Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo - 23 a 26 de agosto de 2011

Área temática Quadrinhos e linguagem

ATRAVÉS DE IN Chantal Herskovic1, Akemi Ishihara Alessi2

RESUMO O presente estudo visa apontar, como a linguagem das histórias em quadrinhos mudou desde seus precursores até a contemporaneidade, à partir da análise, através dos conceitos da intermidialidade e da intertextualidade, da obra Alice In Sunderland de . O autor se inspira na obra e na vida de e de fatos e histórias da região da cidade de Sunderland trabalhando várias referências intertextuais e intermidiais, e se apropria de imagens e ilustrações, em transposições intersemióticas, fusões e sobreposições, explorando a composição das páginas e a linguagem dos quadrinhos, de modo a criar uma obra contemporânea que não poderia ser feita de outra forma.

PALAVRAS-CHAVE: História em quadrinhos 1;Linguagem 2;Intertextualidade 3; Intermidialidade 4;Literatura 5.

ABSTRACT This study discuss the development of the comics language since the first comics, through the analysis of Alice In Sunderland, by Bryan Talbot. The author was inspired both by Lewis Carroll life and work, and by Sunderland stories, making many intertextual and intermedia references. Images and illustrations are incorporated in the book as intersemiotic transpositions, fusions and juxtaposed texts, working the composition of the pages and the comics language, creating a book, that couldn‟t be done in any other format.

KEYWORDS:Comics 1;Language 2; Intertextuality 3;Intermediality 4;Literature 5.

1 Introdução

As histórias em quadrinhos, no início do século XXI, tornaram-se uma forma de literatura amplamente difundida, comercializada, e em alguns casos, até mesmo cultuada, com convenções próprias, análises acadêmicas, listas de discussão, adaptações para o cinema dentre inúmeras outras manifestações culturais, como fanzines e sites na internet de conteúdo relacionado. Este estudo pretende apontar, à partir da análise da obra Alice In Sunderland, de Bryan Talbot, como a estrutura da linguagem dos quadrinhos passou por modificações. A obra explora o uso de

1 Mestre em Artes Visuais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, [email protected] 2 Especialista em educação, Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH / Faculdades Promove, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, [email protected]

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requadros e também sua ausência, cria páginas com fusões de diversos tipos de imagens, como desenhos, fotografias, colagens, páginas de livros e mapas, trabalha a sobreposição de paineis e o jogo intertextual e intermidiático de referências, e no caso, a transposição intersemiótica de elementos das obras de Lewis Carroll. O autor também faz referência a produções anteriores de quadrinhos, em que a linguagem, consolidada em requadros bem demarcados, do mesmo tamanho e lado a lado, mesmo em caso de sátira. Revela como a linguagem evoluiu para a sobreposição de quadros e fusão de imagens e textos. Aceita na contemporaneidade como uma manifestação inteligente, as histórias em quadrinhos são aceitas nos currículos acadêmicos, e determinadas obras já foram adotadas por escolas e instituições - públicas e particulares, ao contrário dos anos 1950, em que ainda eram consideradas uma manifestação da cultura popular. Obras de conteúdo sofisticado e narrativa visual bem trabalhada são difundidas na mídia e algumas são, também, adaptadas para o cinema, como Persépolis. Outras, fazem o papel de crítica à sociedade, ou chamam a atenção para determinadas questões, sociais e/ou históricas, como Maus, de Art Spiegelman, que aponta os horrores do holocausto e da guerra, ou as obras de Joe Sacco, como Palestina: Uma Nação Ocupada e Área de Segurança Gorazde: A Guerra na Bósnia Oriental, que também revela histórias e situações em áreas de conflito. Algumas obras, tratam de biografias dos próprios artistas, como Fun Home, de Alison Bechdel e outras, conteúdo mais fantástico, misturado com questões culturais e espirituais como O Chinês Americanode Gene Luen Yang e O Gato do Rabino de Joan Sfarr. São diversos assuntos manifestados em formato de histórias em quadrinhos, tanto para o público infanto-juvenil quanto adulto. A profusão de títulos mostra um mercado desenvolvido e leitoreshabituados com imagens ligadas à textos. O surgimento da graphic novelem 1978, com a obra de Will Eisner, Contrato com Deus, marcou uma etapa importante das histórias em quadrinhos como uma forma de literatura, que mostra mais possibilidades do que o espaço das tiras de jornais permitiria, ou mesmo, das revistas de quadrinhos, uma vez que surge em forma de livro. Histórias com amplo conteúdo e narrativa sofisticada para um público leitor de histórias em quadrinhos ou familiarizado com o uso de imagens como parte de uma narrativa. Na Europa, há também a cultura dos álbuns de quadrinhos - com seu formato “álbum” específico e em geral, em cores - com um mercado editorial considerável.

