LEONARDO CORDEIRO ZANON

MÍDIA E DISCURSO: UM ESTUDO DO DISCURSO DA VEJA SOBRE O FUNK CARIOCA

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo - SP, 2009

LEONARDO CORDEIRO ZANON

MÍDIA E DISCURSO: UM ESTUDO DO DISCURSO DA VEJA SOBRE O FUNK CARIOCA

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves.

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo - SP, 2009

FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação Mídia e Discurso: um estudo do discurso da Veja sobre o Funk carioca, elaborada por Leonardo Cordeiro Zanon, foi defendida no dia _____ de ______de 2009, tendo sido:

( ) Reprovada

( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.

( ) Aprovada

( ) Aprovada com louvor

Banca Examinadora: Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves – UMESP ______

Prof. Dr. Herom Vargas – UMESP ______

Prof. Dr. Edson Leite – ECA/USP ______

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação Especializada

Agradeço a Deus pela força e dedicação para a busca incessante de mais este projeto em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me dado força e determinação para finalizar este projeto.

Aos meus pais, que sempre me apoiaram nas decisões que tomo e me encorajam a crescer espiritual e mentalmente.

À minha orientadora, que apesar da minha distância, teve paciência e entendeu as minhas necessidades e dificuldades para realizar o término desta pesquisa.

À Carla, que está ao meu lado me guiando, sempre com foco no crescimento e no desenvolvimento de minha vida.

Ao meu amigo Rogério, que esteve ao meu lado, dividindo as mesmas angústias e preocupações em relação ao mestrado.

Aos componentes da banca, pela atenção e disponibilidade em analisar este projeto de forma carinhosa, com o intuito de acrescentar ao meio acadêmico mais uma pesquisa e conhecimento para o desenvolvimento dos acadêmicos.

À todos que neste momento torcem pelo sucesso de mais este projeto.

Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão, perder com classe e viver com ousadia, pois o triunfo pertence a quem se atreve, e a vida é muito bela para ser insignificante.

Charles Chaplin

RESUMO

O trabalho aborda a Revista Veja, publicação da editora Abril, com o objetivo de identificar qual o discurso utilizado nas matérias que abordam o funk carioca como tema. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com perfil descritivo, na qual as teorias da Análise de Discurso da linha francesa foram utilizadas como subsídio para análise. O corpus é composto por um recorte baseado em sete reportagens da publicação. Verificou-se que o funk carioca é relacionado com sexualidade e consumismo e a revista utiliza um discurso autoritário para impor as diferenças de classes sociais dos participantes do gênero e dos leitores da publicação, além da busca por denegrir a imagem do funk carioca, opinando e utilizando a ironia.

Palavras-chave: Discurso, linguagem, mídia, funk, Veja.

RESUMEN

El trabajo aborda la Revista Veja, publicación de la editorial Abril, con el objetivo de identificar cual es el discurso utilizado en las materias que abordan el funk carioca como tema. Se trata de una investigación cualitativa, con perfil descriptivo, en la cual las teorías del Análisis de Discurso de línea francesa fueron utilizadas como subsidio para el análisis. El corpus es compuesto por un recorte basado en siete reportajes de la publicación. Se verificó que el funk carioca es relacionado con sexualidad y consumismo y la revista utiliza un discurso autoritario para imponer las diferencias de clases sociales de los participantes del género y de los lectores de la publicación, además de la busca por denegrir el imagen del funk carioca, opinando y utilizando la ironía.

Palabras-clave: Discurso, lenguaje, media, funk, Veja.

ABSTRACT

This paper approaches Veja Magazine, publication of the publishing company Abril, with the objective of identifying which speech is used in articles that approach the funk from Rio de Janeiro as subject. It is a qualitative research, with a descriptive profile, in which the French line theories of Speech Analysis were used as subsidy for analysis. The corpus is composed of a clipping, based on seven news articles of the publication. It was verified that the funk from Rio de Janeiro is related with sexuality and consumerism and the magazine uses an authoritarian speech to impose differences between the social classes of the ones that enjoy it, and the readers of the publication, besides, the magazine looks for denigrate funk’s image, giving opinions and using irony.

Key words : Speech, language, media, funk, Veja

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ______111 CAPÍTULO I - O FUNK CARIOCA E SUA HISTÓRIA ______188 1.1 O Começo ______188 1.2 No Brasil ______19 1.3 A criação do funk______192 1.4 Seus expoentes ______288 1.4.1. DJ Marlboro ______288 1.4.2. Latino ______333 1.4.3. Funk romântico ______344 1.4.4. Tati Quebra Barraco______366 1.4.5. Outros expoentes ______377 1.5. Caso Tim Lopes e o funk proibidão______377 1.6 O funk carioca atualmente ______388 1.7 A mídia ______422 1.8. Funk carioca e o cons umo ______444 1.9. Sua relação com o sexo ______49 1.10 A lei que rege os bailes ______511 CAPÍTULO II – LINGUAGEM E DISCURSO ______533 2.1 Tipos de discursos ______566 2.2 Poder do discurso______59 2.3 Estudos culturais ______633 2.4 Jornalismo ______655 CAPÍTULO III – VEJA E A EDITORA ABRIL______688 3.1 Editora Abril e revista Veja ______688 CAPÍTULO IV – ANÁLISE DISCURSIVA DAS MATÉRIAS SELECIONADAS DE VEJA __ 733 Análise 1 ______766 Análise 2 ______79 Análise 3 ______811 Análise 4 ______844 Análise 5 ______89 Análise 6 ______922 Análise 7 ______944 Considerações finais______977 Referências Bibliográficas ______1011 Anexo 1-Tabela da contabilização______1055 Anexo 2-Tabela da contabilização dos operadores argumentativos______1066 Anexo 3-Sete matérias analisadas ______1077

Anexo 4-Sete matérias selecionadas e que não foram analisadas ______1088

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INTRODUÇÃO

Mesmo hoje, a quatrocentos anos da época moderna, a música não deixou de ser uma expressão natural, subordinada à eficiência cultural do povo. Com isto não queremos, contudo desclassificar a música como instrumento de comunicação. Pelo contrário, a música pela sua dimensão natural, cósmica, pode reconstruir um contacto insubstituível, é básica para a vida humana e nesse sentido preparatória para uma cultura. (MARTINS, 1978, p. 20 e 21)

A música e todos os estilos embutidos no seu contexto estão relacionados ao modo de pensar, de agir, de se relacionar com o próximo e, inclusive, determinar grupos que sigam o mesmo objetivo e gênero. O funk carioca, apesar de ser um gênero musical e um movimento social brasileiro contemporâneo, conta com influências antigas, até mesmo de ritmos criados em outros países e pelos escravos que habitaram o Brasil. As danças e coreografias sensuais e as letras com duplo sentido fizeram dos moradores dos morros cariocas e de alguns jovens das classes média e alta os principais consumidores e participantes. As influências norte- americanas auxiliaram na criação do gênero, com foco nas letras e no ritmo. As danças e o modo sensual de se vestir e de dançar não são modernos. Em meados do século XVIII, os africanos trazidos ao Brasil para serem escravos, possuíam cantos e danças típicas de seus países. O Lundum (também conhecido como Londu, Lundu ou Landu) era uma dança que fazia com que seus participantes utilizassem em demasia os quadris, com movimentos acentuados de umbigadas. Deste modo, utilizando-se de uma busca histórica pela cultura nacional inserida em um gênero recente, para realizar uma análise deste movimento por meio da mídia, o veículo escolhido para uma análise discursiva e levantamento de como os meios de comunicação abordam o funk carioca foi a revista semanal Veja, publicada pela Editora Abril. Veículo impresso semanal de maior circulação no Brasil, com aproximadamente um milhão e duzentas mil revistas impressas semanalmente, é a terceira publicação mais lida do mundo, atrás somente das norte-americanas Time (com tiragem semanal de 3,4 milhões)1 e Newsweek (com 2,6 milhões de exemplares)2.

1 Dados retirados do site Observatório da Imprensa. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id_blog=2&id=29B1E1E2-B3BE-47F2-8EF8- 16CE60B77A58, consultado no dia 25 de janeiro de 2008. 2 Dados obtidos no site , consultado no dia 25 de janeiro de 2008.

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Por meio das publicações, os jornalistas transcendem um mundo real com informações factuais. De acordo com as premissas básicas do jornalismo, todos os textos deveriam trazer somente informações verdadeiras. Assim, tanto a revista Veja como qualquer outro veículo de comunicação devem conter em suas matérias (exceto em casos explícitos como editoriais ou artigos) conteúdo com dados opinativos, evitando apontamentos preconceituosos sobre qualquer assunto. O posicionamento de um jornalista é tão marcante que seu papel na sociedade ganha destaque, principalmente por ter como função profissional transmitir os acontecimentos de forma clara e objetiva. É assim que a língua se transforma no mastro principal da transgressão comunicacional, já que uma pessoa tem a capacidade linguística de transmitir à outra o que está acontecendo em determinado momento. “Cada texto pressupõe um sistema compreensível para todos – uma língua. Se por trás do texto não há uma língua, já não se trata de um texto, mas de um fenômeno natural” (BAKHTIN, 1997, p. 331). Apesar de seu posicionamento perante a sociedade e da premissa de sua profissão, por meio da análise de discurso é possível averiguar que os jornalistas da Veja não informam seu público de forma meramente informativa. Para Bakhtin (1997), não há textos puros, ausentes de opinião. Similarmente trata da questão Orlandi (2000, p. 22); para ele a linguagem não é inteira e nem precisa. Sua única singularidade é que cada escrita, cada texto, é uma criação ímpar, produzida pelas posições ideológicas do processo em que são feitas.

Um sistema de signos (ou seja, uma língua), por mais reduzida que seja a coletividade em que repousa sua convenção, sempre pode em princípio ser decifrado, isto é, pode ser traduzido noutro sistema de signos (noutra língua); por conseguinte, existe uma lógica comum a todos os sistemas de signos, uma língua potencial única, uma língua das línguas [...]. Um texto, (diferentemente da língua enquanto sistema de recursos) nunca pode ser traduzido até o fim, pois não existe um texto dos textos, potencial e único (BAKHTIN, 1997, p. 333).

As reportagens, que são realmente transmissoras de informações factuais têm o intuito de relatar de uma forma explicativa um acontecimento ou uma situação. Mesmo não existindo textos puros, porém, o abuso de certas palavras, que pode ocorrer de forma inconsciente, influencia de forma positiva ou negativa o leitor, tornando o texto opinativo. Ao analisar a revista Veja, verificou-se a utilização da linguagem opinativa em quase todas as matérias expostas. Como afirma Bakhtin (1997), não há um “texto dos textos”, ou seja, ele pode ser analisado, mas não traduzido de forma total similar, modificando assim o entendimento e objetivo central.

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A reportagem é o relato objetivo e imparcial de um acontecimento ou situação. Do ponto de vista técnico, diferencia -se da noticia: esta apóia -se quase exclusivamente em fatos nucleares, isto é, em pontos principais; a reportagem extrapola a noticia, amplia a informação, detalha o acontecimento e acrescenta ao corpo da matéria um contexto explicativo. (REGO, 1987, p. 133)

Deste modo, é de total importância durante a produção de uma reportagem ou matéria que as informações que estão contidas ali sejam o relato fiel do ocorrido, seguindo os preceitos jornalísticos. Apesar das réplicas existentes em cima de cada produção textual, há um ideal essencial que faz com que, a partir desta, inúmeras possibilidades sejam produzidas. Entretanto, Bourdieu (2002) critica a ênfase nesta produção direcionada ao coletivo, pois acredita que isto reduz a qualidade da criação. Seguindo a linha de raciocínio deste autor, por isso que diariamente verifica-se a preocupação e a criação de veículos que são destinados à certo grupo de pessoas com características extremamente semelhantes, como a criação de meios segmentados (revistas de aviação, de moda, de esporte, etc.). Assim, escolheu-se o funk carioca como objeto para se estudar a revista Veja. Esse movimento social, que nasceu no subúrbio carioca por influência de ritmos e ideais norte- americanos, foi criado por pessoas da periferia com poucas condições sociais. O gênero musical se contrapõe ao estilo musical que o leitor da revista costuma ouvir 3, e por isso a revista mostra preconceito para com o funk carioca e seus frequentadores. A pesquisa em vigor teve como finalidade verificar como foi construído o discurso existente nos textos da revista Veja sobre a temática funk, utilizando-se de sete matérias, considerando desde a primeira matéria publicada (1988) até a última reportagem (2006) sobre o assunto; verificou-se se elas possuem consistência opinativa ou informativa e a partir daí, foi averiguado de forma específica como estes discursos foram criados. Deste modo foi possível testar algumas hipóteses:

1- A revista Veja traz em seu conteúdo editorial uma carga notória de preconceitos sobre assuntos que não são de interesse imediato ao seu leitor. A distinção entre classes é o fator de realce nos textos. 2- O discurso da revista Veja para com o funk carioca sempre é construído de forma opinativa, envolvendo temáticas do cotidiano como violência, sexo e pobreza.

3 Verificaremos no Capítulo III um perfil dos leitores da revista Veja

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O que motivou a realização desta pesquisa foi a necessidade de transparecer as formas discursivas em que alguns jornalistas e veículos transmitem a informação dos acontecimentos, já que estes são formadores de opinião pública Além disso, o funk carioca saiu dos subúrbios carioca e foi reconhecido em festivais no exterior, principalmente com o DJ Malboro4, principal nome do gênero e citado posteriormente em algumas das matérias (ver em análise). A potencialidade do gênero na sociedade é endossada por Sá (2007), já que

das apropriações realizadas na cidade do Rio de Janeiro de um ritmo globalizado, como vimos, o funk carioca cria uma linguagem própria e inventa-se como gênero. A partir daí, novas apropriações realizadas por músicos da esfera global, (...) vão legitimá-lo e re-significá-lo, ampliando seu alcance para além da periferia carioca e permitindo novas articulações de sentido que neste momento ganham o mundo. (SÁ, 2007, p. 13)

É assim que o funk carioca deixa de ser apenas um ritmo e se torna um gênero com poder de movimento mercadológico e econômico, por ser consumido principalmente nos setores de moda e lazer. Assim, no primeiro capítulo é possível conhecer a história do funk e suas origens, quais são as influências brasileiras e norte-americanas, o desenvolvimento no Brasil, as pessoas que ganharam fama através dele e suas ligações. Além disso, é possível conhecer qual a relação do movimento com a moda, seu aparecimento constante em programas de televisão e o ensejo de sensualidade. No segundo capítulo há de forma explicativa as teorias inseridas nesta pesquisa para a realização de uma análise mais precisa dos recortes. Assim, é retratada a análise de discurso (AD) e algumas de suas ferramentas (operadores argumentativos e verbos de opinião) com base para a conclusão e definição do projeto proposto. Tratamos o funk carioca inserido nos estudos culturais, sistema no qual deve ser inserido, além da estrutura básica do jornalismo em relação às reportagens de veículos impressos. No terceiro capítulo há uma síntese do histórico da Editora Abril e da revista Veja. Por fim, no quarto capítulo, é realizada a análise das sete reportagens escolhidas, com foco no texto e nas imagens dispostas.

4 Histórico do DJ Malboro encontra-se disponível no Capítulo I deste trabalho.

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Metodologia

Foram escolhidas sete matérias da revista Veja para configurar o corpus desta dissertação. A publicação ganhou destaque por ter atualmente tiragem de aproximadamente um milhão e duzentos mil exemplares (de acordo com o site oficial da editora), chegar a todo o território brasileiro e ser a terceira maior revista em tiragem do mundo. Os concorrentes diretos no Brasil (revista Época, da editora Globo; revista Isto É, editora Três; e revista Carta Capital, da editora Carta) haviam participado do processo de qualificação deste trabalho. Entretanto, em pesquisas mais consistentes realizadas nestes meios, descobriu-se que não havia conteúdo suficiente para uma análise temporal (poucas reportagens de cada uma sem ter menção à realidade e ao funk carioca) e física (textos). Então, foram selecionadas as matérias da revista Veja de acordo com sua relevância histórica dentro da sociedade. A pesquisa foi feita em todas as edições da publicação, desde a primeira edição da revista (11 de setembro de 1968) até a veiculada em 31 de dezembro de 2008, totalizando no período 354 matérias que tem o funk carioca como tema central, secundário ou citação. Como não há uma data concreta e exata sobre o surgimento deste gênero, a escolha foi selecionar todas as revistas publicadas de Veja para se ter certeza de qual seria a primeira matéria que fizesse a abordagem sobre o assunto. Todas as matérias foram analisadas respeitando os critérios da análise de discurso5 na busca de reconstruir as falas de certo momento histórico, relacionando-o com o linguístico e com a ideologia. Verificaram-se assim suas relevâncias histórico-sociais (se o funk estava no auge, se o músico/DJ em questão estava em evidência). Foram retiradas 14 reportagens do conteúdo da revista Veja (ver anexo), das quais o funk obteve pelo menos uma página inteira de destaque na revista. Dentre essas, fez-se uma seleção mais rigorosa de acordo com os seguintes critérios:

- primeira matéria publicada na revista com o tema funk carioca como reportagem principal, inserido no contexto ou como citação;

- matérias da seção Perfil, devido à importância da exposição da imagem do personagem exposto;

5 Anexo, tabela explicativa com a relação dos operadores argumentativos e os verbos de opinião utilizados para realizar as análises das reportagens selecionadas.

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- matérias que relacionassem o funk carioca com sexualidade e moda; - última matéria publicada na revista com o funk carioca, tanto como reportagem principal, inserido no contexto ou como citação:

Matéria 1 – “Reino da dança”, do dia 11 de maio de 1988. Matéria 2 - “O homem que faz o Rio dançar”, do dia 22 de maio de 1996. Matéria 3 - “Funkeira-objeto”, na edição 1686 da revista, do dia 7 de fevereiro de 2001. Matéria 4 - “Engravidei do trenzinho”, do dia 28 de março de 2001. Matéria 5 – “Todo mundo ainda vai ter uma”, do dia 30 de junho de 2004 Matéria 6 – “Pancadão neles”, do dia 22 de setembro de 2004 Matéria 7 – “Funkeira, encrenqueira, barraqueira”, do dia 13 de dezembro de 2006

Verificando a linguagem como um meio para persuadir o leitor por meio dos mais diversos textos na mídia impressa, a Análise de Discurso foi a metodologia de pesquisa selecionada para referência entre a ideologia perene do veículo, seu profissional e o leitor. Paralelamente, faz-se necessária uma pesquisa descritiva, para analisar e correlacionar fatos e fenômenos sem manipulá-los, uma pesquisa bibliográfica do material utilizado como corpus, de reportagens inseridas em outros veículos de comunicação para a captação de dados adicionais, além de livros e teses que deram subsídio para realizar a análise do discurso e o histórico necessário do funk carioca. As demais publicações que seguem uma linha editorial e de comercialização similar estão dispostas em um universo de concorrência. Somente com novos argumentos de auto- valorização são capazes de evidenciar a singularidade junto aos anunciantes e, principalmente, ao seu público. Assim, por meio da leitura e das duas extremidades, que são o veículo e o leitor, cria-se o contrato de leitura. Similar a uma marca, o meio tem o dever de administrar a ligação, fazendo-a evoluir.

Na análise textual a partir das marcas linguísticas, assim como os verbos anteriormente citados, os operadores argumentativos, elementos gramaticais, como preposições e conjunções, igualmente atuam no sentido de levar à identificação da formação discursiva a que os textos estão vinculados. Tais elementos no texto têm a função de orientar para determinada leitura, valorizando, por exemplo, uma informação em detrimento de outra, como é caso da conjunção adversativa ‘mas’ que, ao ser inserida em um contexto, carrega, além do sentido de adversidade, também uma valorização, por parte do locutor, da proposição ou do elemento com o qual está mais diretamente vinculado. (GONÇALVES, 2007, p. 8)

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Assim, este contrato proposto por Verón (2005) tem como objetivo verificar o modo que a imprensa constrói de forma marcante e longínqua as reportagens, que inclui textos, gráficos, ilustrações etc., sempre atrelado ao desenvolvimento sociocultural de uma sociedade, já que ele assinala a presença do extra-discurso. Basta saber se as estratégias serão aceitas pelo leitor, pois os textos não surgem em um universo discursivo, mas fazem parte de uma organização de redes pela sequência ou pela contra posição. Essas matérias não foram escritas pelo acaso, mas geradas depois das reuniões de pauta, decorrente a um acontecimento, comportamento e, principalmente, à cultura social que apresenta mudanças constantemente. O texto não é um objeto impossível de conter palavras neutras. Entretanto, o jornalista tem o poder de controlá-las tornando o texto informativo incluindo opiniões próprias ou para o veículo para o qual trabalha.

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CAPÍTULO I - O FUNK CARIOCA E SUA HISTÓRIA

1.1 O Começo

A música é evocada pela paisagem, pelo romântico e pelo gosto. Ora, se nós dizemos que a musica é típica de um povo, então estamos nos referindo principalmente ao lado subjetivo desse povo, aos seus ideais vagos particulares, quer individuais e subjetivos quer intersubjetivos. (MARTINS, 1978, p. 21)

O funk tocado nas emissoras de rádio do Brasil, e que pode ser intitulado de funk carioca6, nasceu de um processo de fusões entre gêneros musicais estrangeiros, provenientes, principalmente, dos Estados Unidos. Em meados das décadas de 1930 e 19407, a população negra norte-americana moradora em fazendas e que trabalhava basicamente com agricultura na região sul do país, começou a migrar para os centros urbanos do norte dos Estados Unidos. Com esta mudança, os ritmos8 criados foram se espalhando por todo o território. O blues, apresentado de forma rústica ao chegar às metrópoles, ganhou novas versões, inclusive com a utilização de guitarras elétricas. Os Estados Unidos viviam uma fase crítica após a Guerra Civil Americana (também conhecida como Guerra de Secessão), que ocorreu entre os anos de 1861 e 1865. O embate foi entre os onze estados localizados ao sul do país, latifundiários e defensores da escravidão, contra os estados industrializados do norte, onde a prisão dos escravos não tinha tanto significado. Após a derrota e a vitória do exército do norte, a discriminação contra os negros aumentou com a criação, em 1866, de uma organização secreta chamada Kun Klux Klan (na cidade de Pulaski, Tennessee). Esta pregava o racismo, a fé cristã protestante, a fidelidade conjugal, o etnocentrismo e, principalmente, a democracia somente aos brancos. Durantes as décadas de 1930 e 1940, parte da população negra começou a migrar das fazendas do sul para os grandes centros urbanos do norte dos EUA. O blues, até então uma música rural, ganhou a incorporação de guitarras elétricas, produzindo o rhythm and blues.

6 O nome funk carioca se separa dos outros tipos de funk tocados em outros países, pois ganhou ritmo e cultura própria, como será visto a seguir. 7 Informações históricas foram retiradas das publicações O baile funk carioca: festas e estilos de vida Metropolitanos (1987) e Do samba ao funk: música e globalização no Rio de Janeiro do século XX. (2003), ambos do antropólogo Hermano Vianna; Batidão. Uma história do funk (2005), de Silvio Essinger; e Abalando os anos 90 – funk e Hip Hop (1997), de Micael Herschamann. 8 Ritmo – descrição no capítulo III.

