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DOI: 10.5102/unijus.v26i2.3553 e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas*

Ruy Barbosa and the burning of files: the struggles for the memory of slavery and the discourses of legal scholars

Evandro Piza Duarte1 Resumo 2 Guilherme Scotti O presente artigo explora o incidente conhecido como “A Queima dos Ar- Menelick de Carvalho Netto3 quivos da Escravidão por Ruy Barbosa”. Todavia, não pretende estabelecer uma verdade sobre qual seria o autor da decisão que levou à queima das matrículas dos escravos. Ao invés disso, com base no debate surgido no julgamento do Habeas Corpus n° 82.424/RS do Supremo Tribunal Federal sobre a Imprescritibilidade do Crime de Racismo e da recente criação da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil pela OAB (2015), intenta compreender como os discursos sobre a escravidão se inserem na retórica dos juristas sobre as demandas por reconheci- mento dos negros (afrodescendentes). A importância desse debate decorre do fato de que as demandas por reconhecimento propõem, grosso modo, construções so- bre fatos no presente (recurso à apresentação empírica e à interpretação sociológi- ca) e no passado (recurso à historiografia e às interpretações sobre a constituição das relações raciais). O “episódio” sinaliza primeiro um problema estrutural das demandas dos negros: o modo como a historiografia oficial sobre a construção da nacionalidade inseriu sua presença e suas lutas por reconhecimento. Sinaliza tam- bém as razões pelas quais a ideia de “apagamento da memória” constitui-se como elemento decisivo dos padrões de desrespeito para com esse grupo. Palavras-chave: Racismo. Constituição. Escravidão. Ruy Barbosa. Queima de ar- quivos. História. Memória. Direto constitucional.

Abstract This article explores the incident known as “The Burning of the Slavery Archives by Ruy Barbosa.” However, establishing the truth about who is the au- * Recebido em: 31/08/2015. thor of the decision which led to the burning of slaves enrollment documents is Aprovado em: 15/09/2015. not intended. Instead, from the debate that emerged in the Habeas Corpus deci- 1 Doutor em Direito, Estado e Consti- tuição pela Universidade de Brasília sion n ° 82.424/RS of the brazilian Supreme Court about the imprescriptibility of (UnB). Professor Adjunto de Direito the crime of racism and the recent creation of the Truth Commission for the Black Penal, Processo Penal e Criminologia Slavery in Brazil by the Brazilian Bar Association (2015), it tries to understand da Universidade de Brasília (UnB). Autor de Criminologia e Racismo. how the discourses about slavery fall into the rhetoric of lawyers on the demands Juruá, 2002. E-mail: evandropiza@ for recognition of black people (of African descent). The importance of this deba- gmail.com. te stems from the fact that demands for recognition propose, roughly, the recons- 2 Doutor em Direito, Estado e Consti- tuição pela Universidade de Brasília truction of present (use of empirical presentation and sociological interpretation) (UnB). Professor Adjunto de Teoria e and past (use of historiography and interpretations of the constitution of race Filosofia do Direito da Universidade relations ) facts. Firstly, the “episode” signals a structural problem of the demands de Brasília (UnB). E-mail: gscotti@ of black people: the ways official historiography on the construction of nationali- unb.br. 3 Doutor em Direito pela Universida- ty inserted their presence and their struggles for recognition. And, secondly, the de Federal de Minas Gerais (UFMG). reasons why the notion of “memory erasure” was established as a key element of Professor Associado de Direito the patterns of disrespect toward this group. Constitucional da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: menelickc- Keywords: Racism. Constitution. Slavery. Ruy Barbosa. File burning. History. [email protected]. Memory. Constitutional right. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

1 Introdução 2 Como lembramos: tradição negreira na histó- ria brasileira Este artigo explora o incidente conhecido como “A Queima dos Arquivos da Escravidão por Ruy Bar- Há algumas décadas, um livro compunha a estan- bosa”. Todavia, não pretende estabelecer uma verdade te de livros de muitas casas: Crestomatia Cívica: Uma só sobre qual seria o autor da decisão que levou à queima Pátria, Uma só Bandeira – O Brasil Novo e Seus Proble- das matrículas dos escravos. Ao invés disso, com base mas, por meio de excertos de escritores da atualidade, no debate surgido no julgamento do Habeas Corpus n° apresentado a consideração e carinho da juventude das 82.424/RS do Supremo Tribunal Federal sobre a impres- escolas”, editado, em Porto Alegre, pela Livraria do Glo- critibilidade do crime de racismo, intenta compreender bo, em 1938. Em texto intitulado “Os Escravos no Brasil”, como esse “fato” se insere na retórica dos juristas sobre lia-se o seguinte: as demandas por reconhecimento dos negros (afrodes- Não é nosso intento fazer a apologia da escravi- cendentes). dão, cujos horrores principalmente macularam o homem branco e sobre ele recaíram. Mas a es- A importância desse debate decorre do fato de cravidão no Brasil foi para os negros a reabilita- que as demandas por reconhecimento propõem, grosso ção deles próprios e trouxe para a descendência modo, construções sobre fatos no presente (recurso à deles uma pátria, a paz e a liberdade e outros bens que pais e fi lhos jamais lograriam gozar ou apresentação empírica e à interpretação sociológica) e no sequer entrever no seio bárbaro da África.5. passado (recurso à historiografi a e às interpretações sobre Esse pequeno trecho resume a primeira parte do a constituição das relações raciais). O “episódio” sinaliza problema abordado neste texto: o modo como a histo- primeiramente um problema estrutural das demandas riografi a dominante integrou simbolicamente a presença dos negros, o modo como a historiografi a ofi cial sobre a dos “negros” à sociedade brasileira, durante e após a es- construção da nacionalidade inseriu sua presença e suas cravidão. Quanto a isso, deveria ser sufi ciente a advertên- lutas por reconhecimento. Sinaliza também as razões pe- cia de Clóvis Moura para quem: las quais a ideia de “apagamento da memória” constitui- os estudos sobre o negro brasileiro, nos seus diver- -se como elemento decisivo dos padrões de desrespeito sos aspectos, têm sido mediados por preconceitos para com esse grupo4. acadêmicos, de um lado, comprometidos com uma pretensa imparcialidade científi ca, e, de ou- Nesse contexto, sugere-se que a retórica da “im- tro, por uma ideologia racista racionalizada, que possibilidade da memória” deve ser superada por inter- representa os resíduos da superestrutura escravis- ta, e, ao mesmo tempo, sua continuação [...]”6. pretação constitucional que reconhece o pluralismo da De fato, daquele trecho se infere elementos de Constituição como proposta de releitura dos direitos fun- uma ideologia em voga em períodos nacionalistas, na damentais, admitindo passado de uma sociedade molda- Ditadura Vargas e na Ditadura Militar de 19647, e que da a partir da escravidão, do colonialismo e do racismo, e subjazem (ou convivem amigavelmente) com o “mito da um presente de exclusões deles decorrentes. Portanto, em democracia racial”8: a) a escravidão era um mal africa- vez de um confi namento hermenêutico da Ordem Cons- no, logo foi a América que trouxe a liberdade aos negros; titucional da Cultura e do esquecimento dos dispositivos b) eles foram emancipados de suas sociedades bárbaras que tratam da presença dos negros em nossa história, im- e de sua própria natureza bárbara com a escravidão no põe-se ao intérprete a releitura dos direitos fundamentais Brasil; c) a incorporação à sociedade brasileira (apesar de com base nesse ponto estrutural da nossa trajetória cons-

titucional. 5 TABORDA, Radagasio. Crestomatia cívica: uma só pátria, uma só bandeira! Porto Alegre: Livraria do Globo, 1938. p. 97. 6 MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. p. 17. 7 CHAUÍ, Marilena de Sousa. Conformismo e resistência: as- 4 De fato, a preocupação com a memória e seus usos sociais pectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, fundamenta a criação da Comissão da Verdade da Escravi- 1986; CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e dão Negra no Brasil pela Ordem dos Advogados do Brasil sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abra-