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Para aprofundar nas questões sobre a linguagem dos quadrinhos, é necessário uma breve introdução sobre a história das histórias em quadrinhos, assim como de alguns elementos de sua linguagem. As histórias em quadrinhos, difundida até este início de século, impressas em papel – revistas, livros ou jornais, com desenhos e textos, surgiram no final do século XIX. Um dos precursores das histórias em quadrinhos é Wilhelm Busch, criador de Juca e Chico (Max und Moritz) de 1865, que serviram de inspiração para a série Os Sobrinhos do Capitão (Katzenjammer Kids)de Rudolph Dirks em 1897. Antes disso, em 1895, surgiu a série O Menino Amarelo (The Yellow Kid) de Richard F. Outcault - segundo Álvaro de Moya: “Considerada a primeira história em quadrinhos continuada com personagem semanal, aos domingos, em cores, no Sunday New York Journal.” (MOYA, 1993, p. 17). Outra obra importante da história das histórias em quadrinhos é Little Nemo in Slumberland de Winsor MCcay. O autor explora as páginas dominicais para fazer desenhos surrealistas. Mas nessa obra do início da década de 1910, os balões ainda não estão totalmente consolidados na forma de traço bem definido que viria a se transformar ao longo dos anos, e acabam sendo contornos dos diálogos. Porém, nesse período, já existe uma grande preocupação estética em relação aos desenhos, aos requadros e ao uso das cores e composição da página. Mesmo em se tratando de um trabalho estético próprio do estilo do artista, já é o início do pensar sobre a forma da linguagem dos quadrinhos de um ponto de vista mais sofisticado, e no caso, surrealista. Desde de 1865, tendo como basecronológica obras precursoras dos quadrinhos, muitas modificações ocorreram e algumas formas estruturais da linguagem se consolidaram até a década de 1930 – como narrativa sequencial, personagens de histórias seriadas, balões arredondados ou retangulares, legendas, onomatopeias, tipografias especiais dentre outras. A ligação texto e imagem, ao longo dos anos, à medida que os artistas estabeleciam o que seria a linguagem das histórias em quadrinhos - esta, tornava-se cada vez mais entrelaçada com palavras e imagens de forma a explorar a narrativa visual. Com as tecnologias digitais, outras propostas vem surgindo como programas específicos para leituras de histórias em quadrinhos em formato digital, comunidades na internet para compartilhamento de arquivos - nem sempre respeitando direitos autorais, e aplicativos para telefones celulares que permitem adquirir pelo aparelho, alguns títulos de quadrinhos. Ou seja, desde as histórias do final do século XIX, em

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que ainda não haviam balões ou uma narrativa sequencial que entrelaçasse palavras e imagens, ocorreram mudanças significativas, em que os textos passaram de textos de justaposição – texto escrito com imagens que o ilustravam, para textos mistos – que combinam palavras e imagens e textos intermidiáticos, que entrelaçam palavras e imagens, de modo a contar uma história ou mesmo sugerir som e movimento.

