Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária

Valério CRUZ BRITTOS Paola MADEIRA NAZÁRIO

ABSTRACT. The main objective of this paper is to critically discuss the draft law No. 3985/2004, which proposes the creation of the Federal Council of Journalism (CFJ). The text, suggested by National Federation of Journalists (Fenaj), was introduced to Congress by the executive branch on August 4, 2004. This article will consider the impact of the proposal in the major media, as well as the behavior of the Brazilian government on such statements. It will discuss key issues for the Brazilian society, such as the monitoring and the zeal for the practice of journalism and its ethical norms.

Keywords: communication, journalism, politics

INTRODUÇÃO

Mediante a ação do Superior Tribunal Federal (STF) que no dia 17 de junho de 2009, a partir da analise do Recurso Extraordinário (RE) 511961, movido pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp), revoga o Decreto-lei 972/69 que exigia o diploma como requisito para o exercício da profissão de jornalista. Mediante este fato faz-se necessária retomar a discussão antiga pela criação do CFJ, já que será imprescindível uma fiscalização maior da produção jornalística, mediante ao fato da produção de noticia agora pertencer também ao acesso de leigos. No entanto é necessário recordar os motivos pelos quais o CFJ, quando discutido no âmbito de um projeto de lei que quando se tornou pública para a maior parte da sociedade, através da grande mídia, a iniciativa foi discutida entre os atores interessados e, por fim, rejeitada, pelo Congresso Nacional, resultado de acordo entre parlamentares, em 15 de dezembro de 2004. Compreende-se por conselho profissional uma corporação, um corpo seletivo com incumbência de formular pareceres, juízos ou opiniões sobre negócios de ordem pública. Além disso, trata-se de uma autarquia, isto é, entidade autônoma sujeita a fiscalização e tutela do Estado, com patrimônio constituído com seus próprios recursos, tendo como fim executar serviços pertinentes à coletividade. Esses conselhos estão sujeitos ao regime jurídico de direito público quanto à sua criação, extinção, poderes e prerrogativas, diferenciando-se pelo fim para o qual foram criados, ou seja, a fiscalização do exercício profissional ético. Os conselhos federais profissionais são entidades descentralizadas do poder central do Estado, criadas por lei, por meio de projetos enviados pelo Poder Executivo ao Legislativo, o qual é responsável pela sua aprovação. Estas entidades têm como principais funções a fiscalização do exercício profissional, e a tutela dos preceitos éticos estabelecidos para a profissão. O motivo fundamental para a criação de um Conselho de Jornalismo, no Brasil, é a atual inexistência de uma instituição com competência legal para fiscalizar, normatizar e punir as condutas inadequadas dos profissionais da imprensa. É válida a observação acerca da relevância de tal instituição, visto que, no jornalismo, encontra-se uma das principais

Redes.Com Nº 6 63 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO fontes de acesso à realidade e ao conhecimento das populações. Sendo assim, é bastante relevante a discussão do projeto pela criação do Conselho Federal de Jornalismo, mesmo que tal iniciativa tenha sido rejeitada, sendo possível vislumbrar, a partir disso, o posicionamento e da força das indústrias culturais. Argumento intensificado pela extinção da exigência legal para o exercício do jornalista. O fim do decreto-lei 972/69 significa um forte firmamento da autoregulamentação da imprensa brasileira, fato preocupante na contemporaneidade, visto que existe uma explosão mundial do uso da informação, através da difusão massiva da notícia e pela utilização exacerbada de manchetes e imagens e com a crescente disseminação de opiniões através de blogs e outras ferramentas proporcionadas pela internet. Partindo do pressuposto de que essas informações servem à maioria dos cidadãos, para o monitoramento dos acontecimentos próximos e remotos, torna-se pertinente avaliar a imprensa, os jornalistas e sua relação com a sociedade. A utilização de um conselho profissional na área do jornalismo no Brasil seria uma forma de regulamentação, uma ferramenta para auxiliar no exercício da ética jornalística, combatendo a invasão de privacidade, os pré- julgamentos sobre os fatos e a forte parcialidade da cobertura de imprensa, principalmente agora, como a liberação do diploma, que as diretrizes da produção da notícia não irão passar nem pelo filtro técnico trazido pelos cursos de graduação. Falar também que a questão de não exigir o diploma é mais uma ferramenta a ser explorada pelos interesses de mercado. As organizações, tanto televisivas quanto impressas, radiofônicas ou da internet, fazem parte de uma importante fatia da movimentação econômica do Brasil, a qual, para tornar-se efetiva e ampla, necessita da assimilação e aceitação da notícia por parte dos receptores, em um cenário onde o trabalho intelectual do jornalista é explorado por empresas jornalísticas, que são entidades capitalistas. Considerando esse fato, é perceptível a necessidade de projetar meios que estipulem barreiras para frear o domínio mercadológico descontrolado no exercício do jornalismo, pois uma imprensa independente (nos limites do capitalismo) precisa estar desvinculada, no maior grau que isto é possível, dos interesses políticos partidários e de mercado.

JORNALISMO E FORMAS DE EXPRESSÃO

Através de notícias e reportagens elaboradas pelas empresas jornalísticas é que a maior parte da população estabelece contato com o que acontece na sociedade e no mundo. O cidadão não está presente em todo o lugar que lhe é mostrado como notícia, dependendo, portanto, da agenda dos meios de comunicação de massa para perceber os fatos: Toda mídia trabalha sobre nós de uma forma total. Esses meios são tão intensos em suas conseqüências pessoais, políticas, econômicas, estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais que não deixam nenhuma parte nossa intocada, não afetada, inalterada. O meio é a mensagem. Qualquer compreensão sobre mudanças sociais e culturais é impossível sem um conhecimento do modo como a mídia funciona como contexto.1 Sendo a compreensão de mundo, em parte significativa, elaborada a partir das informações fornecidas pela mídia, o pluralismo manifesta-se como expressa necessidade, no jornalismo. Dessa maneira os jornalistas que formulam as notícias não podem gozar de absoluta independência, fator que é intensificado com a liberação do diploma, ação que afasta o produtor de informação dos cursos de graduação, o qual é responsável pela absorção

