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Sexta-feira 20 Novembro 2009 www.ipsilon.pt ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7017 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE DO PÚBLICO, EDIÇÃO Nº 7017 INTEGRANTE DA PARTE FAZ ESTE SUPLEMENTO CAPA: ANA CARVALHO APARTIR DE UMA FOTO REUTERS REUTERS FOTO UMA DE APARTIR CARVALHO ANA CAPA: Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain O primeiro álbum dos Nirvana foi editado há 20 anos

Francis Coppola Robert FrankKimi Djabaté David Claerbout Joseph O’Neill

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j`cmX[\j`^e\ij Este espaço vai ser sobre ele, concordando seu. Que fi lme, peça de ou não concordando Espaço teatro, livro, exposição, com o que escrevemos? Público disco, álbum, canção, Envie-nos uma nota até concerto, DVD viu e 500 caracteres para gostou tanto que lhe [email protected]. E apeteceu escrever nós depois publicamos.

Yellow Submarine”

Zemeckis realiza de venda e o jogo de consola Beatles em Setembro, George e Rock Band a mostrar a música dos entre a Ringo não “remake” de “Yellow Fab Four a miúdos armados de Studios e a Beatles Apple Corps, foi pertenciam aos Beatles, surgiam Submarine” guitarras e baterias de plástico. anunciado, em entrevista do apenas na sua curta sequência final. Agora, sabe-se que em 2012, estreia realizador de “Regresso ao Futuro” O “remake” será realizado em A Beatlemania está de volta, em a coincidir com os Jogos Olímpicos à MTV News, que Paul McCartney e animação 3-D, recorrendo à técnica versão século XXI. Ou seja, tivemos de Londres, teremos uma nova estão a ser sondados “performance-capture” (animação a caixa com a discografia versão de “Yellow Submarine”. para participar no projecto – no digital e imagem real) que Zemeckis remasterizada e os álbuns Robert Zemeckis será o responsável filme original, de 1968, as vozes das vem utilizando em filmes como individualmente a escalar as tabelas pelo projecto e, depois do acordo, versões animadas de Paul, John, “Expresso Polar”.

desastres. Stanley Kubrick e não ser possível fazer um Brighton vê um “best Michael Powell são, talvez, filme sobre o tema que os campeões dos fosse bem feito. O Flash of” dos fi lmes “nunca “nevermades” neste lançamento “A Lista de programa. Powell “não fez” Schindler” de Spielberg, feitos” “The Tempest” (anos 1970) em 1993, não ajudou. Mas devido a problemas com a as obsessões de Kubrick Rank Organisation com também não, conta cancelou o projecto após E se os trabalhos quem tinha péssimas Christie: “Havia um lado três semanas de filmagens. Sumário incompletos de David Lean, relações, apesar de haver notoriamente napoleónico Bromberg e Medrea Terry Gilliam, Kubrick e dinheiro do produtor e Mia em Kubrick; sem dúvida, Kurt Cobain 6 recuperaram o material e, Michael Powell tivessem Farrow, James Mason, e o ele pensava em grande […] Os despojos de um mito com entrevistas e análises às sido concluídos? Esta é a comediante Frankie Howerd Apesar de ter conseguido cenas, realizaram o ideia do festival Cinecity, jájá estarem escoescolhidos.lhidos. concluirconcluir imensos Francis Ford Coppola 16 documentário. em Brighton, cuja secção KubrickKubrick “não ffilmouilmou projectos, a sua oobsessãobsessão Quer começar de novo; Problemas com direitos, “Nevermades” está a “Napoleon” em 1969, nem comcom NaNapoleonpoleon e será possível? obsessões de realizadores, “mostrar”, até 6 de “Aryan Papers” (anos 90), problemas de casting doenças e mortes Dezembro, os filmes nunca projectoprojecto sobre o Holocausto levaramlevaram muitmuitosos a ddeixareixar Robert Frank 20 interromperam estes feitos ou nunca terminados queque abandonou popporr dizer de o apoiar.”apoiar.” Ele disse, há 50 anos, do cinema britânico. O projectos. Em muitos casos, “eu sou um americano” objectivo é questionar o “e poderiam ter sido “os filmes se” da história. Perguntar das vidas” destes David Claerbout 24 como estes “nevermades” realizadores. Quer mostrar imagens poderão constituir uma “Vários realizadores impossíveis de esquecer história alternativa do passaram muito tempo a cinema. trabalhar em projectos que Joseph O’Neill 28 Numa conversa intitulada nunca foram falados. Eu O irlandês diz “ “Un-made British Cinema”, estou a tentar dar-lhes vida”, I love You” e a crítica o historiador e explicou Christie ao americana compara-o a programador da secção, “Independent”. Nos vários Fitzgerald Ian Christie, apresentará filmes incluídos no guiões, esquissos ou alguns programa estão “Nostromo” Musical 30 minutos de película destes (1986) de David Lean, Em Portugal, o que é isso? filmes nunca vistos. O afectado pela saúde do Em Londres, “it’s a musical” festival disponibilizará realizador, e “Dom Quixote” Architecting 35 online entrevistas em (2000) de Terry Gilliam, Uma proposta teatral sem podcast com alguns dos cujas filmagens foram EPA/ AFP FILES EPA/ optimismos que faz pensar realizadores, como Terry interrompidas ao fim de na América e no mundo; na Gilliam, sobre os seus quatro semanas Culturgest nunca-terminados devido a doenças, projectos. Passará inundações, ainda um entre REUTERS VINCENT WEST/ Ficha Técnica documentário de outros Serge Bromberg e Directora Bárbara Reis Ruxandra Medrea Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) que re-monta as Conselho editorial Isabel imagens de Coutinho, Óscar Faria, Cristina “Inferno”, de Fernandes, Vítor Belanciano Henri-Georges Design Mark Porter, Simon Clouzot (1964), com Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos Romy Schneider. Na Designers Ana Carvalho, altura, Clouzot tinha Carla Noronha, Mariana Soares um orçamento ilimitado e Editor de fotografi a filmou horas e horas de Kubrick, talvez o campeão dos “nevermades”; Romy Schneider em “Inferno”, o projecto interrompido de Clouzot, e Terry Gilliam, Miguel Madeira película, mas a produtora E-mail: [email protected] que entra para este grupo com um “Dom Quixote”

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 3 Flash

assegurar a produção. Fela Kuti Courtney Love Como referências do novo disco, Love aponta o “Diamond Dogs” de Bowie, o “lado bom” chega à ressuscita as Hole de “The Wall”, dos Pink Floyd, e o rock gótico dos anos 1980. Os Broadway Agora é que é. Quatro anos produtores, passou dois meses temas são, refere, “ganância, depois dos primeiros rumores, a gravar material. vingança e feminismo”. Ah, e Que África está por todo o lado na dois depois da confirmação Em 2007 andou a experimentá- está cheio de sentimentos música popular não é novidade. Se “desconfirmada”, Courtney lo na estrada, não gostou e maternais: “A minha letra nos centrarmos nos EUA, se nos Love assegura que a 1 de Janeiro voltou a estúdio para regravar favorita é: ‘Nobody’s daughter, lembrarmos de nomes como de 2010 é que vai ser. “Nobody’s tudo. Juntou uma nova banda, she never was, she never will Vampire Weekend, Yeasayer ou Daughter”, o seu novo álbum, as novas Hole, com o guitarrista beholden to anyone. She cannot Dirty Projectors, e da quantidade que será rock’n’roll e, sendo Micko Larkin (23 anos), e kill. You don’t understand how de vezes que lemos a expressão rock’n’roll, terá Hole inscrito na recrutou Michael Beinhorn, o evil we really are’”. O que quer “guitarras africanas” aplicada capa, está prestes a ser editado. responsável pela gravação de isto dizer? “Nem sei, mas sei à sua música, tal é ainda “É mais importante que “Celebrity Skin”, o último que tem a ver com a minha filha mais evidente. Pois agora o qualquer outro disco que tenha álbum das [Frances Bean Cobain] e tem fascínio está a chegar ao feito, de longe”, exclama a viúva Hole, de também a ver comigo”. É coração do de Kurt Cobain à “Rolling 1998, isso mesmo. Courtney entretenimento Stone”, antes de confessar, para está de volta. americano. justificando a decisão de o Em creditar à sua antiga banda, que grande: “as Hole são onde quer “Fela!”, que pendure o musical de nada chapéu”. menos que Bill T “Nobody’s Jones, o respeitadíssimo Daughter” coreógrafo e bailarino, baseado na começou a vida e música do pai do afro-beat, nascer em 2005. Courtney no herói da música nigeriana cuja estava internada por decisão criatividade e activismo judicial num centro de transformaram em nome fulcral da reabilitação e Linda Perry, a música do século XX, chega à ex-4 Non Blonde Broadway dia 23, depois de uma transformada em temporada de oito semanas “off compositora a retalho, Broadway”, em 2008, de grande visitou-a e ofereceu-lhe uma sucesso. guitarra. Courtney começou Entre os produtores do espectáculo, a compor e, à saída, juntou- que conta com os Antibalas, a se a Perry e a Billy Corgan, o distinta orquestra afro-beat nova- Smashing Pumpkin que iorquina, como banda residente, quis um dia dominar o estão Jay-Z e Will Smith, figuras mundo, e, com essenciais para cativar o público. o duo como Isto porque, como era defendido Bill T Jones encena “Fela”, recentemente num artigo da revista espectáculo co-produzido “Variety”, o musical representa um por Jay-Z e Will Smith risco por não seguir a estrutura comum da Broadway, por ter como figura central um músico

desconhecido do grande público REUTERS JACKSON/ LUCAS americano, por ter a acção pontuada por canções cantadas em yoruba ou inglês de calão nigeriano e por incentivar a participação do É desta que Richard James Marsden e Frank define “The Box” como uma público, algo pouco comum para o Langella nos papéis principais, “versão em filme de terror” de espectador habitual da Broadway. Kelly faz um novo sobre um casal suburbano que “A Escolha de Sofia” e diz há O espectáculo foi concebido por Bill “Donnie Darko”? recebe um presente muito tempo não ver resultados T Jones em colaboração com Jim envenenado: uma caixa com tão maus nas “sondagens à Lewis, com quem já havia um botão que lhes pode dar um boca das urnas” feitas no final colaborado, em 1994, em “Dream Pobre Richard Kelly: o milhão de dólares se o das sessões. Ironicamente, os on Monkey Mountain”, e a estreia realizador americano parece pressionarem... ao mesmo decepcionantes 13 milhões de está marcada para o Eugene O’Neill estar condenado a ser o homem tempo que mata alguém que dólares de bilheteira de “The Theater. de um só filme, “Donnie eles não conhecem. Kelly Box” equivalem ao maior Paralelamente, e não será Darko”. Depois do desaire do dissera ao jornal “New York sucesso de sempre de Kelly em coincidência, a Knitting Factory ambicioso (alguns diriam Times” que “The Box” é um salas: a popularidade de Records iniciou a 27 de Outubro, megalómano) “Southland filme deliberadamente “Donnie Darko” apenas com “The Best Of The Black Tales”, arrasado em Cannes e “comercial”, tentativa de disparou em DVD (o filme President”, vasta reedição da obra distribuído confidencialmente adaptar os seus universos estreou em cima do 11 de de Fela Kuti. Aparentemente, nada (quando foi distribuído...), distorcidos às exigências de um Setembro e praticamente não ficará de fora. Durante o próximo “The Box”, o seu novo filme, grande estúdio – mas, segundo registou) e “” ano e meio, 45 álbuns serão não convenceu os espectadores Patrick Goldstein, do “Los mal foi distribuído. E, lançados no mercado americano, americanos – e isto apesar de Angeles Times”, essa tentativa conhecendo o culto que se tem com destaque para a primeira críticas simpáticas mesmo que esbarrou no desagrado dos gerado à volta do realizador, edição oficial, segundo avança a pouco entusiastas. O público espectadores que não gostaram nada garante que “The Box” Pitchfork, do catálogo completo dos rejeitou esta adaptação de um do final. Goldstein cita Ed não encontre igualmente o Koola Lobitos, a banda de Fela nos conto do escritor Richard Mintz, da empresa de pesquisa público que lhe está a escapar anos 1960. Matheson com Cameron Diaz, de mercado Cinemascore, que em sala quando sair em DVD...

4 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre

AO VIVO OIOAI Pela Primeira Vez Os Oioai vêm à Fnac apresentar Pela Primeira Vez, o sucessor do álbum homónimo editado em 2007.

20.11. 18H00 FNAC STA. CATARINA 21.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 26.11. 18H30 FNAC CASCAIS 20.11. 22H00 FNAC GAIASHOPPING 22.11. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE 27.11. 18H30 FNAC ALFRAGIDE 21.11. 17H00 FNAC MAR SHOPPING 22.11. 22H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING 27.11. 22H30 FNAC VASCO DA GAMA

AO VIVO DAVID FONSECA Between Waves David Fonseca vem à Fnac mostrar as suas novas canções num formato reduzido e intimista, revelador das características únicas que fazem dele uma referência no país.

26.11. 18H00 FNAC CHIADO 27.11. 18H00 FNAC MAR SHOPPING 26.11. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING 27.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING

AO VIVO ANTÓNIO PINHO VARGAS Solo II Solo II reúne trechos inéditos das sessões do aclamado Solo de 2008 e novos registos de 2009: versões de músicas de José Afonso e Bob Dylan ao lado das composições do próprio Vargas.

28.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING

LANÇAMENTO QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE FAZEM SOMBRA NO MAR? Livro de António Lobo Antunes Aquele que é um dos maiores escritores portugueses vem à Fnac para um encontro com o público.

27.11. 19H30 FNAC CHIADO

EXPOSIÇÃO VANUATU - A TERRA DELES Fotografias de Marco C. Pereira e Sara Wong Marco C. Pereira e Sara Wong visitaram o arquipélago de Vanuatu. Cinco ilhas que os autores descobriram e que documentaram com imagens étnicas e de paisagem que retratam a singularidade da nação.

12.11.2009 - 20.01.2010 FNAC ALMADA

Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda

Apoio: IMAGEM DO BOOKLET DE “LIVE AT READING” DO BOOKLET DE “LIVE AT IMAGEM Uma anomalia Em 1989 uma banda de Aberdeen, Seattle, gravava, com apenas 600 d E sai em DVD o registo de um concerto, “Live at Reading”, quando o mundo era d

Por falar em Kurt... Mais exactamen- matar Kurtz ou é Kurtz a preparar o rado. Quem tinha 20 anos olhava-o sempre. Os concertos eram lucrativos te, Kurtz, o coronel renegado, inter- terreno para que Willard o abata? A como guia. Mas ele não queria ser e o culto da personalidade suplantava pretado por Marlon Brando no épico imolação de Kurtz, sequência que en- guia. Sentia que estava tão perdido o anonimato das electrónicas. de Coppola “Apocalypse Now”. O fil- cerra o filme, é a tentativa de lidar como os que queriam ser guiados. Quem tinha vivido os anos 60, 70 me centra-se na missão liderada pelo com a desordem cosmológica. Um Nunca conciliou os seus princípios e 80 dizia que já não havia mais nada capitão do exército americano Ben- exaltado fotojornalista – Dennis Ho- com o sucesso. O suicídio resolveu o para inventar. Dos Velvet Under- jamin Willard (Martin Sheen), cujo pper – que Willard encontra na selva impasse, antes que o rasto de integri- ground aos Stooges, tudo parecia ter objectivo é eliminar o enigmático faz de arauto. É ele que nos diz sobre dade desaparecesse por inteiro. sido feito. Mas o rock, velha carcaça, Kurtz, que lidera, no interior da selva Kurtz: “The man is clear in his mind, 20 anos depois, na altura em que recusava-se a morrer. vietnamita, qual rei divino, uma mi- but his soul is mad.” Não poderíamos se assinala a edição do primeiro ál- Kurt Cobain nasceu em 1967. Lia Capa lícia de dissidentes e nativos. dizer o mesmo de Kurt Cobain? bum dos Nirvana, “Bleach”, o misté- fanzines rock. Escutava Vaselines, Da- Porque é que o exército americano O filme da sua vida foi outro, mas rio sobre Kurt e a sua banda mantém- niel Johnston, Raincoats, TV Persona- quer eliminar um dos seus? Porque foi também o mesmo. Interpretou os se. Ficarão para sempre com o nome lities, Black Flag. Rock independente, Kurtz deixou de obedecer à linha de princípios da contracultura, acreditou gravado na História do rock dos anos cultivado em caves escuras. Regia-se comando. Não porque tenha desistido neles, excessivamente. Sofria de so- 90 – mesmo se parecem ter constitu- pela ética punk-rock. Pertencia a uma da guerra ou deixado de acreditar bre-identificação com a ética punk- ído uma anomalia. elite: aqueles que se zangavam a sério nesses ideais. Pelo contrário: crê to- rock. Foi ultrapassado pelos factos. contra os valores burgueses. Era con- talmente, mas por excesso. Sofre de Via-se como criador alternativo mas Aquela voz, de onde vinha? tra o capitalismo, a favor do “faça- sobre-identificação com a instituição os seus discos vendiam milhões. Em Nesse período, do ponto de vista cria- você-mesmo”. Contra o espectáculo, militar. Foi ultrapassado pelos acon- parte, por ele, música antes encarada tivo, as linguagens da música de dan- pela anarquia. Pelo regresso da since- tecimentos. Até à loucura. Transfor- como difícil foi cunhada e vendida às ça é que faziam a revolução. Mas para ridade, mesmo sabendo que a história mou-se no desregramento a abater. massas como “grunge”. a indústria elas não representavam do rock está repleta de traições. Um incómodo. A popularidade embaraçava-o. nada. No mercado mais rentável do O rock, para Kurt, eram canções Ele percebe-o. No final é Willard a Queria fama, mas não estava prepa- mundo, o americano, o rock dominou cruas, o visual de todos os dias, lutar

6 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Festival de Reading: momentos finais do rock enquanto grande manifestação artística e a: Kurt Cobain cultural 0 dólares, o álbum de estreia: “Bleach”. 20 anos depois esse disco é reeditado. a dos Nirvana. A (nossa) história nunca mais foi a mesma. Vítor Belanciano

contra o estabelecido, convencer se- que vender apenas 250 discos para Para muitos, guidores a recusar o sexismo, a ho- recuperar o nosso investimento.” mofobia, o novo-riquismo. As can- Acabaria por ser a independente Kurt Cobain perdeu. ções, virulentas, punham a nu a vai- Sub Pop a editar o primeiro álbum, Puxou de uma arma, dade e a opulência da América, do “Bleach”, registado em apenas vinte Ocidente, do princípio dos anos 90. horas. Kurt tinha 22 anos. Não se saiu mas apontou-a a si Tornavam visível a esclerose, a gor- mal. 80 mil exemplares. Mais de 1,7 dura. O capitalismo, dizia Kurt, era milhões de cópias vendidas até hoje. próprio. Para outros, “a gula.” O maior sucesso de sempre da Sub Fragmentos Anotava as suas reflexões num di- Pop. da Fender não; foi grande ário. Cresceu na década de 90, a pri- Os Nirvana tornam-se líderes dessa Stratocaster, meira, depois da década de 40, que coisa chamada grunge. Em Seattle destruída em viu duas gerações distintas – pais e outras formações praticavam música 1992, em filhos – a gostarem da mesma música. semelhante (Melvins, Soundgarden, concerto, por O rock, os Beatles, os Stones, com os Pearl Jam, Screaming Trees, Alice In Kurt Cobain quais os pais também haviam cresci- Chains), mistura de Neil Young punk (1967-1994) do. e Black Sabbath pop, desordem, me- Mas Kurt tinha raiva da geração dos lodias perdidas por entre guitarras pais. A cólera tinha que explodir. Em cerradas e, no caso dos Nirvana, aque- 1987, os Nirvana. E ele, esperançado, la voz, passando da dor à raiva, do anotava: “Vamos lançar o álbum às apaziguamento ao caos. De onde vi- nossas custas. Achámos uma fábrica nha? Entre as influências citava “os que prensará 1000 discos por 1600 divórcios, as drogas, os efeitos sóni- dólares, o que faz com que tenhamos cos.”