2 Relações intertextuais e intermidiáticas, o jogo das referências

A obra Alice In Sunderland é uma história em quadrinhos contemporânea, que explora a linguagem dos quadrinhos para contar uma história que não poderia ser feita de outra forma. O autor, inspirado nos livros e na biografia de Lewis Carroll, assim como nas histórias da região da cidade de Sunderland, criou uma obra visual com vários níveis de leitura. O leitor precisa estar atento para as várias menções a obra e vida de Carroll, assim como informações sobre manifestações culturais locais. O leitor que conhece as histórias das aventuras de Alice e outros fatos da vida de Carroll, provavelmente achará interessante a forma como o jogo de referências ocorre, jogo próprio de produções contemporâneas com várias citações a diferentes obras e autores. Segundo Umberto Eco, o jogo das referências não é percebido pelo leitor de primeiro nível, ou leitor ingênuo, que faz uma leitura mais superficial, mas sim, pelo leitor de segundo nível, ou leitor crítico, que percebe as referências presentes no texto.

O primeiro usa a obra como um dispositivo semântico e é vítima das estratégias do autor que o conduz passo a passo ao longo de uma série de previsões e expectativas; o outro avalia a obra como produto estético e avalia as estratégias postas em ação pelo texto para construí-lo justamente como leitor de primeiro nível. O leitor de segundo nível é que se empolga com a serialidade da série e se empolga não tanto com o retorno do mesmo (que o leitor ingênuo acreditava ser outro), mas pela estratégia das variações, ou seja, pelo modo como o mesmo inicial é continuamente elaborado de modo a fazê-lo parecer diferente. (ECO, 1989, p.129)

O jogo das referências ocorre não apenas com as referências em formas de homenagens ou citações, mas também com as paródias explorando a intertextualidade e a intermidialidade. Apesar de não se tratar de um livro de humor, a obra é repleta de referências bem humoradas aos livros de Carroll – assim como de

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fatos da vida do escritor e também do ilustrador criando diversos intertextos. Maria Zilda Cury coloca a visão da intertextualidade da seguinte forma: “[...] todo texto é um mosaico de citações, todo texto é uma retomada de outros textos. Tal apropriação pode-se dar desde a simples vinculação a um gênero, até a retomada explícita de um determinado texto”. (PAULINO, 1995, p. 22) O que ocorre em Alice In Sunderland é um grande jogo intertextual, em que em diversos momentos o autor não apenas referencia os textos originais, mas também se apropria de elementos próprios dos livros de Carroll, tanto de seu texto, como das ilustrações de . Essa apropriação, no caso, é uma transposição intersemiótica em que imagens e textos são inseridos em uma nova obra. A transposição intersemiótica é uma das formas de intermidialidade, que possibilita a apropriação de elementos de uma obra para a adaptação e transformação desses elementos para formar um outro texto, criando uma nova produção. Ou seja, ocorre a “interpretação de signos verbais por meio de signos não-verbais”, ou ainda, Claus Clüver se refere a:

[...] um texto que se aproxima do texto-fonte de „traduction intersémiotique‟, como um caso especial de „tranposição intersémiotique‟ que normalmente abrange itens mais autônomos. [...] o conceito de tradução intersemiótica‟ soa melhor se restringido a textos (em qualquer sistema sígnico) que, em primeiro lugar, oferecem uma reapresentação relativamente ampla (mesmo que jamais completa) do texto- fonte composto num sistema sígnico diferente, numa forma apropriada, transmitindo certo sentido de estilo e técnica e incluindo equivalentes de figuras retóricas; e, em segundo lugar, que acrescentem relativamente poucos elementos, sem paralelo no texto-fonte. (CLÜVER, 1997, p. 42-43)

Como exemplo dessas transposições há desenhos de Alice, capas dos livros, ilustrações de John Tenniel em várias páginas da obra, em alguns momentos, os desenhos de Tenniel estão entrelaçados aos de Bryan Talbot (FIG. 1). Em outros, os desenhos de Bryan Talbot, são transformados em parte no estilo de Tenniel e em outras páginas, o texto de Carroll é transposto e ilustrado pelo autor como frases ou diálogos dos personagens.