64 ISSN 1696-2079 Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária técnica de tal conhecimento, sendo a técnica fator essencial para o crescimento de qualquer exercício prático. Este afastamento é desconectar o modo de produzir notícia como uma ciência, é colocar a produção de notícias na vala de conhecimentos comuns e desconecta-la de um conjunto de compromissos éticos e valores sociais. Questões éticas, como a busca pela verdade, é fundamental na construção da informação, afinal, o ofício do jornalismo pretende construir ou reconstruir a realidade e não criar espaços ficcionais a partir do livre pensamento do autor ou do conjunto de autores das indústrias culturais, também não podendo ser uma atividade à mercê da lógica mercantil. A criação de um conselho seria um dispositivo fundamental para a legitimação desta ética, visto que a notícia deve perseguir distanciamento ideológico, político e econômico. “Quem entra no ramo de informar o público tem que oferecer informação independente, isto é, informação voltada exclusivamente para atender o direito à informação”2. Percebe-se, não obstante, com a análise do comportamento midiático, que o exercício do jornalismo muitas vezes inverte a informação pela opinião, relegando a um plano inferior a busca da verdade objetiva dos fatos. Os meios de comunicação de massa seguem lógicas mercantis, afastando-se de metas de bem estar social, formando uma opinião pública e consciência coletiva através de motivações privadas e não do interesse público. O que se identifica na imprensa nacional é uma conduta diretamente mercadológica, tratando a notícia como mercadoria e não privilegiando os preceitos informativos. Os conflitos de interesses, tanto os vividos pela empresas, como, especialmente, pelos próprios jornalistas, revelam-se uma ameaça à veracidade de informação transmitida ao público. Colaborando com este quadro está a liberdade de exercer o jornalismo. Mais uma vez se percebe o papel do legislador, assumido pelo STF no campo da comunicação, o qual cria mais um vácuo normativo na área, a primeira refere-se ao julgamento da inconstitucionalidade da Lei de Imprensa. Fala-se de colaboração com o cenário mercantil da notícia devido a clareza das intenções do STF em liberar a obrigatoriedade do diploma, sendo nítido que a população não será beneficiada com este fato, pois a exigência de um conhecimento técnico supervisionado pelo Ministério da Educação não é contraditório a liberdade de expressão e sim favorável as empresas de comunicação. Este fato é comprovado pela dinâmica dos próprios meios de comunicação de massa, como grandes jornais, revistas e emissoras de televisão, as quais dão espaço a não jornalistas a partir de colunas, artigos e entrevistas. Dessa maneira, percebe-se que a falta de regulamentação para o exercício de jornalista é interessante aos donos de empresas de comunicação que “poderão exercer maior pressão sobre seus empregados, baixar salários, ampliar a rotatividade de trabalhadores, tornar precária as relações de trabalho, e ampliar ainda mais o seu poder de intervenção sobre o que é noticiado em seus veículos.”3 As práticas do jornalismo, com o desenvolvimento do capitalismo, acabam sendo moldadas de acordo com as relações de produção e de consumo, confundindo os objetivos dos anunciantes com os do público. “A transformação do ‘fato’ em ‘notícia’ passa pela sanção do mercado. A notícia como produto final é resultado de um pacto de cumplicidade: o mercado se vê refletido por uma mídia que, por sua vez, dá visibilidade aos eventos que reforçam a estrutura de mercado”4. Dessa maneira, os efeitos de mercado na sociedade contemporâneacontaminam a produção cultural. Na atualidade, a busca pelo aumento e equilíbrio da audiência está intrinsecamente interligada ao tipo de jornalismo apresentado à população.

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Medindo-se o grau de autonomia de uma empresa midiática pela fatia de suas receitas oriundas da publicidade, percebe-se que a hegemonia do capital tem contundentes implicações na seleção, distribuição e interpretação das notícias. Para manter as relações de mercado “as mega corporações da mídia, em defesa da ordem econômica globalizada ultrapassam as questões ideológicas”5. Em conseqüência da oligopolização dos meios de comunicação e da competitividade pela exclusividade, pioneirismo da notícia ou aumento dos índices de recepção, constrói-se uma mídia de massa ideologicamente mercantil e de baixa conduta ética. O exercício do jornalismo compreende também calúnia, injúria e difamação, atitudes que jamais poderão ser reparadas integralmente, depois de assimiladas pela opinião pública. Os erros de informação, a invasão de privacidade, o pré-julgamento, a parcialidade e, principalmente, o crescente aumento da conexão da informação com o mercado, sustentam a necessidade de um debate sobre a atuação dos meios comunicacionais. O jornalismo contemporâneo pode ser cada vez mais entendido como categoria política, isto é, um “instrumento de propagação ideológica de setores e classes sociais”6. A busca por lucro e poder é a verdadeira motivação das empresas jornalísticas, ao manipularem a informação. A utilização de padrões de manipulação por empresas jornalísticas é um ponto fundamental para uma melhor compreensão do comportamento demonstrado pelos meios de comunicação de massa na cobertura realizada no processo que visava a criação do Conselho Federal de Jornalismo. O “padrão de ocultamento”, quando exercido pela imprensa, refere- se ao silenciamento de certos dados ou informações na hora que a informação é coletada e editada.7 Essa opção pelo silêncio se justifica, pelo menos entre alguns jornalistas, pela idéia de que existem fatos jornalísticos e fatos não jornalísticos, com o segundo transformando-se em ocultamento, quando tratado pela mídia como descartável. Na medida em que os fatos não jornalísticos também se referem à realidade e as empresas jornalísticas os descartam, é possível verificar que a mídia oculta uma parcela dos acontecimentos. A questão da omissão é importante, visto que produz efeito a partir do que não é dito e diante de um fato omitido não há como haver reação do público. O “padrão da inversão” ocorre quando a mídia não demonstra o fato em si, mas a versão que é dada a ele, através de abordagem informativa jornalística de maneira opinativa e não explicativa, o que acarreta o público à perceber a opinião quase como uma realidade em si8 Nesse caso, a opinião é imposta ao consumidor, sem que sejam dados a ele atributos para diferenciá-la da informação. Uma condição extremada desse padrão é o “frasismo”, que é o abuso da utilização “de frases ou de pedaços de frases sobre uma realidade que substitui a própria realidade. Uma secção de frases criadas pelas empresas de notícias que compreendem em constituir o fato, a realidade”.9 Estas argumentações referem-se ao jornalismo enquanto capital simbólico, e a importância da produção jornalística no caráter pessoal, profissional, coletivo e de massa, preceito que só podem ser plenamente entendidos, ou pelo menos assim espera-se, a partir do conhecimento técnico universitário. Assim, nota-se que os argumentos capitalistas superam, a partir da liberalização do diploma, os argumentos simbólicos, do conhecimento e da ética.

EXPERIÊNCIAS E MODELOS

Para uma melhor compreensão do tema, serão demonstrados aqui os modelos de conselhos profissionais de diversos países, como Itália, Alemanha, Chile, Argentina, Reino Unido,

