser de difícil resolução. A necessidade de obtenção de Este dispositivo foi aprovado pela FDA no tratamento doses terapêuticas eficazes no segmento posterior, com um do edema macular associado às oclusões venosas centrais e mínimo de efeitos sistémicos, tem sido uma preocupação de ramo e, ainda, nas uveítes não-infecciosas. constante na utilização de corticóides. A injecção intravítrea Os estudos clínicos, realizados no edema macular asso- destes agentes farmacológico, nomeadamente de triamcino- ciado às CVRO e BRVO, revelaram que a administração de lona acetonide, permitiu atingir estes objectivos. Esta droga dexametasona (nas dosagens de 350 µg ou de 700 µg) me- foi proposta para o tratamento da vitreorretinopatia prolife- lhorou a AV em 3 linhas em 29% dos olhos, até ao dia 60, rativa16-17, mas a sua eficácia tem sido comprovada em di- comparativamente aos 11% do grupo controlo. Esta dife- ferentes entidades patológicas associadas a neovasculariza- rença persistiu, pelo menos, até ao dia 90. Ao dia 180, 41% ção, inflamação e edema, como o edema macular diabético, dos olhos injectados com o implante de 700 µg atingiu, pelo o glaucoma neovascular, a hipotonia, a neovascularização menos, um ganho de 3 linhas vs. 29% dos olhos do grupo coroideia, as uveítes, as oclusões venosas e a inflamação re- controlo. Também se verificou um aumento duplo do risco sidual associada a endoftalmite, a síndroma de Irvine-Gass, de perda de AV>15 letras nos doentes do grupo controlo, ou como terapia adjuvante de DMI exsudativa1,8. comparativamente aos doentes injectados com 700 µg de Apesar de existirem múltiplas publicações descrevendo dexametasona. Esse risco persistiu aos 12 meses, mesmo os resultados da sua utilização oftalmológica nos últimos após o grupo controlo ter sido injectado com o implante de 40 anos, continua a não existir uma formulação ocular de 700 µg aos 6 meses. 21% dos doentes com oclusão venosa triamcinolona, o que torna o seu uso “off-label”, com as de ramo e 17% com oclusão venosa central seguidos duran- implicações técnicas e legais inerentes. Deste modo, torna- te 1 ano necessitaram de apenas 1 tratamento8,11. -se necessário manipular o fármaco, não sendo conhecida A eficácia do implante de dexametasona foi igualmente nem a dose nem o esquema de reinjecção apropriado. Além avaliada no tratamento do edema macular diabético (EMD) disso, a própria administração de uma suspensão torna a do- persistente (com duração superior a 90 dias) num trabalho sagem do fármaco pouco precisa18, podendo a mesma variar recente6. Neste estudo, um terço dos doentes tratados com significativamente (um estudo da dose real do fármaco in- o implante de 700 µg de dexametasona melhoraram 10 ou travítreo injectado demonstrou que a administração de 0,1 mais letras ETDRS, comparativamente aos 12,3% do grupo ml de triamcinolona a 40 mg/dl, pode variar de 1,4 mg a sem terapêutica instituída. Verificou-se, ainda, uma melho- 12,9 mg de fármaco19). ria significativa na redução do derrame angiográfico e na No caso de algumas formulações de triamcinolona, redução da espessura da retina no OCT. No entanto, a dife- como é o caso do Kenalog® (Bristol-Myers Squibb), a pre- rença descrita entre os grupos não foi mantida até aos 3 me- sença de cristais insolúveis, úteis no “atraso” da sua elimi- ses (30% vs 23%), tal como se pode constatar neste estudo. nação ocular, pode causar uma visão turva (se ficarem sus- No que diz respeito ao edema macular associado a uveí- pensos no vítreo e em frente ao eixo visual) e podem ainda tes ou após cirurgia de catarata (síndroma de Irvine-Gass), tornar difícil o diagnóstico diferencial com endoftalmite, se também um estudo recentemente publicado10 revelou um originarem um pseudo-hipópion8. Os efeitos secundários ganho superior a 15 letras ETDRS em 53,8% dos doentes mais comuns descritos com a utilização intravítrea deste tratados com 700 µg de dexametasona, comparativamente fármaco foi o aumento da pressão intraocular e o apareci- aos 7,1% dos olhos do grupo controlo. A redução do der- mento precoce de catarata20,21. rame angiográfico também foi estudada observando-se que O desenvolvimento recente de um implante intravítreo 58% dos olhos do grupo tratado melhoraram dois ou mais de libertação prolongada de dexametasona parece trazer níveis comparativamente aos 8% do grupo controlo. várias vantagens comparativamente à triamcinolona. A Outro estudo que avaliou o uso do implante de dexame- formulação ocular dispensa o manuseamento do fármaco tasona em uveítis intermédias e posteriores não infeccio- e permite administrar uma dose intravítrea mais rigorosa. sas24, demonstrou que 33% dos olhos do grupo tratado com

372 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos

o implante de 700 µg de dexametasona melhorou 3 linhas superior para que se confirmem as vantagens na utilização de letras ETDRS nas primeiras 3 semanas após injecção e deste implante. É igualmente necessário que se avaliem os uma resolução do haze às 6 semanas em 90% dos grupos efeitos secundários decorrentes do seu uso a longo prazo. tratados (350 µg e 700 µg de dexametasona) comparativa- Apesar da sua relativa rapidez de actuação e eficácia, os mente aos não tratados. Relativamente aos olhos com EM resultados deste estudo apontam para uma duração de acção associado a uveítes ou a cirurgia de catarata, neste estudo, mais curta do que o esperado. observou-se igualmente uma melhoria significativa do ede- ma, mas de duração inferior à esperada. O uso do implante de dexametasona no edema macular associado a outras cirurgias oculares, como a cirurgia de Bibliografia descolamento de retina ou a extracção de membranas epir- retinianas, foi também avaliado neste estudo, observando- 1. Herrero-Vanrell R, Cardillo JA, Kuppermann BD. Cli- -se uma melhoria significativa e rápida do EM. No entanto, nical applications of the sustained-release dexametha- a duração da eficácia terapêutica foi menos duradoura do sone implant for treatment of macular edema. Clinical que o esperado. Para além do estudo da evolução do ede- Ophthalmology 2011;5:139-146. ma, será também relevante o facto do fármaco sofrer altera- 2. Herrero-Vanrell R, Refojo MF. Biodegradable micros- ções farmacocinéticas nos olhos vitrectomizados, com uma pheres for vitreoretinal drug delivery. Adv Drug Deliv eliminação mais rápida do fármaco e, consequentemente, Rev. 2001;52(1):5–16. uma redução do seu tempo de semi-vida. Este conceito foi 3. Kompella UB, Bandi N, Ayalasomayajula SP. Sub- reforçado pelo estudo CHAMPLAIN25. Este estudo consis- conjunctival nano- and microparticles sustain retinal tiu na avaliação da redução do edema em doentes vitrec- delivery of budesonide, a corticosteroid capable of inhi- tomizados, com edema macular diabético, injectados com biting VEGF expression. Invest Ophthalmol Vis Sci. dexametasona, com aparente pico de eficácia entre as 8 e as 2003;44(3):1192–1201. 13 semanas após injecção. No presente estudo a redução do 4. Cardillo JA, Souza-Filho AA, Oliveira AG. Intravitreal edema macular diabético parece ser relativamente rápida, Bioerudivel sustained-release triamcinolone microsphe- mas com uma perda de eficácia terapêutica nítida cerca das res system (RETAAC). Preliminary report of its poten- 12 semanas. tial usefulness for the treatment of diabetic macular ede- Relativamente às complicações decorrentes do uso do ma. Arch Soc Esp Oftalmol. 2006;81(12):675–681. implante de dexametasona, estas parecem ser relativamen- 5. Barcia E, Herrero-Vanrell R, Diez A, Varez-Santiago te raras. Neste estudo verificou-se hipertensão intraocular C, Lopez I, Calonge M. Downregulation of endotoxin- transitória (valor considerado foi uma pressão intraocular -induced uveitis by intravitreal injection of polylactic- superior a 22 mmHg) em 22 olhos, mas controlada medi- -glycolic acid (PLGA) microspheres loaded with dexa- camente em todos. A passagem do implante para a câmara methasone. Exp Eye Res. 2009;89(2):238–245. anterior em 3 casos foi outra das complicações observadas. 6. Haller JA, Kuppermann BD, Blumenkranz MS, et al. Dois casos desenvolveram edema corneano, o que exigiu Randomized controlled trial of an intravitreous de- a recolocação do implante na cavidade vítrea. O edema xamethasone drug delivery system in patients with corneano resolveu-se em todos os casos, sem sequelas apa- diabetic macular edema. Arch Ophthalmol. 2010; rentes. No entanto, um trabalho recente26 relatou um caso 128(3):289–296. clinico da migração de um implante de dexametasona para 7. Chang-Lin JE, Attar M, Acheampong AA, et al. Phar- o segmento anterior, numa doente de 68 anos, com descom- macokinetics and pharmacodynamics of the sustained- pensação endotelial difusa e que não resolveu após remoção -release dexamethasone intravitreal implant. Invest cirúrgica do implante. A doente necessitou de ser submeti- Ophthalmol Vis Sci. 2011;52:80-86. da a um transplante de córnea. 8. London NJ, Chiang A, Haller JA. The Dexamethasone Drug Delivery System: Indications and Evidence. Adv Ther (2011) 28(5):351-366. Conclusões 9. Kuppermann BD, Blumenkranz MS, Haller JA, et al. Randomized controlled study of an intravitreous Apesar dos bons resultados preliminares na redução do dexamethasone drug delivery system in patients edema macular em diferentes patologias, é fundamental with persistent macular edema. Arch Ophthalmol. um maior número de doentes e um tempo de seguimento 2007;125(3):309–317.

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10. Williams GA, Haller JA, Kuppermann BD, et al. De- 20. Becker B. Intraocular pressure response to topical corti- xamethasone posterior-segment drug delivery sys- costeroids. Invest Ophthalmol. 1965;4:198–205. tem in the treatment of macular edema resulting from 21. Butcher JM, Austin M, McGalliard J, Bourke RD. Bila- uveitis or Irvine-Gass syndrome. Am J Ophthalmol. teral cataracts and glaucoma induced by long term use 2009;147(6):1048–1054. of steroid eye drops. BMJ. 1994;309(6946):43. 11. Haller JA. Bandello F, MD, Belfort R, Blumenkranz 22. Grosser T, Smyth EM, FitzGerald GA. Anti- inflamma- MS, Gillies M, Heier J, Loewenstein A, Yoon YH, Ja- tory, Antipyritic, and Analgesic Agents; Pharmacology cques ML, Jiao,J, Li,XY, Whitcup SM, OZURDEX of Gout. In: Brunton L, Chabner B, Knollmann B. eds. GENEVA Study Group. Randomized,Sham-Controlled Goodman and Gilman’s Pharmacological Basis of The- Trial of Dexamethasone Intravitreal Implant in Patients rapeutics. 12th edition. New York: McGraw-Hill Pro- with Macular Edema Due to Retinal Vein Occlusion. fessional: 2010:959-1004. Ophthalmology. 2010 Jun;117 (6) , Pages 1134-1146. 23. Kwak HW, D’Amico DJ. Evaluation of the retinal toxi- e3. city and pharmacokinetics of dexamethasone after intra- 12. Myung JS, Aaker GD, Kiss S. Treatment of noninfec- vitreal injection. Arch Ophthalmol. 1992;110:259-266. tious posterior uveitis with dexamethasone intravitreal 24. Lowder C, Belfort R Jr., Lightman S, et al. Dexametha- implant. Clinical Ophthalmology 2010;4:1423-1426. sone intravitreal implant for noninfectious intermedia- 13. Leopold IH, Purnell JE, Cannon EJ, Steinmertz CG, te or posterior uveitis. Arch Ophthalmol. 2011; Jan 10 McDP. Local and systemic cortisone in ocular disease. [Epub ahead of print]. Am J Ophthalmol. 1951;34:361-371. 25. Boyer DS, Faber D, Gupta S, Patel SS, Tabandeh H, 14. Woods AC. The presente status of ACTH and cortisone Li XY, Liu CC, Lou J, Whitcup SM; for the Ozurdex in clinical ophthalmology. Am J Ophthalmol. 1951;34: CHAMPLAIN Study Group. Dexamethasone intravi- 945-960. treal implant for treatment of diabetic macular edema in 15. Duke-Elder, Sir Stewart. The clinical value of cortisone vitrectomized patients. Retina 2011 May;31(5):915-923. and ACTH in ocular disease. A preliminar assessment 26. Pardo-Lopez D, Francés-Muñoz E, Gallego Pinazo R, for the Medical Research Council. British J Ophthalmol Diaz-Llopis M, et al. Anterior chamber migration of de- 1951;35:637. xametasone intravitreal implant (Ozurdex(R)) Graefes 16. Sunalp M, Wiedemann P, Sorgente N, Ryan SJ. Effects Arch Clin Exp Ophthalmol. 2011 published on line 23 of cytotoxic drugs on proliferative vitreoretinopathy Aug 2011. in the rabbit cell injection model. Curr Eye Res. 1984 Apr;3(4):619-23. 17. Chandler DB, Rozakis G, de Juan E Jr, Machemer R. Prémio MSDChibret SPO 2011 exequo The effect of triamcinolone acetonide on a refined expe- Nenhum dos Autores tem interesses comerciais nos medicamentos discu- rimental model of proliferative vitreoretinopathy.Am J tidos neste artigo. Ophthalmol. 1985 Jun 15;99(6):686-90. 18. Araiz Iribarren J. Triamcinolona Intravítrea. Arch Soc Esp Oft 2004 Dec;79(12):583-5. CONTACTO 19. Ober MD, Barile GR, Tari SR, Tosi GM, Schiff Ana Travassos WM, Chang S. Measurement of the actual dose of trian- Centro Cirúrgico de Coimbra cinolone acetonide delivered by common techniques Coimbra, Portugal of intravitreal injection. AM L Ophthalm 2006;142: 936367170 597-600. [email protected]

374 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Oftalmologia - Vol. 36: pp.377-386

Artigo Original Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome

Inês R Gante2,3, Mariana Almeida1,3, Miguel Ribeiro1, Dalila Salomé Coelho1, Lígia Gomes Cardoso1, Eduardo D. Silva1,2 1Centro de Responsabilidade de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra 2Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra 3The authors contributed equally to this paper (first authorship)

Abstract

Introduction: Congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM) describes a group of rare congenital non-progressive, restrictive ophthalmoplegia of the extraocular muscles with or without ptosis. They are associated with abnormal development of all or part of the oculomotor (III) and the trochlear (IV) nerves and resultant aberrant innervations of extraocular muscles and/ or levator. Objective: To perform a complete phenotypical characterization of twelve affected Portugue- se individual, a genetic evaluation searching for the “hotspot” CFEOM mutations in KIF21A by direct sequencing (in nine patients of six independent families) and to establish a potential genotype-phenotype correlations. Methods: Clinical evaluation and mutation analyses of the KIF21A gene in twelve Portuguese patients with CFEOM. Results: Congenital fibrosis of the extraocular muscles was demonstrated in all cases. We iden- tified ten patients with CFEOM type 1 and two patients with probable CFEOM type 3.All patients have bilateral ptosis with a compensatory chin up head posture, 92% have amblyopia, 42% neural misdirection, 42% have associated systemic features (such as intellectual develop- ment delay in 25% and polydactyly in 8,3%). Most patients have ophthalmoplegia with the eyes fixed in infraducted position (with the inability to elevate the eyes above the vertical midline), horizontal strabismus with variable exotropia and jerky eye movements. Mutational analysis results are pending. Conclusions: We characterize, from a clinical and genetic standpoint, the first group of portu- guese families with CFEOM. In-depth knowledge of this group of conditions is invaluable for appropriate treatment and counseling of these patients.

Key-words CFEOM, extraocular muscles, KIF21A gene, oculomotor nerve, ophthalmoplegia, ptosis, stra- bismus, trochlear nerve.

Resumo

Introdução: Fibrose congénita dos músculos extra-oculares (FCMEO) constitui um grupo raro de patologias caracterizadas por oftalmoplegia congénita, não progressiva e restritiva dos mús- culos extra-oculares, com ou sem ptose palpebral. FCMEO está associada a desenvolvimento

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anormal da totalidade ou parte dos nervos óculo-motor (III) e troclear (IV) e da consequente inervação aberrante dos músculos extra-oculares e/ou músculo elevador palpebral. Objectivos: Realizar uma completa caracterização fenotípica de doze doentes Portugueses, realizar um estudo genético para os “hotspot” das mutações da FCMEO no gene KIF21A por sequenciação directa (em nove doentes de seis famílias independentes) e estabelecer potenciais correlações genótipo-fenótipo. Métodos: Avaliação clínica e análise mutacional do gene KIF21A em doze doentes portugueses com FCMEO. Resultados: Fibrose congénita dos músculos extra-oculares foi demonstrada em todos os ca- sos. Identificamos dez doentes com FCMEO do tipo 1 e dois doentes com provável FCMEO do tipo 3. Todos os doentes têm ptose bilateral com posição anómala da cabeça compensatória com o queixo levantado, 92% têm ambliopia, 42% têm inervação aberrante, 42% têm patologias sistémicas associadas (tais como atraso mental em 25% e polidactilia em 8,3%). A maioria dos doentes avaliados apresentam oftalmoplegia com os olhos fixos em infradução (sendo incapazes de elevar os olhos acima da linha média vertical), estrabismo horizontal com exotropia variável e movimentos oculares bruscos. Os resultados da análise mutacional estão pendentes. Conclusão: Caracterizamos, de um ponto de vista clínico e genético, o primeiro grupo de famí- lias portuguesas com FCMEO. Um conhecimento profundo deste grupo de patologias é inesti- mável para o adequado tratamento e aconselhamento destes doentes.

Introduction positions and by moving their heads rather than their eyes to track objects. [8. Andrews 2006]. Congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM) CFEOM affects part or all of the oculomotor nucleus is a rare congenital incomitant strabismus syndrome that is and nerve (cranial nerve III) and its innervated muscles (su- included in the congenital cranial dysinnervation disorders perior, medial and inferior recti, inferior oblique and levator (CCDDs). palpabrae superioris) and/or the trochlear nucleus and nerve CCDDs are due to developmental abnormalities of the (cranial nerve IV) and its innervated muscle (superior obli- cranial nerves and its nuclei. They are characterized by ab- que). Magnetic resonance imaging suggests that the abdu- normal eye, eyelid, and/or facial movement and includes cens nerve and innervated muscle (the lateral rectus) may CFEOM, Duane retraction syndrome, congenital ptosis, also be affected, as well as the optic nerve [Demer et al horizontal gaze palsy with progressive scoliosis, Möebius 2005]. Neuropathology, neuroimaging and genetic studies syndrome [Gutowski, 2003] and synergistic divergence2. nowadays have clarified that myopathic changes are secon- CFEOM includes four strabismus syndromes: Con- dary to aberrant innervation of the extraocular muscles. (10. genital Fibrosis of the Extraocular Muscles 1 (CFEOM Engle 2006) Usually, CFEOM patients show normal cogni- 1), Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles 2 tive and physical development; However, there are many (CFEOM2), Congenital Fibrosis of the Extraocular Mus- cases with delayed psycho-motor development and central cles 3 (CFEOM3) and Tukel Syndrome [Doherty et al 1999, nervous system malformations [11. Moguel-Ancheita, 12. Nakano et al 2001, Yamada et al 2003, Aubourg et al 2005, Pieh et al 2003, 13.Harissi-Dagher et al 2004]. Tukel et al 2005]. CFEOM1 is the “classic” and most common form of Overall, CFEOM is characterized by congenital non- CFEOM. It’s characterized by bilateral ptosis and ophthal- -progressive, restrictive ophthalmoplegia of the extraocular moplegia with the eyes fixed in an infraducted position and muscles with or without blepharoptosis [8. Andrews et al with the inability to elevate the eyes above the horizontal 2006]. In general, affected individuals have severe limita- midline. [14. [Engle et al., 1997] Patients characteristically tion of vertical gaze and variable limitation of horizontal assume a compensatory “chin up” head posture. (15. Hei- gaze. Individuals with CFEOM frequently compensate dary 2008). There is a heterogeneous involvement of the for the ophthalmoplegia by maintaining abnormal head horizontal extraocular muscles (16. (Reck et al., 1998)] and

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horizontal strabismus may be present with an increased in- CFEOM2 is characterized by congenital non-progres- cidence of exotropia [17-19 (Apt and Axelrod, 1978; Har- sive bilateral ptosis (of variable severity) and a partially or ley et al., 1978; Crawford, 1970). Strabismic and depriva- completely fixed large angle exotropia (rarely fixed in an or- tional amblyopia are frequent consequences. [[17-19 (Apt thotropic position). Vertical and horizontal eye movements and Axelrod, 1978; Harley et al., 1978; Crawford, 1970)]. are severely restricted. Patients characteristically undertake Aberrant eye movements are common (especially both eyes compensatory strategies such as a “chin up” posture or ma- turning inward on attempted upgaze and synkinetic eye nual lid elevation to fixate on objects. There is phenotypic movements including synergistic divergence). [16. (Reck et heterogeneity about the vertical misalignment (30. Bosley et al., 1998)], 18. Harley, 19. Crawford, 20. Brodsky]. Mar- al 2006). Several patients had anomalous eye movements, cus Gunn jaw-winking have been observed (21. Yamada et such as mild vertical movements of an eye during abduction, al., 2005; 22. Yazdani and Traboulsi, 2004; 20. Brodsky, convergence or blinking; abduction of an eye on attempted 1998; 18. Harley et al., 1978). Forced duction test is posi- down gaze; and globe retraction. (30. Bosley et al 2006). Of- tive for restriction. Autopsy and MRI demonstrated: absent ten, pupils are small and pupillary light and near reflexes are or severely hypoplastic superior division of the oculomo- not presents; however, pupils are reactive to topical pharma- tor nerve; abnormality of the caudal alpha motor neurons cological stimulation (30. Bosley et al 2006, 31. Yazdani et of the oculomotor nucleus; hypoplasia of the oculomotor al 2003 ; 32. Wang 1998 ). Amblyopia from both deprivation nerve as it exited in the brain stem and replacement of the and strabismus are features of this disease. (31. Yazdani et normal superior rectus muscle and levator palpebrae supe- al 2003). Forced ductions test is positive for restriction. Au- rioris with atrophic, fibrotic tissue. [14. Engle et al, 1997, topsy, surgery and MRI demonstrated: anatomically absent 9. Demer et al. 2005] There are absent or hypoplastic motor cranial nerves III and IV; extraocular muscles innervated nerves to all of the extraocular muscles, further supporting by both cranial nerve III (i.e. levator palpebrae superioris, aberrant innervations as an underlying pathological process superior rectus, inferior rectus, medial rectus, inferior obli- in CFEOM (. [14. Engle et al, 1997, 9. Demer et al. 2005, que) and cranial nerve IV (superior oblique) were atrophic, 15. Heidary 2008] tight and thin or absent (30. Bosley et al 2006). Associated CFEOM1 is inherited in an autosomal dominant man- systemic abnormalities have not been reported in genetically ner with complete penetrance. A patient with CFEOM1 defined CFEOM2 patients. (30. Bosley et al 2006). may have inherited the disease-causing mutation or have CFEOM2 is inherited in an autosomal recessive manner a de novo gene mutation. The gene is on FEOM1 locus on with complete penetrance. CFEOM2 has been found, to date, chromosome 12cen [23. Engle et al, 1994]. KIF21A muta- only in consanguineous pedigrees (1. Gutowksi et al., 2003). tions are associated with most familial cases of CFEOM1 The gene for CFEOM has been mapped to the FEOM2 locus that map to FEOM1 locus and with most simplex cases of on chromosome 11q13 (32. Wang 1998). PHOX2A (ARIX) CFEOM1. (24. Yamada et al. 2003;25. Tiab et al 2004, 26. is the only gene known to be associated with the CFEOM2 Traboulsi & Engle 2004, 27. Lin et al 2005, 28. Shimizu phenotype [4. Nakano et al 2001]. To date, four homozygous et al 2005, 21. Yamada et al 2005].] Direct sequencing of mutations have been identified: two splice site mutations, exons 8, 20, and 21 of the KIF21A gene, which contain one missense mutation, and one nonsense mutation [4. Naka- all mutations identified to date, detects missense mutations no et al 2001, 31. Yazdani et al 2003]. CFEOM2-causing in 97% of individuals with the CFEOM1 phenotype. [8. mutations in PHOX2A all likely result in complete loss of Andrews 2006] The KIF21A gene encodes a kinesin mi- function of paired mesoderm homeobox protein 2A. There crotubule-associated motor protein that is associated with is no correlation between specific PHOX2A mutations and anterograde organelle transport in neuronal cells. (29. Mar- the CFEOM2 phenotoype. [4. Nakano et al 2001,30. Bosley szalek et al., 1999). Seven different heterozygous missense et al 2006]. PHOX2A is a homeodomain transcription fac- mutations in three of the 38 exons of KIF21A have been tor protein that plays a primary role in the oculomotor and identified in individuals with CFEOM1. [23. Yamada et al trochlear alpha motor neuron development (in mice and ze- 2003, Ali et al 2004, 25. Tiab et al 2004,27. Lin et al 2005, brafish) and is involved in the determination of the noradre- 28. Shimizu et al 2005] Mutations may affect structural nergic neuronal phenotype. [33. Pattyn et al 1997, 34. Guo et morphology of the protein, thereby limiting its function [10. al 1999]. The findings from animal models provide support Engle,2006) It is suggested that KIF21A protein in humans that CFEOM2 results from aberrant development of the ocu- is essential for delivery of cargo necessary for oculomotor lomotor and trochlear alpha motor nuclei and absent innerva- axonal, extraocular muscle or neuromuscular junction de- tion of the extraocular muscles by cranial nerves III and IV. velopment [24.Yamada et al 2003]. [4. Nakano et al 2001, 15. G. Heidary et al., 2008]

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CFEOM3 is characterized by a variable phenotypic pre- lid position, ocular alignment, ocular motility and were eva- sentation in which the individual does not meet the clinical luated for associated systemic features. [Table 1] criteria for classic CFEOM1 or CFEOM2 (1. Gutowksi et al., 2003). Affected individuals may have bilateral or uni- Table 1 | Clinical assessment protocol lateral disease. Congenital non-progressive unilateral or bi- 11. Alignment with abnormal 1. Age lateral ptosis may be present. The vertical eye movements head posture have variable restriction with presence or absence of upga- 2. Preliminary diagnosis 12. Ocular motility ze above the midline; the horizontal eye movements can be normal to severely restricted. The patient may be orthotro- 3. Cycloplegic refraction 13. Globe retraction pic in primary position, and will adopt compensatory head 4. Best corrected visual 14. Aberrant movement postures depending upon the severity of the clinical pheno- acuity type. (6. Aubourg et al., 2005; 35. Mackey et al., 2002; 3. 5. Pupils (size/shape and 15. Nystagmus Doherty et al., 1999). Forced ductions test is positive for reaction to light/near) restriction. Aberrant eye movements may be present and 16. Quality of eye movement 6. Anterior segment exam the pupils are normal. (3. Doherty et al., 1999 (smooth/jerky) CFEOM3 is inherited in an autosomal dominant man- ner with incomplete penetrance and variable expressivity. 7. Fundus exam 17. Bell’s phenomenon According new researches the genetic basis of CFEOM 8. Head Posture 18. Forced duction test consists in two mutations: in the TUBB3 (gene encoding 9. Ptosis measurements 19. Inheritance component of microtubules, a neuronal specific tubulin) 10. Primary position (CFEOM3A) (36. Tischfield 2010) and rarely KIF21A 20. Other associated features alignment (CFEOM3B) (37. Yamada 2004). CFEOM due to TUBB3 mutations can be associated with intellectual and behavio- ral impairments, facial paralysis, and/or later-onset axo- Blood samples were collected from nine representative nal sensorimotor polyneuropathy. (36. Tischfield 2010) A patients followed at University Hospital of Coimbra. CFEOM3C variant has been recognized in 3 generations of All affected individuals and family members gave writ- a single family, where all affected members carry a chro- ten informed consent in accordance with institutional gui- mosomal translocation t(2;13)(q37.3;q12.11). (6. Aubourg delines defined by the ethics committee of the University et al., 2005). Hospital of Coimbra. All research procedures were in ac- Tukel syndrome (or CFEOM-U) is a congenital fibrosis cordance with the Declaration of Helsinki. of extraocular muscles with ulnar hand anomalies (posta- xial oligodactyly/oligosyndactyly of the hands). It affects Mutation Analysis primarily the right eye and right hand. It appears to be very Blood samples were collected from probands, and geno- rare (only in one large Turkish family). The inheritance is mic DNA was extracted using an automated DNA extractor autosomal recessive and the locus was mapped to a 1.5-Mb (BioRobot EZ1, Qiagen, Hilden, Germany). region on the chromosome 21qter. (7. Tukel et al., 2005). Mutation detection was conducted by PCR amplification of exons 8, 20, and 21 of the KIF21A gene and flanking intron- -exon boundaries from genomic DNA of each proband in the Methods six families (nine patients). The analysed exons of the KIF21A gene were PCR-amplified using previously described primers Patient and Pedigree Collection and conditions by the research group at Children’s Hospital All probands (fig. 1) were examined and met the diag- Boston Center for Strabismus Research Boston, USA. nostic criteria for Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles [8. Andrews et al 2006]. The probands and their family members were also cli- Results nically examined according to ophthalmological data col- lection form from Children’s Hospital Boston Center for We identified three CFEOM1 pedigrees (families A, B Strabismus Research (38). Thus they underwent complete and E), three sporadic CFEOM1 individuals (from families ophthalmic examination of visual acuity, refraction status D, F and G) and two probable sporadic CFEOM3 indivi- and general ocular examination, anomalous head posture, duals (from families C and H). (fig. 1)

380 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome

Fig. 1 | Pedigrees of families with congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM).Arrows indicate the proband in each family.

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The findings in families A, B, D, E, F, G (table II and derive from a nucleotide missense change (2860G>A and III) are consistent with CFEOM type 1 phenotype. All pa- 2861C>T) affecting codon 954, and causing a non-conser- tients have bilateral ptosis with a compensatory chin up ved substitution of the arginine by another aminoacid, glu- head posture. And all patients have congenital non-pro- tamine and tryptophan, respectively. This non-conserved gressive ophthalmoplegia with the eyes fixed in a infra- aminoacid change is known to structurally and functionally ducted position (except family B and patient E.IV.1 that affect the coiled-coil region, thus influencing the protein’s have an orthophoric primary position alignment) with the normal function. inability to elevate the eyes above the vertical midline. There is a heterogeneous involvement of the horizontal extraocular muscles (most patients have horizontal eye Discussion movements but patients A IV.3, A IV.6 and G II.1 have involvement of the horizontal extraocular muscles). The CFEOM is a very rare, congenital and non progressive most patients have horizontal strabismus with variable disorder with multiple extra ocular muscles restrictions. The exotropia and jerky eye movements. All patients have diagnosis and classification of CFEOM is defined by clinical amblyopia (with a best corrected visual acuity varying characteristics and genetics. We have ten patients with the between OU: 0,4 and OU:0,9). Four patients (A IV.3, A diagnosis of CFEOM type 1 and two patients with the pro- IV.6, D II.1 and G II.1) have aberrant eye movements. bable diagnosis of CFEOM type 3. Due to the overlap in the Nystagmus is common (four in ten patients). No patient clinical features between different CFEOM groups, genetic have globe retraction. These patients’ inheritance is au- evaluation is important to confirm the diagnosis. tosomal dominant (with complete penetrance) in the fa- Numerous ocular and systemic associations have been milies A, B and E or unknown (de novo gene mutation?) described in patients with CFEOM: refractive errors and am- in the families D, F and G. It is expectable that mutation blyopia, neural misdirection, optic nerve dysplasia or hypo- analyses find mutations of the KIF21A gene (in the exons plasia, chorioretinal coloboma, Marcus Gunn jaw-winking 8, 20 or 21). phenomenon, other cranial nerve anormalies (V and VII), The patients C II.1 and H IV.1 (table II and III) have an facial dysmorphism and neurodevelopmental defects. unknown inheritance and due to their atypical phenotype, We found amblyopia in eleven patients (91,7%), neural they fit the criteria of CFEOM3. misdirection in five patients (41,7%) intellectual and motor Patient C II.1 has multiple systemic features, including development delay in three patients (25%), blepharophimo- intellectual and motor development delay, low implantation sis and epicantus in one patient (8,3%), polydactyly, low im- ears, polydactyly (of the right foot) and cryptorchidism. He plantation of ears and unilateral cryptorchidism in one patient has a marked chin up, head tilt to the left shoulder postu- (8,3%), dermoid cyst, left ventricular hypertrophy and ante- re, with marked and bilateral ptosis and severe amblyopia. roseptal myocardial ischemia in one patient (8,3%). Seven About the alignment, the right eye has variable exotropia patients (58,3%) have no systemic associated features. and the left eye has a hypotropic and exotropic position. In individuals with CFEOM1 seven different hete- There is no elevation above vertical midline. rozygous missense mutations in three of the 38 exons of Patient H IV.1 has bilateral aberrant innervations of the KIF21A gene have been identified; in individuals with the levator palpebrae superioris (jow-wink-like), modera- CFEOM2 four homozygous mutations of PHOX2A have ted chin up and an orthophoric primary position alignment. been identified. Individuals with CFEOM3 phenotype are There is no amblyopia. There is no elevation above vertical genetically heterogeneous: in individuals with CFEOM3A midline and adducts only to horizontal midline. There is sy- eight different heterozygous mutations in the TUBB3 gene nergistic divergence. have been identified, in individuals with CFEOM3B an Five patients (42%) have associated systemic features. heterozygous mutation in the KIF21A gene, in individuals Three patients (C II.1, D II.1 and F II.1) [25%] have intel- with CFEOM3C a translocation t(2;13)(q37.3;q12.11). lectual development delay. The genetic evaluation always begins searching for the “hotspot” CFEOM mutations in KIF21A by PCR amplifi- Mutational analysis of the KIF21A gene cation followed by direct sequencing of exons 8, 20, and 21 The initial screening of exons 8, 20 and 21 of the KI- of the KIF21A gene and flanking intron-exon boundaries F21A gene allowed the identification of two indepen- from genomic DNA. However, recent studies reveal that al- dent, previously reported, mutations in the well known though KIF21A is the only gene associated with CFEOM1 mutational hotspots of the KIF21A gene. Both mutations to date, up to 40% of sporadic CFEOM1 cases do not

382 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome

Table II | Clinical features and basic eye exam.

