O CASO DE BATAYPORÃ-MS Danilo Leite Moreira1 RESUMO
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POR UMA NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NOS DESMEMBRAMENTOS MUNICIPAIS: O CASO DE BATAYPORÃ-MS Danilo Leite Moreira1 RESUMO: O trabalho objetiva uma discussão acerca do desmembramento político e administrativo do município de Batayporã, localizado na região sudeste do Estado de Mato Grosso do Sul, conhecida também como Vale do Ivinhema. A partir de 1953, quando o atual município foi elevado à categoria de distrito, instalou-se um considerável número de migrantes, oriundos do Oeste paulista e de outras regiões do Brasil. Em 1958, Nova Andradina, município vizinho ao de Batayporã, colonizado por Antônio Joaquim de Moura Andrade, emancipou-se de Bataguassu. Nesse período, Batayporã passou a pertencer então à Nova Andradina e não querendo depender de outro município, iniciou um movimento para ocasionar seu desmembramento, fato que ocorreu em 1963. Devido à escassez de fontes bibliográficas sobre o evento histórico pesquisado, a História Oral foi utilizada como metodologia fundamental para a compreensão do processo de desmembramento político e administrativo de Batayporã. PALAVRAS-CHAVES: Desmembramento Político e Administrativo. Município de Batayporã. Município de Nova Andradina. História Política. História Oral. INTRODUÇÃO Em uma conversa informal que tive com um descendente de tchecos no ano de 2010, ouvi a afirmação de que Batayporã teria se desmembrado do atual município de Bataguassu, e não do município de Nova Andradina. Fiquei me perguntando o por quê daquela afirmação, que ele procurava defender com tanta veemência. Eu já sabia que Batayporã transformara-se em município no dia 12 de novembro de 1963, obedecendo à lei número 1.967, proposta na Assembléia Legislativa Estadual. Por meio da lei de criação, sabe-se que Batayporã foi, na verdade, desmembrado do atual município de Nova Andradina. Ambos os municípios fazem parte hoje da região conhecida como Vale do Ivinhema. Para realizar o estudo proposto, foi necessário buscar autores que discutissem o conceito de região. Para o sociólogo Pierre Bourdieu, A regio e as suas fronteiras (fines) não passam do vestígio apagado do acto de autoridade que consiste em circunscrever a região, o território (que também se diz fines), em impor a definição (outro sentido de finis) legítima, conhecida e 1 Mestrando no Curso de Pós-Graduação em História pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados – (PPGH/UFGD), Bolsista/Capes. Dourados/MS. E-mail: [email protected] reconhecida, das fronteiras e do território, em suma, o princípio de di-visão legítima do mundo social. Este acto consiste em afirmar com autoridade uma verdade que tem força de lei é um acto de conhecimento, o qual por estar firmado, como todo o poder simbólico, no reconhecimento, produz a existência daquilo que anuncia [...] (BOURDIEU, 2007, p. 113-114). Quando da formação de regiões (regio) não ocorre muito diferente do que acontece quando se cria um município: o governador do Estado (rex) estabelece as fronteiras (Regere fines), impondo uma lei de criação. Por isso, as fronteiras ou limites de um município, demarcados e estabelecidos por leis de criação, não passam de atos estabelecidos pelo Estado, fazendo com que o poder simbólico inscrito em um pedaço de papel, seja imposto a todos. Foi pensando nessas ideias que ouso afirmar que aquele descendente de tchecos não estava totalmente errado ao afirmar que Batayporã “pertenceu” ao município de Bataguassu, pois, segundo a lei de criação, Bataguassu transformou-se em município no dia 11 de dezembro de 1953, por meio da lei número 683, incorporando as terras dos atuais municípios de Nova Andradina, Anaurilândia e Batayporã. Segundo a historiadora Janaína Amado, o conceito de região vem se modificando principalmente para alguns geógrafos, pois “[...] afirmam, este conceito de região é incapaz de apreender a historicidade e as contradições sociais que impregnam um determinado espaço” (AMADO In: SILVA, 1990, p. 8). As regiões constantemente sofrem modificações, assim, suas variações dão novas características e acabam por surgir ou criar novas regiões, por isso vem sendo proposto por geógrafos da chamada “geografia crítica”, novos conceitos para a palavra região, livrando pesquisadores do anacronismo. Amado mostra que a definição da palavra região, seja em qualquer corrente teórica de estudo, tem um único objetivo, ou seja, “[...] a idéia de região, não importa qual o conteúdo lhe seja conferido, relaciona-se basicamente com a noção de espaço. O conceito de região surgiu da necessidade do Homem entender e ordenar as diferenças constatadas no espaço terrestre [...]” (1990, p. 10). Todo pesquisador que se envolve com a história regional deve ter a preocupação em não cometer anacronismos, pois as regiões aparecem e desaparecem com o passar do tempo. Assim, não se poderia falar em município de Batayporã ou mesmo de Nova Andradina, em 1953, se tais localidades pertenciam