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas (2015) que representa oportunidade para refl exão sobre as mo, 2000. violações de direitos fundamentais reforçados por narrati- 8 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 24 vas históricas hegemônicas. São Paulo: Brasiliense, 1994. Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas forçada) foi o auge de uma expectativa de “destino” da nefícios secundários com sua escravidão (os fi lhos eleitos raça negra; d) ela lhes garantiu sua incorporação à pátria de Maria, segundo Padre Antônio Vieira, sofredores na ou à nação; e) de fato, quem efetivamente sofreu com a terra, mas purifi cados para o céu); b) os negros seriam as escravidão foram os brasileiros (brancos em geral), obri- vítimas de si mesmos, de suas incapacidades e, portan- gados a conviverem com a marca do atraso em suas rela- to, a ideia de guerra justa não necessitava se apoiar numa ções econômicas e não conseguiram desenvolver todo o reação concreta defensiva, bastando a condição de ser potencial; f) enfi m, a escravidão foi um mal para o Brasil negro para justifi cá-la11; desse modo, a existência de uma e para os próprios senhores de escravos, mas não foi um “culpa originária” e a necessidade de “emancipação de seu mal tão grande para os “bárbaros negros”. ser pela violência” compuseram o cerne das representa- A fonte mais remota dessa tradição negreira de ções negreiras sobre os “negros”. Não por acaso, Frantz representação dos negros na história “nacional” encon- Fanon12, em os “Condenados da Terra”, ao descrever as tra-se no que Henrique Dussel denunciou como o “Mito dimensões subjetivas da violência empreendida pelos da Modernidade”. Se, por um lado, a Modernidade em europeus no colonialismo na África, escolheu apropria- seu conteúdo positivo seria a “emancipação racional” da damente o termo “Les Dammés de La Terre”, termo que humanidade, por outro, em seu conteúdo secundário e signifi ca condenação, maldição e expiação (purgação) da negativo mítico, ela foi a justifi cação de uma práxis irra- culpa, e, ao mesmo tempo, identifi ca aqueles que foram cional de violência que atribui uma “culpa” ao outro que objeto de uma decisão judicial e estão cumprindo pena, não se submete ao domínio europeu9.10 unindo conceito supostamente laico e outro religioso, A ideia de “negro” e a práxis social dominante que e, nessa união, demonstrando como, para os negros, se busca circunscrevê-la está marcada por essa violência construiu uma sobreposição entre responsabilidade do constitutiva. Assim, por exemplo, para os Letrados que sujeito (responsável por ser negro) e responsabilidade justifi caram a escravidão antes do século XIX: a) os ne- por uma “ação” praticada (responsabilidade por ter pra- gros não foram propriamente “vítimas”, pois tinham be- ticado um ato). Desse modo, eram bárbaros, não porque empreendessem “guerra justa”, mas por estarem excluídos 9 DUSSEL, Enrique D. 1492, o encobrimento do outro: a ori- do logos13. gem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993. p. Entretanto, para além desse contexto mais geral, 185-186. 10 Dessa forma: “a) a civilização moderna se autocompreende a história da nação brasileira, e do lugar do negro nes- como mais desenvolvida, superior (o que signi cará susten- sa história, estão associados à formação do que Marilena tar, sem a consciência, uma posição ideologicamente euro- cêntrica); b) a superioridade obriga, como exigência moral, a Chauí chamou de “Mito Fundador”, ou seja, narrativa de desenvolver os mais primitivos, rudes, bárbaros; c) o caminho feitos lendários da comunidade, referida às suas origens, do referido processo educativo de desenvolvimento será o se- e que representa solução imaginária de confl itos, não re- guido pela Europa (é, de fato, um desenvolvimento unilinear e à europeia, o que determina, novamente sem consciência solvidos no plano real. Tal mito, compartilhado por am- alguma, a ‘falácia desenvolvimentista’); d) como o bárbaro se plos setores da sociedade brasileira, estaria composto de opõe ao processo civilizador, a práxis moderna deve exercer, três elementos (a visão do paraíso, a história teológica em último caso, a violência, se for necessário, para destruir os obstáculos de tal modernização (a guerra justa colonial); providencial e a teoria da soberania fundada na vonta- e) esta dominação produz vítimas (de muitas variadas ma- de divina) que “aparecem, nos séculos XVl e XVll, sob a neiras), violência que é interpretada como um ato inevitável e com o sentido quase ritual de sacrifício; o herói civilizador forma das três operações divinas que, no mito fundador, investe suas próprias vítimas do caráter de serem holocaustos respondem pelo Brasil: a obra de Deus, isto é, a Natureza, de um sacrifício salvador (do colonizado, escravo africano, da mulher, da destruição ecológica da terra, etc.); f) para o moderno, o bárbaro tem uma “culpa” (o fato de se opor ao 11 VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão: os letrados e a processo civilizador), que permite que a “modernidade” se sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, apresente não só como inocente mas também como “eman- 1986; BARROS, José D’Assunção. A construção social da cipadora” dessa “culpa” de suas próprias vítimas. g) por úl- cor: diferença e desigualdade na formação da sociedade timo, e pelo caráter “civilizatório” da “modernidade”, são brasileira. Petrópolis: Vozes, 2009; BOSI, Alfredo. Dialética interpretados como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. (os custos) da “modernização” dos outros povos “atrasados” 12 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Trad. de José Lau- (imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro sexo por rênio de Melo. : Civilização Brasileira, 1979.

ser fraco etc.” DUSSEL, Enrique D. 1492, o encobrimento do 13 ZEA, Leopoldo. Discurso desde a marginalização e a barbá- 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vo- rie; seguido de, A loso a latino-americana como loso a 25 zes, 1993. p. 185-186. pura e simplesmente. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

a palavra de Deus, isto é, a história, e a vontade de Deus, duas tradições de pensamento, capazes de construir um isto é, o Estado.”14 lugar para os naturalizados como desiguais, negando-lhes O primeiro componente, a visão do paraíso, não a condição de sujeitos. De igual modo, são as supostas excluía a justifi cação da escravidão que era mediada por fontes “autorizadas” às quais se recorre para construir re- uma referência à teoria da obediência em que a liberda- trato das relações raciais no país. de conduzia ao respeito da ordem. Esse mito fundador A ideia política de uma história ofi cial para o Bra- propõe a concepção de que os naturais, os dispostos na sil e para os diferentes grupos “raciais” tem sua origem em natureza, não possuem direitos. Eles integram uma his- 1838, quando o referido instituto foi criado com o intuito tória que se realiza pela vontade dos governantes que en- de oferecer ao “país independente um passado glorioso carna uma força transcendente, enquanto os governados, e um futuro promissor, com o que legitimaria o poder ao contrário, estão despidos de vontade. Não há espaço do Imperador”. Em um de seus concursos, o naturalista para a ação política, pois, nesse mito, ela é entendida ape- alemão Von Martius apresentou a monografi a vencedo- nas como a distribuição de favores, das dádivas dos go- ra sobre “Como se deve escrever a história do Brasil”17 vernantes. Tampouco, a partir dele se pode pensar numa e defi niu qual seria o paradigma de construção de nossa cidadania universalizada, pois: há aqueles que estão na história: “cabia ao historiador brasileiro redigir uma his- condição de “naturais”, sem direitos; há os homens despi- tória que incorporasse as três raças, dando predominân- dos de seus direitos por Deus, mas que podem receber as cia ao português, conquistador e senhor que assegurou dádivas dos governantes; estes que, por seu turno, as re- o território e imprimiu suas marcas morais ao Brasil.”1819 ceberam de Deus e encarnam a história, mas devem res- A proposta ofi cial de uma história do Brasil como inte- peitar a propriedade absoluta e partilhar de seu domínio gração subordinada nasce, portanto, no Império, num com os escolhidos, mediante a troca de favores15. regime escravagista que foi o último a abolir a escravi- Desse modo, as demandas por liberdade e por igual- dão. Todavia, foi com o surgimento da obra de Gilberto dade dos negros e indígenas não encontram lugar nessa Freyre20, Casa Grande e Senzala, na década de 1930, por história contada pelo Mito Fundador, pois eles não parti- fi xar a falsa ideia da existência de dois modelos explicati- cipam do mundo na qualidade de sujeitos. Ao invés disso, vos ideais quanto à questão racial (um baseado no confl i- suas demandas são percebidas como desvios na natureza ou to, o norte-americano, e outro na integração, o brasileiro) como traços de sua condição natural de viventes. Esse lu- que ela adquiriu ares defi nitivos de cientifi cidade21. Como gar (a “natureza”) é outra constante nas formas de tratar o demonstrou Kabengele Munanga: “comportamento” dos negros e indígenas, tendo sido exten- samente difundido em diferentes narrativas (antropológicas: ciedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, relativistas, evolucionistas, biologicistas; culturalistas socio- 2000. p. 49. 17 VON MARTIUS, Carlos Frederico. Como se deve escrever lógicas: marxistas e funcionalistas; e historiográfi cas). a historia do Brasil. Jornal do Instituto Histórico e Geográ - Entretanto, somente no século XIX, o Mito Fun- co Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 401-402, jan. 1845. 18 CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e so- dador do Brasil foi desenvolvido como tradição historio- ciedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, gráfi ca. Nesse caso, o modelo que explica a formação da 2000. p. 49-50. 19 ideia de nação brasileira nasceu de uma combinação con- Na obra de Afonso Celso é apresentado outro dos elemen- tos desse paradigma, os heróis de fato são heróis de uma traditória de duas interpretações distintas que, aparente- guerra travada pelos jesuítas e suas missões, os bandei- mente, se excluem: uma infl uenciada pelo “cientifi cismo rantes e suas entradas e bandeiras etc., correspondendo ao princípio da nacionalidade, segundo Marilena Chauí, naturalista evolucionista e positivista” e outra pela “escola “que defi ne a nação não somente por seu território presen- histórica alemã”, na tradição historiográfi ca do Instituto te, mas por sua capacidade de expansão, conquista e uni- Histórico e Geográfi co Brasileiro16. Constituíram-se em fi cação de territórios novos.” CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. p. 54. 14 CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e so- 20 FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da infl uência da ciedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio 2000. p. 58. de Janeiro: Record, 1989. 15 CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e so- 21 IANNI, Octávio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec,