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Mesmo com este embate entre raças, o blues conquistou os jovens brancos, que acabaram por assumir o ritmo, as vestimentas, o modo de agir e até de tocar, evoluindo o gênero e criando outra cultura musical: o rock. Dentre os principais expoentes está o cantor solo Elvis Presley, que produziu 150 álbuns e singles9, vendendo mais de um bilhão de cópias10. Além do rock, outros ritmos surgiram a partir do blues. Entre eles está o soul, que é a mistura do blues com a música gospel (tocado em igrejas protestantes). Os principais nomes foram James Brown, Ray Charles e Sam Cooke. Sua criação serviu como elemento para o movimento de direitos civis e para a conscientização dos negros norte-americanos durante a década de 60. Entretanto, a partir de 1968, a ideologia presente no soul começa a se perder, tornando-se um produto meramente comercial, como cita Vianna em seu estudo antropológico sobre o público e o baile funk:

Em 1968, o soul virou sinônimo de black music , perdeu sua entonação partidária, se tornando comercial. Foi nessa época que surgiu a gíria funky (webster dictionary – foul-smelling, offensive) deixou de ter um significado pejorativo, quase um palavrão, e começou a ser um símbolo de orgulho negro. Tudo pode ser funky: uma roupa, um bairro da cidade, o jeito de andar e uma maneira de tocar música, que ficou conhecida como funk. (VIANNA, 1987, p. 46)

Enquanto o soul agradava a maioria branca, o funk empregava ritmos mais marcados e arranjos mais agressivos. A gíria funky era usada pelos músicos do soul que queriam adjetivar um modo de agir, descrevendo algo com mais sensualidade. As principais bandas norte- americanas da época e que utilizavam este ritmo eram os Commodores, Lakeside, The Gap Band, Instant Funk e o Funkadelic.

1.2 No Brasil

Nas principais praias da Zona Sul do Rio de Janeiro, como Copacabana e Ipanema, a bossa nova e o samba-jazz eram os gêneros mais ouvidos durante os anos 1960. O rock também estava presente em outras regiões da cidade com Elvis, Chuck Berry, Little Richard e Beatles. Entretanto, na periferia fluminense o som mais ouvido nos bailes locais era

9 Single é o nome dado ao disco que cantores e bandas gravam com uma música. Esta geralmente é utilizada comercialmente para o lançamento do novo disco. 10 Números divulgados pela AFP (Agence France Presse), em agosto de 2007. Site Universo Online, seção Música. http://musica.uol.com.br/ultnot/afp/2007/08/13/ult280u1477.jhtm. Data de acesso em 21/4/2009.

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justamente uma mistura entre rock e samba (nesta época, o samba já era um gênero consolidado), feito por bandas como Brasil Show e Copa 7. Essas apresentações ocorriam regularmente em clubes ou em quadras de escolas de samba, com a presença quase que somente de negros e mestiços. Um dos principais clubes para a história do gênero e da cultura funk foi o Renascença, criado justamente para reunir a comunidade negra com o intuito de aumentar a auto-estima e buscar a ascensão coletiva. Todavia, o clube recebeu durante os primeiros anos grupos de samba e peças teatrais. Em 1970, Asfilófilo de Oliveira Filho, conhecido como Filó, realiza um trabalho de conscientização para o combate da doença de Chagas nas comunidades mais carentes do Rio de Janeiro. Anexo às palestras que promovia, exibia filmes sobre jazz, cedidos pelo Instituto Cultural Brasil-Alemanha. Durante estas, ele percebeu que as pessoas presentes se empolgavam com o ritmo norte-americano. Como recebera meses antes a incumbência de criar e montar uma festa para jovens no Renascença, durante as tardes de domingo, resolveu utilizar a música negra que fazia sucesso nos Estados Unidos. Em paralelo e na mesma época, também no Rio de Janeiro, Newton Duarte era um menino que tinha o costume de utilizar o dinheiro que recebia do pai para adquirir LPs11, muitos deles comprados em São Paulo, em viagens secretas que realizava sem a permissão da família. Fã dos Beatles e atento às novidades da música pop, ganhou a oportunidade de programar sequências musicais na rádio Tamoio, em 1964, quando tinha 18 anos. O jornalista Reinaldo Jardim observou a potencialidade musical de Duarte e o apelidou de Big Boy. Para se comunicar com os jovens, criou os primeiros bordões e rimas dentro de um grupo de pessoas, mesclando a música de um DJ12 e as frases de um MC13. Foi ele quem lançou a primeira música de James Brown no Brasil. Da emissora, Duarte passou a comandar bailes, como alguns que ocorreram no Canecão, estabelecimento localizado no bairro nobre do Botafogo. Criou os Bailes da Pesada, utilizando toca-discos e jogo de luzes (antes as festas eram animadas por um aparelho de som e alguns vinis), tocando rock e soul. Do Canecão, partiu para realizar bailes no subúrbio do Rio de Janeiro. Big Boy conseguiu atrair admiradores pelo seu trabalho, como Oséas Moura dos Santos, jovem negro e morador do subúrbio carioca. Apaixonado por rock, começou a trabalhar como operador de palco. Em 1969, por conta própria, iniciou sua produção de

11 LP é conhecido no Brasil como disco de vinil, utilizando-se de um toca-discos para ter funcionamento. 12 DJ é uma palavra inglesa que significa disc-jóquei. 13 MC significa mestre de cerimônia. O mesmo que comanda a festa com músicas e discurso.

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discos. Certa vez, junto a sete amigos, idealizou um projeto em que só tocaria soul, principalmente com músicas de James Brown, voltado exclusivamente para a comunidade negra (Big Boy revezava durante seus bailes mesclas de soul com rock). Antes da primeira apresentação e da inauguração do projeto, os amigos o abandonaram, fazendo-o se arriscar de forma solitária. Este, que foi o primeiro baile “black carioca”, além de tocar as músicas de alguns discos, acabou tornando Santos o primeiro MC (mestre de cerimônia), pois ao mesmo tempo em que estava no comando do som, entoava algumas conversas com os convidados. O MC tem como objetivo realizar a apresentação, mas também se mostrar presente junto ao público. Com o tempo, o projeto de Santos ganhou espectadores, com o aumento do público nos bailes em que realizava. Durante esta época, alguns negros brasileiros que estavam nos Estados Unidos voltaram e resolveram criar a própria soul brasileira. Foi o caso de Sebastião Rodrigues Maia, conhecido como Tim Maia, reconhecidamente como um dos principais nomes do gênero. Foi nesta época, no começo dos anos 1970, que nasceram as primeiras equipes de som, como a Soul Grand Prix. Ela foi a pioneira em se apresentar em vários lugares ao mesmo tempo, contando com um número representativo de DJs. Foi durante esta expansão dos profissionais e dos bailes que o mercado começou a se estruturar musical e administrativamente, além do marketing de publicidade, pessoal e visualmente, como foi o caso da utilização de dançarinos, luzes e chuva de filipetas durante as apresentações. Foi durante este início do soul e do funk que surgiu um dos principais personagens do mercado musical brasileiro. Rômulo Artur Costa, mineiro que trabalhou no Bonsucesso Futebol Clube, analisava os shows de bandas de rock, além das apresentações de soul e dos DJs que ocorriam na sede do clube. Surgiu uma vaga, indicada por um amigo, para trabalhar na Furacão 2000, equipe de som residente da cidade de Petrópolis, interior fluminense, do então empresário Gilberto Guarany. Nesta época, esta empresa continha somente bandas de rock contratadas, que excursionavam na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Quando iniciou seu trabalho na Furacão 2000, Costa começou a sublocar o equipamento da própria empresa para fazer shows na capital e se apresentar somente para o público negro nos subúrbios. O sucesso fez com que ele em pouco tempo fosse sócio da empresa. Com a alta do soul na cidade do Rio de Janeiro e a procura incessante por equipamentos fez com que ele se tornasse dono da equipe de som. Em meados de 1970 o número de equipes havia aumentado. Assim, ocorreram alguns festivais para incentivar os músicos, como é o caso do Primeiro Encontro dos Blacks, no qual

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cada DJ utilizava seu equipamento. Outro desenrolar do crescimento instantâneo foi o lançamento de LPs personalizados dos bailes. Enquanto isso, nos Estados Unidos, em 1975, uma banda chamada Earth, Wind and Fire lança um LP (That’s the way of the Word), que tinha como premissa a mescla de soul, rock e hip hop, e que atingiu o primeiro lugar na parada norte-americana. Aquela mescla recebera o nome de funk e entusiasmava produtores, pois o sucesso do disco provou que o gênero podia ser vendável. O soul e o funk sentem a primeira derrocada quando, em 1977, foi lançado o filme “Embalos de sábado à noite”, cuja história do ator principal, vivido por John Travolta, ocorria dentro de uma discoteca. Foi nesse momento que a cultura foi impactada, pois alguns grupos de som e DJs, que trabalhavam pelo simples fato da comercialização e do lucro, começaram a se dividir na busca por público, analisando o que seria mais vantajoso financeiramente. Assim, começaram a se adaptar ao som considerado “dos brancos”, da época da discoteca. Esta alternância ocasionou o fechamento de diversos bailes por falta de público, mesmo nos subúrbios cariocas. Todavia, alguns DJs preferiram unir o soul e o funk à onda disco, retomando a população negra que havia inserido em seu cotidiano à visita às casas noturnas da zona sul do Rio de janeiro. Criou-se o disco-funk, um gênero mais dançante. Deste, criou-se o “charme”, músicas com menos batidas e mais românticas. Com algumas alterações, ainda hoje é uma das vertentes do funk carioca.

1.3. A criação do funk carioca

No final dos anos 1960, um disc-jóquei chamado Kool Herc levou da Jamaica ao Bronx (Estados Unidos) a técnica “sound systems”, que tinha o objetivo de organizar festas nas praças dos bairros das cidades. Herc não usava somente o toca disco, mas tinha um aparelho de mixagem para construir novas músicas. Um norte-americano conhecido como Grandmaster Flash, usufruiu desta técnica assim chegada aos Estados Unidos e criou o “scratch”, ou seja, a utilização da agulha do toca-discos, arranhando o vinil em sentido anti- horário, como uma nova forma de instrumento musical, desconstruindo e reconstruindo a música. Entretanto, Flash conseguiu ir mais além. Durante suas apresentações, ele fazia questão de entregar um microfone para que os dançarinos pudessem improvisar discursos acompanhando o ritmo da música (essa improvisação, os repentes ditos em forma de música se tornaram o rap). Esses repentistas ganharam o nome de MCs, que significa masters of

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cerimony (mestres de cerimônia). Esse mesmo esquema foi utilizado anos depois no Brasil, como citado anteriormente, mas de forma ocasional. Mas, foi no começo dos anos 1980 que uma destas junções musicais criou o gênero musical tema desta pesquisa. Em 1985, alguns adeptos do rap e do hip hop nos Estados Unidos, mais precisamente na cidade de Miami, criaram ritmos mais eletrônicos e futuristas, com voz de robô, idealizando o miami bass. Neles se reforçaram as frequências graves e se promoveu um sensualismo ao hip hop. Quando chegou ao Brasil, a mescla entre o hip hop, soul e o rock começam a originar tantos os ritmos e as melodias, quanto às festas que iriam se tornar os bailes funks. O funk não é derivado somente de uma cultura isolada e dominadora, nem de um público suburbano ou de elite. Ele expressa a união do soul, do miami bass, do rock e do hip hop, além de modernizar o modo de conduzir o show, como se trajar para ir a uma festa etc.. Logo no começo, a região metropolitana do Rio de Janeiro reunia milhares de pessoas para apreciar este gênero musical:

Em todos os fins de semana, no Grande Rio, são realizados cerca de 700 bailes onde se ouve música funk. Segundo os próprios organizadores, um baile com 500 pessoas é considerado um fracasso. Cada uma dessas festas atrai, também em média, 1000 dançarinos. Pelo menos uma centena de bailes reúne um público superior a 2000 pessoas. Alguns deles costumam ter 6000 a 10000 dançarinos. Fazendo as contas, por baixo, é possível afirmar que 1 milhão de jovens cariocas frequentam esses bailes todos os sábados e domingos. (VIANNA, 1987, p. 7)

Mesmo com toda a precariedade e falta de investimento os anos de 1974 a 1976 foram marcantes historicamente para os bailes. Uma equipe, como o Soul Grand Prix, realizava bailes de segunda a domingo, sem interrupção. O gênero que começou a contagiar os moradores cariocas, apesar de sempre carregar um estereótipo de movimento suburbano, como cita Vianna:

O baile funk é, principalmente, uma atividade suburbana. Existem alguns bailes realizados na Zona Sul, geralmente localizados perto das favelas, e frequentados por uma juventude proveniente das camadas de baixa renda, em grande parte negra (exatamente como nos bailes suburbanos), e nunca de classe média. Os bailes da Zona Sul não se compraram, em tamanho e empolgação, com os bailes dos subúrbios. (VIANNA, 1987, p. 8)

O Canecão, principal casa de show do Rio de Janeiro, localizado no bairro do Botafogo, zona Sul da cidade, foi onde ocorreu a primeira apresentação de funk. Duas das

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figuras mais marcantes são o discotecário Ademir Lemos, que até então só trabalhava em boates, e o animador e locutor de rádio Big Boy. Este produzia e apresentava um programa diário (menos aos domingos) na rádio Mundial no final das tardes, horário radiofônico considerado mais popular da época. Os bailes apresentados por eles, que ocorriam aos domingos, chegavam a atrair cerca de cinco mil dançarinos. Ademir tocava rock e pop mas, preferencialmente, James Brown, Wilson Pickett e Koll and the Gang. Tempo depois, a direção da casa de shows preferiu realizar concertos somente de nomes da MPB (Música Popular Brasileira), o que acarretou a transferência dos seus equipamentos para os clubes de subúrbio. Mas, nem só a música era o destaque deste começo do funk no Brasil. Os bailes dos anos 90 eram marcados também pelo forte ambiente violento devido aos conflitos de gangues residentes dos morros da cidade do Rio de Janeiro. Apesar do número ínfimo destes indivíduos, muitos conseguiam desestruturar festas. De 1992 até anos que antecederam o fim do século, os conflitos entre as facções eram constantes, o que fez a prefeitura e o governo estadual do Rio de Janeiro proibir os bailes devido à violência. Algumas passeatas foram feitas reivindicando a posição e se mostrando a favor do funk. Em outubro deste mesmo ano, a briga das gangues ocorreu na praia do bairro de Ipanema. Houve pânico dos banhistas, moradores e turistas. Esse arrastão, de acordo com Herschamann (1997), foi o estopim para que as pessoas fizessem a ligação morro-funk- violência, mesmo não sendo relação direta entre ambiente residencial, música e o caos.

tornaram-se uma espécie de marco no imaginário coletivo da história recente do funk e da vida social do Rio de Janeiro fortemente identificada com conflitos urbanos onipresentes. A partir desse momento, tais fenômenos das periferias e favelas das grandes cidades, quase desconhecidos da classe média, ganharam inusitado destaque no cenário midiático (HERSCHAMANN, 1997, p. 24)

Mesmo com uma repercussão nacional sobre o caso e criado um preconceito real sobre o gênero, mesmo não tendo uma relação direta com o ocorrido, em julho de 1993 o DJ Marlboro (ver a seguir) voltou a inserir o funk na zona Sul, com uma matinê aos sábados, que despontou entre a população da classe alta. Em 1995/96, a aproximação entre as classes sociais já era nítida. Os jovens ricos, cansados de frequentar as mesmas danceterias, resolvem assistir aos bailes funks cariocas dentro das próprias comunidades. Mas, não foram apenas os adolescentes ricos que foram conquistados pelo movimento. A primeira grande notoriedade positiva dos funkeiros ocorreu quando, em junho de 1994, a

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apresentadora inaugurou o quadro Hits, em seu programa Xuxa Park, na TV Globo, com a participação do DJ Marlboro. O quadro deu certo e virou permanente. Com o intuito de fazer o movimento se desenvolver e de se fortalecer em todo o Brasil, além de mostrar as novas faces e os novatos que criavam funk, ela levava dois a três artistas em todo o programa para divulgar o gênero na televisão. Xuxa, por consequência, virou a embaixatriz do funk carioca. Ao lançar o disco Funk Brasil 4, Marlboro vendeu 120 mil cópias em quatro dias, além de ganhar uma coluna no jornal carioca O Dia chamada “Galera”, para falar somente sobre o assunto. O funk carioca acaba inserido na vida dos jovens das diversas classes sociais por suas características que envolvem alegria, sensualidade e envolvimento entre homens e mulheres. De forma musical, o funk sempre teve como fortaleza as duplas de cantores/repentistas. Uma das primeiras a ganhar destaque foi a dupla Cidinho & Doca, que lançou o “rap da felicidade”. A música tinha como base um miami bass simples, mas com uma letra14 aprimorada que falava da humilhação que os funkeiros sofriam nos bailes, além da violência que ameaça os moradores inocentes e trabalhadores que moravam nos subúrbios. Em 1995, outras duas duplas fizeram relativo sucesso: Junior & Leonardo e William & Duda. O funk carioca, que realmente foi inserido na sociedade no começo dos anos 1990, surgiu idealista, enfatizando as reivindicações populares pelo combate da violência policial nas comunidades carentes dos morros cariocas. As músicas tratavam do cotidiano dos frequentadores, com o objetivo de mostrar que em todas as posições da sociedade há as pessoas honestas e as desonestas, mas que os moradores das favelas e dos morros são trabalhadoras apenas vivem próximas do tráfico de drogas. Uma das músicas de funk mais tocada foi escrita pela dupla Cidinho & Doca. Nela, inclusive, é nítida a busca pela mistura do samba, do gingado brasileiro ao invés dos ritmos norte-americanos:

Rap da felicidade Interprete: Cidinho & Doca Composição: Cidinho & Doca

Eu só quero é ser feliz, Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar, E ter a consciência que o pobre tem seu lugar. [Fé em Deus, DJ]

Eu só quero é ser feliz, Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é.

14 Malboro foi o criador do conceito de funk carioca, utilizando o miami bass, mas com letras em português.

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E poder me orgulhar, E ter a consciência que o pobre tem seu lugar. Mas eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz, feliz, onde eu nasci, han. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.

Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer, Com tanta violência eu sinto medo de viver. Pois moro na favela e sou muito desrespeitado, A tristeza e alegria que caminham lado a lado. Eu faço uma oração para uma santa protetora, Mas sou interrompido à tiros de metralhadora. Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela, O pobre é humilhado, esculachado na favela. Já não aguento mais essa onda de violência, Só peço a autoridade um pouco mais de competência.

REFRÃO Eu só quero é ser feliz, Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, han. E poder me orgulhar, E ter a consciência que o pobre tem seu lugar. Mas eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz,feliz, onde eu nasci, é. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.

Diversão hoje em dia, não podemos nem pensar. Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar. Fica lá na praça que era tudo tão normal, Agora virou moda a violência no local. Pessoas inocentes, que não tem nada a ver, Estão perdendo hoje o seu direito de viver. Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela, Só vejo paisagem muito linda e muito bela. Quem vai pro exterior da favela sente saudade, O gringo vem aqui e não conhece a realidade. Vai pra zona sul, pra conhecer água de côco, E o pobre na favela, vive passando sufoco. Trocaram a presidência, uma nova esperança, Sofri na tempestade, agora eu quero abonança. O povo tem a força, precisa descobrir, Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui.

REFRÃO

Diversão hoje em dia, nem pensar. Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar. Fica lá na praça que era tudo tão normal, Agora virou moda a violência no local. Pessoas inocentes, que não tem nada a ver, Estão perdendo hoje o seu direito de viver. Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela, Só vejo paisagem muito linda e muito bela. Quem vai pro exterior da favela sente saudade, O gringo vem aqui e não conhece a realidade.

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Vai pra zona sul, pra conhecer água de côco, E o pobre na favela, passando sufoco. Trocada a presidência, uma nova esperança, Sofri na tempestade, agora eu quero abonança. O povo tem a força, só precisa descobrir, Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui.

Eu só quero é ser feliz, Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar, E ter a consciência que o pobre tem seu lugar, é.

Em 1995, o funk entrou realmente no mundo fonográfico, sendo reconhecido pelas gravadoras. Comercialmente, eram as coletâneas que faziam sucesso, como a “Demorou mas abalou – funk total”, lançada pela Sony Music e que vendeu 250 mil cópias. Outra grande gravadora que ingressou na produção e na vendagem de CDs de funk carioca foi a Som Livre. Paralelamente, o que atrapalhou o andamento a progressão musical foi a violência e brigas que ocorriam nos bailes. O então prefeito carioca César Maia chegou a autorizar o cancelamento de alguns bailes. Estas brigas foram mais intensificadas entre os anos de 1995 e 1999. Para Durkheim (1968), as principais características de todo tipo de evento que envolva certo grupo são: 1) superação das distâncias interindividuais; 2) produção de um estado de efervescência coletiva; 3) transgressão de normas sociais. No divertimento em grupo, como na religião, o individuo deixa de existir e passa a ser dominado pelo coletivo, gerando um comportamento de necessidade egocentrista e de atenção. Este ódio e transgressão coletiva ocorriam, na maioria das vezes, pela presença marcante das gangues de traficantes. Não à toa, nesta época, em uma entrevista divulgada com o traficante Elias Maluco, ele admitia que patrocinava os bailes funks para que os moradores das favelas consumissem as drogas dentro do local. Rômulo Costa15 também revelou que os traficantes usavam as associações de moradores das favelas para contratar os bailes. Em julho de 1997, surgiu uma fita de vídeo (a Rio Funk Proibido) na qual havia a música Cidade Maravilhosa16. Ela era apresentada em ritmo de funk, com dançarinas tirando a roupa no palco de um baile, enquanto jovens entre 15 e 20 anos tentavam tocá-las. Neste mesmo vídeo há imagens de meninos de 10 anos ao lado das supostas dançarinas. Entre 1999 e 2000, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou projeto de lei que regulamentava o funcionamento dos bailes, o que faria a necessidade da instalação de

15 Proprietário da equipe Furacão 2000, principal empresa musical de funk carioca. 16 Composta por André Filho em 1935, esta marcha foi gravada pelo compositor e por Aurora Miranda, irmã da cantora Carmen Miranda.

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detectores de metais na entrada, a obrigatoriedade de autorização prévia e presença do começo ao final do evento pela policia, além da proibição da execução de músicas que fizessem apologia ao crime. Neste mesmo ano de 2000, as gravadoras praticamente fecharam as portas para o funk carioca, que estava em franco declínio. Entretanto, Verônica Costa, esposa de Rômulo Costa (citação na página 38) foi eleita como vereadora pelo Partido Liberal (PL).

1.4 Seus expoentes Alguns nomes se destacaram no funk carioca, em seus diversos estilos dentro do próprio conceito musical.