Patient Age Inheritance Systemic features BCVA C. Refraction Pupils ASE Fundus C/D 0,5 RE N.A. Amyloid C/D 1,0 LE A III.6 55 AD FAP, glaucoma, arrhythmia OU: 0,5 (no spectacle PERRLA deposits Droop out correction) NFL N.A. A III.7 50 AD None OU: 06 (no spectacle PERRLA Normal Normal correction) Renal cyst (in the right kidney); OD: +2,5 +0,5x90 A I V.3 9 AD OU: 0,5 PERRLA Normal Normal Blepharophimosis and epicanthus OS: +1,25 OD: 0,0 A I V.6 22 AD None OU: 0,4 PERRLA Normal Normal OS: 0,0 OD: 0,0 B II.2 32 AD None OU: 0,6 PERRLA Normal Normal OS: 0,0 OD: +1,00 B III.1 7 AD None OU: 0,6 PERRLA Normal Normal OS: + 1,00 Intellectual and motor development delay, low N.A. (difficult C II.1 6 Unknown implantation ears, polydactyly OU: 0,1 assessment due to PERRLA Normal Normal of the right foot, cryptorchidism photophobia) (unilateral) OD: +1,5 x 100; D II.1 5 Unknown Intellectual development delay OU: 0,5 PERRLA Normal Normal OS: +1,5x80 OD: 0,0 E I V.1 5 AD None OU: 0,5 PERRLA Normal Normal OS: 0,0 Intellectual development delay, hyperactivity, dermoid cyst on OD: - 8,00 +1,00x80; F II.1 14 Unknown the eyebrow, left ventricular OU: 0,5 PERRLA Normal Normal OS: -7,00 + 1,00x75 hypertrophy and anteroseptal myocardial ischemia OD: +4,5 G II.1 10 Unknown None OU: 0,9 PERRLA Normal Normal OS: +5,0 H I V.1 8 Unknown None OU: 1,0 N.A. PERRLA Normal Normal

Legend: AD - Autosomal Dominant; AR – Autosomal Recessive; ASE - Anterior segment exam; BCVA – Best corrected visual acuity; C. Refraction – Cycloplegic refraction; FAP - Familial Amyloid Poly- neuropathy; N.A. – Not available; NFL – Nerve fiber layer; OU – Both eyes; OD - Right eye; OS- Left eye; PERRLA - Pupils equal, round, reactive to light and accommodation. have identifiable mutations in KIF21A (39) and a study of 3. To assess the impact of different mutations in the CFEOM1 patients from consanguineous Saudi Arabian fa- clinical severity; milies confirmed the lack of KIF21A mutations, evidencing 4. To plan the best timing for surgical intervention; a recessive form of CFEOM1 (40). These studies confirm 5. Appropriate genetic counseling and prenatal the genetic heterogeneity of the CFEOM1 clinical pheno- diagnosis. type and how it is particularly useful for appropriate genetic The surgical correction of strabismus and ptosis in counseling of sporadic KIF21A-negative patients. CFEOM is challenging. Strabismus surgery is always at- In the Portuguese patients, two previously reported KI- tempted before ptosis correction. The expectations of stra- F21A mutations (in the three “hotspots”) were identified. bismus surgery should be realistic and parents and patient However, due to the geographic isolation and genetic uni- should be well informed about these expectations. queness of our population and the relatively high consan- Presently, it is possible to provide genetic testing and guinity level is possible that we will identify new mutations counseling for affected individuals. The recent findings and/or find KIF21A-negative patients. about physiopathology and genetics of CFEOM may lead The results of genetic evaluation are important for: to improved care for affected individuals because the more 1. Confirmation of the diagnosis; the specific disorders are understood, the easier it will be to 2. Clarification of genotype-phenotype correlations; develop targeted therapies for these disorders.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 383 Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva

Table III | Ocular motility and eyelid functional assessment

Primary Quality Head Alignment Aberrant Patient Ptosis position Ocular motility GR Nystagmus of eye Posture with AHP movement alignment movement No elevation; unable Hypotropic Marked Bilateral and Exotropia to reach vertical A III.6 position No No Yes Jerky chin up marked in downgaze midline. Horizontal (infraducted) eye movements. No elevation; unable Hypotropic Marked Bilateral and Exotropia in to reach vertical A III.7 position No No Yes Jerky chin up marked downgaze midline. Horizontal (infraducted) eye movements. No elevation. Esotropic and Yes Marked Bilateral and Abducts only to A I V.3 hypotropic Esotropia No (synergistic Yes Jerky chin up marked horizontal midline position convergence) but not beyond. No elevation, neither adduction, neither abduction. In Hypotropic attempted downgaze - Hypotropic position; large angle exotropia; Marked Bilateral and A I V.6 position Alternate In attempted No Yes No Jerky chin up marked (infraducted) fixation with supraduction – OD/OS. variable esotropia; In attempted levo- dextroversion – small angle esotropia. Smooth Bilateral but (except on Moderated No elevation above B II.2 asymmetric; Orthophoric Orthophoric No No No attempted chin up vertical midline moderated elevation: jerky) Smooth Bilateral but (except on Moderated No elevation above B III.1 asymmetric; Orthophoric Orthophoric No No No attempted chin up vertical midline moderated elevation: jerky) Marked OD: Variable OS: chin up, exotropia Bilateral and hypotropic No elevation above C II.1 head tilt OS: hypotropic No No Yes Jerky marked position vertical midline to the left and exotropic (variable) shoulder position OU: Variable Smooth exotropia. Orthophoric Yes Small chin Bilateral, No elevation above (rapid D II.1 OD: Hypotropic – exotropia No (synergistic No up position moderated vertical midline saccades and exotropic variable divergence) induce jerk) position Orthophoric Marked Bilateral and – variable No elevation above E I V.1 Orthophoric No No No Jerky chin up marked exotropia, vertical midline intermittent Marked Bilateral and Hypotropic No elevation above F II.1 Orthophoric No No Yes Jerky chin up moderated position vertical midline No elevation above vertical midline. On Bilateral but Moderate Hypotropic attempted adduction Upshoots and G II.1 asymmetric; Orthophoric No No Jerky chin up position – upshoot; on downshoots moderated attempted abduction – downshoot Adducts only to Bilateral horizontal midline Yes Smooth; Moderated aberrant Variable H I V.1 Orthophoria but not beyond. No No (synergistic No occasionally chin up innervation exotropia elevation above divergence) jerky jaw-wink-like vertical midline.

Legend: AHP – Abnormal Head Posture; GR – Globe retraction; OU – Both eyes; OD – Right eye; OS – Left eye.

384 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome

Table IV | Mutational analysis of the KIF21A gene

Patient Clinical phenotype Mode of inheritance Sequence Exon Aminoacid A III.6 CFEOM1 AD Pending Pending Pending A III.7 CFEOM1 AD Pending Pending Pending A I V.6 CFEOM1 AD Pending Pending Pending B II.2 CFEOM1 AD 2861G>A 21 R954Q B III.1 CFEOM1 AD 2861G>A 21 R954Q C II.1 CFEOM3 Unknown Pending Pending Pending D II.1 CFEOM1 Unknown 2860C>T 21 R954W E I V.1 CFEOM1 AD 2860C>T 21 R954W F II.1 CFEOM1 Unknown Pending Pending Pending

KIF21A Mutational analysis: Preliminary results. Three previously reported mutations were identified in the tested patients.

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Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 385 Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva

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386 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.387-392

Artigo Original Multifocalidade - Seleccionar para Resultar

João Paulo Cunha1, Arnaldo Santos2, Joana Ferreira2, Duarte Amado3, Margarida Marques1 1Assistente Hospitalar Graduado 2Interno do Internato Complementar 3Assistente Hospitalar Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central

RESUMO

Introdução: Várias têm sido as tentativas de reduzir ao máximo a necessidade do uso de ócu- los sem prejudicar a qualidade visual. Foram propostas várias alternativas, desde a monovisão, com lentes monofocais, ao “mix & match” com lentes multifocais. A lente intra-ocular (LIO) TECNIS® Multifocal one foi desenvolvida para satisfazer as necessidades dos doentes com cata- rata e maior necessidade de visão ao perto do que visão intermédia, sem astigmatismos cornea- nos consideráveis. Objectivo: Avaliar a eficácia da lente TECNIS® Multifocal one como uma opção na cirurgia de catarata e identificar as causas da não total satisfação dos doentes implantados. População/Métodos: Os autores realizaram um estudo prospectivo em 27 olhos de 15 doentes, que foram submetidos a cirurgia de catarata (facoemulsificação com implante de LIO TECNIS® Multifocal one). Avaliaram a acuidade visual para perto (30 cm), longe (5 metros), assim como o grau de satisfação e as possíveis causas de insatisfação destes mesmos doentes. Resultados: Os doentes apresentavam acuidades visuais para longe não corrigidas superiores a 20/30, nos 1º e 3º meses de pós-operatório, com um equivalente esférico entre 0 e 0,75 dioptrias, e acuidades visuais para perto de J1 a J3. O grau de satisfação quanto à independência de óculos foi estatisticamente significativo e as causas de não total satisfação identificadas foram astigma- tismos finais de 1 dioptria e a não total independência de óculos para situações como leituras prolongadas e visualização de ecrãs. Conclusões: A LIO TECNIS® Multifocal one é mais uma excelente opção na cirurgia refractiva de catarata, permitindo uma boa visão para longe e perto sem correcção óptica, traduzindo-se num elevado grau de satisfação por parte dos doentes.

Palavras-chave Lente intra-ocular, multifocal, facoemulsificação, selecção, satisfação.

ABSTRACT

Introduction: Several attempts have been made to minimize the need to wear glasses without compromising visual quality. Several alternatives have been proposed like monovision with monofocal lenses or “mix & match” and “custom and match” with multifocal lenses. The in- traocular lens (IOL) TECNIS® Multifocal one was developed to meet the needs of patients with cataracts and a greater need for near vision than intermediate vision, without significant corneal astigmatism.

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Objective: To evaluate the effectiveness of the TECNIS® Multifocal lens one as an option in cata- ract surgery to identify the causes of non-complete satisfaction in implanted patients. Population/Methods: The authors conducted a prospective study of 27 eyes of 15 patients who underwent cataract surgery (phacoemulsification with IOL implantation TECNIS® Multifocal one). We evaluated the visual acuity for near (12 inches), for distance away (5 meters), stereopsis, the degree of satisfaction and the possible causes of patient’s dissatisfaction. Results: Patients had uncorrected visual acuity for distance of more than 20/30 in 1 and 3 months postoperatively, with a spherical equivalent between 0 and 0.75 diopters. The visual acuity for near was J1 to J3. Concerning the independence of glasses, the degree of satisfaction was statistically significant and the identified causes of non-total satisfaction were final astigmatisms of 1 diopter and incomplete independence of glasses for situations such as prolonged reading and viewing screens. Conclusions: The TECNIS® Multifocal IOL one is another excellent option in refractive cataract surgery, allowing a good vision for distance and near without corrective lenses, resulting in a high degree of patients’ satisfaction.

Key-words Intraocular lens, multifocal, phacoemulsification, selection, satisfaction.

INTRODUÇÃO podem e devem ser incluídas nos factores de exclusão para implantação deste tipo de lentes nesses doentes. As lentes intraoculares (LIO) multifocais surgiram da O nosso estudo pretende avaliar a eficácia da lenteTEC - necessidade de satisfazer de forma mais ampla as exigên- NIS® Multifocal one como uma opção na cirurgia de cata- cias visuais dos doentes pseudofáquicos. Apesar das várias rata e identificar as causas de ausência de plena satisfação opções de lentes multifocais o objectivo final é comum – a dos doentes implantados. maior independência de óculos para a realização das tarefas visuais diárias de cada indivíduo. Na tentativa de alcançar uma boa função visual para per- POPULAÇÃO E MÉTODOS to, para longe e para distância intermédia foram propostas várias hipóteses, que pelo menos teoricamente, originariam Os autores realizaram um estudo prospectivo, de Julho a visão plena (“full vision”). Assim, foram sendo propos- de 2010 a Julho de 2011, em que incluíram 27 olhos de 15 tas técnicas de implantação como: o “Mix & Match” (mis- doentes submetidos a cirurgia de catarata (facoemulsifica- turar -“mix”- dois tipos de lente no mesmo doente, num ção com implante de LIO multifocal difractiva asférica de olho uma lente refractiva e no outro uma lente difractiva); peça única - TECNIS® Multifocal one) em duas instituições o “Custom Match” (com implantação bilateral semelhante (Centro Hospitalar de Lisboa Central e Clínica de Santo privilegiando as principais necessidades de cada doente – António). perto versus distância intermédia); a monovisão (com len- Foram registados os seguintes dados: idade, sexo, que- tes monofocais, em que o olho dominante focaria para lon- ratometria, comprimento axial, potência das lentes implan- ge e o olho não-dominante focaria a distância intermédia). tadas, acuidades visuais e estereoacuidade para perto e para A lente intra-ocular (LIO) TECNIS® Multifocal one longe, refracção manifesta, biomicroscopia, fundoscopia, foi desenvolvida para satisfazer as necessidades dos doen- queixas subjectivas/ causas de insatisfação. tes com catarata e maior necessidade de visão ao perto do que visão intermédia, sem astigmatismos corneanos Metodologia pré-cirúrgica: Determinação da LIO consideráveis. Para determinação da potência da LIO, realizou-se que- A satisfação subjectiva dos doentes nem sempre corres- ratometria automática e refracção pré-operatória para ava- ponde aos resultados objectivos, pelo que se torna cada vez liação de astigmatismo corneano. A biometria de contacto mais importante identificar as causas de insatisfação que foi o método disponibilizado para calcular o comprimento

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axial do globo ocular. Para o cálculo da potência dióptri- “Platinun” e do “cartridge MPEC30”. Após a implantação ca da LIO (com fórmulas de cálculo de LIO de 3ª geração centrada da LIO, procedeu à aspiração do material viscoe- - preferencialmente SRK-T) utilizaram-se os valores dos lástico, encerramento das feridas operatórias através da hi- dois meridianos corneanos, tendo em conta a localização da dratação dos bordos das mesmas e injecção intracamerular incisão menos astigmatogénica ou mais correctora do astig- de antibiótico. matismo que se pretende anular ou reduzir. Metodologia pós-cirúrgica: Metodologia cirúrgica: Determinação de acuidades visuais e identificação Incisões e implantação das LIOs de causas de insatisfação As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião Avaliaram a acuidade visual para perto (30 cm), longe (JPC) que, previamente a cada cirurgia, marcava os eixos (5 metros), a estereopsia, assim como o grau de satisfação de 0º e 180º na lâmpada de fenda com o doente em posição e as possíveis causas de insatisfação destes mesmos doen- sentada (com caneta dermográfica), devido à ciclotorsão tes. As causas de insatisfação que pesquisámos incluíram as ocular induzida pela posição de supino (figura 1). queixas visuais subjectivas (visão desfocada/enevoada, dis- fotopsias, necessidade de correcção óptica), as ametropias residuais (esfera e cilindro), a observação no biomicroscó- pio para identificar diâmetros pupilares aumentados, LIO descentradas, opacidades capsulares, opacidades vítreas ou olho seco. Para o estudo da acuidade visual para perto utilizámos a tabela de Jaegger. Pede-se ao doente que coloque o livro posicionado entre 30 e 40 cm dos olhos, perpendicular ao eixo visual com uma luminância de 400 lux. Os resultados destas acuidades visuais são dadas em escala de Jaegger e podem variar entre J1 e J10 e quanto menor for o valor numérico, maior é a acuidade visual. Para a avaliação da acuidade visual para longe (5 metros) foi utilizada a escala de Snellen, com valores da acuidade visual (AV) em es- cala decimal. Estes valores foram convertidos para escala logMAR para análise estatística dos resultados. Ambos os testes foram realizados sem o emprego de qualquer tipo de correcção óptica dado que a implantação de LIOs multifo- cais tem como objectivo a independência de óculos para longe e para perto. Foi realizado também o estudo refracti- vo objectivo para cálculo de esfera e cilindro residual aos 1, 3 e 12 meses. Para o estudo da estereopsia para perto utilizámos o Titmus Stereo Test (Stereo Optical Co.), composto por um livro de duas faces, com figuras projectadas em duplicidade e com uma disparidade horizontal entre si. Com o uso de Fig. 1 | Marcação de eixos em posição sentada com marcador. óculos polarizados e o livro posicionado entre 30 e 40 cm dos olhos, cada doente indicou as figuras que observou em “relevo”, medindo a disparidade em segundos de arco (”), Sob anestesia tópica, realizou incisão corneana de 2,75 que pode variar entre 3000” e 40” e quanto menor for o mm, personalizada de acordo com o astigmatismo cornea- valor numérico em segundos de arco, maior é a acuidade no pré-operatório de cada olho (sempre que possível reali- estereoscópica. Para longe, considerámos a estereopsia po- zou incisões temporais - 90º a 180º), capsulotomia circular sitiva quando o indivíduo observava através de óculos pola- centrada de 5,5 mm (aproximadamente), facoemulsifica- rizados duas imagens diferentes mas complementares como ção da catarata técnica de “divide and conquer fast-crack” uma imagem única, coerente e tridimensional, projectada a e colocação da LIO no saco capsular através do injector 6 metros pelo vectograf 9400 (figura 2).

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respectivamente) com desvio padrão de 5,80. Os compri- mentos axiais médios foram de 22,55 ± 0,59 mm e potência dióptrica das lentes de 22,09 ± 1,92 dioptrias (D) (tabela 1). Os doentes foram observados com um follow-up médio de 4,6 meses (1-12 meses). Nas observações pós-operató- rias registámos acuidades visuais para longe sem correcção unilaterais superiores a 20/30, sendo a média de 20/25. As acuidades visuais para perto foram de J1 a J3, sempre que possível em binocularidade. A média da estereopsia para perto, nos 12 doentes com implantação bilateral foi de 70”, e para longe foi positiva em todos eles. Não realizámos o estudo da estereopsia nos três doentes com implantação Fig. 2 | Titmus Stereo Test (estereopsia de perto), slide para pro- unilateral. jector vectográfico 9400. Os estudos refractivos revelaram equivalentes esféricos entre 0 e 0,75 dioptrias e o grau de satisfação quanto à in- Para a análise estatística foi utilizado o software Gra- dependência de óculos foi estatisticamente significativo p < phPad (Graphpad Prism® ver. 5.0; Graphpad Software Inc, 0,05 (p = 0,016). CA, Estados Unidos América). Os dados obtidos foram As causas de não total satisfação identificadas foram as- analisados através do teste t Student, comparadas médias tigmatismos finais de 1 dioptria (3 olhos de 3 doentes) e a e desvios padrão. Valores de p < 0,05 foram considerados não total independência de óculos para situações como lei- estatisticamente significativos. turas prolongadas e visualização de ecrãs (4 doentes). Em nenhum caso os doentes referiram espontaneamente disfo- topsias positivas (halos e glare) ou negativas (escotomas RESULTADOS temporais).

Dos 27 olhos operados no referido período, 24 corres- pondem a implantações bilaterais de 12 doentes e os restan- DISCUSSÃO tes 3 olhos aguardam implantação do 2º olho. A distribui- ção por género foi na razão de 3:12 (M:F) e a idade média O principal objectivo das LIO multifocais é possibilitar foi de 71,14 anos (idades mínima e máxima de 58 e 76 anos, pelo menos 2 pontos de focagem com boa função visual sem prejudicar algumas das suas características como a sen- Tabela 1 | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses) sibilidade ao contraste ou o aparecimento de disfotópsias. Ao longo da última década, a grande maioria dos es- Variáveis Valor tudos publicados demonstraram que as lentes multifocais Idade 71,14 ± 5,80 proporcionam melhor qualidade de vida que as LIO mono- 1-9 Sexo focais . No entanto, outros referem várias causas de insa- tisfação como acuidade visual insatisfatória para determi- Masculino 12 nadas distâncias10-11, maior frequência de disfotopsias em Feminino 3 comparação com as lentes monofocais12-13 e diminuição da 14-15 Comprimento axial (mm) 22,55 ± 0,59 sensibilidade ao contraste . A tentativa de alcançar boas acuidades visuais nas dife- Potência da LIO (D) 22,09 ± 1,92 rentes distâncias como o “Mix & Match” pode originar dis- AV para longe sem correcção paridade dos estímulos visuais de cada olho e consequen- Máximo 20/20 temente rivalidade binocular, em vez de correspondência ou fusão binocular. Por esta razão, e porque acreditamos Mínimo 20/30 ser preferível para os olhos, e sobretudo para o cérebro, a Média 20/25 harmonia visual, não propomos “Mix & Match” como uma 16-17 Insatisfação 4:15 boa solução para os nossos doentes . No nosso estudo, quando referimos 27 olhos de 15 Follow-up 4,6 (1-12) meses doentes, significa que apenas 3 doentes ainda não foram

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operados ao 2º olho, podendo estes melhorar a sua função Quality of vision, J Cataract Refract Surg. 2006; 32: visual, sobretudo para perto após a segunda intervenção. 1459-1463. E apesar dos 12 doentes implantados bilateralmente terem 3. Shoji N, Shimizu K, Binocular function of the patient resultados entre J1 e J3, quatro referem que preferem ter with the refractive multifocal intraocular lens, J Cataract óculos para leituras prolongadas. A capacidade de leitura Refract Surg. 2002; 28:1012–1017. depende não só de factores ópticos, mas também cerebrais, 4. Hayashi K, Hayashi H., Stereopsis in bilaterally pseu- pelo que existem estudos que mostram uma melhoria da ca- dophakic patients, JCataract Refract Surg. 2004; pacidade de leitura com lentes multifocais, mas esta pode 30(7):1466-70. diminuir quando o follow-up aumenta, sem qualquer rela- 5. Oliveira F, Silva LMP, Muccioli C, Soriano ES, Frei- ção com factores cirúrgicos18. tas LL, Belfort Jr R. Qualidade de vida de pacientes Não pudemos estudar os resultados relativamente a pseudofácicos submetidos à cirurgia de catarata com aberrações de alta ordem que tambem poderiam estar na implante de lente intra-ocular acomodativa, Arq Bras origem de alguma insatisfação, porque só dispomos de mé- Oftalmol. 2004; 67(3): 469-74. todos de estudo que analisam apenas as aberrações cornea- 6. Oliveira F, Muccioli C, Silva LM, Soriano ES, Souza nas e não as oculares totais, mas consideramos não ser de CE, Belfort R Jr., Contrast sensitivity and stereopsis in grande interesse dado os resultado de estudos em que não pseudophakic patients with multifocal intraocular lens, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas Arq Bras Oftalmol. 2005; 68(4): 439-443. em qualquer valor aberrometrico entre pacientes com LIO 7. Souza CE, Muccioli C, Soriano ES, Chalita MR, Oli- multifocais implantadas descentradas ou bem centradas19. veira F, Freitas LL, Meire LP, Tamaki C, Belfort R Os resultados objectivos do nosso estudo mostraram que Jr, Visual performance of acrysof ReSTOR apodized os doentes com lentes intra-oculares multifocais semelhan- diffractive IOL: a prospective comparative trial, Am J tes implantadas bilateralmente obtiveram acuidades visuais Ophthalmol. 2006 May; 141 (5): 827-832. para perto e para longe com erros refractivos até 1 dioptria 8. Schmidinger G, Geitzenauer W, Hahsle B, Klemen UM, de astigmatismo e 0,75 dioptrias de esfera. De acordo com Skorpik C, Pieh C. Depth of focus in eyes with diffrac- Hayashi e seus co-autores, as acuidades visuais diminuem tive bifocal and refractive multifocal intraocular lenses, para todas as distâncias quando os astigmatismos residuais J Cataract Refract Surg. 2006; 32: 1650-1656. são superiores a 1 dioptria, e diminuem tanto mais quanto 9. Blaylock JF, Si Z, Vickers C. Visual and refractive sta- maior for o astigmatismo. Pelo que para astigmatismos cor- tus at different focal distances after implantation of the neanos superiores a 1,5 D preferimos a implantação de LIO ReSTOR multifocal intraocular lens, J Cataract Refract multifocais tóricas20. Surg. 2006; 32: 1464-1473. Tanto o astigmatismo como o defeito esférico residual 10. Hutz WW, Eckhardt HB, Rohrig B, Grolmus R. Inter- constituem duas das principais causas de insatisfação ou mediate vision and reading speed with Array, Tecnis, visão enevoada dos doentes com LIO multifocais. Outras and ReSTOR intraocular lenses. J Refract Surg 2008; causas descritas incluem a opacificação da cápsula poste- 24:251–256. rior, o diâmetro pupilar aumentado e o descentramento da 11. Blaylock JF, Si Z, Vickers C. Visual and refractive sta- LIO21-22. Estes estudos mostraram também que a maioria tus at different focal distances after implantation of the das causas de insatisfação pode ser tratada com sucesso e ReSTOR multifocal intraocular lens. J Cataract Refract que a necessidade de explantação é rara. Surg 2006; 32:1464–1473. 12. Zhao G, Zhang J, Zhou Y, Hu L, Che C, Jiang N. Visual function after monocular implantation of apodized di- ffractive multifocal or single-piece monofocal intraocu- BIBLIOGRAFIA lar lens; randomized prospective comparison. J Cataract Refract Surg 2010; 36:282–285. 1. Javitt J, Brauweiler H-P, Jacobi KW, et al., Cataract ex- 13. Hofmann T, Zuberbuhler B, Cervino A, Montes-Mico traction with multifocal intraocular lens implantation: R, Haefliger E. Retinal straylight and complaint scores clinical, functional, and quality of- life outcomes; mul- 18 months after implantation of the AcrySof monofocal ticenter clinical trial in Germany and Austria, J Cataract and ReSTOR diffractive intraocular lenses. J Refract Refract Surg. 2000; 26:1356–1366. Surg 2009; 25:485–492. 2. Chiam PJT, Chan JH, Aggarwal RK, Kasaby S. ReS- 14. Montes-Mico R, Alio JL. Distance and near contrast TOR intraocular lens implantation in cataract surgery: sensitivity function after multifocal intraocular lens

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implantation. J Cataract Refract Surg 2003; 29:703–711. 20. Hayashi K, Manabe S, Yoshida M, Hayashi H. Effect of 15. Montes-Mico R, Espana E, Bueno I, Charman WN, Me- astigmatism on visual acuity in eyes with a diffractive nezo JL. Visual performance with multifocal intraocular multifocal intraocular lensJ Cataract Refract Surg 2010; lenses; mesopic contrast sensitivity under distance and 36:1323–1329. near conditions. Ophthalmology 2004; 111:85–96. 21. Vries N, Webers C, Touwslager W, Bauer N, Braban- 16. Arbisser LB. October Consultation 2. J Cataract Refract der J, Berendschot T, Nuijts R. Dissatisfaction after Surg. 2006; 32: 1595-1596. implantation of multifocal intraocular lenses. J Cataract 17. Cunha J, Ferreira J. Multifocalidade e Estereopsia, Re- Refarct Surg 2011; 37: 859-865. vista da SPO, Jul-Set 2010, Vol.34 (3): 465-469. 22. Woodward MA, Randleman JB, Stulting RD. Dissatis- 18. Alió J, Grabner G, Plaza-Puche A, Rasp M, Pinero D, faction after multifocal intraocular lens implantation. Seyeddain O, Rodríguez-Prats J, Ayala M, Hohensinn J Cataract Refract Surg 2009; 35; 992–927. M, Riha W, Dexl A. Postoperative bilateral reading per- formance with 4 intraocular lens models: Six-month re- sultsJ Cataract Refract Surg 2011; 37:842–852. Os autores não têm conflitos de interesse a declarar. 19. Gobbi PG, Fasce F, Bozza S, Calori G, Brancato R. Far and near visual acuity with multifocal intraocular lenses in an optomechanical eye model with imaging capabili- CONTACTO ty. J Cataract Refract Surg 2007; 33:1082–1094. [email protected]

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Artigo Original Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de Maleato de Timolol em Doentes Medicados com Prostaglandina nas Curvas de Pressão Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial nas 24 Horas

Pedro Barros1, Gabriel Morgado1, Paula Tenedório1, Joana Martins1, Josefina Serino1, Bruna Vieira1, João Neves Martins1 1MD Serviço Hospitalar onde foi realizada a investigação: Hospital Pedro Hispano, Matosinhos

Resumo

Introdução: Avaliar influência da aplicação matinal Vs nocturna de maleato de timolol em doentes medicados com prostaglandinas nas curvas de PIO dirunas e nos valores obtidos de monitorizações ambulatórias da pressão arterial (MAPA) Material e Métodos: Foram obtidas curvas de PIO (8:00 h às 20:00 h) e MAPA’s (24h) em 28 doentes com diagnóstico de GPAA medicados com combinação fixa de prostaglandina e maleato de timolol (aplicação nocturna) e novamente, 60 dias após alteração do esquema terapêutico para prostaglandina (aplicação nocturna) e maleato de timolol (aplicação matinal). Resultados: As curvas de pressão intraocular (8:00 h às 20:00 h) não mostraram diferenças estatisticamente singnificativas quando comparamos a aplicação matinal e nocturna de maleato de timolol nestes 28 doentes. No entanto a aplicação matinal de maleato de timolol, quando comparado com a sua aplicação nocturna, resultou num aumento dos valores médios nocturnos de PA sistólica (4,23 ± 6,46 mmHg; p=0,003), PA diastólica (2,40 ± 2,75 mmHg; p=0,001) e PA média (3,65 ± 3,79 mmHg; p<0,001), numa diminuição dos valores médios diurnos de PA sistólica (2,08 ± 4,77 mmHg; p=0,036), não tendo influenciado os valores médios diurnos de PA diastólica (0,31 ± 2,50 mmHg; p=0,535) e média (1,14 ± 2,99 mmHg; p=0,102). A alteração do esquema terapêutico influenciou ainda com significado estatístico a PA diastólica mínima diurna e nocturna, a frequência cardíaca mínima diurna e nocturna assim como as quedas nocturnas da pressão arterial sistólica, diastólica e média com consequente influência na prevalência de dippers e extreme-dippers. Conclusão: Este estudo sugere que em doentes com GPAA o maleato de timolol aplicado à noite quando comparado com a sua aplicação matinal não apresenta maior eficácia na redução da pressão intra-ocular durante o dia e influencia de forma significativa os valores médios nocturnos de PA sistólica, diastólica e média com implicações directas nas pressões de perfusão ocular. Em doentes susceptíveis a sua aplicação nocturna pode por isso representar um factor de risco para a progressão do GPAA.

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Introdução horas35. Após aplicação tópica de maleato de timolol a 0,5% em adultos, os níveis séricos atingem valores entre 5,0-9,6 O glaucoma é uma doença multifatorial que se caracte- ng /mL36, que são significativamente inferiores aos alcança- riza pela perda de células ganglionares da retina com con- dos após uma toma oral de 20mg (entre 50 e 103 ng / mL)37. sequente desenvolvimento de uma neuropatia óptica cróni- Ainda assim verifica-se uma diminuição estatisticamente ca e progressiva associada a alterações no campo visual. É significativa da frequência cardíaca e da pressão arterial em actualmente a segunda maior causa de cegueira no mundo repouso após utilização tópica de maleato de timolol a 0,5% e afecta mais de 50 milhões de pessoas1,2. O mecanismo em indivíduos saudáveis38,39. fisiopatológico responsável pelo desenvolvimento de glau- Além do referido, há ainda estudos que sugerem que o coma de ângulo aberto (GPAA) continua por esclarecer. maleato de timolol apresenta maior eficácia quando apli- Ainda assim, pressão intra-ocular (PIO) é considerada um cado de manhã em vez de à noite40,41 e que a sua aplicação importante factor de risco para o seu desenvolvimento e uma vez por dia apresenta eficácia semelhante à aplicação progressão, e a diminuição desta em doentes que sofrem de de duas vezes por dia42-44. Este último argumento explica GPAA mantém-se actualmente como o único alvo terapêu- a razão pela qual as formulações de combinação fixa de tico disponível e comprovado de travar o desenvolvimento análogo de prostaglandina e maleato de timolol terem gan- e /ou progressão desta doença3,4,5. ho muita popularidade no tratamento do glaucoma, já que Existe no entanto evidência científica suficiente que nos oferecem ao paciente uma formulação mais cómoda, com permite afirmar que a PIO não constitui o único factor de apenas uma aplicação diária, geralmente à noite. risco. Há estudos que demonstram que em alguns doentes Este estudo tem por objectivo avaliar o efeito da aplica- há progressão apesar de uma significativa redução da PIO6,7, ção matinal vs nocturna de maleato de timolol na pressão e outros que relatam que até metade dos doentes apresen- arterial e frequência cardíaca em doentes com GPAA me- tam PIO’s dentro do valor considerado normal na altura do dicados com análogo de prostaglandina, assim como deter- diagnóstico8,9. Por outro lado, estudos epidemiológicos têm minar que influência estas duas formas de aplicação têm na demonstrado que a taxa de conversão de hipertensão ocular curva de PIO diurna. para glaucoma é baixa10-13. E se é conhecido há mais de quatro décadas que a PIO varia ao longo do dia14, apenas recentemente se conseguiu Material e métodos demonstrar que outros factores que influenciam o funciona- mento ocular, tais como pressão arterial sistêmica15, pres- Este estudo longitudinal e prospectivo incluiu doentes são de perfusão ocular (PPO)16 e o fluxo sanguíneo ocular17 com GPAA medicados com combinação fixa de análogo também acompanham padrões circadianos. de prostaglandina (PG) e maleato de timolol a 0,5%, segui- A actividade normal dos tecidos depende da manu- dos no Serviço de Oftalmologia do Hospital Pedro Hispano, tenção de uma perfusão sanguínea adequada. Para isso é Matosinhos. O protocolo do estudo foi aprovado pela Co- fundamental a presença de uma pressão de perfusão (PP) missão de Ética do nosso Hospital e respeita os princípios suficiente, definida como a diferença entre a pressão arterial da Declaração de Helsínquia. Todos os pacientes assinaram e a pressão venosa (no caso do olho a PIO é considerada um consentimento informado antes de serem incluídos no um substituto para a pressão venosa). Evidências recentes e estudo. crescentes sugerem que factores vasculares desempenham Os critérios de inclusão foram: (1) idade> 45 anos de um papel importante na patogénese do GPAA6,18-21. Já vá- idade, (2) diagnóstico de GPAA medicados com combina- rios estudos identificaram valores baixos de PP diastólica ção fixa de PG e maleato de timolol, (3) valores de pressão ou sistólica como importantes factores de risco para a inci- arterial inferiores a 140/90 mmHg e (4) ausência de medi- dência, prevalência e progressão de glaucoma22-28 e alguns cação para hipertensão arterial acrescentaram as quedas nocturnas da pressão arterial como Foram excluídos pacientes que apresentassem: (1) his- factor de risco para a progressão de glaucoma29-31. tória de cirurgia intra-ocular ou procedimento com LASER Em 1978 o maleato de timolol foi aprovado pela FDA (2) história de diabetes mellitus, (3) história de hipertensão para o tratamento de glaucoma. Actua ao reduzir a produ- arterial (3) uso sistémico de beta-bloqueadores (4) histó- ção de humor aquoso até metade32-34, com início de acção ria de uso crónico de corticóides (5) presença de condição cerca de 30 minutos após a instilação, atingindo o efei- ocular que impedisse a realização fidedígna da tonometria to máximo após 2 horas, que pode persistir por 12 horas de aplanação, (6) diferença de PIO entre ambos os olhos ≥ com manutenção da diminuição mensurável da PIO por 24 4 mmHg.