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Estados Unidos da América (EUA), Holanda, França, Canadá, Espanha e Austrália. Os conselhos que regulamentam a imprensa em tais países são caracterizados de diferentes maneiras, sendo os modelos mais presentes os de auto-regulamentação e reclamatórios. É essencial para o desenvolvimento desse tópico que se discorra a informação de que todos os conselhos dos países aqui tratados, com exceção da Itália, não possuem o diploma como exigência para o exercício da profissão de jornalismo. Mas, no entanto, essas nações apresentam diferentes formas de fiscalizar a informação, as quais se apresentam de maneira mais ou menos rígida. Além de ser imprescindível ressaltar, que as mídias, na maioria dessas nações, configuram-se de maneira diferenciada, da brasileira, quanto a sua regulamentação, não podendo muitas das vezes possuir propriedade cruzadas de mídia e também apresentam uma população mais fiscalizadora e esclarecida, onde abusos da mídia são mais freqüentemente denunciados. Na auto-regulamentação os conselhos são sustentados ou aprovados pelos meios de comunicação, não têm participação dos governos e não censuram, mas dita m normas de conduta e, ao receberem queixas de leitores, fontes e mesmo de jornais ou jornalistas, avaliam o caso e emitem um parecer, modelo presente em países como Canadá, Chile e Alemanha. No Brasil, o órgão de auto-regulamentação mais tradicional é o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), que atende à denúncias de consumidores, autoridades, associados ou ainda as formuladas pela própria diretoria. Diante da reclamação, o Conselho de Ética do Conar, órgão soberano na fiscalização, julgamento e deliberação, no que se relaciona à obediência e cumprimento do disposto, analisa se a propaganda está enquadrada no código de ética acordado pelos anunciantes, agências de publicidade e grupos de comunicação, reúne-se e julga, garantindo amplo direito de defesa ao acusado. Se a denúncia tiver procedência, o Conar recomenda aos veículos de comunicação a suspensão da exibição da peça ou sugere correções à propaganda, podendo ainda advertir anunciante e agencia.10 Na Itália a imprensa é regida pela Ordem dos Jornalistas (Il Ordine dei Giornalisti), conforme a Lei n. 69, de 1963. Esse é um exemplo de conselho que é efetivamente rígido na relação com o exercício da profissão de jornalista. A lei declara que, para exercer a profissão no país, é regra ter registro no conselho, além de comprovar graduação em curso superior, idoneidade, experiência de pelo menos um ano na imprensa como aprendiz e aprovação em provas escritas e orais. A Ordem é estruturada em dois níveis: nacional e regional. Os julgamentos éticos são realizados pelas ordens regionais. Já o papel da Ordem nacional é essencialmente o de apelação contra as decisões regionais, tanto para assuntos disciplinares, quanto eleitorais. Todas as providências das ordens regionais, por essa razão, podem ser impugnadas pela Ordem nacional, por meio de pedidos de jornalistas interessados ou outros agentes, como o Ministério Público. O poder reconhecido a este último órgão poderia parecer uma limitação da autonomia da Ordem, mas, na verdade, corresponde a uma função de garantia dos interesses gerais. Contra as decisões nacionais ainda é previsto que, qualquer que seja a parte interessada, ainda pode recorrer a três outras instâncias ordinárias da Ordem: o tribunal, a corte de apelação e a corte de cassação. Estas últimas têm o mesmo poder de anulação, revogação ou reforma atribuídos à Ordem nacional. Essa é a forma que a Ordem utiliza para se autofiscalizar, garantir os interesses democráticos e o prestígio do jornalista.

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Na Alemanha é formalizado um órgão de autocontrole da imprensa, denominado Deutscher Presserat (Conselho Alemão de Imprensa), o qual averigua a atividade de jornais e revistas. Constituído em 1956, o Conselho é composto por 20 membros, nomeados por associações profissionais: 10 editores e outros 10 entre jornalistas e representantes sindicais, excluindo as instituições religiosas, já que se trata de uma organização que responde a critérios corporativos e não de representação da sociedade. Inicialmente, este conselho não pode ditar lei, pena, estatuto ou sanção, mas pode condenar, censurar publicamente periódicos e revistas que tenham violado o Código de Imprensa. O Conselho foi apelidado de tigre sem dentes, pois a atitude mais severa que poderia impor aos periódicos era a obrigação de publicar uma nota de reprimenda. No entanto, em 1985 o dispositivo foi atualizado e colocado em prática o Código de Imprensa, o qual consiste em 16 artigos de instrução ao comportamento jornalístico. Esse Conselho também funciona através de queixas que qualquer cidadão pode fazer: havendo alguma violação ao Código, são estabelecidas punições. Há na Alemanha também um controle interno da imprensa escrita, composto pela sociedade de redatores, um espaço onde os jornalistas podem participar da definição da linha editorial do jornal, o que acarreta maior pluralidade. Na França existe uma estrutura de fiscalização do tipo tripartite (patrões, empregados e governo), sendo a entidade l’Union Syndicale des Journalistes (CFDT) que emite carteiras de jornalista, concedidas sem o critério do diploma específico de curso de graduação. O princípio da liberdade de imprensa na França, assim como seus limites e controle de abusos, é conteúdo da Lei n. 327, de 29 de julho de 1881. Este diploma legal tem a característica de ser um dos mais libertários do mundo, pelo fato de suspender todas as formas arbitrárias de controle, em princípio por vias administrativas. A lei de 23 de outubro de 1984 criou medidas anticoncentração e a Comissão pela Transparência e Pluralismo da Imprensa. Posteriormente ocorreram modificações na Lei de 1881, uma delas em 1986, a qual suprime a Comissão pela Transparência e Pluralismo da Imprensa, substituída, em 1989, pelo Conselho Superior do Audiovisual. O teor do conteúdo na França é analisado por uma comissão instituída pela lei de 1949, que é responsável pela eliminação de elementos suscetíveis de contribuir com a violência, a pornografia e as notícias falsas. A comissão é composta por 14 membros, sete diretores de revistas e sete jornalistas. Além disso, uma comissão superior, formada por três magistrados, um representante dos diretores dos jornais e um dos jornalistas, tem como responsabilidade averiguar as faltas cometidas por parte da imprensa contra a lei.11 Ainda nos moldes dos conselhos de auto-regulamentação encontram-se os canadenses, os quais surgiram na década de 1970, a partir da pressão da sociedade por uma imprensa mais objetiva, equilibrada e precisa. O Canadá é o país que tem o maior número de conselhos de imprensa, totalizando nove, mantidos pelas próprias empresas de comunicação e com funcionamento através de fóruns dirigidos às reclamações do público contra a mídia. De um modo geral, os conselhos têm como objetivo preservar a liberdade de imprensa, divulgar e estimular o uso de padrões éticos e apoiar aos que crêem que a mídia atenta contra valores como imparcialidade e ética. Em 1972, no Canadá, foram criados os conselhos de Ontário e Alberta. Nos anos 1980, por pressão do governo liberal do primeiro-ministro Pierre Trudeau e de uma comissão que sugeriu leis rígidas contra os abusos da mídia, os conselhos surgiram nas demais províncias: Quebec, Columbia Britânica, Manitoba, Nova Escócia, Terra Nova, Ilha do Príncipe Eduardo e Nova Brunswick.12