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 7 Antes da tempestade Só queriam editar um disco, integrar-se na cena de Seattle e conhecer a América. Gravaram “Bleach” em vinte horas. Três anos depois, não se limitavam a conhecer o mundo. O mundo era dos Nirvana. Dois momentos ilustrados pela reedição de “Bleach” e pelo DVD “Live At Reading”. Mário Lopes

Nem era bem serem recusados. um artigo publicado na edição Afi nal, ela mesma arcaria com os caldeirão “underground” de Eram ignorados. Copiavam de Janeiro de 2005 da revista custos de gravação daquele que Seattle sem lhe pertencer (eram centenas de maquetas, nas quais “Mojo”. Na volta do correio, nada. seria o seu primeiro álbum - o da pequena Aberdeen), refl ectiu colavam autocolantes com o Nova carta: “Será que poderiam, preço foi inscrito no próprio disco: de forma magistral essa nome da banda e o alinhamento, por favor, dar-nos uma resposta 600 dólares. condição. Estão colavam os selos nos envelopes de ‘vão-se foder’, ou ‘não estamos Gravado em vinte horas, lá as marcas e lá seguiam elas. Para a Touch & interessados’, de forma a não com produção de Jack Endino, do rock’n’roll Go, a editora dos Big Black, para desperdiçarmos mais dinheiro “Bleach” teve como primeiro que vivia do a K Records de Calvin Johnson, a a enviar maquetas?” A resposta título “Too Many Humans” – o confronto editora indie de Washington DC, chegaria, mas não da Touch & Go. que seria apropriado para um cerrado com o para toda e qualquer editora que Arriscou a Sub Pop, a agora mítica disco onde fi guram canções feitas “mainstream”, acolhesse bandas que os Nirvana editora de Seattle, que acolheu os de frustração e alienação como alimentado admirassem, qualquer uma que Nirvana como banda de segunda “School”, “Negative creep” ou pelas os pudesse editar, tirá-los de linha. Afi nal, tinha no seu catálogo “Downer”. expressões Aberdeen e dar-lhes a conhecer os Mudhoney, reis do rock’n’roll Cobain diria mais tarde que marginais da a América – esse país que, presos de Seattle, ou os Tad, onde cabiam escreveu as letras no caminho música e cultura numa pequena cidade de um ecos de Black Sabbath, zumbidos para o estúdio e, mesmo que tal popular – o punk e estado periférico, não conheciam. industriais e terror de série B. não passe de auto mitifi cação, a o metal, os “cartoons” “Estamos dispostos a pagar Neste contexto, os desconhecidos verdade é que a música gravada a preto e branco das a maioria da prensagem de mil Nirvana de Kurt Cobain, Kris naquele Dezembro de 1988 “fanzines” –, mas cópias do nosso LP, bem como Novoselic e do baterista Chad refl ecte essa espontaneidade. também a marca todos os custos de gravação”, Channing não passavam de “Bleach” é o quadro de um distintiva que escreveu Cobain numa carta à aposta de risco pouco elevado momento: o primeiro álbum se revelaria Touch & Go, ano 1988, segundo para uma editora independente. de uma banda que, imersa no defi nitivamente

Em Agosto de 1992, depois da distinção de “Nevermind” como álbum do ano nas mais diversas publicações, os Nirvana foram cabeças de cartaz de Reading, um dos maiores festivais de Verão europeus

A partir de determinada IMAGEM DO BOOKLET DA CAIXA “WITH THE LIGHTS OUT” CAIXA DO BOOKLET DA IMAGEM altura Cobain percebe que os amantes de rock já não são aliados. Percebe que os dez milhões que o ouviam eram os

O desgosto formava o gosto ar torturado, desleixado como um hipóteses de seduzir. Seduziu. mesmos que iriam Ao vivo os Nirvana ganhavam repu- roqueiro que se preze. Em parte, por um single, “Smells tação de grupo incontrolável. Em E os Nirvana assinaram por uma like teen spirit”. Em 1991 ser jovem ouvir, mais tarde, 1991, o rock precisava de sangue no- multinacional. era aquela canção, aquela deflagra- Limp Bizkit vo. Em quem apostar? Havia os Pixies, Foram convidados a descer até Los ção, rejeição de qualquer coisa ino- mas Frank Black era anafado. Não Angeles para gravar o segundo álbum. minável. O desgosto formava o gosto. parecia Jesus como Kurt. Dir-se-ia Prudente, a Geffen prensou apenas Tornava-se êxito disforme, aberração mais um simpático caixa de super- 50 mil exemplares de “Nevermind”. dos tops habituados a acolher de bra- mercado do que outra coisa. E os Foram vendidos mais de 10 milhões. ços abertos Vanilla Ice. As palavras ? Muito artísticos, muito Para quem tinha vivido a década de eram confusas, mas tornava-se num nova-iorquinos, veteranos. 80 foi a surpresa. O álbum transfor- hino de revolução adolescente, im- Restavam os Nirvana. Restava mava a impotência em energia, a inér- pulsionada por um vídeo sugerido injectar visibilidade e dólares no cia em dinamismo, mas ninguém por “Over The Edge”, filme de Jona- grunge de Seattle. E o negócio acreditava que aquele som than Kaplan, com Matt Dillon. abateu-se sobre a cidade. – descendente dos Mas de que espírito jovem falava Visualmente era Kurt Husker Du, Dinosaur Jr Kurt nessa canção? Do punk-rock que quem sobressaía. Loiro, ou Sonic Youth – teria queria acabar com a gula e o cinismo dos mais velhos? Ou do espírito dos adolescentes da América, dessa gera- Como o Kurtz ção que obedeceu a Bush pai, adop- de “Apocalip tou valores reaccionários, correu aos se Now”, Kurt cinemas para ver “Forrest Gump” ou era lúcido; de às lojas de discos para comprar Bryan uma lucidez Adams? disforme A banda que só O jogo do estrelato diferença até a transformar em depois do casamento de Cobain Tudo mudara, repetimos. Em banalidade. com Courtney Love e do início queria ser de Seattle 1991, “Nevermind” chegou como Quando actuaram no Top Of do inevitável tratamento “Yoko um furacão. Não foi um acaso. Os The Pops, foi-lhes exigido um Ono” que esta sofreria, chegaria o tinha destronado Nirvana sabiam o que faziam. “playback” - contrapuseram com culminar de todo este meteórico Tinham encontrado em Dave um “playback” parcial. Ouviram- crescimento. as estrelas do passado Grohl o baterista perfeito para a se os instrumentos da versão de Os Nirvana como cabeças sua música, tinham trabalhado estúdio de “Smells like teen spirit”, de cartaz de Reading, um dos e tornava-se a estrela com um produtor, Butch Vig, ouviu-se a voz de Cobain, no palco maiores festivais de Verão do presente que os conduziu na gravação do mais famoso programa musical europeus, encabeçando um de um disco onde as harmonias televisivo britânico, a cantar alinhamento que apresentava pop e a limpidez da produção se em voz operática destroçada, antes deles os históricos Nick conjugavam admiravelmente desafi nada, versos como “load up Cave e Beastie Boys, os amigos com o carácter visceral das letras, on drugs / kill your friends” – e Mudhoney, Melvins e Screaming com a violência de “Stay away” os espectadores viram um trio a Trees, os perfeitos Pavement, as ou “Territorial pissings”. Tinham movimentar-se em palco como “riot grrls” L7, os artesãos pop até criado uma canção que seria marionetas. Pela mesma altura, Teenage Fanclub e a piada Björn erguida a hino da Geração X: “here convidados para um programa Again. we are now entertain us”. familiar, ainda em Inglaterra, Kurt Cobain entra em palco de A banda que só queria ser ouviu-se o apresentador anunciar cadeira de rodas, bata hospitalar pouco depois daquela apressada de Seattle já não representava ao público de senhores e senhoras e longa cabeleira loura. Ergue-se gravação. apenas a cidade do noroeste de meia-idade os Nirvana e o seu com difi culdade. Canta um verso Editado a 13 de Junho de 1989, americano. Tinha destronado novo single, “Come as you are”. e estatela-se no chão. Acaba o “Bleach” cresceu lentamente. “Dangerous”, de Michael Acto contínuo, a banda atira-se teatro. A primeira canção do Inicialmente ignorado, já era em Jackson, do topo das tabelas e a uma feroz interpretação de alinhamento é “Bleed”, a que meados de 1990 um dos mais transformado o “hair rock” de “Territorial pissings”, a mais abrira “Bleach”. A última, antes da bem-sucedidos álbuns de estreia Def Leppard, Aerosmith e afi ns curta e mais agressiva canção de destruição dos instrumentos, será por uma editora independente. em anacronismo. Destronadas as “Nevermind”, culminada com a “Territorial pissings”. No fi nal desse ano, os Nirvana estrelas do passado, os Nirvana destruição dos instrumentos em Estavam centenas de milhar à assinavam por uma multinacional, tornaram-se as estrelas do palco. sua frente e os Nirvana jogavam a Geff en. Tudo mudara – e agora, presente - mas conviveram com os Em Agosto de 1992, depois de acordo com as suas regras. a edição paralela da versão mesmos mecanismos mediáticos. de ganharem dois prémios Dominavam a situação com remasterizada de “Bleach” e do A diferença é que tentaram MTV, depois da distinção de mestria. Até ali, tudo perfeito. DVD “Live At Reading”, mostra- desconstruir o artifício daquele “Nevermind” como álbum do ano O caos seguir-se-ia dentro de nos quanto. endeusamento que apropria a nas mais diversas publicações, momentos.

Kurt horroriza-se com a debilidade te ao ouvir os Vaselines e que acredi- apontou-a a si próprio. Para outros, dos seus pares. Com o estado do mun- tava na atitude combativa, percebe não; foi grande. Esses normalmente do. E com as suas próprias desventu- que os dez milhões que o ouviam tendem a compará-lo a Eddie Vedder, ras: porque é que se droga, arma za- eram os mesmos que iriam ouvir, dos Pearl Jam, outro grupo seminal ragata, destrói hotéis como se fosse mais tarde, Limp Bizkit. de Seattle, ainda activo. Faz senti- uma trivial celebridade rock? Porque Não espanta que desconfiasse dos do. é que se casa com uma estrela, Cour- fãs de rock, sobretudo os da primeira Enquanto Kurt sempre teve dificul- tney Love, tão frágil como ele? Por- geração, os renegados que, na sua dade em lidar com grandes audiên- que é que os dois adquirem uma visão, haviam traído ideais. “O leitor cias, e em palco quase não dizia nada, casa como todos os casais confor- médio da ‘Rolling Stone’ é um ex-hi- Eddie comporta-se como o irmão mistas que critica? Porque é que ppie que virou hipócrita e que olha mais velho, aquele que se oferece pa- ele, no auge da glória, não pode, para o passado como sendo a época ra ser guia. não consegue, mudar o estado de ouro, mas absorveu o capitalismo A voz de Kurt é coisa em bruto, das coisas? com indulgência, moderação, numa expondo uma raiva incoerente, as- Sim, tornara-se numa per- palavra, acomodou-se.” Porquê a ani- sente em letras pouco claras. Eddie sonalidade. A revista mosidade contra os “hippies”? Não conta histórias. As canções dos Nir- “Rolling Stone”, outrora eram suficientemente radicais. Ti- vana são mais desafiantes, mas não alternativa, agora símbolo nham-se vendido. Eram “yuppies”. oferecem calor. Quando muito são do entretenimento, quer catárticas. que ele pose para a capa. Kurt e Eddie Eddie parece tentar chegar ao ou- Ele não devia, escreve. Apesar de ser o número 1 mundial tro. Kurt quer que o deixem em paz. A ética punk não lho continuava um pequeno punk. No Aquilo que faz do primeiro um he- permite. A ele, das festival de Reading apresenta-se de rói do rock – no sentido mais conser- “fanzines”. Mas é bata e cadeira de rodas. Nos prémios vador do termo – é que é alguém que estrela, a “Stone” MTV os Nirvana tocam uma canção nunca desiste de lutar. “In Utero”, o é importante, tem chamada “Rape me”. Kurt ainda acre- último grito dos Nirvana, é o oposto. que fazê-lo. ditava. Mas intensificava-se a sensa- É desistir, é o isolamento, o casulo Para não pas- ção que já não passava de um Dom onde Kurt se resguarda das contradi- sar por marione- Quixote a esbracejar no vazio. ções de ser um rebelde milionário. ta tem uma ideia: Tenta curas de desintoxicação, com Talvez Eddie seja um ser humano posa para a capa, mas de t- e sem Love. A 2 de Maio de 1993, uma melhor. Mas segundo o mito român- shirt, com a inscrição “corporate ma- “overdose” de heroína em Seattle. tico do criador, talvez Kurt seja me- gazines still suck”, forma de insultar Prepara-se o sucessor de “Never- lhor artista. Como o Kurtz de Brando: a “Rolling Stone”. É isso que pensa, mind”. Os Nirvana querem lançar um era lúcido. De uma lucidez disforme, mas a vida é mais complexa. disco assumidamente difícil. Cobain incapaz de percepcionar a totalidade Ao aceitar essas condições a deseja que tenha o título de “I hate à sua volta. Ninguém se surpreendeu “Rolling Stone” dá provas de largue- myself and i want to die”. Mas os im- quando se suicidou. Mas mesmo as- za de espírito. É admirada por isso. perativos do negócio falam mais alto. sim a sua morte continua a inspirar Kurt sofre. Pensava que se podia in- Chamar-se-á “In Utero” e trepará pe- as mais bizarras e diversas teorias filtrar no sistema para o fazer explo- los tops. A 4 de Março de 1994, em conspirativas. dir, mas transforma-se no alibi do digressão, mais uma “overdose”, em Quem matou Kurt Cobain? A res- sistema, que o exibe: olhem para os Roma. Um mês depois, a 5 de Abril, posta é óbvia. Kurt Cobain matou Kurt Nirvana, indomáveis, rock com alari- suicídio. Ao lado do corpo: “É melhor Cobain. Mas também foi vítima: víti- do, comprem os discos e estarão a apagar de uma vez que desaparecer ma do mito de que para se ser autên- comprar também uma atitude rebel- aos poucos.” tico, verdadeiro e comprometido, não de. Tinha 27 anos. Infiltrou-se no siste- se pode ser popular. A partir de determinada altura per- ma. Os Nirvana impuseram às massas cebe que os amantes de rock já não a cólera face à gula. Para muitos, Kurt Ver crítica de discos págs. 46 e segs e são aliados. Ele que se sentia diferen- perdeu. Puxou de uma arma, mas crítica de DVD pág. 55

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 9 Imagens de Kurt Cobain De Twin Peaks

Um anjo caído: Kurt ao último rosto da pop Cobain recriado No mesmo ano de “Bleach” aparecia a série Twin Peaks, de que Cobain era fã. Coincidência fértil – e húmida, e lúgubre – para esta em “Last viagem por um ambiente malsão, debaixo do qual se escondem segredos e traumas. José Marmeleira Days” de O que tem a série Twin Peaks em comum com os Nirvana? À partida nada. São dois mundos separados. Tal conclusão, porém, não deve impedir que se revejam acasos, coincidências. Hoje, como à época, relativamente esquecidas. Um pouco de memória então: a acção de Twin Peaks decorre no estado de Washington de onde os Nirvana eram originários. Há uma coincidência temporal entre a aparição da série criada por David Lynch e o princípio da popularidade da banda. A primeira surgiu em 1990 e o grupo de Cobain gravou “Bleach” em Junho de 1989. Sabe-se que o vocalista/guitarrista não só era fã de Twin Peaks, como comparava esta a Aberdeen (a sua cidade natal). A ABC começou a exibir a série camisas de fl anela (na tradição de Cobain: “Fait-divers”? O que é certo é que em Abril de 1990 – a acção situa- Neil Young, John Fogerty ou Mike “redneck” série e banda trouxeram para o se numa fictícia cidade do Watt). Imagens assim podem ser sensível, imaginário da cultura visual uma estado de Washington, de onde encontradas no livro “Grunge”, intelec- paisagem lúgubre, húmida, pouco os Nirvana eram originários de Michael Lavine, onde subsiste tualmente solar: um lugar “exótico” entre nos olhares dos adolescentes curioso Portland e Seattle. Mais: nasceram cabelos soltos de que roupas e um desejo, um desafi o – como se em plena paz pós-Guerra Fria, penteados estilizados como os de estivessem à espera de alguma quando rareavam as grandes Dale Cooper enquanto comia o seu coisa. causas e os grandes medos, bem “donut”. É possível revisitar esses Lynch funcionou como o glamour de outros tempos. Tal não impediu, sublinhe-se, retratos nas personagens de Aliás, tanto em Twin Peaks como que o cinema de Lynch (mais do Gus Van Sant, mas o cineasta como espelho para na música dos Nirvana é fácil que o de Alex Cox, Hal Hartley esteve sempre mais interessado descortinar um ambiente malsão, ou Linklater) tenha funcionado em criar fi cções à volta de o rock indie dos anos debaixo do qual se escondem como espelho para o melhor rock marginais, artistas solitários, 80, que influenciou os segredos e traumas, embora independente dos anos 80, aquele anjos monossilábicos – como o Cobain fosse um tipo menos que infl uenciou os Nirvana: os de “Last Days”. E menos sobre Nirvana: os primeiros estranho do que as personagens primeiros Sonic Youth, os Big “heróis” reais, como o guitarrista de Twin Peaks: alguém de carne Black e os Butthole Surfers, tudo e vocalista Cobain que acreditava Sonic Youth, Big Black e osso. Um “redneck” sensível, gente cujas letras lidavam com que o rock ainda podia mudar intelectualmente curioso. América de Frank Booth (“Veludo o mundo; que transformou as e Butthole Surfers, Mas se especularmos à beira Azul”), a América do pesadelo, das edições de 1991 e 1992 do Festival do delírio, porque não confrontar mutilações, dos lugares escuros. de Reading nos momentos gente cujas letras o mistério da sua morte com o de fi nais do rock enquanto grande lidavam com a Laura Palmer, as más companhias Dupla face manifestação artística e cultural de um com as más companhias do Mas as imagens dos Nirvana (no horizonte já se ouviam os América do pesadelo outro? Um pouco de bom senso: existiram para além do cinema. ritmos do tecno e do hip hop). avaliar a infl uência de Lych na Existiram no palco. Neste caso, A verdade, contudo, é que obra de Cobain é tarefa absurda. num palco onde as fronteiras entre Cobain teve sempre uma dupla rodas, vestido de mulher, de olhos É verdade que o músico, nos músicos e público se esbatiam, face. De um lado, aparentemente pintados. últimos anos, foi abandonando como a fotografi a de Charles franco, cândido, apaixonado pela Terá sido esta facilidade em o “realismo” visual do rock a Peterson, sobre a cena de Seattle, música; do outro, pronto a virar criar “personas” que continua favor de uma de cariz soube mostrar no livro “Touch Me contra si (e contra os outros) toda a atrair os artistas. Rodney surrealista (“In Utero”), mas o seu I’m Sick”. Ou nas poses ansiosas a irrisão possível; o Cobain arauto Graham dedicou-lhe em 2000 lugar foi sempre mais chão, mais dos jovens do Noroeste enfi ados louro e sincero do “underground” uma peregrinação feita em musical. Mais fl anela coçada e em roupas em segunda mão e contra o Cobain de cadeira de slides, “Aberdeen”; Douglas Gordon juntou-o, em 1996, num auto-retrato, a Andy Warhol e a Marilyn; Elizabeth Peyton fê-lo objecto da sua pintura e Sam Durant “restitui-lhe” a voz numa das suas esculturas. Compreende-se. O último rosto da pop pertence-lhe. Mesmo depois da morte da Michael Jackson.

“Grunge”, de Michael Lavine: desejo, desafio – como se estes adolescentes estivessem à espera de alguma coisa

10 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon TEATRO MUNICIPAL DE ALMADAA

NOVEMBRO FEVEREIRO ABRIL de 21 Teatro para a Infância T 5 RECITAL DE PIANO M de 8 TUNING T a 20 DONA RAPOSA E OUTROS ANIMAIS de António Maria Cartaxo | M12 a 2 de de Rodrigo Francisco de Baseado nas fábulas de La Fontaine Mai. Enc. de Joaquim Benite | M12 Dez. Enc. de Teresa Gafeira | M4 6 FADO M Carminho | M12 10 ORQUESTRA GULBENKIAN M 22 UMA VIAGEM ATRAVÉS DA MÚSICA M Dir. musical de Alain Altinoglu DO BRASIL de 9 Teatro para a Infância T Prokofiev, Haydn e Mozart | M12 Dir. geral de Lauro Moreira a 16 O BARBEIRO DE SEVILHA Solo Brasil | M12 A partir de Rossini 11 ORQUESTRA «DIVINO SOSPIRO» M Enc. de Teresa Gafeira | M4 Dir. musical de Massimo Mazzeo de 26 ANA T Concerto Schumann | M12 a 13 de José Maria Vieira Mendes 13 ORQUESTRA GULBENKIAN de M Enc. de Jorge Silva Melo de 22 TROILO E CRÉSSIDA Dez. Dir. musical de Lawrence Foster T Artistas Unidos | M12 Haydn e Mozart | M12 a 16 de de William Shakespeare Mai. Enc. de Mário Barradas | M12 27 DO DESASSOSSEGO T de 19 CONCERTO “À LA CARTE” T de Bernardo Soares/Fernando Pessoa a 21 de Franz Xaver Kroetz MAIO Enc. de João Mota Enc. de Rui Madeira Comuna – Teatro de Pesquisa | M12 Companhia de Teatro de Braga | M12 14, 21 ÓPERA E CONCERTO O e 28 Dir. musical Nuno Vieira de Almeida DEZEMBRO de 19 ESTUDO PARA UMA CIDADE PERFEITA D Comentários de Yvette Centeno a 21 de Jean Paul Bucchieri Carlos Guilherme, Joana Manuel, 17 VIAGEM ORGANIZADA T Oblivion | M12 Paulo Ferreira | M12 de Filippo Arcelloni, Mauro Mozzani, Franco Sartori e Rolando Tarquini 23 NIEUWZWART D 20 SUPERMAN e NOSSA SENHORA D Manicomics Teatro (Itália) | M12 de Wim Vandekeybus DAS FLORES Ultima vez (Bélgica) | M12 de Francisco Camacho 18 POEMAS NA MINHA VIDA T EIRA | M12 e 19 Poemas italianos, portugueses, umbros, 26 BANDA DA GUARDA NACIONAL M romanos e um napolitano REPUBLICANA 22 O BARBEIRO DE SEVILHA O Enc. de Teresa Faria | Io Appolloni | M12 Dir. musical de Jean-Sébastien Béreau | M12 de Gioachino Rossini Compañía Estudio Lírico de Madrid | M12 20 CONCERTO DE NATAL M de 27 A CHUVA T Dir. musical de Volodymyr Khanas a 7 de A partir de Jean-Luc Lagarce 23 CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA M Orquestra Sinfónica da Ucrânia | M12 Mar. Enc. de Laurinda Chiungue Solistas da Orquestra Gulbenkian Teatro ABC.PI | M12 Johannes Brahms | M12 29 GISELLE D e 30 Coreografia de Georges Garcia, segundo MARÇO 29 RECITAL DE PIANO M Jean Coralli, Jules Perot e Marius Petipa de Jorge Moyano | M12 Companhia Nacional de Bailado | M12 5 e 6 O AQUI D de Ana Rita Barata JUNHO JANEIRO Companhia Integrada Multidisciplinar | M6 4 ÓPERA E CONCERTO O de 6 A MÃE T de 11 COMÉDIA MOSQUETA a 31 T Dir. musical Nuno Vieira de Almeida de /Máximo Gorki a 21 de Angelo Beolco, dito o Ruzante Comentários de Yvette Centeno Enc. de Joaquim Benite | M12 Enc. de Mário Barradas | M12 Elvire de Paiva e Pona, Carmen Matos | M12 de 14 UMA VISITA INOPORTUNA T 5 CONCERTO SCHUMANN E CHOPIN M a 7 de 19 NOITE DE REIS D de Copi e 20 Quarteto com Piano de Moscovo | M12 Fev. Enc. de Philip Boulay | M12 de John Mowat e Leonor Keil, a partir de Noite de Reis de William Shakespeare de 9 O QUARTO e COMEMORAÇÃO T CANÇÕES DE BRECHT Enc. de John Mowat 16, 23 T a 20 de Harold Pinter e 30 Companhia Paulo Ribeiro | M12 Poemas de Bertolt Brecht Enc. de Jorge Silva Melo Musicados por , Hans Eisler, Artistas Unidos | M12 Paul Dessau, Kurt Schwaen, Franz Bruinier 26 ORQUESTRA SINFÓNICA DA ESCOLA M SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA e Theodor Adorno | M12 (ESML) 11 AGAIN FROM THE BEGINNING D Dir. musical de Vasco Pearce de Azevedo de Sofia Dias e Vítor Roriz M12 O Espaço do Tempo | M12 T D M TEATRO DANÇA MÚSICA 26 A SERIEDADE DO ANIMAL D 20 CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA M e 28 de Marlene Freitas Solistas da Orquestra Gulbenkian Mais informações em Bomba Suicida | M12 Johannes Brahms, György Ligeti | M12 www.ctalmada.pt ou através do telefone 212739360 No mundo do espectáculo ter um no- Nenhuma destas revistas vai às ce- música que ele faz. Mas também “ou- me é tudo. Sem nome não há concer- gas: “Karam” começou a ser editado via morna”, porque “também há mor-

