Agendas Políticas E Mecenato Privado: O Caso MASP Na Avenida Paulista1

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Agendas Políticas E Mecenato Privado: O Caso MASP Na Avenida Paulista1 Agendas Políticas e Mecenato Privado: O Caso MASP na Avenida Paulista1 Ivo Paulino Soares (PPGS-USP/ Doutorado) O presente trabalho contextualiza a representação de “Campo e Contracampo”, de Dora Longo Bahia, apresentada entre fevereiro e maio de 2017, na exposição Avenida Paulista, mostra realizada em comemoração dos setenta anos do Museu de Arte de São Paulo – MASP. Censurada e alterada ainda na fase de produção, quando a autora discutiu o estatuto emergente do mecenato privado na Avenida Paulista, cada vez mais aproximado do mercado financeiro, a obra permite a observação também da recente agenda cultural e organizacional do museu iniciada em 2014, enquanto reestruturação financeira aliada a uma nova proposta de inserção artística, com representações de cunho político e social reconhecidamente progressistas. O conflito imanente da situação, apresentado na versão final de Bahia, pode ser considerado expressivo das contradições do MASP, bem como do próprio mecenato privado da região em que o museu está localizado, espaço privilegiado para a conjugação de interesses culturais, políticos e financeiros. Essa tela adquiriu significado heurístico para o meu projeto de doutorado, a partir dos quais foram desenvolvidas as principais questões a serem enfrentadas na pesquisa, principalmente na investigação da emergência de um novo estatuto do mecenato privado no Brasil, bastante observado na Avenida Paulista, que ainda merece ser observado, no entanto, ainda em estudos de caso, dadas as singularidades de cada instituição nela situada2. Em termos metodológicos, parto da definição sucinta de indução analítica elaborada por Deslauriers, de “procedimento lógico, que consiste em partir do concreto para chegar ao abstrato, delimitando as características essenciais de um fenômeno”, reunindo dois procedimentos da pesquisa, a análise do objeto e o esboço da sua estrutura. Neste artigo, em especial, proponho oferecer relevo à caracterização de algo comum entre MASP, Itaú Cultural e Instituto Moreira Salles, instituições que estão justamente consideradas entre as maiores iniciativas privadas de apoio às 1 44º Encontro Anual da ANPOCS, SPG05 - Arte e Política: Disputas, Práticas e Deslocamentos. 2 Em andamento desde 2018, especialmente dedicado à compreensão do Instituto Moreira Salles (IMS). 1 artes no país, transformadas em sede das principais atividades culturais na Avenida Paulista de duas famílias de mecenas, Setúbal/ Villela e Moreira Salles, também principais proprietárias e parceiras no maior conglomerado financeiro privado do país, o Itaú Unibanco. Particularmente, o MASP é expressivo da aglomeração dessas elites ilustradas, seja pela participação tanto de um grupo, como de outro, mas também por ter se tornado um caso longevo de museu formado no Brasil pela iniciativa privada, com mais de sete décadas de existência, sendo cinco delas com atividade marcante na Avenida Paulista. Representação e conflito A observação começou em abril de 2017, em visita ao MASP, quando foi notada a disposição conflitiva da tela de Dora Longo Bahia no saguão do museu. Na exposição, a tela se diferenciava substantivamente dos outros quadros expostos ali, ainda que, tal como eles, estivesse visualizada em frente e verso, pela mesma inserção em cavaletes de vidro, famosos símbolos do projeto de Lina Bo Bardi para o MASP. O que a tornava curiosa era sua composição nos dois planos, diferente das outras telas, sobretudo. Formada na frente apenas por uma imagem branca, que remetia a um retrato indefinido, e acompanhada no verso por uma representação que aludia a uma manifestação reprimida pela polícia militar, ato frequente na avenida na última década, principalmente depois de 2013, quando o famoso vão do museu foi consolidado como palco privilegiado para a reunião de grandes movimentos sociais. Sua recepção foi modificada no mês seguinte, em maio e, por conseguinte, seu sentido melhor compreendido, quando em entrevista à Folha de São Paulo, já com três meses de exposição, Dora Longo Bahia explicou as coerções envolvendo a criação da tela, revelando fatos que até então estavam restritos ao espaço interno do museu3. A autora, além de artista plástica, é também professora da Escola de Comunicação e Artes da USP e reconhecida por sua trajetória de produção de imagens acerca do sistema da arte, da violência de Estado e da relação entre arte e política, entre outros assuntos, mobilizados em vídeos, fotografias e pinturas. Sumariamente, sua intenção era fazer uma série com retratos representando seis presidentes de instituições culturais instaladas na Avenida Paulista que são também agentes vinculados ao mercado financeiro; para a série, seriam exibidos os retratos do presidente do MASP, da FIESP, 3 Fontes: Sallum (1996), Luz, Scaramuzzo (2014), Martí (2017, 2017b), MASP (2017), Finco (2018) e visita à instituição. 