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O protocolo a seguir descrito foi realizado nos doentes Resultados medicados com aplicação tópica nocturna de combinação fixa de análogo de PG e maleato de timolol (esquema 1). Foram incluídos neste estudo 28 doentes. Dezassete Após realização do protocolo a medicação foi alterada para doentes eram do sexo masculino e 11 do sexo feminino. aplicação tópica nocturna (20:00 horas) de análogo de PG A média das idades foi de 67,32 ± 10,38 anos. e matinal (08:00 horas) de maleato de timolol (esquema 2) Os valores de PIO não mostraram diferença estatistica- e o protocolo foi novamente repetido em todos os pacientes mente significativa entre doentes que aplicaram maleato de aproximadamente 60 dias depois. timolol de manhã e PG à noite (esquema 1) e os doentes O protocolo realizado foi o seguinte: (1) foi obtida uma que aplicaram maleato de timolol e PG à noite (esquema 2) curva diurna da PIO , usando sempre o mesmo tonómetro (tabela 1) de aplanação de Goldman, com valores medidos sempre pela mesma pessoa, às 8:00 horas, 10:00 horas, 12:00 horas, Tabela 1 | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses) 14:00 horas , 16:00 horas, 19:00 horas e 20:00 horas; (2) realizou-se uma monitorização em ambulatório da pressão Esquema 1 Esquema 2 p arterial (MAPA), com início aproximado às 10:00 horas. 08:00 14.88±2.59 14.46±2.46 >0,05 O doente foi autorizado a ter uma vida normal activa, na 10:00 14.73±1.82 14.34±1.81 >0,05 medida do possível, sem realizar esforços excessivos ou exercício físico. O monitor foi programado para avaliar a 12:00 14.69±1.86 14.59±1.85 >0,05 pressão arterial sistólica, diastólica e média assim como a 14:00 14.60±1.92 14.67±1.79 >0,05 frequência cardíaca a cada 10 minutos durante o dia (ho- 16:00 14.24±2.01 14.18±1.92 >0,05 ras de vigília; 06:00-23:00) e a cada 20 minutos durante a noite (horas de sono, 23:00-6:00). Pacientes com MAPA’s 18:00 14.99±1.43 14.89±1.41 >0,05 insatisfatórios, que tivessem realizado actividade física ex- 20:00 14.97±1.52 14.91±1.49 >0,05 cessiva ou que não tivessem dormido ou tivessem tido um sono irregular durante a noite foram excluídos. Foram ainda excluídos pacientes que reportaram a ocorrência de um “life Os valores resultantes da monitorização da pressão arte- changing event” que pudesse influenciar seu estado psico- rial ambulatória a seguir descritos encontram-se na tabela 2. lógico (ex.: doença grave ou morte de familiar), e conse- As diferenças entre valores diurnos e nocturnos foram quentemente alterar o seu perfil tensional habitual. sempre estatisticamente significativos em ambos os eque- Os valores de PIO mencionados no estudo resultaram mas (p<0,001), nomeadamente no que respeita a PAS das médias entre os dois olhos de cada paciente. Os se- média, PAD média, PAD mínima, PAM, FC média e FC guintes parâmetros foram avaliados: (1) média da PIO, (2) mínima. pressão arterial sistólica (PAS) média diurna e nocturna, (3) Quando o maleato de timolol passou a ser aplicado de pressão arterial diastólica (PAD) média diurna e nocturna, manhã registaram-se valores de PAS média diurna inferio- (4) PAD mínima diurna e nocturna , (5) pressão arterial res (129,12 ± 12,66 mmHg contra 131,19 ± 14,15 mmHg; (PA) média diurna e nocturna, (6) frequência cardíaca (FC) p=0,036 mmHg) e valores de PAS média nocturna superio- média diurna e nocturna, (7) FC mínima diurna e nocturna e res (115,58 ± 13,49 mmHg contra 111,35 ± 12,81 mmHg; (8) perfis arteriais sistólicos, diastólicos e médios. p=0,003). Com alteração do esquema terapêutico supra- Os perfis arteriais quantificam a redução nocturna das mencionada observou-se uma variação superior na PAS pressões arteriais e foram calculados segundo a fórmula: nocturna relativamente à diurna (subida média nocturna de Dip (%)=(( PA média diurna - PA média nocturna) / PA 4,23 ± 6,46 mmHg e diminuição média diurna de 2,08 ± média diurna) × 100. Os pacientes foram classificados 4,77 mmHg). Porém a variação do valor médio de PAS du- como não-dippers (redução <10%), dippers (redução entre rante as 24 horas não pode ser considerada estatisticamente 10 e 20%), e dippers extremos (redução> 20%). significativa (p=0,238). A análise estatística foi realizada usando o SPSS versão Relativamente à PAD média verificamos valores noc- 17.0. Variáveis contínuas foram analisadas usando o teste turnos superiores (64,20 ± 6,76 mmHg contra 61,80 ± 8,02 t de Student (bicaudal) ou o teste Mann-Whitney, ao passo mmHg; p=0,001) quando o maleato de timolol passou a ser que as variáveis categóricas foram analisadas usando o Tes- aplicado de manhã. A variação diurna não foi significati- te de McNemar Bowker. Valores p <0,05 foram considera- va (p=0,535). Analogamente à PAS média, a variação da dos estatisticamente significativos. PAD foi maior durante a noite (diminuição média de 2,40 ±

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Tabela 2 | Valores obtidos na monitorização da pressão arterial ambulatória em ambos os equemas

Aplicação Nocturna de Maleato Aplicação Matinal de Maleato Esquema 1 – Esquema 2 p de Timolol (Esquema 1) de Timolol (Esquema 2) Pressão Arterial Sistólica Média (mmHg) Dia 131,19 ± 14,15 ↓ 129,12 ± 12,66 2,08 ± 4,77 0,036 Noite 111,35 ± 12,81 ↑ 115,58 ± 13,49 -4,23 ± 6,46 0,003 <0,0001 <0,0001 24h 126,31 ± 12,83 = 125,54 ± 12,97 0,77 ± 3,24 0,238 Pressão Arterial Diastólica Média (mmHg) Dia 77,88 ± 5,11 = 77,58 ± 4,74 0,31 ± 2,50 0,535 Noite 61,80 ± 8,02 ↑ 64,20 ± 6,76 -2,40 ± 2,75 0,001 <0,0001 <0,0001 24h 73,69 ± 5,51 = 74,15 ± 5,32 -0,46 ± 2,52 0,359

Dia 61,85 ± 5,30 ↓ 59,46 ± 5,49 2,38 ± 3,61 0,002 Noite 48,08 ± 5,90 ↑ 51,73 ± 4,35 -3,65 ± 3,79 <0,001 <0,0001 <0,0001

Dia 96,46 ± 7,42 = 95,42 ±7,50 1,14 ± 2,99 0,102 Noite 78,38 ± 8,36 ↑ 83,19 ± 7,77 -4,80 ± 2,93 <0,001 <0,0001 <0,0001 24h 91,88 ± 7,03 = 91,81 ± 7,09 0,08 ± 2,21 0,860

Perfil sistólico 15,83 ± 5,02 ↓ 11,12 ± 3,63 4,70 ± 3,77 <0,001 Perfil diastólico 22,47 ± 6,37 ↓ 15,91 ± 4,14 6,55 ± 4,48 <0,001 Perfil médio 20,84 ± 4,30 ↓ 14,95 ± 4,22 5,90 ± 4,64 <0,001

% 25,0 / 64,3 / 10,7 3,6 / 71,4 / 25,0 Sistólicos 0,018 n 7 / 18 / 3 1 / 20 / 7 % 57,1 / 35,7 / 7,2 14,4 / 71,4 / 7,2 Diastólicos 0,001 n 16 / 10 / 2 4 / 20 / 2 % 42,9 / 50,0 / 7,1 3,6 / 75,0 / 21,4 Médios 0,001 n 12 / 14 / 2 1 / 21 / 6

Dia 72,46 ± 5,28 ↓ 70,76 ± 3,80 1,69 ± 2,96 0,007 Noite 67,00 ± 6,59 = 67,38 ± 6,82 -0,38 ± 2,70 0,474 <0,0001 <0,0001 24h 70,54 ± 5,59 = 69,35 ± 5,37 1,19 ± 3,10 0,061

Dia 59,73 ± 4,63 ↓ 57,04 ± 4,38 2,69 ± 5,50 0,019 Noite 52,23 ± 3,97 ↑ 53,85 ± 4,73 -1,62 ± 3,98 0,044 <0,0001 <0,0001

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2,75 mmHg) do que durante o dia (subida média de 0,31 ± no esquema 1 e 3,6% (n=1) no esquema 2] e aumento de 2,50 mmHg). O valor médio da PAD durante as 24 horas foi doentes tipo dipper fisiológico [50,0% (n=14) no esquema mais uma vez semelhante em ambos os equemas (p=0,359). 1 e 75,0% (n=21) no esquema 2] e aumento dos doentes No que respeita à PAD mínima, verificamos valores com perfil não-dipper [7,1% (n=2) no esquema 1 e 21,4% diurnos inferiores (59,46 ± 5,49 mmHg contra 61,85 ± 5,30 (n=6) no esquema 2]. Avaliando os três tipos de perfil si- mmHg) e nocturnos superiores (51,73 ± 4,35 mmHg contra multaneamente podemos verificar que o número de doentes 48,08 ± 5,90 mmHg) quando o maleato de timolol foi apli- com perfil dipper fisiológico foi sempre superior no esque- cado de manhã. A variação dos valores mínimos da PAD ma 2 quando comparado com o esquema 1, com diferen- foi maior para os valores nocturnos (descida média de 3,65 ças substanciais para valores diastólicos e médios [71,4% ± 3,79 mmHg, p<0,001) do que para valores diurnos (subida (n=20) contra 64,3% (n=18) para valores sistólicos, 71,4% média de 2,38 ± 3,61 mmHg; p=0,002). (n=20) contra 35,7% (n=10) para valores diastólicos e Para PAM diurnas não se verificaram diferenças estatis- 75,0% (n=21) contra 50,0% (n=14) para valores médios]. Já ticamente significativas entre os dois esquemas (p=0,102), o número de doentes com perfil de dipper extremo foi sem- apesar de os valores médios diurnos serem inferiores quan- pre inferior no esquema 2 [3,6% (n=1) contra 25,0% (n=7) do o maleato de timolol foi aplicado de manhã (95,42 ±7,50 para valores sistólicos, 14,4% (n=4) contra 57,1% (n=16) mmHg contra 96,46 ± 7,42 mmHg). Já para PAM nocturnas para valores diastólicos e 3,6% (n=1) contra 42,9% (n=12) verificamos que houve diferença estatisticamente significa- para valores médios] e o número de doentes com perfil de tiva (p<0,001) com valores arteriais médios nocturnos supe- não-dipper foi sempre superior (ou igual, no caso dos perfis riores com a aplicação matinal de maleato de timolol (83,19 diastólicos) no esquema 2 [25,0% (n=7) contra 10,7% (n=3) ± 7,77 mmHg contra 78,38 ± 8,36 mmHg). Os valores de para valores sistólicos, 7,2% (n=2) em ambos os esquemas PAM nas 24 horas não registaram diferenças estatistica- para valores diastólicos e 21,4% (n=6) contra 7,1% (n=2) mente significativas entre os dois esquemas (91,88 ± 7,03 para valores médios]. mmHg e 91,81 ± 7,09 mmHg nos equemas 1 e 2 respectiva- Finalmente, no que diz respeito à frequência cardía- mente; p=0,860). ca verificamos que os doentes do esquema 2 apresentaram Relativamente aos perfis arteriais (PAS, PAD e PAM) redução significativa dos valores diurnos da FC média em verificamos que , com a aplicação matinal, houve diminui- 1,69 ± 2,96 bpm (72,46 ± 5,28 bpm no equema 1 e 70,76 ± ção muito significativa (p<0,001) das quedas nocturnas da 3,80 bpm no equema 2; p=0,007) e da FC mínima em 2,69 PA sistólica (15,83 ± 5,02 mmHg no esquema 1 e 11,12 ± 5,50 bpm (59,73 ± 4,63 bpm no equema 1 e 57,04 ± 4,38 ± 3,63 mmHg no esquema 2), PA diastólica (22,47 ± 6,37 bpm no equema 2; p=0,019). Verificamos uma subida mo- mmHg no esquema 1 e 15,91 ± 4,14 mmHg no esquema 2) derada, mas ainda assim estatisticamente significativa, da e PA média (20,84 ± 4,30 mmHg no esquema 1 e 14,95 ± FC mínima nocturna em 1,62 ± 3,98 bpm (52,23 ± 3,97 bpm 4,22 mmHg no esquema 2). no esquema 1 e 53,85 ± 4,73 bpm no esquema 2; p=0,044) Avaliando o número de doentes que apresentaram sem alteração significativa no que diz respeito à FC média perfis dipper extremo, dipper fisiológico e não-dipper, nocturna (p=0,474) e nas 24 horas (p=0,061). com a aplicação matinal do maleato de timolol observamos, em termos percentuais e absolutos, uma redução de doentes com perfil sistólico de dipper extremo [25% (n=7) no es- Discussão quema 1 e 3,6% (n=1) no esquema 2] e aumento de doentes com perfil sistólico de dipper fisiológico [64,3% (n=18) no São vários os parâmetros fisiológicos que variam ao lon- esquema 1 e 71,4% (n=20) no esquema 2] e aumento de go do dia e alguns apresentam um ritmo circadiano. Foi já doente com perfil não-dipper [10,7% (n=3) no esquema 1 e demonstrado que quer a PIO quer a PA se incluem neste 32,1% (n=9) no esquema 2]. Relativamente ao perfil dias- equema. A PIO normalmente tende a aumentar durante a tólico verificamos uma redução dos doentes com perfil de noite, quando nos encontramos em posição supina45-48, pos- dipper extremo [57,1% (n=16) no esquema 1 e 14,4% (n=4) sivelmente devido ao aumento da pressão venosa episcle- no esquema 2], aumento dos doentes com perfil dipper fi- ral. Não nos foi possível avaliar o padrão circadiano da PIO siológico [35,7% (n=10) no esquema 1 e 71,4% (n=20) no uma vez que não foram obtidos valores de PIO durante a esquema 2] e manutenção do número de doentes com perfil noite. Esta opção deveu-se ao facto de que a obtenção de não-dipper [7,2% (n=2) em ambos os esquemas]. No que valores de PIO durante noite implicaria a necessidade de respeita o perfil arterial médio verificamos uma diminuição despertar o doente com consequente desvirtuação dos valo- de doentes com perfil de dipper extremo [42,9% (n=12) res da MAPA.

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Já o padrão circadiano da PA, que é caracterizado por de timolol quando comparado com a sua aplicação noc- uma diminuição dos valores sistólicos e diastólicos durante turna, eleva os valores médios nocturnos da PA sistólica, o sono15,49, foi similar em ambos os esquemas, sempre com diastólica e PAM, reduzindo simultaneamente os valores valores nocturnos significativamente inferiores (p<0,001) diurnos da PAS média e deixando do ponto de vista estatís- aos diurnos para valores de pressões sistólicas, diastólicas tico, inalterados os valores diurnos da PAD média e PAM. e médias. No entanto, apesar de não se ter observado uma Ainda assim, esta mudança de esquema terapêutico não diferença valorizável dos valores de PAS, PAD e PAM nas influencia a PA sistólica, diastólica e média nas 24 horas. 24 horas (p=0,238, p=0,359 e p=0,860, respectivamente) Estas alterações implicam um aumento significativo da PPO entre doentes que aplicavam o maleato de timolol de manhã sistólica, diastólica e média nocturnas (equivalentes a 4,23 e aqueles que o aplicavam à noite, verificou-se uma dife- ± 6,46 mmHg, 2,40 ± 2,75 mmHg e 4,80 ± 2,93 mmHg, rença substancial dos valores de PAS, PAD e PAM com a respectivamente), uma diminuição da PPO sistólica diurna análise nocturna e diurna isoladamente. Quando o maleato (equivalente a 2,08 ± 4,77, um significado estatístico infe- de timolol passou a ser aplicado de manhã verificou-se uma rior às subidas nocturnas), deixando inalteradas as PPO’s subida significativa dos valores nocturnos da PAS e PAD diastólica e média diurnas. médias (p=0,03 e p=0,001, respectivamente), dos valores Como já foi referido, a ocorrência de uma diminuição da mínimos de PAD registados (p<0,001), assim como dos va- pressão arterial durante o sono é conhecida desde há mais de lores nocturnos da PAM (p<0,001). Já os valores diurnos quatro décadas14 e tem sido demonstrada por muitos estudos da PAS média e PAS mínima registaram uma diminuição de monitorização ambulatória da pressão arterial desde en- significativa (p=0,036 e p=0,002, respectivamente) quando tão31,54-60. Aproximadamente dois terços da população geral o maleato de timolol passou a ser aplicado de manhã. Mas apresenta um perfil do tipo dipper (diminuição nocturna da nenhuma alteração significativa dos valores de PAD média PA entre 10-20%), indicando a natureza fisiológica da dimi- e PAM diurnos foram observados neste segundo esquema nuição nocturna da PA (dip)61-63. No entanto, doentes com (p=0,535 e p=0,102, respectivamente). grandes descidas da PA durante a noite podem apresentar Estas alterações substanciais dos valores tensionais um maior risco para a progressão do glaucoma quando com- acarretam consequentemente mudanças na PPO, identifica- parados com doentes cujas descidas se apresentam dentro da como factor de risco de desenvolvimento e progressão de de limites normais29,30,53,64-66. O dip nocturno da PA foi de- glaucoma em deiversos estudos50,51,52,53. monstrado estar aumentado em doentes com GPAA29,67,68 Sehi et al verificaram que em doentes com glaucoma a e glaucoma com PIO dentro dos limites considerados nor- PPO é mais baixa durante a noite, imediatamente antes do mais (glaucoma normotensional; GNT)57,59,69. Graham et al31 acordar51. Este achado está de acordo com o conhecido au- compararam 37 doentes com deterioração progressiva dos mento da PIO e diminuição da PA que ocorrem simultanea- campos visuais com 15 doentes que apresentavam campos mente durante a noite. Choi et al observaram que em doen- visuais estáveis e verificaram existir um dip nocturno signi- tes com glaucoma as flutuações maiores na PPO estavam ficativamente maior da PA sistólica (p = 0,001), diastólica directamente relacionadas não só com uma maior diminui- (p = 0,060) e média (p = 0,016) nos doentes que apresenta- ção da PA nocturna bem como com piores índices de campo vam deterioração progressiva dos campos visuais. Relati- visual52. Observaram ainda, noutro estudo, que a progressão vamente à aplicação tópica de β-bloqueadores, Hayreh et anatómica (espessura da camada de fibras nervosas da reti- al70 observaram que doentes com GPAA medicados ,por via na) e funcional (campo visual) foi significativamente supe- tópica, com estes fármacos apresentaram uma maior dimi- rior em doentes com glaucoma que apresentaram uma maior nuição nocturna da PA quando comparados com doentes flutuação circadiana da PPO, tendo classificado a flutuação que não aplicaram β-bloqueadores tópicos70. Neste sentido, circadiana da PPO como o factor de risco clínico mais con- os nossos resultados sugerem que com a aplicação matinal sistente para o glaucoma grave53. em vez de nocturna de maleato de timolol os dips noctur- Assim sendo, uma vez que os aumentos da PPO têm nos das pressões arteriais sistólicas, diastólicas e médias são a capacidade de alterar favoravelmente o fluxo sanguíneo reduzidos de forma muito significativa (p<0,001).A aplica- para a cabeça do nervo óptico, faz sentido avaliar a medica- ção matinal de maleato de timolol pode, por isso, constituir ção hipotensora ocular tendo em vista a sua capacidade de um factor protector para a progressão do glaucoma. influenciar a PPO e eventualmente minimizar as suas flutua- No entanto, diversos estudos identificaram que a pre- ções circadianas. sença de um dip nocturno muito baixo (inferior a 10%; não- Nesse sentido este estudo fornece dados novos e perti- -dipper) pode constituir factor de risco para doença arterial nentes, ao demonstrar que a aplicação matinal do maleato coronária71, danos nos orgãos-alvo72 e morbimortalidade

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cardiovascular72,73 em doentes normotensos, ainda que tra- obtidos neste estudo parecem indicar não existir diferença dicionalmente este risco cardiovascular seja atribuído pre- nas PIO’s durante o dia entre a aplicação nocturna e ma- dominantemente a doentes hipertensos não-dipper73-83. Pato- tinal de maleato de timolol. Não encontramos na literatu- logias como insuficiência cardíaca congestiva84, diabetes85 ra estudos que tenham avaliado as diferenças que resultam e apneia do sono86 foram também relacionadas com o perfil de uma aplicação nocturna e matinal de maleato de timolol arterial de não-dipper. nas PIO’s durante a noite ou nas 24 horas. Encontramos no Também no glaucoma estes dips muito pequenos ou entanto um estudo que analisou o fluxo do humor aquoso ausência de dips nocturnos foram associados a progres- nas 24 horas e que demonstrou que o maleato de timolol são64,87,88. Tokunaga et al88 avaliaram prospectivamente a reduz a produção de humor aquoso para níveis inferiores relação entre a diminuição nocturna da PA e a progressão aos níveis basais durante o dia, mas não durante a noite90. do campo visual em 38 pacientes com GPAA (e GNT) se- E como já referimos previamente, diversos trabalhos reali- guidos durante um período mínimo de 4 anos. Os doentes zados sugerem que a aplicação de maleato de timolol uma que apresentaram uma diminuição nocturna <10% foram vez por dia apresenta uma eficácia semelhante que se apli- designados não-dippers, os que apresentaram uma diminui- cado duas vezes por dia42-44,91,92. Aparentemente, apesar de ção entre 10-20% foram designados dippers fisiológicos e a semi-vida ser de apenas algumas horas, a sua disponibi- aqueles com uma diminuição de> 20% foram designados lidade parece ser prolongada devido à sua capacidade de dippers extremos. Os não-dippers e os dippers extremos se ligar à melanina93,94, o que em parte explica o seu tempo foram classificados como não-fisiológicos. Os dippers não- de “wash-out” de 2 a 4 semanas93. Um estudo conduzido -fisiológicos tiveram uma incidência significativamente por Ong et al94 concluiu que na sua formulação em gel, a maior na progressão do glaucoma quando comparados com aplicação de maleato de timolol de manhã apresenta eficácia os dippers fisiológicos (p = 0,05). Nesse sentido, com este superior à sua aplicação nocturna. estudo, é possível constatar que a aplicação matinal de ma- Estamos cientes que este estudo apresenta limitações leato de timolol (quando comparada com a sua aplicação importantes tais como o facto de apenas terem sido avalia- nocturna) conduz a um aumento significativo do número de dos doentes normotensos e de a amostra de doentes ser rela- doentes com perfil de dipper fisiológico, reduzindo substan- tivamente pequena, o que pode limitar a generalização dos cialmente o número de doentes com perfil de dipper extre- resultados. Mais ainda, não foram avaliadas as PIO’s duran- mo, para valores sistólicos, diastólicas e médios. No entan- te a noite, o que nos impede a avaliação das repercussões to, também se verificou um aumento do número de doentes da aplicação matinal vs nocturna de maleato de timolol na com perfil de não-dipper sistólicos e médios. Será por isso PIO durante as horas de sono. No entanto, e como foi acima necessário avaliar até que ponto este aumento de incidência referiso, não nos parece ser possível determinar de forma dos perfis do tipo não-dipper pode levar ao desenvolvimen- fidedigna as PIO’s e PA’s no mesmo doente e na mesma to de factores de risco cardiovasculares ou de outras patolo- noite, uma vez que será sempre necessário acordar o doente gias sistémicas. para avaliação das PIO’s o que consequentemente desvirtua A frequência cardíaca é influenciada por antagonistas as valores reais da PA. beta, que inibindo a actividade simpática mediada pela epi- Trata-se no entanto, de acordo com a nossa pesquisa, nefrina diminuem o cronotropismo e inotropismo, condu- do primeiro estudo a avaliar os efeitos que a aplicação ma- zindo a uma diminuição da frequência cardíaca e contracti- tinal de maleato de timolol induz nas pressões arteriais nas lidade do miocárdio. 24 horas quando comparado com a sua aplicação nocturna. Hayreh et al70 verificaram que doentes com glaucoma Também não encontramos nenhum estudo que compare os medicados com maleato de timolol apresentaram frequên- efeitos na PIO nas 24 horas de uma aplicação nocturna e cias cardíaca mínimas nocturnas significativamente inferio- matinal de maleato de timolol. res (p=0,002) a doentes não medicados com beta-bloque- E, de acordo com os nossos resultados estas questões dor. Netland et al89 observaram que a aplicação de maleato parecem ser muito pertinentes, uma vez que as combinações de timolol resultou em FC’s médias nocturnas significativa- fixas, com consequente aplicação nocturna de maleato de ti- mente inferiores às FC’s médias diurnas e a aplicação ma- molol, representam uma grande fatia de doentes medicados tinal resultou numa redução estatisticamente significativa para o glaucoma. Integrando estes resultados com a literatu- da FC média e mínima durante o dia (p=0,007 e p=0,019, ra mencionada , o período do dia em que se faz a aplicação respectivamente) e num aumento da FC mínima nocturna de maleato de timolol pode alterar o perfil arterial do doen- (p=0,044), sem afectar a FC média nocturna e nas 24 horas te, com implicações na progressão do GPAA . Este pressu- Finalmente no que concerne às PIO’s, os resultados posto merece, da nossa perspectiva, investigação adicional.

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Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 403

Oftalmologia - Vol. 36: pp.405-410

Artigo Original Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser

Joana Ferreira1, Luís Abegão Pinto1, Isabel Domingues2, José Pedro Silva3, João Paulo Cunha3, Maria Reina3 ¹Interna do Internato Complementar ²Assistente Hospitalar Eventual ³Assistente Hospitalar Graduado Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central

RESUMO

Objectivo: Comparar as alterações dos parâmetros da câmara anterior após facoemulsificação versus iridotomia laser em doentes com glaucoma de ângulo fechado. Métodos: Os autores realizaram um estudo prospectivo em 22 olhos com ângulo fechado, que foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos: G1 – submetido a iridotomia laser, G2 – subme- tido a facoemulsificação com implante de lente intraocular (LIO). Em ambos os grupos foram avaliadas, pré e pós-operatoriamente (1 e 3 meses), as alterações morfológicas da câmara ante- rior (volume, profundidade central e ângulo da câmara anterior) através do Pentacam Rotating Scheimpflug Câmara. Resultados: No grupo 1 verificou-se um aumento não estatisticamente significativo (p>0,01) de todos os parâmetros da câmara anterior, enquanto que no grupo 2 este aumento foi estatisti- camente significativo (p<0,0001). Três meses após facoemulsificação observou-se um aumento de 91,19% do volume da câmara anterior, 72,32% do ângulo da câmara anterior e de 91,67% da profundidade central da câmara anterior. Conclusões: Nos doentes com glaucoma de ângulo fechado o volume, ângulo e profundidade central da câmara anterior aumentam após facoemulsificação ou iridotomia laser. Contudo, a facoemulsificação é mais eficaz no aumento referido. Futuros estudos serão necessários para ser considera a facoemulsificação o tratamento de escolha na prevenção de crises agudas de encerra- mento do ângulo em casos seleccionados de glaucoma de ângulo fechado e catarata.

Palavras-chave Facoemulsificação, iridotomia laser, glaucoma de ângulo fechado, glaucoma agudo, pentacam.

ABSTRACT

Purpose: To compare changes of the anterior chamber after phacoemulsification versus laser iridotomy in patients with chronic angle closure glaucoma. Methods: Prospective, non-randomized comparative study in 22 patients with narrow angle. Two treatment groups: G1 - underwent laser iridotomy, G2 - underwent phacoemulsification with implantation of intraocular lens (IOL). Morphological changes of anterior chamber (vo- lume, depth and anterior chamber angle) through the Pentacam Rotating Scheimpflug Camera were examined in each group pre and postoperatively (1 and 3 months).

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 405 Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Isabel Domingues, José Pedro Silva, João Paulo Cunha, Maria Reina

Results: In group 1 the increase of all parameters of the anterior chamber was not statistically significant (p> 0.01), whereas in group 2 this increase was statistically significant (p <0.0001). Three months after phacoemulsification there was an increase of 91,19% of anterior chamber volume, 72,32% of anterior chamber angle and 91,67% of anterior chamber depth. Conclusions: In patients with chronic angle closure glaucoma the volume, angle and depth anterior chamber increase after phacoemulsification and laser iridotomy. However, phacoemul- sification is more effective in this increase. Future studies are needed to conclude that phacoe- mulsification is the treatment of choice in the prevention of acute glaucoma in selected cases of chronic angle closure glaucoma.and cataract.

Key-words Phacoemulsification, laser, iridotomy, chronic angle closure glaucoma, acute primary angle clo- sure, pentacam.

Introdução facoemulsificação com implante de lente intraocular de câmara posterior (LIO CP) em doentes com glaucoma de Os glaucomas de ângulo fechado (GAF) são classifi- ângulo fechado e catarata, avaliando os parâmetros da câ- cados em primários e secundários. Dentro dos primários, mara anterior (volume, profundidade e ângulo) através do o encerramento do ângulo iridocorneano é muitas vezes Pentacam e a pressão intraocular por tonómetro de aplana- consequência de um bloqueio pupilar por contacto da pu- ção de Goldmann. pila em semi-midríase e a face anterior do cristalino. A passagem do humor aquoso para a câmara anterior é as- sim dificultada, criando um gradiente de pressão entre as Métodos câmaras posterior e anterior. A raiz da íris é empurrada an- teriormente encerrando o ângulo. Esta condição é mais fre- Estudo prospectivo onde foram incluídos 22 olhos com quente na população oriental, nos doentes hipermetropes, glaucoma de ângulo fechado de 14 doentes observados na no sexo feminino e nos idosos1,2. Com a idade, a profundi- consulta de oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa dade e o volume da câmara anterior vão diminuindo devido Central no período de Janeiro a Junho de 2010. Foram ex- ao aumento do diâmetro antero-posterior do cristalino e à cluídos doentes pseudofáquicos ou afáquicos, doentes com deiscência zonular. O cristalino apresenta um volume de outras patologias oftalmológicas para além de glaucoma e/ 162,9 mm3 aos 20 anos enquanto aos 50 é de 205 mm3 e de ou catarata, assim como doentes com glaucoma de ângulo 213 mm3 aos 70 anos. Por outro lado, o diâmetro da pupila fechado tratados com outros meios para além de medicação também diminui com a idade. Assim, a prevalência de blo- anti-glaucomatosa tópica e/ou sistémica. queio pupilar aumenta com a idade atingindo um pico entre Realizou-se pré e pós-operatoriamente uma observação os 55 e os 70 anos3. oftalmológica que incluiu a melhor acuidade visual (AV) A Biomicroscopia Ultrassónica (UBM), o Pentacam- corrigida, biomicroscopia, tonometria de aplanação, fun- -Scheimpflug e a Tomografia de Coerência Óptica (OCT) doscopia, gonioscopia que identificou os ângulos fechados do segmento anterior têm sido utilizados para avaliar a mor- de acordo com classificação de Shaffer e avaliação quanti- fologia dos parâmetros do segmento anterior e confirmar a tativa dos parâmetros da câmara anterior (volume da câma- importância da aposição anterior do cristalino na patogéne- ra anterior, VCA, profundidade central da câmara anterior, se do GAF4,5. PCA e ângulo da câmara anterior, ACA) através de Câmara O tratamento tradicional do GAF inclui medicação tó- Scheimpflug Pentacam. pica e/ou sistémica anti-hipertensora e redução do bloqueio Os doentes foram distribuídos de forma aleatória em 2 pupilar por iridotomia laser periférica. grupos: grupo 1, G1 – 11 olhos submetidos a ILP e grupo O objectivo do nosso trabalho foi avaliar e compa- 2, G2 – 11 olhos submetidos a facoemulsificação com im- rar a eficácia da iridotomia laser periférica (ILP) eda plante LIO CP.

406 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser

As facoemulsificações com implante de LIO CP foram mês de pós-operatório. Em todos os parâmetros da câmara realizadas nos blocos operatórios do Serviço de Oftalmo- anterior analisados não se verificaram diferenças estatisti- logia do Centro Hospitalar de Lisboa Central (Hospital de camente significativas. São José e Hospital de Santo António dos Capuchos). Foi No grupo 2 verificaram-se diferenças estatisticamente realizada uma preparação pré-operatória com manitol en- significativas em todos os parâmetros da câmara anterior dovenoso. A técnica cirúrgica utilizada foi semelhante em tanto no 1º como no 3º mês de follow-up, no entanto as todos os casos com incisões corneanas de 2,65 mm, cap- diferenças da PIO não revelaram a mesma significância. sulorrexis circular contínua de cerca de 5,5 mm, “quick- A PIO pré-operatória foi de 17,55 ± 6,20 mmHg e de 16,27 -chop”, irrigação/aspiração e implante de LIO no saco cap- ± 3,41 e 14,64 ± 3,29 mmHg no 1º e 3º mês pós-operatório, sular (Acrysof® IQ). A técnica terminava com a aspiração respectivamente. O VCA registou no pré-operatório valores de material visco-elástico, hidratação do estroma corneano, de 86,73 ± 10,09 mm3 enquanto no 1º e 3º mês de pós-ope- injecção de cefuroxime intracamarular e no pós-operatório ratório foi de 160,55 ± 18,42 e 165,82 ± 16,44 mm3, respec- foram prescritos colírios de antibiótico e esteróides durante tivamente. O ACA foi de 26,95 ± 4,13 º no pré-operatório 2 semanas. e de 44,18 ± 4,56 e 46,44 ± 4,58 º no 1º e 3º mês de pós- Iridotomia laser foi realizada sob anestesia tópica usan- -operatório, respectivamente. Em relação à PCA os valores do uma técnica sequencial de árgon e Nd:YAG laser. No foram de 2,04 ± 0,3 mm no pré-operatório e de 3,95 ± 0,48 pós-operatório foi feita terapêutica com esteróides tópicos e 3,91 ± 0,45 mm no 1º e 3º mês de pós-operatório, respec- durante 4 dias. tivamente. (gráficos 1, 2, 3 e 4) Foram comparadas as variáveis VCA, ACA, PCA e Aos 3 meses de follow-up verificou-se um aumento pressão intraocular (PIO) pré e pos-operatoriamente (1º e de 91,19 % no volume da câmara anterior, de 72,32 % no 3º meses). Para a análise estatística foi utilizado o software Gra- phpad Prism. Os dados obtidos foram analisados através do teste t Student, comparadas médias e desvios padrão. Valores de p < 0,01 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

O estudo incluiu 22 olhos com ângulo fechado de 14 doentes, divididos equitativamente e aleatoriamente em dois grupos. G1 era constituído por 11 olhos de 7 doentes, todos do sexo feminino e G2 era composto pelos restantes Gráf. 1 | Valores médios de PIO no pré-operatório e 1º e 3º mês de pós-operatório em G1 e G2. 11 olhos de 7 doentes, 4 do sexo feminino e 3 do sexo mas- culino. A idade média foi de 63,7 ± 8,7 anos para o grupo 1 e de 73,1 ± 6,85 anos para o grupo 2. O período de follow- -up foi de 3 meses. No grupo 1 os valores médios pré-operatórios da PIO foram de 16,18 ± 2,23 mmHg e no 1º e 3º meses de pós-ope- ratório foram de 14 ± 2,86 e 15,73 ± 2,8 mmHg, respec- tivamente. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre estas medições. Em relação ao VCA no pré-operatório foi de 81,36 ± 27,15 mm3, enquanto no 1º e 3º meses de pós-operatório foi de 102,36 ± 24,43 e 110,64 ± 21,9 mm3, respectivamente. O ACA teve valores de 22,79 ± 3,95 º no pré-operatório e de 22,62 ± 4,9º e 26,12 ± 7,04º no 1º e 3º mês de pós-operatório, respectivamente. Em re- lação à PCA registaram-se valores de 1,95 ± 0,42 mm no Gráf. 2 | Valores médios de VCA no pré-operatório e 1º e 3º mês pré-operatório e de 2,03 ± 0,33 e 2,18 ± 0,50 mm no 1º e 3º de pós-operatório em G1 e G2.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 407 Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Isabel Domingues, José Pedro Silva, João Paulo Cunha, Maria Reina

reportada, as concomitantes alterações anatómicas e fisioló- gicas da câmara anterior permanecem pouco claras. Existe pouca informação no que diz respeito à dinâmica do humor aquoso após facoemulsificação. O tratamento tradicional do GAF inclui medicação tó- pica e/ou sistémica anti-hipertensora e alívio do bloqueio pupilar por iridotomia laser periférica. Contudo, 38 - 58% destes doentes mantém PIO elevadas subsequentemente6,7. Este facto pode ser devido ao encerramento aposicional residual após ILP, como resultado de um posicionamento anterior do corpo ciliar, ou devido à lesão do trabéculo e desenvolvimento de sinéquias anteriores periféricas por Gráf. 3 | Valores médios de ACA no pré-operatório e 1º e 3º mês de pós-operatório em G1 e G2. uma resposta inflamatória intensa ou um encerramento do ângulo prolongado durante uma crise aguda. Numerosos estudos têm mostrado que a PIO pode re- duzir aproximadamente 2 mmHg um ano após extracção extracapsular de catarata8-10 e mais recentemente, a facoe- mulsificação com implante de LIO CP veio confirmar estes dados11-19. Poley e seus colaboradores realizaram um estudo com 10 anos de follow-up onde verificaram que a diminui- ção da PIO após cirurgia de catarata era proporcional ao valor de PIO baseline, isto é, quanto maior o valor de PIO baseline maior a redução após facoemulsificação. Assim, a redução da PIO em doentes com glaucoma de ângulo fecha- do tratados é limitada e de 1-2 mmHg15. Em adição, estudos têm mostrado que a redução da PIO é mais significativa um ano após cirurgia de catarata e que depois retorna aos valo- 20 Gráf. 4 | Valores médios de PCA no pré-operatório e 1º e 3º mês res baseline progressivamente . de pós-operatório em G1 e G2. A cirurgia de catarata tem sido sugerida como alternati- va à ILP no tratamento do glaucoma agudo primário18,21-23. Keenan refere mesmo que a tendência para a diminuição da ângulo da câmara anterior e de 91,67 % na profundidade prevalência de glaucomas agudos primários se deve ao fac- central da câmara anterior, relativamente ao grupo subme- to do aumento do número de cirurgias de catarata realizado tido a facoemulsificação. Quanto ao grupo 1 foram regis- nos últimos anos24. Euswas e Warrasak, em 2005, dividiram tados valores percentuais de 35,99; 14,61 e 11,79 para o os doentes com glaucoma de ângulo fechado em 2 grupos volume, ângulo e profundidade central da câmara anterior, de acordo com o grau de encerramento do ângulo: no grupo respectivamente. A PIO diminuiu 2,91 mmHg no G2 e 0,45 1 foram incluídos doentes com menos que 180º de encer- mmHg no G1. ramento do ângulo enquanto no grupo 2 havia menos de 270º de sinéquias periféricas anteriores. Verificaram uma redução de 2 mmHg no grupo 1 e de 5 mmHg no grupo 2 Discussão após facoemulsificação25. Num estudo de Hayashi e colaboradores26 a redução da Recentes estudos sugerem que o cristalino tem um papel PIO registada após a cirurgia de catarata foi superior a ou- importante na configuração do ângulo. O cristalino estreita tras séries11,12, e foi mais importante nos olhos com glau- o ângulo ao empurrar a íris periférica anteriormente e este coma de ângulo aberto (GAA) que no glaucoma de ângulo efeito é mais marcado na presença de catarata. A catarata fechado (GAF). No entanto, apenas 19,1 % dos doentes pode ser um importante factor adjuvante no encerramento com GAA deixaram de necessitar de terapêutica anti-glau- do ângulo. Apesar dos resultados visuais e refractivos pós comatosa contra 40,1 % de doentes com GAF, após cirurgia cirurgia de catarata estarem bem estudados, assim como a de catarata. O aumento do ângulo e da profundidade da câ- diminuição da PIO no pós-operatório a longo prazo estar mara anterior associado à redução da PIO sugerem que um

408 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser

importante factor na fisiopatologia do glaucoma, o estreita- Jackson Memorial Lecture. Am J Ophthalmology 2009; mento/encerramento do ângulo é eliminado/reduzido com a 148(5): 657-669. cirurgia de catarata por facoemulsificação de pequena inci- 3. Lachkar Y. Glaucome et crise aigue par fermeture de são. Embora a iridotomia laser previna o bloqueio pupilar l’angle: phakoémulsification en première intention. J relativo, a câmara anterior permanece igualmente estreita, Français d’ Ophthalmologie 2010; 33: 273-278. razão pela qual a extracção da catarata possa ser mais eficaz 4. Dawczynski J, Koenigsdoerffer E, Augsten R, Strobel J. no tratamento do glaucoma de ângulo fechado27. Anterior segment optical coherence tomography for eva- Os nossos resultados demonstraram que a cirurgia de luation of changes in anterior chamber angle and depth catarata é mais eficaz não só na redução da PIO como no after intraocular lens implantation in eyes with glauco- aumento de todos os parâmetros da câmara anterior, no- ma. Eur J Ophthalmol. 2007 May-Jun;17(3):363-7. meadamente no seu volume, ângulo e profundidade. Este 5. Antoniazzi E, Pezzotta S, Delfino A, Bianchi PE. An- estudo apresenta algumas limitações como seja o tempo terior chamber measurements taken with Pentacam: an curto de follow-up, o número reduzido da amostra e a ava- objective tool in laser iridotomy. Eur J Ophthalmol. liação dos parâmetros do segmento anterior ser feita através 2010 May-Jun;20(3): 517-22. do Pentacam uma vez que este aparelho, no que respeita ao 6. Lam DS, Lai JS, Tham CC, et al. Argon laser periphe- ângulo, não o avaliar com precisão. Futuros estudos, com ral iridoplasty versus conventional systemic medical follow-up superior, serão realizados pelo grupo de traba- therapy in treatment of acute primary angle-closure lho para avaliar esta eficácia da cirurgia de catarata e poder glaucoma: a prospective, randomized, controlled trial. correlacioná-la com uma possível prevenção de crises de Ophthalmology 2002;109: 1591–6. glaucoma agudo nos olhos com ângulo estreito. 7. Aung T, Ang LP, Chan SP, Chew PT. Acute primary angleclosure: long-term intraocular pressure outcome in Asian eyes. Am J Ophthalmol 2001;131:7–12. Conclusões 8. Wishart PK, Atkinson PL. Extracapsular cataract extrac- tion and posterior chamber lens implantation in patients Em conclusão podemos considerar que a facoemulsifi- with primary chronic angle-closure glaucoma: effect on cação é mais eficaz no aumento dos parâmetros da câmara intraocular pressure control. Eye 1989; 3:706–712 anterior em olhos com ângulos estreitos versus a iridotomia 9. Cinotti DJ, Fiore PM, Maltzman BA, et al. Control of laser. Contudo, no nosso entender, mais estudos com um intraocular pressure in glaucomatous eyes after extra- follow-up maior são necessários para avaliar a capacidade capsular cataract extraction with intraocular lens im- de a facoemulsificação prevenir possíveis crises de glauco- plantation. J Cataract Refract Surg 1987; 14:650–653. ma de ângulo fechado nestes olhos com ângulo estreito e 10. Handa J, Henry JC, Krupin T, et al. Extracapsular ca- assim permitirem uma melhor orientação na nossa escolha taract extraction with posterior chamber lens implanta- terapêutica. tion in patients with glaucoma. Arch Ophthalmol 1987; A abordagem do doente com glaucoma e catarata conti- 105:765–769. nua a ser um desafio para os oftalmologistas. Não existem 11. Kim DD, Doyle WJ, Smith FM. Intraocular pressure recomendações uniformes e é importante considerar cada reduction phacoemulsification cataract extraction with caso em particular aquando da decisão cirúrgica, tendo em posterior chamber lens implantation in glaucoma pa- conta vários factores como a idade do doente, o estadio da tients. Ophthalmic Surg Lasers 1999; 30:37–40. doença, a compliance com o tratamento médico aliada à 12. Shingleton BJ, Gamell LS, O’Donoghue MW, et al. PIO pretendida como alvo. Long-term changes in intraocular pressure after clear corneal phacoemulsification: normal patients versus glaucoma suspect and glaucoma patients. J Cataract Re- fract Surg 1999; 25:885–890. Bibliografia 13. Mathalone N, Hyams M, Neiman S, et al. Long-term intraocular pressure control after clear corneal phacoe- 1. Aung T, Chew PT. Review of recent advancements in mulsification in glaucoma patients. J Cataract Refract the understanding of primary angle-closure glaucoma. Surg 2005; 31:479–483. Curr Opin Ophthalmol 2002; 13:89–93 14. Issa SA, Pacheco J, Mahmood U, et al. A novel index 2. Quigley HA. Angle-Closure Glaucoma-Simpler for predicting intraocular pressure reduction following Answers to Complex Mechanisms: LXVI Edward cataract surgery. Br J Ophthalmol 2005; 89: 543–546.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 409 Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Isabel Domingues, José Pedro Silva, João Paulo Cunha, Maria Reina