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Nos marcos do capitalismo global, a democracia começa pelo mercado, livre do planejamento estatal e dos benefícios sociais. É nessa moldura que se insere o Conselho de Ética dos Meios de Comunicação do Chile, criado em 1991, a partir das empresas de comunicação, através de suas associações de classe: Associação Nacional de Imprensa, Associação de Radiodifusão e Associação Nacional de Televisão reunidas na Federação dos Meios de Comunicação Social. Essas associações mantêm, indicam os membros, garantem a liberdade de funcionamento e acatam as decisões do Conselho.13 O organismo vigente no Chile propõe-se principalmente a averiguar denúncias de queixosos que se sentem lesados por alguma atitude dos meios de comunicação de massa do país. Outro modelo de regulamentação presente no tratamento da mídia internacional são os conselhos reclamatórios, tipo de dispositivo que tem o objetivo de atender a queixas de leitores que tenham se sentido lesados por informações divulgadas pelos meios de comunicação. O Conselho de Imprensa, na Austrália, em vigor desde 1976, e tem como principal atividade atender às reclamações dos leitores que se sentem injustiçados pela mídia. O conselho australiano já julgou cerca de 850 reclamações, dando razão parcial ou total aos queixosos em aproximadamente 45% dos casos. Atualmente este órgão é composto por um presidente, sete representantes do público; dois jornalistas redatores de matérias e um editor responsável pelas matérias publicadas em um periódico, todos nomeados por indicação do presidente do Conselho. Integram-no também 10 membros indicados por grupos editoriais metropolitanos, suburbanos, regionais e nacionais. O Conselho australiano julga reclamações apresentadas por cidadãos que já tenham tentado resolver o problema em contato direto com o jornal, sem ter conseguido êxito. Nesse caso o queixoso deve assinar um documento abrindo mão de ação judicial e escrever uma carta ao Conselho, anexando os recortes das reportagens em questão. A primeira medida do Conselho é tentar uma mediação, para que o queixoso negocie uma solução com o jornal. Não obtendo sucesso, o veículo é intimado a apresentar sua defesa, a qual é encaminhada, juntamente com a queixa, para o Comitê de Reclamações, o qual ouve as duas partes, sem a presença de advogados, discute o problema e envia sua recomendação para os conselheiros, que tomam a decisão final. No Reino Unido existe uma lei específica sobre a imprensa escrita, somente uma Comissão de Queixas contra a Imprensa (Press Complaints Commission – PCC). Esta comissão, criada em 18 de dezembro de 1997, insere-se no bojo da auto-regulamentação e do autocontrole dos jornais e revistas do país, ação que substituiu o Conselho de Imprensa, instituído em janeiro de 1991. A PCC zela pela ética e exatidão das notícias publicadas, o direito de réplica e a proteção da vida privada, sendo composta por três representantes: o presidente, os agentes do público leitor e os membros da imprensa, os quais são nomeados por uma Comissão de Nomeação (Appointments Commission). Na Holanda está em vigência um conselho que atua na área geral das comunicações, como rádio, TV e mídia impressa, cuja incumbência é assessorar e aconselhar os ministérios do Bem Estar, Saúde e Cultura, assim como outros que tenham relação com questões de políticas de comunicação. O conselho dos meios de comunicação (Mediaraad) foi instituído pela lei de 21 de abril de 1987 e é integrado por um presidente e 16 membros com reconhecida experiência em questões comunicacionais, com mandato de cinco anos.14 Na Espanha, em primeiro de outubro de 1976, foi criado o Consejo General de RTVE, que apresenta uma composição plural, com participação de distintas instituições, tendo

Redes.Com Nº 6 69 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO como objetivo assessorar e orientar a Direção Geral de Radiodifusão e Televisão sobre a programação veiculada por meio de rádio e televisão estatais. Posteriormente o decreto de dois de novembro de 1977 constituiu o Consejo Rector Provisional de RTVE, o qual tem 36 membros, metade nomeada pelo Governo e metade pelos grupos parlamentares. Um dos instrumentos de normatização do exercício do jornalismo na mídia impressa é a Lei de Imprensa de 1966 e o Estatuto da Profissão Jornalística, de 13 de abril de 1967. Sendo assim, a imprensa escrita está submetida ao controle judicial, relacionado diretamente com os limites da liberdade de expressão. Qualquer tipo de regulamentação, principalmente em relação aos conteúdos dessas mídias, na Espanha é vista como censura por parte da imprensa.15 Nos Estados Unidos, o caso é um pouco diferente: criado em 1973, o conselho sofreu pressões das empresas jornalísticas, sendo fechado em 1984, com base na primeira emenda da Constituição, a qual proíbe o Congresso de legislar sobre a liberdade de imprensa. A condição da mídia nos EUA é vinculada às características de um Estado liberal, pouco intervencionista e fortemente moldado pelas demandas privadas, inclusive na regulamentação. A mídia é regida pelas leis de mercado, incorporada em uma linha contrária às responsabilidades do serviço público. Ante isso, o governo norte-americano, através de suas entidades jornalísticas, chegou a condenar qualquer órgão de fiscalização da imprensa criado no Brasil.

CFJ E HISTÓRICO DE LUTA

Sendo a comunicação um bem que emerge com força no século XX, o debate para a sua efetiva regulamentação se faz necessário e urgente. A criação de um conselho jornalístico é uma discussão histórica, tendo a Fenaj começado a formular esta proposta no período anterior à Assembléia Nacional Constituinte. Um levantamento histórico sobre os projetos de criação um conselho ou mecanismos similares para o jornalismo revela que a primeira tentativa se deu no ano de 1970, através do deputado Vasconcelos Torres (Arena-RJ), o qual propunha a criação da Ordem dos Jornalistas, uma proposta retirada em 1971, por ter sido considerada inconstitucional. O debate só ganhou maior respaldo, no Brasil, no Congresso Nacional dos Jornalistas de 1996. No entanto, no período pós-congresso, os jornalistas não obtiveram êxito nas suas reivindicações. O empresariado nesse momento teceu fortes argumentações em torno da idéia de cerceamento da liberdade (argumento principal para a liberação do diploma), que poderia ser desenvolvido caso o Conselho fosse aprovado. Em 1999 o projeto de lei 307/95, de autoria do senador Carlos Bezerra (PMDB-MT), que transferiria a concessão e o controle dos registros profissionais de jornalistas do Ministério do Trabalho para a Fenaj, depois de tramitar por quase cinco anos, foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas vetado em seguida pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Na argumentação do veto, o ministro do Trabalho da época, Francisco Dornelles, alegou que a concessão de registros profissionais é uma atribuição do Estado, podendo ser transferida única e exclusivamente para os conselhos profissionais. Voltava a ser prioritária, para a representatividade sindical dos jornalistas, a criação do Conselho Federal de Jornalismo.16 Em março de 2001 foi criada a Comissão de Jornalistas responsável pela elaboração do anteprojeto para criação do Conselho. Começava assim, junto com algumas propostas dos sindicatos filiados à Fenaj, a preparação do anteprojeto de lei, levado à apreciação final, após um ano, no 30º Congresso Nacional dos Jornalistas.