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas ciedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1988. p. 126-139; ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra 2000. p. 60. e paz: casa-grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos 26 16 CHAUÍ, Marilena de Sousa. Brasil: mito fundador e so- anos 30. Rio de Janeiro: 34, 1994. Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas

o mito de democracia racial, baseado na dupla obra dos “senhores patriarcais” que haviam constituído a mestiçagem biológica e cultural entre as três ra- sociedade (Gilberto Freyre): ças originárias, tem uma penetração muito pro- funda na sociedade brasileira: exalta a ideia de as oligarquias de Oliveira Vianna têm muita convivência harmoniosa entre os indivíduos de semelhança com os senhores de engenho idea- todas as camadas sociais e grupos étnicos, per- lizados por Gilberto Freyre, pois são as formas mitindo às elites dominantes dissimular as desi- diversifi cadas de um mesmo fenômeno. Ambos gualdades e impedindo os membros das comu- criaram e mantiveram os suportes justifi cató- nidades não brancas de terem consciência dos rios de uma sociedade de privilegiados, no Im- sutis mecanismos de exclusão da qual são víti- pério e na República. Entre os dois pensamen- mas na sociedade. Ou seja, encobre os confl itos tos há uma constante, a inferiorização social e raciais, possibilitando a todos se reconhecerem racial do negro, segmentos mestiços e índios e como brasileiros e afastando das comunidades a exaltação cultural e racial dos dominadores subalternas a tomada de consciência de suas brancos25. características culturais que teriam contribuído De modo mais direto, há continuidade entre a para a construção e expressão de uma identida- de própria. Essas características são “expropria- “constatação” freyriana do suposto “masoquismo do ne- das”, “dominadas” e “convertidas” em símbolos gro”26 e a “necessidade científi ca” de Oliveira Vianna27 de nacionais pelas elites dirigentes22. que tenhamos Estado forte para plasmar com sua força a Instaura-se uma ideia de “pluralismo” que pres- sociedade28. Em ambos, os confl itos entre grupos sociais supõe e aceita a aniquilação das diferenças e, ao mesmo são transformados em processos anônimos de forças so- tempo, encerra a diferença no plano social (natural e ciais, culturais, raciais etc., e, ao fi m, terminam por natu- privado), afastando-a do plano político e jurídico. No- ralizar a violência empreendida por determinados grupos vamente, negros e indígenas são remetidos ao plano da como redentora, pois são capazes de produzir “criativa- “natureza”, alheio ao espaço da política. Essa ideologia mente” as marcas de uma Nação. Nada resta da perspec- representa, não uma ruptura, mas uma dupla continua- tiva dos vencidos e suas lutas cotidianas, sociais, culturais ção: com a historiografi a criada para justifi car o poder do etc. De fato, a expressão “democracia racial”, cegamente Imperador e a manutenção de uma sociedade escravista e utilizada, esconde absurdo intrínseco: num país com com as ideologias racistas formuladas pelo cientifi cismo, constantes lapsos de democracia, seja em longos perío- em especial as teses sobre o branqueamento da população dos de autoritarismo politico ou em práticas autoritárias brasileira23. cotidianas ainda presentes, a única democracia comemo- Por sua vez, a convivência, ao longo da história re- rada publicamente é a racial, mesmo que essa democracia publicana, entre a ideologia da “democracia racial”, com nada diga a propósito dos direitos dos negros. sua máscara de uma ideologia aparentemente integrado- Enfi m, o suposto discurso autorizado para expli- ra, e o autoritarismo político, uma ideologia que privile- car o Brasil e suas relações raciais é o encontro da ex- gia a desmobilização política e nega o pluralismo politico, clusão promovida pelo escravismo (a historiografi a do indica o caráter antidemocrático, antiliberal, desmobili- Império) e para promover a não cidadania dos negros zador e de modernização conservadora do mito da inte- no período de abolição e na construção da República (o gração racial. Como sintetizou Octávio Ianni24, enquanto a ideologia da democracia racial serviu para “explicar a sociedade”, o autoritarismo político serviu para “explicar 25 MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: o Estado”. Isso porque, como demonstrou Clóvis Mou- Ática, 1988. p. 24. ra, a defesa das oligarquias que iria constituir e organizar 26 FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da infl uência da o Estado “modernizado” (Oliveira Vianna) continuou a cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1989. 27 VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956; VIANNA, 22 MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasil. Belo Horizonte: Autentica, 2004. p. 89. Belo Horizonte: Atalaia, 1987. v. 1; VIANNA, Francisco 23 CHIAVENATO, Júlio J. O negro no Brasil: da senzala à José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Belo Hori- Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 167- zonte: Atalaia, 1987. v. 2. 189; MOURA, Clóvis. Dialética radical do negro no Brasil. 28 CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Vian- São Paulo: Anita, 1994. p. 79-86; SKIDMORE, Th omas. na. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, p.

Preto no branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 81-89, 1991. Disponível em: . Acesso em: 20 27 siliense, 1994. p. 85. out. 2015. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