15. Poley BJ, Lindstrom RL, Samuelson TW. Long-term lens extraction. Br J Ophthalmol 2006; 90:14–16. effects of phacoemulsification with intraocular lens 23. Lam DS, Leung DY, Tham CC, et al. Randomized trial implantation in normotensive and ocular hypertensive of early phacoemulsification versus peripheral irido- eyes. J Cataract Refract Surg 2008; 34:735–742. tomy to 16. Shrivastava A, Singh K. The effect of cataract extrac- 24. Keenan TD, Salmon JF, Yeates D, Goldacre M. Trends tion on intraocular pressure. Curr Opin Ophthalmol. in rates of primary angle closure glaucoma and cataract 2010 Mar;21(2):118-22. surgery in England from 1968 to 2004. J Glaucoma 17. Lai JS, Tham CC, Chan JC. The clinical outcomes of 2009; 18:201–205. cataract extraction by phacoemulsification in eyes with 25. Euswas A, Warrasak S. Intraocular pressure control primary angle-closure glaucoma (PACG) and co-exis- following phacoemulsification in patients with chronic ting cataract: a prospective case series. J Glaucoma. angle closure glaucoma. J Med Assoc Thai 2005; 88 2006 Feb;15(1):47-52 (Suppl 9):S121–S125. 18. Hata H, Yamane S, Hata S, Shiota H. Preliminary out- 26. Hayashi K, Hayashi H, Nakao F, Hayashi F. Effect comes of primary phacoemulsification plus intraocular of cataract surgery on intraocular pressure control lens implantation for primary angle-closure glaucoma. J in glaucoma patients. J Cataract Refract Surg 2001; Med Invest. 2008 Aug; 55(3-4):287-91. 27:1779–1786. 19. Wang JK, Lai PC. Unusual presentation of angle-closu- 27. Zhuo YH, Wang M, Li Y, Hao YT, Lin MK, Fang M, Ge re glaucoma treated by phacoemulsification. J Cataract J. Phacoemulsification treatment of subjects with acute Refract Surg 2004 Jun; 30(6):1371-3. primary angle closure and chronic primary angle-closu- 20. Vizzeri G, Weinreb RN. Cataract surgery and glauco- re glaucoma. J Glaucoma. 2009 Dec;18(9):646-51. ma. Curr Opin Ophthalmol. 2010 Jan;21(1):20-4 21. Jacobi PC, Dietlein TS, Luke C, et al. Primary pha- coemulsification and intraocular lens implantation for Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar acute angle-closure glaucoma. Ophthalmology 2002; 109:1597–1603. 22. Tan GS, Hoh ST, Husain R, et al. Visual acuity after acu- CONTACTO te primary angle closure and considerations for primary [email protected]

410 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.411-416

Artigo Original Complicações Hemorrágicas após Injecções Intravítreas em Doentes Anticoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo

Cláudia Loureiro1, Ana Bastos Carvalho2, Joana Valadares1, Joaquim Prates Canelas3, Manuel Monteiro Grillo4 1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte 2Assistente Hospitalar Eventual de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa 3Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia e Responsável pelo Departamento de Retina Médica do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte 4Director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte

Resumo

Objectivo: Avaliar a segurança de injecções intravítreas de anticorpos monoclonais anti-factor de crescimento endotelial vascular (anti-VEGF), em doentes hipocoagulados e/ou antiagregados. Materiais e Métodos: Estudo retrospectivo de uma série consecutiva de doentes de um único centro, que receberam injecções intravítreas de anti-VEGF (ranibizumab e bevacizumab), num período de 2 anos. Foram registados dados demográficos, doenças oftalmológicas, medicação e complicações hemorrágicas oculares. Resultados: O estudo incluiu 302 doentes que receberam 810 injecções intravítreas. Cento e quarenta e nove (49%, 366 injecções) encontravam-se sob terapêutica anticoagulante ou antia- gregante, e apenas 19 (13.7%) interromperam a medicação antes do procedimento. Registou- -se apenas uma complicação hemorrágica (hemovítreo), num doente sob terapêutica combinada (anticoagulante e antiagregante). Conclusão: No presente estudo, o risco de complicações hemorrágicas foi extremamente baixo, não se parecendo justificar a interrupção da medicação supracitada.

Palavras-chave Injecção intravítrea, anti-VEGF, complicações hemorrágicas, anticoagulantes, antiagregantes.

Abstract

Objective: To determine the safety of anti-vascular endothelial growth factor (anti-VEGF) intra- vitreal injections in patients on anticoagulant and/or antiaggregant therapy. Methods: A retrospective study was conducted on a consecutive series of patients of a sin- gle center who received anti-VEGF intravitreal injections (ranibizumab and bevacizumab), in a 2-year period. Data on demographic parameters, ophthalmological diseases, medication and hemorrhagic ocular complications were collected. Results: The study included 302 patients who received 810 intravitreal injections. Among these, 149 (49%, 366 injections) were on anticoagulant or antiaggregant therapy, and only 19 (13,7%)

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discontinued therapy before injection. There was only one hemorrhagic complication (vitreous hemorrhage) which occurred in a patient on combined anti-coagulant and antiaggregant therapy. Conclusion: In the present study, the risk of hemorrhagic complications was extremely low. Therefore, discontinuation of the referred medication does not seem required.

Key-words Intravitreal injection, anti-VEGF, hemorrhagic complications, anticoagulants, antiaggregants.

Introdução complicações hemorrágicas intra e pós operatórias,. A ma- nutenção dos fármacos antiagregantes na cirurgia de vítreo As injecções intravítreas de anti-VEGF, Bevacizumab e retina é defendida na maioria da literatura8,9,11,13,14,26,29,30. (Avastin®) e Ranibizumab (Lucentis®), constituem actual- O objectivo deste estudo foi determinar a frequência de mente uma opção de tratamento de primeira linha para uma complicações hemorrágicas após injecções intravítreas de variedade de patologias vitreoretinianas. Tem sido demons- agentes anti-VEGF em doentes antiagregados e/ou hipocoa- trado que complicações são raras quando o procedimento é gulados, através de um amplo estudo retrospectivo, de forma realizado segundo as normas estabelecidas para a boa práti- a estabelecer uma melhor relação de risco/benefício na in- ca de injecções intravítreas1,3,15,17,18,25. terrupção da medicação supracitada antes de uma injecção Muitos doentes submetidos a injecções intravítreas intravítrea. apresentam elevado risco de enfarte de miocárdio, acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda, ou embolia pulmonar por doenças subjacentes que os predispõem a es- Materiais e Métodos tas complicações10,28,34. Uma percentagem significativa des- tes doentes encontram-se medicados com anticoagulantes Foi realizado um estudo retrospectivo de uma série de e/ou antiagregantes plaquetários10,25,28. 302 doentes consecutivos que receberam 810 injecções in- A interrupção desta medicação, em doentes submetidos travítreas de agentes anti-VEGF (bevacizumab e ranibizu- a procedimentos vitreoretinianos invasivos, no sentido de mab), de um centro de referência, num período de 2 anos evitar complicações hemorrágicas oculares e consequentes (entre Julho de 2008 e Julho de 2010). resultados, é uma prática comum10,17,25. Contudo, a descon- Foram identificados todos os doentes que foram sub- tinuação da medicação antiagregante e anticoagulante pre- metidos a injecções intra-vítreas de agentes anti-VEGF no dispõe os doentes a um elevado risco de eventos tromboem- período de estudo estabelecido e seleccionados de acordo bólicos, que podem conduzir à morte10,12,16,25,27. com os critérios de inclusão e exclusão. Foram consultados Não existe nenhum consenso geral definido na prática os respectivos processos clínicos e realizadas entrevistas te- clinica, quanto à abordagem perioperatória de doentes an- lefónicas a todos os doentes incluídos. tiagregados e/ou hipocoagulados e que são submetidos a Foram registados os dados demográficos, diagnósticos injecções intravítreas repetidas12,27,33. oftalmológicos, medicação anticoagulante e antiagregante Com o uso terapêutico crescente das injecções in- e complicações hemorrágicas. travítreas de anti-VEGF, torna-se importante avaliar o As complicações hemorrágicas foram definidas como: risco hemorrágico associado a este procedimento, em hemovítreo, hemorragia retrohialóideia, aumento significa- doentes sob terapêutica anticoagulante ou antiagregante tivo de hemorragia intraretiniana ou submacular, hemorra- plaquetária12,17,25,28. gia coroideia ou supracoróideia. As hemorragias subcon- Na cirurgia de catarata a maioria dos estudos preconiza juntivais não foram consideradas. a manutenção da terapêutica anticoagulante ou antiagre- Os doentes identificados entre Julho de 2008 e Julho gante plaquetária4-6,19-23. Já na cirurgia vitreoretiniana os de 2010 que foram submetidos as injecções intravítreas de estudos são controversos, havendo autores que defendem bevacizumab e ranibizumab foram incluídos no presente a manutenção da terapêutica anticoagulante, outros que fa- estudo. Foram excluídos doentes com hemovítreo prévio e lam na suspensão desta terapêutica em doentes com bai- doentes nos quais a injecção intravítrea foi acompanhada de xo risco tromboembólico, devido ao aumento do risco de outro procedimento cirúrgico.

412 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Complicações Hemorrágicas após Injecções Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo

Os doentes foram divididos em três grupos consoante o do sexo feminino (n=158) em relação ao sexo masculino tipo de medicação: antiagregante, anticoagulante e um grupo (n=144) (Tabela 1). controlo (sem medicação antiagregante ou anticoagulante). Os diagnósticos etiológicos mais frequentes que con- O procedimento cirúrgico foi realizado após instila- dicionaram o tratamento com antiangiogénicos foram a ção de anestesia tópica com cloridrato de oxibuprocaína degenerescência macular ligada à idade, o edema macular e desinfecção local com iodopovidona a 5% na conjunti- diabético e o edema macular por oclusão venosa retiniana. va bulbar e fundos de saco conjuntivais e a 10% na pele, As patologias oftalmológicas subjacentes encontram-se dis- durante 2 minutos. A injecção intravítrea de bevacizumab criminadas no Gráfico 1. (1.25 mg/0.05 mL) ou ranibizumab (0.5 mg/0.05 mL) foi A média do número de injecções por doente foi 2.7 (in- administrada com uma agulha de 30 gauge adaptada numa tervalo de 1-14 injecções). seringa de insulina, no quadrante inferotemporal da esclera, Entre os doentes estudados, 149 (49%, 366 injecções) a 3.5 ou 4 mm do limbo, dirigida ao pólo posterior. encontravam-se sob terapêutica anticoagulante ou antia- Os doentes foram agendados para observação entre 1 a gregante e os restantes 153 doentes estudados (51%, 444 4 semanas após a injecção, realizando uma avaliação oftal- injecções) não se encontravam sob a terapêutica referida mológica completa. (Gráfico 2). O grupo dos doentes antiagregados incluiu 141 doentes e o dos anticoagulados 8 doentes. Especificamente o tipo de terapêutica realizada pelos Resultados grupos sob terapêutica antiagregante e anticoagulante foi a seguinte: ácido acetilsalicílico, 91 doentes (61.1%, 239 Foram incluídos 302 doentes consecutivos, e um total injecções); ticlopidina, 18 doentes (12.1%, 51 injecções); de 810 injecções intravítreas (bevacizumab e ranibizumab). clopidogrel, 14 doentes (9.4%, 26 injecções); triflusal, 6 A população estudada apresentou uma idade média de doentes (4.0%, 15 injecções); varfarina, 7 doentes (4.6%, 70.5 anos (intervalo 15-99 anos), com discreto predomínio

Tabela 1 | Dados demográficos (n= 302)

Dados Demográficos Idade Média (anos) 70,5 Idade Mínima (anos) 15 Idade Máxima (anos) 99 Sexo Masculino (n=) 144 Gráf. 2 | Percentagem de doentes com ou sem terapêutica anti- Sexo Feminino (n=) 158 agregante e/ou anticoagulante (n=302).

Gráf. 1 | Distribuição dos diagnósticos etiológicos pelo número total de doentes (n=302) que condicionaram o tratamento com antiangiogénicos.

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Gráf. 3 | Subgrupos de terapêutica antiagregante e anticoagulante (n=149) e número de injecções respectivos.

17 injecções); clopidogrel e ácido acetilsalicílico, 11 doen- 57 doentes hipocoagulados e antiagregados, que receberam tes (7.4%, 14 injecções); ticlopidina e ácido acetilsalicílico, injecções intravítreas consecutivas de ranibizumab, bevaci- 1 doente (0.7%, 1 injecção); e varfarina e ácido acetilsalicí- zumab ou triamcinolona, sugeriram que este procedimento lico 1 doente (0.7%, 3 injecções) (Gráfico 3). pode ser realizado sem a interrupção da terapêutica referi- Neste grupo foram identificados 130 doentes (87.3%) da17. Loukopoulos et al mostraram haver um baixo risco que não interromperam a medicação anticoagulante e/ou an- de complicações em doentes que receberam injecções de tiagregante pelo menos uma semana antes do procedimento. ranibizumab e medicados com anticoagulantes. Neste estu- Como complicação hemorrágica, registou-se apenas um do foi contabilizado o índice internacional de normalização caso de hemovítreo, que ocorreu um mês após uma de três (INR), cuja média e desvio padrão foi de 2.32±0.7924. Tam- injecções intravítreas. O doente encontrava-se sob terapêu- bém Mason et al num estudo retrospectivo recente de 675 tica com varfarina e ácido acetilsalicílico, e tinha o diag- olhos que receberam 1306 injecções intravítreas, recomen- nóstico de retinopatia diabética proliferativa de alto risco. dam a continuação do regime terapêutico, sem interrupção Não foram registadas outras complicações hemorrágicas devido ao baixo risco de complicações em doentes sistemi- nos restantes doentes (n=301). camente hipocoagulados e antiagregados25. No presente estudo cerca de metade (49%) dos doen- tes submetidos a injecções intravítreas estavam medicados Discussão com antiagregantes ou anticoagulantes. Após 366 injecções intravítreas em 149 doentes sob terapêutica antiagregante O risco de complicações tromboembólicas versus he- ou anticoagulante, verificou-se um baixo risco de compli- morragia ocular envolvidos com a abordagem perioperató- cações hemorrágicas, registando-se apenas um evento he- ria em doentes antiagregados ou hipocoagulados continua morrágico num doente hipocoagulado e antiagregado. Este a ser um tópico de debate. Não há actualmente nenhuma baixo risco de hemorragia ocular contrapõe-se ao potencial regra estabelecida de orientação em relação a esses doentes, risco de eventos tromboembólicos sistémicos quando a me- resultando numa variabilidade de decisões clínicas em toda dicação antiagregante ou anticoagulante é interrompida10. a comunidade oftalmológica2,4-7,8,9,11-15,17,19-25,26,27,29-32. A única complicação hemorrágica verificada, ocorreu As hemorragias após injecções intravítreas podem es- num doente cuja patologia oftalmológica de base (retino- tar relacionadas com o procedimento em si, com o fármaco patia diabética proliferativa), se encontra associada a um administrado ou com o estado hipocoagulado do doente27. elevado risco de hemorragia espontânea, colocando-a em Alguns estudos têm demonstrado a segurança e ausên- provável relação com este aspecto. cia de complicações hemorrágicas em doentes sistemica- Todavia, este estudo apresenta algumas limitações. mente hipocoagulados e antiagregados, submetidos a injec- Estas incluem o facto de ser um estudo retrospectivo, ções intravítreas7,12,15,17,24,25,27,32. Horn et al, num estudo de não contemplar INR como medida objectiva do estado de

414 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Complicações Hemorrágicas após Injecções Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo

anticoagulação pela varfarina e apresentar um n pequeno no Lambert G, Chung AK, Eke T, Sparrow JM; EPR User subgrupo de doentes hipocoagulados (n=8, 20 injecções), Group. The Cataract National Dataset electronic multi- não permitindo obter conclusões com segurança nesse centre audit of 55,567 operations: antiplatelet and anti- subgrupo de doentes. coagulant medications. Eye (Lond). 2009 Jan;23(1):10- Apesar destas limitações, os nossos resultados sugerem 6. Epub 2008 Feb 8. que a taxa de complicações hemorrágicas em doentes siste- 7. Brown DM, Kaiser PK, Michels M; ANCHOR Study micamente antiagregados é extremamente baixa, e dado o Group. Ranibizumab versus verteporfin for neovascu- risco associado à interrupção desta medicação, não se pa- lar age-related macular degeneration. N Engl J Med rece justificar a interrupção da mesma. Estes dados corro- 2006;355:1432–1444. boram as conclusões de outros estudos clínicos7,12,15,17,25,27,32. 8. Brown JS, Mahmoud TH. Anticoagulation and clini- De acordo com os resultados do nosso estudo e da lite- cally significant postoperative vitreous hemorrhage in ratura mais recente, os autores apoiam a manutenção desta diabetic vitrectomy. Retina. 2011 Nov;31(10):1983-7. terapêutica, devido ao baixo risco de complicações hemor- 9. Chandra A, Jazayeri F, Williamson TH. Warfarin rágicas associadas a este procedimento. No entanto, deve in vitreoretinal surgery: a case controlled series. Br J salientar-se que a continuação/interrupção desta medicação Ophthalmol. 2011 Jul;95(7):976-8. Epub 2010 Nov 11. continua a ser uma decisão clínica individualizada, na qual 10. Charles S, Rosenfeld JP, Gayer, S. Medical Conse- o médico deve avaliar cuidadosamente a história clínica e quences of Stopping Anticoagulant Therapy Before discutir os riscos e benefícios com os próprios doentes. Intraocular Surgery or Intravitreal Injections. Retina. Estudos prospectivos adicionais poderão reforçar os da- 2007; 27(7):813-5. dos encontrados, e estabelecer uma norma de actuação nos 11. Dayani PN, Grand MG. Maintenance of warfarin an- casos de doentes antiagregados e/ou hipocoagulados, que ticoagulation for patients undergoing vitreoretinal sur- tenham indicação para administração de terapêutica por in- gery. Trans Am Ophthalmol Soc. 2006;104:149-60. jecção intraocular. 12. Dayani PN, Siddiqi OK, Holekamp NM. Safety of intra- vitreal injections in patients receiving warfarin anticoa- gulation; Am J Ophthal. 2007; 144(3):451-3. 13. Fabinyi DC, O’Neill EC, Connell PP, Clark JB. Vi- Bibliografia treous cavity haemorrhage post-vitrectomy for diabetic eye disease: the effect of perioperative anticoagula- 1. Aiello LP, Brucker AJ, Chang S, Cunningham ET Jr, tion and antiplatelet agents. Clin Experiment Ophthal- D’Amico DJ, Flynn HW Jr. Evolving guidelines for in- mol. 2011 Dec;39(9):878-84. doi: 10.1111/j.1442- travitreous injections. Retina, 2004; 24:S3-19. -9071.2011.02575.x. Epub 2011 Jun 14. 2. Alwitry A, King AJ, Vernon SA. Anticoagulation 14. Fu AD, McDonald HR, Williams DF, Cantrill HL, Ryan therapy in glaucoma surgery. Graefes Arch Clin Exp EH Jr, Johnson RN, Ai E, Jumper JM. Anticoagulation Ophthalmol 2008; 246:891–896. with warfarin in vitreoretinal surgery. Retina. 2007 3. Angulo Bocco MC, Glacet-Bernard A, Zourdani A, Mar;27(3):290-5. Coscas G, and Soubrane G. Injection intravitréenne: 15. Fung AE, Rosenfeld PJ, Reichel E. The international évaluation rétrospective de la technique et des compli- intravitreal bevacizumab safety survey: using the Inter- cations d’une série de 2028 injections. Journal Français net to assess drug safety worldwide. Br J Ophthalmol d’Ophtalmologie. 2008; 31(7):693-8. 2006;90:1334–1349.Retina 2006;26:839–841. 4. Barequet IS, Sachs D, Priel A, Wasserzug Y, Marti- 16. Genewin U, Haeberli A, Straub PW. Rebound after ces- nowitz U, Moisseiev J, Salomon O. Phacoemulsifica- sation of oral anticoagulant therapy: the biochemical tion of cataract in patients receiving Coumadin therapy: evidence. Br J Haematol 1996;92:479–485. ocular and hematologic risk assessment. Am J Ophthal- 17. Horn W, Hoerauf H. Intravitreal injections during an- mol. 2007 Nov;144(5):719-723. Epub 2007 Sep 17. ticoagulant treatment. Klin Monbl Augenheilkd. 2008 5. Barequet IS, Sachs D, Shenkman B, Priel A, Wasserzug Mar;225(3):217-9. Y, Budnik I, Moisseiev J, Salomon O. Risk assessment 18. Jager RD, Aiello LP, Patel SC, Cunningham ET. Risks of simple phacoemulsification in patients on combined of intravitreous injection: a comprehensive review. Re- anticoagulant and antiplatelet therapy. J Cataract Re- tina. 2004;24(5):676-698. fract Surg. 2011 Aug;37(8):1434-8. Epub 2011 Jun 17. 19. Jamula E, Anderson J, Douketis JD. Safety of con- 6. Benzimra JD, Johnston RL, Jaycock P, Galloway PH, tinuing warfarin therapy during cataract surgery: a

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 415 Cláudia Loureiro, Ana Bastos Carvalho, Joana Valadares, Joaquim Prates Canelas, Manuel Monteiro Grillo

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416 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.417-424

Artigo Original Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente de Suspensão Escleral com Íris Artificial

Mariana Seca1,4, Mafalda Macedo1,4, Pedro Borges1,4, Natália Ferreira2,4, Angelina Meireles3,4 1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia 2Assistente Hospitalar de Oftalmologia 3Chefe de Serviço de Oftalmologia 4Serviço de Oftalmologia – Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto

RESUMO

Objectivo: Avaliar os resultados anatomofuncionais e perfil de segurança da implantação secun- dária de lente em suspensão escleral (LSE) com íris artificial em doentes com disfunção iridiana traumática. Material e Métodos: Revisão de seis casos (média de idades de 51 anos) que sofreram trauma- tismo do globo ocular com consequente aniridia ou midríase fixa. Os doentes foram submetidos a vitrectomia via pars plana (VPP) com implantação secundária de LSE com íris artificial (modelo 311 da Ophtec). Foram recolhidos dados demográficos e aspectos relevantes relacionados com o traumatismo. Foi realizado um exame oftalmológico completo, registado o grau subjectivo de incapacidade causado pelo glare e fotofobia e avaliadas as complicações pós-operatórias. O seguimento médio foi de 19 meses. Resultados: Quatro doentes apresentaram ruptura do globo ocular com aniridia e catarata trau- mática. Dois doentes sofreram contusão ocular com subluxação lenticular e midríase fixa. A melhor acuidade visual corrigida (MAVC) após o traumatismo variou entre percepção luminosa e conta dedos. No final do seguimento, a MAVC oscilou entre 20/60 e 20/25. O astigmatismo corneano induzido pela cirurgia não foi estatisticamente significativo. A percepção subjectiva de glare e fotofobia melhorou em todos os doentes que apresentavam estes sintomas. Como com- plicação pós-operatória foi verificado um caso de descolamento de retina. Conclusão: O traumatismo do globo ocular está geralmente associado a um mau prognóstico. No entanto, nos casos em que a retina permanece aplicada, a VPP combinada com a implantação secundária de LSE com íris artificial para reparação da disfunção iridiana parece oferecer bons resultados anatomofuncionais.

Palavras-chave Traumatismo ocular, disfunção iridiana, aniridia traumática, midríase fixa traumática, LSE com íris artificial.

ABSTRACT

Purpose: Report the anatomical and functional results and the safety of secondary implantation of scleral fixation intraocular lens (IOL) with artificial iris in patients with severe traumatic dys- function of the iris.

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Materials and Methods: Review of six cases (mean sample age was 51 years) of ocular trauma with consequent traumatic aniridia or fixed mydriasis. Patients were submitted to pars plana vitrectomy (PPV) and secondary implantation of scleral fixation IOL with artificial iris (Ophtec model 311). Demographic data and relevant information regarding the ocular traumatism were collected. It was performed a complete ophthalmologic examination, the subjective degree of disability caused by glare and photophobia was registered, and postoperative complications were evaluated. The mean follow-up was 19 months. Results: Four patients presented with globe rupture and traumatic aniridia and cataract. Two patients had an ocular contusion with subluxation of the lens and fixed dilated pupil. Post trauma best-corrected visual acuity (BCVA) ranged between light perception and counting fin- gers. At the end of follow-up period, BCVA was between 20/63 and 20/25. The corneal astig- matism induced by LSE implantation was not statistically significant. The subjective percep- tion of glare and photophobia improved in all patients who had experienced these symptoms. As postoperative complication was observed one case of retinal detachment. Conclusions: Ocular trauma is usually associated with bad prognosis. Nonetheless, in cases where retina is attached, PPV combined with secondary implantation of an artificial iris IOL for iridian dysfunction repair seems to offer good anatomical and functional results.

Key-words Ocular trauma, iridian dysfunction, traumatic aniridia, traumatic fixed dilated pupil, scleral fixa- tion IOL with artificial iris.

INTRODUÇÃO traumática. O nosso objectivo é avaliar os resultados ana- tómicos e funcionais da implantação secundária de lente de A disfunção iridiana associada a trauma pode mani- suspensão escleral (LSE) com íris artificial nestes doentes, festar-se de duas formas: aniridia, isto é, ausência parcial e avaliar a segurança e complicações destes implantes ao ou total do tecido da íris, ou midríase fixa, por lesão do longo do seguimento. músculo esfíncter da íris. Os doentes que apresentam dis- função iridiana podem sofrer de diminuição da acuidade vi- sual, sintomas subjectivos de glare e fotofobia, diminuição MATERIAL E MÉTODOS da profundidade de campo, aberrações de alta ordem, bem como apresentar um aspecto estético menos desejado1. Im- Estudo retrospectivo, não-comparativo, de seis doentes plantar uma lente intra-ocular (LIO) sem abordar a deficiên- que sofreram trauma ocular que condicionou uma disfun- cia iridiana pode resultar em aberrações adicionais causadas ção iridiana (aniridia ou midríase fixa traumáticas); estes pelos raios de luz que atravessam a periferia da LIO2. doentes foram submetidos a cirurgia primária em contexto Ao longo dos anos, vários métodos têm sido usados para de urgência, seguido de vitrectomia via pars plana (VPP), minimizar as alterações oftalmológicas decorrentes da dis- tamponamento com óleo de silicone ou gás quando neces- função iridiana, nomeadamente, lentes de contacto de cor3, sário, e implantação secundária de LSE com íris artificial. tatuagem da córnea4,5 e implante com íris artificial6-11. Em As cirurgias foram realizadas por dois cirurgiões da 1994, Sundmacher et al. foram os primeiros a relatar o uso secção de Vítreo-Retina, no bloco operatório do Serviço de de uma LIO de câmara posterior com íris preta artificial6. Oftalmologia do Centro Hospitalar do Porto, num período Posteriormente, vários estudos relataram os resultados da de 33 meses, entre Setembro de 2007 e Julho de 2010. implantação destas lentes, incluindo modelos da Morcher Foram registados os dados demográficos e toda a infor- GmbH7,12,13 e da Ophtec BV14,15. mação obtida no exame oftalmológico completo: melhor No nosso trabalho apresentamos seis casos de trauma- acuidade visual após o trauma, biomicroscopia e fundos- tismo do globo ocular com consequente disfunção iridiana copia sob midríase farmacológica. O grau subjectivo de

418 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial

incapacidade causado pelo glare e fotofobia também foram sutura com alça (nylon 10/00, polipropileno) através do ori- registados. fício localizado no háptico e formação de um nó com esta Incluído na biomicroscopia estava um desenho do defei- alça; passagem de cada agulha através da incisão cornea- to funcional da íris, estimado em perda de tecido de <25%, na, contornando o rebordo pupilar e exteriorizando-se 1,5 de 25-50%, de 50-75% ou de >75%; uma pupila fixa e mi- mm posteriormente ao limbo, em posições diametralmente driática foi considerado um defeito funcional da íris. opostas após abertura localizada da conjuntiva; introdução Após a implantação da LSE, foram avaliados os se- da lente na câmara anterior, posicionando-a ao nível do guintes dados: melhor acuidade visual corrigida (MAVC) sulco irido-capsular e de forma a centrar o corpo da lente; e o cilindro necessário para atingir esta AV, pressão intra- fixação da LIO à esclera com o fio de sutura nylon 10/00 -ocular por tonometria de aplanação de Goldmann, o grau através de uma sutura intra-escleral com 4 passagens em subjectivo de incapacidade causado pelo glare e fotofobia e zig-zag, sem recurso a nó; encerramento da incisão cornea- as complicações pós-operatórias. na com fio de sutura nylon 10/00 e por hidratação dos bor- O grau de incapacidade causado pelo glare e pela fo- dos e encerramento da conjuntiva (Figuras 2 a 4). tofobia foi avaliado através de um questionário realizado ao doente que graduava este sintoma em ausente, ligeiro, moderado e severo. Os doentes foram observados antes e depois de cada tempo cirúrgico, e no 1º, 3º, 6º e 12º mês após a implantação da LSE com íris artificial. A LSE usada no presente estudo (lente intra-ocular com íris artificial, modelo 311 da Ophtec) (Figura 1) é um implan- te de peça única de polimetilmetacrilato (PMMA) com capa- cidade de absorção da radiação ultravioleta. A LIO apresenta dupla funcionalidade permitindo corrigir distúrbios visuais resultantes da disfunção da íris, bem como corrigir erros re- fractivos esféricos consequentes à afaquia cirúrgica frequen- temente estabelecida após o trauma. A íris artificial da LIO está disponível em 3 cores (castanho, azul e verde) e apresen- ta 9 mm de diâmetro. A óptica central pode ter um poder es- férico entre +10,00 e +30,00 Dioptrias (D), com incrementos de 0,50 D, e apresenta 4 mm de diâmetro. Em cada um dos Fig. 2 | Introdução da LSE com íris artificial. dois hápticos em “C” existe um orifício por onde passa o fio de sutura que vai permitir a fixação à esclera. O comprimento máximo desta lente é de 13,75 mm.

Fig. 1 | Lente intra-ocular com íris artificial modelo 311 da Ophtec (disponível em castanho, verde e azul).

A técnica cirúrgica usada para implantar a LIO com íris artificial resume-se nos seguintes passos: realização de uma incisão corneana de 9,5 mm; passagem da agulha do fio de Fig. 3 | Introdução da LSE com íris artificial.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 419 Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles

RESULTADOS

Na amostra de 6 doentes, 5 eram homens e 1 era mulher. A idade variou entre os 33 e 60 anos, com uma média de idades de 51 anos. Nenhum dos doentes apresentava pato- logia oftalmológica prévia. O diagnóstico à entrada no Serviço de Urgência variou consoante apresentado na Tabela 1. Quatro dos 6 doentes apresentavam um trauma aberto, com atingimento da zona III. Funcionalmente, 3 dos 6 doentes apresentavam perdas de tecido da íris igual ou superior a 50%; 2 doentes tinham uma midríase fixa traumática. Os doentes 1 a 4 foram submetidos em primeiro tempo a uma reparação primária do globo ocular e, em segundo tempo, a uma VPP com tamponamento com óleo de silico- Fig. 4 | Introdução da LSE com íris artificial. ne ou gás endocular. Os doentes 5 e 6 foram submetidos em

Tabela 1 | Dados pós-trauma

Sexo, idade Causa do Tipo e tamanho Perda tecido Sequência Doente Olho Diagnóstico (anos) trauma da ferida de íris cirúrgica 1ª: sutura corneo-escleral 2ª: vitrectomia + facofagia + ruptura corneo- laser + silicone 1 OE ♂, 33 madeira aberta, 8mm escleral, catarata e 50 % 3ª: extracção de silicone + aniridia traumáticas implantação de LSE com íris artificial 1ª: sutura escleral laceração escleral, 2ª: vitrectomia + laser + C3F8 catarata e aniridia 3ª: facoemulsifação + traumáticas, 2 OE ♂, 56 arame aberta, 3mm < 25 % implantação de LSE com íris descolamento artificial de retina com 4ª: vitrectomia + crioaplicação rasgadura gigante + SF6 1ª: sutura escleral ruptura escleral, 2ª: vitrectomia + facofagia + queda luxação cristalino laser + silicone 3 OE ♀, 52 na via aberta, 15mm com catarata e 50-75 % 3ª: extracção silicone pública aniridia traumáticas, 4ª: implantação de LSE com rasgadura retiniana íris artificial 1ª: sutura escleral ruptura escleral, 2ª: vitrectomia + crioapliação catarata, aniridia 4 OD ♂, 60 murro aberta, 6mm > 75 % + SF6 total, rasgadura 3ª: implantação de LSE com retiniana íris artificial 1ª: vitrectomia + facofagia luxação cristalino, 5 OD ♂, 53 madeira fechada - 2ª: implantação de LSE com midríase fixa íris artificial cristalino 1ª: vitrectomia + facofagia 6 OD ♂, 49 mola fechada subluxado, midríase - 2ª: implantação de LSE com fixa íris artificial

420 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial

primeiro tempo a uma VPP. Em todos os doentes foi reali- O seguimento médio foi de 19 meses (entre os 12 e 40 zada a implantação de uma LSE com íris artificial (modelo meses). No final deste, as lentes estavam centradas, verifi- 311 da Ophtec), todas de cor castanha, e com poder esférico cando-se um pequeno desvio inferior num doente (doente entre +19,00 e +24,00 D. 3). O bom resultado estético é corroborado pelas Figuras Todos os doentes apresentavam acuidades visuais (AV) 2 a 7. pós-trauma entre percepção luminosa (PL) e conta dedos (CD). Após a implantação da LSE com íris artificial houve uma melhoria da AV para valores > 20/40 em cinco doentes DISCUSSÃO e para 20/60 num doente, na escala de Snellen (Tabela 2). Relativamente à refracção, o cilindro médio pré-implan- A íris regula a quantidade de luz que entra no olho, de- tação de LIO era de 1,83 D e o cilindro médio pós-operatório pendendo esta da superfície da pupila, calculada pela fór- foi de 2,21 D, diferença estatisticamente não significativa. mula S = π x r2. Assim, um aumento no diâmetro da pupi- Cinco dos 6 doentes referiram incapacidade moderada a la resulta num aumento da quantidade de luz que entra no severa causada por glare e fotofobia. Todos os doentes que olho16. referiram estes sintomas no período após o trauma melhora- A disfunção iridiana é incapacitante para a maioria dos ram após a implantação da íris artificial (Tabela 3). doentes. A aniridia ou a midríase fixa permitem a entrada de Constatou-se como única complicação cirúrgica um maior quantidade de luz, causando fotofobia e incapacidade descolamento de retina (DR), 2 meses após a cirurgia de de abrir o olho normalmente. Além disso, estes doentes so- implantação da LIO com íris artificial (Tabelas 1 e 3 – frem de degradação da imagem devido a um maior número doente 2), que foi resolvido com sucesso com vitrectomia e de aberrações de alta ordem e a uma diminuição da profun- tamponamento com gás. didade de campo1,14,16.

