Teologia Do Riso: Humor E Mau Humor Na Bíblia E No Cristianismo
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SALMA FERRAZ ANTONIO CARLOS DE MELO MAGALHÃES RAPHAEL NOVARESI LEOPOLDO PATRÍCIA LEONOR MARTINS ELI BRANDÃO DA SILVA Teologia do Riso: Humor e mau Humor na Bíblia e no Cristianismo EDUEPB Campina Grande/pb 2016 Imagem 1 - Abrahan, Sarah e o Anjo - Jan Provoost Pintor flamengo (c.1462/5-1529) Fonte: http://deniseludwig.blogspot.com.br/2013/09/pinturas-de-abraao-e-o-estilo-barroco.html, consultado em 03.01.2017. Riu-se, pois, Sara no seu íntimo, dizendo consigo mesma: “Depois de velha, e velho também o meu senhor, terei ainda prazer?” Por que se riu Sara, dizendo: “Será verdade que darei ainda à luz, sendo velha?” Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil? Daqui a um ano, neste mesmo tempo, voltarei a ti, e Sara terá um filho. O Senhor repreendeu a Sara quando mentiu: Então, Sara, receosa, o negou, dizendo: “Não me ri”. Ele, porém, disse: “Não é assim, é certo que riste”. (Gênesis, 18:12-14) Não se deixem enganar: de Deus não se zomba (Gálatas 6:7). Imagem 2 - Um sábado qualquer Fonte: http://www.umsabadoqualquer.com/650-em-homenagem-a-alguns-fanaticos-que-sempre-me- dizem-por-e-mail-que/ consultado em 03.01.2017. “Enquanto alguém que não tem religião – mas espera que exista algo além, mesmo sem saber o que é –, eu prefiro acreditar que se realmente existe um Deus, que ele tenha bom humor. Seria muito triste e decepcionante me deparar com quem me criou, ele não esboçar um sorriso e me apontar o dedo enumerando os meus pecados. Me frustraria, depois de uma vida inteira estudando e fazendo humor, não poder fazer uma piada diante dele, justamente por ele ter ficado milênios fazendo a linha enigmático para confundir a nossa cabeça por aqui. Se ele existir (seja lá o que ele seja), para mim, Deus pode ser um pândego!” (André Silveira, Humorista, roteirista e Mestre em Literatura, UFSC). A atitude humana mais próxima à graça de Deus é o humor (Papa Francisco10/2016). SUMÁRIO Introdução 13 O DITO ESPIRITUOSO E O HIATO DA CONDIÇÃO HUMANA Mario Fleig (EEP/ALI) 15 A TRAGÉDIA DE PARIS: REFLEXÕES SOBRE (MAU)HUMOR E 31 (ANTI)RELIGIÃO Antonio Carlos de Melo Magalhães (UEPB) MANIFESTAÇÕES HUMORÍSTICAS E SUBVERSIVAS A PARTIR DO TEXTO BÍBLICO: UM PANORAMA 41 André Luiz da Silveira (UFSC) NO PRINCÍPIO, ERA A MALANDRAGEM: IRONIA E COMICIDADE NO CICLO DE JACÓ 70 Josué Chaves (UFSC) É CERTO QUE RISTE: HUMOR E MAU HUMOR NO CRISTIANISMO 93 Salma Ferraz (UFSC) MAS ESTE ‘LIVRO’ NÃO É SÉRIO”: APONTAMENTOS PARA UMA LEITURA BÍBLICA HETERODOXA. 124 Raphael Novaresi Leopoldo (UFSC) O EVANGELHO SEGUNDO O GAÚCHO 138 Fábio de Lima Amancio DEUS SABIA O QUE ESTAVA FAZENDO? A CRIAÇÃO EM TIRINHAS DE HUMOR 149 StéphanieSpengler (UFSC) SOUTH PARK E O CRISTIANISMO: A Paixão de Cristo x A Paixão do Judeu 161 Leandro Scarabelot (UFSC) A BÍBLIA SEGUNDO OS SIMPSONS: DO GÊNESIS AO APOCALIPSE. 192 Rosane Hart (UFSC) TEOLOGIA DO RISO: AS HEMORROIDAS DE OURO 220 Salma Ferraz (UFSC) PASTOR ADÉLIO, O PASTOR MAIS SINCERO DO MUNDO! 