Raul Pompeia Aos Olhos De Veríssimo E Bosi: Aproximações E Contrastes De Versões Teóricas
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ISSN 2236- 3 3 3 5 RAUL POMPEIA AOS OLHOS DE VERÍSSIMO E BOSI: APROXIMAÇÕES E CONTRASTES DE VERSÕES TEÓRICAS Lorraine Duran Beduschi (Unesp) L e t r a s – Bacharelado e Licenciatura [email protected] Renan Paes Nascimento (Unesp) L e t r a s – Bacharelado e Licenciatura [email protected] Submissão: 12/02/2019. Aprovação: 14/09/2019. R e s u m o : Desde a publicação em 1888, a obra O A t e n e u , d e Raul Pompeia, é considerada a obra - prima do escritor e tida como a principal referência nos estudos de sua obra. Sendo assim, o presente artigo possui o objetivo de investigar, sob um prisma historiográfico, as contribuições do autor na história da literatura brasileira na visão de críticos de tempos históricos distintos, concepções acerca da literatura nacional e método crítico divergentes, são eles: José Veríssimo e Alfredo Bosi. A saber, a organização discursiva dá - se pelos processos de: i) apresentação dos historiadores e do método historiográfico; ii) seus comentários sobre Raul Pompeia e, por fim, iii) confronto, a modo de conclusão, do método historiográfico e das versões críticas sobre o autor. Palavras-chave: Historiografia Literária. Raul Pompeia. O Ateneu. José Veríssimo. Alfredo Bosi. Abst ract: Since its publication in 1888, Raul Pompeia’s book The A t h e n ae um has been considered as the author’s masterpiece and the primary reference for studies of his work. Therefore, this article aims to investigate from a historiographic perspective his many contributions to the history of Brazilian Graduando: entre o ser Je o saber, Feira de Santana, v. 10, n. 13, p. 123 - 1 3 7 , 2 0 1 9 124 literature. It examines the views of two main historians in different historical periods, their ideas about Brazilian literature and their analytical methods. These are José Veríssimo and Alfredo Bosi. The discursive organization is presented by: i) introduction to the historians and the historiographic method; ii) their considerations about Raul Pompeia; and iii) in conclusion, the contrast between the historiographic method and the historian’s critical views about the author. K e y w o r d s : Literary Historiography. Raul Pompeia. T h e Athenaeum. José Veríssimo. Alfredo Bosi. 1 INTRODUÇÃO “‘Vais encontrar o mundo’, disse -me meu pai, à porta do Ateneu. ‘Coragem para a luta!’” (POMPEIA, 2013, p. 29). Uma das passagens mais potentes da literatura nacional revela a grandiosidade da obra O Ateneu, de 1888. Em síntese, os acontecimentos do enredo são narrados por Sérgio, narrador - personagem, ao modo de reminiscências angustiadas, relatando seu processo de maturação como indivíduo, na passagem da inocência pueril para a vida adulta e do abandono pelo pai do seio familiar, no internato. “Coragem para a luta!” A adversão dada por seu pai parece sintetizar e prenunciar os temas e os acontecimentos que serão narrados no Ateneu, microcosmo da sociedade adulta. O domínio da coragem, portanto, é uma condição neces - sária para o combate aos instintos do homem em constituição, na passagem que o internato lhe impõe, para resistir à hierar - quia do Ateneu e à força dos mais velhos, por vezes, violen - tos com os mais novos da escola. “Contar a história dessa luta é o principal objetivo do romance”, uma vez que “o seguimento da narrativa porá a nu os perigos desse espaço de iniciação ao mundo” (BOSI, 1988, p. 33). Graduando: entre o serJ e o saber, Feira de Santana, v. 10, n. 13, p. 123 - 1 3 7 , 2 0 1 9 125 Nesse contexto, o ambiente físico d’ O Ateneu parece ser personificado, atuando ativamente na determinação moral e na conduta das personagens. Trata -se, também, de um romance de formação, materializado pelas lembranças trazidas à memó - ria de um narrador já adulto, que relembra “[...] o trauma da socialização que representa a entrada de uma criança para o mundo fechado da escola” (BOSI, 1988, p. 33). Complementa Lucas (2012, p. 18): Romance da idade em que o homem se forma, expõe a caminhada interior percorrida pelo narrador, enquan - to se realiza o progresso da personagem [...] O herói do romance percorre o caminho da conhecer a si próprio através das experiências de amor, amizade e da vida social e política. No entanto, “O Ateneu ultrapassa as parâmetros conceituais do Bildungsroman na proporção em que satiriza com azedume o meio retratado e reflete uma infância abominá - vel, território de terrível expiação.” (LUCAS, 2012, p. 17) Dentre os aspectos literários da obra, convém ressaltar a potência da expressão linguística de Raul Pompeia em O Ateneu. Na linguagem particular do autor, o abuso de metáfo - ras, hipérbatos e hipérboles intensificam os ecos imagéticos do texto em quem o lê. Isso se faz através do uso, por vezes, indiscriminado do léxico mais imaculado, sofisticado e potente da língua mãe — identidade linguística manipulada com zelo e certo purismo pelo romancista. Com efeito, a linguagem empregada confere ao romance um potencial lírico e altamente