RITA CARMO RITA tos nem discos. Não se existe. É o internacionalmente no Verão, e as na gineense” e “ouvia muito kussun- mesmo que estar morto. Na prática, reacções estão a ultrapassar as me- dé”. Também ouvia “um pouco de que significa o nome Kimi Djabaté? lhores expectativas: a “Billboard”, o pop”, mas isso é que “[o] interessa Um pequeno conjunto de irredutíveis “Boston Globe”, o “Finantial Times” menos”. segue-o a cada concerto, em salas mi- e a BBC3 cobriram-no de elogios. Na A vida não era fácil em Tabeto e núsculas, umas vezes a solo, outras tabela de vendas da World Music Kimi não esqueceu a dureza. Durante acompanhado por Braima Galissa, Charts Europe, “Karam” surge este o período das chuvas, “que era três mestre da kora e um terço do exce- mês em terceiro lugar. meses por ano”, faziam agricultura. lente combo Tafetas, mas 99 por cen- Mas mesmo perante tudo isto, “O resto do tempo vamos de aldeia to dos portugueses não fazem ideia quando perguntámos a Kimi se temia em aldeia ganhar dinheirinho”. “Va- de quem seja. a importância da actuação, ele atirou mos”, diz. Mas agora a hora dele chegou. sem pensar duas vezes: “Não estou Kimi encontrou forma de pertencer Depois de um primeiro disco, “Te- nervoso. Tocar é uma coisa que me ao Ballet Nacional da Guiné, e “numa reké”, que não o deixou contente por dá mesmo muita alegria – se não ouvir ida a França para fazer actuações” ser “muito ocidental” e com excessi- música não consigo dormir.” resolvou “ficar lá, com uma prima vo pendor “comercial”, esperou, tra- que já lá vivia. Isto em 1995”. balhou e a sorte chegou: “Karam”, o Raízes A ideia de Kimi era juntar-se a ou- segundo disco deste nativo da Guiné- A razão do sucesso actual de Djabaté tros como ele. Mas correu mal. “Lá Bissau radicado há muito em Lisboa, pode explicar-se por ter uma editora não encontrei músicos guineenses. é uma pequena maravilha. forte por trás, mas também pela re- Sempre tive intenção de encontrar E desta feita não é uma maravilha cusa em voltar a fazer um disco como griots – e não encontrava, porque es- só para meia-dúzia de sortudos que o primeiro: “Karam” é todo raízes e tavam todos em Portugal”. É bom que o seguiam: o disco, diz Djabaté, “está as raízes de Kimi estão-lhe na gargan- tenhamos noção disto, em particular distribuídos em África, na Europa, ta, sempre a saltar cá para fora em porque França é tida como país por nos Estados Unidos da América”. Por- conversa. excelência de emigração dos griots: que por trás de “Karam” está uma das Tem 34 anos anos e chegou cá em “Estavam todos em Portugal”. Quan- mais interessantes editoras de “world 1995. Sempre fez música. Uma frase tos deles se tornaram conhecidos? music”: a Cumbancha. é sintomática: “Nem sei com que ida- Nenhum. “Tive muita sorte”, dizia-nos Kimi de comecei”. Kimi, “com um ou dois Kimi encontrou “um bom país para há dias, numa esplanada do Chiado, anos já tinha um balafon [espécie de viver, calmo e com uma língua co- em Lisboa. “Estava a tentar ao mesmo xilofone] pequenino”. Diz que “desde mum”. A música, no entanto, não lhe tempo editar por cá quando Jacob pequenino” está “habituado a carre- seria suficiente para viver se não fos- Edgar, da editora, se interessou pelo gar o balafon às costas”. se o seu estatuto de nascença. meu trabalho.” Segundo João Rolo, Isto porque é “de uma família “Como griot há pessoas que me dão responsável pela Leve Music, distri- griot”, o que na cultura mandinga dinheiro só pela minha presença. Se buidora da Cumbancha em Portugal, significa que é o portador da tradição for convidado para um casamento, Kimi é “o primeiro nome numa nova musical. Os griots cantam a vida dos mesmo que não toque recebo dinhei- série da Cumbancha, a série Disco- seus e são respeitados por isso. A sua ro”. Além disso há pessoas que lhe “pa- very, que apresenta novos nomes”. aldeia, conta, tem “apenas cento e gam 100 euros ou 200 para fazer uma Agora as coisas estão a mudar para poucas pessoas e são todas griot”. canção”. Escreveu para Badji, também Djabaté: no dia 16 ia “viajar para Fran- A aldeia de Kimi chama-se Tabeto, para Dabo, e Mamas Samba. ça para fazer um concerto”. Tinha a fica entre Bafato e Dabo, leste da Gui- “Por enquanto felizmente não tive impressão que se tratava de “uma né-Bissau, e ele ainda lá vai “sempre de lavar pratos. Pude dedicar-me ex- apresentação para a imprensa”, mas que possível”. 14 anos depois de ter clusivamente à música”. não sabia bem: ainda não está habi- chegado a Portugal ainda se refere à tuado a tratar desse detalhes. João aldeia no presente: “Não temos elec- Em família Rolo confirma que sim, e que entre tricidade até hoje”. Mas mesmo que hoje vista um belo os media presentes estavam confir- Em miúdo “tinha um rádio, que sobretudo e um belo cachecol às ris- mados pesos pesados da escrita usava com pilhas ou ligado a baterias cas, o mundo de Djabaté ainda é a “world” como “Mondo Mix”, “Son- de carro” e “ouvia blues, , gumbé Guiné-Bissau. A canção que dá nome glines” e “Folk Roots”. ou afro-mandinga”, que é o tipo de ao disco, “Karam”, fala do mundo que Kimi Djabaté merece ser uma estrela Durante anos, guitarrista e balafonista com voz de excepção, deu concertos obscuros em salas minúsculas de Lisboa. Até que uma editora americana o descobriu. Agora explode no mundo da “world music”. Mas não esqueceu a Guiné-Bissau natal. João Bonifácio

12 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon viveu, “do sofrimento do povo guine- Djabaté escreve a arranja as can- ense, da miséria. O povo não está fe- ções, que por mais despojadas que liz, falta-lhes muita coisa”. Por todo sejam encontram sempre um ritmo o disco estão temas como a “Guiné, simultaneamente dolente e irresistí- o sofrimento da [minha] mãe, a Guer- vel. ra, a desigualdade”, mas também, e Compõe “nos dois instrumentos inevitavelmente, “o amor”. E África, e de qualquer forma a qualquer mo- claro: em “Karam” o coro canta mes- mento”. Às vezes está a tocar e co- mo e em bom inglês “I love Africa”. meça “a sentir uma coisa boa no A mãe é um assunto que mexe com peito”, e então aproveita e não pára “Nem sei com que ele. “Falo do sofrimento da minha de compor. Uma boa parte das can- mãe porque a minha mãe sofreu mui- ções estão eivadas de tristeza, mas

Música idade comecei. to. O meu pai morreu cedo, quando Kimi rejeita ter um pendor mais me- eu tinha 16 anos. Somos oito filhos e lancólico. “Acho apenas que se nota Com um ou dois anos este tempo todo ela não aceitou ficar mais a tristeza que a alegria porque com outro homem e criou-nos sozi- quando canto coisas tristes canto já tinha um balafon nha. Tenho outro irmão que ficou como se estivesse a viver o momen- [espécie de xilofone] doente, teve uma trombose e a minha to”. Tem 34 anos mãe sofre com isso”. Em “Na” é para Quer “ter uma carreira internacio- anos, chegou a pequenino” ela que canta: “Tudo de bem ou mal nal, sim”, mas quer acima de tudo Portugal, que possa acontecer neste mundo/ “ter uma vida normal de griot”. “Não vindo da tens de aceitar” (canta-o em mandin- estou à espera de ser muito famoso”, Guiné-Bissau, ga – a tradução é dele). conclui. É que se lembra de onde em 1995 – 14 Guitarrista e balafonista de excep- veio. E ainda hoje, se lhe pergunta- anos depois ção, fez o disco em família: os músi- rem quem são os seus heróis musicais ainda se cos “são os amigos”, não obrigatoria- não cita Ali Farka Touré ou outro mú- refere à sua mente griots. Francisco Rebelo, dos sico conhecido. Cita os pais. “Apren- aldeia no Cacique, o produtor, conhece-o des- di tudo com eles”, diz, num misto de presente: de “quando ele estava na [Galeria] alegria e saudade. “Não temos ZDB [em Lisboa]” e dava aulas de ba- electricidade lafon lá. Ver crítica de discos págs. 46 e segs. até hoje”

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 13 O enredo segue a linha da comédia de PEDRO CUNHA PEDRO enganos amorosos: um emaranhado de três casamentos arranjados entre duas famílias, de

Teatro Nápoles e de Roma

Depois do sucesso da ópera “La Spi- nalba”, de Francisco António de Al- meida (1702-1755), apresentada em 2008 no Centro Cultural de Belém, o agrupamento os Músicos do Tejo lan- ça-se agora em nova aventura no te- atro musical barroco: uma comédia musical “louca e selvagem” em diale- to napolitano. Trata-se de “Lo Frate ‘Nnamorato”, com música de Giovan- ni Battista Pergolesi (1710-1736) e li- breto de Gennaro Federico (?-1744), um advogado que se converteu num dos mais célebres autores de comé- dias do seu tempo. Com direcção mu- sical do cravista Marcos Magalhães e direcção cénica de Luca Aprea, esta obra será apresentada no CCB a 20, 21 e 22, contando com a participação dos cantores Eduarda Melo, João Fer- nandes, Carlos Guilherme, Sandra Medeiros, Joana Seara, Sara Amorim, Carla Caramujo e Inês Madeira. “Depois de termos feito ‘La Spinal- ba’, ficámos com vontade de ir às fon- tes que podem ter inspirado Francis- sica popular, há duas árias que são “O olhar napolitano sublime, com grande plasticidade dos intérpretes pois é essencial que estes co António de Almeida, em cuja obra identificadas como ‘canzona’. Stra- perfis psicológicos, mas também bár- tenham perfil de actores. É preciso se reconhece muito do estilo napoli- vinsky aproveitou uma delas no bai- é mais bárbaro. Quer bara e selvagem. Pensávamos que dar muito espaço ao verbo no canto, tano”, conta Marcos Magalhães ao lado ‘Pulcinella’. Acho que em ‘Lo íamos encontrar uma catedral nesta conseguir cantar o verbo e não ape- Ípsilon. “Quisemos também procurar Frate ‘Nnamorato” existe a mais bela no passado, quer obra, mas deparámo-nos com arte- nas as notas. Tal como a gestualidade, as origens desse mesmo estilo em Ná- ária de toda a ópera barroca, mas não sãos barrocos, artesãos que eram ge- a oralidade é muito importante, é o poles, já que este viria depois a ser vou revelar qual é!”, diz, tentando agora, há em Nápoles niais.” som como ideia.” tão importante no plano internacio- criar suspense. Entre as suas personagens preferi- Um dos maiores desafios desta pro- nal. Vimos partituras de Leonardo uma violência real das encontra-se D. Pietro, galã meio dução foi o dialeto napolitano, já que Leo, Leonardo Vinci e outros compo- A vida como ela é à qual se junta a louco que fala todas as línguas. “Há nenhum dos cantores tinha experi- sitores, mas acabámos por nos decidir O enredo segue a linha da comédia uma das suas árias que costuma ser ência nessa área. Marcos Magalhães por ‘Lo Frate ‘Nnamorato’, obra es- de enganos amorosos e relata um pobreza e o medo” eliminada na maior parte das produ- considera que a sonoridade da língua treada em 1732 que fez imenso suces- emaranhado de três casamentos ar- ções por ser difícil e porque os can- teve uma influência forte na criação so.” ranjados entre duas famílias, de Ná- Marcos Magalhães tores não querem expor-se. É uma do estilo musical napolitano. “A ma- O que atraiu mais o maestro dos poles e de Roma, que encontra resis- ária ‘di risata’ [de riso] que vai do re- neira de falar solicita um super- Músicos do Tejo, mentor do projecto tência das três noivas prometidas, já nado com a cultura napolitana da gisto grave profundo ao falsete, mas ‘legato’ que depois tem um equiva- com a cravista Marta Araújo e o actor que todas elas estavam apaixonadas época e o modo como deu origem à o João Fernandes vai arriscar o desa- lente no discurso musical.” Uma das e encenador Luca Aprea, foi um libre- pelo mesmo jovem. criação de formas artísticas que re- fio .” maiores preocupações de Luca Aprea to de “grande criatividade, com per- “À primeira vista parece uma coisa flectem o quotidiano: “É uma atitude foi que o napolitano não soasse italia- sonagens loucas, imprevisíveis, pro- básica, mas os sentimentos das per- fantástica, oposta às convenções da Cantar o verbo nizado. “O dialeto é uma forma de vocadoras e mal comportadas” e a sonagens são muito mais refinados e monumental ópera séria barroca, Luca Aprea formou-se como actor e pensar. Não traduz o italiano, é outra qualidadee variedade da música. complexos do que parecem. É uma com os seus temas históricos e mito- mimo em Nápoles e trabalhou com a forma de ver a vida. Trata-se de uma “Tem uma enorme quantidade de obra que espelha a vida como ela é, lógicos.” companhia francesa Théâtre du Mou- componente que não é apenas étnica. árias, minuetos, sicilianas, canções. uma vida que seria riquíssima”, ex- Luca Aprea acrescenta que “as pes- vement, sendo actualmente professor O olhar napolitano é mais bárbaro, é Nota-se também a influência da mú- plica Marcos Magalhães, impressio- soas gostavam de ver em cena os ges- de Movimento na Escola Superior de desgrenhado, cabelo sem ir ao cabe- tos do dia a dia, as cantilenas, os re- Teatro e Cinema de Lisboa. O trabalho leireiro! Quer no passado, quer agora, frões, as histórias do povo, os cantos de direcção teatral e o espaço cénico há em Nápoles uma violência real — antigos” e que neste tipo de peças que desenvolveu em “Lo Frate ‘Nna- pior do que a que se vê no filme ‘Go- “são institucionalizadas formas de morato” é próximo do que realizou morra’ — à qual se junta a pobreza e estar, de viver e da corporalidade do com ‘L’ Spinalba’. o medo. A violência que encontramos quotidiano.” “Não há a ilusão da cenografia, ape- nalgumas formas artísticas é uma vio- Realça também a forte componen- nas alguns adereços mínimos. Está lência lúdica que exorciza.” BRASIL te experimental. “Às vezes temos a tudo à vista, embora desta vez a or- sensação de ouvir o libretista e o com- questra esteja no fosso. Dá-se pleno Ver agenda de espectáculos págs. 42 e CONTOS EM VIAGEM positor a discutir. Fizeram uma peça espaço aos cantores, ou melhor, aos segs. OUTRAS ROTAS A violência lúdica que 30 OUT a DEZ 19 4ª a 6ª às 22h | Sáb. às 17h e 22h

Tel 21 868 92 45 Rua do Açucar, 64 Poço do Bispo exorciza Autocarros 28, 210, 718 www.teatromeridional.net “Lo Frate ‘Nnamorato”, de Pergolesi, é o próximo desafi o dos Músicos do Tejo. Comédia musical em

ESTRUTURA FINANCIADA APOIOS 2009 napolitano habitada por personagens imprevisíveis M/12 fotografia. © 2009 margarida dias | design.patricia poção fotografia. e mal comportadas. Cristina Fernandes

14 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon SÃO LUIZ NOV~O9

27 NOV HELDER´ MOUTINHO QUE FADO ´ E ESTE QUE APOIO À DIVULGAÇÃO: TRAGO SEXTA ÀS 21H00 CO-PRODUÇÃO: SALA PRINCIPAL M/3

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS SÃO MANUEL LUIZ PAULO NOV~O9 NANCY VIEIRA PÁSSARO CEGO 3O NOV SEGUNDA ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 APOIO À DIVULGAÇÃO: APOIO: CO-PRODUÇÃO: WWW.TEATROSAOLUIZ.PT © Nãna Sousa Dias O caminho da Cinco experiências que levaram Francis Ford C

“Dementia 13” (1963) linha de montagem de Corman. realização de Coppola para um Coppola ergue ainda hoje a Para além de trabalhar grande estúdio – e, não tivesse exemplo os métodos de baixo com o produtor e realizador ele de pagar uma série de orçamento de Roger Corman – a na rodagem de “O Terror” dívidas que o levaram a aceitar que assistiu na primeira pessoa, e “O Palácio Maldito”, foi “O Padrinho”, teria sido a única.

Cinema porque, tal como Jack Nicholson, seu assistente em “A Fúria O musical de E. Y. Harburg, Peter Bogdanovich ou o de Vencer” (1963) e nessas Burton Lane e Fred Saidy fora argumentista de “Chinatown”, fi lmagens na Irlanda teve a um triunfo na Broadway após Robert Towne, teve a sua hipótese de rodar a sua primeira a II Guerra, mas chegava ao primeira oportunidade na longa: Corman era especialista cinema fora de tempo, com em maximizar orçamentos e um orçamento minúsculo e deixou Coppola rodar “Dementia um elenco encabeçado por 13” com a mesma equipa e Fred Astaire, em plena crise elenco nas pausas de “A Fúria de dos grandes estúdios. Foi a Vencer”. primeira de muitas rodagens catastrófi cas – mesmo que “O Vale do Arco-Íris” (1968) Coppola tivesse jurado nunca Foi a primeira experiência de mais se meter noutra assim. A segunda juventude de Como é que se reinicia uma carreira depois de quarenta anos, três Oscares e meia-dúzia de clássicos do cinema? A resposta de Coppola, quando “Tetro” chega às salas portuguesas: começar de novo como se fosse um estudante. Será possível? Jorge Mourinha JOSÉ MANUEL RIBEIRO/REUTERS JOSÉ

16 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon da independência d Coppola a recomeçar a sua carreira de modo independente.