246 Patrícia Leonor Martins (UFSC) A SOLEIRA DA PORTA DOS FUNDOS: A BRECHA COMO PONTO DE PARTIDA PARA A CRIAÇÃO HUMORÍSTICA 266 André Silveira (UFSC) A CURA DE UMA NÃO DOENÇA: O HUMOR E A (RE)APROPRIAÇÃODO DOGMA CRISTÃO DA HETERONORMATIVIDADE 285 Bruno Menezes Andrade Guimarães (UFMG) A ESCRIBA FEIA QUE CRIAVA BELEZA: A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA, DE MOACYR SCLIAR 300 Lemuel de Faria Diniz (UFMS) HUMOR ENTRE JESUS E APÓSTOLOS NO LIVRO COM A GRAÇA DE DEUS, FERNANDO SABINO 317 Filipe Marchioro Pfützenreuter (IFPR) O PAPEL DE JACÓ NA NARRATIVA DE GÊNESIS: ALAZÔN, 345 ERIÔN OU TRICKSTER? Milton L. Torres (UNASP) UMA ANÁLISE DO HUMOR EM A VIDA DE BRIAN À LUZ DE KIERKEGAARD E NIETZSCHE 356 Anna Salviato, KleberKurowsky e Rafael Sens (UFSC) ENRICO SANNIA E A PERSPECTIVA CÔMICO, HUMORÍSTICA E SATÍRICA DA DIVINA COMÉDIA 370 Silvana de Gaspari (UFSC) POESIA, PARÓDIA e HUMOR EM DEUS MIX, de CASSAS 379 Eli Brandão da Silva (UEPB) INTRODUÇÃO “Humor é o prelúdio da fé, e a risada o começo da oração” (Reinhold Niebuhr,Teólogo estadunidense) O riso e o humor nas narrativas bíblicas do judaísmo e do cristianismo nascem e se expandem em forma literária, conhecendo diferentes estilos, temas, narrativas, negando, assim, a ideia de que religião vive somente em torno de doutrinas e dogmas. A existência da religião em forma literária significa também a existência de uma literatura em formas teológicas de grande criatividade e heterodoxia, sendo uma de suas expressões o riso e o humor. Os deuses riem e as tradições fizeram do riso e do humor dois dos seus mais importantes artifícios e recursos, e isso com consequências profundas para a forma como a divindade é interpretada pelos seus seguidores. Não somente os deuses riem, mas seus seguidores riem deles e riem de si mesmos, escrevendo, dessa forma, páginas muitas vezes esquecidas pela crítica literária e pelos estudos da religião. A proposta deste livro é disseminar artigos que tratam desse tema tão presente nas narrativas e ainda tão pouco contemplado pela crítica literária e pelos estudos da religião. O riso e o humor não são somente fugas, mas são formas de constituir uma visão de mundo, de concepção da divindade e da própria fé́ , lembrando que, muitas vezes, só́ os que riem são capazes de produzir a revolução e imaginar mundos novos. Este pode ser um dos motivos para que as tradições acolham e cultivem o humor, para que possam preservar pedagogias que as transformem e que as façam sair de seus sedentarismos autoritários. O riso aparece muito frequentemente no texto literário associado a uma função didática e critica, cumprindo a celebre máxima latina: Ridendo castigat mores (É com o riso que se corrigem os costumes). E quem sabe, como escreveu o humorista e Mestre em Literatura André Silveira, “quando chegarmos lá, se existe o lá, constataremos que Deus é, em verdade, um grande pândego!” 