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FIGURA 1: página 29 – fusão de várias imagens, entre elas, ilustrações de John Tenniel. Fonte: TALBOT, 2007, p. 29.

Todas as imagens tem relevância na obra de Bryan Talbot. O livro Alice In Sunderland, com suas páginas repletas de cartazes, fotos, textos, desenhos, cria um texto imagético em que um objeto complementa o outro, mesmo que esteja no plano de fundo das páginas, nada é por acaso, todas as imagens e texto tem uma relação. Segundo Rolllan Barthes: “Não há dúvida de que, na ordem da percepção, a imagem e a escrita, por exemplo, não solicitam o mesmo tipo de consciência; e a própria imagem propõe diversos modos de leitura (...)” - e ainda acrescenta: “A imagem, se transforma numa escrita, a partir do momento em que é significativa: como a escrita, ela exige uma lexis.” (BARTHES, 2003, p. 200-201). O remete a idéia de leitor modelo de Umberto Eco. O jogo intertextual e intermidiático das referências, próprio de produções contemporâneas cria uma narrativa visual com detalhes para um leitor atento, que aprecie também os jogos narrativos da obra, no caso, como quando o autor cria quatro versões de si próprio que apresentam a história como a um espetáculo ou brinca com a linguagem dos quadrinhos em suas fusões visuais e intermidiáticas. Além das referências intertextuais, há também as referências metalinguísiticas, em que o autor revela etapas da criação da própria obra e da produção de histórias em quadrinhos. Em alguns momentos, aparecem fotos de seu próprio estúdio e imagens do roteiro,

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dos rascunhos e da arte final, além do próprio autor fazer parte da história com comentários sobre seu processo de criação.

3 Por trás de Alice

A obra Alice In Sunderland, de Bryan Talbot, mostra um trabalho sofisticado de fusão de imagens, textos em um amálgama de fotografias, colagens, pinturas, cartazes, capas e ilustrações. Alguns requadros, como conhecemos da linguagem própria dos quadrinhos ainda existem em algumas páginas, porém, em outras, há uma grande fusão de informações. O texto aparece em balões e legendas, mas também faz parte desse texto, as informações dos cartazes, capas, placas e mapas. Não é possível separar os textos e as imagens, pois ambas se complementam em um texto intermidiático. Bryan Talbot, utiliza como fonte de inspiração para sua obra a história da cidade de Sunderland e de sua região, assim como de seus personagens ilustres, que viveram ou por lá passaram como escritores, atores, religiosos e artistas. O autor também se inspira nos livros de Lewis Carroll e na sua biografia e diversas imagens relacionadas, como fotografias, ilustrações e locais que tenha visitado. Lewis Carroll é o pseudônimo adotado por Charles Lutwidge Dodgson inspirado em seu próprio nome. Em 1851, Dodgson entrou para o Christ Church College em Oxford, iniciando uma relação com a universidade que duraria toda sua vida. Em 1856, Henry Liddell, o novo reitor chegou a Oxford com sua família – sua esposa e suas três filhas pequenas: Lorina, Edith e Alice. Dodgson se afeiçoou à família e foi em uma tarde em que saiu para um piquenique com as crianças que criou a história de Alice e suas aventuras fantásticas. Convencido a escrever a história, entregou o manuscrito a uma editora eo livro foi publicado em 1865 com ilustrações de John Tenniel. Apreciador do humor nonsense e de jogos de lógica e matemática, o autor das aventuras de Alice, insere em suas histórias, brincadeiras sobre as formas, sobre o tempo, sobre espelhos e jogos, em sua obra. A aventura de Alice começa quando ela segue o coelho branco para um buraco no chão e vai parar no País das Maravilhas, um mundo fantástico com personagens extraordinários. Alice diminui, depois cresce, depois diminui e à medida que vai se aventurando no mundo mágico, descobre seus personagens e lugares.