“Chove no Meu Coração” esta história de uma dona de (Gene Hackman) que sucumbe entre dois irmãos – Matt Dillon (1969) casa à procura de si própria à paranóia, abertamente e Mickey Rourke. Adaptando Coppola diz que este pequeno foi rodada “na estrada” com inspirada pelo “Blow-Up” de um romance de S. E. Hinton, “road movie” que passou uma equipa pequena (da qual Antonioni, não registou na “Rumble Fish” é o gémeo negro despercebido à altura é a “raiz” fazia parte George Lucas, que bilheteira. de “Os Marginais”, fi lmado (na da sua actual técnica de rodar assinou o “making of”), com um melhor tradição Corman) ao “em movimento”. Uma das elenco encabeçado por Shirley “Rumble Fish – Juventude mesmo tempo daquele, com a primeiras produções da sua Knight, James Caan e Robert Inquieta” (1983) mesma equipa e alguns actores companhia American Zoetrope Duvall, como “exorcismo” da Provavelmente o maior culto da em comum. J.M. na sua encarnação inicial, experiência de “O Vale do estreado em plena pós-produção longa carreira de Coppola, data Arco-Íris”. do segundo, era um guião que de um dos períodos “negros” da Coppola tinha na gaveta e que sua carreira: rodado e estreado “O Vigilante” (1974) o êxito de “O Padrinho” lhe entre o desastre de “Do Fundo do Talvez o único fi lme que permitiu montar na Paramount. Coração” (1982) e a controvérsia Coppola conseguiu fazer para Apesar da excelente recepção de “Cotton Club” (1984), é, tal um estúdio nos seus próprios crítica e de três nomeações como “Tetro”, uma história de termos: rodado entre o primeiro para os Óscares, esta história família rodada a preto e branco, e o segundo “Padrinhos” e claustrofóbica de um detective centrada na relação complicada de Francis Ford Coppola É difícil ser Francis Ford Coppola. Juventude”. Inspirado numa história “Uma Segunda Juventude”, intei- reincidiu com “Tetro”, retendo Mihai É o próprio quem o diz ao Ípsilon. do filósofo Mircea Eliade, falava de ramente rodado na Roménia, foi o Malaimare Jr., o jovem director de “Hoje, o meu nome só ajuda se eu um académico a quem era dada uma seu regresso, quarenta anos depois, fotografia com quem trabalhara em quiser que me tirem muitas fotos, ou segunda oportunidade para viver — e a essa forma de fazer cinema quase “Uma Segunda Juventude”, mas ro- se quiser assinar muitos autógrafos. o paralelo com um cineasta apostado improvisada: “Instalei todo o equi- dando agora na Argentina com uma A maior parte das vezes é um emba- a dar-se a si próprio uma segunda Agora dizem-me, pamento de que ia precisar num ca- equipa local. raço – porque entro numa sala como oportunidade não estava longe da mião, despachei-o para a Roménia, Correu bem, diga-se, em termos se fosse um fenómeno e não a pessoa cabeça de Coppola. ‘Você já não contratei apenas técnicos locais.” E práticos – porque a recepção crítica normal que sou...” “Havia de facto alguma relevância a experiência correu tão bem que e pública a “Uma Segunda Juven- O cineasta americano, 70 anos, diz na história faustiana de um idoso que estas palavras com leve tom de desen- volta a ser jovem – no fundo, eu que- consegue fazer canto, ao final da manhã de um do- ria voltar a ser um estudante de cine- mingo cinzento num hotel em Cascais, ma, fazer as coisas que achava que filmes tão bons rodeado por técnicos que se afadigam queria fazer quando tinha 21 anos. Encenação e Interpretação a montar e desmontar iluminação e Nessa altura, a carreira que eu tinha como quando era Gonçalo Waddington câmaras para entrevistas televisivas, em mente era usar as técnicas de pe- SÃO Tiago Rodrigues sob o olhar atento dos relações públi- queno orçamento do Roger Corman mais novo’, e eu Dramaturgia cas do Estoril Film Festival. para fazer filmezinhos de autor, e LUIZ João Canijo Podia ser um mero desabafo do au- quando precisasse de dar de comer respondo-lhes, NOV~O9 tor dos “Padrinhos”, mas a prova sur- aos miúdos, fazia um filme de ter- ge horas mais tarde: a sua entrada na ror...” sala de imprensa do Centro de Con- Mas a vida trocou-lhe as voltas – ‘mas vocês gressos do Estoril é acompanhada por guionista reconhecido em meados uma multidão de fotógrafos que o vol- da década de 1960, com créditos em também não tarão a rodear no final da conferência filmes como “Paris Já Está a Arder?” de imprensa, em alguns casos com ou “Patton”, autor de dois “filmes gostaram deles na DVDs dos seus filmes clássicos para pequenos” que não registaram (“De- autografar. mentia 13”, 1963, produzido por Cor- altura!’. Levou Ossos do ofício, diríamos — embo- man, e “You’re a Big Boy Now”, ra, alguns minutos antes de dizer ao 1966), viu-se promovido a realizador vinte anos para Ípsilon aquelas palavras, Coppola ti- de estúdio à terceira longa, “O Vale vesse dito igualmente que “nunca do Arco-Íris” (1968), adaptação de ninguém prometeu que ser um artis- um musical da Broadway com Fred dizerem que ta implicasse também ser-se rico e Astaire e Petula Clark que foi uma famoso.” Mas esse relativo desconfor- experiência desastrosa. ‘Apocalypse Now’ to com a imagem de grande cineasta “Disse a mim próprio que não que- atribuída por filmes como “O Padri- ria fazer filmes daquela maneira. Ime- tinha valor, e últimas representações nho” (1972/1974/1990), “Apocalypse diatamente a seguir fui para a estrada WWW.TEATROSAOLUIZ.PT Now” (1979) ou “Drácula de Bram rodar ‘Chove no Meu Coração’, que provavelmente vai Stoker” (1992), é uma das marcas do é o exemplo daquilo a que me refiro Coppola colheita 2009, em Portugal quando falo da escola de cinema de levar outros vinte a apresentar “Tetro” – o “segundo fil- pequeno orçamento do Roger Cor- me da minha segunda carreira” (nas man – não se deita dinheiro à rua, salas desde ontem). tem-se uma equipa pequena, viaja-se para admitirem 6 A 22 NOV Por “segunda carreira”, define o seu com pouco equipamento, está-se retorno à realização em 2007, após aberto a todo o tipo de coisas que que ‘Uma O QUE SE LEVA © Rita Carmo dez anos sem filmar, em regime de possam acontecer durante a produ- absoluta independência – financiando ção. E foi precisamente isso a que me Segunda ele próprio os seus filmes com os pro- abri quando fui para a Roménia.” DESTA VIDA veitos das suas empresas vinícolas e “Chove no Meu Coração” (1969), Juventude’ é MUNDO PERFEITO “Um prato turísticas, rodando em regime de contudo, foi o último “filme peque- QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00 pre a história DOMINGO ÀS 17H30 conta sem “economia total” fora do sistema de no” que Coppola ainda conseguiu cozinhou” interessante. Aí SALA PRINCIPAL M/12 de quem o estúdios dentro do qual passou a fazer. A seguir, veio o triunfo impro- maior parte do seu percurso e com o vável de “O Padrinho” e uma das car- vou estar morto O MUNDO PERFEITO APOIOS APOIO À É UMA ESTRUTURA DIVULGAÇÃO qual não quer voltar a ter nada a ver. reiras mais escrutinadas do cinema FINANCIADA POR americano dos anos 1970 e 1980, pon- SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H Trocou-lhe as voltas tuada pela incapacidade de fugir às RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE O primeiro filme dessa “segunda car- estruturas e esquemas dos estú- E NOS LOCAIS HABITUAIS reira” foi, em 2007, “Uma Segunda dios.

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 17 “O Padrinho” afastou Coppola, diz ele, dos filmes de pequeno orçamento que ele queria fazer — como “Tetro”

tude” e a “Tetro” foi tudo menos mes tão bons como quando era mais À maneira perseguir a sua própria musa, o seu unânime. novo’, e eu respondo-lhes, ‘mas vo- amor do cinema que “Tetro” mostra Coppola não alimenta ilusões: cês também não gostaram deles na de Tennessee Williams (com as suas citações assumidas dos “Sinto-me confortável com quaisquer altura!’. Levou vinte anos para dize- Isto não quer dizer que renegue o que “Sapatos Vermelhos” e dos “Contos afirmações desagradáveis sobre os rem que ‘Apocalypse Now’ tinha va- fez antes – na conferência de impren- de Hoffman” de Michael Powell e meus filmes porque as tenho ouvido lor, e provavelmente vai levar outros sa, citaria “O Vigilante” (1974) ou Emeric Pressburger, com o seu preto ao longo de toda a minha carreira. vinte para admitirem que ‘Uma Se- “Rumble Fish” (1983) como alguns e branco luminoso herdado do cine- Lembro-me de ficar destroçado quan- gunda Juventude’ é interessante. Aí dos seus filmes preferidos de entre os ma clássico). do, depois de ter ganho todos os Ós- vou estar morto – como o Bizet, que que realizou. E quer “Uma Segunda “Uma vez, perguntaram-me como cares por ‘O Padrinho parte II’, nin- morreu a achar que a ‘Carmen’ era Juventude” quer “Tetro” exploram era possível eu ter feito um filme tão guém quis produzir ‘Apocalypse um fracasso... Mas já não me ralo um regresso à fórmulas clássicas com aclamado como ‘O Padrinho’, e eu Now’. Tive literalmente de investir com isso. Não tenho agente, nunca as quais cresceu. respondi: ‘risco’. Não existe uma fór- tudo o que tinha. E quando o fiz, ri- tive, não preciso de dinheiro, não “Estou a entrar aos poucos nesta Como sou eu que mula e é isso que falha actualmente ram-se de mim, troçaram do filme, estou a tentar enriquecer, não quero nova carreira e não posso exactamen- em Hollywood. Os estúdios acham condenaram-no como a obra louca ter uma carreira, ninguém me tele- te deixar para trás a bagagem que me financio a que podem inventar uma fórmula que de um megalomaníaco. Agora dizem- fona a perguntar se quero dirigir o carrego... Aos vinte anos, estudava garanta o sucesso comercial e falham me, ‘Você já não consegue fazer fil- ‘Homem Aranha 3’.” teatro numa escola nos subúrbios de completamente, mas não aceitam es- Nova Iorque e os deuses que admirá- mim próprio, sei se falhanço.” vamos eram gente como Tennessee Mas não se trata de perseguir o ris- Williams, Elia Kazan, Marlon Bran- que vou encontrar co apenas pelo risco, nem de reen- do... E nunca tive a oportunidade de contrar um qualquer entusiasmo fazer um filme como ‘Tetro’, que é um otário para perdido - “sempre me mantive em modestamente um filme ‘à maneira contacto com o miúdo que fui, pelo de’ Tennessee Williams, alguém que me pagar o que nunca me preocupei em recupe- tanto admiro. Os jovens artistas têm rar a inocência, o entusiasmo, o pra- tendência a copiar os artistas de quem próximo filme. zer. Sempre os tive. E foi por isso que gostam, e ao fazê-lo libertam-se dessa me senti tão frustrado ao ser um re- imitação e encontram a sua própria alizador ‘convencional’... Faço filmes voz. Eu próprio tenho de me libertar Mas, para lá disso, de autor porque gosto, porque me dá dessa imitação. Claro que não roubei prazer. Mas não estou à espera de literalmente — deixei-me inspirar por, não tenho ganhar dinheiro com eles. Distribuí por admiração. Balzac falava do quan- ‘Tetro’ eu próprio e vou ter sorte se to os escritores mais jovens lhe iam certezas – não faço recuperar o investimento que fiz.” roubar e de como ele gostava disso, E para quem faz Coppola estes fil- de como ele os incentivava porque ao ideia do que vou mes de autor? “Para um público que fazê-lo o tornariam parcialmente gosta de cinema e quer vê-lo seguir imortal, tal como ele havia feito com fazer a seguir. E caminhos mais variados do que aque- os escritores de quem gostava. Quan- les que neste momento lhe é permi- do vi ‘Blow-Up’ [Michelangelo Anto- tido seguir [pelos estúdios].” Um nioni], disse: ‘quero fazer um filme isso é excitante público composto “pelas mesmas assim.’ E fiz ‘O Vigilante’. É maravi- pessoas para quem fiz ‘O Vigilante’ lhoso ver-se um filme fantástico e ser- ou ‘Apocalypse Now’, que neles en- mos motivados para fazer um filme contraram algo de válido.” Um pú- por causa disso. E acho isso perfeita- blico que não conhece apenas o Co- mente legítimo.” ppola de “O Padrinho”, e que lhe No fundo, trata-se de perseguir prefereprefere o de “Rumble FishFish”” - que vê aquilo que motivava Coppola antes nelenele um cineasta que,quee, mesmomes pelo do sucesso de “O Padrinho” lhe ter meiomeio do desencanto, contincontinuau a acre- aberto as portas de Hollywood, e da ditarditar que o ccinemai é posterior necessidade de fazer maismaai do que filmes “alimentares” para apenasape uma pagar as contas das apostas boaboa história falhadas. E, sobretudo, de bembeb conta- da.da. E, por impro- vávelvávevel qque pare- ça,çaç , CoCoppolap ri- se. “Como“CComo sou eueu queque mem finan- ciocio a mim próprio, sei queq vou encontrar um otário para mme pagar o próximo filme.filme. Mas, parapara lá disso, nãonão tenho certezas – não ffaço ideia do que vou fazer a seguir.seguir E isso é excitante.”

NUNO FERREIRA SANTOS VVerer crítica de filmesfilmes págs. 5533 e segs

18 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon 2 DEZ estreias QUARTA ÀS 21H00 SÃO internacionais SALA PRINCIPAL novas músicas CO-PRODUÇÃO LUIZ SLTM ~ UGURU DEZ~O9 no são luiz M/3 MY BRIGHTEST

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SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS Exposições

E cinquenta anos d Ainda é uma aven t

“US 285 New Mexico”, 1955, e “US 90 en route to Del Rio, Texas”, 1955: como a estrada, o carro era a viagem em si a tomar conta da narrativa. Os carros aparecem solitários em estradas, sobretudo aparecem parados como casas os am 20 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon “O livro de fotografia mais importante Joyce Johnson, esperaram na rua pe- preocupado com outro projecto: o depois da segunda Grande Guerra” la edição do dia seguinte do “The New Na candidatura primeiro da sua carreira de cineasta Sarah Greenough, curadora da Natio- York Times”. A crítica a “On the Road” – “Pull My Daisy”, escrito por Jack Ke- nal Gallery of Art, Washington, no (“Pela Estrada Fora”), por Gillbert à bolsa Guggenheim rouac, e com a participação de Gins- catálogo “Looking in: Robert Frank’s Millstein, que devoraram, o jornal [para concretizar berg, Corso e outros Beat. The Americans” ainda quente, proclamava o segundo A “estrada de Jack” é a estrada nú- romance de Kerouac como uma “oca- ‘The Americans’], mero 285 dos EUA, a fotografia núme- “É preciso passar por isto. É o ‘texto’ da sião histórica”. Duas semanas depois, ro 36 de “The Americans”. A estrada fotografia moderna.” Kerouac era a pessoa mais procurada é descrito o que é que está vazia, apenas um carro se apro- Jeff L. Rosenheim, curador do depar- nos círculos literário, intelectual e xima ao fundo. O alcatrão brilha como tamento de fotografia do Metropolitan boémio de Nova Iorque, quando nu- o “naturalizado” se o sol brilhasse, mas no horizonte Museum, Nova Iorque, ao Ípsilon ma festa um fotógrafo aborda-o e o céu escureceu como se já tivesse pede-lhe uma introdução para o seu Robert Frank queria feito noite. “Está decidido: vou voltar a fazer foto- livro de fotografia. ver na América: Se olharmos para as provas de con- grafia a preto e branco!” Encontraram-se pouco depois, o tacto, também na exposição “Looking Uma visitante da exposição, para uma fotógrafo com duas caixas de fotogra- “O tipo de civilização In”, ficamos a saber que nesse mo- amiga fias, recorda Joyce Johson numa au- mento, o sol brilhava. Mas o que era tobiografia. A primeira fotografia que que nasce aqui e mais verdade? Que era dia ou que era Johnson viu foi a imagem de uma es- noite? A estrada trada “com uma risca branca no meio se espalha por outros Determinadas verdades – como – O Truman Capote não tinha razão que continuava e continuava na di- Frank, Kerouac também sabia isto – quando disse que o “On the Road” era recção do horizonte escuro”. Pensou: lugares” precisam de menos luz: “Onde vais batido à máquina, não era escrito. – “A estrada de Jack!” América, no teu carro brilhante pela Sim. O fotógrafo tinha reconhecido em noite?” – O Kerouac sabia escrever. Jack Kerouac – e nos escritores Beat tas vezes desfocadas ou “mal” enqua- – Sim. em geral – a qualidade das suas ima- dradas. O carro – Ele não sabia era bater à máqui- gens: livres; e ainda que fotográficas, O escritor que batia furiosamente A primeira coisa que Robert Frank na. estavam em movimento. à máquina não sabia – nem queria sa- fez, depois de receber o primeiro che- As duas mulheres afastam-se da vi- Kerouac aceitou o convite de Ro- ber – de técnica de fotografia. Intuiti- que da fundação Guggenheim, na trine onde está em exposição a pri- bert Frank, e no seu característico vamente, o julgamento dele estava Primavera de 1955, foi comprar um meira versão da introdução que Jack jacto a tinta de máquina de escrever feito desde o primeiro encontro com carro – um Ford Business Coupe em Kerouac escreveu para o livro de fo- descreveu a estrada comum: “Estra- o fotógrafo: “Robert Frank, suíço, dis- segunda mão. tografia “The Americans”. De facto, da-louca conduzindo os homem em creto, amável, com aquela pequena Depois, partiu para a terra de Hen- Kerouac não sabia bater à máquina: frente – a estrada louca, solitária, di- máquina fotográfica que ele levanta ry Ford. A capital da América não era “what a poem hthis is, what poems rigindo depois da curva para os espa- e dispara com uma mão, sacou um Washington, D.C. dos políticos, não can bet weritten about his boo o of ços abertos até ao horizonte (...)” poema triste directamente da Améri- era Nova Iorque do “melting pot” cul- pictures some day by some some Dois anos depois, o mesmo crítico ca para a película, entrando para a tural; a capital da América era Detroit youn new writer” que tinha posto Kerouac na História lista dos poetas trágicos do mun- das fábricas de produção de automó- É difícil dizer se haverá por aqui comentava o novo livro de fotografia do.” veis. poetas, mas há de certeza fotógrafos, “The Americans”, no mesmo “New De qualquer forma, quando “The Como a estrada, o carro era a via- e há muitos jovens entre as dezenas York Times”. As fotografias, escreveu, Americans”, datado de 1959, saiu nos gem em si a tomar conta da narrativa. de pessoas que visitam o Metropolitan sugeriam uma “violência latente”, EUA em Janeiro do ano 1960, publi- Os carros aparecem solitários em es- Museum em Nova Iorque a um dia de “desconfiança dos seus sujeitos”, e cado com a introdução de Kerouac e tradas, mas também aparecem como semana para verem as 83 fotografias uma “fúria gélida”. com cada uma das 83 fotografias se- enquadramentos de caras, e sobretu- icónicas e outros materiais que con- Talvez seja mais fácil aceitar que parada por uma página em branco e do aparecem parados como casas. tam a história do livro “The Ameri- um escritor não saiba bater à máqui- uma legenda minimalista (tinha sido No final desse ano, a sua mulher e cans”. na do que um fotógrafo não saiba usar publicado em França antes numa ver- os seus dois filhos foram ter com ele. No dia 4 de Setembro de 1957, a vi- a sua máquina. Outros críticos foram são que Frank não gostava, com lon- Mary com Pablo e Andrea a dormir, da de Jack Kerouac mudou. Na noite ainda mais duros e descreveram as gos textos sobre a América escolhidos dentro do carro, é a última imagem anterior, Kerouac e a sua namorada, fotografias como “descuidadas”, mui- por um francês), já Frank estava mais de “The Americans”.

s depois os americanos afl uem em multidão ao Metropolitan Museum para se verem em “The Americans”. n tura atravessar a América, pela estrada fora, com Robert Frank. Susana Moreira Marques, Nova Iorque

/ 10 companhias / 17 apresentações / 3 estreias / 2 concertos / 4 salas de espectáculo + ruas de Tondela / animações teatrais o Tudo sobre / feira do livro lusófon americanos Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 21 plano, sobre uma banca, com um car- ro em fundo, uma imagem que impri- miu, mas que, finalmente, decidiu não incluir no livro. Os postais ilus- tram mais do que o lugar onde o visi- tante está – um “canyon”, a barragem Hoover; ilustram as obsessões ameri- canas: vendem-se postais da nuvem em forma de cogumelo. O medo era fotografável nos EUA. O medo de um negro se sentar no branco da frente quando Robert Frank lhe abre a porta para lhe dar boleia; mas também o medo de uma ameaça mais distante, e no entanto, concreta. - Você é um “commie”? - Não. - Você sabe o que é um “com- mie”? - Sim. Isto é uma parte de um diálogo en- tre um polícia e Robert Frank em Mc- Gehee, Arkansas. Era a segunda vez, durante a viagem, que Frank era pre- so. Foi detido porque o seu carro ti- nha matrícula de Nova Iorque e ele era um estrangeiro. As cartas de apoio Numa das primeiras que trazia consigo não o ajudaram: – Estou a viajar com o apoio de uma salas da exposição, bolsa Guggenheim. um homem pára – Guggenheim, quem é esse? Uma das cartas de recomendação, e comenta para de Alexey Brodovitch, director de ar- te da revista “Harper’s Bazaar”, deu a mulher: “Nós ainda direito a mais algumas horas na pri- são, porque Brodovitch soava russo. temos o terceiro Frank foi finalmente libertado de- mundo aqui, pois de ter sido cadastrado. Foi, es- creveu numa carta a Walker Evans, o problema é que não “a experiência mais humilhante que tive até agora.” se vê de Park Avenue” O hotel “Não houve mais prisões desde que viajo en famille”, escreveu mais tarde para deixar Walker Evans descansa- do. A carta vinha escrita em papel de carta do Hotel Rosewell, Del Rio, Te- “Parade xas. Frank sabia que Evans ia gostar Hoboken New de receber os papéis de carta com Jersey”

“Trolley New O carro foi, durante um ano, a lher negra pega num bebé branco. Orleans”, casa de Robert Frank. Se há uma espécie de clímax da via- 1955, e gem, acontece em Nova Orleães. Se “Charleston O mapa ia avançando para um “estado de gra- South Detroit – Nova Iorque – Savannah – ça” com a liberdade da viagem, esse Carolina”, Miami Beach – St. Petersburg – Mem- estado manifestou-se particularmen- 1955: quanto phis – Rio Mississipi – Arkansas – Nova te num único dia em Nova Orleães. mais tempo Orleães – Houston, Texas – Del Rio – Num único dia, numa única folha de passava no Novo México – Santa Fé – Albuquerque provas de contacto e numa única tira Sul, mais – Arizona – barragem Hoover – Las – o que “nunca, nunca acontece”, queria Vegas – – Hollywood – São confessou Frank recentemente numa fotografar não Francisco – Reno – Nevada – Salt Lake entrevista– estão duas fotografias ex- os sinais City – Butte, Montana – Wyoming – traordinárias que se seguem uma à exteriores da Omaha – Iowa – Chicago – Indianápo- outra no livro. segregação, lis – Ohio – Pensilvânia – Nova Iorque Mas seguem-se por ordem inversa. mas os Depois havia o trajecto em cada lu- A primeira foto tirada é a da multidão interiores - a gar: Woolworth’s, para comprar uma da rua, onde se distinguem negros a forma como coca-cola – cemitério – campo de gol- cruzarem-se com brancos numa rua uma negra fe – parque – elevadores – estações dos densa. Depois de tirar essa foto, Frank pega ao colo correios – autocarros – estações de voltou-se para trás, e por acaso, viu um bebé comboio. de repente um “trolley” a passar. Não branco, por Com ele, levava um mapa da Asso- sabia o que tinha fotografado. exemplo ciação Automobilística, anotado por Os passageiros olham pela janela. Walker Evans. Levava ainda o livro da Nos primeiros lugares vão brancos; autoria de Evans, “American Photo- os lugares de trás estão ocupados por graphs”. Evans tinha sugerido que negros; e um deles, um homem afro- Robert Frank fosse para Sul. Robert americano, procura compaixão na Frank seguiu as instrucções. lente do fotógrafo. Começou por fotografar tabuletas, Robert Frank não sabia o que tinha sinais de “branco” e de “negro” ou fotografado, mas três semanas depois, “de cor”. Fotografou muitos “proibi- a afro-americana Rosa Parks, em Mon- dos”. Essas fotografias, nas provas de tgomery, Alabama, recusava-se a ceder contacto, não chegaram à selecção o seu lugar a um passageiro branco. final. Quanto mais tempo passava no Sul, mais queria fotografar não os si- As cartas nais exteriores da segregação, mas Que se saiba, Frank não mandou pos- os interiores: a forma como uma mu- tais. Fotografou postais – em grande