sugestivo. Diz Bosi (1988, p. 34): “[...] como o regime do texto é o da evocação cabe às imagens traduzir o sentimento profundo de cada hora”. Assim, alguns temas e acontecimentos possíveis na verossimilhança do texto ficam alheios, portanto, ao filtro da interpretação de seus leitores. À vista disso, a expressão do autor destoa, de certo modo, do projeto estético realista-naturalista, que propunha uma linguagem Graduando: entre o ser Je o saber, Feira de Santana, v. 10, n. 13, p. 123 - 1 3 7 , 2 0 1 9 126 mais sóbria e objetiva, cujo principal intuito seria uma descrição mais precisa da sociedade — fruto do cientificismo que pairava a época. Para Lucas (2012, p. 17), O Ateneu: Como fatura escrita, manifestação literária, deixa à mostra os traços epocais predominantes. Desde a busca do rigor artesanal do parnasianismo, até as licenças temáticas do realismo - naturalismo. Apresenta igualmente o método monográfico do naturalismo e as evanescências e sonoridades embriagadoras do simbolismo. Sob outro ângulo, podemos surpreender no texto de O A t e n e u desde a contenção e a secura da representação clássica, até as paixões desordena - das do espírito romântico. Assim, encaixá -lo seguramente a um estilo de época — além de arbitrário — é uma dificuldade encontrada nos historia - dores de nossa literatura, uma vez que em O Ateneu (2013) as rígidas fronteiras das tendências literárias coexistentes no século XIX parecem ser rompidas, como se o romance — ou “as crônicas de saudade” — fosse produto híbrido de orienta - ções de composição. 2 APRESENTAÇÃO DOS HISTORIADORES E DO MÉTODO HISTORIOGRÁFICO 2.1 JOSÉ VERÍSSIMO José Veríssimo Dias de Matos, paraense nascido em Óbidos, 1857, foi uma figura importante nos estudos da literatu - ra brasileira, uma vez que se ocupou intelectualmente como crítico e historiador literário. Em seu tempo, o naturalismo e o cientificismo eram predominantes no campo das produções científicas e intelectuais. O crítico foi um adepto dessas concepções, servindo -lhe como guia para seus estudos. Em sua obra História da Literatura Brasileira (1906) a questão da identidade da literatura brasileira é discutida e, em Graduando: entre o serJ e o saber, Feira de Santana, v. 10, n. 13, p. 123 - 1 3 7 , 2 0 1 9 127 sua visão, as letras nacionais sofreram fortemente da influên - cia europeia. Nesse viés, Veríssimo considera o Romantismo como sendo a escola literária responsável pela emancipação literária brasileira, acompanhado também da emancipação políti - ca do Brasil. Para o crítico, o Romantismo surge como uma resposta ao classicismo em voga e que, para além de uma tendência estético-literária, foi um pensamento coletivo caracterizado pelo nacionalismo patriótico. Os princípios de liberdade e indepen - dência influenciaram não apenas os poetas e prosadores, como também os políticos e intelectuais da época. O teórico conceitua também o sentimento nativista e nacionalista como responsáveis pela procura de uma identidade nacional no Romantismo, que começa a procurar no índio a nossa origem. Principalmente assinalaram o nosso romantismo: a simpatia com o índio, a intenção de reabilitar do juízo dos conquistadores e dos nossos mesmos patrícios coloniais, o errado pressuposto de ele ser o nosso antepassado histórico, o amor da natureza e da histó - ria do país, encarados ambos com sentimentos e intenções estreitamente nativistas, o conceito senti - mentalista da vida, o propósito manifesto de fazer uma literatura nacional e até uma cultura brasileira (VERÍSSIMO, 1969, p. 6). O que mais se observa na crítica de Veríssimo é o seu apreço pela identidade nacional, a originalidade e tudo que fugisse dos moldes europeus. Em sua visão, “literatura é arte literária. Somente o escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de invenção e de composi - ção que a constituem é, ao meu ver, literatura” (VERÍSSIMO, 1969, p. 10). No que se refere ao que o autor considerava lite - rário, era tudo aquilo que fosse “arte literária”, dotada de propósito artístico. Do contrário, infere -se que não seria litera - tura. Graduando: entre o ser Je o saber, Feira de Santana, v. 10, n. 13, p. 123 - 1 3 7 , 2 0 1 9 128 Seu método crítico, portanto, pretende observar a expressão linguística do texto como realização autônoma e independente de fatores extratextuais, procedimento crítico ainda incipiente em seu tempo, como rejeição ao método crítico de seu antecessor, Sílvio Romero, cujo estudo era guiado pela corrente naturalista, biográfica e impressionista. 2.2 ALFREDO BOSI Alfredo Bosi é professor aposentado associado ao Depar - tamento de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo (USP), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ensaísta e crítico literário. Dentre sua vasta bibliografia, destaca -se a História Concisa da Literatura Brasileira , publicada em 1970. Nessa obra, o estudioso apresenta resultados de um denso processo de pesquisa e leitura de obras literárias, críticos e historiadores que o antecederam, compondo, assim, a sua perspectiva da constituição da literatura nacional.