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Na obra de Bryan Talbot, o personagem também se encontra em uma aventura, porém, dentro de um espetáculo. Ele se depara com o coelho branco, na verdade dois coelhos, o desenhado por John Tenniel e outro – um homem mascarado de coelho branco – que é o próprio autor e apresentador da espetáculo Alice in Sunderland no Sunderland Empire. Assim como Alice se transforma e muda de forma, o personagem “apresentador” e autor também muda. No próprio cartaz que anuncia o espetáculo, no início da obra, há a informação de que ele é apresentado por Bryan Talbot – que aparece como o “plebeu”, o “ator”, e o “peregrino” e há o quarto, aquele que escreve e desenha a obra. Bryan Talbot, o anfitrião dessa apresentação, tem como seu único público, além do leitor, ele próprio, o Bryan Talbot, “plebeu” como anuncia o cartaz - que entrava no teatro quando passa pelo coelho branco e lá dentro, no palco, encontra outro coelho branco. O coelho, que é o autor e ator Bryan Talbot com uma máscara, apresentará uma peça interpretada e narrada por mais um Bryan Talbot, o “peregrino” – que é o escritor, pesquisador e roteirista desse livro que está nas mãos do leitor. E um quarto Bryan Talbot surge depois, discutindo com seu personagem Bryan Talbot “apresentador” da peça. Cada Bryan Talbot tem uma forma diferente – o primeiro que entra no Sunderland Empire, o “plebeu” é mais corpulento e mais jovem e é o único que usa o anel gravado com a letra “B”, anel que o próprio e, verdadeiro, Bryan Talbot sempre usa. O segundo, o “apresentador” com a máscara de coelho branco, e camisa bufante, é o Bryan Talbot mais fantasioso, contador de histórias. O autor verdadeiro possui uma coleção de camisas antigas e bufantes. O terceiro Bryan, o “peregrino”, está em seu estúdio, quando convida a “audiência” a conhecer Sunderland e fatos sobre Lewis Carroll e sobre a região. E o quarto Bryan é o próprio autor em desenhos e fotos aquareladas (FIG. 2) do artista em sua casa e em seu estúdio.

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Figura 2: página 185 – o Bryan Talbot “apresentador”, o “plebeu”e o autor Fonte: TALBOT, 2007, p. 185.

Em certo momento da história o Bryan que assiste ao espetáculo acaba adormecendo e acorda no mundo de Alice, com as ilustrações de John Tenniel e com os personagens de Lewis Carroll. O Bryan que sonha encontra que também está dormindo e acorda e depois aparecem os irmãos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum. À medida que vai apresentando a história, o terceiro Bryan, o “peregrino” comenta sobre suas atividades e suas publicações enquanto narra a história de Sunderland, das histórias em quadrinhos e de Lewis Carroll. Ele leva a “audiência”, ou o leitor, até o Reading Museum de Berkshire, o museu que exibe uma cópia da tapeçaria Bayeux. Segundo o autor, uma antiga obra de arte seqüencial, pois, conta uma história através de imagens, como as histórias em quadrinhos. Segundo o autor, seria a primeira história em quadrinhos inglesa. Outra referência às histórias em quadrinhos é quando exibe uma estátua de um projeto de residência artística que revela a produção da própria estátua – um pássaro estilizado de metal em três momentos de sua produção. Ao longo do livro o autor faz referências a outras histórias em quadrinhos e sua forma de linguagem e narrativa seqüencial. Além das referencias aos quadrinhos, Bryan Talbot argumenta que Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho remetem a linguagem dos quadrinhos, em que