Tabela 2 | MAVC e refracção pós-trauma/pré-implantação de LSE e no final do seguimento

M AVC Refracção Doente final do pré-LSE final do seguimento pós-trauma seguimento cilindro eixo cilindro Eixo 1 PL 20/30 2,25 150º 2,00 70º 2 CD 20/25 2,50 170º 0,50 180º 3 PL 20/60 2,50 130º 4,00 180º 4 CD 20/25 1,00 180º 3,00 155º 5 CD 20/25 1,50 70º 3,00 110º 6 CD 20/30 1,25 90º 0,75 180º

Tabela 3 | MAVC e refracção pós-trauma/pré-implantação de LSE e no final do seguimento

Glare Fotofobia Doente Complicações pre-LSE pós-LSE pre-LSE pós-LSE 1 ++ 0 ++ 0 - DR (2 meses após 2 +++ 0 +++ + implantação de LSE) 3 ++ 0 +++ 0 - 4 +++ ++ +++ ++ - 5 0 0 0 0 - 6 ++ 0 ++ 0 -

+++ severo; ++ moderado; + ligeiro; 0 ausência

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 421 Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles

Fig. 5 | Doente 1: 33 anos, ♂, trauma ocular aberto (madeira); AV Fig. 8 | Doente 4: 60 anos, ♂, trauma ocular aberto (murro); inicial: PL; AV final: 20/30. AV inicial: CD; AV final: 20/25.

Fig. 6 | Doente 2: 56 anos, ♂, trauma ocular aberto (arame); Fig. 9 | Doente 5: 53 anos, ♂, trauma ocular fechado (madeira); AV inicial: CD; AV final: 20/25. AV inicial: CD; AV final: 20/25.

Fig. 7 | Doente 3: 52 anos, ♀, trauma ocular aberto (queda na via Fig. 10 | Doente 6: 49 anos, ♂, trauma ocular fechado (mola); pública); AV inicial: PL; AV final: 20/60. AV inicial: CD; AV final: 20/30.

422 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial

Existem várias formas de corrigir disfunções iridianas. afirmaram estar satisfeitos com a melhoria na aparência es- A pupiloplastia é um tratamento cirúrgico possível no caso tética depois da implantação da LIO com íris artificial. da aniridia parcial, quando ainda está presente tecido da íris O descolamento de retina, endoftalmite, hemovítreo e suficiente. As lentes de contacto coloridas são outro trata- instabilidade do implante são alguns riscos pós-operatórios mento proposto, no entanto, são muitas vezes mal toleradas associados às LIO com íris artificial20,21. No nosso estudo a longo prazo. A tatuagem da córnea é um método antigo verificou-se um DR num doente, que resolveu com vitrec- que segundo Hirbsen et al.17 é uma cirurgia simples, eficien- tomia e re-aplicação da retina com tamponamento com gás. te e com poucas complicações. A hipertensão intraocular (HTO), normalmente transitó- Na literatura6-11, as lentes mais nomeadas são as do la- ria, tem sido relatada por vários autores7,18,19. No nosso estu- boratório Morcher® (aniridia IOL Type 67F, aniridia IOL do não se verificou nenhum caso de HTO pós-implantação Type 67G, aniridia ring Type 50C e coloboma diaphragm de LSE. Type 96G) e do laboratório Ophtec® (modelo 311). Rela- Concluindo, em caso de aniridia traumática, associada tivamente ao local de suporte da lente, esta pode ser in- a afaquia, recomendamos a implantação de uma LSE com troduzida no sulco ciliar, pode ser realizada uma sutura íris artificial Ophtec® 311. Estes implantes, que parecem ser transescleral de forma a suspendê-la à esclera ou pode ser seguros, permitem uma reconstrução estética e funcional introduzida no saco capsular. Esta última técnica (endocap- bastante satisfatória. sular) apresenta vantagens sobre as duas primeiras uma vez Contudo, a evolução tecnológica dos implantes com íris que reduz a incidência de glaucoma e permite uma maior artificial (por exemplo, diferentes cores, maior variedade estabilidade da lente11. dos diâmetros pupilares, fabrico em diferentes materiais), Por terem sido sujeitos a um trauma, todos os doentes juntamente com uma maior experiência no seu uso, pare- do nosso estudo apresentavam instabilidade do complexo ce ser necessário para uma melhoria global dos resultados irido-zonulo-capsular, com consequente comprometimento cirúrgicos. do suporte capsular. Assim, a escolha da nossa equipa cirúr- gica foi a lente de suspensão escleral do laboratório Ophtec® 311. Esta lente proporciona uma pupila fixa de 4mm, o que limita a entrada de luz no olho, aumenta a profundidade de BIBLIOGRAFIA campo e minimiza as aberrações de alta ordem associadas a pupilas de maior tamanho. Tal como escreveu Price et al.14, 1. Williams DR, Yoon G, Guirao A, et al. How Far Can este diâmetro de 4mm parece-nos ser um compromisso en- We Extend the Limits of Human Vision? In: MacRae tre o tamanho da pupila em condições escotópicas e fotó- SM, Krueger RR, Applegate RA, eds. Customized Cor- picas, permitindo um exame adequado da retina periférica. neal Ablation. Thorofare, NJ: Slack Inc.; 2001:11-32. No estudo de 10 olhos submetidos à implantação da len- 2. Machor RS, Bahar I, Kaiserman I, Berg AL, Slomovic te Ophtec, Price et al.14 mostrou que a AV e distúrbios vi- A, Rootman DS. Combined penetrating keratoplas- suais como fotofobia e glare melhoraram. No nosso estudo, ty and implantation of iris prosthesis intraocular len- a AV melhorou em 100% dos doentes. O grau subjectivo ses after ocular trauma. J Cataract Refract Surg 2011; de incapacidade provocado pelo glare e fotofobia também 37:582-587. melhorou em 100% dos doentes que apresentavam estes 3. Burger DS, London R. Soft opaque contact lenses in sintomas antes da implantação da LIO com íris artificial. binocular vision problems. J Am Optom Assoc 1993; Considerando a grande incisão corneana (9,5 mm) ne- 64:176-180. cessária para a introdução da lente, um astigmatismo pós- 4. Beekhuis WH, Drost BHIM, Velden EM van der Sam- -operatório é uma complicação que deve ser minimizada14,16. derubun. A new treatment for photophobia in posttrau- Na nossa amostra verificou-se um aumento no astigmatis- matic aniridia: a case report. Cornea 1998; 17:338-341. mo corneano, com aumento do cilindro necessário para a 5. Burris TE, Holmes-Higgin DK, Silvestrini TA. Lame- sua correcção, mas esta diferença não foi significativa. llarintrastromal corneal tattoo for treating iris defects Por último, a carga psicossocial é também um compo- (artificial iris). Cornea 1998; 17:169-173. nente importante a considerar. A lente Ophtec® modelo 311 6. Sundmacher R, Reinhard T, Althaus C. Black-dia- permite a escolha da cor da íris de forma a aproximar-se do phragm intraocular lens for correction of aniridia. olho adelfo e oferecer um melhor resultado estético. Vários Ophthalmic Surg 1994; 25:180-185. autores têm demonstrado subjectivamente um grau elevado 7. Thompson CG, Fawzy K, Bryce IG, Noble BA. Implan- de satisfação dos doentes8,9,14,15. No nosso estudo, os doentes tation of a black diaphragm intraocular lens for traumatic

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 423 Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles

aniridia.J Cataract Refract Surg 1999; 25:808-813. 16. Roman S, Cherrate H, Trouvet JP, Ullern M, Baudouin 8. Tanzer DJ, Smith RE. Black iris-diaphragm intraocular C. Artificial iris intraocular lenses in aniridia or iris de- lens for aniridia and aphakia. J Cataract Refract Surg ficiencies. J F Ophtalmologie 2009; 32:320-325. 1999; 25:1548-1551. 17. Hirsbein D, Gardea E, Brasseur G, Muraine M. Le ta- 9. Osher RH, Burk SE. Cataract surgery combined with touage cornéen chirurgical dans la prise en charge des implantation of an artificial iris. J Cataract Refract Surg defects de l’iris. J Fr Ophtalmol 2008; 31:15. 1999; 25:1540-1547. 18. Moghimi S, Riazi Esfahani M, Maghsoudipour M. Vi- 10. Burk SE, Da Mata AP, Snyder ME, Cionni RJ, Cohen sual function after implantation of aniridia intraocular JS, Osher RH. Prosthetic iris implantation for congeni- lens for traumatic aniridia in vitrectomized eye. Eur J tal, traumatic, or functional iris deficiencies. J Cataract Ophthalmol. 2007 Jul-Aug;17(4):660-5. Refract Surg 2001; 27:1732-1740. 19. Menezo JL, Martínez-Costa R, Cisneros A, Desco MC. 11. Mavrikakis I, Hickman Casey JM. Phacoemulsification Implantation of iris devices in congenital and trauma- and endocapsular implantation of an artificial iris intrao- tic aniridias: surgery solutions and complications. Eur J cular lens in traumatic catatract and aniridia. J Cataract Ophthalmol. 2005 Jul-Aug;15(4):451-7. Refract Surg 2002; 28:1088-1091. 20. Michaeli A., Assia E.I. Scleral and iris fixation of pos- 12. Beltrame G, Salvetat ML, Chizzolini M, et al. Implan- terior chamber lenses in the absence of capsular support tation of a black diaphragm intraocular lens in ten ca- Curr Opin Ophthalmol 2005; 16:57-60. ses of post-traumatic aniridia. Eur J Ophthalmol 2003; 21. Por Y.M., Lamin M.J. Techniques of intraocular lens 13:62-8. suspension in the absence of capsule/zonule support. 13. Chen YJ, Wu PC. Favorable outcome using a black dia- Surv Ophthalmol 2005; 50:429-462. phragm intraocular lens for traumatic aniridia with total iridectomy. J Cataract Refract Surg 2003; 29:2455-7. 14. Price MO, Price FW Jr, Chang DF, Kelley K, Olson Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar MD, Miller KM. Ophtec iris reconstruction lens Uni- ted States clinical trial phase I. Ophthalmology. 2004 Oct;111(10):1847-52. CONTACTO 15. Miller AR, Olson MD, Miller KM. Functional and Mariana Seca cosmetic outcomes of combined penetrating kerato- HSA-CHP, Largo Prof. Abel Salazar Edifício Neoclássico plasty and iris reconstruction lens implantation in eyes 4099-001 Porto with a history of trauma. J Cataract Refract Surg. 2007 +351916930417 May;33(5):808-14. [email protected]

424 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.425-431

Artigo Original Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)

Maria Picoto1, José Galveia1, Joana Portelinha1, António Rodrigues2, Fernanda Vaz3 1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia 2Director de Serviço de Oftalmologia 3Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia Serviço de Oftalmologia - Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

Resumo

Objectivo: Comparar os valores de EFC (espessura média nos 1000 μm de diâmetro centrais) obtidos através dos protocolos de mapeamento macular da tomografia de coerência óptica em “Time Domain” (TD, Stratus) e “Spectral Domain” (SD, Heidelberg). Métodos: Estudo prospectivo de 74 olhos, 31 saudáveis e 43 com patologia vítreo-retiniana (vr). As tomografias de coerência óptica foram obtidas nos dois aparelhos, na mesma consulta, por um único operador experiente. Comparou-se a relação entre os valores das EFC medidas pelos dois sistemas. Avaliou-se a reprodutibilidade e a correlação dessas medições. Estabeleceu-se uma fórmula preditiva para obtenção de valores de EFC no Heidelberg (SD) a partir dos valores obtidos no Stratus (TD). Resultados: A correlação entre as ECR medidas pelos dois sistemas de OCT foi de 0,71 em olhos saudáveis (p<0,001) e 0,53 em olhos com patologia vr (p<0,001). A EFC média na amostra global de pacientes foi de 261,05 ± 92,12 nm no TD e 319,82 ± 104,12 no SD. A diferença média de EFC entre os dois sistemas foi de 88,67 +/- 16,68 nm em olhos com patologia vr (p<0,001) e 71,7+/-4,23 nm em olhos saudáveis (p<0,001). O Coeficiente de Reprodutibilidade (COR) foi de 1,95 x 4,23 em olhos saudáveis (p< 0,001) e 1,95 x 16,68 em olhos com patologia vr (p<0,001). Conclusões: Existe uma correlação directa entre as medições de EFC obtidas pelos dois siste- mas, sendo mais forte para os olhos saudáveis. Estas discrepâncias relacionam-se com diferenças nos algoritmos de segmentação usados pelos dois sistemas e devem ser tidas em consideração na prática clínica.

Palavras-chave Espessura Central da Retina, Tomografia de Coerência Óptica, Patologia da interface vítreo- -retiniana, Correlação, Fórmula Preditiva.

Abstract

Purpose: To compare central retinal thickness (CRT) values of fast macular thickness map ob- tained by Time domain (TD, Stratus) and Spectral Domain (SD, Heidelberg) OCT Methods: Prospective study of 74 eyes, 31 healthy and 43 with vitreoretinal (vr) pathology.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 425 Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz

A single trained operator using Stratus OCT and Spectralis OCT at the same visit imaged the macula. The CRT measured by TD and SD OCT was compared. The relationship between CRT measurements of both OCTs was evaluated using a Pearson correlation analysis (r) and the coe- fficient of reproducibility (COR) was determined. A predictive formula to obtain CRT values from SD by TD measurements was estimated. Results: The correlation between CRT measured by both OCT systems was 0,71 (p<0,001) in healthy eyes and 0,53 (p<0,001) in eyes with vr pathology. The average CRT in all the eyes was 261,05 ± 92,12 μm in TD and 319,82 ± 104,12 μm in SD. The difference of CRT between the two systems was 88,67 +/- 16,68 nm in eyes with vr pathology (p<0,001) and 71,7+/-4,23 μm in healthy eyes (p<0,001). The COR was 1,95 x 4,23 in healthy eyes (p< 0,001) and 1,95 x 16,68 in eyes with vr pathology (p<0,001). Conclusions: There is a direct correlation of CRT measurements between the two OCT systems. The correlation is stronger in healthy participants. These discrepancies are probably based on differences in retinal segmentation algorithms used by each OCT systems.

Key-words Central Retinal Thickness, Optical Coherence Tomography, Vitreoretinal pathology, Coefficient of correlation, Predictive formula.

Introdução de aquisição, resolução (5 μm), fiabilidade e reprodutibili- dade superiores8. O diagnóstico, decisão terapêutica e follow-up de doen- A tecnologia do SD OCT utiliza a interferometria de tes com patologias da retina, assim como o número crescen- baixa coerência na detecção de ecos de luz, através de um te de ensaios clínicos que avaliam novas terapias farmaco- espectrómetro e de uma câmara de alta velocidade. Tem lógicas para estas doenças, exigem um método reprodutível como base a premissa matemática de transformação de e fiável de estudo tomográfico da retina, nomeadamente no Fourier9,10,11. A aplicação desta fórmula resulta na medição que se refere à sua EFC1. A angiografia fluoresceínica, ape- de todos os ecos de luz simultaneamente, em comparação sar de ter um papel muito relevante nesta área, não provi- à aquisição sequencial do TD. Esta capacidade permite dencia uma avaliação quantitativa da EFC, ao contrário do adquirir um maior número de dados por sessão, resultan- OCT. Acresce ainda o facto de ser um método não invasivo, do numa diminuição dos artefactos de movimento e num de não contacto e que fornece imagens de alta resolução de aumento da razão sinal/ruído. A menor interpolação entre cortes transversais da retina2. A determinação da EFC tem scans permite uma análise volumétrica e a construção de valor, na medida em que é amplamente utilizada na prática imagens de forma tridimensional.6,8 clínica e em ensaios clínicos, sendo muitas vezes enquadra- Na nossa prática clínica, o TD OCT (Stratus, Carl Zeiss da como indicador dos objectivos primários do estudo ou Meditec, Inc) tem sido o aparelho mais utilizado. Recentemen- no processo de tomada de decisões terapêuticas2,3,4. te foi introduzido o SD OCT (Spectralis TM HRA+OCT, Hei- A Tomografia de Coerência Óptica tem como princípio delberg Engineering, Inc.). Quando se pretende a utilização de a interferometria de Michelson. Nesta, a luz passa através ambos ou a substituição de um pelo outro, a concordância en- do olho, originando diferentes reflexos consoante as estru- tre os dois sistemas deve ser alvo de avaliação. Para tal, a cor- turas. O padrão de interferência resultante tem como base a relação entre os valores obtidos com os 2 aparelhos deve ser combinação do sinal reflectido com o sinal de referencia5. analisada. Comprovando-se a existência de uma correlação, O TD OCT está disponível desde 2002, tendo sido con- os dois métodos podem ser utilizados de forma permutável. siderado o state of art até 20073. A aquisição de imagens é Com a premissa de responder às questões mencionadas efectuada de forma sequencial (um pixel por segundo, 512 no parágrafo anterior, executámos o nosso estudo com o scans por 1,28 s), com 10-15 μm de resolução7. objectivo primário de comparar os valores de EFC obtidos Em 2005 foi introduzido o SD, com vantagens relativa- pelo TD e SD OCT através do fast macular thickness map mente aos sistemas anteriores, nomeadamente a velocidade no primeiro sistema e com o volume scan pattern HS com

426 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)

Tabela 1 | Protocolos de Aquisição utilizados com os dois 25 linhas nos 20x20º centrais no 2º sistema. Os objectivos sistemas de OCT. secundários foram avaliar a reprodutibilidade e correlação entre as medições obtidas pelos dois aparelhos e, por úl- Instrumento Protocolo de Aquisição timo, estabelecer uma fórmula preditiva para obtenção de Fast macular thickness - valores de EFC esperadas para o SD OCT determinadas a 6 scans radiais (6 linhas; 128 partir do valor de EFC medido por TD. Stratus TM OCT scans A/linha) Área do scan: 6 mm2 Tempo/aquisição por scan: 1,5 s Métodos 2 Spectralis TM Fast volume scan - 20x20 - HS HRA+OCT Tempo/aquisição por scan: 5,0 s Estudo prospectivo de 74 olhos, de 40 doentes seguidos em consulta de oftalmologia no HEM. No estudo foram in- cluídos dois grupos de doentes. O primeiro grupo sem pa- Para a análise de resultados foram determinados tologia (O.S.) seguido em consulta geral e outro grupo com 1. Os valores médios e desvio padrão das EFC me- patologia vr (O.P.) seguido em consulta de retina. Os crité- didas pelos dois aparelhos; rios de inclusão para o primeiro grupo foram os seguintes: 2. As diferenças dos valores médios e desvios pa- idade ≥ 18 anos, equivalente esférico (EE) ≤ 3D, retina sem drão da EFC obtidos pelos dois aparelhos. O teste alterações patológicas sem história de patologia sistémica T Student para amostras emparelhadas foi utiliza- ou oftalmológica relevante, e melhor acuidade visual cor- do para comparação destas diferenças; rigida (MAVC) de 1,0. No segundo grupo foram incluídos 3. A correlação entre as EFC medidas pelos dois doentes que cumprissem os seguintes critérios: idade ≥ 18 aparelhos foi determinada pelo Coeficiente de anos, EE ≤ 3D, patologia vr (Membranas Epirretinianas, Correlação de Pearson; Edema Macular Diabético e Degenerescência Macular Li- 4. Determinou-se o COR para cada aparelho; gada à Idade exsudativa e atrófica), e ausência de doença 5. Foi formulada um equação que estima o valor de sistémica relevante. EFC que seria obtido no TD OCT, a partir de um Os participantes no estudo foram submetidos previa- valor medido no SD OCT. mente a uma avaliação oftalmológica completa da qual fez parte a recolha detalhada da história oftalmológica, deter- minação da MAVC, utilizando a escala de Snellen, e Oftal- Resultados moscopia Binocular. A EFC (espessura média nos 1000 μm de diâmetro cen- Amostra de 74 olhos de 40 doentes, 23 do sexo femini- trais) foi determinada utilizando dois aparelhos TD OCT no, 31 sem patologia e 43 com patologia vr. A medição da (Stratus, Carl Zeiss Meditec, Inc) e o SD OCT (Spectra- EFC foi possível nos 74 olhos. lisTM HRA+OCT, Heidelberg Engineering). A EFC média calculada por cada um dos aparelhos, foi Cada um dos participantes realizou OCT, sequencial- para a amostra global (A.G.) e para os dois grupos de parti- mente em ambos os aparelhos, no mesmo dia e por um cipantes (gráfico 1): único operador experiente. Apenas os scans com qualida- de suficiente foram aceites (força de sinal ≥ 8, cortes sem áreas com sinal ausente ou diminuído, cortes centrados na mácula e limites de segmentação correctos). Os protocolos de aquisição utilizados para cada um dos aparelhos foram os seguintes (tabela I): Os participantes encontravam-se em midríase iatrogéni- ca (diâmetro pupilar ≥ 6 mm) utilizando Tropicamida 0,5% e Fenilefrina 2,5%. Os participantes foram instruídos a fixar um alvo de fi- xação interna. Após efectuado o ajuste de focagem e adqui- rida uma boa fixação central, o processo foi iniciado. Os mapas de espessura foram calculados a partir do sof- tware de análise de cada um dos aparelhos. Gráf. 1 | EFC medida pelos dois sistemas de OCT.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 427 Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz

1. A.G. : 319,8 ± 104,1 nm (SD) e 239 ± 78,1 nm (TD); 2. Grupo O.S. : 275,8 ± 28,3 nm (SD) e 203,7± 31,6 nm (TD); 3. Grupo O.P. : 350,7 ± 125,2 nm (SD) e 261,1 ± 92,1 nm (TD). A diferença média de EFC calculada entre os dois apa- relhos, foi para a A.G., O.S e O.P. (gráfico 2): 1. A.G. : 82,4 ± 9,98 μm; 2. Grupo O.S. : 88,7± 16,7 μm; 3. Grupo O.P. : 71,7± 4,2 μm. Gráf. 4 | Correlação entre medidas de EFC para A.G. nos 2 apa- relhos.

Gráf. 2 | Diferenças de EFC obtidas para a A.G., O.S., e O.P.. Gráf. 5 | Correlação entre medidas de EFC para o grupo O.P.

As diferenças acima mencionadas apresentaram sig- nificado estatístico (p< 0,0001), determinado pelo teste T pares. As medições dos dois aparelhos foram correlacionadas de acordo com o coeficiente de Correlação de Pearson (ρ). Encontram-se descriminadas nos gráficos 3, 4, 5 e 6. O COR determinado para a amostra global e para os dois grupos foi o seguinte (tabela 2).

Gráf. 6 | Correlação entre medidas de EFC para o grupo O.S.

Tabela 2 | Coeficiente de Reprodutibilidade para a amostra global, O.P. e O.S..

Diferença de P value COR EFC m Global 82,39 ± 9,98 <0,001 1,95 x 9,98 O.P. 88,67 ± 16,68 <0,001 1,95 x 16,68 O.S. 71,7 ± 4,23 <0,001 1,95 x 4,23 Gráf. 3 | ρ da A. G, O.S. e O.P..

428 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)

A fórmula preditiva de cálculo do valor de ECR espera- De acordo com a literatura, as medições de EFC podem do no SD, a partir do valor determinado no TD, foi obtida ser subdivididas em 3 grupos. O OCT StratusTM produz os por análise de regressão linear, para a A.G., grupo O.S. e valores mais baixos, o Copernicus SOCT, Spectral OCT/ O.P. (tabela 3). SLO, e RTVue-100 produzem valores medianos, enquanto o SpectralisTM HRA+OCT e o CirrusTM HD-OCT produ- 12 Tabela 3 | Formula preditiva para cálculo da EFC que seria zem os valores mais altos . obtida pelo SD, a partir de um valor medido no Os dois sistemas de OCT estudados apresentam dife- TD. renças de software, nomeadamente, diferentes métodos de aquisição de scans, de segmentação das camadas da retina, Tipos de ECR no Spectralis P r2 Olhos e, provavelmente, diferentes estimativas dos índices ópticos da retina, além de importantes diferenças nos algoritmos de Global 128,37 + 0,76 x ECR Stratus <0,001 0,47 alinhamento e registo dos scans. O.P. 163,38 + 0,72 x ECR Sratus <0,001 0,39 Os protocolos de aquisição diferem substancialmente O.S. 148.08 + 0,63 x ECR Stratus <0,001 0,73 entre os dois instrumentos. O StratusTM OCT produz um mapa de espessura com 6 mm de diâmetro através da me- dição de 6 linhas radiais com um total de 768 scans do tipo A. Apenas as medições na área central correspondente aos Discussão de Resultados 1000 μm de diâmetro são utilizadas, por serem apenas es- tas que apresentam um número suficiente de scans A (128 Neste estudo comparámos os valores de EFC medidas scans A), visto que a densidade dos pontos medidos depen- nos aparelhos Stratus e Spectralis e em dois grupos de par- de da distância relativamente ao centro. O SpectralisTM ticipantes, grupo O.S. e grupo O.P. HRA+OCT, tal como outros aparelhos mais actuais, utiliza Os 4 principais resultados a merecerem discussão são: um padrão de scan rectangular, resultando numa densidade 1. A EFC calculada foi superior para o SD na amos- de scans uniforme dentro da área analisada. O número de tra global; scans por mm2 obtido com este instrumento é de 524 scan- 2. A EFC foi superior para O.P.; sA/mm2. Esta diferença pode influenciar a medição da EFC, 3. O coeficiente de correlação foi superior para assim como o coeficiente de correlação e o COR. Contudo, O.S.; a influência deste factor nestas 3 variáveis, apenas pode- 4. O COR foi inferior para O.S. ria ser avaliada através de medições repetidas utilizando o Dos dados obtidos, verifica-se que os valores médios de mesmo instrumento com diferentes densidades de scans, o ECR e da diferença de ECR estão de acordo com a literatura que não foi efectuado neste estudo. O tempo de aquisição revista (tabela 4). dos scans de volume é de 1.5 s no TD OCT e 5.0 s no SD OCT. Este último valor deve-se a uma aquisição em tempo Tabela 4 | EFC obtidas pelos dois sistemas de OCT, real característica do sistema, contudo, ao estar associada para olhos saudáveis, publicados em diferentes ao “real-time tracking system for eye movements”, não tem estudos. influência na repetibilidade13,14. O software de segmentação dos dois aparelhos iden- ECRm G1 ECRm G1 Estudos (nm) TD (nm) SD tifica diferentes estruturas hiperreflectivas em cada linha do scan. A segmentação da camada interna da retina não O.S. (H.E.M.) 203,7 ± 31,58 275,77 ± 28,25 apresenta diferenças entre os dois aparelhos, uma vez que 213 ± 19 288 ± 16 ambos identificam a interface vítreo-retiniana como a Wolf-Schnurrbusch et al a 212 ± 20 a 290 ± 15 camada mais interna da retina. É na segmentação da ca- Grover et al 2009 - 270,2 ± 22,5 mada externa da retina que encontramos diferenças sig- nificativas entre os dois aparelhos. O sistema StratusTM Pierro et al 2010 202,88 273,19 OCT identifica na camada externa (complexo EPR-fo- Durbin et al 2007 - 198,10 ± 17,3 torreceptores) duas bandas hiperreflectivas, utilizando a banda interna como limite externo. O sistema Spectral OCT detecta na camada externa quatro bandas hiperre- O valor de EFC medido apresentou para os dois grupos de flectivas. A mais interna por apresentar menor reflectivi- olhos e para a A.G. um valor numericamente superior no SD. dade, não é visualizada com o primeiro sistema de OCT.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 429 Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz

Fig. 1 | Limites externos do TD OCT, à esquerda e SD OCT, à direita.

Esta banda correspondente à Membrana Limitante Ex- Conclusão terna, resulta da confluência linear dos complexos de junção entre as células de Muller e os Fotorreceptores15. Com este estudo, concluímos que os dois sistemas de A segunda banda é atribuída à junção dos segmentos in- OCT providenciam valores diferentes de EFC e que essas ternos e externos dos fotorreceptores16. A terceira banda diferenças são superiores em olhos com patologia. As me- é referida como a extremidade dos segmentos externos dições mais baixas foram as obtidas no StratusTM OCT. dos fotorreceptores17 ou como a membrana Verhoeff18. Estas discrepâncias têm como base provável as diferenças A quarta banda representa o EPR, a membrana de Bruch, nos algoritmos de segmentação usados pelos dois sistemas. e possivelmente a coriocapilar19. De acordo com Spaide Existe, contudo, uma correlação moderada directa entre os et al 20 as atribuições aplicadas à segunda e terceira ban- valores determinados pelos dois aparelhos, a qual é superior da podem não estar correctas, assim como as elementos para a população normal. O COR é menor também para este que contribuem para a quarta banda além do EPR. Estes grupo de doentes. Estes resultados implicam a não utiliza- autores postulam que a segunda banda esteja alinhada ção de forma permutável destes dois sistemas, sobretudo com a porção elipsóide dos segmentos internos dos fo- para a população com patologia retiniana. torreceptores e que a terceira banda corresponda a uma estrutura denominada de cilindro de contacto. O Spec- tralisTM HRA+OCT identifica a banda mais externa (complexo EPR/Bruch) como limite externo (Figura 1). Bibliografia Assim, o StratusTM produz valores de EFC inferiores ao SpectralisTMRA+OCT6,12,21. 1. Taban M, Sharma S, Williams DR, Waheed N, Kaiser Neste estudo determinámos também o coeficiente de PK. Comparing Retinal Thickness Measurments using correlação e de reprodutibilidade para os 2 grupos de olhos. Automated Fast Macular Thickness Map versus Six-Ra- Verificámos que a correlação é mais forte e a reprodutibi- dial Line Scans with Manual Measurments. Ophthalmo- lidade é inferior em O.S.. Estes resultados podem ser ex- logy. 2009; 116(5): 964-70; plicados com base na melhor fixação e menores erros na 2. Pieramici DJ, Avery RL. Ranibizumab: Treatment in segmentação em olhos saudáveis, comparativamente a patients with neovascular age-related macular degene- olhos com patologia da retina, cujas medições da EFC estão ration. Expert Opin Biol Ther 2006, 6(11): 1237-1245; sujeitas a maior variabilidade. 3. Midena E, Segato T, Bottin G, Piermarocchi S, Fregona Por último, determinámos uma fórmula preditiva para I. The effect on the macular function of laser photocoa- obtenção de valores de EFC no SD, a partir de valores me- gulation for diabetic macular edema. Graefes Arch Clin didos no TD. Verificámos que estas equações apresentaram Exp Ophthalmol 1992, 230(2):162-165; significado estatístico para a A.G. e para os dois grupos de 4. Regillo CD, Brown DM, Abraham P, Yue H, Ianchulev doentes, contudo, o r2 foi 0,73 em olhos sem patologia, 0,39 T, Schneider S, Shams N. Randomized, Double-Masked, em olhos com patologia da retina e 0,43 para a amostra glo- Sham-Controlled Trial of Ranibizumab for Neovascular bal. Desta forma, apenas para olhos sem patologia podería- Age-related Macular Degeneration: PIER Study Year 1. mos postular a utilização permutável destes dois sistemas. Am J Ophthalmol 2008, 145(2): 239-248 e235;

430 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)

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Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 431

Oftalmologia - Vol. 36: pp.433-438

Artigo Original Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Uma Doença Idiopática?

Marta Guedes1, António Travassos2, Ricardo Oliveira3, Miguel Ribeiro3, Júlia Veríssimo4, Rui Proença5 1Interna do internato complementar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental 2Assistente Hospitalar Graduado, Centro Cirúrgico de Coimbra 3Interno do internato complementar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra 4Assistente Hospitalar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra 5Professor de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Coimbra, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra e Centro Cirúrgico de Coimbra

Resumo

Introdução: A coriorretinopatia serosa central (CRSC) crónica, também conhecida como epi- teliopatia pigmentar retiniana difusa, caracteriza-se pela presença de alterações difusas do epi- télio pigmentar da retina (EPR) associadas a graus variáveis de descolamento neurossensorial na região macular. Em circunstâncias normais, o EPR tem um papel fundamental na aderência retiniana ao bombear activamente líquido do espaço subretiniano para o espaço coroideu. Será lícito pensar que uma lesão inflamatória primária localizada a este nível possa causar uma per- turbação na barreira hemato-retinana externa, com saída de líquido para o espaço subretiniano e descolamento neurossensorial subsequente. A associação de CRSC com epitelite pigmentar reti- niana aguda foi já descrita por vários autores. Deste modo, poderá haver casos de CRSC crónica causada por inflamação ao nível do EPR? Estando os corticóides contraindicados no tratamento da CRSC, o tratamento destes casos poderá ser feito com outro tipo de imunossupressores como a azatioprina, o metotrexato, ou a ciclosporina A? Objectivo: Avaliar a eficácia de fármacos imunossupressores por via sistémica no tratamento de doentes com o diagnóstico de CRSC crónica. Material e Métodos: Estudo prospectivo de 27 doentes consecutivos com o diagnóstico pré- vio de CRSC crónica, com mais de 6 meses de duração de sintomas, sem melhoria, e que não efectuavam nenhum tratamento. Todos os doentes foram submetidos a exame oftalmológico completo, com determinação da melhor acuidade visual corrigida (MAVC), e a exames com- plementares de diagnóstico - retinografia, angiografia fluoresceínica, angiografia com verde de indocianina e tomografia de coerência óptica. A terapêutica utilizada foi a azatioprina (100mg/ dia), o metotrexato (5 a 10 mg/semana) e a ciclosporina A (<5 mg/Kg/dia). As doses iniciais foram progressivamente reduzidas de acordo com a evolução clínica. Foi avaliada a MAVC final, a duração do tratamento, as recaídas após suspensão e os efeitos secundários da medi- cação. Resultados: Foram incluídos 39 olhos de 27 doentes com o diagnóstico prévio de CRSC cróni- ca, sendo 19 do género masculino (70,4%) e 8 do feminino (29,6%), com uma média de idades de 52,49±13,56 anos (entre 25 e 76). Em 15 casos a doença era unilateral (55,6%). A terapêutica utilizada foi a azatioprina em 21 casos (77,8%), o metotrexato em 5 (18,5%) e a ciclosporina A em 1 (3,7%). A diminuição progressiva da dose e suspensão variou com o curso clínico indivi- dual da doença, sendo a duração média do tratamento de 10,0±6,8 meses. Não foram registados efeitos secundários clinicamente significativos em nenhum doente. A MAVC inicial média foi de 0,47±0,29 e a final foi de 0,83±0,25.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 433 Marta Guedes, António Travassos, Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Júlia Veríssimo, Rui Proença

Conclusão: Os imunossupressores, como a azatioprina, o metotrexato ou a ciclosporina A, po- dem ser uma arma terapêutica eficaz e bem tolerada em doentes com CRSC crónica por lesão primária inflamatória do EPR.

Palavras-chave Coriorretinopatia serosa central crónica, epitilite pigmentar retiniana aguda, imunossupressores.

Chronic central serous chorioretinopathy - An idiopathic disease?

Abstract

Introduction: Chronic central serous chorioretinopathy (CSC), also known as diffuse retinal pigment epitheliopathy, is characterized by diffuse lesions of the retinal pigment epithelium (RPE) associated with variable degrees of macular serous detachment. Under normal circu- mstances, the RPE has a key role in retinal adhesion since it actively pumps fluid from the subretinal space to the choroid. It is possible then that a RPE inflammatory lesion could cause a disturbance in the blood-retina barrier with fluid leakage to the subretinal space and serous detachment. Moreover, the association between CSC and acute retinal pigment epitheliitis was already described by several authors. Can there be cases of chronic CSC caused by RPE inflammatory lesions? Since corticosteroid treatment is contraindicated in CSC, these cases can be best treated with other immunossupressants like azathioprine, methotrexate or cyclos- -porin A. Purpose: To evaluate the efficacy of oral immunossupressants in the treatment of chronic CSC. Methods: Prospective study of 27 consecutive patients with a previous diagnosis of chronic CSC, with over 6 months duration, without any treatment or symptomatic relieve. A complete ophthalmologic assessment was conducted as well as fundus photography, fluorescein and in- docyanine green angiography and optical chorence tomography. Patients were treated with aza- thioprine (100 mg daily), methotrexate (5 to 10 mg weekly) and cyclosporin A (<5 mg/Kg/day). Therapeutic withdrawal variated according to clinical outcome. The final best corrected visual acuity (BCVA) was evaluated as well as treatment duration, relapse after treatment suspension and adverse effects. Results: 39 eyes of 27 patients with the previous diagnosis of chronic CSC were evaluated. 19 patients were male (70,4%) and 8 were female (29,6%) with a mean age of 52,49±13,56 years (between 25 and 76). The disease was unilateral in 15 patients (55,6%). Azathioprine was the treatment of choice in 21 cases (77,8%), methotrexate in 5 (18,5%) and cyclosporin A in 1 (3,7%). Therapeutic withdrawal variated according to clinical outcome and the mean duration of treatment was 10,0±6,8 months. There were no significant adverse effects in any patients. The initial mean BCVA was 0,47±0,29 and the final was 0,83±0,25. Conclusions: Oral immussupressants like azathioprine, methotrexate or cyclosporin A can be a safe and effective treatment in patients with chronic CSC caused by a RPE inflammatory lesion.

Key-words chronic central serous chorioretinopathy, acute retinal pigment epitheliitis, imunossupressants.

434 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Uma Doença Idiopática?