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O texto de criação do anteprojeto de lei foi aprovado entre os participantes e encaminhado para o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em setembro do mesmo ano. No entanto, o projeto mais uma vez não foi apresentado ao Congresso Nacional.17 O envio da iniciativa ao Legislativo ocorreu somente em 2004, no Governo Lula. Na opinião do presidente do Sindicato de Jornalistas do Rio Grande do Sul, José Carlos Torves, “o presidente se sensibilizou com os apelos ao seu histórico sindical”.18 No entanto, através de acordo entre parlamentares para a liberação de pauta no Congresso, o projeto foi rejeitado em 15 de dezembro de 2004. Segundo Celso Schröder, membro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e do Conselho de Comunicação Social, além de vice-presidente da Fenaj, a proposta inicial era criar um órgão organizador da profissão, sendo que “a idéia de incidir sobre a comunicação nunca foi desejo dos criadores do CFJ; sempre defendemos o controle público da informação”.19 Para ele, o erro ocorreu pouco antes de sua apresentação ao Executivo, quando a Fenaj autorizou uma comissão, composta por presidentes de sindicatos de alguns estados brasileiros, a enxugá-lo e apresentá-lo ao Executivo. Nesse momento, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Fred Ghedini, e de Minas Gerais, Aloisio Soares Lopes, a partir de uma orientação puramente técnica, incluíram expressões como “fiscalizar a atividade de jornalismo”, fato que abriu muitas brechas para a crítica desenvolvida pela mídia. De acordo com Schröder, o CFJ sofreu pressão de dois ambientes diferentes: um foi o setor empresarial, que alegou ser o projeto um dispositivo para cercear a liberdade de expressão; o outro foi o dos jornalistas de esquerda, os quais acusaram o projeto de não ser amplo o suficiente para incidir nos problemas de comunicação do país.20 José Carlos Torves, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, afirma que a nova tentativa de apresentação do projeto deverá ser adiada para o ano de 2007, fato não ocorrido, tendo em vista as denúncias de corrupção governamental desencadeadas em 2005 e o fato de 2006 ser um ano eleitoral.21 Durante esse período, os sindicatos e associações irão trabalhar o projeto politicamente na sociedade, junto ao Judiciário, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os trabalhadores e os movimentos sociais. No entanto, mesmo necessitando de debate para modificações de pontos vagos, ou considerados inoportunos, a iniciativa deveria ter sido analisada pelo Congresso Nacional, lugar para abrigo da discussão democrática em torno das propostas e do devido encaminhamento. Historicamente, a criação destes Conselhos (no Brasil e no mundo) é resultado da necessidade de defesa dos interesses da sociedade, assim como dos jornalistas, os quais são carentes destes instrumentos para proteger-se contra a manipulação, a omissão de dados e o jogo de lógicas mercadológicas e políticas das empresas midiáticas, que acabam por influenciar na atividade.

Comportamento e mídia

É importante analisar o comportamento midiático quanto ao projeto de lei de criação do Conselho Federal de Jornalismo, com o intuito de perceber como este tópico foi publicizado. Nessa dinâmica, foi estudada a cobertura dada à proposta pelos grandes veículos brasileiros, relativos a jornais impressos, revistas e emissoras de televisão. Tanto a TV quanto a mídia impressa cobriram com determinação os trâmites do projeto, sempre acentuando que o

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Conselho poderia intervir na livre expressão da informação e representaria um retrocesso aos tempos não democráticos. A conduta dos meios de comunicação de massa relativamente à questão foi pouco democrática, na medida em que não dialogou com a sociedade e unilateralmente defendeu a rejeição do Conselho. Na totalidade dos veículos pesquisados, salienta-se a perspectiva de recusa do projeto como praticamente unânime, não colaborando para um debate amplo na sociedade sobre o fato da criação de um conselho fiscalizador da classe profissional jornalística. Diante da fortíssima pressão da imprensa e de emissoras de rádio e televisão, com a colaboração de manifestações unilaterais e opinativas trazidas pela mídia, o projeto foi arquivado pelo Congresso Nacional, fato aplaudido pelos meios de comunicação de massa como uma vitória da sociedade. Isso é retratado em matéria da revista Época: “A derrota do projeto mostra apenas que a sociedade repudia qualquer tentativa de cerceamento à liberdade e de controle de informação”.22 Os veículos pesquisados foram jornais (Zero Hora, Correio do Povo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Correio Brasiliense e Jornal do Brasil), emissoras de televisão (Band, Globo, Record) e revistas (Carta Capital, Veja e Época). O sítio Monitor de Mídia, destinado a pesquisa críticas sobre a mídia, realizou estudo através de clipagem eletrônica dos jornais fornecida pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM). Foi observado o período de seis a 16 de agosto de 2004 em edições de jornais impressos como a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Correio Brasiliense e Jornal do Brasil23. Para o estudo aqui proposto, utiliza-se como base preferencial os dados fornecidos pelo sítio para compor a análise crítica de tais jornais. O espaço eletrônico Monitor de Mídia é um produto de pesquisa científica do curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Sua função é fazer o acompanhamento midiático avaliando criticamente sua cobertura noticiosa. O site é um espaço de análise e crítica de mídia. O jornal Zero Hora de 18 de agosto de 2004 trouxe a colunista Rosane de Oliveira afirmando que o verdadeiro motivo para a rejeição da iniciativa, por parte dos jornalistas, é que esses não poderiam ficar à mercê “de ter o registro profissional cassado por colegas investidos no papel de juiz”, acusando também a Fenaj de ter se pronunciado em nome de toda a classe, quando nem todos foram consultados sobre o assunto.24 No final da reportagem o jornal trata a criação do conselho com desdenho, afirmando que o projeto não iria adiante, pois até mesmo o presidente do partido do governo, José Genuíno, havia sugerido o encerramento da discussão.25 O jornal Correio do Povo utilizou-se de uma opinião partidária para manifestar a sua rejeição ao projeto, a partir da declaração do senador Pedro Simon (PMDB-RS), reiterando que a “Fenaj é um órgão caracterizado pela simpatia ao PT” e que por isso este projeto foi levado a público; segundo ele, essa entidade não possui credibilidade, nem autoridade, para propor algo dessa dimensão.26 O jornal Folha de S. Paulo do dia sete de agosto de 2004 trouxe o mesmo número de opiniões contra e a favor do projeto, sendo que as de teor contrário foram nitidamente evidenciadas pelas edições. O impresso noticioso apresentou argumentos de agentes com vasta representatividade e credibilidade no setor jornalístico, como é o caso de Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), para quem a “Fenaj pariu mal este projeto”, motivo que o levaria a reivindicar no Congresso a sua rejeição.27 Na edição