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as imagens complementam os textos. Pois, as ilustrações de John Tenniel são únicas para ilustrar a obra de Carroll. Por exemplo, não há descrição do Chapeleiro Louco no texto, a única descrição que há, é a ilustração que acompanha o texto, portanto um depende do outro. O desenho de John Tenniel influenciou as obras posteriores e futuras adaptações das histórias de Alice. O autor também escreve como que as histórias em quadrinhos são mágicas e revela seu próprio conflito de escritor sobre essa obra que produz, quando confessa seu receio, de uma história em quadrinhos em que não se trata exatamente uma “história”de ficção, mas de um conjunto de variedades em torno de fatos, histórias e imagens sobre a região de Sunderland e fatos relacionados a Lewis Carroll. Nesse momento, em uma referência, surge uma caricatura de Scott McCloud, chamado pelo artista de Venerable Scott McComics-Expert, remetendo a um ser divino envolto em luz, que alerta que as histórias em quadrinhos podem ser sobre qualquer coisa, estilo ou assunto – que o autor não deve confundir o gênero com a mídia. No caso, trata-se de uma paródia ao escritor do livro Understanding Comics. O ser “divino” também acrescenta: “Vá em paz meu filho e não se esqueça de fazer um bom acordo de direitos autorais” (TALBOT, 2007, p. 188). Há um certo humor sobre a produção de quadrinhos e seu processo de criação, em seguida o autor brinca com a estrutura das histórias em quadrinhos, saindo da página, pois no caso, ela seria o “palco” do Sunderland Empire e vai para os bastidores e começa a trabalhar em uma página de quadrinhos no estilo do belga Hergé, criador de Tintim. Em outros momentos, há um intervalo, como em uma apresentação teatral e também histórias em quadrinhos incorporadas à obra, porém em outros estilos, como de revistas de aventuras e textos satíricos. O autor explora a linguagem dos quadrinhos, utilizando sua estrutura de requadros, que são sobrepostos em painéis, fundos trabalhados, fusões e colagens de imagens diversas, de vários estilos, para contar, ou melhor, “apresentar” esse espetáculo de variedades, inovando com sua narrativa visual, em que as imagens complementam o texto, e em alguns momentos, estão entrelaçadas em cartazes, fotos e capas e páginas de livros e mapas.

4 Conclusão

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Toda a obra é feita de imagens entrelaçadas e textos, explorando a linguagem dos quadrinhos. Enquanto outras obras em quadrinhos deixa o fundo da página em branco ou em alguma cor neutra, nessa obra, todo o espaço é utilizado. São mapas, ilustrações, fotos, colagens que ocupam todo o espaço, em sobreposição de painéis e requadros ou em grandes fusões, criando uma grande obra visual. Nenhuma outra forma de mídia poderia contar essa história da mesma forma como foi feita por Bryan Talbot, como uma história em quadrinhos que funde várias informações para complementar seu texto e fazer parte dele. Nada é por acaso na escolha das imagens. A linguagem dos quadrinhos muito evoluiu desde seus precursores e uma obra como Alice In Sunderland mostra essa evolução em um texto misto e intermídiatico com diversos personagens, jogos de narrativa, referências intertextuais, intermidiáticas e de metalinguagem. Uma obra contemporânea com vários níveis de leitura e uma narrativa sofisticada, que não poderia ter sido feita de outra forma.

5 Referências

BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003. CARROLL, Lewis. Alice no Pais das Maravilhas / Através do Espelho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

CLÜVER, Claus. Estudos interartes: conceitos, termos, objetivos. Literatura e Sociedade. São Paulo: USP/FFLCH, 1997. v. 2. p. 37-55.

ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1993. PAULINO, Graça; WALTY Ivete; CURY,Maria Zilda. Intertextualidades: teoria e prática. Belo Horizonte: Lê, 1995.

TALBOT, Bryan. Alice in Sunderland: an entertainment. Londres, Jonathan Cape, 2007.