2 do Itaú Cultural, do Instituto Moreira Salles, do SESC e do Instituto J. Safra. A polêmica foi instaurada depois da aprovação do projeto pela curadoria da exposição, quando a nova direção do museu proibiu a exibição da série nos termos propostos. Bahia, então, decidiu enviar um novo projeto, o exposto, buscando aproveitar elementos da série, mas levando em conta, estrategicamente, a oportunidade única de utilizar os cavaletes de vidro, reinaugurados no museu e adequados à nova composição: tela em branco na frente e representação de conflito no verso. Em comum aos dois projetos, o proibido e o aceito, manteve-se o título da obra, Campo e Contracampo, indicativo do processo de sua confecção. Essa representação elaborada pôde ser mais bem compreendida quando foram reconstruídos aspectos imanentes da obra e do espaço em que ela se inseriu, trazendo à frente fundamentos tradicionais do debate da sociologia da cultura, alinhados à análise das alterações do mercado de investimentos simbólicos, vinculado ao mecenato da produção erudita da arte na Avenida Paulista. Metodologicamente, a bibliografia mostra como é desejado que a compreensão da representação seja objetivada pela conciliação de análises internas e externas da obra de arte, oriundas de duas tradições intelectuais que, grosso modo, no Brasil, dividiram frequentemente a sociologia da cultura entre explicação dos condicionantes sociais da obra e interpretação da sua mensagem4. Neste caso, a análise do museu tornou-se fundamental para a consequente compreensão da tela, contextualizado na circunstância social e temporal na qual ela foi projetada, comparado a outras instituições que tem passado por processos similares, referidas na representação de Bahia. Campo e Contracampo manifestou clara reação à transformação em curso do MASP, que não o sancionou imediatamente, produzindo a formalização de uma crítica institucional nesse pequeno - ainda que relevante - circuito da arte, pari passu a sua própria incorporação no repertório do museu. Para Campo e Contracampo, três dos seus aspectos textuais e contextuais de sua representação foram evidenciados. O primeiro se referiu ao uso específico do cavalete de vidro, objeto tradicionalmente atribuído ao projeto original do MASP, mas retirado do museu em 1996, sob polêmica, durante a direção de Júlio Neves – este a figura principal de um grupo de gestores que se prolongou na linha de frente da instituição de 1994 a 2013, após a morte de Lina Bo Bardi e o afastamento de Pietro Maria Bardi, agentes que haviam conduzido o museu desde 4 Cf. Pontes (1997), Maia (2006), Alonso, Pinheiro (2017). 3 a sua fundação, ao lado de Assis Chateubriand. Avenida Paulista, a referida exposição de 2017, foi justamente a que reintroduziu os cavaletes de vidro na instituição, como homenagem e continuidade do legado clássico da instituição. Outro aspecto se referiu à dimensão política adquirida crescentemente pelo uso dos cavaletes de vidro na organização e história recente do MASP, perceptível na comparação de Campo e Contracampo com outra obra, reproduzida também em Avenida Paulista: Tempo Suspenso de um Estado Provisório – de Marcelo Cidade. Criada originalmente em 2011, essa última obra pareceu também imbuída de uma dimensão política, porém encarnada na crítica institucional que o autor fez à antiga gestão do museu, não à nova. O contundente trabalho de Cidade pode ser resumido a uma réplica dos cavaletes de Bardi, porém, estilhaçado por tiros. A recepção das duas obras na exposição bem como as conotações adquiridas e propositadas por elas ficaram mais claras ainda com o esmiuçamento do terceiro aspecto exposto por Bahia, a relação da nova gestão do museu com o mercado financeiro. Os dois artistas, ao transfigurarem os conflitos internos do MASP em representações formais, expuseram dilemas de duas fases distintas do museu desde a década de 1990, pelo menos: a primeira, considerada personalista, endividada e em franca decadência, estilhaçando projetos consagrados da instituição; outra, contemporânea, racionalizada, legitimada e claramente mais dependente do mecenato financeiro. De alguma maneira, a exibição das obras indicou um impasse crescente para os artistas no MASP, entre a reação crítica à cada gestão e o fato de que sua existência no museu é consequência, hoje, do interesse crescente do mercado financeiro na instituição – o que, paradoxalmente, tem permitido e controlado a revitalização do MASP. Essas são conclusões sobre as mudanças drásticas no museu ao longo dos últimos anos, mas também a história da instituição subjacente a Avenida Paulista. É fato que durante duas décadas, até 2013, o MASP viveu constantes problemas com dívidas, cortes de luz e divergências administrativas
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