Introdução de Krill, foi associada ao desenvolvimento de CRSC12-14 sendo que alguns autores sugerem que a perturbação in- A coriorretinopatia serosa central (CRSC) denomina- flamatória do EPR pode resultar num descolamento seroso -se crónica quando as lesões anatómicas da retina e/ou os subsequente, propondo que a epitilite pigmentar retiniana sintomas da doença persistem por mais de 6 meses1. É tam- aguda possa ter um papel na fisiopatologia da CRSC. bém conhecida como epiteliopatia pigmentar retiniana di- Pode então pensar-se que por um lado existem formas fusa e caracteriza-se pela presença de alterações difusas do de CRSC idiopáticas para as quais contribuem diversos epitélio pigmentar da retina (EPR) associadas a graus va- factores genéticos, ambientais e comportamentais15 e em riáveis de descolamento neurossensorial frequentemente que a hiperpermeabilidade coroideia conduz a um desco- da região macular2-5. É, na maior parte dos casos, bilateral, lamento seroso do EPR e por outro, podem existir formas com alterações do EPR visíveis na angiografia fluoresceí- de CRSC em que estarão envolvidos essencialmente me- nica (AF) embora a distribuição destas lesões possa ser as- canismos inflamatórios autoimunes. Isto explicaria porque simétrica. Relativamente à recuperação da função visual, a é que alguns doentes com CRSC aguda têm uma recupera- CRSC idiopática aguda tem um bom prognóstico a longo ção espontânea sem necessidade de qualquer intervenção prazo6 podendo ocorrer resolução espontânea numa per- terapêutica, enquanto outros manifestam a forma crónica centagem significativa dos casos. Na CRSC crónica, pode da doença. Nestes últimos, a agressão inflamatória conti- haver perda irreversível da função visual embora esteja nuada do EPR pode ser uma das causas de cronicidade, também descrita uma recuperação lenta da acuidade visual sendo necessária uma intervenção terapêutica com fár- após reaposição retiniana7. macos imunossupressores. Tal como foi já descrito em A fisiopatologia da CRSC continua a ser um tema con- publicações anteriores, os corticóides sistémicos podem troverso e o mecanismo pelo qual se dá a acumulação de exacerbar o curso da CRSC16 possivelmente também com fluido subretiniano é ainda pouco claro. As forças que con- um risco aumentado de desenvolvimento de CRSC cróni- tribuem para a aderência retiniana são a pressão hidrostáti- ca17. Assim, a corticoterapia sistémica ou local não pare- ca (relacionada com a pressão intraocular), o alto gradiente ce ser uma alternativa viável sendo preferível recorrer a osmótico da coróide relativamente ao retiniano e o trans- outro tipo de fármacos imunossupressores entre os quais porte activo de fluido através do EPR do espaço subretinia- se incluem agentes antimetabolitos como a azatioprina e o no para a coróide. Assim, o papel do EPR é fundamental metotrexato ou inibidores de calcineurina como a ciclos- para que seja mantida a normal aderência retiniana sendo porina A. que alguns autores propõem que seja este o local de lesão O objectivo deste estudo é avaliar a eficácia de fárma- primária na etiopatogenia da CRSC8-10. Uma lesão infla- cos imunossupressores por via sistémica no tratamento de matória localizada a este nível poderia então levar a uma doentes com o diagnóstico de CRSC crónica. disrupção na barreira hemato-retiniana externa conduzin- do às alterações anatómicas típicas observadas na CRSC. No diagnóstico diferencial da CRSC incluem-se di- Material e Métodos versas patologias oculares que podem também cursar com descolamento neurossensorial da região macular entre as Estudo prospectivo de 27 doentes consecutivos com quais se encontram doenças inflamatórias auto-imunes o diagnóstico prévio de CRSC crónica, com mais de 6 como é o caso da coroidite multifocal11. O diagnóstico de- meses de duração da sintomatologia, sem melhoria e que finitivo de CRSC idiopática baseia-se na história clínica, não foram submetidos a qualquer terapêutica prévia. To- exame objectivo e em exames complementares de diag- dos os doentes realizaram exame oftalmológico comple- nóstico como a AF, angiografia com verde indocianina to, com determinação da melhor acuidade visual corrigida (AVI) e tomografia de coerência óptica (OCT). Se na fase (MAVC), e a exames complementares de diagnóstico - re- aguda da doença este diagnóstico diferencial pode ser rela- tinografia, AF, AVI e OCT. Todos os doentes foram sub- tivamente simples, o mesmo não acontece na fase crónica metidos a terapêutica imunossupressora com azatioprina onde as alterações retinianas encontradas, como as lesões (100mg/dia), metotrexato (5 a 10 mg/semana) ou ciclospo- multifocais difusas do EPR acompanhadas de descolamen- rina A (<5 mg/Kg/dia). As doses iniciais foram progressi- to seroso crónico da região macular, são muito menos es- vamente reduzidas de acordo com a evolução clínica. Foi pecíficas, sendo o diagnóstico de CRSC crónica idiopática, avaliada a MAVC inicial e final bem como a duração do na maior parte das vezes, de presunção. Por outro lado, tratamento, as recaídas após suspensão e os efeitos secun- também a epitilite pigmentar retiniana aguda, ou doença dários da medicação.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 435 Marta Guedes, António Travassos, Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Júlia Veríssimo, Rui Proença

Resultados Caso clínico 2: Doente sexo masculino, 42 anos, com queixas de di- Foram incluídos 39 olhos de 27 doentes com o diagnós- minuição AV e metamorfópsias OE. A MAVC OE era tico prévio de CRSC crónica, sendo 19 do género mascu- 0,3 com um descolamento seroso macular demonstrado lino (70,4%) e 8 do feminino (29,6%), com uma média de pelo OCT (Figura 2). Iniciou terapêutica com azatioprina idades de 52,49±13,56 anos (entre 25 e 76). Em 15 casos a (100 mg/dia) com melhoria significativa após um mês de doença era unilateral (55,6%). tratamento (Figura 2). O doente foi submetido a terapêuti- A terapêutica utilizada foi a azatioprina em 21 casos ca imunossupressora durante 5 meses sendo que ao quarto (77,8%), o metotrexato em 5 (18,5%) e a Ciclosporina A mês de tratamento o OCT mostrava resolução completa do em 1 (3,7%). A diminuição progressiva da dose e suspen- descolamento de retina neurossensorial, verificando-se ape- são variou com o curso clínico individual da doença, sen- nas um pequeno descolamento do EPR peri-foveolar, sem do a duração média do tratamento de 10,0±6,8 meses. Não repercussões funcionais (Figura 2). A MAVC OE final foi foram registados efeitos secundários clinicamente signifi- de 0,9. cativos em nenhum doente. A MAVC inicial média foi de 0,47±0,29 e a final foi de 0,83±0,25. Caso clínico 3: Houve melhoria anatómica na maior parte dos doentes Doente sexo feminino, 52 anos, com queixas de me- tratados traduzida por diminuição marcada ou mesmo reso- tamorfópsias OE. A MAVC OE era 0,5 e apresentava no lução completa do descolamento da retina neurossensorial OCT um descolamento da retina neurossensorial macular na região macular, avaliado por OCT. São exemplos os se- (Figura 3). Iniciou terapêutica com azatioprina (100 mg/ guintes casos clínicos: dia) com resolução do descolamento seroso após 5 meses (Figura 3). A doente cumpriu terapêutica imunossupressora Caso clínico 1: durante 13 meses com uma MAVC OE de 1,0 após suspen- Doente sexo masculino, 44 anos, com queixas de dimi- são do tratamento. nuição da acuidade visual (AV) OD. A MAVC OD antes de Houve recaída após suspensão terapêutica em 4 doen- iniciar terapêutica era 0,5 e apresentava um descolamento tes, em 2 casos manteve-se a mesma terapêutica inicial com da retina neurossensorial macular do mesmo olho visível melhoria da AV e em 2 casos, optou-se por outro fár- no OCT (Figura 1). Cumpriu terapêutica com azatioprina maco imunossupressor também com melhoria funcional. (100 mg/dia) durante 7 meses. Após 5 meses, houve melho- Em ambos os casos em que se alterou a terapêutica, o se- ria evidente do descolamento de retina (Figura 1) com uma gundo agente imunossupressor utilizado foi o metotrexato. MAVC OD de 0,8. A AV final destes doentes variou entre 0,7 e 1,0.

Fig. 1 | Doente sexo masculino, 44 anos, com um descolamento da retina neurossensorial macular OD (à esquerda). Após 5 meses de terapêutica com azatioprina, houve melhoria evidente do descolamento de retina (à direita).

Fig. 2 | Doente sexo masculino, 42 anos, com um descolamento seroso macular OE (à esquerda). Iniciou terapêutica com azatioprina com melhoria significativa após um mês de tratamento (ao centro). Após 4 meses, mostrava resolução completa do descolamento de reti- na neurossensorial, verificando-se apenas um pequeno descolamento do EPR peri-foveolar, sem repercussões funcionais (à direita).

436 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Uma Doença Idiopática?

Fig. 3 | Doente sexo feminino, 52 anos, com um descolamento da retina neurossensorial macular OE (à esquerda). Iniciou terapêutica com azatioprina com resolução do descolamento seroso após 5 meses de tratamento (à direita).

Discussão de terapêutica imunossupressora com azatiprina, metotre- xato ou ciclosporina A. Embora tenham havido várias propostas terapêuticas Estudos randomizados com amostras de maior dimen- para o tratamento da CRSC, o tratamento da forma crónica são são necessários para melhor evidenciar o papel destes da doença merece considerações especiais já que o uso da fo- fármacos nesta patologia e identificar os pacientes que mais tocoagulação laser, por exemplo, parece ser menos eficaz em possam beneficiar da sua utilização. doentes com alterações anatómicas de longa duração existin- do ainda o risco de indução de neovascularização coroideia (NVC)18. Por outro lado, não parece haver lugar para trata- Bibliografia mento médico sistémico nesta patologia, nomeadamente com ß-bloqueantes ou acetazolamida, em doentes com CRSC. 1. Eandi CM, Ober M, Iranmanesh R, Peiretti E, Yannuzzi A utilização de terapêutica fotodinâmica tem sido re- LA. Acute central serous chorioretinopathy and fundus centemente descrita como uma alternativa terapêutica em autofluorescence. Retina 2005; 25: 989–993. doentes com CRSC idiopática crónica19-22 sendo frequente a 2. Cohen D, Gaudric A, Coscas G, Quentel G, Binaghi M. sua utilização em doentes com CRSC crónica e evidência de Epitheliopathie retinienne diffuse et chorioretinopathie NVC, não se conhecendo no entanto qual o seu mecanismo sereuse centrale. J Fr Ophtalmol 1983; 6: 339–349. de acção nesta patologia. Para além disso, nunca foi testada 3. Beuchat L, Simona F, Safran AB. Anomalies de la func- em ensaios clínicos multicêntricos, deixando desta forma em tion retinienne (sans lumineux) apres chorioretinopathie aberto a opção por outras alternativas terapêuticas. sereuse centrale idiopathique et epitheliopathie retinien- Considerando que algumas formas secundárias e cróni- ne. Klin Monatsbl Augenheilkd 1988; 192: 471–474. cas de CRSC possam ser causadas por lesões inflamatórias 4. Yannuzzi LA, Slakter JS, Kaufman SR, Gupta K. Laser do EPR, os imunossupressores sistémicos como a azatiopri- treatment of diffuse retinal pigment epitheliopathy.Eur na, o metotrexato ou a ciclosporina A, podem ser uma arma J Ophthalmol 1992; 2: 103–114. terapêutica eficaz e bem tolerada embora possa ser difícil 5. Otsuka S, Ohba N, Nakao K. A long-term follow-up identificar quais os doentes capazes de beneficiar desta imu- study of severe variant of central serou chorioretinopa- nossupressão, já que estas formas crónicas podem apresentar thy. Retina 2002; 22: 25–32. aspectos bastante inespecíficos. No entanto, pensamos que os 6. Wong R, Chopdar A, Brown M. Five to 15 year follow- bons resultados obtidos no nosso estudo sugerem o interesse -up of resolved idiopathic central serous chorioretinopa- destes fármacos nesta patologia. thy. Eye 2004; 18: 262–268. Um viés importante neste estudo é a ausência de um gru- 7. Dohrmann J, Lommatzsch A, Spital G, Pauleikhoff D. po de controlo sendo no futuro necessários ensaios clínicos Pathogenesis of central serous chorioretinopathy: an- controlados e randomizados para identificar os casos em que giographic and electrophysiological studies. Ophthal- o uso desta terapêutica sistémica imunossupressora pode ser mologe 2001; 98: 1069–1073. mais vantajoso. 8. Marmor MF. Control of subretinal fluid: experimental and clinical studies. Eye 1990; 4: 340-344. 9. Negi A, Marmor MF. Experimental serous retinal de- Conclusão tachment and focal pigment epithelium damage. Arch Ophthalmol 1984; 102: 440-449. Os resultados do presente estudo sugerem que algumas 10. Spitznas M. Pathogenesis of central serous retino- formas secundárias e crónicas da CRSC podem beneficiar pathy: a new working hypothesis. Graefes Arch Exp

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 437 Marta Guedes, António Travassos, Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Júlia Veríssimo, Rui Proença

Ophthalmol 1986; 224: 321-324. 19. Cardillo PF, Eandi CM, Ventre L, Rigault de la Lon- 11. Gass JD, Little H. Bilateral bullous exudative retinal grais RC, Grignolo F M. Photodynamic therapy for detachment complicating idiopathic central serous cho- chronic central serous chorioretinopathy. Retina 2003; rioretinopathy during systemic corticosteroid therapy. 23: 752–763. Ophthalmology 1995; 102: 737–747. 20. Valmaggia C, Niederberger H. Photodynamic therapy 12. Krill AE, Deutman AF. Acute retinal pigment epithelii- in the treatment of chronic central serous chorioretino- tis. AM J Opthalmol 1972; 74: 193-205. pathy. Klin Monatsbl Augenheilkd 2006; 223: 372–375. 13-.Eifrig DE, Knobloch WH, Moran JA. Retinal pigment 21. Chan WM, Lam DS, Lai TY, Tam BS, Liu DT, Chan epitheliitis. Ann Ophthalmol 1977; 9: 639-642. CK. Choroidal vascular remodelling in central serous 14. Piermarocchi S, Corradini R, Midena E, Segato T. Correla- chorioretinopathy after indocyanine green guided pho- tion between retinal pigment epitheliitis and central serous todynamic therapy with verteporfin: a novel treatment chorioretinopathy. Ann Ophthalmol 1983; 15: 425-428. at the primary disease level. Br J Ophthalmol 2003; 87: 15. Yannuzzi LA. Type A behaviour and central serous 1453–1458. chorioretinopathy. Trans Am Ophthalmol Soc 1986; 84: 22. Yannuzzi LA, Slakter JS, Gross NE, Spaide RF, Costa 799-845. DL, Huang SJ et al. Indocyanine green angiography- 16. Carvalho-Recchia CA, Yannuzzi LA, Negrao S, Spaide -guided photodynamic therapy for treatment of chronic RF, Freund KB, Rodriguez-Coleman H et al. Corticos- central serous chorioretinopathy: a pilot study. Retina teroids and central serous chorioretinopathy. Ophthal- 2003; 23: 288–298. mology 2002; 109: 1834–1837. 17. Polak BC, Baarsma GS, Snyers B. Diffuse retinal pig- ment epitheliopathy complicating systemic corticos- Melhor Apresentação de Inflamação Ocular – teroid treatment. Br J Ophthalmol 1995; 79: 922–925. Prémio Angelini SPO 2011. 18. Wang M, Munch IC, Hasler PW, Prunte C, Larsen M. Central serous chorioretinopathy. Acta Ophthalmol Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar. 2008; 86: 126–145.

438 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.439-442

Comunicações Curtas e Casos Clínicos Doença de Best - Casos clínicos

Juan E. Cedrún1, Eva Chamorro1, Carlos Orduna2, Mercedes Maza1, Isabel Portero1 1Fundación Retina España, Madrid 2Clínica Oftalmológica Orduna, Madrid Fundación Retina España

RESUMO

Caso clínico: Neste artigo apresentam-se as características morfológicas e funcionais de dois pacientes afectados por distintas etapas da doença de Best, assim como os benefícios de um programa de reabillitação visual na melhoria da qualidade de vida. Discussão: Um adequado processo de reabilitação visual requere um programa individualizado desenhado em função das necessidades concretas do paciente, a visão residual e a sua capacidade pessoal.

Palavras-chave Doença de Best, baixa visão, reabilitação visual, qualidade de vida.

Best’s Disease. Case Reports

ABSTRACT

Case Report: In this paper, morphologic and functional characteristics of two patients affected by different stages of Best’s disease are presented. As well as benefits of visual rehabilitation in quality of life improvement. Discussion: A suitable visual rehabilitation process demands an individualized program desig- ned according to specific needs of the applicant, residual vision and personal capacity.

Key-words Best disease, low vision, visual rehabilitation, quality of life.

INTRODUÇÃO componentes da lipofuscina em quantidades cada vez maio- res1. A perda de fotorreceptores na área foveal ocorre por A distrofia viteliforme de Best é uma doença bilateral debaixo da lesão2. hereditária dominante que se manifesta nas primeiras déca- Nas primeiras etapas observa-se o depósito de um ma- das de vida e que provoca alterações muito características terial amarelado na área macular em forma de “gema de na retina. ovo”3,4. Neste depósito mistura-se um liquido transparente A mutação do gene VMD2 provoca que o epitélio pig- que parece ir aumentado e com o tempo chega ao mesmo mentar de retina (EPR) seja incapaz de bombear líquido nivel entre ambos os componentes (pseudohipopion). Con- sub-retiniano, o qual ao acumular-se vai separando os fotor- forme a evolui a doença este depósito decompõe-se e de- receptores do EPR e provoca que se armazenem substâncias senvolve uma fibrose ou atrofia1,5.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 439 Juan E. Cedrún, Eva Chamorro, Carlos Orduna, Mercedes Maza, Isabel Portero

Este trabalho decreve a morfología e função visual de consegue-se melhorar a AV próxima e aumentar o rendi- dois pacientes afectados por esta patología, assim como os mento em leitura (palavras por minuto) com uma adição de beneficios da reabilitação visual na sua qualidade de vida. +1.00 y +0.50 no OD e OE, respectivamente. Consegue-se melhorar consideravelmente o limiar de contraste com fil- tros de corte selectivo de 450nm (OD=1.23%, OE=0.605) CASOS CLÍNICOS e diminuir o brilho incapacitante em ambientes exteriores com filtros de corte 511 polarizado 60%. Caso 1: Rapaz de 16 anos com diminuição da acuidade visual (AV) e brilho incapacitante desde há 3 anos. A histó- Caso 2: Mulher de 41 anos com diminuição de AV e ria clínica familiar revela hipercolesterolemia e tratamento metamorfopsia desde os 20 anos, fotofobia e brilho incapa- com pravastatina. citante desde os 26 e alteração de cores e cegueira nocturna Na exploração do fundo do olho e na tomografía de coe- desde os 31. rência óptica (OCT) observa-se o olho esquerdo (OE) sem Na história sistémica destaca-se hipercolesterolemia, alterações na retina e o seu olho direito (OD) com “pseudo- depressão, bocio e hipotiroidismo. A medicação actual é hipopion”, com acumulação de material líquido na metade simvastatina, velanfaxina, lamotrigina e alprazolam. superior e lipofuscina em fase de reabsorção na metade in- Na exploração do fundo do olho OCT observam-se fi- ferior. (Figura 1) brose com conservação de fotorreceptores centrais no OD, e A melhor acuidade visual corrigida (MAVC) para longe atrofia com múltiplos quistos retinianos na camada plexifor- é OD=0.9 y OE=1.2 em escala decimal e em visão ao perto me externa, com perda de fotorreceptores no OE. (Figura 2) é OD=0.5 e OE=1.0 (Radner Reading test). O limiar de sen- A MAVC para longe é OD=0.125 e OE=1.0 em es- siblidade ao contraste (SC) está dentro dos limites normais cala decimal e em visão ao perto é OD=0.13 e OE=0.5 (OD=1.62%, OI=1.07%). A grelha de Amsler e o campo (Radner Reading test). O limite de SC estava reduzido visual não mostram alterações. Na consulta de baixa visão no OD (OD=5.94%, OE=0.89%). A grelha de Amsler e a

Fig. 1 | Fundo do olho, tomografía de coerência óptica e campimetría de um rapaz de 16 anos afectado pela doença de Best.

440 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Doença de Best. Casos clínicos

Fig. 2 | Fundo do olho, tomografía de coerência óptica e campimetría de uma mulher de 41 anos afectada pela doença de Best. campimetria mostram um escotoma absoluto de 10º centrais na iluminação, mediante o uso de filtros de absorção selec- no OD e ligeira redução na sensibilidade central no OE. tiva e focos de luz fria. Tudo isso se traduz numa melhor Na consulta de baixa visão conseguiu-se diminuir a fo- qualidade de vida do paciente. tofobia e o brilho incapacitante com um filtro de absorção Em ambos os sujeitos, a diferença entre os óculos de selectiva de 511nm polarizado 60% possibilitando as tare- sol convencionais e o uso de óculos com filtros de absorção fas de visão próxima a uma distância de 25 cm, com uma selectiva reduz o brilho e aumenta o conforto subjectivo. adição de + 4.00, filtro de 450 nm e um sistema de ilumina- A selecção do filtro adequado é determinada por uma ava- ção adequado. liação dos parametros objectivos e subjectivos em diferen- tes ambientes de trabalho. O processo de reabilitação visual requer um programa DISCUSSÃO individualizado, desenhado em função das necessidades concretas do requerente, a visão residual que possui e as Na sociedade actual, as tarefas de escrita-leitura têm mui- suas capacidades pessoais. O especialista em Baixa Visão ta importância na qualidade de vida. A enorme quantidade por sua vez, incorpora os auxíliares ópticos e não ópticos de informação diária e o pouco tempo que dispomos, muitas prescritos e treina o paciente sobre a sua utilização, para vezes obriga-nos a fazer leituras superficiais que requerem estabelecer um melhor aproveitamento da visão residual. elevada fluidez. Por isso, o objectivo a perseguir em pacien- tes com funções visuais reduzidas é melhorar a sua visão pró- xima, para conseguir um melhor rendimento na leitura. Nos casos propostos, embora se conserve a função vi- BIBLIOGRAFIA sual de um olho, após a reabilitação visual, consegue-se au- mentar o rendimento nas tarefas de leitura através de siste- 1. Orozco-Gómez LP, Castellanos-Pérez Bolde CGl, Her- mas ópticos baseados em acréscimos positivos e melhorias nández-Salazar L. Distrofias del epitelio pigmentario de

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 441 Juan E. Cedrún, Eva Chamorro, Carlos Orduna, Mercedes Maza, Isabel Portero

la retina en patrón. Cirugía y Cirujanos 2009; 7773-83. 2. Besch D and Zrenner E. . Best disease; Orphanet En- Apresentado parcialmente como comunicação no “XV cyclopedia. January 2005. Congreso de la Sociedad Española de Retina y Vítreo”, 3. Best F. Über eine hereditare maculaaffektion: Bietrage Madrid, España. zur vererbungslehre. Z Augenheilkd 1905;13:199-212. 4. Blodi C, Stone E. Best’s vitelliform dystrophy. Ophthal- mic Paediatr Genet 1990;11:49-59. CONTACTO 5. Coco R, Navarro R. Guía clínica para el diagnóstico di- [email protected] ferencial y el manejo de las enfermedades hereditarias de la retina y la coroides. Sociedad Española de Retina y Vítreo; 2009.

442 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.443-446

Comunicações Curtas e Casos Clínicos Membrana Neovascular Bilateral Secundária a Estrias Angióides com Pseudoxantoma Elasticum – Caso Clínico

Cláudia Bacalhau1, Gonçalo Almeida2, Margarida Santos3, David Martins4 1Internato Complementar de Oftalmologia 2Assistente Hospitalar de Oftalmologia 3Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia 4Director do Serviço de Oftalmologia Centro Hospitalar de Setúbal – Hospital de S.Bernardo

RESUMO

Introdução: O Pseudoxantomaelasticum (PXE) é uma condição rara caracterizada por calcifi- cação progressiva e fragmentação de fibras elásticas. Na retina está associada a estrias angióides, havendo ocasionalmente surgimento de neovascularização coroideia. Material e Métodos: os autores descrevem caso clínico de doente do sexo feminino de 48 anos com diagnóstico de Pseudoxantoma elasticum e na qual foram diagnosticadas estrias angióides, tendo desenvolvido neovascularização coroideia bilateral. Foi decidido tratamento intra-vítreo mensal (6 meses) com ranibizumab para a membrana neovascular com actividade. Com o tra- tamento realizado registou-se melhoria morfológica mas sem recuperação da acuidade visual. Conclusão: Apesar de algumas publicações recentes da literatura mostrarem benefício das injec- ções de ranibizumab na acuidade visual em doentes com neovascularização coroideia associada a estrias angióides, isso não se verificou com o nosso caso clínico.

Palavras-chave Estrias angióides, neovascularização coroideia, ranibizumab.

ABSTRACT

Introduction:PseudoxanthomaElasticum (PXE) is a rare condition characterized by progressive calcification and fragmentation of elastic fibers. In the retina it is associated with angioid streaks and choroidal neovascularization may occasionally be found. Material and Methods: the authors describe a case of a 48-year-old female patient, with previous diagnostic of PXE, who was diagnosed with angioid streaks and bilateral choroidal neovascularization. It was decided to perform intra-vitreal mensal treatment (6 months) with ranibizumab for the neovascular membrane with activity signs. We observed morphologic im- provement but no recovery of visual acuity. Conclusion: Although some recent literature publications showed benefit with ranibizumab intra-vitreal injections in visual acuity of choroidal neovascularization associated with angioid streaks , that was not verified with our patient.

Key-words Angioid streaks, choroidal neovascularization, ranibizumab.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 443 Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida, Margarida Santos, David Martins

INTRODUÇAO Três meses depois a doente referiu uma profunda dimi- nuição da acuidade visual do olho direito, sendo reobser- O Pseudoxantoma elasticum (PXE) é uma condição rara vada pelo nosso departamento. Tinha MAVC OD=20/400. caracterizada por calcificação progressiva e fragmentação de O OCT do olho direito mostrava então uma membrana neo- fibras elásticas. Na retina está associada a estrias angióides, vascular com edema macular quístico de espessura foveal que são disrupçoes da membrana de Bruch, que se torna cal- média de 867μm (Fig. 6). cificada e frágil. As estrias angióides podem associar-se a vá- Devido ao grave compromisso visual e ao surgimento rias doenças sistémicas além do PXE, bem como aparecerem no OD de neovascularização coroideia, foi decidido reali- enquanto manifestação isolada. A acuidade visual é afectada zar ciclo terapêutico com injecções intra-vítreas mensais de se as estrias acometerem a mácula ou se surgiram compli- agente anti-VEGF. caçoes associadas, das quais se destacam a neovasculariza- A doente foi submetida a 6 injecções intra-vítreas de ção coroideia e a ruptura traumática da membrana de Bruch. ranibizumab com intervalo mensal e a 1 injecção sub-teno- O nosso caso refere-se a uma doente com PXE associado a niana de triancinolona. Com o tratamento houve melhoria estrias angióides e neovascularização coroideia bilateral. anatómica demonstrada pelo OCT, com espessura foveal final de 285 μm (Fig.7). Não se registou melhoria funcional CASO CLÍNICO da acuidade visual (MAVC OD=20/400).

Doente de 48 anos de idade veio referenciada à Sec- ção de Retina do Hospital por diminuição recente da acui- CONCLUSÃO dade visual do olho direito. Tinha diagnóstico anterior de Pseudoxantoma elasticum, com envolvimento craniofacial, Os agentes anti-VEGF têm-se revelado eficazes no destacando-se laxidez cutânea e pregas redundantes no pes- tratamento de complicaçoes neovasculares associdadas coço. A melhor acuidade visual corrigida (MAVC) era no a diferentes patologias, nomeadamente com relação à de- OD= 20/25 e no OE=20/400. A observação do fundo ocular generescência macular relacionada com a idade. Algumas mostrou estrias angióides bilaterais e alteraçoes maculares publicações recentes da literatura com séries de casos mos- fibróticas do olho esquerdo (Fig.1 e 2). traram benefício das injecções intra-vítreas com anti-VEGF Foi realizada angiografia que confirmou as estrias an- na acuidade visual em doentes com neovascularização co- gióides bilaterais e revelou a presença de membrana neo- roideia associada a estrias angióides com pseudoxantoma vascular com fibrose sub-retiniana e baixa actividade no elasticum. Além da melhoria da acuidade visual registou-se olho esquerdo (Fig. 3 e 4). A tomografia de coerência óptica (OCT) do OE também documentou a membrana neovascular e a fibrose sub-reti- niana (Fig. 5). O OCT do OD era normal (Fig. 5).

Fig. 1 | Retinografia OD. Fig. 2 | Retinografia OE.

444 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Membrana Neovascular Bilateral Secundária a Estrias Angióides com Pseudoxantoma Elasticum – Caso Clínico

Fig. 3 | Angiografia OD.

Fig. 4 | Angiografia OE.

Fig. 5 | OCT do OE e OD.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 445 Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida, Margarida Santos, David Martins

Fig. 6 | OCT do OD.

Fig. 7 | OCT do OD, após os vários tratamentos intra-vítreos com ranibizumab. ainda estabilização retiniana documentada nos meios de Bevacizumab Injection for Choroidal Neovasculariza- imagem. Apesar destes resultados, os estudos referem que tion Secondary to Angioid Streaks. American Journal of as suas casuísticas são ainda pequenas e que estudos futuros Ophthalmology Vol. 148, No. 4 (2009) 584-590. e complementares são necessários. No nosso caso, apesar 5. Trélohan A, et al: Lésions rétiniennes dans le pseudo- da melhoria morfológica obtida como tratamento preconi- xanthome élastique : 51 cas. J Fr Ophtalmol (2011), zado, não se registou melhoria da acuidade visual, devido doi:10.1016/j.jfo.2011.02.005. ao acometimento das camadas profundas da retina. 6. Finger R, et al: Monthly Ranibizumab for Choroidal Neovascularizations Secondary to Angioid Streaks in Pseudoxanthoma Elasticum: A One-Year Prospective Study. Am J Ophthalmol 2011; Article in Press. BIBLIOGRAFIA 7. Japiassú R, et al: Intravitreal bevacizumab in cho- roidal neovascularization secondary to Grönblad- 1. Myron Yanoff , Jay S. Duker , James J. Augsburger. -Strandberg syndrome: case report. Arq Bras Oftalmol. Ophthalmology 3nd edition, Mosby, 2009. 2008;71(3):427-9. 2. Georgalas I, et al: Angioid streaks, clinical course, com- 8. Kang S and Roh YJ: Intravitreal ranibizumab for plications and current therapeutic management. Thera- choroidal neovascularisation secondary to angio- peutics and Clinical Risk Management 2009:5 81–89. id streaks. Eye (2009) 23, 1750–1751; doi:10.1038/ 3. Mimoung G, et al: Intravitreal Ranibizumab for Choroidal eye.2009.158;published online 10 July 2009. Neovascularization in Angioid Streaks. American Journal of Ophthalmology Vol. 150, No. 5 (2010) 692-700. 4. Sawa M, et al: Long-term Results of Intravitreal Prémio THEA melhor poster SPO 2011

446 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.447-453

Comunicações Curtas e Casos Clínicos Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica de Suporte Angular Acrysof Cachet® – 2 Anos de Follow-Up

Pedro Reimão1, Pedro Borges1, Ricardo Parreira1, Fernando Vaz1,2, Ramiro Salgado1, Maria Céu Pinto1 1Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António 2Actual Director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Braga

RESUMO

Objectivo: Avaliação de parâmetros anatómicos de segurança e estabilidade da lente AcrySof Cachet® na câmara anterior (CA), após 2 anos de follow-up. Material e Métodos: Estudo retrospectivo de 90 olhos de doentes com idades compreendidas entre os 20 e os 49 anos (Média±DP: 33.0±7.7), com miopia entre -5.50 e -17.00 D (-9.66±2.96), submetidos a implante de lente intraocular (LIO) de CA de suporte angular (AcrySof Cachet, Alcon Inc.®). Os doentes foram sujeitos a avaliação morfométrica da CA através da realização de Orbscan® e Pentacam®. Todos os doentes implantados tinham CA>2.8 mm e contagens en- doteliais superiores a 2200 células/mm2. O follow-up foi de 24 meses. Os parâmetros avaliados foram a profundidade da CA, a distância central da LIO ao endotélio e cristalino e a distância do bordo da LIO ao endotélio, as perdas endoteliais centrais e periféricas, o white-to-white (W-W) e o grau de rotação da lente. Resultados: As perdas endoteliais centrais foram de 4.27±0.73% e as periféricas de 3.86±0.82%. As distâncias entre a LIO e o endotélio central e entre o bordo da LIO e o endotélio periférico foram respectivamente de 2092±189 µm e de 1524±176 µm. A distância da LIO ao cristalino foi de 894±160 µm. A rotação da lente na CA foi de 28.5±16.0º para um W-W de 11.7±0.4mm. Conclusões: No nosso follow-up a lente fáquica de suporte angular AcrySof Cachet® manteve uma boa estabilidade e clearance entre endotélio corneano e cristalino, mostrando-se segura no tratamento de miopias moderadas a altas.

Palavras-chave Miopia elevada, lente intra-ocular de suporte angular, endotélio, rotação, câmara de Scheimpflug.

Safety and stability of phakic angle-supported lens Acrysof Cachet® – Two years of follow-up

Abstract

Purpose: To evaluate anatomical parameters of safety and stability of AcrySof Cachet® lens in the anterior chamber (AC), after 2 years of follow-up. Methods: Retrospective study of 90 eyes from patients aged from 20 to 49 years old (Average±PD:

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 447 Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira, Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto

33.0±7.7), with myopia range from -5.50 to – 17.00 D (-9.66±2.96), that underwent implanta- tion of an angle-supported AC intraocular lens (IOL) (AcrySof Cachet, Alcon Inc.®). The pa- tients had a morphometric evaluation of the AC by performing Orbscan® and Pentacam®. All the patients implanted had AC >2.8mm and endothelial cell density above 2200 cells/mm2. The follow-up was 24 months. The evaluated parameters were AC depth, central distance of the IOL to the endothelium and crystalline lens, the distance from the edge of the IOL to the endothelium, central and peripheral endothelial losses, white-to-white (W-W) and the IOL´s rotation degree. Results: The central endothelial losses were 4.27±0.73% and the peripheral endothelial losses were 3.86±0.82%. The distances between the IOL and the central endothelium and the edge of the IOL and the peripheral endothelium were 2092 ± 189 µm for the first and 1524 ± 176 µm for the latter. The distance of the IOL to the crystalline lens was 894 ± 160 µm. IOL rotation in the AC was 28.5 ± 16.0° for a W-W of 11.7 ± 0.4 mm. Conclusion: In our follow-up the AcrySof Cachet® angle-supported phakic lens maintained good stability and clearance between the corneal endothelium and the crystalline lens, showing safety in the treatment of moderate to high myopia.

Key-words High myopia, angle-supported intraocular lens, endothelium, rotation, Sheimpflug camera.

Introdução e segurança destas LIO´s são de enorme importância por- que se pretende um implante permanente em grande pro- A cirurgia refractiva é uma área da oftalmologia em ximidade com estruturas intra-oculares delicadas. Con- constante evolução e com o objectivo primordial de corri- tudo, este procedimento levanta ainda algumas questões gir a miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia dos relativamente aos potenciais riscos a longo prazo, estando doentes. descritas complicações6. Entre elas, destacam-se as que se As opções de tratamento cirúrgico para miopias ou as- relacionam com a instabilidade posicional da LIO ou de tigmatismos baixos a moderados recaem maioritariamente uma clearance insuficiente entre a lente intraocular (LIO) na cirurgia por Fotoqueratectomia Refractiva (PRK) ou e o cristalino ou o endotélio cornenano. São exemplos a Queratomileusis assistida por Laser Excimer (LASIK). diminuição da contagem das células endoteliais (CCE), Actualmente, este é o procedimento cirúrgico mais comum formação de catarata e glaucoma secundário5,8,9. Por isso, a para correcção de ametropias1. Em casos de moderada a prevenção de complicações através de uma exaustiva ava- elevada miopia, a necessidade de ablação de grandes quan- liação morfométrica e de todos os parâmetros anatómicos tidades de estroma conduz a um risco aumentado de ectasia de segurança da CA é fundamental. Instrumentos auxiliares corneana devido à instabilidade da biomecânica corneana de diagnóstico como Orbscan II® (Bausch&Lomb), câmara ou perda de qualidade de visão. Nestes doentes, estas op- de Scheimpflug do Pentacam® (Oculus) ou Biomicroscopia ções cirúrgicas tornam-se limitadas pelo decréscimo da por ultrassom (UBM) são importantes para mapeamento previsibilidade e segurança dos resultados pós-operatórios. completo do segmento anterior do olho10,11,13. Por esta razão, as lentes intraoculares (LIO´s) fáquicas as- As LIO fáquicas de suporte angular são uma opção váli- sumem-se como uma alternativa de elevada importância2-4. da para o cirurgião porque a câmara anterior, especialmente Estas lentes têm a vantagem de preservar a citoarquitectura em olhos míopes, é o espaço mais largo de todo o segmento corneana e a acomodação. As LIO´s fáquicas podem ser de anterior do olho e a sua anatomia pode ser facilmente ava- CA (implante por fixação à íris ou de suporte angular) ou de liada no pré e pós-operatório. câmara posterior. O objectivo principal do estudo é a avaliação de parâ- Os resultados ópticos das LIO´s fáquicas de suporte an- metros anatómicos de segurança e estabilidade a longo pra- gular em miopias moderadas a elevadas têm gerado um in- zo da lente fáquica de suporte angular AcrySof Cachet®, teresse renovado no seu implante. A estabilidade posicional nos doentes com follow-up de 2 anos.