cientifi cismo racista)29. O processo de individualização memória. Paradoxalmente, essa negação também criou de uma memória da presença negra na formação do Im- seus mitos sobre a possibilidade de uma memória dos pério oculta a presença ativa do negro, em nome de sua negros no Brasil ou do porque os negros não podem ter incapacidade natural-histórica e da falsa representação mais uma memória. Talvez, o principal seja a “Queima da escravidão benigna criada para justifi car a perpetua- dos Arquivos da Escravidão” que explicaria a impossi- ção da escravidão no Brasil e para manter as hierarquias bilidade de uma memória porque um “governante” teria sociorraciais, atribuindo à “raça negra” os males da es- determinado a queima dos arquivos da história da escra- cravidão. Essa problemática do negro como integrante da vidão. sociedade brasileira será revisitada constantemente quer pela tradição cientifi cista quer pelos herdeiros da tradi- 3 Como apagamos e evocamos o passado: as ção romântica e ora defender-se-á a miscigenação como contradições da memória e do esquecimen- modo de extermínio gradual da presença negra (Olivei- to dos Juristas ra Vianna), ora como forma de integração subordinada Enfi m, chega-se ao segundo ponto deste texto: de (Gilberto Freyre). que modo a tradição negreira se articula com os argu- Em síntese, o lugar do negro na história brasileira mentos jurídicos e como produz como efeito principal a insere-se numa “estrutura de verdade”30 que propõe uma desconstrução dos direitos para os negros. Nesse ponto, forma de narrar31 e de impedir outras narrativas. Para convém revisitar esse “Mito do Apagamento da Memó- essa tradição negreira, não haverá espaço para pensar o ria” com base nos argumentos de Juristas. negro como sujeito de sua história, porque ele está situa- Embora o STF tenha na ADPF 186 relacionado do na natureza, no plano dos fenômenos, mas não das o tema das ações afi rmativas para negros à história bra- subjetividades. As lutas pela liberdade dos negros não po- sileira34, por meio no Habeas Corpus n° 82.424/RS35 que derão tampouco ser retratadas em sua dimensão política essa questão surgiu. Depois de 50 anos de leis antirracis- cotidiana e institucional para a constituição de direitos. tas propostas pelos movimentos sociais negros36, o pri- A demarcação desse espaço de negação do negro meiro caso a suscitar uma manifestação da Corte sobre a na sociedade brasileira somente é possível com uma ação abrangência do dispositivo da Constituição de 1988 que contínua sobre as memórias coletivas, cotidianas e popu- determinava a imprescritibilidade do crime de racismo lares. Mas como impedir a memória? Como demonstrou tinha por vítima os judeus. Nesse julgamento, denegou-se Paolo Rossi, a evocação e o apagamento não podem ser o habeas corpus contra acórdão do STJ que havia confi r- tratados como fenômenos da natureza. A memória social mado a condenação de um escritor e editor de publica- não se constrói apenas com base nos comportamentos ções antissemitas. Na ocasião, os ministros debateram a psicofi siológicos32. A negação do negro dependeu da ins- abrangência do direito à liberdade de expressão para sa- titucionalização, da memória (da tradição negreira) nos ber se ela compreendia o direito de editar livros antisse- aparelhos ideológicos de Estado33, nos museus, nas uni- mitas e o signifi cado do termo “crime de racismo” e, se os versidades, nos institutos de pesquisa, no sistema educa- judeus constituiriam uma raça, estando, portanto, prote- cional e nos livros da estante de nossas casas. Ela implica gidos pela norma que determinava, desde 1988, a exceção ação contínua e cotidiana para produzir o apagamento da constitucional ao direito de prescrição37. Nesse contexto,

29 DUARTE, Evandro C. Piza. Criminologia e racismo: intro- 34 DUARTE, Evandro C. Piza; SCOTTI, Guilherme. História dução à criminologia brasileira. Curitiba: Juruá, 2002. e memória nacional no discurso jurídico: o julgamento da 30 ROSSI, Paolo. O passado, a memória e o esquecimento. São ADPF 186. Universitas Jus, Brasília, v. 24, n. 3, p. 33-45, Paulo: Unesp, 2010. p. 21. 2013. doi: 10.5102/unijus.v24i3.2611. 31 AGUIAR, Th aís. A história como recurso da mimese po- 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de Racismo e lítica brasileira. Sociedade e Cultura, Goiania, v. 10, n. 2, Antissemitismo: um julgamento histórico no STF, habeas p. 227-239, 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 36 SILVA JÚNIOR, Paulo Melgaço. Mercedes Baptista: a cria- out. 2015. ção da identidade negra na dança. 2007. Disponível em: 32 ROSSI, Paolo. O passado, a memória e o esquecimento. São . Acesso em: 20 out. 2015.

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas 33 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota 37 Para uma crítica aos fundamentos axiológicos da decisão: sobre os aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. Os 28 Graal, 1985. direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtivi- Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas a ideia de imprescritibilidade foi central, pois remetia ine- nou, por meio do Decreto de 14 de dezembro de xoravelmente à temporalidade. História, Memória e Es- 1890, que se destruíssem todos os documentos referentes à escravidão/Intentava com esse ges- 38 quecimento passam a ser tematizados . A decisão trouxe to apagar, da história brasileira, o instituto — à tona também algumas das concepções que compõem o como se isso tivesse o condão de fazer desapare- cer da memória nacional a carga de sofrimento senso comum dos membros do Poder Judiciário sobre a suportada pelo povo africano e pelos afrodes- presença dos negros na sociedade brasileira. cendentes — e evitar possíveis pedidos de in- O Ministro Marco Aurélio acompanhou o racio- denização por parte dos senhores de engenho. cínio do Ministro Relator e do Ministro Ayres Britto, O ilustre baiano não se apercebeu que determi- nação em tal sentido, além de imprópria a al- concedendo o habeas corpus, contra a posição da maio- cançar o fi m desejado — apagar a mancha da ria, com base em interpretação fundamentada na histó- escravidão feita a sangue no Brasil —, subtrairia ria brasileira. O seu foco central consistiu na preserva- às gerações futuras a possibilidade de estudar a fundo a memória do País, o que as impediria, ção da liberdade de expressão em função, sobretudo, de por conseguinte, de formar um consciente cole- sua dimensão pública, essencial ao regime democrático. tivo baseado na consideração das mais diversas fontes e de emergir do legado transmitido — a Passível, portanto, de limitações tão somente em hipótese ignorância39. excepcionalíssima, não justifi cável no caso concreto, pois Nesse sentido, a trajetória do negro em nosso país a conduta no aspecto formal não seria uma incitação ao estaria (C) a justifi car historicamente a aplicação da nor- antissemitismo e, ademais, ela não encontraria no (A) ma da imprescritibilidade: substrato histórico da sociedade brasileira, segundo sua nesses termos, seria mais facilmente defensável opinião, com sua “tolerância” para como judeu, solo fértil a ideia de restringir a liberdade de expressão se para provocar o risco de desencadeamento de compor- a questão deste habeas resvalasse para os pro- blemas cruciais enfrentados no Brasil, como, tamentos discriminatórios. No mesmo sentido, num dos por exemplo, o tema da integração do negro, trechos de citações sobre o valor da liberdade de expres- do índio ou do nordestino na sociedade. [...] O são, refere-se ao polêmico caso da “Queima dos arquivos Brasil possui toda uma carga histórica de escra- vização dos negros e dos índios, bem como in- da escravidão por Ruy Barbosa”, esboçando a tese de que felizes episódios nos quais se cultivara, especial- (B), a ignorância sobre o passado, constitui um dos ele- mente por grupos discriminatórios da região sul, um ódio aos nordestinos, o que chegou até mentos determinantes da cultura brasileira e de que ela mesmo a dar ensejo a uma ridícula e absurda não foi natural, mas induzida pelo cerceamento da liber- proposta separatista40. dade de expressão: Logo, segundo o Ministro, seria necessário que a diante dos horrores da escravidão negra no Bra- solução passasse: (D) “por um exame da realidade social sil, Rui Barbosa, à época Vice-Chefe do Gover- concreta, sob pena de incidirmos no equívoco de efetuar no Provisório e Ministro da Fazenda, determi- o julgamento a partir de pressupostos culturais europeus, a partir de acontecimentos de há muito suplantados e dade das tensões principiológicas e a superação do sistema que não nos pertencem, e, com isso, construirmos uma de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 38 Na síntese do Ministro Maurício Corrêa as questões deba- limitação direta à liberdade de expressão do nosso povo tidas eram: “não sendo os judeus uma raça, mas sim um baseada em circunstâncias históricas alheias à nossa rea- povo, revela-se impossível o cometimento de crime de ra- lidade.”41. Por fi m, o Ministro (E) apresenta exemplos de cismo contra eles, não passando o caso de simples discri- minação étnica ou religiosa. Essa a tese do habeas corpus livros racistas que são editados no país sem nenhuma re- levado a julgamento que inspirou várias dúvidas e o con- pulsa. Entre eles o de Nina Rodrigues, “Os africanos no fronto de diversas correntes de pensamento. Qual o con- Brasil”, “no qual defende que a razão do subdesenvolvi- ceito de raça humana? Existe subdivisão da raça humana? O que é racismo do ponto de vista jurídico-constitucional? Os judeus são uma raça? O povo judeu pode ser vítima de racismo? Quais os limites da liberdade de expressão do 39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de Racismo e pensamento?” Ou ainda: “o preceito constitucional de im- Antissemitismo: um julgamento histórico no STF, habeas prescritibilidade do crime de racismo destina-se apenas à corpus n.º 82.424/RS. Brasília: STF, 2004. p. 170. discriminação em relação aos negros?” Ao fi nal, a Corte 40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de Racismo e denegou o Habeas e reconheceu a imprescritibilidade da Antissemitismo: um julgamento histórico no STF, habeas ação praticada contra os judeus. BRASIL. Supremo Tribu- corpus n.º 82.424/RS. Brasília: STF, 2004. p.181.