72 ISSN 1696-2079 Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária do dia posterior, repetidamente foi dado destaque a notícias contrárias ao projeto, vindas de representantes da imprensa internacional, como o presidente da Organização de Ombudsman de Notícias, Manning Pynn, para quem é “terrível” a idéia da criação do CFJ.28 A iniciativa da Folha demonstra sua intenção de certificar aos leitores que as opiniões contra a criação do Conselho também vem de formadores de opinião internacionais, como na publicação do editorial do jornal britânico Financial Times, o qual condena a iniciativa do Governo Lula de enviar o projeto para o Congresso Nacional.29 “A mão sinistra” foi a temática da reportagem veiculada no jornal Folha de S. Paulo no dia oito de agosto, afirmando que a Fenaj havia cometido um equívoco em tentar regulamentar a profissão de Jornalismo.30 Nessa edição a maioria esmagadora dos colunistas apresentou opiniões contrárias ao projeto, de forma bastante radical. O destaque foi Eliane Cantânhede: “Não será um conselho de jornalistas, mas sim, um conselho do PT contra os jornalistas”.31 Nos dados analisados da pesquisa realizada pelo sítio Monitor de Mídia, oito artigos foram publicados nessa edição, sendo que somente um saiu em defesa do projeto, o de autoria do então secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho, exonerado em 30 de novembro de 2004. O jornal salientou em quase todas as matérias que a função do CFJ era “orientar, disciplinar e fiscalizar”, tratando esses preceitos como ditatoriais e omitindo o fato de que todos os conselhos profissionais utilizam-se dessas prerrogativas, o que se constitui em uma ferramenta para que os jornalistas tenham seus direitos assegurados e para fortalecer o direito à informação ética e democrática aos cidadãos.32 Segundo a análise do Monitor de Mídia, o jornal O Estado de S. Paulo, nos 10 dias pesquisados, não apresentou nenhum artigo a favor do projeto. Além disso, selecionou para o espaço de Cartas dos Leitores somente declarações contrárias à proposta, fato que deve ser levado em consideração, já que se trata de um segmento do jornal destinado à participação da sociedade civil, e assim um fortalecedor do grau de identificação dos leitores com o jornal em questão. Na análise decorrida por 10 dias, o sítio informa que o jornal O Estado de S. Paulo publicou três editoriais: “Governo mostra sua fase autoritária”, dia 11 de agosto; “O braço do Dr. Strangelove, no dia posterior; e “A ofensiva do governo contra a democracia”, em 13 de agosto. Nessas edições foram contabilizados sete artigos de jornalistas e colunistas e 21 cartas de leitores: todas, com exceção de duas, manifestaram opiniões desfavorecedoras ao projeto de lei.33 Das 17 matérias analisadas, as opiniões contrarias ao projeto sempre obtiveram maior número. No dia sete de agosto, em dois textos publicados, houve nove opiniões divergentes e somente três em defesa do conselho. Dia 11 do mesmo mês foram manifestadas quatro opiniões contra e nenhuma em defesa do projeto. No decorrer da mesma edição o jornal lançou uma manifestação importante, titulando “Imprensa já é regulada por várias leis” e trazendo o testemunho de dois especialistas, que vão de encontro à proposta.34 Este argumento é persistente nas discussões sobre a regulamentação do jornalismo, visto que, anteriormente, a criação do Código de Ética também sofreu pressões, pois, segundo os descontentes, a profissão já estaria regulamentada pela lei de Imprensa de 1967. No jornal Correio Brasiliense do dia seis de agosto foram monitoradas 17 ocorrências, entre matérias, artigos e cartas de leitores. Logo após o lançamento do projeto para o grande público, o jornal não agiu com tanto estardalhaço quanto os demais veículos,

Redes.Com Nº 6 73 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO demonstrando atitude informativa e trazendo somente uma nota sobre o projeto de lei. No dia seguinte o veículo foi mais tendencioso, revelando somente duas opiniões contrárias ao projeto, nas vozes do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azedo, e do líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). Em 11 de agosto o veículo apresentou duas matérias, a primeira, “Projeto prevê punição”, com duas manifestações divergentes e uma a favor; e a segunda “Oposição quer barrar proposta”, com quatro opiniões contrárias e duas a favor.35 Além disso, apresentou um artigo e um editorial “Projeto antidemocrático”, ambos contra a iniciativa de criação do conselho. No dia 13 de agosto o Correio Brasiliense trouxe duas cartas e um artigo, sendo somente uma a favor do conselho. No dia 14 o jornal apresentou postura diferenciada dos demais veículos, trazendo a opinião do presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, mas posteriormente bombardeou a criação do conselho com duas matérias: “Governo vai retirar a proposta”, com declaração do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, e “Ataque dos pefelistas”, com colocações do deputado José Thomaz Nono (PFL-AL). A edição do dia 15 trouxe um forte debate sobre o tema, com especialistas de diferentes áreas e com o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, além de outros dois artigos, um em defesa e outro contrário ao projeto. Nota-se que a opinião do jornal Correio Brasiliense é contrária ao projeto, mas, no entanto, o veículo cedeu espaço para manifestações a favor. O Jornal do Brasil apresentou quatro matérias sobre o tema. No dia 10 de agosto de 2004, através de opiniões do ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, o jornal redigiu a única reportagem essencialmente a favor do projeto. No dia posterior, a matéria “Criação de Conselho de Jornalismo gera polêmica” apresentou seis opiniões dos leitores, metade contra a criação do Conselho e metade a favor, com colaborações de pessoas ligadas ao governo e assinalando a possibilidade de um debate sobre este.36 Na edição do dia 13, uma matéria compreendeu três opiniões, duas desfavoráveis àcriação do conselho e uma trazendo a manifestação do então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o qual reclamou da falta de diálogo que enfrentara no Parlamento, na tratativa de questões relacionadas ao projeto. O espaço do Jornal do Brasil destinado aos leitores trouxe 33 manifestações, sendo apenas seis em defesa do projeto. Das 13 colunas e artigos publicados, somaram oito manifestações opostas ao Conselho e três aparentemente isentas. As únicas duas vozes em defesa do projeto vieram da tesoureira da Fenaj, Maria José Braga, e da presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Aloisio Soares Lopes.

POSICIONAMENTO E UNILATERIALIDADES

Na observação da mídia televisiva traz-se a analise do Jornal da Band, telejornal apresentado pela de Televisão com 40 minutos de duração (19h30min às 20h10min), dividido em seis blocos com tempos de durações diferentes. No dia seis de agosto o telejornal interrompeu a sua rotina de abertura e apresentou no lugar da escalada (espaço destinado ao anúncio das principais matérias que serão veiculadas no decorrer do telejornal) um editorial de um minuto e dez segundos, referindo-se ao Conselho de uma maneira bastante taxativa e parcial, avaliando o projeto como um instrumento de censura, que “comandaria como