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Material e Métodos fornecida pelo fabricante que aconselha uma lente de tama- nho 0.75 a 1.25 mm superior ao valor de W-W. Foi efectuado um estudo retrospectivo de 90 olhos de As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião. 55 doentes com idade compreendida entre os 20 e os 49 O procedimento foi efectuado sob anestesia tópica (oxibu- anos (Média±DP: 33.0±7.7 anos), com miopia entre -5.50D procaína) e com a pupila em miose, após aplicação de pilo- e -17.00 D (-9.66±2.96 D), submetidos a implante de lente carpina a 2% no pré-operatório. A abertura da CA foi efec- intraocular (LIO) de CA de suporte angular (AcrySof Ca- tuada com uma incisão límbica clear cornea de 3.2 mm (ou chet, Alcon Inc.®) após Fevereiro de 2009. 2.8 mm quando utilizado o cartridge P) às 12h. Utilizou- A amostra apresentava 52 olhos direitos (57.8%) e 38 -se solução viscoelástica oftálmica coesiva para distender olhos esquerdos (42.2%), sendo que 72.2% eram doentes e manter a CA formada, protegendo o endotélio e de fácil do sexo feminino e 27.8% do sexo masculino. remoção após implante da lente. A lente foi carregada no Foi efectuada uma selecção de doentes baseada numa his- injector Monarch II e injectada na CA no plano pupilar. Nos tória clínica detalhada. A melhor acuidade visual corrigida doentes operados após Novembro de 2009 foi utilizado um (MAVC) foi medida segundo a tabela do Early Treatment of injector compatível com cartridge P. Os hápticos da lente Diabetic Retinopathy Study (ETDRS). O exame pré-opera- foram orientados na direcção do ângulo iridocorneano de tório também incluiu a avaliação da visão para perto, refrac- modo a coincidirem com o meridiano de 90º. Procedeu-se ção, diâmetro pupilar em condições mesópicas, tonometria, em seguida à lavagem da CA para remoção total da solução gonioscopia e fundoscopia com lente de Goldmann. Foi ain- oftálmica viscocirurgica. Não foi efectuada iridectomia. da avaliada a paquimetria e topografia corneanas através de O follow-up foi de 24 meses (25.7±2.5 meses). Orbscan® e a contagem e análise da morfologia das células Para uma adequada avaliação morfométrica da CA, foi endoteliais centrais e periféricas através de microscopia es- realizada a avaliação por câmara de Scheimpflug recorren- pecular. A distância entre o limbo corneano nasal e tempo- do ao Pentacam®. Este exame foi repetido em todas as vi- ral (white to white, W-W), e a profundidade da CA, foram sitas do pós-operatório. Os parâmetros avaliados foram a avaliadas por câmara de Scheimpflug recorrendo ao Penta- profundidade de CA e os valores de clearance da LIO no cam®. O protocolo de observação foi repetido nas consultas meridiano de 180º: a distância da LIO ao endotélio central do pós-operatório, realizadas ao 1º dia/semana, 1º, 3º e 6º (LIO-End C); a distância da LIO ao cristalino (LIO-Cris); a mês após cirurgia e tendo a partir dessa data uma periodici- distância dos bordos nasal e temporal da LIO ao endotélio dade semestral. No pós-operatório, foi realizada fundoscopia periférico (LIO-End P1 e LIO-End P2, respectivamente). sob dilatação pupilar com tropicamida a 1% apenas quando Durante o follow-up, mediu-se ainda o W-W e o grau de o clínico achou necessário. Dois técnicos de ortóptica foram rotação da lente. A posição da LIO foi calculada através da responsáveis pela realização dos exames auxiliares. medição no Pentacam® da rotação média em graus relati- Os critérios de inclusão foram: idade mínima de 20 anos; vamente à posição original dos hápticos, no meridiano de estabilidade refractiva superior a 12 meses; profundidade 90º. Avaliou-se ainda, o grau de rotação da lente em função de CA > 2.8 mm, sendo esta, a distância entre o endotélio da diferença entre o W-W e tamanho da lente (mm). corneano central e a superfície anterior do cristalino; pupila Todos os dados colhidos foram transferidos para SPSS < 6.0mm em condições mesópicas; CCE > 2200 células/ para Windows (versão 19.0, SPSS Inc.). Os procedimentos mm2; astigmatismo < 2.00 D; ausência de cirurgia ocular estatísticos utilizados foram o coeficiente de correlação de prévia ou patologias associadas como glaucoma, catarata, Pearson e modelos de regressão linear para verificar a as- ou patologia degenerativa da retina, bem como diabetes ou sociação entre as variáveis em estudo. O valor de prova foi doenças inflamatórias sistémicas. estabelecido em p<0.05. A lente fáquica de CA Acrysof Cachet® é uma lente mo- nobloco, dobrável, composta de acrílico hidrofóbico. O seu design torna-a numa lente de suporte angular. Foram uti- Resultados lizados três modelos da lente (L12500, L13000, L13500), cada um com diâmetro de 12.5 mm, 13.0 mm e 13.5 mm, Durante o follow-up as perdas endoteliais centrais fo- respectivamente. Todas as lentes apresentam uma zona óp- ram de 4.27±0.73% e as perdas periféricas de 3.86±0.82% tica de 6.0 mm. (n=90). Os resultados podem ser verificados no quadro 1. A lente foi calculada de acordo com a refracção, quera- Em relação à avaliação dos parâmetros da CA, verifi- tometria, profundidade da CA e o seu tamanho de acordo cou-se uma profundidade de CA de 3.14±0.21 mm com va- com valor do W-W. Utilizou-se, como referência, a tabela lor mínimo de 2.83 mm e máximo de 3.63 mm.

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Quadro 1 | Variação da contagem endotelial.

Alteração média na contagem de células Olhos (%) endoteliais no final do follow-up, % Perda ≥ 20 1 (1.1) Perda < 20 a ≥ 5 8 (8.9) Perda < 5 a 0 79 (87.8) Aumento 2 (2.2)

Fig. 2 | Correlação entre clearance LIO-End C e clearance LIO- -End P1.

clearance foi sempre inferior a 200 μm, registando-se uma diferença média de 92.89 μm. A profundidade da CA correlacionou-se de forma Fig. 1 | Perdas endoteliais médias. significativa com as distâncias entre a LIO e o cristalino [ r=0.437; p=0.003 (Figura 3)] e entre a LIO e o endoté- Os resultados de clearance são apresentados no quadro 2. lio central [ r=0.512; p<0.001 (Figura 4) ] e periférico A clearance média LIO-End C e LIO-Cris foi respecti- [ r=0.646; p<0.001 (Figura 5) ]. Se a variável independente vamente de 2092±189 µm e de 894±160 µm. A razão entre passar a ser o valor de W-W e não o de CA, os resultados clearance média LIO-End C e profundidade média de CA são diferentes pois apenas encontramos correlação e com foi de 62.7±16.7%. Verificou-se que 91,1% dos olhos apre- menor significado estatístico entre W-W e clearance LIO- sentavam uma clearance LIO-Cris superior a 700 μm. -End C ( r=0.352; p=0.018 )

Quadro 2 | Valores médios de clearance na câmara anterior.

Clearance, μm Mínimo Máximo Média DP LIO-End P1 1240 1840 1530 167 LIO-End P2 930 1850 1518 187 LIO-End C 1810 2540 2092 189 LIO-Cris 500 1250 894 160 LIO-Cris * 525 1220 903 143

*-Após dilatação pupilar

A clearance entre a LIO e o endotélio central correla- cionou-se de forma significativa com a clearance entre a LIO e o endotélio periférico [ r=0.454; p<0.001 (Figura 2)]. A clearance LIO-end P1 e LIO-End P2 foi respectiva- mente de 1530±167 µm e de 1518±187 μm. À excepção Fig. 3 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO- de um doente, a diferença entre estas duas variáveis de -Cris.

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Fig. 4 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO-End Fig. 6 | Relação entre o grau de rotação da lente e a diferença C. entre o tamanho da lente e o W-W.

Relativamente às complicações, apenas 2 olhos apre- sentaram aumento da pressão intra-ocular (PIO) durante os primeiros dias do pós-operatório. Até ao momento, não houve registos de formação de cataratas, bloqueio ou ova- lização pupilar, sinéquias ou reacções inflamatórias exacer- badas de CA, descolamentos de retina.

Discussão

Os doentes implantados com Acrysof Cachet® no ser- viço de Oftalmologia do Hospital de Santo António com follow-up de 24 meses apresentaram resultados favoráveis no que diz respeito à previsibilidade e estabilidade da lente, efeitos laterais e densidade das células endoteliais. Como já relatado noutros estudos, a lente deve estar bem posiciona- da, com a estabilidade adequada de modo a não danificar o endotélio corneano e o cristalino7,11,12. Fig. 5 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO-End ® P1. O Pentacam é utilizado para caracterizar o segmento anterior e a posição da lente fáquica no olho. A câmara de Scheimpflug permite a visualização e avaliação de todas as A rotação da lente na CA na 1ª semana de follow-up foi estruturas do segmento anterior com uma boa resolução11,13. de 27.2±24.2º. No final do 1º ano de follow-up, a rotação da Uma vantagem desta técnica é uma aquisição sem contacto lente na CA foi de 28.4±26.0º e no final do 2º ano, foi de e rápida de dados relativos à CA. 28.5±26.0º para um W-W de 11.7±0.4 mm. Na maioria dos Não se observaram efeitos laterais significativos. Como já olhos (61%), a lente teve uma rotação inferior a 30º. referido nos resultados, um aumento da PIO (n=2) foi o único O coeficiente de correlação entre o grau de rotação da efeito lateral registado. Esteve associado a uma limpeza menos lente e a diferença entre o W-W e tamanho da lente (dife- eficaz da solução viscoelástica durante a cirurgia. Os doentes rença designada na figura 6 por WW.LIO) foi 0.71, para necessitaram de tratamento anti-hipertensor durante 10 dias. p<0.001. O gráfico de regressão linear (Figura 6) ilustra a A perda de células endoteliais deve ser sempre interpre- relação entre as duas variáveis. tada no contexto de uma perda fisiológica anual estimada

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em 0.6%14. De um modo geral, não houve perda de células pós-operatório para avaliação de queixas relacionadas com endoteliais significativa. O respeito pelos critérios dese- miodesópsias de novo. Em todos os casos, a dilatação foi lecção de doentes, nomeadamente no que concerne à sua eficaz. Os dados recolhidos pelo Pentacam® revelaram que CCE pré-operatória terá sido uma das causas do sucesso. os valores de clearance LIO-Cris sofriam alterações pouco O olho que experimentou maior taxa de perdas endoteliais significativas nos minutos seguintes à dilatação (quadro 2). (22%) esteve associado a maior trauma cirúrgico, pois essa Apesar de existir uma tendência para a movimentação pos- diminuição de CCE verificou-se logo na consulta do 1º mês terior da lente com a dilatação pupilar, a distância entre a pós-operatório. Devido à estabilização posterior da CCE, LIO e o cristalino mantém-se, certamente devido ao aplana- optou-se por não realizar o explante da LIO. Analisando a mento da superfície anterior do cristalino7. figura 1, verifica-se que é no pós-operatório imediato que Outro facto importante observado é que a medição da se dão as maiores taxas de perdas endoteliais, estando estas CA recorrendo a instrumentos como a câmara de Scheim- maioritariamente relacionadas com o trauma cirúrgico. pflug do Pentacam® traz maior precisão na estimativa do Os aumentos na CCE que o gráfico revela estarão rela- tamanho da CA, o que já está descrito noutros trabalhos15. cionados com processos individuais de remodelação celu- Juntamente com a escolha adequada de candidatos (rigoro- lar ou com a variabilidade das medições (efectuadas por 2 so respeito pelos critérios de inclusão), este facto também técnicos de ortóptica). Este artefacto pode ser encontrado se mostrou decisivo para os valores de segurança apresen- quando os técnicos avaliam áreas diferentes do mesmo en- tados pela lente até agora. dotélio em visitas sucessivas. Verificou-se que a rotação da lente não esteve associada A perda média de células endoteliais centrais a qualquer tipo de complicações. A rotação foi, essencial- (4.27±0.73%) e periféricas (3.86±0.82%) parece-nos bas- mente, a observada durante a 1ª semana após a cirurgia. Em tante aceitável, comparativamente com outras lentes fáqui- 40 olhos não se verificou qualquer rotação da lente após a cas de CA (de suporte angular ou fixação à íris) já implan- consulta do 1º mês e nos restantes, a média de rotação foi tadas no nosso serviço. Contudo, ainda não existem mais de 1.3º ao fim de 2 anos. Estes dados sugerem que a len- do que 2 anos de seguimento para atestar a sua segurança, te adquire estabilidade após um período inicial de rotação sendo necessário que todos os doentes mantenham uma vi- ainda no peroperatório, provavelmente relacionado com o gilância em consultas semestrais. procedimento em si (a remoção da solução viscocirúrgica) Relativamente à posição da lente fáquica e atendendo a e desvio dos hápticos da posição original no meridiano de que esta lente, utilizada para correcção de miopias modera- 90º. A estabilidade rotacional da lente foi tanto maior quan- das a elevadas, é mais espessa na periferia do que no centro to maior a diferença entre o tamanho da lente e o W-W. da zona óptica, é crucial manter os bordos da zona óptica Apesar deste facto, houve a tentativa de não ultrapassar afastados do endotélio. Assim, foi efectuada a medição dos os 1.25 mm de diferença, o poderia significar demasiada valores de clearance LIO-End P1 e LIO-End P2. Os resulta- compressão dos hápticos sobre o ângulo e o consequente dos médios de ambos foram semelhantes (1530.0 e 1518.22 posicionamento posterior da lente. O resultado seria, even- µm, respectivamente). Apenas um doente apresentou um tualmente, um glaucoma secundário a bloqueio pupilar, já resultado de LIO-End P inferior a 1350 µm – trata-se de descrito noutros estudos sobre implante de LIO´s fáquicas um olho no qual os valores de LIO-End P1 e LIO-End P2 de CA8. Por outro lado, se a diferença entre o tamanho da eram respectivamente de 1810 µm e 930 µm devido a um lente e o W-W for diminuta (<0.5 mm) aumenta a probabi- tilt da lente na CA acarretando perdas de 7.1% no endotélio lidade e o grau de rotação da lente. Analisando a figura 6 periférico 15 meses após a cirurgia. Este doente encontra-se e a equação da recta, percebe-se que para a lente não rodar em seguimento trimestral. Atendendo à equação da recta ou apresentar uma rotação inferior a 20º é necessário que a da figura 5 verifica-se que para uma clearance mínima de diferença não seja inferior a 0.97 mm. segurança de 1500 µm entre a LIO e o endotélio periféri- Em conclusão, os dados colhidos suportaram a seguran- co, é necessária uma CA mínima de 3.07 mm para evitar ça da utilização da lente na correcção de miopias modera- perdas endoteliais graves. Em relação à clearance LIO-End das a altas. Os parâmetros avaliados por imagem revelaram C, a segurança foi evidente, com o valor mínimo registado uma lente fáquica bem posicionada na CA, fornecendo uma a ser de 1810 µm. Até ao momento, ainda não há registo clearance central e periférica adequadas para o endotélio de cataratas, como complicação do pós-operatório. No en- corneano e cristalino. Para maior segurança, segundo a tanto, existem 4 doentes com clearance LIO-Cris inferior a nossa amostra, é aconselhavél uma CA > 3.07mm, con- 700 µm e que são também alvo de um follow-up mais aper- trariamente ao que sugere o fabricante (2.8 mm). Devido tado. 11 doentes foram submetidos a dilatação pupilar no aos casos de rotação relatados ainda no peroperatório (nas

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consultas pós-operatórias comprova-se já a estabilidade da lens implantation to correct myopia; five-year study. J lente), não será de momento aconselhável a correcção de Cataract Refract Surg 2007; 33:784-790. erros astigmáticos com uma lente destas características. 10. Allemann N, Chamon W, Tanaka HM, Mori ES, Cam- pos M, Schor P, Bäikoff G. Myopic angle-supported intraocular lenses; two-year follow-up. Ophthalmology 2000; 107:1549-1554. Bibliografia 11. Kohnen T, Klaproth O. Three-year stability of an angle- -supported foldable hydrophobic acrylic phakic intrao- 1. Sakimoto T, Rosenblatt MI, Azar DT. Laser eye surgery cular lens evaluated by Scheimpflug photography. J Ca- for refractive errors. Lancet 2006; 367:1432-1447. taract Refract Surg 2010; 36:1120-1126. 2. Lecisotti A, Fields SV. Clinical results of ZSAL-4 an- 12. Kohnen T, Knorz M, Cochener B, Gerl R, Arné JL, gle-supported phakic intraocular lenses in 190 myopic Colin J, Alió JL, Bellucci R, Marinho A. Acrysof eyes. J Cataract Refract Surg 2005; 31:318-823. phakic angle-supported intraocular lens for the correc- 3. Pérez-Santonja JJ, Alió JL, Jiménez-Alfaro I, Zato MA. tion of moderate-to-high myopia: one-year results of Surgical correction of severe myopia with an angle-su- a multicenter european study. Ophthalmology 2009; pported phakic intraocular lens. J Cataract Refract Surg 116:1314-1321. 2000; 26:1288-1302. 13. Baumeister M, Bünren J, Kohnen T. Position of angle- 4. Baikoff G, Arne JL, Bokobza Y, Colin J, George JL, -supported, iris-fixated, and ciliary sulcus-implan- Lagoutte F, et al. Angle-fixated anterior chamber phakic ted myopic phakic intraocular lenses evaluated by intraocular lens for myopia of 7 to 19 diopters. J Cata- Scheimpflug photography. Am J Ophthalmol 2004; ract Refract Surg 1998; 14:282-293. 138:723-731. 5. Chen L-J, Chang Y-J, Kuo JC, Rajagopal R, Azar DT. 14. Bourne WN, Nelson LR, Hodge DO. Central corneal Metaanalysis of cataract development after phakic in- endothelial cell changes over a ten-year period. Invest traocular lens surgery. J Cataract Refract Surg 2008; Ophthalmol Vis Sci 1997;38:779-782. 34:1181-1200. 15. Coullet J, Mahieu L, Malecaze F, et al. Severe endo- 6. Alió JL, de la Hoz F, Pérez-Santonja JJ, Ruiz-Moreno thelial cell loss following uneventful angle-supported JM, Quesada JA. Phakic anterior chamber lenses for phakic intraocular lens implantation for high myopia. J the correction of myopia; a 7-year cumulative analysis Cataract Refract Surg 2007;33:1477– 81. of complications in 263 cases. Ophthalmology 1999; 106:458-466. 7. Alió J, Piñero D, Esperanza S, Amparo F. Intraocular O trabalho foi apresentado como free paper, a 20 de Setem- stability of an angle-supported phakic intraocular lens bro de 2011, no XXIX Congresso da ESCRS, em Viena. with changes in pupil diameter. J Cataract Refract Surg Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar. 2010; 36:1517-1522. 8. Ardjomand N, Kölli H, Vidic B, El-Shabrawi Y, Faul- born J. Pupillary block after phakic anterior chamber CONTACTO intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg Pedro Reimão 2002; 28:1080-1081. Rua Sarmento Beires, nº 130, Leça da Palmeira 9. Benedetti S, Casamenti V, Benedetti M. Long-term en- 4450-723, Matosinhos dothelial changes in phakic eyes after Artisan intraocular [email protected]

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Oftalmologia - Vol. 36: pp.455-461

Comunicações Curtas e Casos Clínicos Síndrome de Goldenhar – Caso Clínico e Revisão da Literatura

Rita Reis1, Vasco Miranda1, Ricardo Parreira2, Pedro Menéres3, Maria Araújo4 1Interna(o) Complementar 2Assistente Hospitalar, Secção de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo 3Assistente Hospitalar Graduado, Secção de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo 4Assistente Hospitalar Graduada, Secção de Órbita e Oculoplástica Serviço de Oftalmologia, Hospital de Santo António, Porto

Resumo

Introdução: A Síndrome de Goldenhar é uma patologia congénita rara, com uma incidência de 1 em cada 3 500 a 56 000 nascimentos. A sua base patogénica consiste numa alteração do de- senvolvimento do 1º e 2º arcos branquiais cuja etiologia permanece desconhecida, podendo estar relacionada com uma anomalia da sua vascularização durante a gravidez. As principais carac- terísticas oftalmológicas são a presença de colobomas palpebrais, dermóides conjuntivais e de microftalmia (mais raramente, anoftalmia). As manifestações sistémicas são múltiplas, das quais se destacam as alterações da morfologia craniofacial, a presença de apêndices pré-auriculares, dismorfias vertebrais, malformações cardio-pulmonares e genito-urinárias. Caso clínico: Os autores relatam um caso de uma menina de 3 meses cujo exame oftalmológico sugeriu uma anoftalmia direita, entretanto confirmada por ultrassonografia. Não foram identifi- cadas alterações palpebrais nem alterações morfológicas na região orbitária esquerda, nomea- damente dermóides e colobomas. Apresentava ainda várias alterações hemifaciais, das quais se destacam a microssomia, apêndices pré-auriculares e hipoplasia mandibular. O estudo cardio- lógico realizado revelou um septo interventricular perfurado e sinais de hipertensão pulmonar. Identificaram-se ainda múltiplas hemivértebras cervicais e torácicas. Foi colocada a hipótese diagnóstica de Síndrome de Goldenhar. Conclusão: As manifestações oftalmológicas mais comuns da Síndrome de Goldenhar nem sempre estão presentes. A existência de anoftalmia obriga à intervenção cirúrgica precoce, com o objectivo de estimular o crescimento ósseo da órbita e assim permitir um melhor resultado estético global. A identificação de anomalias oculares deve ser estudada em conjunto com as alterações sistémicas e enquadradas na abordagem multidisciplinar destes doentes.

Palavras-chave Síndrome Goldenhar, espectro oculo-auriculo-vertebral, dermóides, microftlamia/anoftalmia.

Abstract

Introduction: Goldenhar Syndrome is a rare congenital anomaly, with an incidence of one in each 3 500 to 56 000 births. Its pathogenesis remains unknown but is thought to be caused by a disturbance in the development of the 1st and 2nd branchial arcs, possibly related to their vascu- larization during pregnancy. Its main ocular findings are the presence of palpebral colobomata,

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 455 Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres, Maria Araújo

conjunctival dermoids and microphthalmia (rarely anophthalmia). There are a myriad of syste- mic manifestations which include craniofacial and vertebral dysmorphias, pre-auricular skin tags and cardiopulmonary and genitourinary malformations. Clinical case: We report a case of a three-month-old girl whose ophthalmic examination su- ggested a right sided anophthalmia, later confirmed with ultrasonography. No morphologic abnormalities were identified in the left orbital region, namely dermoids or colobomata. She also presented with hemifacial malformations, such as microssomia, pre-auricular skin tags and mandibular hypoplasia. Cardiac examination disclosed a perforated interventricular septum and signs of pulmonary hypertension; multiple cervical and thoracic hemivertebrae were identified. Goldenhar Syndrome was perceived to be the most likely diagnosis. Conclusion: Typical manifestations of Goldenhar Syndrome are not always encountered. Ano- phthalmic sockets warrant early surgical intervention, aiming to stimulate orbital bone growth and therefore allowing better cosmetic outcomes. Ocular malformations must be assessed to- gether with systemic abnormalities in an imperative multidisciplinary addressement of these patients.

Key-words Goldenhar Syndrome, oculoauriculovertebral spectrum, dermoids, microphthalmia/anophthal- mia.

Introdução para estudo, havendo valores tão díspares como 1 em cada 3500 - 5600 nascimentos5 até 1 em cada 45 000 A Síndrome (Sd) de Goldenhar é uma entidade clí- nados-vivos6. A grande variabilidade entre as diferentes nica complexa com manifestações variadas e etiologia séries publicadas é explicada pela diferença nos crité- desconhecida. Em 1845, Von Arlt1 relatou pela primei- rios de diagnóstico utilizados na seleção da amostra7,8. ra vez uma associação de malformações auriculares e A própria multiplicidade de termos clínicos já utilizados oculares mas foi só em 1952, com M. Goldenhar, que a para designar esta entidade é, por si só, ilustrativa da sua tríade característica de tumores dermóides epibulbares, grande variabilidade fenotípica, que se traduz inclusiva- apêndices pré-auriculares e mal-formações auriculares mente na dificuldade em estabelecer critérios mínimos de foi descrita2. Em 1963, Gorlin et al sugeriu a designação diagnóstico universalmente aceites. Actualmente são cri- “microssomia hemifacial” para caracterizar a associação térios mínimos de diagnóstico a presença de microtia ou de hipoplasia facial unilateral e microtia ipsilateral, que de apêndices pré-auriculares8, sendo que muitos autores mais tarde verificou estar frequentemente associada a al- exigem a associação a hipoplasia mandibular para o esta- terações vertebrais. Nas décadas seguintes verificou-se belecimento do diagnóstico. uma clara sobreposição entre a Sd Goldenhar, a micros- A maioria dos casos ocorre de forma esporádica, mas somia hemifacial e uma série de outras entidades clíni- existem relatos de casos com hereditariedade autossó- cas entretanto descritas, que se distinguiam entre si por mica dominante8,9, autossómica recessiva8, dominante diferentes graus de alterações morfológicas auriculares, ligada ao cromossoma X9 e até de hereditariedade multi- oculares, faciais e cervicais, tais como a “Sd do Primeiro factorial5, com interacção de vários genes e interferência Arco Branquial” e “Sd do Segundo Arco Branquial”.Foi de factores ambientais. Um estudo genético identificou então em 1990 que Gorlin postulou que todas estas Sín- duas famílias com hereditariedade autossómica dominan- dromes corresponderiam de facto a variações de uma só te de penetrância incompleta8. Os estudos cromossómicos entidade clínica, com diferentes graus de atingimento au- até agora realizados não revelaram nenhuma alteração ricular, ocular e vertebral, a que deu o nome de “Espectro específica10. A grande variabilidade clínica inter e intra- Oculo-auriculo-vertebral”3,4. familiar é uma constante, independentemente do padrão Os dados relativos à sua incidência variam de estudo de hereditariedade8. Sabe-se que nos casos esporádicos o

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atingimento é normalmente unilateral (cerca de 85% dos Caso clínico casos), enquanto que nos casos familiares a bilateralidade é mais frequente (cerca de 10 a 33% dos casos)1. Nos Os autores relatam um caso de uma menina de 3 me- casos bilaterais o atingimento é frequentemente assimé- ses com hemidismorfia facial, enviada à consulta de Oftal- trico, sendo mais marcado na hemiface ipsilateral às prin- mologia por suspeita de microftalmia direita. Apresentava cipais alterações auriculares. normal morfologia das pálpebras bilateralmente e exame Os indivíduos do sexo masculino são mais frequen- oftalmológico do olho esquerdo totalmente normal, no- temente atingidos, com um ratio masculino: feminino de meadamente sem tumores epibulbares visíveis. Realizou-se 3:25. No entanto, alguns autores defendem que ambos os ecografia ocular, que revelou ausência total de globo ocular sexos são atingidos de igual forma, sendo a diferença até à direita, com nervo óptico presente; à esquerda compro- agora reportada uma vez mais explicada pelos diferentes vou-se a normal morfologia do globo ocular. critérios mínimos de diagnóstico utilizados pelos auto- res11,12. Um atingimento semelhante entre ambos os sexos estaria de acordo com a hereditariedade autossómica do- minante, a mais frequentemente reportada8. Pouco se sabe relativamente à sua patogénese. A dis- tribuição dos órgãos atingidos aponta para uma malfor- mação do 1º e 2º arcos branquiais e 1ª fenda branquial, que ocorrerá entre a 4ª e a 6ª semana gestacional. No en- tanto, as alterações decorrentes do deficiente desenvolvi- mento destes arcos branquiais não explicam as alterações cardiovasculares e genitourinárias muitas vezes presen- tes, já que a origem embrionária é distinta7. Vários auto- res colocaram a hipótese de haver uma alteração ao nível da blastogénese, possivelmente condicionada por altera- 5,13,14 ções precoces do desenvolvimento vascular . Kallen Fig. 1 | Aos três meses de idade: assimetria hemifacial evidente, 15 et al atribuiu a patogénese da Sd. de Goldenhar a uma com hipoplasia orbitária e ausência de globo ocular direito. alteração no desenvolvimento da crista neural. Russell et al16 sugere uma anomalia na migração das células da crista primitiva, resultando em alterações do desenvol- A RMN orbitária entretanto realizada confirmou anof- vimento das estruturas mesodérmicas, já que os órgãos talmia direita com hipoplasia da cavidade orbitária ipsila- primariamente afectados têm uma origem mesodérmica teral, além de uma marcada assimetria óssea craniofacial. comum. Têm sido propostos como agentes teratogénicos várias infecções maternas (rubéola, influenza1,17,18), a exposição a radiação externa e a herbicidas ou insecticidas nos pri- meiros três meses de gestação. Também a ingestão de fár- macos durante a gravidez aparece associada a inúmeros casos isolados descritos na literatura, nomeadamente em associação à Talidomida, Cocaína, produtos de medicina tradicional (de composição indeterminada), Tamoxifeno, Ácido Retinóico, Primidona e Fluoxetina 11,17,19,20. Alguns Fig. 2 | RMN orbitária: anoftalmia direita (1), assimetria marcada autores apontam a diabetes materna como factor de risco das paredes da órbita (2) e hipoplasia orbitária direita (3). para o desenvolvimento desta síndrome1,7,17,18,21-23. Além das anomalias que fazem parte da tríade diag- nóstica, são ainda frequentes outras malformações au- A criança apresentava ainda microtia direita e vários riculares, oculares e faciais, bem como um conjunto de apêndices pré-auriculares, além de microssomia hemifa- alterações sistémicas de gravidade variável, atingido cial, macrostomia, hipoplasia mandibular direita e agene- principalmente os sistemas cardiovascular, pulmonar, di- sia do canal auditivo externo direito. A avaliação multi- gestivo, renal, genitourinário e osteoarticular. disciplinar permitiu identificar alterações do foro cardíaco

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(comunicações interventriculares múltiplas, foramen oval As descompensações cardiopulmonares frequentes e as patente e hipertensão pulmonar), urológico (hipoplasia re- infecções genitourinárias de repetição obrigaram várias ve- nal ipsilateral) e vertebral (hemivértebras cervicais). zes ao cancelamento de intervenções cirúrgicas programa- Tratava-se da primeira filha de um casal jovem, saudável das, resultando num tempo de intervenção inicial bastante e não consanguíneo. A gravidez foi vigiada clínica e eco- superior ao inicialmente previsto. A abordagem conjunta graficamente desde o segundo mês, tendo decorrido sem in- com a Cirurgia Maxilo-Facial e Cirurgia Plástica permitiu tercorrências e sem história de exposição a radiação externa optimizar a sequência das intervenções, com o objectivo de ou a fármacos (para além dos suplementos de ferro e ácido atingir um melhor resultado estético/funcional e de dimi- fólico, prescritos usualmente durante a gravidez). O parto nuir o número de cirurgias necessárias. distócico (por fórceps) ocorreu às 38 semanas num Hospi- Actualmente a doente é seguida nas consultas de Pedia- tal distrital do Norte do país. Os pais desconheciam antece- tria, Cirurgia Plástica, Cirurgia Maxilo-facial, Cardiologia, dentes familiares patológicos relevantes. O estudo genético Nefrologia, Ortopedia e Otorrinolaringologia. entretanto realizado revelou um cariótipo 46, XX normal. O exame oftalmológico do olho esquerdo mantém-se No 7º mês de vida foi colocado expansor de fundo de sem alterações, com transparência dos meios, ausência de saco conjuntival (expansor de Hidrogel 0.9 ml - Acri-Tec®), erros refractivos significativos e comportamento visual apa- simultaneamente com cirurgia maxilo-facial para correcção rentemente normal. de macrostomia. Onze meses depois foi colocado expansor esférico orbitário de Hidrogel de 3 ml (também da Acri- -Tec®), inserido por abertura da conjuntiva e Tenon pelo fundo de saco inferior. O implante sofreu extrusão total, tendo sido substituído por outro do mesmo tamanho, com o mesmo resultado final, apesar de ambos terem sido co- locados o mais posteriormente possível na órbita e de ter sido feito encerramento por planos, com pontos isolados (fio Poliglactina 910™, 5/00). Em todas as cirurgias foi realizada uma tarsorrafia tem- porária (com fio de seda 4/00), mantida durante cerca de três meses na primeira cirurgia e durante um mês nas três últimas intervenções.

Fig. 4 | – Aspecto da doente imediatamente após colocação de ex- pansor de fundo de saco (imagem superior) e 1 mês após colocação de expansor orbitário (imagem inferior). Fig. 3 | Colocação de expansor orbitário.