22 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon teatro

publicidade e mapas e desenhos nas lhidas das mais de 27 mil fotografias margens. Porque a América é, que tirou ao longo de 10 mil milhas O fotógrafo de “Let Us Now Praise de viagem) para as 83 fotografias que Famous Men” tinha ajudado o mais 50 anos depois, tão se espalham, na exacta sequência do jovem Frank a conseguir a bolsa Gu- dividida como antes, livro, pelas salas. ggenheim. Evans admirava o trabalho “Inicialmente ele dividiu o livro em de Frank e chegou a escrever uma ou simplesmente quatro capítulos”, continua Rose- introdução para o projecto “The Ame- nheim, apontando para a maquete ricans”. Frank preferiu não publicar porque é demasiado inicial de “The Americans”, “mas de- o texto, que saiu entretanto na anto- pois decidiu que não queria criar es- logia “U.S. Camera Annual” de 58. vasta, a verdade é que se tipo de estrutura. É uma só coisa, Evans continuou a apreciar o tra- um sentimento.” balho de Frank: “Tenho que admitir os americanos Os cinquenta vão seguindo o cura- que, sejam qual forem os deuses que nunca inteiramente dor como podem pelas salas: “negros enviaram Robert Frank, assim tão ar- e brancos”; “pobres e ricos”; “urbano mado, através deste país, fizeram-no conhecerão e rural” – aponta Rosenheim. com um certo sorriso.” Mais tarde, ao Ípsilon, Rosenheim Evans sabia que Robert Frank era à América. E nunca descreveu estes contrastes como “ra- outro tipo de fotógrafo. Viajar e foto- chas” que começavam aparecer no grafar o país não era nada de original, poderão responder dia-a-dia impecável da América. Só Evans tinha-o feito antes. Mas Evans uma câmara fotográfica, sugeriu Ro- Michel Schweizer tinha documentado os anos 30. E à questão: quem são? senheim, podia apanhar a subtileza (Bordéus) Frank viajava nos anos 50 e não era com que a América se transforma- documentar a acção que mais o pre- va. BLEIB opus #3 ocupava. um auto-retrato. O jovem Robert Robert Frank concordou, ao fim de Co-apresentação alkantara festival, “Mon cher professeur”, começa Frank no topo de uma montanha olha 50 anos, com uma exposição inteira- festival Temps d’Images, Teatro Maria Matos carinhosamente Frank num papel de para trás, para a câmara, mas sem mente dedicada à série “The Ameri- carta do Hotel Finlen: parar o movimento da escalada. As cans”, mas Rosenheim não sabe por- “A noite passada num bar em Butte montanhas, para escalar ou esquiar, quê. Até aqui, Frank nunca quis con- vi este cartaz na parede: ‘A única pos- são as melhores recordações que tem tribuir para estatudo icónico de “The se que o governo não pode taxar é o da Suíça. Americans”. 21 e 22 Novembro 21h30 12€ M/12 teu pénis. 90% do tempo está fora de Robert Louis Frank nasceu em Zu- Quando o livro foi feito, há precisa- serviço. 10% do tempo está num bu- rique, Suíça, em 1924, mas só aos 21 mente 50 anos atrás, e precisamente m raco e tem dois dependentes (…)’ Se anos é que se tornou cidadão suíço. como ele queria – simplesmente um enores não pudesse rir-me, estaria a chorar A mãe era suíça, mas o pai era ale- conjunto de imagens –, o trabalho em 30 anos todo o tempo, boa sorte, Robert.” mão, e quando, em 1939, os judeus “The Americans”, para ele, acabou. De Butte, Montana, há apenas uma alemães perderam o direito à nacio- Frank seguiu viagem. Como disse 5€ fotografia em “The Americans”, tira- nalidade, tanto Frank como os seus num evento com a curadora Sarah www.teatromariamatos.pt da da janela do quarto no hotel Fin- filhos deixaram de ter Estado. Greenough quando a exposição inau- Bilhetes à venda: len. Não há ninguém na rua ladeada Quando a guerra acabou e as fron- gurou em Washington no início do Teatro Maria Matos 218 438 801 de casas baixas, e vê-se a cidade a de- teiras se abriram, Robert Frank partiu ano, a “vida é muito mais interessan- sembocar numa mina de cobre. para ver mundo. Em Paris não arran- te quando se move ou nós nos move- jou trabalho e esperou pela oportu- mos.” O americano nidade de imigrar para os EUA. Quan- A maior parte de nós continua a Antes de deixar a Europa, Robert do, em 1947, chegou a Nova Iorque, surpreender-se com as descobertas Frank preparou um portfolio para no S.S. James Bennett Moore, não de Frank. De volta a uma das primei- SÃO mostrar a editores e tentar arranjar pensava ficar para o resto da vida. ras salas da exposição, um homem trabalho quando chegasse ao EUA. O Quando se candidatou à bolsa da pára junto das provas de contacto e portfolio chamava-se “40 fotos” e ti- Fundação Guggenheim sete anos de- comenta para a mulher: “Nós ainda LUIZ nha 40 fotos, quase todas da Suíça. pois de chegar à América, escreveu temos o terceiro mundo aqui, o pro- A imagem que fecha o portfolio é – ou melhor, Walker Evans reescreveu blema é que não se vê de Park Ave- DEZ~O9 – que o projecto seria o olhar de um nue.” “americano naturalizado” sobre o seu Porque a América é, 50 anos de- novo país. Mas Robert Frank não se pois, tão dividida como em 59, ou tinha ainda naturalizado. Só em 1963 simplesmente porque é demasiado conseguiu a cidadania americana e a vasta, a verdade é que os americanos resposta dele foi: “Ich bin ein Ameri- nunca inteiramente conhecerão à kaner”. América. E nunca poderão responder O comentário parodiava o Presi- à questão: quem são? dente John F. Kennedy em Berlim Frank nunca tentou. As fotografias Ocidental – “Ich bin ein Berliner” -, dele só levantam perguntas: quem é alguns meses antes, não muito depois aquela mulher no elevador que Ke- do Muro ter sido erguido. rouac quis conhecer na sua introdu- Na candidatura à bolsa Gugge- ção? nheim, é descrito o que é que este Porque é que aquele homem passa “naturalizado” queria ver na América: o dia em pé na rua a distribuir folhe- “O tipo de civilização que nasce aqui tos religiosos? e se espalha por outros lugares”. Por quem reza o negro que se ajo- A América tornava-se o país mais elha todo de branco no Mississipi? importante do século XX, e deixava Mais do que uma história colectiva, 3 DEZ de pertencer exclusivamente aos “The Americans” conta a história de americanos. Éramos, em todas as lín- cada um. Mesmo quando os america- guas, americanos. nos se sentam lado a lado num balcão PEDRO de um típico café americano, no meio Os americanos da estrada ou no centro da cidade, as BARROSO As pessoas que vieram para a “tour” histórias não se cruzam. do curador Jeff L. Rosenheim pela ex- Como escreveu Kerouac sobre a posição no Met, quase não cabem na fotografia do engraxador de sapatos 4O ANOS primeira sala. e o seu cliente numa casa de banho “Isto é um recorde”, comenta. “Vo- pública, algumas destas imagens são cês são pelo menos cinquenta.” Ro- possivelmente as imagens “mais soli- DE MÚSICAS senheim berra a sua introdução para tárias algumas vez feitas”. se fazer ouvir: “Isto é mais um livro WWW.TEATROSAOLUIZ.PT de poesia embora lhe chamem repor- As fotografi as E PALAVRAS QUINTA ÀS 21H00 tagem.” Está quase encostado à pare- Podia-se dizer das fotografias de Ro- SALA PRINCIPAL M/3 de onde estão as impressões de tra- bert Frank o que ele disse sobre as balho que Robert Frank juntou de fotografias do amigo suíço Gotthard SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H propósito para esta exposição, para Schuh numa carta que lhe enviou: RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] que os visitantes percebam o proces- “They are – Not words – ” Não são [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS so de reduzir 1000 impressões (esco- palavras.

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 23 PEDRO CUNHA PEDRO David Claerbout quer mostrar imagens impossíveis de esquecer Fotografi as que trazem a animação de volta. Filmes que são experiências sensoriais. M A obra de David Claerbout endereça, no Museu do Chiado, um convite gentil a

Alguém escureceu as principais salas obras de vários autores que trabalham meiro momento, “acessível”, isto é, situação frustrante, passávamos a A mesma abordagem intuitiva seria do Museu do Chiado. Pelo chão arras- com a imagem em movimento, lem- familiar. Mas a impressão é traiçoeira. maior parte do tempo a desenhar nus, utilizada na composição e edição de tam-se cabos e ferramentas e ao fun- brar-se-á provavelmente de “Sections O que as suas imagens fazem é sobre- mas deu-me uma base saudável para imagens em movimento enquanto do dois técnicos põem a funcionar um of a Happy Moment”. Era, digamos tudo deter o espectador. a pesquisa e o confronto”. para trás ficava o fazer artesanal her- projector. Não há qualquer azáfama assim, uma das propostas mais “aces- Claerbout chegou, inclusive, a for- dado das disciplinas tradicionais. ou pressa. Apenas o ritmo habitual síveis”: descrevia um momento de Pintura, fotografi a, vídeo mar-se em litografia, mas rapidamen- Com poucos conhecimentos técnicos, da montagem de uma exposição. A lazer de uma família oriental a partir A exposição no Museu do Chiado – te se apaixonou pela fotografia, em- “mas com muitas ideias e um interes- luz – ou grande parte dela – vem das de múltiplas perspectivas. Um mo- realizado no âmbito do Festival Temps bora na condição de um amador, de se apaixonado”, Claerbout abraçava imagens e permite identificar um vul- mento apanhado na sua tridimensio- d’Images – reúne videoprojecções e um não especialista. “Quando come- definitivamente os novos media (des- to que as observa desinteressado. É nalidade. uma instalação e percorre vários mo- cei a trabalhar com o medium, limi- te período “iniciático” podemos ver David Claerbout, o responsável por Situada nas zonas cinzentas da fo- mentos do percurso deste artista fla- tava-me a recolher material para usar no museu “Kindegarten Antonio esta transformação, o artista, que es- tografia e do filme, a produção artís- mengo que, curiosamente, começou na pintura e no desenho. Não me in- Sant’Elia 1932”, de 1998). pera alguém. tica de David Claerbout (que já expôs por estudar pintura: “Faço parte de teressa a fotografia em si mesma. Mais A decisão funcionou a seu favor: Quem viu no ano passado, no Cen- no Centre Pompidou, em Paris, e no uma das últimas gerações de artistas tarde, então, desenvolvi um trabalho “Criei o meu próprio estúdio e adqui- tro de Arte Moderna da Fundação Museum Boijmans Van Beuningen, belgas vindas de um contexto muito de autodidacta, entre o coleccionador ri um conhecimento mais profundo Calouste Gulbenkian, a colectiva “Ida em Roterdão, entre outras instituições conservador e dominado por uma de fotografia e o artista que trabalha- dos processos da imagem fotográfica e Volta: Ficção e Realidade”, com de arte) revela-se, de facto, num pri- forte tradição académica. Foi uma va com a fotografia”. e do filme, mas fi-lo de forma muito

“Arena”, sucessão de cenas de um instante de um jogo de basquetebol

24 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Através da luz, do tempo, do som, da coreografi a, o belga proporciona experiências mais sensoriais do que as de uma imagem plana Exposições

. Momentos que explodem em imagens diferentes. l aos nossos sentidos. José Marmeleira

pessoal”, nota. Acrescenta: “Talvez esculturas, mas através da luz, do por isso tendo a pensar imagem como “Quando faço um tempo, do som, da coreografia que um desenho, uma arquitectura. Se acontece entre as figuras e os edifí- não tiver autoridade, em termos de trabalho, tenho em cios, procuro proporcionar experiên- composição, não sobrevive. Talvez conta a experiência cias mais sensoriais, concretas”. haja uma influência do pictórico no A fotografia é muitas vezes o meio meu conceito de composição”. do espectador na para chegar a estas imagens, não só Na verdade, a pintura não desapa- através dos conceitos e das ideias, receu totalmente da obra de Claer- galeria ou no museu. mas de um minucioso trabalho de bout. Basta reparar na presença da composição sobre o espaço. Por paisagem, no uso da luz em “Riversi- Claro que certa obra exemplo, “Arena”, sucessão de cenas de”, de 2009, ou em “Vietnam, 1967, pode passar de um instante de um jogo de basque- near Duc Pho (reconstruction after tebol: “Fiz 500 imagens diferentes de Hiromichi Mine)”, de 2001. “Forma, despercebida ou um só momento, o que à partida pa- com certeza, parte de um triângulo rece impossível. Mas através de um na minha obra, ao lado da fotografia esquecida. Pode até longo e complexo processo de com- e do filme”, admite. “O meu trabalho posição, criei um espaço tridimensio- tem, aliás, essas três dimensões: é excluir o espectador, nal que a visão fotográfica não conse- pictórico, porque não tenho comigo gue apreender. Um espaço que, como a experiência da pintura e do dese- mas se este se abrir certos momentos importantes da nos- nho, é fotográfico e até certo ponto à imagem pode sa vida, não conseguimos determinar, narrativo”. fixar. É esse espaço procuro ‘escul- descobrir o que pir’”. INSHADOW Homenagem ao modernismo SÃO 1.º FESTIVAL INTERNACIONAL E a manipulação vai mais longe DE VÍDEO, PERFORMANCE Tempo então para confrontar o artis- encontramos nos quando sugere o movimento na foto- LUIZ E TECNOLOGIAS ta com o cinema. Afinal, até onde vai grafia e a suspensão do movimento NOV~O9 a sua relação com o universo cinema- filmes do Bresson: no filme. “Tem a ver com a forma co- tográfico? “Sempre tive uma relação mo olhamos para as coisas. Mas ao de ódio/amor”, lamenta, num tom uma sensação de mesmo tempo”, sublinha, “também lacónico. “Na minha opinião, a liber- espaço, duração não é nada de original. Remete para dade artística no cinema tem diminu- um prática que pertence às origens ído e as formas convencionais de pro- e de desconexão, do cinema não enquanto narrativa, dução dão origem a cada vez menos mas enquanto animação. Traz a ani- obras de arte. Claro que continuam a uma imagem que é mação de volta”. existir grandes autores, mas vivem Nestas deslocações entre a fotogra- sob a pressão do lucro e da distribui- impossível esquecer” fia o filme, é provável que o especta- ção”. dor se desoriente. Ou que não se quei- Pedimos-lhe para citar um ou dois Basicamente, a fotografia da arquitec- ra deter. “Quando faço um trabalho, e aponta o nome do realizador irania- tura é um pouco como a fotografia do tenho sempre em conta a experiência no Abbas Kiarostami. É, porém, sobre casamento. Quando as olhamos trin- do espectador na galeria ou no mu- Robert Bresson, um cineasta já desa- ta anos depois parecem menos atra- seu. Claro que certa obra pode passar parecido, que prefere conversar: entes, mas não menos tocantes”. despercebida ou esquecida. Pode até “Adoro o cinema dele. Mostra como Não esconde o fascínio pela posição excluir o espectador, mas se este se a artificialidade pode ter um enorme “exemplar, quase utópica” da figura abrir à imagem pode descobrir o que poder. De alguma forma ecoa no meu humana diante dos edifícios e dos encontramos nos filmes do Bresson: trabalho, pelo seu lado arcaico, a sua ambientes urbanos do modernismo; uma sensação de espaço, duração e 24, 25 E 26 NOV rigidez e construção. Dou-me conta pela relação da figura humana com o de desconexão, uma imagem que é ESPECTÁCULOS dessas semelhanças, pela importância espaço e a vida. “Faço uma homena- impossível esquecer”. SSÕES COMPETITIVAS que dou à composição, à coreografia gem, uma homenagem com um co- A luz é fundamental para este en- SE

ECIAIS WWW.TEATROSAOLUIZ.PT entre os lugares e as figuras humanas. mentário: quando uso fotografias contro e torna-se mais presente à me- SESSÕES ESP É um cinema que parece hoje muito antigas que representam o modernis- dida que os videoprojectores vão ilu- PERFORMANCES antiquado, mas tem uma força muito mo, é porque este está velho, aban- minado a escuridão, deixando entre- INSTALAÇÕES comovente”. donado e esquecido. Já não é a situa- ver, através de uma porta WORKSHOPS No campo da fotografia, elege Jeff ção dominante”. envidraçada, ao fundo, uma imagem ERCLASSES MAST VERNO Wall e Steven Shore embora a sua fo- em movimento. É então que David SALA PRINCIPAL E JARDIM DE IN tografia procure outros motivos. A Imagens e luz Clarbou aproveita para comentar: TERÇA A QUINTA TM / VOARTE arquitectura modernista, por exem- É no âmbito desta posição que pode “[Os videoprojectores] existem para CO-PRODUÇÃO: SL M/6 ORGANIZAÇÃO: plo, que vemos em “Bordeaux Piece” ser entendido o modo crítico como mim a um nível existencial, represen- (2004) ou em “Shadow Piece“ olha a produção de imagens na con- tam o sol. Num espaço escuro, se exis- (2005). temporaneidade. “Uma das coisas tir um raio de luz é este que permite estreia internacional “A arquitectura no meu trabalho que me entristece quando colocamos às pessoas moverem-se. Traz vida ao apareceu de forma natural, quando uma câmara de filmar diante de uma espaço como o sol. E em algumas COMPANHIA AiEP .MOV © Domitilla Biondi 26 NOV ~ QUINTA FEIRA ÀS 21H00 coleccionava fotografia”, esclarece. paisagem, é que rapidamente trans- obras desta exposição esse é um fe- SALA PRINCIPAL “O que de facto me interessa é a foto- formamos esta numa coisa plana. nómeno muito importante”.

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H grafia da arquitectura, a forma como Criamos uma memória fraca de uma RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] novos ambientes e contextos são imagem forte. Gosto de contrariar is- Ver crítica de exposições pags. 38 e se- [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS apresentados nas suas fases iniciais. so. Não que considere os meus vídeos gs.

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 25 Uma viagem de mês e meio, quatro mo, de pêlo, bordados, o multicultu- exposição com parte do acervo da tomar um bocadinho da Rua Augusta países e uma viragem irreversível. ralismo fruto das viagens dos Beatles colecção Francisco Capelo em que como sua. Lá dentro, o sofá “Joe”, Naqueles anos 1970, pertinho do 25 ao Oriente às costas. estão muitos dos referentes das duas qual luva gigantesca com cinco dedos de Abril, os pais de uma Eduarda Ab- Por tudo isto é que diz, numa para- décadas que passa em revista. para nos abraçar. A roupa de Zandra bondanza menina levaram-na pela gem na exposição “É Proibido Proi- Rhodes, a criadora da moda de rua Europa de carro. bir!”, no Museu do Design e da Moda Foi uma coisa de rua que se tornou alimento do movimen- Primeira paragem: Espanha. As fo- (Mude), em Lisboa: “Encontramos Olhando para um vestido Pucci den- to das boutiques na Londres “sixties” tos: “very typical”. Ela, enfastiada, de imensas coisas que nos são familia- tro da casinhota de onde brada Brel, da marca/boutique Biba, lado a lado meias até ao joelho, mocassins, saia res”. Brel, numa gravação, pede: “Ne Abbondanza atesta que aquela “foi com a “mini-kitchen” de Joe Colombo xadrez e t-shirt. me quitte pas”. Os anos 1960 e 70 uma época tão rica ao nível das expe- ou com as peças Verner Panton. Já em Paris, algo muda. As fotos: nunca a deixaram. A viagem também riências e das descobertas que hoje Foi uma coisa de rua, mas também ela, mais contente com a sua maxi- não, a recolher discos para a irmã ainda estamos a viver a sequência “a revolução das casas”, recorda Ab- saia a esconder os mocassins, t-shirt, mais velha, a absorver a moda da épo- dessa explosão”. bondanza ao construir a narrativa cidade das luzes pós-Maio 68. ca, a criar a sua ideia de estilo, semen- A revolução foi isto: os Beatles à desta viagem por uma exposição. En- Salto para Londres. Foto: platafor- tes do que viria a ser a professora da porta, gigantescos, apoiados em relva fatiza “a versatilidade, o lado do ‘play mas nos pés, maxi-saia, t-shirt. Faculdade de Arquitectura de Lisboa, artificial. Os putos, a turba “freak”, the game’. Há sempre um lado lúdico Ponto sem retorno: Amesterdão. a responsável pela Associação Moda- que vê aquela ervinha de plástico, nas coisas. As cadeiras de piscina que Foto: Maxi-saia, plataformas, a inse- Lisboa, a criadora de moda. Hoje, aquela árvore de Natal rasteira e a podem ou não sê-lo, que quando se parável t-shirt e um casaco longuíssi- apaixonada pelo design, vê-se numa aproveita logo para se sentar, para fecham podem ser uma caixa de pó A vida como auto-caravana Brel, Pucci, Beatles, Florida. Eduarda Abbondanza foi ao MUDE com o Ípsilon. Recordou uma viagem ao passado, de carro com os pais, que veio dar ao futuro – de auto-caravana, rumo ao século XXI. Joana Amaral Cardoso

“As Palavras e as Coisas” de Michel Foucault, o meio é a mensagem de Marshall McLuhan... livros pendurados à entrada de uma exposição Exposições

26 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon não numa versão ‘hippie’. Há um lado ‘network’, de permuta, na produção para a auto-suficiência. E o exceden- tário é vendido para criar riqueza. Há

ENRIC VIVES-RUBIO ENRIC VIVES-RUBIO uma lógica racional, moderna, tecno- lógica, economicista, muito estrate- gicamente organizada”. Sofisticada, que procura “a qualidade de vida que a sociedade actual retira. Que se cha- ma tempo, que é o maior luxo de to- dos”, sorri Abbondanza. Dinheiro: “é incontornável: porque determina as questões da educação, que determina o sucesso e outra ques- tão: a da saúde e dos cuidados anti- envelhecimento que se colocam a quem vive hoje”. Tempo e dinheiro, T-shirts de Vivienne Westwood tempo que é luxo, quanto tempo pa- com Malcom McLaren ra criar sustentavelmente num mun- do “em que tudo se tornou global, de arroz. Os assentos são baixos, tudo do trabalho sub-humano. Estuga o que é um enjoo horrível. Por isso é baixou ao nível do chão porque per- passo, rumo ao candeeiro Moloch de que o trabalho da Catarina Portas n’A mitia um posicionamento relaxado e Gaetano Pesce, maravilha das propor- Vida Portuguesa é válido”, exempli- displicente”. ções. Professora há 18 anos, pediu fica. Agora, em Sevilha, “tenho de ir A filosofia do momento não é “no este ano para dar aulas ao 1º ano de a uma loja de ‘souvenirs’ para encon- alarms and no surprises” como nos design de moda da sua faculdade. Pa- trar um leque”, exemplifica ainda, Radiohead neurasténicos do século ra perceber melhor estas gerações. garantindo que Richard Florida é que XX/XXI. Tocam os guizos, há novida- “Que são europeus, são. Tanto podem é e que as indústrias criativas, com des. É nudez, é liberdade, é música, estar aqui como em Madrid ou em uma identidade mais do que nacional, é o psicadelismo para o povo, com a Londres. Mas não vejo nada que re- regional, são a salvação da Europa. roupa a mudar. Mas já sabemos isto. meta muito para um movimento de Abbondanza tem o fascínio das Sabemos da conferência de imprensa opinião. Seja de que tipo for. Não ve- auto-caravanas. Não foi numa que fez pós-casamento de Yoko Ono e John jo ingredientes de um colectivo que a tal viagem de viragem com os pais, Lennon, na cama, do efeito pop de pensa uma causa. Encontro pessoas mas colecciona livros e livros sobre tantas peças de design de equipamen- motivadas pelas questões ecológicas esse “símbolo da liberdade máxima”. to. Tudo isto terminou no fim dos – talvez seja a mais recorrente. E há É a pensar nelas que olha as t-shirts anos 1970 com a crise do petróleo e uma grande preocupação do ponto de Vivienne Westwood com Malcom com os que esmagaram os “hippies” de vista do futuro, mas a nível econó- McLaren a gritar “Destroy”. E recorda – os “yuppies”. mico, da prosperidade”. Katharine Hamnett e as suas t-shirts E tudo isto forma um paradoxo: O dinheiro, esse valor que os “hip- como um cartaz em vestuário, com “Do ponto de vista uma produção contracultural, um pies” sonhavam ser dispensável, está frases ecológicas como “Save The Pla- chuto na sociedade de consumo, que associado aos movimentos colectivos net”. Então, as pessoas eram “state- criativo há [hoje] criou mais objectos de consumo que mais significativos da era XXI. Mesmo ments daquilo em que acreditam”. O agora são peças de museu. os mais verdes. Ao longe ouvem-se que dizem as t-shirts da década um

ENRIC VIVES-RUBIO muito o revisitar agora os Doors, “Waiting for the sun”. do século XXI? O dinheiro Paralelamente a esta geração Europa e o repescar, no Estas são “As Palavras e as Coisas” de de futuros criativos, há “o regresso ao Ver crítica de exposições págs. 41 e se- entanto vivemos Michel Foucault, o meio é a mensagem campo mas numa versão moderna e gs. de Marshall McLuhan, livros pendu- numa época muito rados à entrada de uma exposição que grita – às vezes tão alto que não se ou- mais controlada, vem as vozes dos objectos. E agora, música mundo? E agora, gerações? E agora, muito mais sujeita Abbondanza? Naquelas duas décadas “É Proibido Proibir!”, constata Abbon- à crítica [que os anos danza. “Só que não estamos nessa 60 e 70]. Voltámos época. Estamos numa época em que é proibido mesmo”. Questiona-se a ser reféns de nós quando quer pôr no Facebook alguns vídeos que a fascinam dos 60s e 70s próprios. A auto- – há nudez, há drogas, há pérolas. “Agora é proibido mesmo”, suspira. censura é um reflexo “Do ponto de vista criativo há mui- to o revisitar e o repescar, no entanto da censura exterior” vivemos numa época muito mais con- Eduarda trolada, muito mais sujeita à crítica. Voltámos a ser reféns de nós próprios. Abbondanza, A auto-censura é um reflexo da cen- sura exterior”. No passado, a anti- professora na moda era um descanso. “Não havia uma apreciação bom/mau, a moda Faculdade não significava mais nada a não ser o de Arquitectura que o grupo achava, era feita para os pares”. A alta-costura até ia beber à Moritz de Lisboa rua para não se tornar irrelevante. Mas hoje, com tantos espartilhos, com uma crise na sociedade do so- von Oswald Trio breconsumo, com apelos constantes (Alemanha) – Al Gore, ei-lo novamente a dizer que a responsabilidade é nossa, “Salvem o Planeta” – não estamos também agora a convidar ao fim ou ao início Vertical ascent de algo? EduEduarda estaca. Sim, há que mudar.mudar. As coisasc estão em curso. Mas Professora háá nãonão é bem um “Está tudo a aconte- 18 anos,s, cer”cer” ineinebriadobr das digressões dos 25 Novembro 22h00 Abbondanzaa JeffersonJefferson AirplaneA ou dos Grateful 12€ M/6 pediu este anoo Dead.Dead. Há ssinais: o luxo só é possível para dar aulass graçasgraças aos mmercados emergentes; os m ao 1º ano dee consumidoresconsumido ou absorvem incons- enores design dee cientementecientemente as peças de usar e deitar 30 anos moda daa forafora ou optam por produtos de 5 Faculdade dee ediçãoediç limitada – “o futuro da www.teatromariamatos.pt € Arquitecura.a. Europa,E a produção dife- Para perceberr renciada” –, sustentáveis; Bilhetes à venda: as novass é preciso “salvar as pes- Teatro Maria Matos 218 438 801 geraçõess soas” do tempo que falta,

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 27 New Livros York I Love

You AFP DON EMMERT/ “Netherland”, romance sobre o submundo do críquete e dos imigrantes que o praticam em Nova Iorque, transformou-se em “bestseller”, venceu prémios, foi gabado por Obama. Joseph O’Neill só encontra uma explicação: “Veio no momento certo”. Hélder Beja

As pessoas ou franziam o sobrolho ou mãos como um extra-terrestre.” O 12 de Setembro filho, tam- sorriam complacentes. Joseph O’Neill O narrador e protagonista de “Ne- “Netherland” foi descrito por alguma bém O’Neill era um irlandês simpático a chegar therland” é Hans, um analista finan- crítica como um livro sobre o 11 de considerou essa pos- aos 40, casado com a popularíssima ceiro holandês a viver na Big Apple Setembro. É falso. Trata-se, quando sibilidade em 2001: “Acho editora da “Vogue” americana, Sally com mulher e filho. E são precisas muito, de um livro sobre o 12 de Se- que toda a gente pensou se devia ou Singer, mas dizia-se escritor – publica- poucas páginas para que nós, que sa- tembro, o 13, o 14 e todos os dias de- não abandonar a cidade. Muitos par- E de repente ra uns romances cómicos de que nin- bemos tanto de críquete como da at- pois dos ataques às torres do World tiram. Nós decidimos ficar e apren- surge este objecto-alien literário, on- guém ouvira falar – e estava a preparar mosfera de Marte, percebamos as Trade Center. “Os romancistas depen- demos a viver com esta nova situação. de nada de estrondoso acontece ao um novo livro há anos. Sobre quê? Ah, dúvidas do autor e dos que o escuta- dem das circunstâncias que os ro- Quando olhamos para trás é bastante longo de mais de 250 páginas carre- sobre o críquete, em Nova Iorque. vam, as vezes em que se imaginou deiam e, naquele dia, as circunstân- claro que os ataques foram um acto gadas de analepses e prolepses, não “Enquanto escrevia o livro [levou “perdido ou, pelo menos, na direcção cias mudaram significativamente”, isolado, porque se não fosse assim estamos à espera de um cataclismo, sete anos] tinha consciência de que errada”. Há páginas inteiras que des- começa o escritor, que à época já vivia teria sido fácil repeti-los e isso não de armas de destruição em massa, de estava a trabalhar num pequeníssi- crevem campos de críquete, tacadas, na cidade e, neste romance, usa o mo- aconteceu. Estávamos mais assusta- uma reviravolta inesperada. O’Neill mo tópico, um mundo desconhecido lançamentos, que chafurdam no jogo mento do ataque como catalisador da dos do que deveríamos estar, o que concorda: “Acontecem algumas coi- e indiferente à maioria das pessoas. criado na Grã-Bretanha do século XVI acção, quase sem ter de nomeá-lo. na realidade era uma reacção a Bush, sas. Alguém morre [bem no começo], Quando referia em conversa que o e levado num qualquer porão para “Rachel tinha os seus próprios medos, que tinha interesse em manter as pes- as pessoas mudam-se, mas de facto tema do meu romance era o críque- terras remotas como a Índia e o Pa- em particular a certeza inabalável de soas aterrorizadas.” este é um livro com poucos ‘twists’. te, as reacções não eram muito pro- quistão, onde haveria de popularizar- que a Times Square (…) seria o lugar É essa “situação Bush” que O’Neill Não é isso que me interessa.” metedoras”, diz-nos o autor de “Ne- se. “Houve um momento em que jul- do ataque seguinte” (pp. 27). refere quando tenta justificar o suces- O que aconteceu e as suas conse- therland – Terra de Sombras” (Ber- guei que não ia conseguir finalizar o Tal como Rachel, mulher de Hans, so do livro junto da crítica e dos leito- quências são, aqui, mais importantes trand) ao telefone de Nova Iorque, livro. Quando andamos demasiado que é obrigada a deixar o seu aparta- res. “Acho que tive sorte, porque o que o que está para acontecer, pelo onde vive. “Eu procurava isso mes- tempo às voltas com uma história co- mento em Tribeca para viver no Chel- livro saiu em 2008, quando os ame- menos numa macro-escala que não mo: um estado de confrontação en- meçamos a duvidar”, admite O’Neill. sea Hotel, vomita “com o uivo fantás- ricanos estavam cansados da opres- contemple amores e amizades. Hans tre o leitor americano, a sua pers- E esta história, que não é fácil, já o tico de uma motorizada” e decide fi- são da Administração Bush, da visão sente o sufoco do passado recente e pectiva, e algo que lhe caísse nas acompanhava antes de 2001. nalmente deixar Nova Iorque com o do mundo que tentavam impor-lhes.” chega a comparar a situação dos no-

28 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon o percurso deste autor de 45 anos e O’Neill: “A América continua a ser aquilo que encontramos em “Nether- a terra das oportunidades. Para al- land”. “Uso muita da minha experi- guém que chega da Índia, do Bangla- ência pessoal neste livro”, admite o desh, para essas pessoas os EUA são irlandês, para quem “a relação entre uma enorme oportunidade. Para os realidade e imaginação é indirecta”: que nascem aqui, as coisas são dife- “Acumulo pequenas situações e pen- rentes. A imobilidade de classe é mui- so no que elas me sugerem, gosto de to forte. Tem-se um certo patamar Joseph sentir que tudo o que imagino é real. económico e é muito difícil escapar- O’Neill, um E esse material que recolho vai ga- lhe”. Nova Iorque, a cidade que elege irlandês em nhando forma e definindo o meu tra- como a melhor para viver e à qual Nova Iorque, balho, ditando aquilo que vem a se- dedica muitas das páginas de “Nether- onde joga guir.” land”, é ainda mais especial, “não é críquete e Por isso boa parte de “Netherland” tipicamente americana”. Quem qui- onde mora é ficção pura. “Não conheço nenhum ser viver uma existência estranha po- com a mulher tipo de Trinidade [Chuck] que tenha de partir para Nova Iorque, porque e os filhos – no o sonho de construir um grande es- “não há praticamente nada que não Chelsea Hotel tádio de críquete em Nova Iorque, se possa fazer nesta cidade”. Se algu- não faço sequer parte da comunidade ma coisa acontece a um imigrante que imigrante. Por outro lado, no Chelsea chegou há dois dias, ele é imediata- Hotel houve mesmo um homem que mente tratado como um nova-iorqui- usava asas de anjo [outra das perso- no, garante, para acrescentar: “Se eu nagens do livro]. Não inventei isso, decidir partir para Lisboa serei um teria de estar mais confiante nas mi- imigrante toda a minha vida.” nhas capacidades do que realmente Talvez esteja certo, mas aqui fala estou para criar uma personagem do que não conhece. Porque apesar LISA ACKERMAN LISA dessas e conseguir dar-lhe alguma de Lisboa aparecer referida no ro- verosimilhança.” mance como lugar de “partidas para o oceano e belas e terríveis aventuras Fitzgerald e Obama extra-europeias” (pp.184), O’Neill Seria paradoxal que O’Neill cuspisse nunca esteve na capital portuguesa. na sopa e considerasse que o tacho “Não são inocentes as referências a de oportunidades dos EUA está de- Portugal, a Inglaterra e à Holanda, masiado rapado para aqueles que três dos primeiros países a alcançar chegam de fora – afinal, o que está a América”, atira, para justificar um acontecer-lhe prova o contrário. Num certo ajuste de contas pós-colonial. ápice, a crítica comparou “Nether- Sobre Obama, de quem é admira- land” a “O Grande Gatsby”, de F. Scott dor, e a menção que este fez ao seu Fitzgerald – “Que hei-de dizer... Sinto- livro, tem pouco a acrescentar. “Ele me lisonjeado mas tento não pensar não disse exactamente aquilo que os nisso”; a “New York Magazine” pro- media propagaram [que “Netherland” clamou-o “Rei de Nova Iorque”; o seu era o melhor livro que lera em 2008]. romance apareceu na “long-list” de Mas obviamente que esse episódio “A América continua candidatos ao Booker e venceu o pré- tem tanto de estranho como de notá- mio Pen/Faulkner; o Presidente Ba- vel.” a ser a terra das rack Obama falava do livro e de como oportunidades. Para lhe agradara lê-lo. Ver crítica págs. 50 e segs. alguém que chega da Índia, do Bangladesh, para essas pessoas os SÃO EUA são uma enorme LUIZ oportunidade. Para NOV~O9 os que nascem aqui, O’Neill justi- fi ca o sucesso as coisas são do livro pela diferentes. A “situação Bush” – por imobilidade de classe aquilo que em “Nether- é muito forte. Tem-se land” ecoa do — JASON REED/ REUTERS REED/ JASON cansaço dos um certo patamar americanos da Adminis- económico e é muito 28 E 29 NOV tração Bush difícil escapar-lhe” conhecidacon residência de LISBOA artistasart em Manhattan va-ior-va-ior- porpor onde passaram Janis quinosquinos à Joplin,Jop Arthur C. Clarke, dosdos “ju“judeusdeus ddaa BobBob Dylan. Onde Dylan MISTURA EuropaEuropa nos anos 30 ou co-co- ThThomaso foi encontrado IDEIA E ORGANIZAÇÃO momo os últimos cidadãos de mortomor em 1953, onde Sid ASSOCIAÇÃO SONS DA LUSOFONIA Pompeia” (pp. 31). O desvio ViciousVici poderá ter esfa- CO-PRODUÇÃO SLTM 2009 M/3 dessa rota pré-apocalíptica queadoquea e assassinado a sua aparece-lheaparece-lhe na ffiguraigura amiga namorada,namo Nancy Spungen, — — — dede um ooptimista,ptimista, ChuckChuck Ra- emem 191978.7 SÁBADO DOMINGO LUSO-TROPICÁLIA LANÇAMENTO LIVRO ONE LOVE FAMILY BARCO N M/12 mkissoon, imigranteimigrante de Tri- ViverVive no Chelsea Hotel MU ANDRÉ CABAÇO OPA nidade e Tobago,Tobago, moral- “não ffoio uma escolha de esti- LULA PENA E TIGRALA CARMEN SOUZA OFICINA PORTÁTIL DE ARTES CIGANOS D’OURO LIS-NAVE / KOTA COOL — mente dúbio, cucujojo lema é lo de vvida”, mas uma neces- PROGRAMA COMPLETO EM DHOAD GYPSIES AFROBEAT ORKESTRA WWW.SONSDALUSOFONIA.COM “pensar“pensar ffantástico”antástico” e que sidadesidade de “alguém que chega FROM RAJASTHAN DJ JOHNNY WWW.TEATROSAOLUIZ.PT BATIDA — temtem o ggranderande sonsonhoho ddee trazer a Nova Iorque e não conhece DJ MPULA o espectáculo do críquete para Nova ninguém, não tem crédito”. E há vá- — Iorque – e, de caminho, aproveitar rias razões para que o hotel esteja no para enriquecer. livro: “Primeiro porque conheço bem Também Joseph O’Neill teve de re- o espaço, depois porque havia qual- ORGANIZAÇÃO SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL fazer o seu modo de vida a 12 de Se- quer coisa de interessante em ter a RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA [email protected]; TEL: 213 257 640 tembro. Mas continuou a ser o imi- personagem principal a viver num PARCEIROS MEDIA APOIOS OPA FINANCIAMENTO APOIO OPA grante (viveu em Inglaterra, Moçam- hotel, que é sempre uma espécie de bique, Turquia, cresceu na Holanda) estado provisório de existência, de que joga críquete, que mora com a pessoas que chegam e partem.” mulher e os filhos no Chelsea Hotel, São evidentes as semelhanças entre

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 29 Musical à portugu Teatro

Na semana em que se estreia “A Gaiola das Loucas”, de Filipe La Féria, encenadores, a musical em Portugal. “Musical” em P

Esta semana Filipe La Féria estreia “Este espectáculo fala de minorias” ridade visual. No Trindade, em Lis- no Politeama, em Lisboa, “A Gaiola e o musical tem “preocupações so- Qualquer conversa boa, termina a carreira de “A Máqui- das Loucas”, depois de ter estado em ciais”, diz-nos La Féria. Já tinha sido na de Somar”, de Joshua Schmidt e cartaz no Porto. Criação francesa tor- assim com “West Side Story”, passa- sobre o género Jason Loewith, encenado por Fernan- nada sucesso na Broadway, destaca- do numa Nova Iorque feita de con- musical em Portugal da Lapa. É uma “amoralidade”, des- se pela acidez social e ruptura do frontos entre latinos e brancos, e com creve a encenadora, sobre o conflito politicamente correcto – um casal “Um Violino no Telhado”, sobre o enfrenta conceitos entre o homem e a máquina, ao jeito homossexual vê-se confrontado com exílio dos judeus no início do século expressionista. Foi um sucesso sur- o conservadorismo dos futuros com- da Rússia para a América, exemplos determinantes: presa na Broadway, em 2008, pelas padres na véspera do casamento dos recentes da máquina de produção suas características irónicas e o jogo seus filhos. que se tornou uma referência de ca- tradição, mercado, que fazia com o género musical. O encenador conseguiu autoriza- da vez que se fala de musicais em Outro exemplo, e diferente: “Rapa- ção dos autores para adaptar o texto Portugal. formação e público zes Nus a Cantar”, encenado por Hen- à realidade nacional, transformando Mas este fim de semana cruza tam- rique Feist, regressa para mais um o espectáculo numa homenagem aos bém a oportunidade de olharmos mês de apresentações no Casino do “happenings” de travestismo do final para o musical em Portugal como al- Estoril. Explícito no título, não o é me- dos anos 70 em Portugal. go mais vasto do que a espectacula- nos na desmontagem do género. São três exemplos diferentes, mas com tradição anglo-saxónica, em par- ticular norte-americana, que se apre- sentam em Portugal num ano que começou com o prolongamento, por mais dois meses, de “Cabaret”, de Diogo Infante, continuou com “Os Produtores”, de Mel Brooks, que per- correu o país entre Abril e Junho, e viu o Teatro Praga enveredar pelo mesmo caminho, em “Demo”, em La Féria diz Julho. que o gosto e o Antes do ano acabar, João Garcia interesse do Miguel atira-se a Pessoa para fazer um público não é misto de musical e cabaré com “O algo que se banqueiro anarquista” e, em Janeiro, consiga “de é a vez de Bruno Bravo com “Maria um Mata-mos”, inspirado na revista, am- espectáculo bos no Maria Matos. para outro”. Compara o seu Tradição americana trabalho ao de É nesta confluência de interpretações “um que reside a riqueza do musical. Mas trapezista, qualquer conversa sobre o género em sem rede”

30 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon guesa: o que é isso?

“A Gaiola das Loucas” chega agora ao Politeama; “Rapazes Nus a Cantar” prolonga a carreira no Casino do Estoril; “Cabaret”, que levou os técnicos de som do Maria Matos a Londres para aprenderem como se fazia

, actores, produtores e dramaturgos fazem ao Ípsilon uma radiografi a do estado do m Portugal? Tiago Bartolomeu Costa

Portugal enfrenta conceitos determi- “um desafio”. “Não conhecia um mu- Luís Madureira, que esteve no elen- que o ensino paralelo da ópera e do nantes: tradição, mercado, formação sical tão negro que se levasse tão pou- co de “A Máquina de Somar” e de O actor Henrique teatro musical seja complementar. A e público. São as razões pelas quais co a sério”. Não conta repetir a expe- “Demo”, conta que a singularidade capacidade dos intérpretes portugue- se torna difícil perceber se o que se riência – “para já”. maior deste espectáculo era ser feito Feist recorda que, ses é extraordinária”, sublinha, “mas vai apresentando se insere numa cor- Quem repete a experiência uma e “por pessoas que, além do interesse “apesar de haver bons a prática de formação tem que ser rente ou prolonga apenas um fenó- outra vez é Filipe La Féria, responsá- pelo formato do musical, têm quali- maior que o simples período de pre- meno efémero. vel pelo Politeama, em Lisboa, e con- dades naturais e sabem ouvir”. técnicos em paração de um espectáculo”. “A tradição musical é americana”, cessionário do Rivoli, no Porto. Des- Disso se queixa Vera San Payo Le- diz o Henrique Feist, actor em “A Má- de 1992 (“Maldita Cocaína”) que tem Ameaça tripla Portugal”, para o mos, dramaturgista, que para “Swe- quina de Somar” e “Cabaret”. “O mu- procurado apresentar “os grandes E é aqui que a ausência de mercado eney Todd”, remontado no Outono sical é uma tradição que vem do vau- clássicos” que, com excepção do fe- toca no problema da formação. Ao desenho de som de de 2007 dez anos depois da estreia, deville e da opereta europeias e que nómeno “Amália” e de “A Canção de passo que em Londres, como nos ex- recorda que o Teatro Aberto teve que a América transformou a partir das Lisboa”, têm sido todos de tradição plica Henrique Feist, “há um merca- “Cabaret” “os técnicos ir “à procura de cantores de ópera revistas do Ziegfield que passaram a americana. “Música no Coração”, do que prepara as pessoas tanto para do Maria Matos que soubessem interpretar a música ter uma história e uma narrativa”. A “Jesus Cristo Superstar”, “My Fair o West End como para a Broadway”, do Sondheim”. ideia de “mega-musical” surge com Lady”, “West Side Story” e “Um Vio- em Portugal isso não existe. Chamam- foram a Londres “Não pode ser cantado por actores “a chegada de Andrew Lloyd Webber lino no Telhado” pautam-se pela no- se a este actores “ameaça tripla”. devido à sua dificuldade técnica, que à Broadway”, com “Cats”, onde se ção que tem de “que o público tem Porque “são capazes de cantar, dan- aprender como se se aproxima mais da ópera. O maior alia “a espectacularidade do cenário” direito a ver estes espectáculos em çar e interpretar”. desafio foi pôr os actores a cantar e com “o facto de ser cantado do prin- grandes produções feitas em portu- “Cá não há um sistema”, lamenta. fazia”. La Féria diz os cantores a representar”. cípio ao fim”. guês”. É um problema de verbas e de forma- Luís Madureira não gosta da dife- “Os musicais são objectos comple- “Estamos abertos a tudo”, diz-nos ção. Para Luís Madureira o que exis- que com os anos se rença. “Canção e teatro sempre hou- xos porque implicam uma concepção Feist. “O musical tem várias verten- te em Portugal são “algumas produ- tem deixado de “ir a ve. Há que ensiná-los simultaneamen- global mais completa”, resume Feist, tes. Há vários caminhos desde que o ções de qualidade constituídas por te.” Em Portugal, recorda, “uma das que estudou teatro musical em Lon- opção de base esteja certa”. elencos pensados para poderem Espanha contratar”. primeiras experiências” do género dres. “A Máquina de Somar” é disso Se é certo que o género se permite aprender em dois meses como fazer foi “Saudades-(um hetero-cabaret- exemplo, porque inflecte a tendência às mais diferentes leituras, é verdade o que há para fazer. As pessoas ten- Há, contudo, um ero-satírico)”, por Ricardo Pais, na “da sobreposição dos efeitos cénicos que facilita a sua imediata identifica- tam adaptar a sua formação às neces- Casa da Comédia, 1978. à interpretação” – aliás, o musical é, ção. Pedro Penim, do Teatro Praga, sidades e às circunstâncias que lhes caminho a fazer “O intérprete de ópera preocupa-se para Feist, “a essência do actor”. diz que a opção pelo musical para a são apresentadas”, sublinha. com as mesmas coisas que um intér- Para Fernanda Lapa “A Máquina concepção de “Demo” se prendeu Tendo dirigido o Estúdio de Ópera prete de musical. A formação poderá de Somar” foi uma experiência de com “a vontade de materialização de da Casa da Música, no primeiro ano ser comum, à qual se deve seguir uma descoberta de um género que “não ideias em textos que não fossem ape- da sua existência (criado com a Porto especialização de repertório”, expli- faz” o seu género. “Não sou fã de mu- nas diálogos e que, pelo contexto, 2001 e extinto no final de 2006), Ma- ca. “As pessoas resolvem as suas fa- sicais”, confessa. A proposta veio de falassem por si. A nossa intenção dureira prepara-se, agora, para ini- lhas na prática. Em Portugal faz-se Cucha Carvalheiro, directora artística nunca foi desmontar o musical numa ciar as actividades do Estúdio de Ópe- menos bem feito e se o mecanismo do Teatro da Trindade, e a peça este- atitude pós-dramática que apareces- ra e Teatro Musical da Escola Supe- de produção falha e a aprendizagem ve um mês em cartaz. Quando falá- se para justificar um discurso teórico rior de Música de Lisboa, que tem não existe, as pessoas serão sempre mos com Lapa, contou-nos que a e referencial. Quisemos tornar dizível “como objectivo continuar a forma- surpreendidas pela sua falta”, subli- sala esteve cheia na estreia. “Mas não algo que já existia no nosso percurso ção em exercício de alunos da escola nha. voltou a encher”. O convite tinha sido e passar do papel à cena”. ou jovens profissionais. É essencial Elsa Valentim dirige a ACT, esco-

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 31 Esta “bebedeira louca chama “espectáculos de primeira li- nha”, ou seja, “tal como são apresen- para se fazer tados na Broadway ou no West End em vez de serem as versões de tour- musicais”, como née, mas por menos tempo”. E a bi- lheteira “começou a reagir”. Dos 50 L caracteriza Henrique mil espectadores de “Chicago” (o Co- Feist, tem contra si a liseu leva cerca de 4 mil por sessão), seguiram-se as 6 semanas de “Cats” Um mergulho no Theaterland londrino. O que se esconde atrás d ausência de um visto por 120 mil espectadores em 2004, as 3 semanas de “Miss Saigon” Para Luís sistema. Henrique para 65 mil espectadores em 2006. Madureira há Musicais. A ideia faz arrepiar “Em dez anos o público em Portu- que ensinar os preconceitos e salivar os fala de condições de gal mudou muito. E o de Lisboa ain- teatro e canção entusiasmos. Abre-se o guia da mais”, diz-nos, revelando que a em simultâneo de Londres como um menu de trabalho mas estratégia da UAU passa pela restaurante e escolhe-se até apresentação destes espec- empanturrar. Mas as dezenas também de exigência táculos em Lisboa e no de espectáculos são apenas a ténica Porto, “por questões de face visível de uma máquina capacidade de trabalho que move milhões de libras e com o público”. “O de profi ssionais. Por trás da nosso público é dife- espectacularidade esconde-se rente, é mais urbano”, um exercício calculista que refere. Uma ideia que não perdoa falhanços e onde a pode explicar outro máxima de que “o espectáculo la para actores que tem, no seu exemplo recente. Os da- deve continuar” é substituída pela currículo, 24 horas anuais em regime dos fornecidos pelo Teatro evidente “só pode continuar”. opcional dedicadas ao music-hall. A Maria Matos, em Lisboa, dão Dados que revelem custos também actriz diz que entrar num conta de que “Cabaret”, en- de produção, o equilíbrio musical é, para um actor, “o concre- cenado por Diogo Infante entre receitas e investimento, tizar do sonho de fazer grandes per- e que esteve em cena a percentagem destinada ao formances”. Confessa: “Está no nos- seis meses, entre Se- “marketing” e a cobertura so imaginário, é isso que os alunos tembro 2008 e Feve- dos prejuízos ninguém dá. As procuram”. As aulas são dadas por reiro deste ano, teve respostas dos gabinetes de Marco de Camillis, ensaiador de pro- 40.128 espectadores relações públicas concentram-se gramas de TV, mas a palavra mais divididos por 111 espec- nos números de público (5 mil utilizada pela directora da escola é táculos, corresponden- lugares vendidos na manhã após “galvanizante”. do a uma ocupação de a estreia de “Les Misérables” a 8 Esta “bebedeira louca para se fazer sala de 87 por cento. de Outubro de 1985), nas horas musicais”, como caracteriza Henrique Assumindo que a UAU “vi- de trabalho (34 mil para fazer Feist, tem contra si a ausência de um ve do público” e que a quota de Vera San Payo coordenar os movimentos dos sistema. Henrique fala de condições mercado para os musicais “ainda está Lemos, actores com as marionetas de “The de trabalho mas também de exigência longe de estar completa”, Sandra Fa- dramaturgista, Lion King”), no tempo consumido ténica. Recorda que, “apesar de haver ria considera que “há muito público para “Sweeney para encontrar o elenco perfeito bons técnicos em Portugal” para o para musicais” e “há vários modelos Todd” teve que (três anos para encontrar os desenho de som de “Cabaret” “os téc- interessantes que podem ser explo- ir “à procura de protagonistas de “Billy Elliot”), na nicos do Maria Matos foram a Londres rados”. “Rapazes nus a cantar” será cantores de imensidão de adereços e fi gurinos aprender como se fazia”. La Féria diz um deles. “Sucesso relativo” de pú- ópera que (514 fi gurinos, 55 perucas, 150 que com os anos se tem deixado de blico, mas “ainda sem números con- soubessem pares de sapatos, 130 máscaras “ir a Espanha contratar”. Há, contu- cretos”. interpretar a de caracterização, 1 quilo de do, um caminho a fazer porque há A ausência de investimento na for- música do purpurinas gastas por mês – quem aposte numa simplificação. mação, tanto dos intérpretes como Sondheim” “Priscilla, Queen of the Desert), ou Sandra Faria, produtora na UAU, dos técnicos, na conceptualização e no impacto dos espectáculos (“All responsável pela apresentação em diversidade, de massa crítica e a ca- that jazz”, o número de abertura Portugal de “Chicago”, “Cats” e “Miss pacidade de distinguir entre o que de “Chicago”, já foi interpretado Saigon” e pela criação original de responde ao primado do teatro mu- 325 mil vezes em nove línguas “Sexta Feira 13”, a partir de músicas sical e o que alimenta uma máquina diferentes, com orquestras dos Xutos e Pontapés, diz que há mu- fugaz concorrem contra uma pres- sinfónicas, em programas de TV sicais que “defraudam as expectativas são que se diz existir por parte do ou em coreografi as no gelo feitas do público porque apostam em pro- público. por atletas olímpicos). duções de baixo custo”, onde o ce- Pode-se falar de musicais em Por- Tudo isto obedece a uma nário ou a orquestra são substituídos tugal? Pode. À portuguesa. máquina que por vídeos e música gravada. São serve dois amos:s: muitos os exemplos que percorrem a rentabilidade diversas cidades europeias. É aqui fi nanceira e o que o mercado, a formação e a tradi- interesse do ção encontram um ponto de interro- gação e de contrabalanço: o gosto do público. Trapezistas sobre o público Que público? E que musicais? ChicagoChic La Féria diz que o gosto e o interesse Diz-me do EncenadoEncena por Walter Robbie. do público não é algo que se consiga Letras ded Fred Ebb. Música de John “de um espectáculo para outro”. que gostas,stas, Kander.Kande Libreto Fred Ebb e Bob Compara o seu trabalho ao de “um Fosse.Fosse. Coreografi a original de Bob trapezista, sem rede”. Responsabili- dir-te-eiei FosseFosse dade total nessa educação prefere Estreia:Estrei 18 Novembro 1997; não assumir. Apesar de se orgulhar que musicalusical CambCambridger Theatre pelo facto de haver “público que vai ao Politeama hoje que começou a ver vais verr O “Daily“Da Telegraph” espectáculos musicais infanto-juve- escreveuescr que “Chicago” Filipe La Féria nis ali”. São muitas eraera “entretenimento“ tem Se La Féria menciona “os autocar- as propostass perigosamenteper sedutor” apresentado ros de todo o país que chegam ao oferecidas pporor e a palavra-chave em português teatros Politeama e Rivoli, de todas parapar este musical é os “clássicos”, as condições sociais”, já Sandra Faria Londres. Umm memesmo essa: “sedução”. que neste caso é mais cautelosa. Há dez anos a apos- mapa por tributos,ributos, SiSimplesm na sua dimensão são “Música ta em apresentar durante um mês remontagens,ns, cenográfi ca,c efi caz nos números, no Coração”, “Chicago” foi “um fracasso”. iimediatomediato nna relação com o “Jesus Cristo “Foram vários factores. Havia a clássicos, infantisnfantis e espectadoespectador, reduz ao essencial Superstar”, ideia de que quem queria ver musi- adaptações de fi lmes a teatralizaçãoteatraliza de uma história “My Fair cais podia ir a Londres. E o dólar es- pode ser desenhadosenhado ddee crime e “chico-espertismo”. Lady”, “West tava caro, o que aumentou os custos SSemem efeitosefeito de luz, cenográfi cos Side Story” ou de produção em mais vinte por cen- com estas propostas.ropostas. ou ilusórios,ilusório usa a dança, a voz, “Um Violino to”. Desde então a estratégia da UAU a interpretaçãointerpret e a música como no Telhado” passa por continuar a trazer o que se

32 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Londres: this is a Musical! s de um musical é um sem-fi m de lógicas que com o fi m proporcionar “a experiência completa”. Mas há mais num musical para lá de um fi nal espectacular.

espectáculos já produzidos na cidade ou, como disse a imprensa na época, “em qualquer sítio fora de Las Vegas”. Estreado a 19 de Junho de 2007, reduzia a trilogia de Tolkien a três horas e meia e não se aguentou mais de um mês. Os números do prejuízo ninguém revela mas tornou-se num modelo de ambição que fez abrandar a febre das adaptações de fi lmes. Mas abertas as listas de espectáculos, são ainda mais as adaptações de fi lmes do que as criações originais. Sem sair do Theatreland londrino é possível assistir a versões de “Do Cabaré para o Convento”, “Os Condenados de Shawshank”, Cameron Mackintosh, o Versões de fi lmes “Hairspray”, “Legalmente Loura”, responsável pela produção de O sucesso não está garantido. “As Raparigas do Calendário”, quase todos os principais Benny Andersson e Bjorn Ulvaeus, “Dirty Dancing”, “Billy Elliot”, momentos da história recente o duo dos Abba responsável “Grease” ou “Priscilla, Rainha do do teatro musical: foi pela mão por “Mamma Mia!”, fez, em 1986, Deserto”. Mas o ano passado uma dele que Andrew Lloyd Webber uma tentativa prévia no musical versão de “Rain Man” afundou- criou “The Phantom of the mas, após oito semanas, “Chess” se poucas semanas depois de Opera” (na foto), “Cats” ou “Miss foi cancelado na Broadway, estrear. Na mesma altura, uma Saigon” Nova Iorque. Não foi sufi ciente a super-produção de “E tudo o Vento promoção com concertos por toda Levou” (4,75 milhões de libras), a Europa com vozes como Elaine encenada por Trevor Nunn (“Les Page, nem que o libreto tivesse Misérables”... e “Chess”) e com sido escrito por Tim Rice (um dos cenários de John Napier (“Jesus autores de “”), ou Christ Superstar”) estreou a 22 de que a encenação fosse de Trevor Abril e encerrou a 14 Junho. Foi o Nunn, que também fez “Les quarto musical feito a partir de um Misérables”, substituindo Michael livro que, no mesmo período, saiu Bennet, o encenador de “Chorus de cena antes de tempo. Depois de Line”. Escreve-se no programa “O Senhor dos Anéis”, seguiram- de “Mamma Mia!” que a crítica se “Wilde”, a partir da vida de esteve sempre dividida e que Oscar Wilde, em cartaz apenas classifi cou o espectáculo como um um dia, e “Por detrás da máscara “trabalho em construção”. Apesar de ferro”, a sequela de “Os Três de tudo, em Londres aguentou-se Mosqueteiros”, que ainda fez três três anos. Pouco para os padrões apresentações. público, variáveis relacionadas tradicionais. A isto juntam-se os mas não previsíveis. No ano Às vezes a ambição pode correr espectáculos-tributo aos Abba passado, o impacto dos musicais contra a própria ideia. Se um (“Mamma Mia!”), aos Queen (“We na economia londrina ascendia musical de “O Senhor dos Anéis” will rock you”) e a Michael Jackson a 470 milhões de libras, segundo pode parecer ideia estranha, (“Thriller – Live”), os dois últimos o “Evening Standard” e, um ano não o foi para a equipa que, metaforizadas histórias sobre antes, a contabilidade de bilhetes tendo-o produzido em , os percursos musicais da banda, vendidos chegou aos 13 milhões. quis apresentá-lo no West End o primeiro conhecido peso- O que não invalida que muitos londrino. Mais de 50 actores e pesado, entretanto tornado fi lme. teatros fechem portas pouco quase doze milhões de libras E, claro, as remontagens, como depois da estreia. tornaram este num dos mais caros “Chicago”, “Hairspray”, “A Gaiola

elementos catalisadores da Conceptualmente simplista, uma dramaturgia consistente. The Lion King Dirigido por Julie Taymor, acção – ao invés de fi car, como preocupa-se pouco com o rigor Pedra-de-toque da história da Encenado por Julie Taymor. Música de Tim a realizadora de “Frida”, é o fi lme, preso a “rodriguinhos” da narrativa, o equilíbrio entre reinvenção dos musicais anglo- Rice e . Libreto Roger Allers e simplista na coreografi a, estilísticos. o registo musical e teatral ou saxónicos, resiste pelo modo explorando o excesso de zelo o modo como as canções dos como solidamente estrutura Estreia: 19 Outubro 1999, Lyceum Theatre na conceptualização dos Mamma Mia! Abba podem ser estímulos da uma narrativa simbolista, A história do pequeno cenários e fi gurinos (todos Encenado por Phyllida Lloyd. Músicas de acção em vez de “sing-a-longs” fundamentando-a através de que descobre, a duras expensas, os actores fazem de animais, Benny Andersson e Bjorn Ulvaeus. Libreto reducionistas. Mas já ninguém personagens que são mais o que se pede do rei dos antropormofi zando complexas Catherine Johnson vai pela história. ricas do que os modelos que animais não tem em palco a marionetas e estruturas Estreia: 6 Abril 1999, The Prince of Wales representam. O momento da inventividade dramatúrgica do animadas), esvaziando-se Theatre The Phantom of the Opera queda do candelabro é ainda fi lme, ainda que a estrutura – enquanto espectáculo completo. Festa delirante e ritual A partir da obra de Gaston Leroux. Música motivo de susto e espanto, tal usando as músicas de Tim Rice iniciático, a acção que decorre de Andrew Lloyd Webber. Letras de como há 23 anos. e Elton John – seja a mesma. Les Miserables no palco depressa se traduz em Charles Hart. Encenação Harold Prince A partir de “Os Miseráveis”, de Victor energia contagiante na sala. Estreia: 9 Outubro 1986, Her Majesty’s Hugo. Libreto de Alain Boubil e Claude- Theatre Michel Schonberg. Música de Claude- Pequena obra-prima da ópera- Michel Schonberg. Letras de Herbert rock de Andrew Lloyd Weber, Kretzmer. Encenação e adaptação de joga no terreno do teatro-no- Trevor Nunn e John Card teatro e tornou-se um símbolo Estreia: 8 Outubro 1985, Queen’s Theatre da efi cácia dos musicais do Clássico dos clássicos, não há compositor inglês. É, a par de quem não conheça as canções “Les Miserables”, um objecto “Bring me home”, “I dreamed a de outro tempo, quando a dream”, “One day more” ou “Do espectacularidade servia you hear the people sing?”.