nal Federal. Crime de Racismo e Antissemitismo: um jul- 41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de Racismo e 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas gamento histórico no STF, habeas corpus n.º 82.424/RS. Antissemitismo: um julgamento histórico no STF, habeas 29 Brasília: STF, 2004. p. 10. corpus n.º 82.424/RS. Brasília: STF, 2004. p. 181. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

mento brasileiro foi a mistura do português com a raça Não obstante, a posição do Ministro apontava negra” e do qual o Ministro extrai diversas passagens so- para tema central para o constitucionalismo brasileiro: bre a inferioridade da raça negra, e, o de José Bonifácio a possibilidade de dar dimensão jurídica ao fato de que de Andrada e Silva, “Projetos para o Brasil”, no qual há somos um país construído a partir do colonialismo e da diversas alusões racistas aos indígenas que são acusados escravidão. Como enfrentar as demandas sociais que ape- de serem “povos vagabundos, envolvidos em guerras con- lam para a releitura do passado na compreensão do pre- tínuas e em roubos, não tendo freios religiosos ou civis”. sente e que pretendem negar a naturalização da violação Aduz o Ministro, ainda, a Gilberto Freyre que teria sido de direitos dos negros e indígenas? “duramente censurado” porque pregava que “a misci- E o que é esse passado que se faz presente? Na sín- genação havia tornado o povo brasileiro sem segundo tese de Luis Felipe de Alencastro: exemplo no mundo, e, em vez de isso revelar fraqueza, na realidade, nenhum país americano praticou demonstrava a força do nosso povo”42. a escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos de- Inicialmente, muito embora não interesse o de- portados e chegados vivos nas Américas, 44% bate mais estrito sobre a interpretação constitucional da (perto de 5 milhões) vieram para o território aplicação da norma ao caso, convém demarcar o dissenso brasileiro num período de três séculos (1550- 1856). O outro grande país escravista do conti- em relação à posição defendida quanto aos judeus pela nente, os Estados Unidos, praticou o tráfi co ne- minoria da Corte43. O argumento de que a discriminação greiro por pouco mais de um século (entre 1675 e 1808) e recebeu uma proporção muito menor contra judeus estaria ausente na história brasileira esbar- -, perto de 560.000 africanos -, ou seja, 5,5% ra num longa historiografi a que demonstra os processos do total do tráfi co transatlântico. No fi nal das de racialização dos judeus44. Apesar da reconstrução feita contas, o Brasil se apresenta como o agregado político americano que captou o maior número pela Corte do conceito de raça para a inclusão dos judeus, de africanos e que manteve durante mais tempo efetivamente os judeus passaram por um processo social a escravidão.47 de racionalização que extrapola a ideia de discriminação Esse ponto de partida se encontra no citado epi- religiosa, apresentando, efetivamente, práticas de redução sódio da “Queima de Arquivos” cuja narrativa inclui inú- ao biológico45. Por fi m, como apontou a posição majori- meras contradições em seu apelo à memória. Trata-se de tária, num marco de internacionalização da universaliza- episódio polêmico em muitas dimensões. ção dos Direitos Humanos46, e complete-se, de mundia- Em primeiro lugar, porque a narrativa afi rma lização dos meios de comunicação, não se pode tolerar uma fi nalidade que teria sido cumprida: garantir, com a áreas de livre discriminação. queima das matrículas dos escravos, a não indenização dos senhores de escravos. Efetivamente, o que ocorreu o contrário, pois os senhores de escravos no Brasil, com 42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de Racismo e Antissemitismo: um julgamento histórico no STF, habeas sua adesão a uma política de adiamento do fi m da escra- corpus n.º 82.424/RS. Brasília: STF, 2004. p. 184. vidão: a) implementaram uma política de reorganização 43 DUARTE, Evandro C. Piza. Do medo da diferença à liber- da defi nição de propriedade, com a Lei de Terras (1850)48 dade com igualdade: as ações afi rmativas para negros no ensino superior e os procedimentos de identifi cação de que impedia que novas forças sociais fossem capazes de seus benefi ciários. 2011. Tese (Doutorado) – Curso de Pós- -Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2011. 44 BOXER, Charles Ralph. Relações raciais no império colonial 47 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Parecer sobre a Arguição português 1415-1825. Porto: Afrontamento, 1977. de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, 45 RIGG, Bryan Mark. Os soldados judeus de Hitler: a história apresentada ao Supremo Tribunal Federal. In: AUDIÊN- que não foi contada das leis raciais nazistas e de homens de CIA Pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de ascendência judia nas forças armadas alemãs. Trad. Marcos Ação Afi rmativa de Acesso ao Ensino Superior: Ação de Santarrita. Rio de Janeiro: Imago, 2003; ARENDT, Hannah. Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, to- Extraordinário 597.285/RS. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2015. poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2002. 48 BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: v. 1. uma introdução crítica ao racismo. 1989. 249 f. Disserta-

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas 46 LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: ção (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, constituição, racismo e relações internacionais. Barueri: Florianópolis, 1989; VIEIRA JR., Ronaldo Jorge Araújo. 30 Manole, 2005. Responsabilização objetiva do Estado. Curitiba: Juruá, 2005. Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas enfrentar, no mercado49, sua incompetência produtiva, o tensas que a exploração capitalista e mais perversa ideo- que lhes garantiu o mascaramento de propriedades su- logicamente do que a escravidão) passaram a compor o butilizadas como supostamente modernas e produtivas. marco jurídico de não atribuição de direitos trabalhistas Logo, houve a indenização aos senhores pela ingerência para os trabalhadores rurais e domésticos, ou até mesmo, do Estado na perpetuação hereditária da propriedade que de tratamento diferenciado, que sobreviveu inclusive na já tinha origem estatal, pois resultava das doações feitas Constituição de 1988. pelo Estado colonial e nacional. Essa prática de “doar” Enfi m, essas três práticas compõem uma longa terras públicas, indígenas e quilombolas, se manteve até tradição jurídica e de política pública que avança pela a Constituição de 1988, apesar das proibições existentes República, compensando, de modo absurdo e contrário na lei referida, e no período pós 1988, passou a integrar a ao desenvolvimento das forças produtivas nacionais, as estratégia de politização administrativa de regularização famílias dos senhores de escravos. Assim, o mecanismo das terras dessas comunidades. Há, portanto, práticas in- de expropriação e constituição da propriedade privada denizatórias extensas e contemporâneas de indenizações (Pacto Agrário), a política fi scal e tributária favorável aos às famílias de senhores de escravos que se instituciona- senhores de escravos (Pacto Fiscal/Tributário), a exclu- lizaram como privilégios políticos no gerenciamento e são de amplos setores dos direitos trabalhistas e, muitas expropriação da propriedade privada; b) de igual modo, vezes, a mera tolerância de novas formas de escravidão os senhores de escravos implementaram política fi scal e (Pacto Trabalhista) compuseram consolidado arranjo tributária de subsídios para a garantia da lucratividade de político-institucional que sobrevive até os dias atuais, suas propriedades. Isso já estava evidenciado no fi nan- mas que somente adquire sentido quando compreendido ciamento da imigração a partir de impostos, ou seja, o com base na ideia de indenização desses senhores e seus Estado foi utilizado para manter excedente de mão de herdeiros. Efetivamente, o monopólio político do merca- obra capaz de rebaixar o valor da mão de obra geral o do pelo Estado reproduz-se em nível local com o esta- que, combinada com a desvalorização racista da mão de belecimento, por exemplo, de regras administrativas de obra negra feita pela proliferação institucional do pre- comercialização de produtos favoráveis a uma parte dos conceito racial50, permitia compensar a incapacidade ge- produtores rurais, ou a nível nacional, com a política mi- rencial da propriedade privada por parte dos senhores. gratória subvencionada, a garantia da perpetuação da ra- Essa política fi scal inaugura longa tradição de subsídios, cialização da propriedade privada no país. Os resultados favores, isenções, créditos, parcelamentos etc., e de uma mais evidentes dessas estratégias foram: a) Há identifi ca- retórica “senhorial” de abandono por parte do governo ção simbólica dos brancos como legítimos proprietários central que, na prática, permitiu a inversão de uma parte e produtores do desenvolvimento, mesmo quando explo- da riqueza pública para um setor da economia privada; c) ram latifúndios com técnicas de produção rudimentares, além disso, conseguiram, com essa política de adiamento com danos ambientais, sem direitos trabalhistas, sendo do fi m da escravidão, impor política de escravização ile- benefi ciados por políticas específi cas de crédito e vanta- gal de homens livres que representavam, ao fi nal, a maior gens tributárias; b) Há uma identifi cação das terras dos parte dos escravos conhecidos. De fato, o adiamento do pequenos proprietários (sobretudo quando percebidos fi m da escravidão baseou-se na importação ilegal de ho- de modo racializado como “não brancos”), das comuni- mens e mulheres livres. Logo, os senhores de escravos dades tradicionais, dos indígenas e dos quilombolas com foram indenizados pela exploração de mão de obra livre o atraso e a impossibilidade prática de que esses grupos escravizada ilegalmente. Ou seja, receberam o lucro de possam fi gurar como sujeitos proprietários. “uma propriedade” que, efetivamente, não lhes pertencia. Em segundo lugar, a ideia de queima de arquivos, Essas práticas de expropriação da mão de obra (mais in- ao afi rmar a fi nalidade de “impedir a indenização”, ocul- ta dimensão decisiva do modo como o direito reproduz 49 FAORO, Raymundo. Existe um pensamento político brasi- práticas racistas no Brasil. O debate sobre as indenizações leiro? São Paulo: Ática, 1994. necessita ser inserido na política de escravização e supre- 50 SEYFERTH, Giralda. Construindo a nação: hierarquias ra- ciais e o papel do racismo na política de imigração e coloni- macia racial do século XIX. Neste contexto, a expressão zação. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Marcos Ventura “para inglês ver” origina-se do modo como o Estado e o 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas (Org.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 31 1996. Poder Judiciário reagiram à proibição ao tráfi co negreiro. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