1.4.1. DJ Marlboro

Nascido em janeiro de 1963, Fernando Luís Mattos da Matta, com 16 anos na época, começou a ouvir rádio FM por influência dos amigos. Anotava as sequências de faixas, ouvia os lançamentos, tentava acertar as músicas que seriam sucesso e gravava fitas com suas próprias mixagens, que fazia juntando uma vitrola de piquenique com um toca-disco. Ao ouvir uma mixagem na rádio, selecionava para fazer em casa, com o objetivo de imitar e verificar as técnicas utilizadas pelo DJ. Ele morava com a avó paterna em Venda das Pedras, longe da capital carioca, motivo que acarretou seus amigos a o apelidarem de “terra de Marlboro”, referente à propaganda do cigarro que leva este nome. Sua primeira grande aparição foi em um clube, quando seu amigo DJ Scooby Doo não pode se apresentar. Após esta primeira, vieram convites para outras, em sequência. Ao ficar conhecido, o DJ Carlinhos Portuga o convidou para fazer parte da equipe 2001, que realizava pequenos bailes. O dono da empresa, que trabalhava na Marinha Mercante, sempre trazia discos dos Estados Unidos. Deste modo, Portuga acabou realizando um contrato com da Matta fazendo-o abrir e fechar todos os bailes em troca de vinis. Após diversas dificuldades, em agosto de 1980 e com apenas 17 anos, ele receberia o seu primeiro cachê e estrearia como DJ profissional com o apelido de Marlboro. Duas semanas depois ele saiu da equipe 2001 e mudou de empresa, para aprimorar sua carreira dentro do Estado do Rio. Em 1982, ao invés de somente discotecar, ou seja, mesclar e unir sons diretos dos discos, ele se apresentou ao público com o microfone, comunicando quem era e o que tocava, comentando sobre a festa em que estava. Similar ao artifício que Flash utilizava (MC), Malboro o fez de forma inteligente e consciente para inserir seu nome entre os dançarinos e os

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profissionais da área. Outro momento que marcou a sua carreira foi ganhar, em 1989, o concurso de DJs do Brasil, promovido pela Disco Mix Club. Concorriam ao prêmio mais de sete mil disque-jóqueis de 22 países. Logo em seguida, disputou o campeonato mundial, em Londres, mas não obteve tanto sucesso. A partir daí, Marlboro começa a nacionalização do funk, fazendo-o sair do subúrbio, ter ídolos regionais e ser tocado em todo o país. Com a meta de inovar e criar, tentou inserir ritmos do samba, de instrumentos brasileiros, dentro das batidas do funk carioca. Convidado para trabalhar na Polygram, em 1990, da Matta idealizou o disco Funk Brasil. As músicas retratavam o cotidiano da vida e da noite carioca, focado nas pessoas do subúrbio. Com poucas opções para MCs, pois somente algumas pessoas criavam funk carioca, lançou vários personagens. Entre eles estava Batata, locutor na rádio em que Malboro também tinha um programa. Neste disco ele cantou duas músicas. Uma delas fez sucesso: a faixa “Feira do Acari”. Ela entrou como trilha sonora da novela “Barriga de aluguel”, exibida pela TV Globo. A letra abordava a vida e a movimentação de uma das principais feiras da cidade que comercializava peças de carros roubados e produtos falsificados:

Feira de Acari Intérprete: MC Batata Composição: DJ Marlboro e DJ Pirata

Numa loja na cidade eu fui comprar um fogão Mas me assustei com o preço E fiquei sem solução Eu queria um fogão Quando ia desistir Um amigo me indicou A Feira de Acari

Ele disse que na feira Pelo preço de um bujão Eu comprava a geladeira As panelas e o fogão Tudo isso tu encontra Numa rua logo ali É molinho de achar É lá na feira de Acari

É sim lá em Acari (4x)

Lá existe um barraqueiro Que atende por Mané

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Ele vende muita coisa Sempre tem o que tu qué A barraca muito grande Nela você sempre passa Com merreca paga as pilhas E o rádio vai de graça

Tinha uma promoção Na barraca do Mané Se alguém comprasse tudo Ele dava a sua mulher Tudo isso tu encontra Numa rua logo ali É molinho de achar É lá na feira de Acari

É sim lá em Acari

Já levei o meu avô Pra mostrar que eu não minto Ele foi no troca troca Da barraca do Jacinto Meu avô trocou as calças Meu avô trocou o cinto Meu avô trocou cueca E trocou até um pinto

Quando eu voltar na feira Meu avô quer ir de novo Ele está tão satisfeito Que já quer trocar um ovo Tudo isso tu encontra Numa rua logo ali É molinho de achar É lá na feira de Acari

É sim lá em Acari (4x)

Preste muita atenção No que agora eu vou falar Se você quer transação Acari cê vai achar Se levar algum dinheiro Maloca a merreca Põe no bolso, no sapato E o resto na cueca

Porque lá tem gente boa E malandro adoidado Já venderam prum otário

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O morro do Corcovado

Tudo isso tu encontra Numa rua logo ali É molinho de achar É lá na feira de Acari

É sim lá em Acari (4x)

Conforme visto nas quatro frases sublinhadas, a música compõe uma cena cotidiana das pessoas com menos poder aquisitivo, já que era necessário ir até estas feiras para adquirir produtos novos que vinham de forma ilegal ou eram roubados e comercializados por um preço bem abaixo do mercado. Neste mesmo álbum Marlboro incluiu Guto & Cia, que cantavam uma música sobre o acerto de contas entre gangues de traficantes rivais. Foi esta criação que deu início ao funk denominado proibidão17. O Funk Brasil vendeu 250 mil cópias e foi o primeiro trabalho que tinha o objetivo de nacionalizar o movimento, já que garotos carentes das favelas e que frequentavam os bailes começaram a escrever para o gênero. Durante os anos de 1997 e 2000 Malboro se manteve mais recluso, evitando sempre a mídia. Chegou a perder o programa que possuía, mas o remontou e criou o Big Mix, na rádio O Dia FM, das 16h às 18h. O nome é o mesmo que o da sua equipe de som, que montara recentemente. Três anos após estar no ar, teve uma média de 500 mil ouvintes por minuto tocando melodias de funk consciente, funk romântico, funk pop (derivações do funk carioca), além das letras irreverentes e pornográficas dos MCs Serginho e Tati Quebra Barraco. Em 2003, a cientista social Suzana Macedo lançou o livro DJ Marlboro na Terra do Funk, contando sobre a vida e profissão do DJ. Sua carreira internacional ganhou destaque quando se apresentou nos Estados Unidos, pela primeira vez no festival Summerstage, no Central Park, Nova Iorque. Com sua equipe realizando 30 bailes por semana, foi convidado para se apresentar no TIM Festival, no mesmo ano, em São Paulo. Assim, em 2004, realizou excursões pela Europa e Estados Unidos, além de remixar a música “Quem que caguetou?”, dos MCs de hip hop Black Alien e Speed, que foi trilha sonora do filme “O Invasor”18 e comercial da picape X-Trail, da marca Nissan, transmitido nos canais de TV da Inglaterra. A

17 Proibidão é um gênero do funk que é tocado praticamente em bailes dos subúrbios e que fazem apologia as facções criminosas que comandam o tráfico dos morros cariocas. 18 O filme O Invasor foi produzido e dirigido por Beto Brant, no Brasil, em 2001. Contou com atores como Alexandre Borges, Paulo Miklos, Malu Mader, Marco Ricca e Mariana Ximenes.

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mesma foi também remixada pelo DJ britânico Fat Boy Slim, um dos principais expoentes da cena eletrônica atual.

Quem que caguetou? Intérprete: Black Alien Composição: Black Alien, Tojo e Speed

Da cadela eu trouxe o ouro e as jóias Do pilantra eu trouxe a grana Agora, do caguete eu vou trazer a alma Follow me, Follow me, I got the keys Follow me, Follow me, I got the keys Follow me, Follow me, I got the keys Follow me, Follow me, Follow me, Follow me, Follow me, I got the k-k-keys Follow me, Follow me, Follow me, Follow me, Follow me, got the k-k-keys

Quando você atira, eu já não sou a mira Eu sou a sua sombra, eu sou a sua sombra Já vai partir o trem Nossa festa de arromba Você vem de AR9 De G3 a gente zomba

Esquece a luz, esquece a câmera ali é só ação O rei da selva é o leão, e a selva é o palco Mc Black Alien de macaco te lançando no vácuo pra outra dimensão, Miami Vice (inonbrenken) a mil grau, E os pela-saco paga um pau no país do juiz Nicolau. E o seu atual panorama político desvio o curso De um rio pra um fim apocalitico.

REFRÃO Pode dá Tô de colete Eu vou pegar eu vou matar o caguete Pode pode dá Tô de colete Eu vou pegar eu vou matar o caguete Quem que caguetou, quem que caguetou Quem que caguetou, quem que caguetou Quem que caguetou, quem que caguetou Quem que caguetou, quem que caguetou

Quem caguetou, Eu não sei Pegou levou, não pagou

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Corta o dedo do playboy e do rude boy e do deejay. Quando você atira, eu já não sou a mira Eu sou a sua sombra, nitroglicerina O homem-bomba Tomba quem ronda sua banca desbanca Quem zomba nas ondas do seu som, BOM Eu sou Speed sagaz e sem crise cruzando os limites de nikity city (cidade niterói) como bala de AR15

REFRÃO

A levada rasga, Miami drama em dois, ragga Viajo em qualquer estrada de velocípede, Pela areia fofa a força da mente bípede Grava meu nome no microfone, na faca na frente dos fãs, Por causa de um papel ou pedrita nego vira bam bam Destaca o raça ruim, que se apossa de mim Quando to virado até de manhã, meu vocal visceral continua raiz o que você me diz qual vai ser a batida do bis

REFRÃO

Yes, yes, yes yes, é isso, não adianta colete nem capacete, Outros te amam, outros querem lhe puxar o tapete

Mané, Tejo, meu irmão, Speed e Black Alien represente Miami Vice é o funk do Rio, Niterói, São Gonçalo na linha de frente o continente até o talo, A vida por um fio

1.4.2. Latino

Outro expoente do funk carioca é Roberto de Souza Rocha. Fanático por dança e música, fazia imitações de artistas ainda na adolescência. Depois foi viver nos Estados Unidos, na cidade de Rochester, local habitado por mexicanos e porto-riquenhos, onde teve oportunidade de assistir shows de bandas que conhecia somente pelos discos. Diferente dos demais funks criados, realizou a mistura de hip hop com miami bass, mas utilizando bases latinas. Ao voltar ao Brasil, ingressou no grupo de dança You Can Dance. Conheceu outros DJs que o lançaram como MC Latin, cantando músicas em inglês, mas com um apelo sensual, sem ser vulgar, explorando o lado hispânico. Quando Marlboro o procurou, a única exigência feita foi de que Rocha cantasse em português, criando-se o personagem Latino. Foi então que

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gravou a musica “Me leva”, o primeiro sucesso. Apesar de no começo as gravadoras não aceitarem gravar este gênero, foi com algumas aparições no programa da Xuxa e no Programa do Faustão, ambos na TV Globo, que fizeram o cantor se tornar conhecido em todo o país. Diferente dos demais MCs e DJs, Rocha criou um estereótipo de latin loover (amante latino), com bigodinho e cabelo curto, rabo de cavalo pendurado na nuca e ternos diferentes. Gravou o próprio CD com a ajuda de Marlboro, com quatro faixas que se tornaram sucesso nacional. A importância dele para o funk carioca é percebida pelos números, já que o seu CD “Marcas de amor” vendeu 720 mil cópias (pelas contas de Marlboro) e 300 mil pelos números levantados pela imprensa. Após um tempo sem lançar nenhuma música com sucesso reconhecido, de ter sofrido sequestro e viver um namoro tumultuado com a cantora Kelly Key, Latino conseguiu resgatar um pouco do prestígio quando foi co-autor da música “Tô nem ai”, cantada por Luka19, em 2003.

1.4.3. Funk romântico

Claucirlei Jovêncio de Souza – apelidado de Buchecha por causa dos traços da face, tinha como melhor amigo na comunidade do Salgueiro Cláudio Antonio Rodrigues de Mattos, o Claudinho. Trabalhadores desde cedo para ajudar no sustento da casa, tiveram pouco estudo. Em 1990, com 15 anos, ambos resolveram montar uma dupla de MCs, época em que o funk carioca estava começando a despontar. Escreviam as letras e usavam a base de outros músicos para fazer testes, com os LPs. Com suas composições chegaram a vencer um concurso de música no Rio de Janeiro. Além das letras escritas em forma de poema, a dupla abusava do carisma e da alegria durante as apresentações, o que ajudou na conquista do público. Diferente dos primeiros funks, possuíam um ideal mais realista da vida cotidiana. A dupla Claudinho & Buchecha preferia transmitir mensagens de amor e paz, como nos sucessos “Só love” e “Fico assim sem você”:

Fico assim sem você Intérprete: Claudinho & Buchecha Composição: Abdullah / Caca Moraes

19 Luka é Luciana Karina Lima, nascida em 1979, Porto Alegre. A Música “Tô nem ai” ganhou o prêmio de melhor do ano, em 2003, além de chegar em primeiro lugar na lista de músicas dançantes na Alemanha

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Avião sem asa, Fogueira sem brasa, Sou eu assim, sem você Futebol sem bola, Piu-piu sem Frajola, Sou eu assim, sem você...

Porque é que tem que ser assim? Se o meu desejo não tem fim Eu te quero a todo instante Nem mil auto-falantes Vão poder falar por mim...

Amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho, Sou eu assim sem você Circo sem palhaço, Namoro sem amasso, Sou eu assim sem você...

Tô louco prá te ver chegar Tô louco prá te ter nas mãos Deitar no teu abraço Retomar o pedaço Que falta no meu coração...

REFRÃO Eu não existo longe de você E a solidão é o meu pior castigo Eu conto as horas pra poder te ver, Mas o relógio tá de mal comigo...

Por quê? Por quê?

Neném sem chupeta, Romeu sem Julieta, Sou eu assim, sem você Carro sem estrada, Queijo sem goiabada, Sou eu assim, sem você...

Você... Porque é que tem que ser assim? Se o meu desejo não tem fim Eu te quero a todo instante Nem mil auto-falantes Vão poder falar por mim...

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A partir de 2000, as produtoras perceberam que o funk era um gênero potencial para ser consumido entre o Ano Novo e o Carnaval, devido à sensualidade e a alegria exposta em suas letras. Deste modo, a maioria das músicas de sucesso foi lançada neste período. Depois de Malboro, Cidinho & Doca, Latino e Claudinho & Buchecha, quem ganhou destaque foi o trio Bonde do Tigrão, que em suas músicas faz apologia ao sexo. Tiveram sua primeira canção inserida no CD “Tornado muito nervoso 2”, vendido nas bancas de jornal por R$ 10,90, para fugir das dificuldades de comercialização de discos e da pirataria. Depois de serem contratados por uma gravadora e produzirem um CD a baixo custo, venderam 300 mil cópias e foram comparados à banda Backstreet Boys pelo jornal norte-americano New York Times. Nesse mesmo CD, a MC Beth, ex-professora da cidade de São João do Meriti (SP), que começou a cantar para melhorar seu desempenho contra perda de memória, lança a música “Tapinha” e a “Dança da Motinha”. Ambas ficaram famosas. A primeira, inclusive, foi cantada por Paula Toller, vocalista e líder da banda de rock Kid Abelha, em sua apresentação no show Rock in Rio 3, em janeiro de 2001. Além disso, ambas as músicas foram igualmente tocadas durante o Carnaval da Bahia do mesmo ano. O funk carioca também entrou em outras culturas, como em 1998, quando a banda gaúcha Comunidade Nin-Jitsu utilizou guitarras distorcidas junto ao miami bass, mas com um sotaque gaúcho. Não foi só a mescla de culturas que ficou aparente, mas também a mistura de classes. Em 2001, a Furacão 2000 organizou os bailes no Castelo das Pedras, na favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá. Estavam presentes atores, jogadores de futebol, entre outras celebridades. Neste mesmo ano era possível ouvir funk no Caldeirão do Huck (Globo), programa Mulheres (TV Gazeta), É Show (TV Record) e Super Pop (Rede TV), que inclusive criou uma edição “funkeira” às segundas-feiras.

1.4.4. Tati Quebra Barraco

Tatiana dos Santos Lourenço tem como parceiro seu irmão Márcio dos Santos Silva. De acordo com o próprio Marlboro, “ela é a mulher com pensamento moderno. Fala o que pensa e o que quer, assume a sexualidade e diz o que gosta e o que não gosta em suas letras”. Seu apelido vem da época de quando era merendeira de uma creche e cantava um rap que falava de “quebrar o barraco”, gíria das pessoas que fazem sexo com violência, mas com desfecho satisfatório. As letras surgiram devido à necessidade de Tatiana em arrumar um

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namorado. Em 2001 gravou o primeiro disco e se tornou a maior expoente feminina do funk. Devido ao sucesso, apareceu em diversas páginas de jornais e revistas pelo teor de suas músicas, pela obsessão em emagrecer e por ser consumista.

1.4.5. Outros expoentes

MC Serginho (Sergio Braga Manhaes) e seu companheiro de palco, o dançarino Lacraia (Marcos Aurélio Silva da Rocha), durante o ano de 2002, mantiveram-se nas rádios devido a diversos hits, todos com conotações lúbricas, explícitas ou de duplo sentido, com conotações engraçadas e bem-humoradas. Do ambiente mais sério dos antigos MCs, o funk se tornou mais brincalhão e animador de festa. Alheios ao mundo do funk-proibidão, Serginho e Lacraia ajudaram também a renovar os padrões para o que se conhecia como apresentações ao vivo de MCs. Não havia mais um série de frases faladas enquanto o ritmo era passado nas aparelhagens. Eles inovaram com apresentações similares a uma festa, com alegria, presença de espírito e raciocínio rápido para envolver com o público. A partir deles, o funk manteve a presença nas rádios, TV e, anualmente, contava com novos grupos em destaque, como o Bonde Faz Gostoso, as Tchutchucas, Jack e Chocolate, Andinho e o MC Leozinho. Este último atingiu as paradas de sucesso em 2006 com a música “Ela só pensa em beijar”. A similaridade entre eles ocorria pelo fato de conseguirem apenas emplacar um sucesso. MC Leozinho foi o único que tentou reviver o estilo “funk charme” desenvolvido pela dupla Claudinho & Buchecha, mas de um modo mais dançante, sem apelações. Inclusive, uma de suas músicas foi a mais tocada durante algumas semanas de março de 200620, em São Paulo.

1.5. Caso Tim Lopes e o funk proibidão

Em fevereiro de 1994, o repórter Tim Lopes e o fotógrafo Paulo Araújo, disfarçados de funkeiros, com bermudas, tênis, camisetas coloridas e bonés, fizeram uma matéria investigativa. Visitaram dez diferentes bailes funks, tantos os existentes nos subúrbios como aqueles que ocorriam nas casas noturnas da classe média e alta do Rio de Janeiro.

20 Dados noticiados no jornal Folha de S. Paulo. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u58768.shtml , da própria Folha Online. Acesso em 25 de abril de 2009.

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Entrevistaram mais de 50 funkeiros, DJs, donos de equipes, sem serem notados. Conversaram com policiais, seguranças de clubes, motoristas. Descobriram que de quarta-feira a domingo ocorriam cerca de 300 bailes em clubes, quadras, galpões e espaços comunitários onde a frequência de pessoas ultrapassava um milhão. Quando esta matéria foi publicada no jornal O Dia, as fotos de ambos também foram divulgadas. A reportagem continha, além desses números, diversas denúncias sobre o patrocínio do gênero musical e dos bailes pelos traficantes. Esse patrocínio é visualizado em algumas músicas apresentadas somente nos bailes dos subúrbios, em que canções enaltecem o tráfico e àqueles que estão a favor do movimento criminoso. Essas músicas não são gravadas em CDs ou vendidas, mas entregues somente em cassetes para os clientes mais fiéis do tráfico. Emissários dos traficantes avisavam comerciantes locais sobre o fechamento mais cedo das portas, em sinal de luto por algum líder criminoso. Os MCs e os DJS que compõe essa vertente do funk carioca, que cantam ou tocam, não são conhecidos e pouco aparecem. Os traficantes acharam no funk carioca um meio fácil e acessível de chegar tanto na população do próprio morro como nas demais pessoas que frequentam os bailes no subúrbio, transformando o funk proibidão em um instrumento do marketing para a venda direta deste produto de forma não convencional. Em junho de 2002, o mesmo Tim Lopes foi à Vila Cruzeiro com a missão de acabar de apurar a denúncia feita por um pai afirmando que sua filha adolescente e algumas meninas teriam sido obrigadas, por traficantes, a se prostituir durante bailes funks da comunidade. Com uma microcâmera escondida foi até a favela alguma vezes, durante a semana, e registrou cenas de traficantes armados. De forma misteriosa, o jornalista apareceu torturado e morto. Um ano antes, ele tinha sido co-autor de uma matéria sobre feiras de drogas nas favelas cariocas, condecorado com o prêmio Esso de Reportagem.

1.6 O funk carioca atualmente

Um dos motivos que levou o funk carioca às paradas de sucesso é o fácil modo de sua produção. Em qualquer estúdio com equipamentos mais antigos é possível produzir um disco, já que é necessário um sampler21, batidas e a utilização de voz.

21 Samplear é o ato de retirar trechos de uma música e criar uma nova, utilizando um aparelho chamado de sampler.

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Durante os anos 1990, a equipe de som que mais ganhou mais destaque e ganhou mercado foi a Furacão 2000, de Rômulo Costa, atuante no mercado musical desde a década de 70. Convertido à Igreja Universal do Reino de Deus por sua namorada Verônica, nos primeiros anos da década de 1990, batalhou e utilizou-se da fama do funk para que ela se tornasse apresentadora de TV. Criou o programa Furacão 2000, transmitido aos sábados à tarde, em rede nacional. Em 2004, fez uma campanha visando o crescimento do funk carioca para eleger sua então esposa ao cargo de vereadora, com o intuito de defender o movimento. O casal ganhou o apelido de Mãe Loira e Pai Moreno, por incentivarem a cultura funk na evolução de um movimento popular. Porém, a pressão da polícia sobre os traficantes, as reportagens negativas sobre o funk carioca, o envolvimento com o tráfico de drogas e a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 1999, suprimiram diversos bailes, principalmente os próximos às áreas urbanas mais nobres, pois o barulho e o som atingiam potência acima do permitido (normalmente 85 decibéis por lei). Muitos registravam casos de violência e briga. Esta nova fase do ritmo é descrita como new funk. Junto à cantora Tati Quebra Barraco, nesta última década, outros MCs se especializaram em criar letras eróticas e de duplo sentido, enaltecendo os atos sexuais. Apesar das letras e das músicas da cantora apresentarem resistência à dominação masculina e esbravejando o feminismo, a quantidade de palavras de baixo calão elimina bastante desta iniciativa. Em maio de 2008 foi sancionada uma lei incentivada e dirigida pelo ex-deputado Álvaro Lins (preso pela Polícia Federal sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro) em que estabelecia que os bailes funks dependeriam de autorização prévia da Secretaria de Estado de Segurança para ocorrerem. Entretanto, uma das principais vitórias dos ativistas que buscam autenticidade ao funk carioca como movimento social foi divulgada em matéria publicada no dia 9 de janeiro de 2009, no jornal O Estado de S. Paulo, caderno Metrópole, página C8, com o título “Projetos de lei propõe funk como expressão cultural popular”. Esta traz que dois projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, tratam da preservação do funk como uma manifestação cultural popular.

Rap das Armas Composição: MC Leonardo e MC Junior

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Parapapapapapapapapa Paparapaparapapara clack bum Parapapapapapapapapa

Morro do Dendê é ruim de invadir Nóis, com os Alemão, vamo se diverti Porque no Dendê eu vo dizer como é que é Aqui não tem mole nem pra DRE Pra subir aqui no morro até a BOPE treme Não tem mole pro exército civil nem pra PM Eu dou o maior conceito para os amigos meus Mais Morro do Dendê também é terra de Deus Fé em Deus, DJ. Vamo lá

Parapapapapapapapapa Parapapapapapapapapa Paparapaparapapara clack bum

Parapapapapapapapapa

Morro do Dendê é ruim de invadir Nois, com os alemão, vamo se diverti

Porque no Dendê eu vo dizer como é que é Aqui não tem mole nem pra DRE Pra subir aqui no morro até a BOPE treme Não tem mole pro exército civil nem pra PM Eu dou o maior conceito para os amigos meus Mas morro do Dendê também é terra de Deus

Vem um de AR15 e outro de 12 na mão Vem mais um de pistola e outro com 2oitão Um vai de URU na frente escotando o camburão Tem mais dois na retaguarda mas tão de Glock na mão Amigos que eu não esqueço nem deixo pra depois Lá vem dois irmãozinho de 762 Dando tiro pro alto só pra fazer teste De ina-ingratek, pisto-uzi ou de winchester É que eles são bandido ruim e ninguém trabalha

De AK47 e na outra mão a metralha Esse rap é maneiro eu digo pra vocês, Quem é aqueles cara de M16 A vizinhaça dessa massa já diz que não aguenta Nas entradas da favela já tem ponto 50 E se tu toma um pá, será que você grita Seja de ponto 50 ou então de ponto 30 Mas se for Alemão eu não deixo pra amanhã Acabo com o safado dou-lhe um tiro de pazã

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Porque esses Alemão são tudo safado Vem de garrucha velha dá dois tiro e sai voado E se não for de revolver eu quebro na porrada E finalizo o rap detonando de granada

Parapapapapapapapapa, valeu Paparapaparapapara clack bum

Vem um de AR15 e outro de 12 na mão Vem mais um de pistola e outro com 2oitão Um de URU na frente escotando o camburão Tem mais dois na retaguarda mas tão de Glock na mão Amigos que eu não esqueço nem deixo pra depois

Lá vem dois irmãozinho de 762 Dando tiro pro alto só pra fazer teste De ina-ingratek, pisto uzi ou de winchester A vizinhaça dessa massa já diz que não aguenta Nas entradas da favela já tem ponto 50 E se tu toma um pá será que você grita Seja de ponto 50 ou então de ponto 30 Esse rap é maneiro eu digo pra vocês

Quem é aqueles cara de M16 Mas se for Alemão eu não deixo pra amanhã Acabo com o safado dou-lhe um tiro de pazã

Porque esses Alemão são tudo safado Vem de garrucha velha dá dois tiro e sai voado E se não for de revolver eu quebro na porrada E finalizo o rap detonando de granada

O Rap das Armas fez sucesso principalmente após aparecer no longa-metragem brasileiro Tropa de Elite22. A música denota total ponto de dominação dos grupos de traficantes sobre o morro e seus moradores, além de denegrir a imagem da polícia. Entretanto, o criador desta letra (MC Leonardo) fundou uma associação, em 10 de dezembro de 2008, para acertar de forma legítima o funk carioca, pretendendo organizar e buscar patrocinadores, regularizar os DJs, os plágios musicais, limitar as letras e os bailes que tenham excesso de pornografia. A APAFUNK (Associação dos Amigos e Profissionais do Funk) tem o objetivo de lutar pelos direitos e construir alternativas para a produção das músicas, profissionalizando o processo musical. A associação é assim composta: Mc Leonardo (Presidente); Mano Teko (Vice-presidente); Mc Pingo (1º Secretário); Mc Tiana

22 Filme brasileiro produzido em 2007 pelo diretor José Padilha. Atraiu 2,4 milhões de pessoas ao cinema

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(2º Secretário); Mc Alex (1º Tesoureiro); Mc Wandinho (2º Tesoureiro) e DJ Marcelo Negão, Mc Lasca e Mc Liano (Conselho Fiscal) O funk carioca, como uma manifestação cultural de massa do Brasil, tem relacionamento direto com estilos de vida, comportamentos e experiências da juventude , principalmente da que vive nos subúrbios. Os bailes e o funk carioca de um modo geral funcionam como um ponto de intersecção entre a auto-afirmação daqueles que trabalham e necessitam deste meio para sobrevivência de um modo moralmente honesto, e daqueles que usam dos visitantes e das pessoas que vivem na comunidade para venda de drogas, abusos com relação à sexualidade etc.

1.7 A mídia

A música é uma arte que possibilita a reunião de um grupo de pessoas em busca de união, felicidade, paz. Desde o século XIX, o consumo musical no Rio de Janeiro era “globalizado”. O que havia na Europa chegava rapidamente por aqui. De acordo com dados do ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), o Brasil é o décimo mercado fonográfico do mundo. Em 2007, foram vendidos 25,4 milhões de unidades de CDs (o que gerou um faturamento em torno de R$ 215 milhões). O funk carioca ganhou status positivo junto à mídia, principalmente na TV Globo por meio do programa da apresentadora Xuxa, que durante muito tempo foi a embaixatriz do gênero musical no Brasil. A partir de 2005, quem assume este posto é o apresentador Luciano Huck, que comanda o programa Caldeirão do Huck, transmitido pela mesma emissora aos sábados à tarde. Todos os principais nomes do funk, como DJ Malboro, Tati Quebra Barraco, MC Leozinho entre outros utilizaram o programa para difundir suas músicas. Além disso, Huck patrocinou uma coletânea intitulada “Pancadão do Caldeirão do Huck”, com canções desses artistas e outros do mesmo gênero. Anteriormente a esta fase positiva do funk, que se depara com um consumo mais marcante e incisivo das classes formadoras de opinião e de poder aquisitivo, durante a década de 90 sua difusão no subúrbio ocorreu principalmente pelas rádios piratas. Muitas delas eram controladas por equipes de sons, mas que obtinham patrocínio de grupos e facções criminosas. Apesar disto, o funk carioca apresenta poder de gerar riqueza e incrementar a economia do país. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, em 2008, mostrou

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que o funk é uma atividade que movimenta um valor aproximado de R$ 11 milhões por mês, ou quase R$ 128 milhões por ano. Dentro deste valor está considerado o arrecadamento nas bilheterias dos bailes, tanto no subúrbio como nas zonas Sul e Norte do Rio de Janeiro (que possuem um poder aquisitivo superior) cachês das equipes, venda de CDs e DVDs, além dos valores recebidos por DJs, MCs e equipes. Para realizar a pesquisa foram ouvidos 114 dos 164 MCs atuantes na região da Grande Rio (que envolve a cidade do Rio de Janeiros e as principais metrópoles que a circundam). Com isso, foi descoberto que esses músicos ganham em média R$ 5.080,00, apenas no funk. Somada a outras atividades, a renda média mensal dos artistas chega a R$ 5.863,00. Esses profissionais, de acordo com a pesquisa, estudam cerca durante nove anos, não chegando a completar o Ensino Médio. Outro número levantado pela FGV é que os bailes funks são as atividades de cultura e lazer que mais atraem os jovens do Estado do Rio. Segundo os números, são cerca de 1.230 milhões de pagantes que frequentam os bailes, por mês. Só em bilheteria são arrecadados cerca de R$ 7 milhões, de um total de 900 festas promovidas que tem como tema central o gênero no Rio de Janeiro23. Entretanto, dificilmente um destes DJs e MCs utilizam um sistema de marketing ativo junto às rádios. É na base do boca a boca que um novo artista e/ou uma nova música ganha destaque. "A grande mídia lançadora dos artistas de funk são as festas", diz o antropólogo Hermano Vianna em entrevista à revista Época de 17 de novembro de 200624. Ele ainda completa: "Algumas músicas estouram nos bailes, com febres de danças novas e tudo, sem nem tocar no rádio. Os discos, como a rádio, funcionam como divulgação complementar para popularizar o artista e atrair mais gente para as festas. É no preço do ingresso que os funkeiros faturam” (VIANNA, 2006). Não à toa que o gênero musical está presente na cultura popular musical brasileira há quase quarenta anos, visualizando os primórdios do mesmo no Brasil.

O funk que é tocado nessas festas, não entra na programação da maioria quase absoluta das rádios, os discos não são lançados no Brasil. Mesmo assim, sem depender da indústria cultural, o funk é sem dúvida nenhuma, um fenômeno de massa em todo o Grande Rio, que já dura há quase duas décadas (VIANNA, 1987, p. 8)

23 Verificar em , acessado no dia 10 de setembro de 2008. 24 Ver em , 23 de dezembro de 2008.

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A equipe da Furacão 2000 ocupa, desde o começo da década de 90, a programação da Rede CNT. Em seguida, Rômulo Costa, proprietário, angariou um programa diário, que vai ao ar das 12h30 às 13h10 na Band Rio. Ele o apresenta ao lado de Priscila Nocetti. O mesmo segue para todo o Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Via Satelite por parabólica), transmitido pela Rede TV! todos os sábados, das 15h às 15h30. Ainda no Rio, a rádio 107 FM transmite diariamente, das 8h à 0h, e de segunda-feira a sábado, das 15h às 17h, em conjunto com a rádio Transamérica Rio de Janeiro, uma programação especialmente feita pela Furacão 2000, com os principais artistas e DJs do funk carioca.

1.8. Funk carioca e o consumo

Este estudo em vigor ocorre por ser tratar de um movimento minoritário, que nasceu com o objetivo de enfrentar paralelamente as dificuldades sociais vividas e as classes sociais dominantes. Trata-se de um gênero criado por meio de fusões de culturas importadas em junção à criatividade nacional, especificamente a carioca. Assim, o gênero faz parte de um grande movimento cultural que, como vimos, apresenta crescimento constante e é uma realidade decorrente, apesar de utilizar meios não convencionais e fora do moral e ética prevista pelos brasileiros. O Brasil é o país com maior número de seguidores católicos do mundo. De acordo com a última pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o assunto, feita em 2000, 73,8% dos brasileiros, ou seja, cerca de 125 milhões de pessoas, eram declarados fiéis ao catolicismo. Deste modo, o pensamento e a ideologia sobre os assuntos são apresentados com mais ênfase em qualquer segmento e área da população. Consumir drogas, abusar da sensualidade e da sexualidade, dançar de modo exacerbado e provocante, utilizar roupas que deixam a mostra partes do corpo e insinuam ou levam ao homem a ter pensamentos considerados pecaminosos influem na sociedade, principalmente nos veículos de comunicação, já que a maioria de leitores/consumidores segue a mesma linha moral e religiosa. A posição de um indivíduo ou de um grupo na estrutura social não pode jamais ser definida apenas de um ponto de vista estritamente estático, isto é, como posição relativa (“superior”, “média” ou “inferior”) numa dada estrutura e num dado momento. (BOURDIEU, 1974, p. 7)

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Diferentemente ao que Bourdieu defende, já que o indivíduo não pode ser classificado, com o problema da violência e dos grupos que dominaram os morros e as favelas do Rio de Janeiro, criou-se um estereótipo sobre os jovens que frequentam as festas e os bailes. Martino (2006) analisa as formas de expressão e comunicação criadas principalmente pela forma de se vestir, já que “estão em permanente construção, agregando idéias, teorias e métodos – para compreender, não para fechar o assunto”. Para estes grupos, é necessário procurar “compreender o significado das práticas culturais no contexto do povo, entendido como um receptor, mas também como um produtor da cultura” (MARTINO, 2006). Se entendido como prática cultural utilizada pelo catolicismo, a tendência de consumo não seria a mesma que a usada pelos frequentadores dos bailes funks. Entretanto, como afirma Martino, a construção é permanente para que outras culturas de massa se encaixem ou não destoem drasticamente do pregado pela população local. Nunca alheios, a sociedade não se usa apenas de um único movimento, de um ato isolado. Surgem assim novas tendências que fazem do funk carioca um inspirador, tanto para homens quanto para mulheres. Isso ocorre desde os primeiros bailes realizados nas décadas anteriores, tidos como as festas black. Estas tinham como vestimenta predominante óculos escuro, chapelão, terno branco, gravatinha borboleta, casacão até o pé e calça estreita na cintura. Os bailes black já se mostravam atraentes à economia, com a vendagem de discos, roupas, artigos de beleza, além do consumo de bebidas. Mesmo com estas inúmeras razões de consumo, era possível encontrar crianças de 10 anos no meio de dançarinos veteranos, já que a violência e o consumo de drogas eram praticamente nulos25. Mas, com o passar dos anos, o corpo estético dos bailes foi alterado, principalmente com a evolução das letras e das roupas do funk, já que a dança sempre procurou explorar o lado sensual e marcante, principalmente das mulheres.

As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares, que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes. (BOURDIEU, 2002, p. 10)

Deste modo, a roupa tem como objetivo exibir uma ideologia particular. Ela, como afirma Bourdieu (2002) deve ser comum a um grupo. Sua apresentação se torna mais marcante perante aos grupos de acordo com o modo que se confronta com a moral

25 Informações retiradas dos livros de Hermano Vianna (1987) e Silvio Essinger (2005).

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predominante no país, que no caso é o catolicismo. Entretanto, não faz parte de uma repressão a certo grupo ou ao estado. Neste caso, pertence a um conjunto de necessidades similares ao grupo que pertence e frequenta regularmente. Na sociedade atual de consumo não é cabível e nem aceitável que uma pessoa destoe do restante. Por sua vez, é nítida a semelhança de homens e mulheres que frequentam regularmente os bailes. O artefato não está apenas comunicando algo a alguém, mas tende como significado buscar valores, não referentes à maioria, mas sim àqueles que são figuras vistas constantemente. A roupa serve como um marcador de território e posição sobre os mais diversos assuntos. As vestimentas, de acordo com Gilson Monteiro (1997)26, é uma representação imagética de grupo, funcionando como uma das primeiras apresentações pessoais não verbal:

servem para distinguir a classe social a qual o indivíduo pertence. Carrega todo o significado do papel que o indivíduo representa dentro da sociedade. Modernamente, não representa tanto uma classe social, mas, é uma forma de distinguir o grupo ao qual o indivíduo pertence (MONTEIRO, 1997).

Assim, abriu-se a possibilidade (MARTINO, 2006) de que os Estudos Culturais legitimariam grupos marginalizados. “As culturas negras, de periferia, punks e outras tantas ‘subculturas’, para usar a expressão – sem sentidos negativos – de Dick Hebdige, deixam de ser confinadas aos respectivos guetos e passam ao cenário cultural não como ‘objetos antropológicos’", mas como manifestações de uma cultura inserida em um espaço simbólico de luta. O funk é um dos grupos que enfrenta constantemente a dificuldade de ter uma imagem negativa. Mesmo com sua expansão para fora do Brasil e do mercado estar em constante evolução, ele sempre é rechaçado por fugir deste estereótipo de indivíduo católico.

Aliás, é a partir dos Estudos Culturais que novos objetos são integrados à pauta de pesquisa. Música pop, desenhos animados, jogos de futebol, telenovelas e até mesmo um jogo de dominó tornam-se objetos para os Estudos Culturais na medida em que são parte da prática cultural de um grupo. Esses produtos culturais por muito tempo foram considerados "menores" e indignos de estudo em alguns círculos acadêmicos, como se a cultura do povo não tivesse méritos próprios suficientes para merecer um estudo (MARTINO, 2006, pp. 33-54).

Diferente do que muitos autores seguem como tendência, a sociedade não é um sistema homogêneo, pois cada ser tende com a construção de sua identidade, dos símbolos e códigos valorativos que existem nos diversos centros urbanos.

26 http://bocc.ubi.pt/pag/monteiro-gilson-roupas.html , acessado em 20 de abril de 2009.

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Já na década de 80 e 90, Vianna (1987) verifica que as saias e os shorts são curtos e rentes ao corpo feminino, além do uso de bustiês colantes e camisetas curtas que deixam a barriga à mostra. Estes saíram de certo modo do uso comum. Em contrapartida, a calça de moletom stretch27 é a peça utilizada durante a primeira década do século XXI, comparado aos mini vestidos. Este tipo de comportamento tem relação direta ao gosto que rege os homens. São vestimentas justas que realçam o corpo feminino.

Os objetos são tratados como articuladores de oposições, o que resulta em uma análise sistêmica dos bens. A indumentária é tomada como formadora de um figurino, como em uma peça teatral. Um conjunto de roupas constituído para uma apresentação específica, com personagens a serem encenados e que se diferenciam uns dos outros em função de seus distintos papéis sociais, dos contrastes que estabelecem entre si. Portanto, as noções de figurino e espetáculo sintetizam precisamente esse viés inicial ao permitirem tratar a estética arrolada como um todo antropológico. O “figurino funk” é abordado como um conjunto formado por relações de oposição, estabelecidas pelos diversos elementos que constituem o grupamento de roupas e adornos corporais. O objeto, dessa perspectiva, é pensado não como um termo independente, mas como um elemento que pertence a um todo que engendra um sistema relacional e que, portanto, deve ter seu sentido apreendido a partir do encadeamento das oposições que estabelece com os outros elementos do conjunto (Lévi-Strauss, 1996, p. 48- 233, apud MIZRAHI, 2007, pp. 231-262)

E Mizrahi completa

Então, a “calça de moletom stretch”, não é somente importante por representar as meninas do funk , ou a atmosfera e o desejo de sedução que se presencia no baile, mas ela efetivamente carrega esse poder. Poder do erótico, da sedução, da provocação (MIZRAHI, 2007, p. 233)

Esta singularização pela busca de um símbolo criado, por ser sua tônica ter a juventude como consumidora insensata e regular, Bourdieu acredita e aqui, concordamos, que o modo de se vestir é o principal quesito para a integração e a proliferação de uma cultura.

Dentre todos os tipos de consumo e de conduta passíveis de abrigar uma função expressiva, quer se trate da compra de um automóvel, da decoração de um apartamento ou da escolha de uma escola para os filhos, são as roupas e os enfeites (em virtude de seu elevado rendimento simbólico) que, ao lado da linguagem e da cultura, melhor realizam a função de sociação e dissociação (BOURDIEU, 1974, p. 18)

27 Tipo de tecido mais maleável e que cede com facilidade.

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Mesmo que a moda consiga marcar de um jeito simbólico a possibilidade de adotar de uma forma corriqueira e de certo modo a transferência rápida de signos distintos, é necessário que ocorra uma lógica, uma marca comum entre os participantes do grupo em questão. Por isso que o funk tem uma vertente de estereótipo que muda só se certo número de pessoas aderirem à nova tendência. Já os homens se apropriam de roupas desenhadas e vendidas em lojas de surf, com bermudas e camisetas coloridas, com desenhos de mar e prancha de surf e tênis sem meia. Todavia, os próprios criaram uma moda singular, incluindo bonés, toucas e cordões no pescoço. Musicalmente falando, os bailes não são lugares em que há criações e se esbanja novidades. Entretanto, é consumido o que está em seu entorno, além de informação. Esse estilo, essa necessidade de estar bem vestido deu origem a uma música de grande sucesso.

Rap da diferença MC Markynhos/MC Dollores

Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Eu no baile funk danço a dança da bundinha Sou MC Dolores e criado na Rocinha Eu no baile charme já danço social Sou MC Markinhos muito velho em Marechal Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante

Eu sou funkeiro ando de chapéu Cabelo enrolado, cordãozinho e anel Me visto no estilo internacional Reebok ou de Nike sempre abalou geral Bermudão da Cyclone, Nike original Meu quepe importado é tradicional Se ligue nos tecidos do funkeiro nacional A moda Rio funk melhorou o meu astral Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Eu sou charmeiro ando social Camisa abotoada num tremendo visual Uma calça de baile e um sapato bem legal Meu cabelo é asa delta ou então de pica pau No mundo do charme eu sou sensual

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Charmeiro de verdade curte baile na moral Os new jack swing15 são a atração Trazendo as morenas para o meio do salão Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Qual a diferença entre o charme e o funk? Um anda bonito, o outro elegante Eu no baile funk danço a dança da bundinha Estou me despedindo, mas sem perder a linha

Tidos como necessidade básica da integração social, as roupas são símbolos de comunicação, que tornam possível a reprodução e ordem social. O funk carioca entra como um poder simbólico para expor uma necessidade das classes suburbanas, desprovidas de auto-estima. E por meio dele que “A abdicação empirista tem todas as aparências e todas as aprovações a seu favor porque, eximindo-se à construção, deixa ao mundo social tal como é, à ordem estabelecida” (BOURDIEU, 2002, p. 42). Essa construção de um planeta somente do funk carioca destoa do mundo. O funk assume traços de um movimento minoritário (DELEUZE; GUATTARI, 1996), termo que permite uma diferenciação da noção de minoria e da noção de marginal. Enquanto esta última traz consigo a problemática da inclusão e aquela indica uma relação de quantidade, o minoritário se opõe ao majoritário político e qualitativamente (ABAETÉ, 2006). O funk permite um acesso privilegiado ao mundo de significações que corre dentro de seus fragmentos, um acesso à dimensão interior de seu quadro. Deste modo, é necessário investigar a sociedade e seus grupos dentro da indústria cultural.

o funk carioca, um mundo construído em torno da alegria, também contribui para explicitar a diversidade cultural que já existe numa metrópole como o Rio de Janeiro. A “indústria cultural” não tem, como mostram os bailes, somente um efeito homogeneizador. Os vários grupos culturais utilizam suas mensagens de formas diferentes e até mesmo podem desenvolver canais de comunicação que não passam pelas emissoras de rádio e TV “oficiais”. Esse é o caso da ligação entre os subúrbios do Rio e os bairros negros de Nova Iorque. (VIANNA, 1987, p. 141)

1.9. Sua relação com o sexo

Decorrente à forma de se vestir, o funk apresentou em pouco tempo de existência uma transformação de gênero e cultura. Apesar de Vianna acreditar que os bailes possuem papel fundamental no que tange ao divertimento e à interação, a participação feminina pendeu-se para um problema social e de machismo.

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O divertimento é uma rápida fuga das obrigações cotidianas, não tendo, a princípio, nenhuma utilidade. Os homens sabem que precisam da “vie sérieuse”, sem ela toda a vida coletiva seria impossível. Por isso, a festa deixa de ser inútil e passa a ter uma função: depois da cerimônia, cada indivíduo volta à vida séria com mais coragem e ardor. A festa, como o ritual religioso, reabastece a sociedade de energia. (VIANNA, 1987, p. 17)

Das músicas iniciais que tinham como tema a exibição do cotidiano e da vida daqueles que vivem no subúrbio, com seus objetivos de vida, a sociedade passou a consumir um conteúdo com ênfase sexual e de letras que incentivavam o sexo. As relações sexuais tiverem efeito imediato nos bailes, já que o público frequentador dos bailes é jovem e sem estrutura cultural para diferenciar a necessidade da utilização de preservativos ou meios anticoncepcionais durante as festas. A reafirmação feminina por esta posição fez com que meninas entre 12 e 16 anos, de acordo com matéria da revista Veja e informações da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, mantivessem relações durante as danças. Além das cantoras, como a personagem Tati Quebra Barraco e as dançarinas seminuas que frequentemente aparecem no palco, a estética das roupas usadas pelos jovens tendem a conduzir ao sexo que, por sua vez, deve ser compreendida em termos da atmosfera de atração e disputa que está presente no baile. Por assim dizer, o erotismo é um traço marcante e predominante das relações intersociais estabelecidas com a premissa de provocar e seduzir o sexo oposto, mesmo sem a busca, por muitos, por relações sexuais em si. Esta sedução tem como significado a disputa de poder e que, na maioria das vezes, as adolescentes sofrem com uma gravidez precoce ou a contaminação por alguma doença. Para Carter (1979), as relações sexuais estão relacionadas a um determinando momento histórico. O pensamento de que o ato sexual é apenas um preenchimento de orifícios não cita o contexto, as pessoas envolvidas, o momento e a ideologia da época, além de reduzir os atores a instrumentos de simples funções, em que a busca do prazer se torna, em si mesma, uma questão metafísica. A busca por satisfação própria e a deturpação da sexualidade criou linhas concretas que hoje imaginam que o prazer pode ser adquirido de forma isolada, por meio de produtos eróticos ou por relações atemporais, como se o sentimento envolto e o corpo fossem mercadorias. As letras do funk carioca banalizam o prazer, reduzem drasticamente a historia do ser, que conta com uma vida e uma determinação em ser feliz, além de colocar a sociedade como um papel a ser desempenhado no sexo. Além disso, entra em confronto com a ideologia

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brasileira e católica, já que a relação sexual entre pessoas que não tenham uma vida civil juntas é considerada pecado. A criação das letras ditas como femininas vem de encontro contra o posicionamento egoísta sexual exercido pelos homens durante séculos. Com a criação dos métodos anticonceptivos, elas alcançaram certa liberdade por terem o controle de sua sexualidade, além de terem alcançado certa liberdade econômica, que permite que elas imponham-se nas relações sexuais para que os seus desejos sejam satisfeitos. Entretanto, com a banalização da sexualidade proposta inconscientemente pelo funk, as mulheres começam a comportar-se como homens no sentido historicamente determinado, isto é, pensando somente no seu próprio prazer, gerando individualismo, ainda que ela não esteja isolada de fato. Isso explica, talvez, a tentativa de afirmação feminina por meio de valores masculinos tradicionais. Entretanto, dizer que o funk carioca denigre o posicionamento da mulher perante à sociedade é algo incoerente, já que o Carnaval é a festa brasileira com maior visibilidade mundial e tem como foco principal mulheres seminuas e bailes que promovem o sexo.

1.10 A lei que rege os bailes

Em 29 de maio de 2000, uma lei foi aprovada pelo então governador em exercício do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza, dispondo sobre a realização de bailes tipo funk no território do estado do Rio de Janeiro. Assim, a Assembléia Legislativa decretou que:

Art. 1º - São diretamente responsáveis pela promoção e/ou patrocínio de eventos Funk os presidentes, diretores e gerentes das entidades esportivas, sociais e recreativas e de quaisquer locais em que eles são realizados. Art. 2º - Os clubes, entidades e locais fechados em que são realizados bailes Funk ficam obrigados a instalar detectores de metais em suas portarias. Art. 3º - Só será permitida a realização de bailes Funk em todo o território do Estado do Rio de Janeiro com a presença de policiais militares, do início ao encerramento do evento. Art. 4º - Os responsáveis pelos acontecimentos de que trata esta lei deverão solicitar, por escrito, e previamente, autorização da autoridade policial para a sua realização, respeitada a legislação em vigor.

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Art. 5º - A Força Policial poderá interditar o clube e/ou local em que ocorrer atos de violência incentivada, erotismo e de pornografia, bem como onde se constatar o chamado corredor da morte. Art. 6º - Fica proibida a execução de músicas e procedimentos de apologia ao crime nos locais em que se realizam eventos sociais e esportivos de quaisquer natureza. Art. 7º - A autoridade policial deverá adotar atos de fiscalização intensa para proibir a venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes, nos clubes e estabelecimento de fins comerciais.

Já em 27 de maio de 2008 foi publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro mais regulamentações sobre bailes funks. A Secretaria de Segurança e os órgãos policiais são os responsáveis por autorizar e fiscalizar os eventos, inclusive o tempo de duração, que tem limite máximo de 12 horas. Todos devem ser monitorados por câmeras de vídeos e as imagens devem ficar guardadas e à disposição da polícia por seis meses. Outra obrigatoriedade é a quantidade de um banheiro de cada sexo para cada 50 pessoas. Assim:

- Autorização: Solicitação a Secretaria de Segurança, com antecedência mínima de 30 dias úteis; - Câmeras: câmeras instaladas, com dispositivo de gravação. Vídeos devem ficar disponíveis pelo prazo de seis meses; - Revista: todos devem ser revistados. O local tem que ser iluminado e monitorado por câmera; - Banheiros: um banheiro feminino e um masculino para cada 50 pessoas. Poderão ser banheiros químicos; - Duração: limitada pela policia. O máximo será de 12 horas. Em caso de perigo à população, a autorização poderá ser revista; - Responsáveis: somente pessoas físicas ou jurídicas que explorem estabelecimentos comerciais.

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CAPÍTULO II – LINGUAGEM E DISCURSO

A pesquisa descritiva, segundo Cervo e Bervian (2002, p. 66) “observa, registra, analisa e correlaciona fatos e fenômenos (variáveis) sem manipulá-los”. A validade da pesquisa é validada por Bakhtin (1997), pois “não há textos puros, nem poderia haver. Qualquer texto comporta, por outro lado, elementos que se poderiam chamar técnicos (aspecto técnico de grafia, da elocução etc)”. Deste modo, até mesmo os textos informativos, possuem uma carga levemente imparcial. Com isto, a pesquisa documental valida o processo já que a investigação de “documentos a fim de se poder descrever e comparar usos e costumes, tendências, diferenças e outras características. Estuda a realidade presente” (CERVO e BERVIAN, 2002, p. 67). Os textos da Veja exprimem por meio de sua língua28 uma conotação ideológica e diretiva. Com o auxilio da linguagem, é possível verificar especificamente com meios da análise de discurso que possibilitem a realização de uma análise mais detalhada, utilizando, por exemplo, a verificação de operadores argumentativos e verbos introdutores de opinião. A ação dos verbos introdutores de opinião mostra que jornalistas, quando reproduzem opiniões alheias das fontes consultadas para suas reportagens, estão submetidas “a um sistema de formulação que não é neutro” (MARCUSCHI, 1991). De acordo com o autor, quando se reproduz a opinião de alguém, há outra construção sintática que as do autor, o que gera uma possível alteração ou inferência no discurso reatado. Assim, “apresentar ou citar o pensamento de alguém implica, além de uma oferta de informação, também certa tomada de posição diante do exposto” (MARCUSCHI, 1991). Deste modo a classificação dos verbos pela função está dividida em sete categorias:

-indicadores de posições oficiais e afirmações positivas -indicadores de força do argumento -indicadores de emocionalidade circunstancial -indicadores de provisoriedade do argumento -organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso

28 a língua é uma instituição social, enquanto a palavra é um ato individual. Enquanto instituição social, a língua é um sistema organizado de signos que exprimem idéias; representa o aspecto codificado da linguagem. A lingüística tem por tarefa estudar as regras desse sistema organizado por meio dos quais ele produz sentido. A linguagem pode ser segmentada, logo, analisada; trata-se de descobrir as oposições, as diferenças que permitem a uma língua funcionar e significar. (MATTELART, 1999, p. 86)

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-indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos -interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido

Já os operadores argumentativos designam “certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar a força argumentativa dos enunciados, a direção para o qual apontam” (KOCH, 1995, p. 30). Os principais tipos de operadores são:

-assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada no sentido de determinada conclusão: até, mesmo, inclusive etc.; -somam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e, também, nem, mas também etc.; -introduzem uma conclusão relativamente a argumentos apresentados em enunciados anteriores: logo, portanto, pois etc.; -introduzem argumentos alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas: ou, quer...que, ou então etc.; -estabelecem relações de comparação entre elementos, com vistas a uma dada conclusão: menos que, mais que, tão... como, etc.; -contrapõem argumentos orientados para conclusões contraditórias: porém, contudo, todavia, mas, embora, ainda que etc.; -introduzem no enunciado conteúdos pressupostos: ainda, agora, já etc..

Assim, por meio de seus jornalistas e da palavra escrita explícita na publicação, a Veja consegue transformar em linguagem suas opiniões. Para que isso realmente tenha um funcionamento entre as partes (leitor e meio de comunicação) é necessário cooperação, o princípio da pertinência, o da sinceridade, da informalidade, da exaustividade e da modalidade.

Os sujeitos agem de acordo com o que, segundo sua experiência, deveria ser o comportamento dos outros numa situação desse tipo. É desse modo que se instituem normas de comportamento relativamente estáveis, vinculadas a sistemas de expectativas mútuas: você realiza algo adequando-se a uma regra e espera que os outros façam o mesmo. (MAINGUENEAU,1996, p. 116)

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De acordo com o princípio da cooperação, os sujeitos que realizam a comunicação devem se esforçar para que não ocorra uma interrupção da atividade discursiva esperada. Eles devem manter seus deveres de forma verdadeira. Em termos de discurso (MAINGUENEAU, 2001), pode-se dizer que o discurso da imprensa escrita é um gênero dentro do tipo midiático. Para que esse discurso seja bem sucedido, exige-se que os interlocutores compreendam o gênero em questão. Neste caso, o leitor das revistas citadas e o enunciador precisam saber qual é o seu papel dentro do discurso proposto. A definição desses papéis se dá pelo chamado contrato de leitura, citado tanto em Verón (2005) como por Maingueneau (2001):

Dizer que o gênero de discurso é um contrato significa afirmar que ele é fundamentalmente cooperativo e regido por normas [...]. Todo gênero de discurso exige daqueles que dele participam a aceitação de um certo número de regras mutuamente conhecidas e as sanções previstas para quem as transgredir. Evidentemente, esse “contrato” não necessita ser objeto de um acordo explícito [...] (MAINGUENEAU, 2001, p. 69).

Van Dijk afirma que o discurso é a unidade passível de observação, que se interpreta quando se vê ou se ouve uma enunciação. Já o texto é a unidade teoricamente reconstruída. Fávero e Kock (1998) manifestam-se afirmando que o discurso ocorre por meio de uma situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor. Os discursos utilizados pelos veículos constroem o dispositivo de enunciação, que aborda categoricamente aquele de quem fala, aquele a quem o discurso é direcionado e a relação entre ambos. A análise “procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos veiculados àqueles produtos da sociedade” (PINTO, 1990, p. 7). Para a análise destas matérias foi então utilizada a teoria do Contrato de Leitura exposto por Eliseo Verón. De acordo com o teórico, se o mesmo é condizente com os textos, o leitor assim vai identificar o que é coerente com seus valores pessoais. Baccega amplia a visão quando relata que esse discurso dos veículos de comunicação, que primordialmente é o jornalístico, consegue criar diversas vertentes e verdades de um único assunto:

Esse discurso jornalístico, uma das manifestações do discurso da comunicação, mascara a realidade. No entanto, difunde-se na sociedade que ele mostra mil faces do mesmo acontecimento. Essa é uma postura dita liberal que afirma: se queremos ter objetividade – já que todo discurso está eivado de subjetividade -, basta dar lugar, numa sociedade, a essa pluralidade de vozes que o constitui. Esse ‘sofisma’ aquieta as consciências.

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Sofisma porque, evidentemente, se uma sociedade tem uma pluralidade de vozes, uma delas exercerá a hegemonia e procurará mantê-la, ou seja, não permitirá que todas as vozes falem com o mesmo caráter de verdade. Isso quando conseguem falar. (BACCEGA, 1998, p. 58)

Uma mensagem não produz automaticamente um efeito, mas sim um campo de efeitos de acordo com Verón, pois “os produtos culturais são entendidos como textos, como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e/ou de outros sistemas semióticos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente”. (PINTO, 1990, p. 7). Por isso, as matérias escolhidas envolvem não somente o funk carioca, mas seu mercado cultural, artístico, social, financeiro e o do envolvimento feminino com a moda e a sexualidade. As diferentes percepções das revistas podem causar efeitos diferentes, já que seus públicos, apesar de serem influenciados pelo assunto em questão, possuem diferenças.

O problema não é simples, pois uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito. Todo discurso desenha, ao contrário, um campo de efeitos de sentido e não um é único efeito. A relação entre a produção e a recepção é complexa: nada de causalidade linear no universo do sentido. Ao mesmo tempo, um discurso dado não produz um efeito qualquer. A questão dos efeitos é, portanto, incontornável. (VERÓN, 2005, p. 217)

2.1 Tipos de discursos

Para estabelecer uma apuração mais distinta do discurso, é preciso analisar a linguagem, com foco na análise de discursos. Assim, averigua-se que existem diversos formatos de discursos, como o religioso, político, social etc.. Para Verón (2005, p. 249), “o que varia de uma frase a outra não é o dito, mas a relação do locutor ao que ele diz, as modalidades de dizer”. Essa função nos veículos de comunicação cabe aos jornalistas ou aos colunistas contratados, que escrevem de acordo com a política, a ética e os valores dos meios em que trabalham. Orlandi (1979) definiu um quadro epistemológico que apresenta a análise de discurso em três regiões de conhecimento cientifico:

- Ideológico-cultural: teoria das formações sociais e suas transformações transmitidas pelo materialismo histórico; - Linguística: teoria dos processos de enunciação;

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- Discursiva: Teoria da determinação histórica dos processos semânticos

Deste modo, uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito. Todo discurso desenha um campo de efeitos de sentido e não um e único efeito tornando a relação produção-recepção é complexa. Com pequenas alterações, muitas vezes nem sentidas pelos leitores, são inseridas de forma a persuadir e formatar sua opinião de acordo com o que é lido. Para Ducrot (1971), deixar entender os fatos que não queremos assinalar de modo explícito é apresentar, em seu lugar, outros fatos que podem aparecer como a causa ou a consequência necessárias dos primeiros. Deste modo, os verbos de opinião e os operadores argumentativos podem ser utilizados de forma a induzir o leitor a crer no que o veículo deseja. Os discursos embutidos nestes textos e escritos pelos jornalistas, de acordo com a ética jornalística, deveriam seguir uma linha informativa textual. Porém, para Medina, o ser humano isolado é insuficiente para alcançar uma resposta satisfatória. O vazio que possui precisa ser preenchido, condicionando, assim o aparecimento de certo tipo de agente, os “trabalhadores intelectuais”. Esses seriam os meios de comunicação, os “mass media”. Neste caso, os jornalistas preenchem seus textos com opiniões próprias ou do veículo em questão. Dijk segue uma linha parecida de pensamento, pois relata que o discurso chega a influenciar o raciocínio dos receptores, controlando indiretamente o pensamento dos leitores. Para ele, as ideologias e os valores podem ser construídos por meio do discurso que, além de outras instituições, também são oferecidos pelos meios de comunicação, já que cada palavra inserida num contexto do discurso jornalístico conta com uma carga ideológica por parte do enunciador. Quando analisados diretamente os textos que relatam os fatos do funk, é perceptível que há uma diferença de classes sociais (entre os leitores e os personagens das matérias). Em um dos leads é exemplificada a discriminação ao usar as palavras pobres, subúrbio e indigente. Gonçalves (2005) corrobora e completa dizendo que uma palavra pode ser entendida com diferentes formas, o que pode causar ainda mais impacto ao leitor- receptor.

Sabe-se que a palavra, inserida no contexto da comunicação, é prenhe de significados e de ideologias e que a escolha de uma e não de outra marca a posição do indivíduo frente ao fato abordado, ou seja, as palavras podem ocupar o lugar umas das outras, conforme o contexto, mas sempre imprimindo nuances diferentes de significação (GONÇALVES, 2005, pp. 35-52).

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Para se ter um efeito desejado ou uma ênfase em algum aspecto, análises são feitas averiguando-se os textos e as imagens que compõe todo o cenário. Verificam-se os operadores argumentativos (KOCH, 1995), os verbos introdutores de opinião (MARCUSCHI, 1991), a utilização de gírias, paráfrases etc.. Mas, para se obter um retorno mais preciso destas análises, a contextualização temporal é fundamental para entender o motivo e os discursos utilizados. A contextualização de tempo é um fator extremamente significativo, já que a potencialidade individual de necessidades influencia os padrões de atenção das pessoas para o conteúdo da mídia (DEFLEUR, 1993). Mesmo com a criação do estereótipo, a imagem do funkeiro e do rapper exerce fascínio sobre um número de jovens que encontra na sociabilidade e nos estilos que promovem formas fundamentais de expressão e comunicação (HERSCHMANN, 1997). Essa relação entre espaço social, o gosto e o estilo de vida de certos grupos de pessoas, as formas de consumo cultural, além das relações entre os discursos e os mercados simbólicos, são retratados por Bourdieu (2005) no contexto da modernidade nesta amplitude de contextualização e da oportunidade de acessibilidade a qualquer meio ou mensagem. A análise de discurso é a construção de um dispositivo da interpretação, que tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar (ORLANDI, 2000). Assim, não se busca uma verdade ou sobre o que é certo ou errado, mas se analisa qual o sentido linguístico e histórico. Deste modo, o movimento funk é o objeto de estudo desta pesquisa por entender que, se o assunto é relevante para uma matéria, ele é de conhecimento do leitor e oferece certo sentimento neste que a lê, pois o próprio texto enunciativo já possui uma relação com o receptor, de modo que já se supõe a ligação entre eles (BAHKTIN, 1997). O jornalista, desde que assume uma relação com o meio de comunicação e depois com o leitor, possui metaforicamente linhas de veracidade, objetividade e relação com tudo que for de extrema necessidade de seu leitor. Aqueles que produzem a revista devem seguir ideologicamente o mesmo discurso do veículo. Estes que estão relacionados com o discurso inserido sofrem uma carga de valores e ideologia. “Ao fazer parte de uma determinada comunidade (profissional, sectária, política, ideológica), o falante age como ideólogo, tendo restrita sua liberdade de produzir enunciados não alinhados com o arcabouço ideológico do grupo” (OLIVEIRA, 2008). Gill (2002) conseguiu identificar pelo menos 57 variedades de análise de discurso. Em todas, encontrou uma origem comum na crítica à ciência social tradicional, o que lhe confere

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uma base metodológica diferente. “Uma conclusão dessa posição epistemológica é que a análise de discurso não pode ser usada para tratar os mesmos tipos de questões como os enfoques tradicionais. Ela sugere, ao invés, novas questões, ou maneiras, de reformular as antigas” (2002, p. 245). Deste modo, o conceito real da análise de discurso é o de “como práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico, mas que também são partes constitutivas daquele contexto (...) e cujas implicações político ideológicas procuravam desvelar, de um ponto de vista crítico” (PINTO, 1999, p. 17). Essa análise está relacionada com “a função das ideologias como constitutivas da produção/reprodução dos sentidos sociais, por força dos aparelhos ideológicos, desenvolvida por Louis Althusser” (PINTO, 1999, p. 17). Assim, das formas de discursos existentes, as que são de direto contato com a revista Veja e as matérias citadas nesta pesquisa são:

- Discurso autorizado: é proferido por alguém dotado de autoridade para ser o porta-voz de um determinado segmento ou instituição. Pode ser tanto de um médico, gerente ou de uma empresa, que neste caso é a Editora Abril, representada pelo jornalista que assina a matéria; - Discurso autoritário: o enunciador impõe a vontade sobre o ouvinte/leitor, sem oferecer oportunidade de responder ou questionar. Significa a vontade de poder, de influenciar comportamentos; - Discurso emocional: transmite mensagens pelo viés da emoção do significado presente no texto, não o impedindo de ser extremamente eficiente com a persuasão.

2.2 Poder do discurso

O discurso e seu poder ideológico envolvem uma relação marcante do enunciador perante o receptor.

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso - como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traz lutas ou o sistema de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 1996, p. 10).

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A relação é expressa porque “todo discurso, antes de representar o mundo, representa uma relação, ou, mais exatamente, representa o mundo ao representar uma relação” (CHARAUDEAU, 2006, p. 42). Além disso, "Hoje, estamos cada vez mais convictos de que o midium não é simples ‘meio’ de transmissão do discurso, mas que ele imprime certo aspecto a seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos fazer” (MAINGUENEAU, 2001, p. 71). Ao invés do “quem fala” ser simplesmente um retransmissor da informação, ele vira fonte ideológica e de valores sobre os assuntos que são de conhecimento do leitor, mas não de domínio. Alguns textos possuem palavras e afirmações mais fortes e de forma explícita, já que “o discurso não é neutro, a língua não é o espelho da realidade, mas sim sua representação. Todo texto apresenta uma carga de significação implícita a ser recuperada pelo ouvinte/leitor por ocasião da atividade de produção do sentido (informações subentendidas)” (GONÇALVES, 2008, p. 6). Assim, interfere o leitor em seus próprios pensamentos sobre o assunto debatido em questão. Mas não é somente no texto em que há este apanhado de conotações. Como uma matéria é feita com texto, imagem, disposição de diagramação, capa, é necessário um olhar mais apurado e atento em todos os detalhes, verificando o quê e para quê aquela informação está inserida naquele veículo e qual a sua relação com o contexto histórico. O contexto é o destaque de um enunciado, já que o meio social acaba definindo a enunciação. Com este pensar, a pesar de parecer somente um resultado de interação, as palavras expostas possuem um “um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente” (BAKHTIN, 1978, p. 47). Cada texto pressupõe um sistema compreensível para todos – uma língua. Se por traz do texto não há uma língua, já não se trata de um texto, mas de um fenômeno natural. (BAKHTIN, 1997, p. 331). Deste modo, os textos não são puros, pois eles são feitos com termos técnicos, grafia, elocução etc.. Apesar das formas de discurso, nem sempre temos o controle total sobre o mesmo. Como tudo é analisado de acordo com o contexto, o discurso de domínio passa a conter forças ideológicas perante os grupos:

O ideológico está presente num texto pelas marcas ou trações que estas regras formais de geração de sentidos deixam na superfície textual (...). Uma parte do ideológico também transparece num texto sob a forma de preconstruídos, que são inferências e pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência à interpretação que faz,

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interligando as frases e partes do texto e ligando-o a um mundo (PINTO, 1999, p. 41).

Lage (1986, p. 6) relata que mídias impressas apresentam três características de linguagem para sua compreensão:

- Registros de linguagem: quando o jornalismo realiza a alternância das formas coloquial e formal, permitindo um entendimento da comunicação e aceitação social; - Processo de comunicação: a linguagem jornalística é necessariamente escrita em terceira pessoa. Assim, aliado aos enunciados, promovem efeito de realismo por meio de valores; - Compromisso ideológico: utilização de termos com total domínio entre as partes (emissor e receptor) para permitir a comunicação. Termos ambíguos, eufêmicos, metafóricos, sarcásticos podem dificultar esta comunicação.

Além disso, ele afirma que as reportagens jornalísticas são desenvolvidas a partir de três componentes fundamentais:

-projeto gráfico: como fica a disposição de imagens e textos dentro de uma página; -sistema analógico: tudo que está exposto, mas que não está escrito, como infográficos, imagens, ilustrações etc.; -sistema linguístico: completa as expressões corporais e demais dados com a utilização do texto.

Como todo enunciado quer dizer algo, ele possui dois níveis de interpretação: o de seu significado ou sentido, que se apresenta como foi articulado pelo locutor, ou pelo papel que esse locutor assumiu ao emitir o enunciado. As interpretações de um enunciado vão depender duramente das relações inter-pessoais que se estabelecem no momento da enunciação. A pragmática deve ser vista como atividade inter-individual realizada no discurso, ou seja, a significação é o conjunto de relações instituídas na atividade de linguagem entre os indivíduos. Mas, quando se diz algo, há três níveis diferenciados:

-Sentido explícito: é o nível semântico e pode dissimular os demais sentidos implícitos; -Sentido implícito absoluto: se introduz, mas sem que o locutor queira ou saiba;

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-Sentido implícito relativo: é aquilo que o locutor quer dizer, funda-se no pressuposto de que quem fala sempre tem determinadas intenções.

Com estes níveis há diversas formas de interpretação. “Compreende-se o querer dizer como um querer fazer; desse modo, introduzem-se no sentido todas as intenções de ações”. (KOCK, 1984, p. 26). Como Koch levanta a hipótese de que o que é dito pode não ser sincero mas com a ocorrência de alusões ou ironias por exemplo, o receptor deve avaliar os atos da fala. Além de avaliar estes atos, o receptor é influenciado no discurso pela multiplicidade de contextos e das vozes inseridas no enunciado, já que a mensagem é emitida por alguém e deve chegar a outrem. Essa relação deve ser estudada de forma correta, pois há uma mútua força sócio-cultural entre texto, produção e circulação, incluindo a questão ideológica.

O ideológico está presente num texto pelas marcas ou trações que estas regras formais de geração de sentidos deixam na superfície textual (...) Uma parte do ideológico também transparece num texto sob a forma de pré-construídos, que são inferências e pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência à interpretação que faz, interligando as frases e partes do texto e ligando-o a um mundo (PINTO, 1999, p. 41).

Assim, a manipulação e a persuasão feitas pela mídia não ocorrem somente com a intencionalidade de um enunciador fazer com que o receptor aja de maneira que destine confiança e credibilidade a quem fala. A mesma informação torna-se uma realidade, carregada de subjetividade, já que “tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situada fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo” (CITELLI, 2001, p. 27). Persuasão, que não significa coerção ou mentira, “pode ser a representação do desejo de se prescrever a adoção de alguns comportamentos, cujos resultados finais apresentem saldos socialmente positivos” (CITELLI, 2001, p. 67). Para a persuasão existir é necessário à circulação de idéias, não havendo a pluralidade de mensagens. Assim, ela nos leva a conclusões definitivas, incentiva-nos saber o que desejar, querer, compreender.

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2.3 Estudos culturais

O funk carioca é constituído de um movimento sócio-cultural que gerou proporções internacionais. Para estudar a globalização e a cultura em que está inserido, o funk pode ser visto pela Escola Inglesa, já que ela caracteriza-se pelos Estudos Culturais que,

(...) são, de certa maneira, a execução da idéia de "obra aberta" definida por Umberto Eco. Estão em permanente construção, agregando idéias, teorias e métodos – para compreender, não para fechar o assunto (...) Distante da crítica ideológica do marxismo e das concepções da Escola de Frankfurt, eles procuravam compreender o significado das práticas culturais no contexto do povo, entendido como um receptor mas também como um produtor da cultura (MARTINO, 2006, pp. 33-54).

Como o funk está agregado à sociedade brasileira, e aos poucos tem ganhado notoriedade dos estrangeiros, os Estudos Sociais são um meio de estudo já que a linha é analisar um lugar no qual várias culturas dos mais diferenciados segmentos possuem sua representação nos meios, não como dominados por outras culturas, mas por produzir material, por serem produtores. Essa nova possibilidade de analisar as culturas contemporâneas foi possível, pois “a partir dos Estudos Culturais que novos objetos são integrados à pauta de pesquisa. Música pop, desenhos animados, jogos de futebol, telenovelas e até mesmo um jogo de dominó tornam-se objetos para os Estudos Culturais na medida em que são parte da prática cultural de um grupo”. (MARTINO, 2006, pp. 33-54) De acordo com Martino, o funk não pode ser vulgarizado ou rigidamente criticado e visto com preconceito, como é tratado na revista Veja, já que em algumas matérias os jornalistas usam palavras pejorativas e mal intencionadas, apesar de “esses produtos culturais por muito tempo foram considerados ‘menores’ e indignos de estudo em alguns círculos acadêmicos, como se a cultura do povo não tivesse méritos próprios suficientes para merecer um estudo (MARTINO, 2006, pp. 33-54). Ele deve ser estudado, analisado, pois se uma parte da população tem o interesse no mesmo e se os meios de comunicação o retratam com frequência e com veemência, seu caminho natural seria virar um movimento com a mesma importância do samba.

Em alguma medida, os Estudos Culturais abriram espaço para grupos marginalizados ganharem legitimidade acadêmica suficiente para se firmar como pontos importantes da sociedade. As culturas negras, de periferia, punks e outras tantas "subculturas", para a usar a expressão – sem sentidos negativos – de Dick Hebdige, deixam de ser confinadas aos respectivos

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guetos e passam ao cenário cultural não como "objetos antropológicos", mas como manifestações de uma cultura inserida em um espaço simbólico de luta. E isso os Estudos Culturais tomam emprestado de Pierre Bourdieu (MARTINO, 2006, pp. 33-54).

Na matéria do dia 15 de julho e 1998, na página 88, cujo título é “No funk com Jesus”, que traz bailes gospel que tocam funk, mas com temáticas diferenciadas, que segue anexa, o texto traz o funk carioca como um movimento marginal em que não existem pessoas de boa índole frequentando o mesmo.

Sai de foco a exaltação à marginalidade para entrarem glorias e aleluias ao senhor Jesus. A animação é a mesma dos bailes, só que, em vez de guerras entre as “galeras” de jovens armados, o combate é contra o demônio. (FUNK COM..., 1998, p. 88)

Um dos primeiros fatos que podem ter corroborado para esta distancia imposta entre funk-mídia-leitor foram os arrastões que ocorreram nas praias da cidade do Rio de Janeiro29, no começo da década.

um exemplo claro disso e que constitui um marco na história do funk (e indiretamente do rap no Brasil) são os arrastões e conflitos de outubro de 1992 no Rio de Janeiro. É importante reconhecer que esses grupos, com suas representações (que falam das questões específicas do seu cotidiano e refletem suas insatisfações) e atitudes só vão ganhar espaço efetivamente na mídia no Brasil e, posteriormente, junto ao Estado, por meio de conflito, ou seja, à medida que se tornaram uma possível “ameaça à ordem. (HERSCHAMANN, 1997, p. 63)

Por boa parte da imprensa, assim que o funk ganhou destaque entre os jovens da zona sul carioca, começou a ser identificado como atividade criminosa ou envolto ao sexo, pelos gestos e passos de sua dança. Assim, a Veja ganhou poderio persuasivo para mostrar aos pais destes jovens o que é realmente, na visão deles, o funk. O interesse real por esta busca e pela pesquisa realizada deve-se ao intuito de mostrar que mesmo a maior revista brasileira em tiragem, além de não trazer os temas de forma imparcial, utiliza-se de discursos autoritário e emocional para persuadir o leitor.

vivemos até agora, num ambiente formado e criado, em grande parte, por influencias semânticas sem paralelos: circulação em massa de jornais e revistas que só fazem refletir, em numero espantoso, os estranhos preconceitos e as obsessões de seus redatores e proprietários; programas de rádio e televisão, tanto em rede, como locais, quase inteiramente dominados por objetivos comerciais, regiamente pagos, para manipular e remodelar o

29 Dezenas de meninos e meninas desceram os morros onde se localizavam as favelas e promoveram roubos e saques aos turistas e moradores da cidade.

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ambiente semântico, de modo favorável ao seu cliente. (HAYAKAWA, 1977, p.34)

Entretanto, diversos fatores como a formação sócio-cultural imposta e, principalmente, pelos próprios interesses, faz com que as informações cheguem interpretadas (pelos veículos de comunicação) ou distorcidas:

Se acontece sermos a favor das classes trabalhadoras, do catolicismo ou entusiastas por carros de corrida, nossas idéias acerca do que é importante ou não naturalmente diferem das pessoas que possuem outros centros de interesse. Se, entretanto, em questões públicas, alguns jornais às vezes se solidarizam aos grandes financistas, a razão é menos devida a uma opinião “deliberada”, do que ao fato de os grandes diretores de jornais serem, eles mesmos, “grandes homens de negócios” tentam contar-nos, tão acuradamente quanto possível, o que se passa no mundo. Tal acontece porque são dirigidos por jornalistas que compreendem ser parte da responsabilidade profissional a apresentação honesta dos pontos de vista antagônicos, em questões controvertidas. Esses jornalistas são, realmente, repórteres. (HAYAKAWA, 1977, p. 56)

O funk carioca, assim, está diretamente associada a uma cadeia midiática em que os aspectos comerciais são melhor evidenciados, cujo ponto de partida é o esforço para atingir o maior número possível de ouvintes. A canção popular massiva30 pressupõe uma interação tensiva entre a criação e sua configuração como produto midiático (JANOTTI, 2006, p. 4)

2.4 Jornalismo

A comunicação é um processo de transmissão de ideias e informações entre os indivíduos. Praticamente todos os produtos feitos por meio do jornalismo são dirigidos a um público relativamente grande, heterogêneo e anônimo. De acordo com o teórico alemão Otto Groth (BUENO, 1972), o jornalismo está atribuído a quatro características: atualidade, periodicidade, universalidade e a difusão. A atualidade consiste na transmissão de fatos novo, atuais, do cotidiano, história do presente, do fundamental e perene; já a periodicidade faz relação com o tempo correto de cada veículo ou de sua veiculação; a universalidade engloba o acervo de informações de todas as áreas do conhecimento e a difusão nada mais é do que o acesso ao público pelo objeto jornalismo, por meio de canais.

30 O sentido e o valor da música popular massiva são configurados através do encontro entre a canção e o ouvinte, uma interação que está relacionada aos aspectos históricos e contextuais do processo de recepção, bem como aos seus elementos semióticos. É possível notar uma relação entre o rótulo musical e um suposto gosto do ouvinte, o que pressupõe uma certa afirmação sobre quem são os ouvintes para quem determinada música é dirigida (JANOTTI, 2006, p. 6)

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O jornalismo pode ser considerado uma arte, pois une componentes básicos de criação, tanto no plano da elaboração intelectual como no plano de trabalhos gráficos. Seu produto básico é a notícia, relatando acontecimentos, excluindo inferências e julgamentos. Assim, o que caracteriza uma reportagem são os seguintes itens:

- Título: frase com letras maiores do que o texto, contendo geralmente até sete palavras e verbo no presente para transmitir factualidade à notícia. Não costuma apresentar adjetivos ou advérbios; - Linha fina: costuma ser uma linha em itálico, destacando algo de importante no texto, para complementar o título; - Texto: Uma reportagem não costuma ter um tamanho pré-definido. Descriminado em caracteres, é costumeiramente (fora os artigos) escrito em terceira pessoa e pode ser apresentada em forma de reportagem, questionário, notas etc.. O primeiro parágrafo do texto se chama lead. Ele contém sete perguntas básicas para descriminar logo a princípio qual o assunto (Quem? Quando? Onde? Por quê? Como? O quê?) - Foto e imagem: costuma completar a reportagem destacando o personagem ou a cena de um fato marcante. Apresenta crédito ao profissional que a produziu. - Gráfico e infográfico: o primeiro registra quadros com estatísticas sobre pesquisas, valores etc.. O segundo pode ser feito com ilustrações, textos explicativos que mescla desenhos ou números. Tem o intuito de geralmente resumir uma parte do texto e incluir algumas poucas informações para a compreensão da matéria. - Box: apresenta informações adicionais à matéria ou resgata dados antigos, para relembrar o leitor. - Olho: espaço no meio do texto destinado a pequenas frases que ganham destaque na fala dos personagens ou de dados marcantes. - Assinatura: pode estar tanto no começo quanto no final da matéria. Traz o nome do(s) jornalista(s) que a produziu. Entretanto, em alguns casos, há matérias que não contam com o nome do mesmo. Assim, toda carga atribuída do seu texto decorre à publicação.

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O gênero interpretativo é aquele que busca o “noticiário de profundidade”, conduzindo o leitor ao palco de ações, relatando as noticias dentro da moldura da vida e experiência do leitor, demonstrando o sentido dos fatos, dando perspectivas às noticias diárias Entretanto, a Veja pratica o jornalismo opinativo, que agrupa todas as mensagens que objetivam orientar, persuadir ou influenciar a conduta, aproximando-se ao máximo das inferências e julgamentos. Apesar de não ser artigo ou crônicas, expressam claramente sua opinião sobre o assunto. A revista faz o juízo de valor pelo leitor.

as estratégias do discurso da informação formam, para Patrick Charaudeau, o contrato de comunicação, ou melhor, o contrato de comunicação da informação mediática. A informação mediática é forjada pela sua forma (mise em forme) e sua espetacularização (mise em spectacle). Para obter o sentido do discurso, é preciso conhecer o conjunto de imposições ou constrangimentos que regem sua construção, para tornar válido todo o tipo de avaliação. (FERREIRA, 2003, p. 265)

Mesmo utilizando-se do uso de textos em terceira pessoa e de apresentar características particulares, a linguagem jornalística apresenta marcas em sua enunciação que interpelam o enunciado.

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CAPÍTULO III – VEJA E A EDITORA ABRIL

A linguagem é um dos meios indicados para fazer com que os homens se comuniquem. O mercado editorial das revistas ditas noticiosas, com periodicidade semanal, é restrito a quatro publicações. São elas Veja, Época, Isto É e Carta Capital. Semanalmente, juntas comercializam cerca de dois milhões e cem mil exemplares, de acordo com dados obtidos nos sites oficiais de suas editoras. A relação entre o leitor e estes veículos é constante devido aos seus conteúdos que conseguem retratar em algumas páginas as epopéias, os fenômenos e o comportamento humano com relatos noticiosos embasados por opiniões de especialistas dos mais diversos universos.

3.1 Editora Abril e revista Veja

Victor Civita fundou em 1950 a Editora Abril. Atualmente, conhecida como Grupo Abril, é um dos principais conglomerados de comunicação da América Latina. O nome faz referencia ao mês de abril, início da primavera na Europa. Por isso, sua marca é uma árvore, que representa fertilidade. A primeira publicação da editora foi O Pato Donald31. Em seguida, em 1952, chegou às bancas a revista Capricho, que inicialmente possuía um formato de fotonovela. Foi a primeira publicação destinada ao público feminino no Brasil. Alguns meses após sua criação, passou a ter tópicos de moda, beleza, contos e variedades. Na década de 80 a publicação passou por uma reformulação para atingir as adolescentes. No começo da década de 60, Victor resolveu publicar obras de referência em fascículos. O que era oferecido somente em bibliotecas e livrarias chega às bancas para comodidade do leitor. Ao mesmo tempo, o aumento das vendas de O Pato Donald o faz lançar o personagem brasileiro em quadrinhos Zé Carioca, em 1961. Em seguida vieram as revistas Manequim, a primeira voltada para moda, e Claudia, que nasceu em 1961, focalizava inicialmente a dona-de-casa. Ao longo dos anos, para manter a liderança no setor, recebeu sucessivas adaptações e tratou de temas polêmicos, como o feminismo.

31 O Pato Donald é um personagem de desenhos em quadrinhos dos estúdios Walt Disney, criado em 1934. Lançada em julho de 1950 pela Editora Abril, a revista O Pato Donald (Pato Donald desde 1980), é a mais longa publicação contínua do Brasil.

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Após a criação da Veja, em 1968, chega ao mercado a revista Recreio, em 1969, com o objetivo de educar por meio de histórias e atividades. Esta passou por um processo de estruturação em 2000 e é vendida até hoje. Atualmente, a empresa conta com mais de 30 títulos infanto-juvenis e cerca de 20 edições especiais infantis por ano. Além disso, de acordo com o Mídia Dados de 2006, o Grupo Abril era responsável pelas seis das dez publicações com maior tiragem no Brasil. São elas: Veja (notícias), Nova Escola (ensino), Claudia (feminina-comportamento), Veja São Paulo (atualidades), SuperInteressante (ciência) e Playboy (masculina). Para continuar na liderança, a Abril diversificou sua atuação. Investiu em televisão e Internet. Inseriu a TVA (TV por assinatura), TV digital, internet em banda larga e Voip e a MTV (canal que transmite videoclipes e programas joviais durante todo o dia). Na Internet idealizou o BOL, Brasil On-Line, lançado em 1996 e logo incorporado ao UOL. Em 1999 lançou o provedor de internet em banda-larga Ajato. Hoje a Abril possui mais de 70 sites e todos podem ser acessados por intermédio do site da empresa intitulado de Portal Abril, www.abril.com.br. A empresa adquiriu, em 1999, parte das Editoras Ática e Scipione. Em 2004 adquiriu as ações integralmente e hoje conta com uma atuação de 25% de participação do mercado brasileiro de livros escolares. Em 2006 anunciou a sociedade com o grupo de mídia sul-africano Naspers. Este detém atualmente 30% do capital do Grupo Abril, incluindo a compra dos 13,8% que pertenciam aos fundos de investimento administrados pela Capital International Inc. (do Capital Group, então terceiro maior administrador de fundos norte-americano, e que auxiliou a empresa com 150 milhões de reais). O Grupo Abril publica aproximadamente 300 títulos, atingindo cerca de 22 milhões de leitores (dados do site oficial da empresa). Por meio dos sites de suas publicações, atinge 100 milhões de page views32 e 8 milhões de visitantes únicos todos os meses As editoras Ática e Scipione produzem juntas 4 mil títulos e comercializam 37 milhões de livros por ano (dados do site oficial do Grupo Abril). O principal veículo de comunicação do Grupo Abril é a revista Veja. Fundada pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta, atualmente a revista registra uma tiragem de 1.211.769 exemplares. É a principal revista do país e a terceira maior magazine semanal do mundo, atrás

32 Page views significa pagina vista, ou seja, corresponde a cada vez que determinada tela é carregada no monitor do usuário.

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somente da Time e da Newsweek (dados referentes ao site www.publiabril.com.br, base para negociações de páginas publicitárias). Criada para cobrir um espaço deixado pela revista Realidade, produzida em grande quantidade, mas com toda equipe de jornalismo preparada, apta com capacidade de produzir notícias e com um formato de distribuição avançado. A Veja nasce sob a perspectiva das rápidas transformações mundiais, a agitação política, as novas descobertas da ciência e da necessidade que tem os homens e mulheres de saber o sentido de tudo isso. Tudo isso, buscando atingir todas as regiões do país. Cerca de 62% de seus leitores possuem idade entre 20 e 49 anos. Do total, 53% são mulheres e 34% são pertencentes à classe A, enquanto 39% são da classe B. O número de assinantes é de aproximadamente 922 mil, além de 3.761 serem enviados para fora do país.33 Publicada pela editora Abril em uma época que cerca de 60% da população não sabia ler ou escrever, a revista Veja foi lançada em 11 de setembro de 1968 nos moldes da Time (Estados Unidos) e da Oggi (Itália). Seu nome inicialmente era Veja e Leia, para contornar o registro internacional da revista norte-americana Look. O primeiro exemplar vende cerca de 700 mil exemplares. Entretanto, entre 68 e 72, a circulação caia ano pós anos, até chegar a 40 mil exemplares. Este novo produto apto a trazer para os leitores potenciais informações sobre os fatos ocorridos no Brasil e também fora dele conseguiu um investimento publicitário com 63 páginas de anúncios vendidas de antemão na primeira edição. Entretanto, tendo deixado um resíduo de 31 anunciantes que deveriam estar no número 2 e dos quais 20 desistiram, e a partir do número 4, resta apenas um anunciante fixo da revista, a Souza Cruz, que tendo comprado “no escuro” 52 capas manteve o contrato. Sua qualidade foi analisada por outros veículos de comunicação.

É o Time em edição provinciana, vestido modestamente, em roupa caseira, mas na verdade com uma tremenda pretensão. São 68 páginas que chegam a compromete o jornalismo nacional, que afinal de contas, não é tão subdesenvolvido como a péssima qualidade da revista quer fazer crer. ....Veja é a negação do jornalismo, não tem nada que se salve, por maior que seja a boa vontade do leitor. (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1968)

Dependente do sucesso das demais publicações, só assim foi possível manter a circulação da Veja, pois foram necessários anos para atingir o objetivo de integrar o país por meio da notícia. Para minimizar as perdas, Carta criou um encarte com fascículos semanais

33 Dados retirados do site oficial da empresa, em janeiro de 2009.

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sobre a história da conquista da lua, um caderno de investimentos, e uma seção denominada entrevista para abrir a revista. Em 72, foi implementada uma operação de assinaturas que assegurava cerca de 100 mil assinantes, alcançando o território nacional. Situando-se como uma organização capitalista da cultura, é um novo produto em sintonia com a modernização brasileira por meio do capitalismo. Era essa a mensagem transmitida na primeira carta do editor, publicada na revista um e assinada por Victor Civita:

O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa ter informação rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber o que está acontecendo nas fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa acompanhar o extraordinário desenvolvimento dos negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa, enfim, estar bem informado (VEJA, 1968).

A partir de 1976, a revista estabiliza-se e passa a ser publicada com tiragem média de 170 mil exemplares semanalmente. Em 78, após passar por uma reformulação gráfica, recebe definitivamente o uso da cor em todas as imagens e sua circulação é expandida para 250 mil, dos quais 200 mil fazem parte do mailing (lista de nomes e contatos) de assinantes. Com a chegada dos jornalistas Élio Gaspari e José Roberto Guzzo, a revista começa a publicar mais matérias investigativas. No início da década de 80 a revista alcança 400 mil exemplares. Seu conteúdo recente recebe cerca de 40% de publicidade e 60% de material editorial. As reportagens e notas abordam temas com respeito ao cotidiano da sociedade brasileira e do mundo, nas editorias de política, econômica, cultura e comportamento. Neste, possui seções fixas sobre cinema, literatura e música. Chega aos assinantes e às bancas aos sábados, mas é datada de quarta-feira posterior, já que em alguns lugares do Brasil e do exterior ela demora alguns dias para ser entregue. O responsável pela criação da Veja foi o jornalista Mino Carta. Ele iniciou sua carreira em 1950, quando foi correspondente do jornal Il Messaggero, de Roma, Itália. Entre os anos de 1957 e 1960, foi o redator nos jornais La Gazzetta Del Popolo, de Turim, e Il Messaggero de Roma, período em que também foi correspondente do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro.

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Em 1960, vivendo no Brasil, fundou a revista Quatro Rodas, pela Editora Abril, pioneira no segmento automobilístico e principal título do setor até hoje, com tiragem de 260 mil exemplares, de acordo com o site oficial. Em 1964, fundou a edição de Esporte do O Estado de S. Paulo, jornal de maior circulação do país que, aos domingos, tem tiragem aproximada de 360 mil exemplares, de acordo com o site da mídia em questão. Em 1966, criou e dirigiu o Jornal da Tarde, pertencente atualmente ao mesmo grupo do Estado de S. Paulo. De 1982 a 1988, foi diretor de redação da revista Senhor, da Editora Três. Logo em seguida, do mesmo ano até 1993, foi diretor de redação da revista Isto É, da Editora Três. Depois fundou a revista Carta Capital, onde permanece até hoje.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DISCURSIVA DAS MATÉRIAS SELECIONADAS DE VEJA

Courdesses34 (apud Orlandi, 1983) descreve quatro elementos para se considerar a análise de discurso:

-Distância: decorre da atitude do sujeito falante ao seu enunciado. A voz do enunciador é mais forte do que os próprios elementos enunciados; - Modalização: modo como o sujeito constrói o enunciado. Os textos autoritários e persuasivos, por exemplo, possuem traços peculiares como imperativo; - Tensão: relação entre emissor e receptor, já que o primeiro não abre espaço para respostas e sim, somente de pensamentos. Voz de quem comanda; -Transparência: A mensagem é claramente afirmada, com grau de polissemia diminuído.

Deste modo, com a utilização dos quatro elementos, além da análise por meio dos verbos de opinião e dos operadores argumentativos, e da seleção de figuras de linguagem, focalizando a hipérbole 35 e a ironia36, foi possível verificar os três tipos de discursos utilizados nas reportagens:

- Discurso autorizado: é proferido por alguém dotado de autoridade para ser o porta-voz de um determinado segmento ou instituição. Pode ser tanto de um médico, gerente ou de uma empresa, que neste caso são o jornalista e a editora Abril. - Discurso autoritário: o enunciador impõe a vontade sobre o ouvinte/leitor, sem oferecendo oportunidade de responder ou questionar. Significa a vontade de poder, de influenciar comportamentos. - Discurso emocional: transmite mensagens pelo viés da emoção do que do significado presente no texto, não o impedindo de ser extremamente eficiente com a persuasão.

34 COURDESSES, Blum et Thorez en mai 1936; analyses d’énoncés. Langue Française, 9. 35 hipérbole ou auxese é a uma figura de linguagem. Ocorre quando há exagero intencional em detemrinada ideia, acentuando de forma dramática o dito, ampliando a imagem do real. 36 ironia consiste em dizer o contrário do que se pensa, promovendo uma distância intencional do que é dito para aquilo que é pensado.

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Assim, conforme citado na metodologia, essa pesquisa se ateve a utilizar como corpus sete matérias publicadas na revista Veja, utilizando os seguintes critérios de seleção:

-primeira matéria publicada na revista citando o funk carioca, independente de ser reportagem principal, inserido no contexto ou como citação; -matérias da seção Perfil, devido à importância da exposição da imagem do personagem; -matérias que relacionassem o funk carioca com sexualidade e moda, base central dessa pesquisa; -última matéria publicada na revista com o funk carioca, tanto como reportagem principal, inserido no contexto ou como citação.

Examinando os textos com estas características e que constroem a referência discursiva, estabelecendo os vínculos sócio-culturais, foram escolhidas as seguintes matérias.

-a primeira matéria cujo tema funk carioca foi citado na revista (11/05/1988); -a ultima matéria publicada em que aborda o funk carioca, que justamente é um perfil da cantora Tati Quebra Barraco (13/12/2006) - dois dos três perfis que a Veja fez com o DJ Malboro, principal nome do funk (31/01/1996 e 22/09/2004). Não foi selecionada a publicada em 03/11/2004 devido à proximidade para a outra escrita em setembro de 2004; - três reportagens em que traz a mulher, sua relação com o funk carioca, moda e sexo (07/02/2001, 28/03/2001 e 30/06/2004)

Essas reportagens fazem parte da história e o processo de evolução do movimento, desde a primeira matéria publicada, que na verdade é a divulgação de um livro que traz como tema de estudo o funk carioca, até a última, que tem como perfil o segundo nome mais forte do funk, Tati Quebra Barraco, que é considerada pelos participantes àquela que conseguiu transcender o poder feminino para os bailes. Essa, inclusive, apareceu na edição de 22 de dezembro de 2004, quando a revista publicou uma edição especial com as personalidades que foram destaque daquele ano. Em busca realizada até a edição da revista Veja de número 2098, de 11 de setembro de 1968, até a edição do dia 4 de fevereiro de 2009, o funk apareceu 354 vezes em matérias,

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reportagens e notas. O número é menor do que alguns dos demais gêneros musicais: tango (541), música popular brasileira (782), samba (3140) e rock and roll (3408).

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Análise 1 Matéria - “Reino da dança”, do dia 11 de maio de 1988.

Esta matéria foi a primeira em que o funk apareceu para o leitor da revista Veja. Diferente de quase todas as reportagens analisadas, o texto tem uma conotação a favor do funk, de cunho informativo, já que se acreditava que “a classe média brasileira é dominada pelos modismos internacionais, enquanto as classes menos favorecidas caberiam a preservação das raízes culturais do país”. Porém, percebe-se hoje que o funk está entre os principais gêneros musicais do país devido ao número de pessoas que se atrai aos bailes e o valor movimento por seu mercado. Esta edição trouxe na capa uma matéria especial cujo tema central eram os negros. Inclusive, a chamada de capa tinha a denominação “Negros”, com 36 fotos de descendentes . Dentro desta edição, várias reportagens relatavam a cultura afro. Uma delas é justamente a que aborda o lançamento do livro do antropólogo Hermano Vianna (O mundo funk carioca). A mensagem foi produzida com o objetivo de que chegue ao locutor com objetividade, exercendo certos efeitos, atingindo seu emocional, como o de agradá-lo ou assustá-lo. Seu intuito é influenciar, mesmo que esse ato não se concretize37, em menção aos atos perlocucionarios (J.L AUSTIN,1975) Já na primeira matéria em que o funk carioca aparece para o leitor de Veja, apesar de o estilo musical ser direcionado para o subúrbio e para as pessoas negras, a publicação enfatiza essa diferença, mostrando como o funk é perante a sociedade leitora. Neste caso, a Veja demonstra de acordo com as frases retiradas do texto que tem a intenção de produzir um efeito e uma reação no locutor.

-... descortina um microcosmo surpreendente e fascinante da vida cultural do país. (p. 115) -... a classe média brasileira é dominada pelos modismos internacionais, enquanto às classes menos favorecidas caberia a preservação das raízes culturais do país. (p. 115)

Apesar de descrever o lançamento do livro do antropólogo, o texto, que não foi assinado (o que ocorre com frequência em todas as edições, até as mais contemporâneas), faz questão de ligar o funk aos ritos do tempo dos escravos: “Para uma parcela considerável da

37 J.L Austin (1975) aborda Três Atos da Fala (locucionários, ilocucionarios e os perlocucionarios).

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juventude, funk é bem mais que isso – é uma palavra mágica sob a qual se abriga um ritual”. De acordo com a análise, foi utilizado de uma hipérbole neste caso dramatizando e exagerando um conceito à palavra funk criado pelo próprio veículo. Como é a primeira vez que a revista aborda o funk carioca, é nítido que ela se contrapõe em diversos casos, pois é um movimento social criado pelos moradores do subúrbio, mas que um pesquisador se atém ao desejo de estudar este fenômeno, sendo assim, um objeto possivelmente interessante de análise. Em alguns momentos o texto expõe o funk como algo de pouco valor, que nunca apareceu porque se ateve aos morros e dificilmente atingiria a cultura da sociedade brasileira e, principalmente intelectuais, se um pesquisador conhecido (Vianna é irmão do músico e vocalista da banda Os Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna) não tivesse a expectativa de se aprofundar mais ao fenômeno. Todavia, a partir do momento em que um antropólogo produz um material sobre o assunto, torna-se de certo modo interessante a análise. “Numa linguagem acessível, frequentemente bem-humorada, descortina um microcosmo surpreendente e fascinante da vida cultural do país”. Análise do jornalista. Outro ponto do texto em que a revista enaltece o trabalho de Vianna: “um trabalho bem elaborado sobre um tema que até hoje mereceu pouca atenção dos pesquisadores”. Ou então, “em sua análise de sucesso dos bailes funk...” Mesmo sem conter uma fonte específica, são utilizadas mais de uma vez as formas relativas de opinião por meio da nominalização e de construções adverbiais já que a matéria é uma resenha/crítica do livro, o teor tende ao informativo, sem inserir opiniões sobre o livro, mas sim, somente alguns adjetivos que, hora tendem para o positivismo do movimento, hora para o pessimismo. São exemplos:

- Ele aconselha o leitor a pular o capitulo... - Vianna descreve com riqueza de dados e minúcias o mundo dos bailes ... - Vianna calcula que, ao longo de cada fim de semana... - “O jovem que mora no Morro do Juramento”, escreve Vianna,,, - Os jovens frequentadores dos bailes funk, segundo o autor observa ...

Mas, a frase marcante ocorre quando o próprio jornalista cita a Veja (sem abordar nomes), na passagem “em sua análise de sucesso dos bailes funk, Hermano Vianna chega a pelo menos duas conclusões interessantes. A primeira delas é que esse sucesso desmantela a tese de que os grandes meios de comunicação de massa controlam a realidade cultural das grandes cidades do país”. O discurso autoritário utilizado pela revista nas demais matérias vai

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contra este ideal do pesquisador, já que o meio impõe em seus textos opiniões emocionais e parciais, com o objetivo de controlar e justificar o que é bom ou ruim para a sociedade. De acordo com a pesquisa feita por meio dos operadores argumentativos, que totalizou 30 destes, percebeu-se que o mais frequente no texto foi o que contrapõe argumentos para conclusões contrárias e os que somam argumentos para uma mesma conclusão:

- Dança-se freneticamente, muitas vezes em grupo, mas , se alguém está acompanhado da namorada ou namorado, deve-se destacar do grupo e divertir-se a dois. - ouve-se apenas música funk, mas poucos são capazes de citar um ídolo do gênero. - Numa manobra pouco ortodoxa, mas eficiente, o autor concentrou quase toda a conceituação antropológica de sua pesquisa... - não é lançado pela gravadora, mas é a principal forma de lazer de milhares de jovens. - a música é considerada apenas uma ferramenta para a dança e, fora do baile, os ídolos ... - são as roupas esportivas, bermudões e camisas coloridas...

A utilização destes dois tipos de operadores com mais frequência ocorre pela preocupação do(a) jornalista em questão explicar ao leitor o que é o funk carioca e o que consiste, já que seu leitor nunca havia recebido informações deste pelo veículo em questão.

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Análise 2 Matéria - “O homem que faz o Rio dançar”, do dia 22 de maio de 1996.

Essa matéria traz na seção Perfil a notícia de que o DJ Malboro lançará sua autobiografia. A partir do título e da linha fina, a revista o torna o principal responsável pela criação do funk carioca e pela integração entre o subúrbio e a classe média. Por ser uma das personalidades do movimento e por ser empresário, nunca se envolveu com problemas pessoais ou de justiça, além de ser o padrinho de diversos músicos, o que acabou sendo valorizado pelo discurso da revista. Assim, a matéria enaltece o DJ e seu trabalho prestado: “Matta se transformou no mais bem-sucedido disc-jóquei brasileiro de todos os tempos”. Diferente das demais matérias publicadas (é possível verificar nas análises seguintes), a reportagem é estritamente informativa, já que traz a história do DJ em um breve relato “o sucesso de Malboro se deve à conjunção de uma boa idéia e um fenômeno cultural ocorrido nos últimos dois anos no Rio.” Até este momento, a Veja não tinha o funk como um conflito cultural e uma junção das classes sociais, apesar da jornalista abordar sobre o tema: “Esse quando começo a mudar depois que a juventude da Zona Sul carioca descobriu que também adora dançar ao ritmo do funk nacional”. O mesmo assunto foi olho da reportagem “As gravadoras riram quando ele criou o funk nacional, que acabou tornando-se uma mina de ouro ao deixar os subúrbios cariocas para conquistar a Zona Sul”. Essa passagem é legitimada com o discurso autorizado da socióloga Maria Tereza Monteiro: “Tudo o que os funkeiros queriam era ser absorvidos pela classe média, ser legitimados pela mídia: depois que isso ocorreu, a raiva diminuiu bastante nas letras das músicas”, nota a socióloga. Além da socióloga, Malboro foi a outra fonte citada. Mesmo assim, com poucas falas e opiniões: “Os produtores pediam para que seus nomes não figurassem no LP, que achavam uma porcaria, e apostavam num fiasco certo”, diverte-se Malboro (verbo introdutor de emocionalidade circunstancial). As demais formas de relatar opiniões nesta reportagem foram colocadas em forma de nominalização, construções adverbiais e mediante dois pontos:

- Mas acha (Malboro) que já é tempo ... - Ele justifica ... - Malboro viu que era hora de gravar um LP inteiro com funk...

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- “Hoje temos aquele DJ que vem de longe, lá da terra de Malboro”, costumavam apresentá-lo - Malboro conta uma rocambolesca viagem...

Durante três espaçamentos no texto, há citações em que o jornalista empenha a função irônica, com o intuito de que, levemente desestabilizar a história do personagem mencionado.

- Precoce empenho memoralista - Rocambolesca viagem - Histórias saborosas

Similar à primeira matéria, os operadores argumentativos aparecem durante a matéria (50 contatos). Como a reportagem é de 1996, o DJ Malboro ainda era pouco conhecido dos leitores da Veja, se analisado pela questão de que ele ainda não tinha saído na publicação anteriormente a esta data. Assim, E, Além disso, e Mas são os que aparecem com mais frequência, o que insinua a tentativa de uma complementação e explicação do assunto ao enunciador.

-carioca nascido na Praça Mauá e criado no Méier -tem apenas 33 anos, mas acha que já é tempo de conta sua vida em um livro -Além disso, é dono da grife de roupas que ... -o sucesso de Malboro se deve à conjunção de uma boa idéia e um fenômeno cultural ocorrido

Todavia, além do texto em si, a foto do DJ com seu toca-discos ganha estaque. De fundo há uma construção imponente, como se fosse a sede da prefeitura ou do governo do Rio de Janeiro. Fazendo uma alusão à imagem o faz ser notado como a pessoa dominante do poder no funk.

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Análise 3 Matéria - “Funkeira-objeto”, na edição 1686 da revista, do dia 7 de fevereiro de 2001.

A partir desta reportagem de uma página e um terço, a revista Veja toma um posicionamento mais rígido e parcial sobre as matérias relacionadas ao funk carioca, o que antes nunca ocorrera de forma explícita. O jornalista que escreveu a mesma enaltece algumas mulheres que pertencem ao mundo do funk e são responsáveis por trazer a tona o estereótipo de mulher-objeto, que ocorria similarmente no axé. Apesar do tamanho, a matéria não traz nenhuma fonte para legitimar seu discurso. É simplesmente imposto ao enunciado a vontade sobre o leitor, sem oferecer oportunidade de responder ou questionar, com o intuito de influenciar comportamentos. Algo que se pode perceber na matéria é a inserção de diversos apostos, hora para explicar alguma palavra utilizada no funk, hora para enfatizar a relação sexo-funk:

- refrões desses e de outros hits do gênero – cada vez mais explícitos nas referencias sexuais, diga-se de passagem – foram encampados .... - elas gostam de andar com o “pessoal dos bondes” – as turmas de funkeiros dos subúrbios

A revista Veja fere assim a lei da informatividade e da sinceridade, mesmo esse sendo de fundamental importância entre os locutores, apesar de que pode ser infringido, como aborda Maingueneau (1996, p. 121): “curiosamente, ao mesmo tempo em que supostamente o discurso é regido pelo princípio de sinceridade, a língua dispõe de modalizadores, como “francamente” ou “sinceramente”. Neste modo, a sinceridade pode apresentar variações que conotem dúvida ao receptor”. A lei da informatividade é um dos preceitos básicos do jornalismo, que tem como base informar, dizer, de forma objetiva e clara, precisa compartilhar espaço com a lei da exaustividade, que é transmitir o máximo de informação, mas que seja de suficiente compreensão do destinatário. A lei do discurso e comportamento social é a premissa que esta relacionada à sociedade, sempre encobrindo informações positivas ou negativas para desvalorizar ou valorizar alguém. Mais nítido na matéria é a utilização de ironia durante todo o texto. Algumas frases chegam a desrespeitar profissionais, como é o caso do antropólogo Hermano Vianna:

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- Certos intelectuais, como o antropólogo Hermano Vianna, enxergam algo de incrivelmente revolucionário no desprendimento sexual das popozudas.

Mas, a mais marcante é o parágrafo que finaliza a matéria:

-Tudo isso é uma bobagem sem limites. Não é preciso ir longe para perceber que as novas vedetes do pop nacional nada mais fazem do que reciclar velhos estereótipos da mulher-objeto. A menos que se considere que a vereadora Verônica Costa está mesmo apta a formular uma plataforma política para as “funkeiras despossuídas”, que é como ela se refere às meninas do morro. Um bom nome para o movimento, ao menos, já está à mão: ele seria o “popolismo”.

Além de ferir os preceitos jornalísticos da informação aliado à imparcialidade, a revista traz uma reportagem de cunho opinativo. E ainda, desmerece veementemente o trabalho do antropólogo quando utiliza “certos intelectuais”, já que ele é apoiador perene do funk. A revista assim se contradiz, já que em 1988 trouxe uma matéria positiva sobre o lançamento deste livro. Se o assunto não tivesse relevância não seria destacado. Na matéria, aparecem 37 operadores argumentativos foram encontrados. Os mais presentes são os que assinalam o argumento mais forte e aqueles para justificar ou explicar relativamente ao enunciado anterior

- até mesmo os trios elétricos baianos, que costumam lançar suas próprias - caiu nas graças da apresentadora Xuxa, que abriu espaço para os bordões

Outros operadores encontrados são os que somam argumentos a uma mesma conclusão. Estes, inclusive, foram inseridos para fortalecer e denegrir ainda mais as mulheres.

- além de oferecidas, recorrem a um linguajra mais chulo do que a meia funkeira - assim como os grupos de axé usaram o “tchan” de loiras e morenas... - o gênero nascido nos subúrbios do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, nos anos 80, está em alta nas danceterias e é a nova aposta das gravadoras

Na foto principal da matéria, a vereadora aparece em uma escada com tapete vermelho, similar a uma rainha. A foto faz relação a uma passagem do texto em que o jornalista escreve: “Saudada como “rainha popozuda” e “mãe loira” pelos funkeiros, ela desenvolveu uma trajetória de Cinderela. Aos 15 anos, venceu um concurso de beleza num baile e, pouco depois, casou-se com o dono da festa”. Ou seja, a revista transfere para si o posicionamento de machismo, já que o texto traz claramente que as mulheres que desejam a

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felicidade própria terão a mesma se casarem com alguém de poder. Entretanto, se formos até a matéria de 11 de maio de 1988, que cita o lançamento do livro do antropólogo Hermano Vianna, há uma passagem que o jornalista da Veja retira do livro que diz “Em meio a celebração, não é raro acontecerem shows eróticos, a cargo de estrelas que atendem pelos nomes de “Soninha Do It Bom Bom” ou “Silvana Disco Dance””. Deste modo, esse assunto já ocorria desde esta época.

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Análise 4 Matéria - “Engravidei do trenzinho”, do dia 28 de março de 2001.

Após quase dois meses da publicação da matéria funkeira-objeto, a Veja preparou reportagem em que o funk carioca parecia ser o assunto em segundo plano, mas que é visivelmente o objeto de critica da publicação. Logo na primeira página, de um total de cinco, são exibidas fotos de mulheres de saias curtas ou calças justas e tops, todas insinuando uma dança denominada dança da cadeira, na qual consiste em a mulher sentar no colo do homem, representando um ato sexual. O texto claramente defende o posicionamento de que o funk carioca não é voltado para os leitores de Veja e da classe média e alta. “Invenção de carioca, pobre, da periferia, o funk permaneceu confinado nessas três dimensões por vários anos. Ocasionalmente se falava nas brigas de gangues, no ritmo alucinado, na música ensurdecedora e nas multidões de jovens que, a cada fim de semana, lotavam bailes em barracões indigentes” (p. 83). Apesar de Herschmann (1997) afirmar que os frequentadores e consumidores do funk são “personagens típicos das áreas carentes da cidade, espaços que compõem o cenário tradicionalmente identificado com criminalidade e violência”, a revista se posiciona como voltada a um tipo de leitor que não conhece o cotidiano de outros grupos e da classe desfavorecida da sociedade. “Assim, é muito comum que a mídia acabe produzindo uma imagem monolítica desse cenário, em que todos os personagens aparecem mais ou menos envolvidos com a criminalidad”e. (HERSCHMANN, 1997, p. 66) Apesar do público frequentador dos bailes ser dos subúrbios, as palavras pobre, periferia, três dimensões e indigentes criam um forte grau de divisão entre camadas, logo no primeiro parágrafo da matéria. Para a revista, o funk é sinônimo de mulheres e lascividade. “Do carnaval para cá, o funk transbordou seus limites sociais e geográficos. Em seguida veio a disseminação da lascívia exacerbada, que é sua marca registrada: música com letras descaradamente chulas, coreografias indecentes, roupas agarradas e decotadas, suor e pegação”. Do modo que é dito, a Veja exagera dos discursos autoritário e emocional, pelo viés da emoção do que do significado presente no texto. Separa abruptamente seus leitores do cotidiano do subúrbio, criando uma nova visão de mundo, sem mencionar que os jovens da classe média leitora frequentam os bailes há anos. Isso se concretiza quando ele diz “As massas rebolativas dos bailes do Castelo das Pedras, em plena favela, ou da quadra do Salgueiro, juntaram-se garotos e garotas bem tratados, vestidos com roupas de grife, loucos

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para aderir ao funk”. E eles completam: “E só quem passou os últimos três meses no espaço sideral ainda não ouviu alguma dessas baixarias.” Entretanto, um quadro com o título “rebolar é preciso”, traz quatro gêneros que exploraram o corpo e as danças sensuais. A revista então critica os ritmos criados no Brasil, que incentivam a sexualidade: “Casal agarrado ou mulher seminua em rebolado sensual ao som de um ritmo forte e letra com duplo sentido. Quem ainda não viu este filme no Brasil, a terra do sexo-música?”

Poucos trechos transformam-se em informativos. Porém, ambos fazem questão de romper a imparcialidade indagando o leitor com suas próprias afirmações, para realizar este contrato de leitura com o leitor, levando-o a pensar sobre o assunto:

- Afinal, jovens fazem sexo durante o funk? - As meninas sentam-se, sem calcinha, no colo dos rapazes numa versão explicita da dança das cadeiras e dá as ocorrências de paternidade anônimas? - Pior ainda, são constrangidas a aderir ao sexo coletivo por pressão social, para serem aceitas nas turmas chamadas de “bondes”? - Será que é?

Como nenhum texto apresenta de forma explicita toda a informação necessária à sua compreensão, há sempre elementos implícitos que necessitam ser recuperados pelo ouvinte/leitor por ocasião da atividade de produção do sentido. (KOCH, 1995, p. 26). A Veja utiliza essa linguagem mais agressiva para passar ao leitor justamente o que ele está interessado em saber, usufruindo de algumas diferenças e do seu poder de quarta maior revista mundial. Em um universo de discurso em que, do ponto de vista do conteúdo, a oferta é quase a mesma, o único meio de cada titulo construir sua “personalidade” é por meio de uma estratégia enunciativa própria, ou seja, construindo certo vinculo com seus leitores (VERON, 2005, p. 249). Neste caso, a Veja usa seu poder enunciativo para impor sua verdade, de modo que expõe claramente suas opiniões para a compreensão de seus leitores. Ao analisar as matérias para saber qual a relação do funk carioca ao entendimento da mídia, Krippendorff avalia. “O projeto ou desenho da investigação em seu conjunto deve adequar-se ao contexto da qual são provenientes aos dados ou com respeito aos quais se analisam” (1990, p. 71). As matérias da Veja em que trazem o funk carioca ou algo relacionado a ele tendem a julgar algo de extrema vulgaridade e um movimento sem o interesse da sociedade.O discurso é tão pertinente num determinado momento em que “um indivíduo se “apropria” da língua, instaurando-se como “eu” e, concomitantemente, instaurando o outro como “tu”: é uma

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enunciação que pressupõe um locutor e um ouvinte, e no primeiro, a intenção de influenciar o outro de alguma maneira”. (KOCK, 2001, p. 15) Entretanto, após esta matéria, não ocorreram nenhuma denuncia, veiculada em mídia, sobre meninas que teriam engravidado nos bailes. De maneira curiosa, somente oito anos depois do caso a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro promoveu um concurso com o objetivo de transmitir aos jovens ensinamentos sobre doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, uso de preservativo e gravidez. O programa denominado Verdade ou Consequência? (Programa de Sexualidade Consciente), lançado no final de janeiro de 2009, conta com a parceria da equipe de som Furacão 2000. A idéia faz parte do tema Música e Sexualidade, que escolherá letras de funk, compostas por alunos do Ensino Médio, a partir da temática sexualidade, para serem musicadas e apresentadas em show. A escolha do funk pela secretaria é que ela é a música que mais caracteriza a linguagem dos jovens atualmente. O texto de cinco páginas, apesar de trazer a informação sobre as possíveis gravidezes em bailes funks, faz menção objetiva de relacionar novamente o funk carioca ao sexo, principalmente com as diversas fotos relativas às dançarinas. Apesar do discurso autoritário, Veja utiliza o discurso autorizado das falas e palavras de profissionais como instrumentos de ação e não apenas de comunicação (MARCUSCHI), atenuando a favor da Veja e de seus ideais que o funk possui teor sensual e sexológico. Assim, são utilizadas nove fontes para enriquecer a reportagem, além de três verbos de opinião.

- Tigrão avisa que vai jogar a menina... - A MC Beth garante que “só um tapinha”... - “me chama de cachorra que eu faço au au”, canta Tati Quebra Barraco

A primeira fonte é o secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Arouca. Suas falas são transmitidas de forma oficial, abordando o assunto da gravidez durante os bailes. Assim, a revista expõe o mesmo desta forma.

- “É comum, em casos de gravidez de adolescentes, perguntarmos quem é o pai da criança. As duas meninas disseram que não sabiam quem era o pai porque haviam mantido relações com vários meninos durante um baile funk”, disse Arouca. - “A história é gravíssima e nos preocupa. Se for uma prática constante, a possibilidade de gravidez indesejada e de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, além da Aids, é uma coisa fantástica”, alertou o secretário de Saúde.

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Outra fonte consultada para ir contra a sensualidade nos bailes funks foi a professora Leila Cury Tardivo, do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). Nesta, a revista trouxe uma frase oficial e, em seguida, fortaleceu o argumento e a frase anterior publicada.

- “A pré-adolescência é uma fase de preparação para a sexualidade, não para a execução dela, diz Leila. “Saltá-la é como tirar uma fruta verde do pé”, compara.

A psicóloga Rosely Sayão aparece com uma fala que segue a linha oficial e de análise sobre o assunto:

- “O adolescente é inconsequente, não entende o lado lúdico da dança e acha que já é capaz sim de transar, fazer o que quiser”, afirma.

O antropólogo Roberto DaMatta também foi ouvido sobre o assunto, com o intuito de denegrir ainda mais a imagem do funk, desta vez, na TV:

- “Nos Estados Unidos, você liga a televisão e o que se vê é violência. No Brasil, é sensualidade”, compara o antropólogo Roberto DaMatta.

Somente duas posições defendem de forma oficial e emocional o movimento:

- “Os jovens já estão transando há muito tempo”, responde o cantor MR. Catra. (Ele rebate de forma opositivista os conflitos) - “Essas acusações são um absurdo”, diz Verônica Costa. (se posicionando oficialmente) - “meu filho não vai mais falar potranca, filé ou popozão só porque o juiz não quer”, indigna-se Verônica. (O assunto causou furor e emocionalmente à fonte)

A matéria ouve a posição de alguns jovens para legitimar com mais veemência a critica sobre o assunto. Entretanto, não há opinião e falas de jovens contrários, que vão aos bailes somente para dançar. O texto em si abusa dos termos para enfatizar que as festas são promovidas somente com o intuito de provocar a lascividade.

- “Venho para o baile preparada para dar beijo na boca”, avisa Aline Quintes da Silva, 19 anos... (força do argumento) -“A gente pega todas as garotas que se interessam pelo nosso jeito de dançar”, fazem coro os estudantes Eduardo Souza e Marcelo Santiago, ambos com 19 anos

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Essa reportagem é a mais completa em que envolve o funk carioca. No total são usados 65 operados argumentativos. De forma quase que única, são usados operadores para reforçar e somar a conclusão opinativa da Veja e de seus jornalistas, de forma exacerbada:

- coreografias indecentes, roupas agarradas e decotadas, suor e pegação- Até em festinha de criança ecoam suas músicas – e só quem passou os últimos três meses no espaço sideral - Também abriu uma série de perguntas de difícil resposta. - uma das jovens grávidas também é portadora do vírus da AIDS.

A mesma matéria é acompanhada de um box em que há uma rápida explicação da criação do funk carioca e a comparação entre as mulheres daqui e as dos Estados Unidos. Em um pequeno trecho são utilizados 16 operadores argumentativos, com ênfase na soma de argumentos a favor de uma mesma conclusão:

- Ambos têm letras carregadas de obscenidades e machismo - fabricar sucessos isolados vale mais que investir na carreira de cada artista, e raríssimos se destacam

O texto traz ainda dois verbos de opinião. Enquanto um relata construção adverbial (1), o outro organiza um momento argumentativo (2):

- ...como o bonde do tigrão, cujo CD, segundo a gravadora Sony, acaba de atingir a marca das ... - “As vezes o refrão é bom, mas o resto nem tanto, e a parte ruim é jogada fora”, explica o DJ Malboro, um dos produtores...

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Análise 5 Matéria - “Todo mundo ainda vai ter uma”, do dia 30 de junho de 2004

A matéria do dia 30 inaugurou mais uma sequência de reportagens que tinham como foco o funk carioca, apesar de abordar simultaneamente outro fator cultural ou mercadológico. Publicada na seção “Estilo”, aborda um viés comercial em cima do funk, já que a matéria tem como objetivo realçar a calça que as mulheres que frequentam os bailes usavam na época e como celebridades aderiram à moda. A reportagem tem duas páginas. O texto aparece somente em três colunas, já que a outra metade ficou disponível às imagens de mulheres famosas usando o jeans, como a dançarina do grupo de axé É o Tchan, Sheila Mello; a apresentadora de televisão Adriane Galisteu; a cantora norte-americana Britney Spears; além de Tati Quebra Barraco. A jornalista em questão utilizou frases pontuais quando expôs que celebridades usavam a calça de marca Gang: “Gisele Bundchen e Mariana Wieckert envolvem seus quadris de sílfide em modelinhos abusados quando estão de folga das passarelas”. Ao utilizar nomes conhecidos e referências em moda, o produto é legitimado pelo poder que impõe. Como em todas as reportagens, foram poucas as fontes utilizadas para autorizar o discurso. Entretanto, dividiu-se entre indicadores de posições oficiais (4) e de emocionalidade circunstancial:

Posições oficiais -“não dou nem brinde para ninguém”, afirma. - Amorim diz que não gasta um centavo

Emocionalidade circunstancial -“Quero que as minhas calças continuem assim, únicas”, jacta-se Amorim - “É tudo de bom”, elogia a cantora

A utilização da emocionalidade circunstancial tem ligação com o desejo de compra das mulheres e do sucesso que a marca tem feito tanto no Brasil quanto no exterior. Entre os entrevistados da matéria estão a consultora de moda Gloria Kalil e a cantora Tati Quebra Barraco. Entretanto, o que mais aparece nesta reportagem são números e valores, principalmente quando diz respeito às calças de valores superiores. Deste modo a jornalista

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faz uma inferência. “A calça Gang rompeu as fronteiras dos bailes funk, onde reina soberana desde o fim dos anos 90, e ganhou o mundo.” Do mesmo modo citado nas análises anteriores, a palavra fronteira 38 demonstra claramente a posição do funk perante a sociedade leitora da revista. Essa divisão é identificada quando o texto traz “Nas lojas da marca no Rio de Janeiro, os preços variam de 119 reais (o modelo básico) a 459 reais (com aplique de cristais). Quem pode compra; quem não pode compra também, em prestações ou juntando economias”. Outra parte do texto que explicita isso “A loja Clube Chocolate, uma das mais chiques de São Paulo, começou a vender, experimentalmente, as calças no início do ano. Custando até 600 reais, já é o terceiro jeans mais pedido pelas clientes da loja”. Deste modo, percebe-se que a junção de classes pelo funk, seja pela música ou pela moda, é duramente criticada pela revista, que do modo em que é persuasiva não aceita o movimento e está união cultural. Apesar de conter diversos operadores argumentativos (37 no total), dois se destacam na utilização do jornalista:

- o MAS, contrapondo argumentos orientados para conclusões contrárias. “O resultado é um tecido mais leve, que permite uma milimétrica modelagem de curvas e consegue a proeza de revirar conceitos: a calça da Gang é tão justa, tão baixa e tão vulgar, mas tão vulgar, que acabou virando bacana e entrando no guarda-roupa de quem dita moda”. O operador contraria o resultado da calça de realçar o corpo e a silueta das mulheres e daqueles que vestem o modelo, impondo e afirmando a vulgaridade do funk, já que o locutor o coloca no discurso um argumento que pode ser concluído e, em seguida, obriga-lhe a opor- se devido a um argumento de conclusão contrária.

- o ATÉ, assinalam um posicionamento mais forte em determinada conclusão: “Justa até não poder mais, baixa até o limite...” ou então, “Até em Israel e na Nigéria já tem gente vestindo...”. A utilização deste corrobora com o fato inédito de que uma calça deste nível possa atingir níveis sofisticados, saindo do subúrbio. A utilização de cantoras, atrizes e modelos conhecidas reforça que a marca Gang chegou a um estágio mais avançado do que poderia alcançar. Assim, o uso do

38 De acordo com o dicionário Houaiss significa limite, o ponto extremo de algo de cunho abstrato

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“até” está estigmatizado nesta reportagem para expor os limites, tanto do sucesso quando do tamanho do jeans. Para fortalecer o ímpeto de utilização “até o limite”, de forma exagerada, durante a matéria a jornalista utiliza de duas hipérboles para realçar a amplitude do real:

– escandalosamente agarrada (ao se falar da calça) - hiperesguia Adriane Galisteu (referindo-se à magreza da apresentadora)

Do mesmo modo que as matérias tratam o funk carioca como o extremo da sexualidade e das lascividade, este texto realça este mesmo poder de extremidade, mas que do mesmo jeito que glorifica a marca e seu criador, critica a utilização da calça e seu modo de usar.

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Análise 6 Matéria - “Pancadão neles”, do dia 22 de setembro de 2004

A primeira matéria em que o DJ Malboro foi destaque (citada nesta análise) não teve tanto adjetivos e termos negativos como nesta outra. Naquela ocasião o assunto em vigor era o lançamento de sua autobiografia. Desta vez, são os shows que ele tem participado no exterior. Ao começar pela foto, que aparece o DJ tocando, somente ele em destaque, e um imenso fundo negro, dá-se-a noção que somente ele consegue ser destaque neste movimento. Ademais, a legenda da mesma enaltece seu trabalho “Malboro: 4 milhões de discos vendidos no Brasil e agora também sucesso internacional”. Porém, as palavras positivas não prosseguem. Logo no subtítulo, e ao lado da legenda da foto, é visível como o funk é visto pela revista Veja: uma aberração. “Há algo de podre no Velho Mundo – que se rendeu às aberrações do funk carioca”. De forma agressiva, é utilizada ironia em três passagens do texto com o intuito de denegrir a imagem do funk carioca:

- São ruins da cabeça e doentes do pé (menção aos eslovenos que gostaram da apresentação do DJ Malboro); - Se eles gostaram, eles merecem. (referência a aprovação do público em relação ao funk carioca) - Alguém aí querendo um show de funk carioca no Afeganistão?

Segundo Verón,

O problema não é simples, pois uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito. Todo discurso desenha, ao contrario, um campo de efeitos de sentido e não um é único efeito. A relação entre a produção e a recepção é complexa: nada de causalidade linear no universo do sentido. Ao mesmo tempo, um discurso dado não produz um efeito qualquer. A questão dos efeitos é, portanto, incontornável. (VERÓN, 2005, p. 217)

O efeito de frases assim pode decorrer sentimentos que, mesmo se as pessoas que lessem não gostassem do funk, passaria como imperceptível. A revista instiga o leitor, se não é adepto ao movimento, de apresentar um sentimento de raiva/ódio. A revista usa da credibilidade criada para promover um discurso autorizado, que neste caso, não existe por parte da mesma.

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A jornalista faz questão de encerrar a matéria com a frase “Alguém aí querendo um show de funk carioca no Afeganistão?”, fazendo alusão de maneira irônica e sarcástica ao país invadido pelos Estados Unidos depois dos atentados terroristas que ocorrem em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, e que mataram aproximadamente três mil pessoas. O momento mais crucial da matéria deixa de ser a crítica sobre o funk para atingir os pesquisadores que já fizeram buscas e trabalhos sobre o assunto:

A escala nacional do funk foi acompanhada de muitas teses sociológicas que ignoravam a óbvia apologia da violência e do tráfico contida nas letras. Para esses teóricos, o ritmo seria algo como a expressão da índole libertária dos moradores da periferia do Rio de Janeiro, ou a chance de integração entre as diferentes tribos da cidade e do país. (VEJA, 22 de setembro de 2004, p. 133)

A Veja, de forma equivocada e antiética, atribui suas acusações como sendo a verdade absoluta, de forma autoritária, rebaixando projetos e pesquisas, sem embasamento cientifico para o mesmo. Dos 22 operadores argumentativos da matéria, os que introduzem explicação ou justificativa ao enunciado anterior aparecem sete vezes, como:

- A investida internacional é o passo mais ousado na historia de Malboro, que não fala uma palavra de outra língua que não seja o carioquês, - a carreira de Malboro acumula números impressionantes. O DJ já produziu cerca de 200 discos, que venderam mais de 4 milhões de cópias.

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Análise 7 Matéria - “Funkeira, encrenqueira, barraqueira”, do dia 13 de dezembro de 2006

A última matéria publicada na revista Veja que faz menção ao funk carioca foi na seção Perfil, com a cantora Tati Quebra Barraco. Ela e o DJ Malboro foram os únicos a sair nesta editoria da revista. A matéria de duas páginas foi feita a partir de uma entrevista em que o tema foi as frequentes cirurgias plásticas da cantora e das brigas que se envolveu frequentemente. Sem fatos notórios, a jornalista se ateve a comparar a vida de Tati, antes e depois da fama, pegando o viés do gasto desenfreado e da ostentação. O título “Funkeira, encrenqueira, barraqueira” faz menção aos casos em que a cantora se indispôs com a polícia. Entretanto, somente meio parágrafo dos cinco relatam as peripécias e as brigas que teve, principalmente com seus maridos. O texto se atém à ostentação da cantora em relação às diversas operações plásticas, ao gasto com roupas e supérfluos, como colares e pulseiras.

No principal espaço de socialização destes grupos culturais, ressalta, entre outras coisas, o cuidado com a roupa, o cabelo e em especial com o tênis. (...) Esses jovens se exibem constantemente nessa estrutura grupal, muitas vezes incitando a competição e a rivalidade de outros grupos. (MIZRAHI, 2007, p. 72)

O texto, como foi observado em todas outras análises, traz frases que denotam o sentido do funk “O mundo do funk tem músicas pobres, coreografias vulgares, meninas com roupas agarradas e decotadas, bebida barata e muita pegação”. A palavra mais usada para isto é “pobre”, que aparece em todas as reportagens e que a revista faz questão de entoar. Conforme as demais, há também a utilização de poucas fontes. Nesta, entretanto, leva o direito já que é um Perfil. Mas, a jornalista difere das demais por contar com diversas frases do discurso autorizado de Tati Quebra Barraco. Das nove frases separadas com a utilização dos verbos de opinião, somente uma está em terceira pessoa: é do empresário, que ajuda a repórter a afirmar seu título e seu poder imparcial, já que resgata a frase de um dos envolvidos: “Mas parece que as pessoas esperam isso de Tati. Ela é estourada. Estamos ensinando que precisa contar até dez”, diz o empresário José Alfaya.

As demais são citações da própria Tati Quebra Barraco que, inseridas neste contexto, realçaram uma personagem que faz jus a luxuria e é atingida emocionalmente ao falar sobre o

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sucesso e o dinheiro: “Agora as patricinhas ficam ai rebolando com a minha música”, gargalha.

Sua posição a favor das mudanças, do conflito entre a antiga e a nova Tati Quebra Barraco, do passado versus o presente, é fortificado quando a jornalista utiliza indicadores de retomadas opositivas e de aspectos conflituosos:

- Ela ordena “olha para isso. Olha de novo. Isto aqui assusta no escuro...” - para que vou chamar estranho para limpar minha casa se tem minha mãe e as amigas dela que não têm dinheiro?, indaga - Sou barraqueira mesmo. Briguei e bati em metade da Cidade de Deus, desafia.

Na seleção de frases, a jornalista expôs uma que reitera a diferença entre as classes que a Veja vem exibindo desde as primeiras reportagens. O embate social ocorre principalmente quando a cantora aborda uma frase sobre as diferentes classes. Essa, inclusive, foi utilizada como o olho da matéria: “Eu sou favelada, cresci com rato comendo o meu pé”.

A reportagem conta com 33 operadores argumentativos durante todo o texto. Neste, a mescla entre todos é mais nítida, sobressaindo os:

- operadores que somam argumentos: Tati fez lipo no pescoço, nos braços, nas costas, nas coxas, no rosto – e, garante, em lugar de alta intimidade.

- operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos Como uma espécie de budista intimista

- operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias Não gosta de teatro nem de cinema (viu o filme Cidade de Deus e achou “uma m...”), mas passa horas em frente à televisão.

O uso direto dos operadores legitima a palavra do entrevistado, transmitindo uma informação mais correta com a vida real. A jornalista usa esses fatores para mostrar a realidade e legitimar o que escreve.

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As únicas duas fontes utilizadas na matéria foram a própria cantora e seu empresário. A revista, por meio do discurso da jornalista, tira conclusões na frase “Palavreado chulo, atitude arrogante, Tati se assume como encrenqueira costumaz”. Quando diz sobre palavreado chulo e atitude arrogante a jornalista persuade o leitor em acreditar que todos os funkeiros, incluindo ela, são dotados destes modos, generalizando o grupo em discussão.

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Considerações finais

Conforme os dados analisados nesta pesquisa de acordo com os preceitos da análise de textos, o funk carioca está inserido na cultura brasileira e nas sociedades de classe média, baixa e alta. Esta afirmação é possível pelas informações que a própria revista Veja e os discursos autorizados de cantores e artistas do meio o transmitem na publicação. Números, tanto do próprio meio como os mencionados no livro do antropólogo Hermano Vianna comprovam que o funk carioca e seus bailes remanescentes, nos diversos pontos do subúrbio e das demais áreas do Brasil, se tornaram o principal lazer dos moradores do Rio de Janeiro, recebendo mais de um milhão de pessoas a cada fim de semana. A escolha pelo funk carioca e pela revista Veja ocorreu por contar com ideologias e objetivos opostos, já que o primeiro nasceu no subúrbio e ganhou força neste ambiente. Já a revista é destinada a uma classe elitizada, que segue os conceitos e a ideologia moral brasileira, regida pelo catolicismo, maioria da população brasileira. Assim, a incongruência entre os dois é mais se nítida, principalmente quando são publicadas frases como:

- Esse quadro começou a mudar depois que a juventude da Zona Sul carioca descobriu que também adora dançar ao ritmo do funk nacional, de 31 de janeiro de 1996 - Hoje, são frequentados pelos jovens de classe média – a tal ponto que as danceterias da Zona Sul carioca estão “importando” a moda dos morros para agradar à clientela, de 7 de fevereiro de 2001. - Invenção de carioca, pobre, da periferia, o funk permaneceu confinado nessas três dimensões por vários anos. Ocasionalmente se falava nas brigas de gangues, no ritmo alucinado, na musica ensurdecedora e nas multidões de jovens que, a cada fim de semana, lotavam bailes em barracões indigentes, de 28 de março de 2001

Um exemplo é a frequente utilização da palavra pobre durante os textos, com o intuito de frisar as diferenças sociais. Assim, a Veja parte para outro embate, que além da moralidade se envolve na discriminação de classes. Já o uso de ironia não foi identificado em todos os textos, mas em três das reportagens analisadas. De forma sutil, por meio do contexto e da edição, contrariou e potencializou o negativismo em relação ao funk carioca. Além disso, uma das frases chega a ser de mau gosto, pois envolve o conflito entre Estados Unidos e o Afeganistão, quando o primeiro invadiu e dominou o segundo país, fazendo referência aos atentados terroristas que mataram, em 11 de setembro de 2001, mais de três mil pessoas em Nova Iorque. Alguém aí querendo um show de funk carioca no Afeganistão?

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Todavia a revista presa dois discursos em seus textos: o emocional e o autoritário. O segundo, usado com mais frequência, impõe a vontade sobre o leitor a todo o tempo, principalmente com a utilização de opinião e parcialidade. Tirar possíveis conclusões deve ficar a cargo do receptor da mensagem:

- Tudo isso é uma bobagem sem limites. ( 7 de fevereiro de 2001) - e só quem passou os últimos três meses no espaço sideral ainda não ouviu alguma dessas baixarias (28 de março de 2001) - o mundo do funk tem músicas pobres, coreografias vulgares, meninas com roupas agarradas e decotadas, bebida barata e muita pegação (13 de dezembro de 2006) - A escalada nacional do funk foi acompanhada de muitas teses sociológicas que ignoravam a óbvia apologia da violência e do tráfico contida nas letras (22 de setembro de 2004).

O emocional é encontrado quando o jornalista que produziu a matéria do dia 28 de março de 2001, quando introduz uma série de perguntas para que o leitor se indague e apresente uma reação positiva ou negativa. Entretanto, se percebido, cada pergunta feita pelos jornalistas são respondidas na própria pergunta feita em seguida por eles, usando principalmente o emocional do receptor com relação a adolescentes terem engravidado durante bailes:

- Afinal, jovens fazem sexo durante o funk? - As meninas sentam-se, sem calcinha, no colo dos rapazes numa versão explicita da dança das cadeiras e dá as ocorrências de paternidade anônimas? - Pior ainda, são constrangidas a aderir ao sexo coletivo por pressão social, para serem aceitas nas turmas chamadas de “bondes”? - Será que é?

O intuito parece ser de causar temor e gerir sentimento de raiva com relação aos bailes, locais que, de acordo com a revista, não é lugar para os filhos adolescentes da classe média frequentarem, como o estão fazendo. As reportagens utilizam de poucas fontes para mapear o campo e a visão dos lados da notícia. De todas as matérias selecionadas, somente uma (28 de março de 2001) contém personagens que respondem contra e a favor do assunto, produzindo um modo mais explicativo e informativo do acontecimento. Todavia, sem essa mencionada, as reportagens seguem uma linha paralela ao produzida em artigos, com incremento de informações adicionais provenientes de profissionais que trabalham nas áreas correlatas, mas que é disposto em texto corrido, sem a opinião de ambos os lados.

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O funk carioca é um movimento para jovens, mesmo já sendo estabelecido e modelado. Seria possível ter o apoio das mídias para transcender as barreiras das classes sociais e do país, já que a inter-relação entre as estratégias midiáticas e econômicas oriundas da indústria fonográfica também fazem parte dessa expressão musical (JANOTTI, 2006). A união econômica, que o funk já tem consolidado na moda e no mundo mercantil, com o incremento das letras e do material usado nos bailes, poderia transformá-lo em um movimento com proporções similares ao do samba, já que “O gênero musical é definido então por elementos textuais, sociológicos e ideológicos, sendo uma espiral que vai dos aspectos ligados ao campo da produção às estratégias de leitura inscritas nos produtos midiáticos” (JANOTTI, 2006). O funk, que no inicio não tinha compromisso com a preservação das raízes e do nacionalismo, conta com esta divisão de ideologia e sociedade já bem definida. A Veja, como outro meio de comunicação, segue suas linhas de valores e missão, transmitindo-as por meio do discurso e das posições que assume. Entretanto, ao abordar o funk carioca, poderia ter levantado junto a antropólogos e pesquisadores uma relação mais direta com movimentos artísticos e culturais que datam à época dos escravos, como o londu, ou então mais recentes, como a lambada. Esses, sempre apresentaram em sua essência sensualidade e sedução, principalmente nas danças. Já as letras de duplo sentido no Brasil são datadas dos anos de 1930, quando as primeiras marchinhas brasileiras foram criadas. Deste modo, criticar um movimento social recente utilizando este viés deveria ser minuciosamente revisto. Hoje, a globalização transmite a informação dos acontecimentos e da apresentação dos personagens de forma mais rápida e direta, o que ocasiona em um consumo rápido e direto. Por isso a necessidade de renovação diária e de uma presença mais maçante em cima de cada assunto discutido. É errôneo criticar um estilo musical e sua sensualidade se ao mesmo tempo são transmitidos em novelas, filmes e comerciais de televisão gestos eróticos. A liberdade sexual não se torna transgressiva no caso dos bailes, mesmo com a criação de nomes pejorativos. Ela tem ocorrido com adolescentes de forma precoce, sendo necessária uma visão educadora mais incisiva pelas autoridades e pais. Aos poucos o funk carioca adquiriu sua própria autonomia final, livrando-se da influência sobre outros campos sociais. Seu grau de autonomia varia de acordo com época, tradição nacional, regional. A evolução do funk chegou a uma estaca em que ele não precisa provar a força que possui e a influência. Atualmente, ninguém critica as coreografias do samba ou do axé, que igualmente ao funk, contém cenas e danças sensuais (HERSCHAMANN, 1997).

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A classe média/alta deveria ter usado o funk como um canal para atrelar movimentos sociais. Ao invés disso, preferiu estereotipá-lo como um símbolo do tráfico, violência e promiscuidade. O funk carioca é uma das modalidades da cultura de massa do mundo globalizado. Influências externas na sua criação, consumido por diversas classes sociais e envolto a várias indústrias econômicas, como a moda. São facilmente adaptáveis, numa mescla incessante entre cultura nacional e estrangeira, que conquista tanto brasileiros quanto estrangeiros. Apesar de há três anos a revista não explorar em seu conteúdo material sobre o funk, o movimento social continua ativo e, aos poucos, se fortalecendo, como visto em matéria do O Estado de S. Paulo, com a criação de uma associação para a profissionalização do movimento social. Consideramos aqui que a análise tanto da revista Veja quanto do funk carioca não pode ser concluída, pois há diversos elementos linguísticos, recortes e dados que não foram abordados pela escassez de tempo. Entretanto, acreditamos que o levantamento feito pode incentivar e auxiliar próximas pesquisas no desenvolvimento discursivo e linguístico e da expansão cultura brasileira.

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Anexo 1

Tabela da contabilização

Operadores argumentativos Verbos de opinião Ironia Hipérbole Matéria 1 30 6 0 1 Matéria 2 50 9 3 0 Matéria 3 37 0 2 0 Matéria 4 71 14 0 0 Matéria 5 37 8 0 2 Matéria 6 22 2 3 0 Matéria 7 33 9 0 0

Matéria 1 – “Reino da dança”, do dia 11 de maio de 1988. Matéria 2 - “O homem que faz o Rio dançar”, do dia 22 de maio de 1996. Matéria 3 - “Funkeira-objeto”, na edição 1686 da revista, do dia 7 de fevereiro de 2001. Matéria 4 - “Engravidei do trenzinho”, do dia 28 de março de 2001. Matéria 5 - Todo mundo ainda vai ter uma”, do dia 30 de junho de 2004 Matéria 6 – “Pancadão neles”, do dia 22 de setembro de 2004 Matéria 7 – “Funkeira, encrenqueira, barraqueira”, do dia 13 de dezembro de 2006

106

Anexo 2

Tabela da contabilização dos operadores argumentativos

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Anexo 3

Sete matérias analisadas

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Anexo 4

Sete matérias selecionadas e que não foram analisadas