às regiões fronteiriças ou limítrofes da comarca de Bataguassu. Primeiramente, foi criado Corumbá, no ano de 1850, pela lei de criação provincial número 12, com o nome de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque. Em 1857, segundo a lei de criação provincial número 1, foi criado o distrito de Nossa Senhora do Carmo de Miranda, hoje município de Miranda. De Miranda, no ano de 1890, por meio do decreto número 23, surgiu o atual município de Nioaque. Desmembrado de Nioaque, no ano de 1899, pela lei número 223, criou-se Campo Grande que, por sua vez, teve seu território desmembrado, dando origem à comarca de Entre Rios, hoje município de Rio Brilhante. Segundo a lei de criação número 1.025, Entre Rios transformou-se em município em 26 de setembro de 1929. A partir de 1953, as terras onde está localizado atualmente o município de Batayporã, passaram a pertencer à comarca de Bataguassu, que se transformou em município no dia 11 de dezembro daquele ano (lei número 683). Em 1958, Nova Andradina tornou-se município, em 20 de dezembro, por meio da lei número 1.189. Batayporã, por sua vez, transformou-se em município no dia 12 de novembro de 1963 (mesmo ano em que se desmembrou Anaurilândia), de acordo com a lei número 1.967, incorporando o então distrito de Taquarussu. Essas dimensões físicas e políticas podem ser percebidas por meio das leis de criação, pois as mesmas possibilitam que os moradores de uma determinada região, no caso o município de Batayporã, se identifiquem como pertencentes a certas territorialidades. Assim, os moradores começam a estabelecer pontos de vista simbólicos de pertencimento a uma região. Bourdieu, ao fazer uma análise do conceito de representação, que aparece nas regiões, mostra que o mesmo está envolvido em um processo no qual o ser humano substitui o real pelo mental (BOURDIEU, 2007, p. 120). Dessa forma, compreende-se porque o descendente de tchecos afirmou que Batayporã teria se desmembrado do atual município de Bataguassu e que não se sabia de onde teria sido tirada a ideia de que Batayporã se desmembrara de Nova Andradina. Para aquele homem, havia um sentimento de pertença, ou seja, uma ideia de continuidade, pois Jan Antonin Bata foi colonizador dos municípios de Bataguassu e de Batayporã, e, por isso, “Batayporã só poderia ter se desmembrado de Bataguassu”. As representações impostas pelas pessoas ou por moradores antigos costumam se perpetuar, pois contribuem para criar a representação das divisões. Segundo Le Goff, Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas (LE GOFF, 1984, p. 426). O que vem acontecendo em Batayporã é o predomínio da memória de determinados grupos familiares que tem o interesse em manter laços com o país de origem do colonizador do município. Por outro lado, aqueles que chegaram junto com os descendentes de tchecos e eslovacos, homens, mulheres e crianças de migração não tchecoslovaca, participaram da história do município, mas viram suas memórias caírem no esquecimento. Por essa razão, a História Oral foi fundamental na pesquisa, não somente para entender o período do desmembramento político e administrativo, mas também para se entender a formação das identidades locais. Para a realização do trabalho foram realizadas seis entrevistas audiovisuais, com três homens e três mulheres. Duas dessas entrevistas foram feitas a partir de memórias vividas, pelo fato de as pessoas que interessavam ao pesquisador não se encontrarem mais vivas. Os demais entrevistados foram pessoas que chegaram a Batayporã na década de 1950 e foram capazes de narrar fatos do cotidiano ou mesmo fatos políticos. Assim, Ainda que muitas vezes a produção de entrevistas seja usada como alternativa para preencher vazios de documentos convencionais ou de lacunas de informações e até para complementar outros documentos, é importante ressaltar que se pode, de maneira positiva, assumi-la isoladamente e propor análise das narrativas para a verificação de aspectos não revelados, subjetivos, alternativos aos documentos escritos (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 24). Meihy e Holanda mostram de forma didática a importância de se usar a História Oral não apenas para “tapar buracos” documentais, mas, sim, em mostrar a importância das narrativas, pois, por meio delas, é possível encontrar informações que os documentos não trazem, como por exemplo, o episódio do desmembramento, já que por meio da lei de criação é possível obter apenas poucas informações. A História Oral foi fundamental neste trabalho por mostrar que não somente por meio de documentos oficiais escritos podem ser feitos trabalhos de cunho regional. Para o trabalho, a memória coletiva foi a peça fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, pois sem a parceria da memória dos colaboradores, não haveria o êxito esperado. Por meio das entrevistas, possibilitou-se descrever a história do desmembramento político e administrativo do município de Batayporã, além das mesmas terem permitido um debate historiográfico com as fontes.