A proibição foi instituída por diversos dispositivos (Tra- de formas de trabalho escravo no presente e a existên- tado anglo-português de 1818, tratado anglo-brasileiro cia desse pacto de ilegalidade sugerem que a escravidão de 1826, Lei de 7 de novembro de 1831), todavia, não ces- adentrou o período republicano e se manteve viva em sou a entrada de africanos ilegalmente escravizados e os muitas partes do país. As tratativas parlamentares sobre senhores de escravos não foram condenados pelo crime o trabalho doméstico e a leniência institucional quanto às de redução à condição de escravo, conforme previa o art. práticas tradicionais dos patrões, especialmente no caso 179 do “Código Criminal” de 1830. Ao fi nal, A Lei de 4 de do uso de mão de obra juvenil, bem como a permanência setembro de 1850, a lei Eusébio de Queirós, determinou do poder dos coronéis, demonstram como os senhores outra vez o fi m do tráfi co negreiro: não precisavam ser indenizados porque ocorreu transfor- porém, na década de 1850, o governo imperial mação do status de escravo, mas não necessariamente sua anistiou, na prática, os senhores culpados do extinção. Há bons argumentos para se suspeitar que a Lei crime de sequestro, mas deixou livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres. Áurea foi, de certo modo, mais uma “lei pra inglês ver”. De golpe, os 760.000 africanos desembarcados Assim, a ideia de queima dos arquivos da escra- até 1856 -, e a totalidade de seus descendentes vidão oculta que a matrícula dos escravos serviu como -, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888. Para que não estourassem modo de legitimar a propriedade privada ilegal dos es- rebeliões de escravos e de gente ilegalmente cravos53 e, sobretudo, para frear as demandas por emanci- escravizada, para que a ilegalidade da posse de cada senhor, de cada sequestrador, não se pação e os ataques abolicionistas. A escravidão no Brasil transformasse em insegurança coletiva dos pro- foi um fato jurídico que se legitimava com a presunção prietários, de seus sócios e credores -, abalando racista de que ser negro é ser escravo. Desde o início da todo o país -, era preciso que vigorasse um con- luio geral, um pacto implícito em favor da vio- escravidão colonial, o Estado e a sociedade pouco ou ne- lação da lei. Um pacto fundado nos “interesses nhum valor deram à ideia do “justo título” como prova do coletivos da sociedade”, como sentenciou, em status de escravo. O justo título de propriedade nunca foi 1854, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco51. a matrícula, mas a posse branca de um corpo negro. Por Logo, a lei pública, estabelecida no Parlamento, e essa razão, as análises sobre a existência de um arcabouço as declarações internacionais feitas pelo Estado Brasileiro jurídico formal de segregação tendem a repetir suas pre- não aparecem instituindo o Direito na realidade, cuja di- missas de afastamento da realidade. nâmica de efi cácia normativa sempre foi mais complexa52. A separação analítica feita pela literatura brasileira A promulgação de leis e de acordos internacionais não entre as demandas pelo reconhecimento da liberdade por pode ser identifi cada nem com o começo ou o fi m da es- parte de escravos ilegais versus demandas por reconheci- cravidão. Vale dizer, a instituição da propriedade privada mento da condição de sujeito de direitos dos anônimos sobre outros humanos decorre de uma dimensão jurídi- brasileiros após a proclamação da República constitui se- ca prática que incluía a apropriação racial, por parte dos paração ideológica. Essa separação, que produz descon- brancos, dos aparatos ideológicos de Estado e dos meca- tinuidade das lutas sociais, está vinculada a um modelo nismos de administração da justiça. De modo direto, a de história que pretende fazer coincidir as transforma- ideia de que a queima iria evitar uma demanda por inde- ções formais do Estado com uma superação efetiva das nização parece supor que a escravidão no Brasil deixou práticas sociais. Porém, ela está distante da compreensão de existir como fenômeno social de relevância no dia da promulgação da Lei Áurea. Ao invés disso, a permanência 53 Neste contexto, como afi rma Mamigoniam: “a matrí- cula dos escravos determinada pela lei do Ventre Livre (28/09/1871) teve a intenção de legalizar a propriedade 51 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Parecer sobre a Arguição sobre os africanos trazidos por contrabando, que pela lei de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, de 7/11/1831 deveriam ser considerados livres. Apesar da apresentada ao Supremo Tribunal Federal. In: AUDIÊN- propriedade sobre os africanos importados desde 1831 ser CIA Pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de aceita em transações comerciais e ser garantida pelo gover- Ação Afi rmativa de Acesso ao Ensino Superior: Ação de no, o receio demonstrado pelos senhores de escravos em Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso petições e as justifi cativas apresentadas no debate do pro- Extraordinário 597.285/RS. Disponível em:

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas dienciaPublicaAcaoAfi rmativa>. Acesso em: 20 out. 2015. e a instabilidade da propriedade escrava: a Lei de 1831 e a 52 ERLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. matrícula dos escravos de 1872. Almanack, Guarulhos, n. 32 Brasília: UnB, 1986. 2, p. 20-37, 2o semestre de 2011. Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas empírica das realidades brasileiras. A cisão na história Por um ano...... 51.100:000$000 produzida, supostamente, pela mudança do marco legal Em 26 anos...... 1.328.600:000$000 (Monarquia/República) pretende nos convencer de que Apesar do número avultado que dá o cálculo, há uma ruptura na relação entre as elites e os grupos é preciso notar a insignifi cância do salário que foi marcado. Nunca no Brasil um trabalhador sociais subalternos e/ou entre estes grupos subalternos. de enxada ganhou, no período apontado, seme- Tal cisão é um dos mecanismos ideológicos pelos quais lhante ridicularia. [...] se pretende construir, simbolicamente, a ideia de povo A conclusão a tirar é, pois, que sendo o núme- como totalidade amorfa ou como símbolo de pluralidade ro atual dos escravos mais ou menos 1.435.000, dos quais 700.000 emancipados por força da integrada de raças. Entretanto, as lutas dos negros em tor- lei de 1831 e subsequentes leis de 1850 e 1854, no do reconhecimento de sua humanidade (Dignidade segue-se que há em salários da raça negra Humana) e em oposição aos mecanismos institucionais 1.328.600.000$ para indenizar a emancipação dos 735.000 restantes.”55. de racialização não desaparecem com o fi m da abolição Enfi m, o cálculo de José do Patrocínio demonstra formal, mas passam a ser fortemente “apagadas” pela tra- que há história vencida no processo abolicionista, capaz dição negreira. de redefi nir a querela sobre a queima dos arquivos. A in- Em terceiro lugar, a ideia de queima de arquivos, denização não era uma reivindicação apenas dos supos- ao afi rmar a fi nalidade de “impedir a indenização”, apaga tos proprietários (de uma propriedade que, de fato, era a disputa política existente em torno das matrículas e das ilegítima e ilegal), mas também daqueles que eram con- indenizações. O argumento da ilegalidade da escravidão cebidos como propriedade, excluídos da condição de hu- e a dívida para com os escravos esteve na consciência po- manidade e da cidadania. Mais ainda, os “patriarcas” da lítica de parte do movimento abolicionista. O moderado abolição e da fundação da República, dada a publicidade foi consciente de que a “escravidão era da tese defendida por José do Patrocínio, tinham a pos- um Crime contra a Humanidade”, muito antes que o ter- sibilidade de compreender essa demanda. Não o fi zeram. mo fosse utilizado para descrever os horrores da Segunda O destino dos negros na abolição e a continuidade da cli- Guerra54. A propósito José do Patrocínio afi rmava: vagem social por raça/cor não foi efeito das forças impes- o problema da escravidão está neste pé. A lei soais do mercado, mas de um conjunto de decisões políti- de 1831 suprimiu o tráfi co e não só declarou criminosos os introdutores, como obrigados cas e, como se pode constatar, tais decisões encontraram à restituição do africano os compradores. Há um largo campo de ação distante da jurisdicionalização quarenta e nove anos e dois dias, pois, nenhum africano podia mais ser escravizado no Brasil. das demandas. A afi rmação de que apenas se intentava apagar os rastros deixados para indenização dos senhores A especulação da carne humana, porém, havia entrado nos hábitos nacionais, e durante vinte e oculta a disputa política e a estratégia de favorecimento três anos continuou o crime do tráfi co. [...] dos senhores. Apaga-se especialmente o confl ito social E, pois, quase matematicamente certo que há que a exploração ilegal do trabalho provocava e, obvia- reduzido a escravidão um número de 700.000 mente, a responsabilidade dos Republicanos que fi zerem homens, metade, portanto, da escravatura atual. previamente a opção por não indenizarem os escravos Ora, é de lei que o salário do homem escraviza- do seja pago por quem o escravizou, ou quem ilegais pelo seu trabalho. herdou os capitais deste. Em quarto lugar, a ideia de queima dos arquivos Logo, os atuais proprietários de escravos devem da escravidão tende a indicar a impossibilidade prática à sociedade em geral, ou melhor, à raça negra, de se fazer história da escravidão devido à eliminação quarenta e nove anos de salário. Fazendo o cál- culo a 200 rs. por dia, e não computando já o das fontes. Não obstante, como se tem destacado e como espaço que vai de 1831 a 1854, tempo que, por comprovou a produção historiográfi ca sobre a escravidão deferência com os srs. fazendeiros deixamos de incluir no cálculo, temos: Por um dia de trabalho 55 de 700.000 homens escravizados..... 140:000$000 PATROCÍNIO, José. Discurso na Gazeta de Notícias de 06 setembro de 1880. In: ______(Org.). A Campanha Aboli- cionista. [s.l]: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca

Nacional, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 33 quim Nabuco, 1988. 20 out. 2015. Evandro Piza Duarte, Guilherme Scotti, Menelick de Carvalho Netto

posterior a década de 198056, havia e há inúmeras fon- O documento prova a exceção ontológica, ou seja, a liber- tes documentais da escravidão57. Logo, aquela ideia teve dade de um “negro” (que era presumidamente reconhe- como efeito servir de barreira para o desenvolvimento cido como naturalmente escravo). Isso poderia remeter a da pesquisa no país. Pior ainda, os arquivos que contêm um primeiro conjunto de problemas: para que negros, no documentação têm sido destruídos silenciosamente pelo período pós-escravista, julgaram necessário valorizar um descaso público 58 e pela ausência de uma interpretação episódio como a queima documental que provava a sua adequada do conteúdo da tutela constitucional. condição de escravos? Haveria continuidade de deman- Por sua vez, é preciso pensar um pouco mais na das trabalhistas contra seus senhores? Quereriam provar palavra “arquivo”. Essa palavra remete a uma forma de or- algo? Não haveria demanda pelo registro das origens, ou ganizar elementos, ou melhor, de constituir “algo” como melhor, dos dados de seu nascimento? Não haveria a su- elementos a partir de uma organização. O arquivo por- posição de que a matrícula era o caminho para a regulari- tanto, não apenas recolhe e reconhece um dado elemento zação do registro civil de nascimento de inúmeros negros existente “na” história. O arquivo materializa e confere (in)documentados e sem sobrenome? Não estariam ago- operacionalidade a uma verdade59. Ou seja, o arquivo ra submetidos à condição de não existentes? Não seria a constitui-se com base em uma dada concepção histórica falta de documentos, com a ação repressiva das polícias sobre a História. Mesmo as coleções privadas expressam urbanas utilizada, como ainda hoje, para colocar essa po- gostos pessoais, indicam valores no mercado de objetos, pulação na condição de não cidadãos? O apagamento dos legitimam posições sociais e ordenam-se com base em arquivos não teria sido mais uma estratégia de descons- mapas de reconhecimento social. O episódio da queima trução da cidadania dos negros? das matrículas remete a um tipo de valorização do meio Nesse contexto, pode-se sugerir segundo conjunto de prova: o documento com fé pública (peça móvel, es- de questões sobre a retórica das fontes documentais para crita, reconhecida por um funcionário etc.). Logo, não refazer a história da escravidão, o papel conferido aos re- haveria nenhuma verdade mais verdadeira do que aquela latos dos ex-escravos. Um pouco de prática jurídica indi- que a burocracia legitima (muito embora se saiba que as caria que, mesmo no caso dos inquéritos e processos ju- declarações de propriedade eram falsas). Paradoxalmen- diciais, quando aparecem algumas falas atribuídas a esses te, apesar do apelo ao documento, a história ofi cial desde sujeitos é nítida a presença de um fi ltro racial que marca o Império esteve calcada no uso dos “relatos” (dos letra- as fontes documentais em geral. Os relatos dos próprios dos, membros da burocracia, padres, viajantes) que, por negros ex-escravos são uma raridade. Isso se insere na sua condição, passavam a ser reconhecidos como fontes própria lógica do racismo, que não se estrutura apenas dos fatos. De modo paralelo, a retórica documental do pelo ódio ou desprezo, mas, sobretudo, pela indiferença passado, ao que parece, constitui mais uma retórica dos pelo ponto de vista das vítimas. A ideia da queima de ar- alforriados e reescravizados do que dos senhores de es- quivos oculta que a maior barreira contra a garantia da cravos. De fato, um negro, em nosso sistema legal, foi pre- memória sobre a escravidão foi o desprezo em relação a sumidamente um escravo, devendo provar sua liberdade. palavra dos negros que estavam vivos naquele momento. De fato, não se encontra, efetivamente, nas fontes docu- mentais construídas por um poder institucional racia- 56 WOLKMER, Antônio Carlos. Paradigmas, historiografi a, crítica e direito moderno. Revista da Faculdade de Direito, lizado, uma percepção da escravidão em seu conjunto, Curitiba, v. 28, n. 28, p. 55-67, 1994-1995. pois o negro foi excluído como sujeito do conhecimento 57 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das e, quando muito, foi transformado em objeto de estudo últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Compa- nhia das Letras, 1990. pela Antropologia nascente60. 58 SLENES, Robert. Escravos, cartórios e desburocratização: De fato, a indiferença e a estratégia de silenciar o que Rui Barbosa não queimou será destruído agora? Re- vista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 166-197, compuseram esse quadro, como argumenta José Jorge de mar./ago. 1985. Carvalho: 59 “Historiadores não sobrevivem sem arquivos” e do mesmo temos que defi nir o racismo não pela adesão modo, “invertendo o postulado inicial: arquivos não sobre- a um credo de superioridade racial, mas pelo vivem sem historiadores.” AGUIAR, Marcos Magalhães

Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015 26, n. 2, p. JUS, v. Universitas de. Historiadores e arquivos: testemunho de uma experi- ência. Revista Múltipla, Brasília, v. 5, n. 7, p. 109-116, dez. 60 DUARTE, Evandro C. Piza. Criminologia e racismo: intro- 34 1999. dução à criminologia brasileira. Curitiba: Juruá, 2002. Ruy Barbosa e a queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas

efeito continuado dos discursos que celebram a institucional com o passado. E, nesse caso, torna-se mestiçagem e silenciaram a afi rmação da con- necessário destacar que essa impossibilidade não foi dição de negro no Brasil. Nesse sentido, quan- do Gilberto Freyre defendeu a morenidade e construída apenas pela falta de liberdade de expressão, repudiou a presença no Brasil de ideologias de mas, sobretudo, pela produção massiva de discursos negritude, ele, branco, utilizou-se de sua grande 62 infl uência para impedir que os negros afi rmas- ou pelo monopólio desses discursos sobre o passado. sem sua identidade de negros. E por que o fez? Esse monopólio, assim como a exclusão e a repressão Porque o discurso da negritude deslocaria a dis- dos negros na esfera pública, parecem estar na origem cussão de uma celebração abstrata da interpre- tação das culturas para uma denúncia veemente da necessidade de buscar mito de perda ou de impos- das condições de vida precárias e sempre desi- sibilidade da memória que, apesar de ser considerado guais, enfrentadas pela população negra no país da suposta democracia racial61. mito, carrega elemento de contato com a realidade, Enfi m, a retórica da ideia de queima de arquivos constituindo-se em forma de expressar a condição de também se insere numa certa gestão do conhecimento vítima de apagamento na História. sobre o passado em que as “vozes negras” são sempre A crítica de nossa tradição negreira e a considera- consideradas inadequadas para a descrição das “vidas ne- ção da queima de arquivos da escravidão como expressão gras”, cabendo aos fi lhos da elite a elaboração de uma nar- subjetiva de processo institucional de apagamento são rativa ofi cial da escravidão. Essa voz autorizada repete-se os dois pontos de partida para leitura constitucional do e constituiu-se no monopólio acadêmico em áreas como tema da memória em relação aos negros. a Antropologia, a História e a Sociologia ao tratar da ges- 4 Um lembrete: os arquivos apagados da me- tão das linhas de pesquisa. Essa mesma voz constitui os mória do presente documentos cotidianos e os relatos dos viajantes. A quei- ma dos arquivos da escravidão (se com isso se pretende indicar a impossibilidade de uma historia da escravidão A Constituição de 1988 é uma Constituição me- que leve em conta as demandas sociais dos negros) tor- moriosa. Está preocupada em lembrar e permite revisão nou-se processo que se organizou e se institucionalizou do passado. Depois de cem anos da abolição formal, a como presente ao longo do século XX. Constituição de 1988 é a primeira a reconhecer em nos- Essa última sugestão remete à quinta ideia so- sa história a presença da escravidão e do colonialismo, bre a queima dos arquivos da escravidão. De fato, ela usando palavras como racismo, afro-brasileiros, indíge- poderia ser lida com base na noção de “trauma his- nas e quilombos. De fato, em alguns dispositivos é possí- tórico”, ou seja, como uma construção social sobre o vel perceber que a escravidão surge como um problema passado que constrói versão distinta de fatos efetiva- que atravessa a história e vem provocar efeitos no presen- mente ocorridos, mas que tenta elaborar, simbolica- te. O artigo 215 afi rma que o “Estado garantirá a todos o mente, experiência real e traumática para determinado pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes grupo social. Nesse caso, não interessa se Ruy Barbosa da cultura nacional”, reconhecendo a existência de “ma- efetivamente ordenou a queima ou se ela estava orde- nifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasi- nada antes de sua chegada, muito menos se a queima leiras”, de “grupos participantes do processo civilizatório foi “verdadeira ou não”, ou seja, não interessam se to- nacional”, de “diferentes segmentos étnicos nacionais”. Já das as “fontes” foram objetivamente perdidas. Ao invés o artigo 216 dispõe que disso, interessa o que a ideia de “queima dos arquivos” “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados significa como retórica no argumento das vítimas des- individualmente ou em conjunto, portadores de se processo de negação: a impossibilidade de contato referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade bra- sileira”, determinando em seu parágrafo quinto que “fi cam tombados todos os documentos e os 61 CARVALHO, José Jorge de. Ações afi rmativas para negros sítios detentores de reminiscências históricas na pós-graduação, nas bolsas de pesquisa e nos concursos dos antigos quilombos”. para professores universitários como resposta ao racismo acadêmico endêmico. In: SILVA, Petronilha B. G.; SILVÉ- Na ordem constitucional da cultura e no título

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dedicado aos indígenas, bem como em artigos espar- mínimo de normatividade capaz de acoplar o texto às sos que lhes fazem referência, a pluralidade das formas demandas políticas que não eram satisfeitas no âmbito de vida e de culturas alcançou maior densidade cons- dos mecanismos conhecidos das descrições de funcio- titucional, revelando a tensão entre o pluralismo como namento da política, tais como os partidos políticos ou expressão identitária de grupos sociais e o pluralismo os sindicatos, e abrindo espaço para uma política de social como valor reconhecido pela sociedade brasilei- reconhecimento. ra em sua “unidade”. No artigo 215, o Estado, para ga- Infelizmente, o pensamento jurídico nacional rantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e dominante já se apressou, no presente, em “queimar os acesso às fontes da cultura nacional, necessita proteger arquivos da escravidão”, deixando de conferir eficácia manifestações culturais de grupos específicos, enun- interpretativa às inovações trazidas pela Constituição. ciados com base no reconhecimento histórico de sua Insistem, os juristas de sempre, de ontem e de hoje, exclusão (populares, indígenas e afro-brasileiras). Ao em ler o direito de propriedade, a liberdade religiosa, mesmo tempo, o dispositivo permite identificar outros o acesso à justiça, a politica cultural e educacional etc., grupos a partir de um modelo de interação definido de forma alheia aos quinhentos anos de história de como processo (processo civilizatório nacional). O Es- aprendizado constitucional. Para além da retórica do tado estabelece marcos simbólicos para diferentes seg- “Nacional”, é necessário retomar as dimensões univer- mentos étnicos nacionais, valoriza a identidade étnico sais e transformadoras das lutas locais pela construção regional, mas também propugna pela defesa e valoriza- de direitos. ção de um patrimônio cultural “brasileiro”. Observe-se que o patrimônio brasileiro não é definido com a busca Referências de uma identidade homogênea da brasilidade, ao con- trário, na definição do art. 216, a “brasilidade” encon- tra-se na diversidade e, especificamente, depende da AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a consideração de que determinados grupos necessitam vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2002. v. 1. ser “nominados”, ou seja, empoderados simbólica e AGUIAR, Marcos Magalhães de. Historiadores e arqui- materialmente nas políticas estatais. vos: testemunho de uma experiência. Revista Múltipla, A superação da perspectiva homogeneizante e de Brasília, v. 5, n. 7, p. 109-116, dez. 1999. “integração” apagadora das diferenças marca a caracte- AGUIAR, Th aís. A história como recurso da mimese po- rística multicultural (ou intercultural), própria do novo lítica brasileira. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 10, n. 2, paradigma do Estado Democrático de Direito, também p. 227-239, 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2015. do Trabalho (OIT) em 1989, sobre Povos indígenas e tri- 63 bais . ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Parecer sobre a Arguição A ordem constitucional da cultura foi assim de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, capaz de integrar conceitualmente a complexidade e apresentada ao Supremo Tribunal Federal. In: AUDIÊN- CIA Pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de a especificidade das diferenças como elemento funda- Ação Afi rmativa de Acesso ao Ensino Superior: Ação de mental do princípio da igualdade. Enfim, o pluralismo Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso como princípio na Constituição não se situa fora de Extraordinário 597.285/RS. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2015. rada, indica uma concepção pluralista que, ao ser se- letiva, reconstrói memória constitucional da igualda- ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota de e da liberdade negadas64, estabelecendo um âmbito sobre os aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 63 SCOTTI, Guilherme. Direitos humanos e multiculturalis- mo: o debate sobre o infanticídio indígena no Brasil. Revis- ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de seguran- ta Jurídica da Presidência, Brasília, v. 15, n. 106, p. 489-515,

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