74 ISSN 1696-2079 Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária marionetes” a cultura e a informação do país, e utilizando a expressão “tributo a Stalin” para enquadrar o projeto.37 A Rede Bandeirantes também ocupou mais tempo da sua programação condenando a idéia da criação de um Conselho de Jornalismo no Jornal da Noite, um telejornal diferenciado, apresentado por Roberto Cabrini e comentado por Fernando Mitre, que conta com a participação dos telespectadores via internet e telefone durante os seus 30 minutos de duração. No dia 24 de agosto a emissora relacionou a iniciativa do Governo Federal em apresentar o projeto do CFJ com o polêmico mandato de Getulio Vargas, caracterizado pela Band como ditador, pelas suas ações polêmicas em relação aos poderes e à imprensa, e democrata, pela implementação das leis trabalhistas no país.38 Durante três minutos e quarenta segundos o jornal tratou de ações polêmicas do ex-presidente Vargas em relação à imprensa, seguindo com comentários sobre o Conselho Federal de Jornalismo. No telejornal de maior audiência da televisão brasileira, o Jornal Nacional, principal noticioso da Rede Globo, no dia cinco de agosto foram destinados três minutos e 18 segundos a uma reportagem sobre o projeto do CFJ, declarando que ele havia sido criticado pelos jornalistas, pois teria o objetivo de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão.39 A Rede Record, no Jornal da Record, também do dia cinco de agosto, com apresentação e comentário de , destinou mais de cinco minutos para alertar a população sobre a possibilidade de o país retroceder à censura, se fosse permitida a aprovação do projeto.40 Quanto às revistas impressas do país, a Veja de 18 de agosto de 2004 dedicou ao assunto sua capa e uma reportagem de 12 páginas. No foco da matéria de capa estão demonstradas as medidas de controle da mídia nacional e a abordagem partidária da ação governamental. Intitulada como “A tentação autoritária”, com o subtítulo “As investidas do governo do PT para vigiar e controlar a imprensa, a TV e a cultura”, a matéria de capa se apresenta na cor vermelha, ilustrada com uma estrela, a qual tem no seu interior um olho, vigiando através de uma fechadura localizada no centro da estrela.41 A escolha da revista por tal capa demonstra a intenção que este veículo tem em lincar a criação do Conselho Federal de Jornalismo com uma atitude partidária, já que a estrela remete o leitor ao símbolo partidário mais popular do Brasil, do Partido dos Trabalhadores (PT). Além disso, através do título da capa aborda o projeto do CFJ como uma ação ditatorial, por parte do Governo Federal. A reportagem “O fantasma do autoritarismo” refere-se ao projeto como “o mais sério ataque à liberdade de imprensa” e utiliza simbologias que associam o governo petista ao regime militar, com a ilustração de uma foto do presidente Lula recebendo continência de um militar, tendo como pano de fundo a cavalaria do Exército: sistematicamente a revista Veja mostra um enquadramento de alerta e denúncia da ameaça à estabilidade democrática, seguindo com duros ataques à proposta pela criação do CFJ e opinando ser esta uma tentativa velada de cercear a liberdade de imprensa, para satisfazer “o DNA de alguns petistas”, ainda encruados por ideologias bolchevistas, como se pretendessem “todo o poder aos soviets”.42 Nessa reportagem, a revista ridicularizou o depoimento de Frei Beto, então assessor especial do presidente Lula, que defendeu o projeto e afirmou não se tratar de uma idéia do governo, mas sim dos próprios jornalistas, além de ressaltar que os meios de comunicação estão fazendo um “terrorismo psicológico” para não perder o “monopólio da palavra”.43 Veja desqualificou Beto, afirmando que ele age de acordo com as conveniências, atuando “ora como jornalista,

Redes.Com Nº 6 75 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO ora como assessor de Lula, ora como padre”. Na mesma página a revista manifesta que a essência do projeto pela criação do CFJ transformaria “jornalistas em propagandistas do governo”. Contra os argumentos de que a imprensa necessita de fiscalização, visto que comete tantos erros, a opinião da revista é de que nada mais eficiente do que o julgamento dos leitores, e que para assuntos mais específicos há a Constituição Federal e o Poder Judiciário.44 Citando Marx, a revista argumenta a futilidade de se ter um órgão fiscalizador da mídia. A Fenaj é criticada pela revista, por representar uma fatia pequena dos jornalistas do país, apenas 30%, e pelo fato da maioria da sua diretoria estar afastada do exercício do jornalismo e ser filiada ao PT. A revista apresenta esses dados para melhor certificar o leitor de que o projeto é iniciativa do governo e aliados, no intuito de limitar o exercício da imprensa aos seus interesses. Veja abusa dos testemunhais, apresentando 33 depoimentos, a maioria de políticos, empresários, atores e autores de programas televisivos, além de advogados, um antropólogo, um sociólogo e dois filósofos. Sem exceção, todos os testemunhos foram ferrenhamente contrários à criação do Conselho, sendo alguns de figuras populares e de credibilidade junto à opinião pública, como o jornalista e âncora Willian Bonner, o apresentador do programa de auditório mais assistido na televisão aberta, Fausto Silva, e atores globais como Chistiane Torlone e Miguel Falabella. Para finalizar, a reportagem a revista dedica mais de meia página a comparar a ideologia do governo com o (apontado por ela) ditador Vladimir Ilyich Lenin.45 Na edição da semana seguinte, Veja dedicou, no espaço “Veja Essa”, destinado a frases de agentes sociais sobre assuntos variados, um considerado número de observações para a proposta de criação do CFJ. Foram notadas sete observações sobre o CFJ, todas argumentando que a criação do Conselho foi mais uma atitude inconseqüente e ditatorial do Governo Lula. Nessa mesma edição, em reportagem de duas páginas, a revista faz uma interligação da visita do presidente Lula a “um dos ditadores mais longevos do planeta: Omar Bongo”, dando a entender que esta seria mais uma demonstração do caráter ditatorial do presidente brasileiro.46 Na página 35 a revista utiliza o testemunho do filósofo Dênis Rosenfild, expressão do pensamento conservador, afirmando ser preocupante o fato de o governo poder dominar a mídia. A revista Época de 16 de agosto de 2004 revela também os dois preceitos básicos da crítica da mídia ao projeto, que o governo está tendo uma atitude ditadora, devido ao risco de cerceamento da livre expressão da imprensa, e que esta seria uma tentativa de moldar a grande imprensa aos seus próprios interesses. Este fato é demonstrado na reportagem intitulada como “O risco Autoritário”, a qual traz a mensagem de que “o governo parece flertar com o autoritarismo da China, de Cuba e da ex-União Soviética”.47 A reportagem ressalta também que a Federação Nacional dos Jornalista, criadora do projeto, é filiada à CUT, que, por sua vez é vinculada ao PT, e por isso estaria trabalhando para os interesses do governo. Meses depois de discussões políticas sobre a votação do projeto pela criação do Conselho Federal de Jornalismo, a revista Época de 20 de dezembro de 2004, no espaço Carta do Editor, traz a informação que na quarta feira, dia 15, o Congresso Nacional arquivou a proposta de criação do Conselho, o que prova, segundo a revista, “que a sociedade repudia qualquer tentativa de cerceamento de liberdade e de controle de informação”.48 É importante

76 ISSN 1696-2079 Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária salientar que o arquivamento do projeto se deu através de acordo entre parlamentares, os quais uniram-se pelo veto, em troca da liberação da pauta do Parlamento. A única revista que demonstrou alguma objetividade e manifestou uma postura mais esclarecedora sobre a questão é Carta Capital. No entanto, a publicação também criticou o projeto, ressaltando que este tem muitos pontos “nebulosos” e que teria muita autoridade, na medida em que os conselheiros seriam em número bastante reduzido e sua forma de nomeação pouco clara, elemento apontado nesta pesquisa. Ainda revela o fato que o projeto teria sofrido alterações nos gabinetes do Planalto, comandados por José Dirceu (Casa Civil), ação que aumentaria o poder de punição do Conselho.49 Sendo assim, os meios de comunicação tiveram comportamento unilateral e pouco esclarecedor, com sua função de levar ao debate público as tratativas sociais não sendo cumprida. O princípio da liberdade de expressão, que consiste na livre manifestação de opinião, construído na liberdade de pensar e definir o que lhe é conveniente, foi um direito abafado pela postura midiática, contrariando o artigo nove do Código de Ética e Disciplina, o qual prevê: “divulgar todos os fatos que sejam de interesse público”.50 Tal postura enquadra-se no artigo 10, que posiciona como é antiético “frustar a manifestações de opiniões divergentes ou impedir o livre debate”.51 Para caracterizar a postura da mídia, nesse caso, é necessária a pontuação de vários aspectos, como o já tratado padrão de manipulação “ocultamento”, o qual consiste em escolher um só lado da questão, evidenciado na repetição e desmonte de um único artigo do projeto, o primeiro: “O CFJ e o CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo”.52 Desta forma, não foram tratadas outros tópicos, como a supervisão da carteira profissional de jornalista e melhoramento dos cursos superiores de Jornalismo. A mídia utilizou-se do silêncio para esconder um outro lado importante do debate, que seria a observância do produto jornalístico, relevante de ser analisado, já que trata do legado de informações assimiladas pela sociedade. Houve na abordagem da mídia um deslocamento, pois foi centrado o foco no cerceamento da liberdade de expressão, dispensando o esclarecimento sobre o que seria a criação de um conselho profissional. A mídia formou um cenário contundente, preenchido principalmente por opiniões isoladas e fragmentadas de políticos e atores interessados na questão, por meio do padrão de manipulação abordado, com a inversão do fato, Criação do Conselho Federal de Jornalismo, pela opinião dos órgãos de imprensa, cerceamento da liberdade de imprensa. Este comportamento levou a “população à condição de excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade real e induzida a consumir outra realidade, artificialmente inventada”.53 Dessa maneira, aos cidadãos não foram dados os subsídios necessários para a realização de um debate, que, por conseqüência, traria a formação de opinião e, dessa forma, o exercício da democracia. A mídia apresentou à sociedade a criação do Conselho Federal de Jornalismo através de opiniões moldadas em padrões de manipulação, como por exemplo, a inversão do fato enquadrada nos moldes do “frasismo”, identificado no uso repetitivo da expressão “cerceamento de liberdade”, utilizada massivamente pelos meios de comunicação, o que acarreta uma fixação por parte dos receptores de que o fato gira em torno somente do risco da iniciativa da Fenaj, considerada ditatorial. Sendo assim, a objetividade, reconhecida como a melhor via para levar uma informação a público e colaborar com o debate social, foi totalmente sucumbida, já que a

Redes.Com Nº 6 77 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO opinião unilateral compôs o cenário da temática pela criação do Conselho, subjugando assim os leitores a uma única opinião, manipulada. Visível é a necessidade de elaboração de órgãos que regulamentem, supervisionem e criem mecanismos de controle externo dos meios de difusão jornalística, para que estes não se tornem ditatoriais, midiatizando a partir de acordos restritos a seus próprios interesses. Se houvesse um conselho ético no país, certamente a cobertura da mídia sobre o caso em estudo neste texto seria condenada.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

É importante salientar que a criação de um Conselho não colocaria a imprensa totalmente à mercê desse órgão, pois, perante qualquer abuso que pudesse vir a ser cometido, as empresas jornalísticas recorreriam à Justiça, já que cabe ao Poder Judiciário a revisão do todo o procedimento humano contestado. Além, disso o não cerceamento do jornalismo é garantido no parágrafo primeiro do artigo 220, do texto constitucional brasileiro: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.54 Na verdade, o que as empresas midiáticas querem é plena autonomia e nenhuma obstrução para agir de maneira totalmente livre, exemplo disso é a liberação do diploma para a profissão. É percebido que o projeto pela criação do Conselho Federal de Jornalistas carecia de correções, como é a regra, devendo ser debatido e modificado. O caminho, portanto, seria aprimorá-lo, já que como toda a iniciativa, seja do Executivo ou do Legislativo, tem que ser trabalhada e levada ao debate público, que nesse caso foi enormemente precário. Jornalistas não estão acima dos demais cidadãos; necessitam de limites, de mecanismos de controle social de suas atividades. Isso não é censura, é permitir que o público acompanhe efetivamente o trabalho jornalístico. Embora os conselhos profissionais não tenham a tradição de ter entre seus representantes componentes da sociedade civil, por se tratar de informação, talvez esse conselho pudesse abrir espaço para a representatividade cidadã entre seus membros. O Brasil, em consonância com sua recente e ainda curta experiência democrática, precisa de um jornalismo ético, crítico e de qualidade, capaz de contribuir para uma esfera pública plural e democrática, onde o exercício da cidadania seja garantido a todos os segmentos sociais. O Conselho Federal do Jornalismo é uma demanda não só dos jornalistas que querem valorizar a sua profissão e defender-se das influências que estão sofrendo de seus empregadores, mas também de toda a sociedade brasileira. Um conselho, por mais que represente tal importância, está longe de ser a única providência que pode ser tomada para a melhoria do exercício do jornalismo no Brasil. O fortalecimento da mídia comunitária, educativa e universitária, assim como um fundo de apoio a esses projetos alternativos, seria uma maneira de construir um panorama jornalístico nacional mais pluralista. Este conselho seria um mecanismo que contribuiria para o desenvolvimento e discussão democrática, além de nele se compreender uma mediação entre os profissionais de jornalismo e a mídia. Antes de ser um instrumento apenas de punição e cerceamento da liberdade para trabalhar, a regulamentação das profissões foi criada justamente para, num só tempo, colocar os interesses da sociedade em primeiro lugar e garantir que profissionais devidamente habilitados e fiscalizados exerçam as tarefas que os cidadãos, através do Parlamento, consideram necessitadas de um tratamento diferenciado.

78 ISSN 1696-2079 Conselho Federal de Jornalismo: uma corporação necessária

A regulamentação proposta pelos jornalistas há anos e posteriormente incorporada como projeto de lei pelo Governo Lula foi, portanto, uma tentativa de proteger a sociedade contra os maus jornalistas e contra os interesses das empresas de comunicação, que lutam ferrenhamente contra qualquer tipo de controle ético e fiscalização, justamente porque desejam permanecer como um quarto poder, que verdadeiramente não são, na medida em que a população não as outorgou nenhum poder, a não ser ela própria. Mais uma vez os interesses dos empresários midiáticos predominaram, visto que a tentativa para a criação do Conselho Federal de Jornalistas foi reprovada por parlamentares.

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Notas

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Redes.Com Nº 6 81 Valério CRUZ BRITTOS · Paola MADEIRA NAZÁRIO

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