O próximo passo na reabilitação orbitária poderá ser a Discussão colocação de expansor de tecido orbitário ou de enxerto de gordura, seguido de colocação de prótese externa executada Clinicamente os doentes podem apresentar qualquer à cor e à medida. combinação de alterações morfológicas, desde microtia

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e/ou hipoplasia mandibular até múltiplas manifestações Numa revisão da literatura foram encontrados inúmeros cardíacas, musculoesqueléticas, renais, pulmonares e do casos em que doentes com Sd. de Goldenhar apresentavam Sistema Nervoso Central (SNC). As percentagens de cada várias formas de estrabismo (endotropias, exotropias, limi- manifestação variam muito conforme as séries e a sua inci- tação da abdução e Sd de Duane tipo 1 e 2) assim como mi- dência real é, de facto, desconhecida. Nos estudos em que crocornea, colobomas da íris, coróide e nervo óptico, atrofia são incluídos doentes que cumprem apenas os critérios con- da íris, catarata polar anterior e várias alterações do sistema siderados mínimos para o diagnóstico ocorre uma diluição nasolacrimal (dacrioestenose congénita, fístula lacrimal e natural dos casos com manifestações sistémicas, tornando obstrução do ducto nasolacrimal)1,24-26. a sua prevalência mais baixa do que a encontrada nas sé- ries com doentes tendencialmente mais graves. No entanto, Tabela I | Frequência de alterações oftalmológicas nos pensa-se que cerca de 60% dos doentes têm algum tipo de doentes com Sd. Goldenhar alteração ocular, 40% tem alterações auditivas e 40% alte- rações vertebrais5. Percentagem De todas as alterações oculares encontradas nestes (%) doentes a mais comum é a existência de tumores epibul- Colobomas palpebrais 10-20 bares, que surgem em 35% dos casos. Normalmente são unilaterais, inferotemporais24 e perilímbicos, mas podem Tumores epibulbares 35 surgir em qualquer localização. A sua existência pode con- Microftlamia 10 dicionar complicações graves, sobretudo relacionadas com Anoftalmia 2-4 o seu tamanho e localização. Tumores de grandes dimen- sões podem impedir o encerramento completo da fenda pal- Estrabismo 6-10 pebral, originando sintomas de olho seco e até queratopatia de exposição. Em alguns casos podem condicionar um as- tigmatismo corneano significativo pelo que, mesmo quando A microssomia hemifacial que caracteriza estes doentes não existe obstrução mecânica do eixo visual, o potencial é provocada por alterações ósseas e articulares (nomeada- ambliogénico é considerável. Histologicamente os dermói- mente hipoplasia mandibular e zigomática associadas a as- des são o subtipo mais comum, mas existem também tu- simetria dos ramos da mandíbula). Uma vez que estas são mefacções lipodermóides, normalmente subconjuntivais e normalmente unilaterais, o facies característico da Sd. de superotemporais, muitas vezes localizadas num plano mais Goldenhar é assimétrico segundo um plano vertical. Esta posterior25. Estas podem não ser aparentes nos estudos ima- assimetria é evidente em apenas 20% dos casos, mas está giológicos (TAC e RMN) uma vez que a sua densidade é presente em menor grau em mais de 65% dos doentes, ainda muito semelhante à da gordura orbitária. Nos casos em que que não seja imediatamente aparente, sobretudo na infância. os tumores epibulbares condicionam astigmatismo cornea- Por motivo ainda desconhecido, várias séries referem a sua no significativo deverá ser realizada a sua exérese cirúrgica, maior ocorrência na hemiface direita5,8,27, apontando como eventualmente combinada com uma queratoplastia lamelar. explicação eventuais assimetrias na arquitectura vascular. Os colobomas palpebrais são mais comuns na pálpebra Além das alterações morfológicas auriculares já referidas, e superior, o que pode constituir um importante elemento no que constituem os critérios mínimos de diagnóstico, mais de diagnóstico diferencial com outras Sd. Dismórficos cra- dois terços destes doentes (em algumas séries 90%) manifes- niofaciais. Apesar de constituírem a alteração morfológi- tam surdez ou hipoacúsia neurossensorial ou de condução. ca palpebral mais comum nestes doentes, podem também De facto, quando se consideram apenas crianças com surdez ocorrer pregas no epicanto e epífora por agenesia do ponto neurossensorial, a incidência de Sd. de Goldenhar aumenta lacrimal1. marcadamente para uma em cada 1000 crianças28. As altera- A microftalmia é muito mais frequente do que a anof- ções vertebrais mais frequentemente descritas são a fusão das talmia, presente em cerca de 10% destes doentes. Os doentes vértebras cervicais, a existência de hemivértebras e de cifose com anoftalmia (2- 4% dos casos) representam normalmente ou escoliose com diferentes níveis de gravidade. casos mais graves, com maior prevalência de malformações As alterações sistémicas associadas surgem em cerca do SNC, nomeadamente calcificação da foice cerebelar, pa- de 50% dos doentes29. As alterações cardíacas mais fre- ralisia cerebral, hidrocefalia e atraso mental. A intervenção quentes são a Tetralogia de Fallot e os defeitos do septo cirúrgica precoce nos casos de anoftalmia é obrigatória para interventricular7. Uma vez que as malformações cardíacas a estimulação do desenvolvimento ósseo da órbita. estão presentes em 18-58% dos casos e que no seu conjunto

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constituem a principal causa de morte nestes doentes6,30, O prognóstico depende da gravidade das alterações sis- é absolutamente obrigatório o rastreio cardiovascular na témicas associadas. Na maioria dos casos o tratamento con- abordagem inicial de indivíduos com suspeita de Sd. de siste em múltiplas cirurgias, de modo a otimizar as funções Goldenhar. Entre as alterações craniofaciais são comuns dos órgãos atingidos e melhorar o aspecto estético. a fenda palatina/lábio leporino, alterações da implantação A enorme variedade clínica e morfológica da Sd. de dentária, quistos dermóides, macrostomia, micrognatia e Goldenhar torna impossível o estabelecimento de protoco- microcefalia. Relativamente ao sistema musculoesqueléti- los de tratamento universais31. co, são frequentes as dismorfias do esternocleidomastoideu, O atingimento multissistémico destes doentes obriga a o pescoço curto, as hérnias umbilicais e inguinais e a baixa uma abordagem multidisciplinar, de modo a reduzir o nú- estatura, para além das já referidas alterações vertebrais. mero de anestesias e optimizar esforços de tratamento. São ainda comuns manifestações gastrointestinais (fístulas traqueoesofágicas e imperfuração anal) e genitourinárias (hipospádia e hipoplasia vaginal, testículos retidos, refluxo vesicouretral e hipoplasia/agenesia renal). Bibliografia Nos recém-nascidos o tratamento deverá ser orientado para a manutenção das funções vitais, nomeadamente a res- 1. Sharma JK, Pippal SK, Raghuvanshi SK, Shitij A. Gol- piração e nutrição, que poderão estar seriamente compro- denhar-Gorlin’s Syndrome: a case report. Indian J Oto- metidas nos casos mais graves1. laryngol Head Neck Surg 2006, Jan-Mar; Vol 58, No. 1 A reabilitação orbitária nos casos de anoftalmia será 2. Goldenhar M. Association malformatives de I’oeilet de melhor sucedida se iniciada precocemente. A decisão rela- I’oreill en particulier le syndrome dermoide epibulbai- tivamente ao tempo cirúrgico ideal e ao tipo de abordagem re - appendices-auriculares fistula auris congenita et ses dependem do tipo de alterações das pálpebras, conjuntiva e relations avec la dysostose mandibulo faciale. J Genet órbita, bem como da sua gravidade31. Hum 1952;1: 243-82. A abordagem cirúrgica deve ser dirigida primariamen- 3. Pinheiro AL, Araújo LC, Oliveira SB, Sampaio MC, te à correcção de eventuais anomalias palpebrais, seguida Freitas AC. Goldenhar’s syndrome: Case report. Braz das alterações da conjuntiva e por último da órbita. A esco- Dent J 2003;14: 67-70 lha do tipo de prótese e até do seu tamanho obriga muitas 4. Gorlin RJ, Cohen MM, Levin LS. Syndromes of the vezes a várias intervenções cirúrgicas, de modo a que seja Head and Neck. New York: Oxford University Press encontrado um tamanho suficientemente grande para ser 1990; 641-46 eficaz, sendo simultaneamente tolerável e com baixo risco 5. Kulkarni V W, Shah M D, Parkihh A A. Goldenhar Syn- de extrusão. Apesar de não existir nenhum tratamento uni- drome: a case report. J Postgrad Med 1985;31: 177-9 versalmente aceite nas formas congéntias de anoftalmia, os 6. Morrison J, Mulholland HC, Craig B G, Nevin NC. expansores de silicone constituem uma opção promissora já Cardiovascular abnormalities in the oculo-auriculo- que permitem a expansão da órbita de uma forma previsível -vertebral spectrum (Goldenhar syndrome). Am J Med e pouco traumática, duas vantagens importantes na difícil e Genet, 1992;Vol 44(4): 425–428 prolongada abordagem terapêutica destes doentes31. 7. Nakajima H, Goto G, Tanaka N, Ashiya H, Ibukiya- O diagnóstico pré-natal (DPN) é possível através da ma C. Goldenhar Syndrome associated with various ecografia neonatal. De Catte et al32 publicou um caso clíni- Cardiovascular Malformations. Jpn Circ J. 1998;(62): co em que foi feito o DPN às 15 semanas de gestação por 617-620 observação ecográfica de uma fenda de palato associada a 8. Vendramini-Pittoli S, Kokitsu-Nakata NM. Oculoauricu- microftalmia unilateral. Num outro caso o DPN foi estabe- lovertebral spectrum: report of nine familial cases with lecido às 24 semanas pela presença de microssomia hemifa- evidence of autossomal dominant inheritance and review cial associada a hipoplasia cerebelar ipsilateral32. of the literature. Clin Dysmorphol 2009;18: 67-77 Nas consultas de aconselhamento genético, durante a 9. Stoll C, Viville B, Treisser A, Gasser B. A family with elaboração da árvore genealógica, deve ser dada especial dominant oculoauriculovertebral spectrum. Am J Med atenção à possível presença de malformações minor, sobre- Genet, 1998; 78: 345-349 tudo apêndices pré-auriculares de pequenas dimensões ou 10. Rao VA et al. Goldenhar’s sequence with associa- dismorfias auriculares ligeiras, que frequentemente estão ted juvenile glaucoma in Turner’s Syndrome. Indian J presentes nos familiares de doentes inicialmente tidos como Ophthalmol 2005;53: 267-8 casos sem componente hereditário. 11. Lessick M, Vasa R, Israel J. Severe manifestations of

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Comunicações Curtas e Casos Clínicos Termo de Consentimento Informado para Cirurgia de Catarata

Mestre Leonor Duarte Almeida H.S. Maria, Serviço de Oftalmologia. Centro Hospitalar Lisboa Norte

Introdução O processo de consentimento constitui- se assim num direito do doente e simultaneamente num dever do mé- O consentimento informado ou esclarecido, funda- dico. O doente deve ser informado de maneira adequada à menta-se na informação adequada fornecida pelo médico sua capacidade cognitiva. O simples ato de ler e assinar um ao doente e no consentimento esclarecido por parte deste. documento, não é suficiente para a eliminação do ónus Traduz o respeito pelo princípio da autonomia do sujeito e de informar adequadamente. O médico pode e deve expor pressupõe um conjunto de atitudes e procedimentos, com a sua opinião sobre o tratamento que acredita ser o mais in- avaliação das respectivas expectativas, riscos e benefícios dicado. Não pode por seu turno: Impor sua vontade quanto associados. ao tratamento e Omitir informações sobre outros possíveis Como exigência formal é um instrumento recentemen- tratamentos. te utilizado na prática clínica. A obtenção do T.C.L.E, não constitui um mero cumprimento contratual na relação mé- dico-doente, mas um complemento da atuação médica, re- Apresentação de um termo de consenti- forçando a relação de confiança estabelecida entre ambos. mento informado para cirurgia de ca- O objetivo do T.C.L.E., não é a defesa judicial mas o re- tarata forço dessa relação de confiança.1 Só é eficaz se o “pacien- te tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico, Em Junho de 2012 foi apresentado no Congresso de índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da Cirurgia Implanto-Refrativa realizado em Tróia e por soli- intervenção ou tratamento (Código Penal art. 157º) 1. citação do seu coordenador, um Termo de Consentimento Do articulado do artigo 156º, que se refere a interven- Informado destinado a cirurgia de catarata resultante de um ções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, pode con- trabalho de discussão e ponderação alargada, em torno dos cluir-se que a atividade médica está basicamente, delimita- itens mais importantes que um consentimento deve com- da pelo consentimento do doente1,4. portar. Este documento reformulado de um anteriormente O médico pode ser punido a dois títulos diferentes: apresentado, contempla as sugestões do responsável do Ofensa à integridade física, no caso de ter havido violação grupo e foi aberto á contribuição dos colegas da Sociedade das leges artis, e Ofensa à liberdade (direito de autodeter- Portuguesa de Oftalmologia. minação nos cuidados de saúde) no caso de, tendo agido Ficou então decidido que este novo termo, deveria ser de acordo com as regras da profissão, não ter esclarecido aprovado pela Comissão Diretiva do Colégio de Oftalmo- devidamente o paciente dos riscos ou consequências secun- logia, o que reforçaria naturalmente a sua importância nor- dárias da intervenção2,3. mativa. Para evitar o risco de um vazio jurídico, foi contudo Transcrito para a nossa ordem jurídica em Dezembro consensualmente assumido que mesmo sem a chancela do de 2001, da convenção de Oviedo de 1997, Cap. II art. 5º, Colégio o termo de consentimento em questão iria passar estabelece para a prática clínica os seguintes itens: Compe- a ser usado pelos colegas que assim o desejassem na sua tência, Informação, Compreensão, Voluntariedade e final- prática clinica, enquanto aguarda a aprovação como docu- mente Consentimento5. mento formal a adotar.

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Metodologia adotada para a Elabora- não o dever fazer. Um mau prognóstico só pode porém ser ção de um correto Termo de consenti- revelado com as precauções aconselhadas pelo exato co- mento livre e esclarecido nhecimento das suas condições específicas e da sua índole moral. Em regra deve ser revelado ao familiar mais próxi- A forma do consentimento informado expresso (oral/ mo, a não ser que o doente o tenha previamente proibido escrito) deve ser adequada a cada situação clinica e não ou tenha indicado outras pessoas a quem a revelação deva uniformizada. A cirurgia de catarata envolve objetivos di- ser feita. ferentes de uma cirurgia de glaucoma ou vítreo-retiniana, bem como distintas complicações. Esse termo terá de contemplar a Natureza do proce- Conclusão dimento a que irá ser submetido, Informações sobre os Riscos prováveis, Possíveis complicações e sequelas, O médico enquanto fornecedor de serviços corre o ris- Benefícios, Alternativas ao tratamento, Consequências co d e ver a sua prática regulada pela optica contratual. A da negação, Autorização para obter fotografias, vídeos utilização de um T.C.L.E será um meio moral de recupe- e difundir em revistas médicas ou reuniões científicos e rar essa confiança, ameaçada pela despersonalização do a Possibilidade de revogação a qualquer momento antes ato médico, pela filosofia do número, e consequente perda da intervenção. de confiança mútua. O recurso a um documento com uma A Resposta a todas as dúvidas, confirmando a com- metodologia própria e organizada, poderá servir de base preensão da informação fornecida e o tipo de Linguagem a um melhor entendimento, empatia e cumplicidade entre utilizada que deverá ser simples para a plena compreensão dois parceiros privilegiados de uma relação insubstituível, do doente/ seus familiares se necessário, bem como a en- que é a relação médico-doente. trega de Cópia ficando outra apensa ao processo clínico bem como o Contacto em caso de necessidade e as res- petivas Assinaturas do médico e doente, acrescidas das respetivas identificações (ex.: B. Identidade, endereço Bibliografia e etc.) completam o termo de consentimento informado adequado1. 1. ALMEIDA, Leonor Duarte (2011) O Consentimento informado, Fundamentos e aplicação de adequada me- Transparência na informação - A transparência na todologia para a sua obtenção breves considerações. quantidade e qualidade da informação transmitida pelo Oftalmologia Vol. 35: pp 87-91 Jan - Março 2011 médico, não é apenas um dever mecânico. Permite a com- 2. PEREIRA André, O Consentimento Informado na Rela- preensão no ato de assentir com a intervenção proposta, ção Médico-Paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra, sabendo o motivo e podendo justificar - dentro de suas Coimbra Editora, 2004, 121 e ss. limitações cognitivas e culturais - o motivo da escolha do 3. COSTA ANDRADE Manuel da, in FIGUEIREDO DIAS tratamento adotado. O excesso de informação e esclareci- (Direcção), Comentário Conimbricense ao Código Penal, mento, não são sinónimos. Como base da relação médica Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 307. - doente o que se exige é a qualidade da informação, que 4. COSTA ANDRADE, Consentimento e Acordo em Di- não tem, necessariamente relação com a quantidade. reito Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p.450 5. SILVA, Paula Martinho da. Convenção dos Direitos Prognóstico e o Diagnóstico - O Prognóstico e o Diag- do Homem e da Biomedicina Anotada, Lisboa Edições nóstico devem ser revelados salvo se o médico, entender Cosmos,1997 ISBN-972-762-050-

464 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Termo de Consentimento Informado para Cirurgia de Catarata

Consentimento informado para intervenção cirúrgica oftalmológica (Catarata) e Anestesia. Lei 1/ 2001, reguladora do Consentimento informado, transposta da C.O. para o ordenamento jurídico português em Dezembro de 2001)

Nome e apelido do doente Nº do processo clínico

Nome do médico que o informa Assinatura

O que é a doença? A catarata é responsável pela diminuição da visão ou visão turva, em virtude do cristalino, a lente biconvexa que existe no olho e que permite focar a várias distâncias, se encontrar afetada pelo envelhecimento do olho, por traumatismo, ou outras causas.

Qual é o tratamento? O método utilizado para melhorar a sua visão é a cirurgia, não havendo outro método alternativo, contudo não é uma emergência cirúrgica e pode fazer-se em qualquer momento. A cirurgia realiza-se em meio asséptico e com microscópio operatório, geralmente em regime ambulatório.

Em que consiste a cirurgia? Consiste na aspiração do cristalino opacificado por facoemulsificação e na sua substituição por uma lente intraocular. O método utilizado não é o laser, mas sim a fragmentação de parte do cristalino por ultrassons, com aspiração das massas restantes, através de dois pequenos orifícios, deixando íntegra a cápsula posterior, onde será colocada a lente intraocular. Realiza-se em grande percentagem dos casos em regime ambulatório, sob anestesia local ou tópica, sem necessidade de recorrer a anestesia geral, o que origina pouca permanência no hospital/clinica.

Como se sabe o valor da lente? Por uma medição feita no olho que avalia a potência da lente que se vai colocar. Pode haver alguma variação no cálculo dessa lente, sendo ocasionalmente necessária a sua substituição.

É preciso levar pontos? Geralmente não são necessários pontos mas em situações particulares podem ser precisos.

Quanto tempo demora a cirurgia? A cirurgia de catarata é um procedimento que dura cerca de 20-30 minutos em regra, excluindo os preparativos para a entrada no bloco e a conclusão da cirurgia.

Quais as complicações da cirurgia? Habitualmente não existem complicações, contudo não está isenta de riscos como qualquer ato médico-cirúrgico, tanto durante como no pós-operatório quer imediato quer tardio.

1. Durante a cirurgia pode haver rotura da cápsula posterior, necessidade de colocar a lente em local diferente do pre- visto ou não se colocar, hemorragia, ou queda total ou de fragmentos do cristalino para o vítreo, o que requererá nova intervenção. Em certas circunstâncias durante a cirurgia pode haver uma complicação que é uma situação excepcional (1/10.000) hemorragia expulsiva, com risco para a visão.

2. Pode surgir muito raramente (em menos de 1 por cada 1000 casos), uma infeção intraocular ou endoftalmite, que pode ser grave, apesar de todos os cuidados pré operatórios, nomeadamente desinfeção adequada. Deverá contactar de imediato o médico se sentir alteração desproporcionada à evolução normal do pós-operatório que lhe foi explicado (como dor, olho vermelho ou baixa de visão), porque o tratamento precoce diminui os maus resultados.

3. Pode ser necessário recorrer a tratamento de Yag Laser, se a cápsula onde se apoia a lente se opacificar, o que pode acontecer num tempo variável após a cirurgia

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A anestesia também tem riscos? A própria anestesia não está isenta de riscos. As anestesias loco-regional e tópica reduzem esta possibilidade, mas não a evita completamente e tanto a anestesia geral como a local/ tópica podem apresentar reações adversas a medicamentos ou a outros fatores.

Riscos comuns da cirurgia Habitualmente não existem complicações e ao fim de algum tempo obtém-se uma visão satis- fatória. Pode haver visão um pouco turva nos primeiros dias, algum desconforto, sensação de olho seco e encadeamento com a as luzes, mas tais sintomas desaparecerão ao fim de algum tempo.Nota: Deverá respeitar a indicações fornecidas pelo seu médico bem como prescrições de medicamentos e colírios anexadas.

Poderá haver necessidade do uso de óculos tanto para longe como de perto, mesmo nalguns casos em que se coloquem lentes intraoculares multifocais.

Se não surgirem complicações a visão final, dependerá do estado das restantes estruturas oculares e da associação ou não de outras patologias oftalmológicas e sistémicas.

Notas particulares colocadas pelo cirurgião: Ex; Fragilidade zonular, glaucoma pseudo-esfoliativo, pupila que dilata mal, Distrofia de Fuchs.

Esta informação pretende esclarecê-lo (a) para que tome uma decisão sobre se deseja ou não submeter-se a esta cirurgia ocular. Pode levar o tempo que for necessário e coloque todas as perguntas que considerar necessárias, antes de concordar com a proposta cirúrgica. Caso rejeita a operação fica informado (a) de que não existe outro tratamento alternativo para corrigir a sua baixa de visão e que esta irá agravar-se.

Declaração do consentimento : 1. Declaro que fui informado/a pelo meu médico dos riscos relativos ao procedimento cirúrgico proposto, tendo-me sido explicado as possíveis complicações. 2. Estou satisfeito/a com a informação recebida, tendo podido formular todo o tipo de perguntas que considerei conve- nientes e ainda me foram esclarecidas todas as dúvidas apresentadas. 3. Foi-me dada uma cópia para ler antes da tomada de decisão. 4. Autorizo ou Não (riscar o que não interessa) a utilização de fotografias ou registo da operação em vídeo com fins científicos e de formação, com ocultação da identificação. 5. Em consequência solicito e consinto na realização da cirurgia proposta 6. Tenho contacto referenciado em caso de alarme 7. Estou informado de que posso revogar este consentimento em qualquer altura, sem que daí advenha qualquer prejuízo.

Assinatura do doente

466 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.467-468

Caso Clínico Mistério Resposta ao Caso do Número Anterior

Tânia Rocha1, António Mendes Carvalho1, Mário Neves2, João Filipe Silva2, António Roque Loureiro3 Serviço de Oftalmologia – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra-Hospital Geral (CHC-HG) 1Interno Complementar de Oftalmologia – CHC-HG 2Assistente Hospitalar de Oftalmologia – CHC-HG 3Director do Serviço de Oftalmologia – CHC-HG

1 - Qual o diagnóstico mais provável? obesidade. Diversos efeitos adversos têm sido atribuídos à terapêutica com topiramato, tanto em crianças quanto adul- a) Ametropia antiga não diagnosticada tos, geralmente no primeiro mês do tratamento e que podem b) Miopia aguda induzida pelo topiramato tornar-se potencialmente graves3. c) Miopia aguda induzida por crise de hiperglicémia As alterações oftalmológicas não são comuns, sendo que a mais alarmante o quadro de miopia aguda e glaucoma Trata-se de uma doente do sexo feminino, 30 anos, raça de ângulo fechado bilateral3-5,11. caucasiana, seguida em consulta de Neurologia por enxa- quecas, medicada regularmente com paracetamol 1g-3id e ibuprofeno 600-2id em sos. Por exacerbação das queixas, 2 - Que dados do exame objectivo/exames complementa- iniciou topiramato 25mg id e aumento da dose para 2id, 15 res de diagnóstico considera úteis? dias depois. Sem antecedentes oftalmológicos e sistémicos relevantes. a) Refracção subjectiva e sob cicloplegia Recorreu ao Serviço de Urgência por diminuição súbita b) Gonioscopia da acuidade visual (AV) para longe, bilateralmente. Sem c) OCT nervo óptico e campos visuais outras queixas. d) Todas as anteriores Apresentava exame neurológico normal e TAC crânio- -encefálica sem alterações. O mecanismo de acção deste síndrome não é totalmen- Ao exame objectivo oftalmológico apresentava: AV te conhecido. Vários autores acreditam que o processo ODE sem correcção 1/10; AV ODE com estenopéico 10/10; acontece por efusão uveal devido a edema do corpo ci- reflexos pupilares normais, biomicroscopia e fundoscopia liar, com consequente anteriorização do diafragma irido- sem alterações; PIO OD/OE: 14/15 mmHg. -cristaliniano, levando à diminuição da profundidade da Realizou angiografia fluoresceínica que não mostrou câmara anterior e encerramento do seio camerular, sem alterações. bloqueio pupilar6. Alguns autores sugerem que a miopia Com os dados da história clínica, exame objectivo e aguda pode também estar relacionada com a diminuição exames complementares de diagnóstico as hipóteses mais da inibição da anidrase carbônica causada pelo topirama- plausíveis são a miopia aguda induzida pelo topiramato e to e com o edema do próprio cristalino5,7,9. Face a estas ca- a miopia aguda induzida por crise de hiperglicemia. A hi- racterísticas a resposta correcta é a d) todas as anteriores. pótese de hiperglicémia em doente com Diabetes Mellitus A refracção subjectiva e sob cicloplegia permite fazer o inaugural/descomepensada é pouco provável uma vez que diagnóstico de miopia. A refracção estática após ciclople- a doente é seguida regularmente pelo médico assistente e gia com ciclopentolato foi OD: -4,00 (-0,50x180º) e OE: nega Diabetes Mellitus. Fez doseamento da glicémia: 90 -3,50 (-0,75x180º). Uma vez que a miopia surge frequen- mg/dl. O diagnóstico mais provável é, então, a miopia agu- temente associada a glaucoma de ângulo fechado a go- da induzida pelo topiramato. nioscopia é importante para avaliar o ângulo camerular e O topiramato é um anticonvulsivante classificado como o OCT e os campos visuais fornecem informação sobre a monossacarídeo sulfamato substituído. O seu us tem de- lesão das fibras nervosas e perda de função visual. Na go- monstrado resultados satisfatórios em casos de epilepsia nioscopia apresentava ângulo grau III/IV da classificação de difícil controlo, na prevenção e tratamento de cri- de Shaffer e o OCT e os campos visuais não mostraram ses de enxaqueca14,11, distúrbios bipolares do humor e até alterações.

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 467 Bibliografia

1. Asensio-Sánchez VM, Torreblanca-Agüera B, Mar- tínez-Calvo S, Calvo MJ, Rodríguez R. Severe ocular side effects with Topamax. Arch Soc Esp Oftalmol. 2006;81(6):345-8. 2. Boentert M, Aretz H, Ludemann P. Acute myopia and angle-closure glaucoma induced by topiramate. Neurology. 2003;61(9):1306. Comment in Neurology. 2004;63(4):762; author reply 762. 3. Cereza G, Pedrós C, Garcia N, Laporte JR. Topira- Fig. 1 | Angio-RMN CE e cervical: Dissecção da artéria carótida interna esquerda (seta). mate in non-approved indications and acute myopia or angle closure glaucoma. Br J Clin Pharma- col. 2005;60(5):578-9. 4. Chalam KV, Tillis T, Syed F, Agarwal S, Brar VS. Acu- 3 - Tendo diagnosticado a situação, qual lhe parece a te bilateral simultaneous angle closure glaucoma after melhor atitude terapêutica? topiramate administration: a case report. J Med Case Reports. 2008;2:1. A miopia aguda induzida pelo topiramato é reversível 5. Chen TC, Chao CW, Sorkin JA. Topiramate induced com a suspensão do medicamento e, como tal, quando myopic shift and angle closure glaucoma. Br J Ophthal- surge isolada a melhor atitude terapêutica é suspender o mol. 2003;87(5):648-9. topiramento e aguardar. 6. Craig JE, Ong TJ, Louis DL, Wells JM. Mechanism of Quando, para além da miopia, o doente apresen- topiramate - induced acute- onset myopia and angle clo- ta glaucoma agudo de ângulo fechado, devem ser admi- sure glaucoma. Am J Ophthalmol. 2004;137(1):193-5. nistrados hipotensores oculares e hidratação vigorosa para 7. Desai CM, Ramchandani SJ, Bhopale SG, Ramchan- normalizar a pressão intra-ocular2,12. dani SS. Acute myopia and angle closure caused by topiramate, a drug used for prophylaxis of migraine. Indian J Ophthalmol. 2006;54(3):195-7. 4 - Perante o quadro clínico e os exames complemen- 8. Rhee DJ, Goldberg MJ, Parrish RK. Bilateral angle-clo- tares de diagnóstico o que diria à doente acerca do seu sure glaucoma and ciliary body swelling from topirama- prognóstico visual? te. Arch Ophthalmol. 2001;119(11):1721-3. Comment in Arch Ophthalmol. 2002;120(12):1775. O prognóstico visual é bom uma vez que a miopia 9. Sachi D, Vijaya L. Topiramate induced secondary angle aguda é apenas transitória revertendo com a suspensão do closure glaucoma. J Postgrad Med. 2006;52(1):72-3. topiramato. A normalização do quadro clinico ocorre 10.Santaella RM, Fraunfelder FW. Ocular adverse effects dentro de 3 a 7 dias. associated with systemic medications: recognition and Duas semanas após a suspensão do topiramato a doen- management. Drugs. 2007;67(1):75-93. te apresenta AV ODE 10/10 sem correcção. 11.Stangler F, Prietsch RF, Fortes Filho JB. Glaucoma agudo bilateral em paciente jovem secundário ao uso de topiramato: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(1):133-6. 12.Thambi L, Kapcala LP, Chambers W, Nourjah P, Beitz J, Chen M, LS. Topiramate - associated secondary an- gle- closure glaucoma: a case series. Arch Ophthalmol. 2002;120(8):1108. Comment on Arch Ophthalmol. 200;119(8):1210-1.

468 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Oftalmologia - Vol. 36: pp.469

Secção Histórica e Iconográfica - Histórias da Oftalmologia Portuguesa Orgulho e preconceito

Responsável da Secção João Segurado IOGP - Instituto de Oftalmologia Gama Pinto

Este último capítulo das histórias da história da oftal- Curiosamente na nota de abertura do congresso da mologia a meu cargo, deveria ser um final feliz, uma se- sofisticada Academia Americana de 2012 proferida em quela, como se diz agora, em linha com os outros artigos Chicago por Abraham Verghese, o tema foi “ the human publicados. Um registo humorado de um episódio caricato touch a powerful old fashion tool that modern medicine is do nosso dia-a-dia, uma memoria longínqua de um patri- in danger of loosing…” mónio a extinguir, ou extinto, porém, esgotei o stock, perdi a memória, surgiu o esperado vazio mental (que se adivi- Alguns destes comportamentos, começam a rarear qui- nhava) e dada a insistência do nosso E.C. (Editor Chefe), çá por terem perdido o significado ou apenas porque dei- vou arriscar um tema, que alguns, (desnatados certamen- xou de haver “tempo”. Por exemplo, que bom seria ouvir te) considerarão reacionário, ou pior ainda elitista. “Bons de novo no Bloco Operatório o pedido de autorização para costumes médicos”, entendidos como código de relação entrar, feito respeitosamente ao cirurgião mais velho pre- inter-pares, verdadeiro DNA, que transcrito desde logo ao sente, e ao anestesista, o cuidado de “pôr a mesa” a tempo jovem interno, fenotipado e cimentado na relação diária e para que a cirurgia se iniciasse mal o cirurgião o entendes- saudável entre colegas. se, e o anestesista assim o permitisse. A compostura du- rante toda a intervenção que se mantinha mesmo quando Falamos de hábitos, tradições, consolidados, por gera- o rumo não era o pretendido. No fim, o agradecer a toda a ções, em anos de educação e respeito mutuo, traduzidos equipa, começando pelos mais velhos e abrangendo toda a em gestos e comportamentos que surgindo, normalizados e equipa fosse qual fosse o resultado. espontâneos, regulam (ou deviam regular) as relações mé- dicas. Fundados em qualidades técnicas e humanas bem Nada disto acontecia por acaso, assim, termino fazendo definidas constituem um código universal, que dignifica votos para que novos Mestres surjam “eleitos” em função quem o segue, ao mesmo tempo que transmite ao corpo da sua competência, qualidades humanas e capacidade de clinico uma noção de solidariedade e compromisso que liderança e que por sua vez estes sejam capazes de devol- a todos envolve. As lideranças médicas, escolhidas inter- ver o Humanismo ao Acto Médico cada vez mais condicio- -pares, sem interferência de poderes políticos ou admi- nado por interesses pessoais e questões financeiras. nistrativos formavam escolas, correntes de pensamento e acção a que nos orgulhávamos de pertencer. Ser Cirurgião DEIXEM-NOS SER apenas MÉDICOS dos Hospitais Civis de Lisboa, pertencer ao serviço do Dr. Luis Monteiro Baptista (o Patrão),Dr. João Viana Barreto ou Dr. Francisco Carlos da Maia, mesmo sendo o mais João Segurado pequeno interno equivalia, a vestir a jaqueta de um famoso grupo de forcados ou ser membro de um típico e respeitá- vel club vitoriano inglês.

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Indicações aos Autores e Normas de Publicação

Resumo Os documentos submetidos para publicação serão pro- priedade da revista Oftalmologia da SPO transferindo os Nota: consultar texto completo das normas de publicação seus autores o direito de propriedade (copyright) a partir em: www.spoftalmologia.pt/normas.publrevistaspo do momento que seja recebido pelo editor. Este direito manter-se-á até indicação do editor de que o artigo não será Oftalmologia é a revista oficial da Sociedade Portu- publicado. guesa de Oftalmologia (SPO) e publica de forma prioritária Nem o Conselho Redactorial nem a SPO se responsabi- trabalhos de investigação básica e clinica, como artigos de lizam pelas opiniões e afirmações expressas na revista. revisão, artigos originais, casos clínicos, relacionados com Os trabalhos devem ser enviados em formato electróni- oftalmologia nas suas diferentes especialidades, bem como co, por correio electrónico para o seguinte endereço: editor. temas de áreas de conhecimento fronteira com interesse [email protected] para a prática médico-cirúrgica e processo clínico na pers- pectiva da governação clínica em oftalmologia. 2. Sistema de revisão por pares – Uma vez comprova- do que o trabalho cumpre os requisitos formais, será envia- do a avaliação por parte de dois ou mais revisores, de forma Processo Editorial confidencial e anónima. Os autores receberão a informação da avaliação dos revisores, de forma anónima e através do 1. Condições gerais – Os artigos serão preferencialmen- editor, para que estes possam realizar as correções oportu- te redigidos em português ou inglês. Poderão ser publicados nas. A selecção dos revisores realiza-se através do conselho artigos numa outra língua (espanhol ou francês). Uma vez redatorial da revista, que têm em conta os méritos académi- recebidos os trabalhos, passarão ao editor da revista, que cos, científicos e experiencia profissional, em cada uma das fará uma primeira avaliação editorial com o fim de com- subespecialidades oftalmológicas, incluindo investigadores provar a adequação no âmbito temático e de interesse para nacionais ou internacionais. a revista e o cumprimento dos requisitos de apresentação formal exigidos nas normas de publicação. Caso contrário 3. Política editorial – a decisão do Conselho Redacto- poderão ser liminarmente devolvidos ao autor para correção rial para aceitação-rejeição de um trabalho apresentado para das deficiências com vista a nova apresentação. publicação baseia-se nos seguintes factores: Uma vez o trabalho publicado todo o material I. Originalidade: assunto e/ou método original, com enviado será destruído, pelo que não devem ser enviados informação valiosa e apresentação de resultados no- originais. Os ficheiros de texto devem ser enviados em for- vos ou confirmação de resultados já anteriormente mato Word (.DOC ou .DOCX), com texto seguido e sempre verificados. com o mesmo tipo de letra. Devem ser dactilografados em II. Actualidade e/ou novidade – tema que está na agen- Arial, tamanho 11, ou outro tipo de letra com tamanho equi- da das reuniões ou comunicações científicas ou é valente, com espaçamento de 1,5 linhas. Os títulos e sub novo. títulos deverão estar assinalados a negrito e em tamanho 12. III. Relevância – aplicabilidade dos resultados para A primeira página conterá somente os elementos descritos a resolução de problemas concretos da prática adiante na rubrica “Organização do Artigo”. oftalmológica. O texto do artigo em tamanho 11 deverá ainda ser en- IV. Inovação e significância – avanço do conhecimento viado simultaneamente em formato PDF, em 2 colunas (ex- científico, técnico e/ou prática clínica. cepto o resumo em Português e Inglês) com as imagens, V. Fiabilidade e validade científica – boa qualidade me- quadros e tabelas com legendas e bibliografia em tamanho todológica evidenciada. 10 no local desejado do artigo e com ”layout” e número de VI. Apresentação – boa redacção e organização do texto páginas semelhante ao que aparecerá na revista. (boa coerência lógica e apresentação do material).

Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 | 471 Secções Organização do artigo

1. Editoriais e notas - Os editoriais e notas serão enco- 1. Página do titulo/identificação – (página separada) mendados pelo editor da revista a quem considere oportuno Contendo título do artigo, nome (s) dos (s) autor (es), serviço ou da responsabilidade do editor. O convite faz-se acompa- (s) hospitalar (es) e departamentos ou organismos onde foi nhar das normas especiais para publicação em cada caso. realizada a investigação, títulos académicos e/ou hospitala- 2. Cartas ao editor - As contribuições para esta sec- res dos autores. Nesta página deve ainda figurar o endereço ção podem incluir comentários sobre artigos previamente postal completo para envio de correspondência e o endereço publicados na revista ou comentários sobre outras matérias electrónico do autor principal. Se o trabalho já tiver sido apre- de interesse para oftalmologia. Esta correspondência esta- sentado, indicar onde e em que data bem como a referência a rá sujeita à revisão por parte do editor e será publicada na prémio obtido se for o caso. Os autores deverão manifestar se medida em que o espaço, as prioridades e interesse o per- têm algum interesse comercial no produto, equipamento ou mitam. Não devem ultrapassar as 500 palavras. As cartas processo e certificar que o trabalho não foi publicado e que ao editor que versem sobre artigos previamente publicados cedem os direitos de autor à SPO. terão direito de resposta. 2. Resumo – Em português e em Inglês com o máximo 3. Artigos de revisão e “guidelines” – O objectivo da 250 palavras. Escritos num único parágrafo e com as seguin- secção é actualizar determinados temas de oftalmologia, tes partes: Objectivos, Desenho do estudo, Participantes, Mé- discutir novos conceitos ou rever conceitos clássicos tendo todos, Resultados primários e secundários, Conclusões. em vista os novos avanços de diagnóstico e tratamento e 3. Palavras chave – Duas listas de cinco palavras chave, a divulgação das boas práticas em oftalmologia. Deverão em português e em inglês, que indiquem os principais assun- relacionar os conhecimentos científicos básicos com os tos focados no texto para fins de codificação no índex. clínicos. Serão encomendados pelo Conselho Redactorial 4. Texto – Recomenda-se que o texto tenha as seguin- a personalidades reconhecidas e ou grupos de trabalho. O tes secções separadas: Introdução, Material e Métodos, Re- convite faz-se acompanhar das normas especiais para pu- sultados, Discussão; poderá ser necessário fazer adaptações blicação em cada caso. a circunstâncias particulares, como por exemplo no caso de 4. Artigos originais – Podem incluir-se tanto trabalhos se tratar de um caso clínico. O autor deverá indicar no texto, experimentais como clínicos, sempre que se trate de traba- em local apropriado, em numeração árabe e em superscript, lhos de investigação. Os trabalhos de investigação devem as citações bibliográficas que fizer. É da exclusiva responsa- ser inéditos e não podem ter sido submetidos para publica- bilidade do autor a verificação da exactidão das referências ção em outra revista estrangeira indexada. Incluem-se nesta bibliográficas e da sua colocação no texto. rubrica os prémios atribuídos no âmbito da SPO. 5. Agradecimentos – Tanto a pessoas, como a entidades, 5. Comunicações curtas e casos clínicos – Deverão quando tal for justificado. ser manuscritos resumidos descrevendo inovações téc- 6. Declaração de interesses financeiros nicas e tecnológicas, manobras cirúrgicas inovadoras, 7. Bibliografia – De modo geral segue-se o sistema de aspectos de outras áreas do conhecimento relacionados Vancouver, com a diferença principal de que a lista das refe- com a prática oftalmológica, nomeadamente laboratório rencias bibliográficas deve ser alfabetada e subsequentemente em Oftalmologia, Gestão, Economia da Saúde, Qualidade, numerada. Se houver mais de uma referencia do mesmo autor, Acreditação e Certificação, Ética médica e Gestão do risco serão indicadas em primeiro lugar aquelas em que o autor apa- em Oftalmologia, bem como casos clínicos com informa- rece isolado e só depois aquelas em que há mais que um autor. ção de prática clínica relevante. Serão temas variáveis em 8. Quadros, gráficos e figuras – são enviados em formato cada revista. electrónico, em ficheiros separados do texto. Os quadros po- 6. Histórias da História da Oftalmologia Portuguesa – dem ser feitos num processador de texto ou numa folha de cal- Será uma rubrica curta realçando aspectos relacionados culo (em Excel). Os gráficos devem ser feitos em PowerPoint com personalidades ou acontecimentos da oftalmologia ou em programa compatível. As figuras devem ser enviadas portuguesa. no formato .TIF ou .JPG, um ficheiro para cada imagem com 7. Caso clínico mistério – Pretende-se uma secção in- qualidade de impressão (≥ 300 dpi). teractiva entre Conselho Redactorial e os oftalmologistas 9. Abreviaturas e símbolos – Só devem ser usadas abre- e internos de oftalmologia. Deverá haver lugar a apresen- viaturas de uso corrente. Se for imprescindível recorrer a tação de sugestões diagnósticas e terapêuticas simulando abreviaturas menos usuais, na primeira vez em que o termo as condições de efectividade da prática clínica perante um aparece no texto ele deve figurar por extenso, logo seguido caso clínico de difícil resolução. pela abreviatura entre parêntesis.

472 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia