Polinização E Dispersão De Sementes Em Myrtaceae Do Brasil ELIANA GRESSLER1, MARCO A
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Revista Brasil. Bot., V.29, n.4, p.509-530, out.-dez. 2006 Artigo de revisão /Review paper Polinização e dispersão de sementes em Myrtaceae do Brasil ELIANA GRESSLER1, MARCO A. PIZO1,2 e L. PATRÍCIA C. MORELLATO1,3 (recebido: 6 de junho de 2005; aceito: 14 de setembro de 2006) ABSTRACT – (Pollination and seed dispersal of Brazilian Myrtaceae). Myrtaceae is one of the most important plant families in Brazilian vegetation, especially forests. Its white, hermaphrodite flowers, with numerous stamens, and the fleshy fruits are exploited by a variety of animal species. This revision aimed to summarize the knowledge of the reproductive ecology of Brazilian Myrtaceae, bringing together information about the pollinators and seed dispersers of a great number of species. Data were compiled from the literature, complemented with unpublished information from the authors and other researchers. The majority of the pollination studies were carried out in Cerrado vegetation, whereas seed dispersal studies were conducted mainly on Atlantic Forest. Pollen is the major resource offered by Myrtaceae flowers. The flowers are visited mainly by bees, the pollinators of almost all species studied until now. The greatest number of visits to flowers is from Meliponinae and Bombinae bees (Apidae). Other insects such as flies and wasps also visit myrtaceous flowers, occasionally acting as pollinators. Bird pollination was reported for Acca sellowiana (O. Berg) Burret and Myrrhinium atropurpureum Schott, in which the main floral resource are the fleshy and sweet petals. Birds and monkeys are the main seed dispersers of Brazilian Myrtaceae, although other mammals, reptiles, fish and ants may interact and casually disperse seeds. Information on the pollination and seed dispersal agents of Myrtaceae in Brazil are still scarce, and its knowledge is essential to species preservation and the conservation of the Brazilian forests. Key words - Myrtaceae, pollination, seed dispersal, reproductive ecology, tropical forest RESUMO – (Polinização e dispersão de sementes em Myrtaceae do Brasil). Myrtaceae é uma das famílias de plantas mais importantes em várias formações vegetais brasileiras, especialmente nas florestas. Suas flores hermafroditas, de cor geralmente clara e com numerosos estames e os frutos carnosos são procurados por diversas espécies de animais. Esta revisão teve como objetivo sumarizar o conhecimento da ecologia reprodutiva das mirtáceas brasileiras, reunindo informações sobre os polinizadores e os dispersores de sementes do maior número de espécies. Os dados foram levantados da literatura, complementados com dados não publicados dos autores e outros pesquisadores. A maioria dos estudos de polinização foi desenvolvida no cerrado e os de dispersão na Floresta Atlântica. As flores de Myrtaceae são visitadas principalmente por abelhas, que coletam pólen e são os polinizadores da maioria das espécies. O maior número de visitas é de abelhas das subfamílias Meliponinae e Bombinae (Apidae). Outros insetos como moscas e vespas também visitam as flores das mirtáceas, poucas vezes atuando como polinizadores. A polinização por aves foi relatada em Acca sellowiana (O. Berg) Burret e Myrrhinium atropurpureum Schott, cujo recurso floral principal são as pétalas carnosas e doces. As aves e os macacos são os principais dispersores de sementes das mirtáceas brasileiras, sendo que outros mamíferos, répteis, peixes e formigas interagem de forma eventual, podendo contribuir para a dispersão de sementes. As informações sobre os agentes polinizadores e dispersores de sementes de Myrtaceae no Brasil ainda são escassas, sendo que seu conhecimento é essencial para a conservação das espécies e florestas brasileiras. Palavras-chave - Myrtaceae, polinização, dispersão de sementes, ecologia reprodutiva, floresta tropical Introdução distribuem por todos os continentes, à exceção da Antártica, mas com nítida predominância nas regiões A família Myrtaceae compreende cerca de 100 tropicais e subtropicais do mundo (Barroso 1991, gêneros e 3.500 espécies de árvores e arbustos que se Marchiori & Sobral 1997). As mirtáceas têm sido organizadas tradicionalmente em duas subfamílias, Leptospermoideae e Myrtoideae, esta última incluindo 1. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Grupo de Fenologia e Dispersão todas as mirtáceas americanas, exceto o gênero de Sementes, Caixa Postal 199, 13506-900 Rio Claro, SP, monotípico Tepualia (Marchiori & Sobral 1997). Brasil. Atualmente, a nova classificação infra-família proposta 2. Endereço atual: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro 2, 93022-000 São Leopoldo, RS, Brasil. por Wilson et al. (2005) reconhece duas subfamílias, 3. Autor para correspondência: [email protected] Myrtoideae e Psiloxyloideae, e 17 tribos. Todas as 510 E. Gressler et al.: Polinização e dispersão em Myrtaceae mirtáceas brasileiras estão incluídas na Tribo Myrteae representantes da subfamília Myrtoideae em geral (van (sensu Wilson et al. 2005). Representada por Wyk & Lowrey 1988, Beardsell et al. 1993, Proença & aproximadamente 1.000 espécies, Myrtaceae é uma das Gibbs 1994, Torenzan-Silingardi & Del-Claro 1998). Até famílias mais importantes do Brasil (Landrum & a publicação do trabalho de Proença & Gibbs (1994), Kawasaki 1997) destacando-se, com mais de uma não havia estudos disponíveis sobre aspectos amplos centena de espécies, os gêneros Eugenia, Myrcia e da biologia da polinização para qualquer grupo de Calyptranthes, enquanto o restante dos gêneros possui mirtáceas neotropicais. Todas as espécies de Myrtaceae menos de 60 espécies brasileiras (Barroso & Perón 1994, brasileiras possuem frutos carnosos (Landrum & Landrum & Kawasaki 1997). Kawasaki 1997) cujas sementes são potencialmente Myrtaceae é uma das famílias lenhosas dominantes dispersas por vertebrados frugívoros. As informações em várias formações vegetais brasileiras, especialmente sobre quais vertebrados consumiriam frutos de mirtáceas na Floresta Atlântica onde mais de 50 espécies podem ainda permanecem no campo das conjecturas, já que ocorrer sintopicamente (Peixoto & Gentry 1990, geralmente apenas observações eventuais estão Landrum & Kawasaki 1997, Tabarelli & Mantovani disponíveis para poucas espécies (Kuhlmann & Kuhn 1999, Oliveira Filho & Fontes 2000, Guilherme et al. 1947, Pizo 2002). Ainda menor é o conhecimento sobre 2004). O entendimento da ecologia e história natural da a eficiência de diferentes vertebrados como dispersores Floresta Atlântica, aqui considerada em seu sentido mais de sementes. Até o presente, o trabalho de Pizo (2002) amplo (Oliveira Filho & Fontes 2000), um dos biomas é o único estudo abrangente que analisa os modos de mais ameaçados e de maior biodiversidade da Terra dispersão e os dispersores de sementes de espécies de (Fonseca 1985, Morellato & Haddad 2000), envolve Myrtaceae da Floresta Pluvial Atlântica. O autor mostra necessariamente o conhecimento das mirtáceas. que a grande variedade de características dos frutos As mirtáceas brasileiras geralmente não produzem (tamanho, cor, número e tamanho das sementes) madeiras valiosas, restringindo-se ao fornecimento de apresentada pelas espécies de Myrtaceae está lenha, à utilização em pequenas peças ou objetos e outras associada a um grupo diversificado de dispersores de formas de uso local (Marchiori & Sobral 1997). Por outro sementes, principalmente aves e macacos. lado, há numerosas espécies frutíferas, algumas A presente revisão tem por objetivo sumarizar o exploradas comercialmente (e.g. a goiabeira, Psidium conhecimento da ecologia reprodutiva das mirtáceas guajava L., a jabuticabeira, Myrciaria cauliflora brasileiras, reunindo informações especialmente sobre (Mart.) O. Berg, e a pitangueira, Eugenia uniflora L.). os polinizadores e os dispersores de sementes do maior Essas espécies representam apenas uma pequena fração número de espécies. Esperamos que esta revisão possa do grande potencial econômico da família, tendo em vista representar um ponto de partida para futuras pesquisas o grande número de frutos comestíveis produzidos por enfocando a ecologia da polinização e dispersão das espécies não comerciais (Landrum & Kawasaki 1997). espécies de Myrtaceae e de outras famílias importantes Algumas espécies estão desaparecendo da natureza nas vegetações brasileiras. antes mesmo que se tenha conhecimento básico de sua Foram tomados como base para esta revisão os biologia (Landrum & Kawasaki 1997), como pode ser estudos com espécies nativas de Myrtaceae realizados visto pelas listas de espécies de Myrtaceae ameaçadas no Brasil; fora do país foram considerados somente os no Brasil divulgadas recentemente (Biodiversitas 2006). estudos em que a espécie em questão ocorre Apesar de sua importância na estrutura das florestas naturalmente em território nacional. A maior parte dos e outras formações vegetais nativas, estudos de cunho dados foi levantada na literatura, complementada com ecológico abordando especificamente as mirtáceas observações de campo e dados não publicados dos brasileiras ainda são escassos (Souza 1997, Fidalgo autores e outros pesquisadores. No caso da polinização, 2002, Pizo 2003, Sugahara & Takaki 2004, Gressler devido à escassez de estudos, para alcançar uma visão 2005). A polinização por abelhas, com o pólen como mais abrangente na família foram incluídos comentários recurso principal, parece ser o sistema predominante sobre algumas espécies de mirtáceas exóticas, quando (Nic Lughadha & Proença 1996), embora estudos pertinente. A polinização foi considerada