13 Com votos de uma frutuosa leitura, Salma Ferraz Antonio Carlos de Melo Magalhães Raphael Novaresi Leopoldo Patrícia Leonor Martins Eli Brandão da Silva 14 O DITO ESPIRITUOSO E O HIATO DA CONDIÇÃO HUMANA Mario FLEIG1 Imagem 1 – Charlie Chaplin Fonte:http://www.mundofrases.com.br/frase/creio-no-riso-e-nas-lagrimas-como-antidotos-contra- o- odio-e-o- Consultado em 03.01.2017. Do que é mesmo que você está rindo? O que foi que levou você a começar a rir assim deste jeito? Afinal, por que é que nós, os seres humanos, somos afeitos ao riso? Que a graça seja própria do ser humano já fora afirmado por Aristóteles (2010) em Partes dos animais ao escrever que “O homem é o único animal que ri” (673a10), atribuindo assim ao riso um valor ímpar e apresentando a fisiologia do riso, que teria como elemento principal o diafragma. Outros autores retomarão esta linha de estudo, descrevendo as afecções corporais do riso, como o calor, o rubor, o estremecimento e até algumas minúcias das transformações da expressão facial. A busca por estudos acerca do risível acaba por nos remeter ao livro de Aristóteles, que teria sido perdido, que daria sequência ao estudo da tragédia que consta em 1Psicanalista, membro da Escola de Estudos Psicanalíticos (WWW.freudlacan.com.br), analista membro da Association Lacanienne Internationale (www.freud-lacan.com), doutor em filosofia (PUC- RS) e pós-doutor (Université Paris 13), autor de O desejo perverso (CMC, 2008). 15 sua Poética, pelo estudo da comédia, na qual falaria do riso. Posteriormente, Quintiliano, sob a influência da filosofia de Cícero, afirmara, no Livro VI de sua Institutio Oratoria, que versa sobre o riso, que “na verdade, todo o sal de uma palavra está na apresentação das coisas de uma maneira contrária à lógica e à verdade: conseguimos isso unicamente seja fingindo sobre nossas próprias opiniões ou sobre as dos outros, seja enunciando uma impossibilidade”2. Enfim, o riso não deixa de esconder seu mistério e sua diversidade: pode se apresentar agressivo, sarcástico, escarnecedor, amigável, etc., sob a forma da ironia, do humor, do burlesco, do grotesco, do cômico, do chistoso, etc. O riso é multiforme, ambivalente, ambíguo. Pode-se rir para não chorar. Ele pode expressar tanto a alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia, assim como pode ser um riso aparentemente imotivado, expressando dramas subjetivos particulares, como se encontra frequentemente no modo como sujeitos à psicose manifestam sua apreensão do mundo e de si mesmos. O riso pode ser apaziguador, fascinante e até mesmo inquietante e assustador. Parece que o riso, por sua força afirmativa e ao mesmo tempo subversiva, por sua irrupção discreta ou escancarada, flutua sempre numa certa indeterminação e equivocidade. Ele indica o permanente hiato de que padece o ser humano, na encruzilhada do físico e do psíquico, do individual e do social, do divino e do diabólico: os animais não riem, assim como também não riem os deuses. A fonte do riso se encontra na eterna defasagem entre o que somos e o que deveríamos ser, e não é por acaso que na tradição grega a tragédia desemboque na comédia. Por que rir seria o melhor remédio? Assim, abordar este fenômeno tão facetado, ao mesmo tempo especificamente humano e de difícil apreensão, requer, para dizer algo que seja pertinente, delimitar cada uma de suas facetas. Podemos pressupor então que é o riso é um efeito, e para cada um dos possíveis tipos de riso haveria que elucidar o que lhe seria determinante. Aqui vou me restringir a duas facetas do riso, que suscitaram o interesse de Freud e sobre as quais sua contribuição é significativa: o dito espirituoso e o humor.