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 33 das Loucas” ou “Breakfast at manhã seguinte à estreia uma das Tiff any’s”. críticas dizia que ‘Les Misérables’ “O West End teve sempre uma foi, infelizmente, reduzido a The variedade de peças, musicais e Glums [os melancólicos]”. E que foi outras formas de entretenimento. aí que aprendeu o que era “o poder Mas tornou-se mais difícil do boca-a-boca”. Hoje ninguém produzir uma peça do que um questiona o poder de atracção musical por causa da televisão, de um musical como este, mas que começou a prejudicar a a relação com a crítica não é a formação de actores de teatro”, diz mais pacífi ca. Não faltam debates Nica Burns, directora executiva do sobre o impacto das adaptações Nymax Theatre ao qual pertencem de fi lmes numa história que não o Apollo (onde está “Wicked”) é tão superfi cial assim. “O Rei e o Lyric (onde está “Thriller – Leão comeu o Tchékov”, escrevia Live”), citada pelo “Standard”. o “Standard”, como reacção à A “culpa” não será só da TV, desconfi ança quase genética em depreende-se, mas a pressão do relação ao género musical. impacto mediático tem obrigado Mas muitas vezes é a própria os teatros a recorrer a lógicas crítica a ser explorada apenas de rentabilidade mais efi cazes e na sua dimensão promocional. imediatas. A cidade está cheia de frases Se os custos de produção não retiradas dos textos, à laia são revelados ofi cialmente, são de “marketing”. Quando uma evidentes nos espectáculos. “Les data de estreia é anunciada, Misérables” passou do Palace estão previstas, pelo menos, Theatre, com capacidade para duas semanas de ante-estreias, 1400 espectadores, para o Queen’s onde o espectáculo é testado e Theatre, umas portas abaixo, melhorado. Os críticos, “proibidos” com menos 400 lugares e uma de ir a essas ante-estreias, acorrem largura de palco menor, o que procede a renovação; um actor momentos mais arrepiantes do Foram precisos três anos para à primeira data e entregam os levou a um corte na orquestra, que pertença a um “ensemble” teatro do último quarto de século. encontrar os protagonistas de seus textos já com as rotativas a incapaz de fazer caber no poço (normalmente capaz de fazer E “Cats” autonomizou a sua “Billy Elliot” imprimir o jornal. um “ensemble” que no original vários papéis) ganha, ao fi m do partitura, estando hoje a percorrer Os produtores atiram com ascendia a mais de 50 músicos. mês, 2500 libras, num somatório o mundo em diferentes versões Por trás da os números de público e as Hoje, a maior parte da música de diferentes funções – se for nacionais. Dono de sete teatros, reacções entusiastas e imediatas, está gravada e a encenação teve chamado a fazer mais do que os principais, e com produções espectacularidade legitimando-as com tiradas que ser apertada para um palco um papel na mesma noite, vê noutros tantos, Mackintosh é sensacionalistas que ajudam a onde os hidráulicos não garantem, acrescentada essa diferença também o produtor original de esconde-se um alimentar a máquina. Máquina dizem os actores, a superioridade salarial (não se incluem aqui os “Les Misérables”, onde se inclui exercício calculista essa que é activada, ou justifi cada, e o impacto que a produção cabeças de cartaz que nunca a canção “I dreamed a dream” pela presença do público que original tinha. ganham menos de dez mil libras). que recentemente serviu para o que não perdoa não precisa saber nenhuma Atendendo a que um espectáculo fenómeno Susan Boyle. destas mecânicas para sentir “a A máquina como ela é faz uma gestão mínima de 20 falhanços e onde a experiência completa”. São mais de 60 os teatros em actores por um período nunca História pessoal, Ouvidos intrometidos por entre Londres com possibilidade de inferior a seis meses, as contas máxima de que “o as cadeiras escutaram, numa das apresentar musicais, mas a sua justifi cam os preços altos dos história colectiva sessões de “Chicago”, a conversa organização difere dos modelos bilhetes e o risco fi nanceiro que Mackinstosh é alguém que há espectáculo deve entre três amigos, em que uma da Europa Continental. Pertencem comporta um musical. mais de 40 anos vive dentro do continuar” é das raparigas disse ao rapaz a grupos, que podem acolher No reino de Theatreland existe teatro. Foi em 1965 que começou que o ouviu cantar durante o outros espectáculos que não os um Senhor, Cameron Mackintosh, a trabalhar, então numa segunda substituída pela espectáculo; ele respondeu que produzidos por si, e têm directores o responsável pela produção montagem da peça “Oliver!”, a culpa era da irmã, que “viu o diferentes cuja responsabilidade de quase todos os principais inspirada em “Oliver Twist”, de evidente “só pode musical seis vezes”. “A tua irmã, se limita à gerência como se momentos da história recente Charles Dickens, e criada cinco claro!”, e riram-se. “Nunca vão fosse uma empresa, obedecendo do teatro musical. Foi pela mão anos antes. Tinha 14 anos. Fazia continuar” acreditar em mim, pois não?” a diferentes sindicatos, lógicas dele que Andrew Lloyd Webber as mudanças de adereços e – ele tentou. Não. Mas tal como de manutenção e regras cujo criou “The Phantom of the Opera”, arrumava o coro. Depois passou nos grandes fi nais, qualquer principal objectivo é cobrir as “Cats” ou “Miss Saigon”. A famosa para a produção. A versão que preconceito cai por terra perante despesas. cena do candelabro que cai, e estreou em Janeiro deste ano, investimento de 4,5 milhões de o modo como esta máquina se Há tabelas para os intérpretes marca o fi m da primeira parte, com Rowan Atkinson no papel libras. esconde dia após dia. T.B.C, que são cumpridas à risca, e à em “Phantom of the Opera” de “Fagin”, é já a terceira que Estas histórias pessoais em Londres hora: um actor pode ter vários continua a ser uma das razões produz, depois de ter feito uma envolvem-se com a história papéis em várias fases, e os para se ir ver o espectáculo. na década de 70 e outra em 1994 colectiva da cidade e do teatro Tiago Bartolomeu Costa viajou ao abri- contratos são pensados para seis O helicóptero que entrava em (estreia na encenação de musicais musical. Mackintosh recorda, go do Programa Cultural Leadership meses, período ao fi m do qual se palco em “Miss Saigon” era dos de Sam Mendes). Representa um no programa da peça, que “na International do British Council

Mais não faz do que replicar um sério concorrente ao mega- ideia de espectáculo com um realismo social que data o fi lme, sabendo aproveitar sucesso “Mamma Mia!”. conceptualização global. Para dos anos 80 mas encontra ecos a seu favor, com recurso a a qual contribui o facto de ter hoje. As greves que opõem uma engenhosa cenografi a, a Wicked – The Untold Story como base um livro de Gregory os mineiros ao Governo de impossibilidade de recriação of the Witches of Oz Maguire escrito em 199090 que,quue, Thatcher,Thhatcher, a par daa hhistóriaisstória do do deserto australiano no Encenado por Joe Mantello. Música tal como L. Frank Baumm nnaa pequenopep quq eno BiBilly,lly, ttornadoornado bbailarinoailarin estreito palco. Para além de de Stephen Schwartz. Libreto Winnie altura (90 anos antes),, contracontra asas suas expectativas,expectatiivas, um culto “camp” e “queer” Holzman metaforiza e explora revelamrevelam um quadroquadro queque evoluievolui Perfeito na sua construção que faz de cada espectáculo Estreia: 27 Setembro 2006, Apollo Victoria outras dimensões menosnos cenicamentecenicamente atravéatravéss de ccançõesançõe musical e equilibrado na gestão uma festa protagonizada por Theatre fantasiosas: há ecos daa de iintervençãontervenção que prolongam a dos tempos cénicos, sustenta- uma multidão ansiosa por Talvez o mais arriscado dos guerra no Iraque, da história,história, atravésatravés de umum fabulosofabulos se num trabalho complexo uma noite numa discoteca musicais, por partir dede reunifireunifi c cação alemã e ddaa cenáriocenário qqueue se ttransformaransforma em e elegante: os diferentes revivalista. Mais espectáculo de uma referência comoo “O“O demissãodemiss de Margarethth ringueringue de boxe, salão de elementos organizam-se para “vaudeville” do que musical, é Feiticeiro de Oz”, apostaosta Thatcher.Thatch festas,festas, interior da minminaa e um espectáculo que prima pelo numa cenografi a quee casacasa de família e, claro,claro rigor que não é disfarçavel pelos recria o mundo de Ozz em BillyBilly EElliot – The Musicalusical palco de teatro. Faz da efeitos visuais. Permanece palco, numa composiçãoição EncenadoEncena por Stephen Daldry.ldry. experiência teatral umuma um exemplo de verticalidade pop, numa narrativa MúsicaMúsica de Elton John. Libretoreto e refl exão sobre o papel teatral, movendo emoções sem linear e num elenco letrasletras dde Lee Hall dodo tteatroeatro enquantenquantoo ser sentimentalista. jovem. Sem canções Estreia:Estreia: 31 Março 2005, Victoriaoria Palace formador dede reconhecíveis mas ThTheatre Priscilla, Queen of the Desert interpretadas com AdaptadoA pela eqequipauipa Encenado por Simon Phillips. Libreto de qualidade superior, que produziu o fi lme, Stephan Elliot e Allan Scott fez regressar ao vai mais longe,, sendo consciênciaconsciência e Estreia: 23 Março 2009, Palace Theatre West End uma capaz de explorarrar dede memóriamemória..

34 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon EAMONN MCGOLDRICK Teatro

Eles podiam ter feito uma adaptação clássica de “E Tudo o Vento Levou”, de tão obcecados que estavam com os cenários, as personagens, os me- dos e aspirações de um país que se erguia depois de uma guerra absolu- tamente devastadora, à procura de uma redefinição. Eles podiam ter trabalhado o tema da reconstrução que atravessa o ro- mance de Margaret Mitchell que o cinema celebrizou nos olhos de Vivien Leigh e na pronúncia exagerada de Clark Gable a partir do dia-a-dia dos empresários ocidentais, muitos deles americanos, que enriquecem em Bag- dad à custa da destruição que a inva- são causou, protegidos por mercená- rios-Blackwater. Eles podiam ter optado por uma peça sobre o feminismo – foi assim que começou, aliás – em que se evo- cassem as mulheres fortes que atra- Carrie Campbell, a arquitecta que racial nos EUA, central em todo o “de- vessam o livro que valeu a Mitchell o Libby King interpreta de forma arre- sastre doméstico” em que o Katrina Pulitzer em 1937. piante, é uma dessas mulheres fortes, se transformou, central na oposição Mas os membros do colectivo The e verdadeiras, que marcam “Architec- Norte-Sul da Guerra Civil. Team – Theater of the Emerging Ame- ting” (Mitchell também lá está, com “A raça ainda é uma das questões rican Moment acabaram por ser leva- a flor branca que usa numa das suas fundamentais da vida americana. dos noutras direcções. O espectáculo fotografias mais conhecidas). Na peça Mesmo depois de todo o optimismo “Architecting”, que a Culturgest apre- ela tenta pôr de pé o projecto de Ste- que vivemos o ano passado com a senta em Lisboa entre 23 e 25 de No- ve Campbell que, antes de morrer, eleição do Presidente Obama... Hoje vembro, cruza diversas referências e planeara um complexo habitacional o país está assustado. Olhamos para meios – há dança, vídeo, música – pa- para “yuppies” onde antes se erguiam as livrarias e vemos todos aqueles tí- ra explorar o tema da reconstrução e casas modestas, num bairro negro de tulos da ‘intelectualidade’ da direita da sobrevivência, sem que um se so- Nova Orleães totalmente destruído radical, com o seu populismo violen- breponha ao outro. pelo Katrina. Na vida real é uma ami- to. Agora acabam de ser lançadas as “Os dois estão ligados, não podem ga de King, que se viu obrigada a re- memórias de Sarah Palin [“Going Rou- separar-se”, diz Rachel Chavkin, ao gressar a casa, depois de muitos anos ge”], ícone do racismo e da ignorân- telefone de Nova Iorque e enquanto em Chicago, para representar a famí- cia, uma mulher essencialmente anti- caminha apressadamente entre as Num ritmo alucinante e tendo por referencial lia num negócio de venda de terrenos imigração e anti-tudo que seja ‘não aulas e o teatro. Chavkin partilha com a América pós-Guerra Civil, com personagens saídas no Nebraska. branco’.” Davey Anderson a encenação desta do “Gone with the Wind”, “Architecting” instala a acção Foi este momento na vida da amiga Rachel Chavkin espera que “Archi- peça que a companhia escreveu e que num bar de Nova Orleães d.K. (depois do Katrina) de King que, com o livro de Mitchell tecting” ponha as pessoas a pensar tem vindo a desenvolver desde 2006. pelo caos e tendo sempre por refe- que nenhum membro da companhia no que as rodeia, em tudo o que gos- “No fundo, a questão central deste “A raça ainda rencial a América pós-Guerra Civil, lera antes de começar a trabalhar nes- tariam de reconstruir, mas sem inge- trabalho é como se reconstrói uma “Architecting” instala fisicamente a ta peça, serviu de base ao primeiro nuidades nem optimismos. Para ela nação ou uma pessoa depois de uma é uma das questões acção num bar de Nova Orleães d.K. embrião de “Architecting”, uma pe- esta é uma peça negra e a frase que transformação maciça sobre a qual (depois do Katrina, o furacão que des- quena peça apresentada num festival Carrie Campbell diz no seu monólogo não tivemos qualquer controlo. Se fundamentais da vida truiu a cidade em Agosto de 2005). É em Nova Iorque, no Outono de 2006. final resume-a, na sua essência: “As respondermos a esta pergunta sabe- americana. Mesmo por lá que passa uma galeria de per- Chamava-se “Thanks For Coming Ho- pessoas precisam de casas antes de remos o que dizer a outra: como se sonagens saída do romance de Mi- me, Carrie Campbell”. precisarem de monumentos come- sobrevive a uma mudança radical que depois de todo o tchell, mas também da vida real: um “O nosso processo é sempre o mes- morativos.” É nisso que Chavkin pen- não pedimos, não previmos e não produtor de cinema branco que in- mo – escolhemos um tema, lemos sa quando olha para as ruínas das queremos? Esta é a questão que atra- optimismo que siste num “remake” politicamente muitos dos livros que há para ler so- casas tradicionais de Nova Orleães, vessa todo o romance de Mitchell e correcto do filme que Victor Fleming bre o assunto, e começamos a traba- com os seus alpendres destruídos, que andou sempre às voltas nas nos- vivemos o ano dirigiu em 1939, contratando para is- lhar em estúdio, improvisando, es- ofuscadas pelas moradias que Brad sas cabeças. E sobreviver é às vezes passado com a eleição so um realizador negro; uma mulher crevendo”, explica Chavkin. De início, Pitt está a construir. Ela acha o pro- tão difícil... Mas mais para umas pes- que quer vencer um concurso de be- “E Tudo o Vento Levou” foi uma “es- jecto do actor “maravilhoso”, mas soas do que para outras.” do Presidente leza destinado a escolher uma Scarlett colha pouco óbvia” e a contragosto, gostava tanto dos velhos alpen- O’Hara para um cortejo revivalista de feita numa conversa com os funcio- dres... Do romance e da vida real Obama...” Rachel “E Tudo o Vento Levou”, uma jovem nários da livraria que a encenadora Num ritmo alucinante, criando por arquitecta que quer realizar o projec- mais frequenta. Mas resultou. Ver agenda de espectáculos págs. 36 e vezes cenas que parecem dominadas Chavkin, encenadora to do pai. A Team queria abordar a questão segs. E tudo o mundo levou O colectivo americano The Team apresenta em Lisboa “Architecting”, proposta exigente que surpreende e faz pensar na América e no mundo. Um “road-movie” sem optimismos. Lucinda Canelas

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 35 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente YI ZHAO

“L’’Après-midi - Un solo pour Emmanuel Eggermont” no Materiais Diversos

Diogo Infante, encenador de “O Ano do Pensamento Mágico” “Arquitectar”, de Rachel Chavkin

Teatro Fechados dentro da história NFACTOS VELUDO/ FERNANDO de Deus

Nuno Carinhas não combinou com José Saramago, mas parece-lhe “absolutamente pertinente” debater a vida, a religião. Ana Cristina Pereira

Breve Sumário da História de Deus De Gil Vicente. Encenação: Nuno Carinhas. Com Alberto Magassela, Alexandra Gabriel, António Durães, Daniel Pinto, Joana Carvalho, João “Pode a nossa sociedade estar arredada desse livro fundamental, Cardoso, João Castro, João Pedro que é a Bíblia?”, pergunta Nuno Carinhas Vaz, Jorge Mota, Jorge Vasques, José Eduardo Silva, Lígia Roque, Mário Santos, Miguel Loureiro, Paulo mesmo autor. ao Convento de Cristo, apresenta o é pálida, frágil, andrógina. E Jesus Freixinho, Pedro Almendra, Pedro Podemos ver ali um campo de auto. Lúcifer (António Durães), o anjo Cristo transborda cor, calor, Frias. concentração, como o que aparece n’ caído, tem voz de trovão. Satanás humanidades. “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. (Paulo Freixinho) silva como o O encenador não combinou com Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De E podemos não ter idade para isso e Gollum do “Senhor dos Anéis”, José Saramago, que acaba de lançar o 20/11 a 20/12. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às ver “um colégio interno, um trilogia cinematográfica de Peter livro “Caim”. Parece-lhe 16h. Tel.: 223401910. 7€ a 15€. convento, um albergue nocturno”. Jackson, a partir de J.R.R. Tolkien. É “absolutamente pertinente” debater As personagens não saem de cena. Em qualquer caso, um espaço ele que faz pecar Eva (Lígia Roque), a vida, a religião. “Pode a nossa Podemos vê-las, podemos não vê- minado (gerido?) por figuras que logo arrasta Adão ( João sociedade estar arredada desse livro las, mas estão sempre lá, como que demoníacas. Cardoso), e com ele toda a fundamental, que é a Bíblia?”, presas naquele espaço. Há camas Carinhas quis “fazer nascer o auto humanidade até Jesus Cristo (Daniel pergunta. “Parece que há um luxo, encavalitadas de um lado, camas como um ritual ou representação que Pinto) a vir redimir. mais entre os católicos do que entre encavalitadas do outro, de madeira pode advir da espera”. Os Pelo palco, desfila Abel (Pedro os protestantes, de não querer saber, áspera, a remeter para os campos de espectadores entram na sala do Frias), o justo pastor assassinado pelo de não querer reflectir.” concentração de Auschwitz- Teatro Nacional de São João e os irmão, Caim. E o inquebrável Job, Carinhas encara “Breve Sumário Birkenau. actores já estão no palco. Há uma atingido por sucessivas perdas. E da História de Deus” como “um O encenador e cenógrafo Nuno cortina de tule (quarta parede). Abraão ( Jorge Mota), Moisés (Alberto poema sobre um poema”. E nele Carinhas tem queda para enfiar o Através dela, pode ver-se como se Magassela), David ( José Eduardo enxerta três poemas teatro dentro do teatro. Fez isto ao movem ou se deixam estar. É como Silva), Isaías (Mário Santos), a contemporâneos: o Salmo 139, encenar as “Beiras” (2007), a partir se redistribuíssem papéis de uma representar a Lei da Escritura. E, traduzido por Herberto Hélder, de “Farsa de Inês Pereira”, “Farsa do peça já tantas vezes feita. depois deles, João Baptista (João “Palavras de Jacob depois do sonho”, Juiz da Beira” e “Tragicomédia Um anjo criado à imagem da Pedro Vaz), Jesus Cristo. E, entre eles, de Ruy Belo, e “Reconciliação”, de Pastoril da Serra da Estrela”, de Gil estátua Anjo de Portugal (Joana o Mundo (Pedro Almendra), o Tempo Else Lasker-Schuler. Vicente. E fê-lo agora, neste “Breve Carvalho), que Carinhas viu no ( João Castro), a Morte (Alexandra Não acha que falta qualquer coisa Sumário da História de Deus”, do Museu de Arte Antiga e que pertence Gabriel). A Morte, neste espectáculo, ao “Breve Sumário...” para viver

Agenda Teatro De Pedro Tochas. Com Pedro Tochas. Desamblanc, Titeuf de la Fontaine St Jardim Zoológico de Cristal Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Maurice, Jean Gallego, Ulster, De Tennessee Williams. Encenação: Dia 26/11. 5ª às 22h. Tel.: 226063000. M/16. Estreiam François Vavasseur, Robot du Vieux Nuno Cardoso. Com Maria do Céu Eurovision Marronnier, Frédéric Prulhière, Ribeiro, Micaela Cardoso, Luís O Vulcão De Pedro Penim, Martim Pedroso, Khéops, Hervé Guével, Bosco, Dany- Araújo, Romeu Costa. Robert Dufour, Gérard Gourdot, Jean- Braga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697. De 20/11 a De Abel Neves. Encenação: João André e.Teodósio. Com Pedro Penim, André e.Teodósio. Pierre Lebrun, Friedrich Lauterbach. 21/11. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 8€. M/16. Grosso. Com Custódia Gallego. Aveiro. Teatro Aveirense. Pç. República. Dia 25/11. 4ª Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV. às 22h. Tel.: 234400922. 4€. Miguel Contreiras, 52. De 21/11 a 22/11. Sáb. e Dom. às De 26/11 a 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às 21h30. Tel.: 218438801. 12€ (5€ para -30 anos). Continuam 16h15. Tel.: 213250835. 12€ (sujeitos a descontos). Arquitectar Alkantara Festival. Festival Temps Ana Na Sala Estúdio. Encenação: Rachel Chavkin. Com D’Images. Em francês, com legendas De José Maria Vieira Mendes. Teatro/Dança Frank Boyd, Jill Frutkin, Lana Lesley, Ana em português. Encenação: Jorge Silva Melo. Com Libby King, Jake Margolin, Kristen De José Maria Vieira Mendes. António Simão, Pedro Lacerda, Rita Encenação: Jorge Silva Melo. Com Sieh. A Gaiola das Loucas António Simão, Pedro Lacerda, Rita Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da De Jean Poiret. Encenação: Filipe La Brütt, Sylvie Rocha. Brütt, Sylvie Rocha. CGD. De 23/11 a 25/11. 2ª, 3ª e 4ª às 21h30. Tel.: Féria. Com José Raposo, Carlos Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. Até 22/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 19h00 Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor 217905155. 15€ (sujeitos a descontos). Quintas, Rita Ribeiro, Joel Branco, Pedro Tochas no Campo Alegre Egas Moniz. Tel.: 212739360. (nos dias 13, 14, 16, 18 e 19/11). 6ª, Sáb. e Dom. às Bleib Opus #3 Hugo Rendas. 21h00 (nos dias 15, 20, 21 e 22/11). Tel.: 213612400. Pequeno Auditório. Lisboa. Teatro Politeama. R. Portas de Santo Antão, 10€. De Michel Schweizer. Encenação: 109. De 20/11 a 31/12. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. às Lado B Michel Schweizer. Com Philippe 17h e 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 213245500. Na Sala de Ensaio.

36 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon “A Gaiola das Loucas”

enquanto narrativa: “Adoro este auto. com o característico humor judeu, o falta de aptidão para o canto, dança e Acho Gil Vicente um génio. Há prazer de brincar com a sexualidade, a interpretação, ficando por provar bocados de Gil Vicente que me as ideias feitas e, naturalmente, a como é que a nudez, e o que ela lembram Camões”. Julga até “um vertente “gay”. O talento dos rapazes mostra, pode compensar tão fraca disparate” pensar em actualizar a sua (que por acaso estariam nus) ver-se-ia exibição. linguagem. Parece-lhe, porém, no modo como sobreviviam à eficácia Será inevitável, e o título a isso “legítimo” fazer aqueles enxertos, das canções, à desfaçatez das letras, à obriga, que nos primeiríssimos produzir sobressaltos, “suspensões simplicidade da encenação e à subtil momentos de “Rapazes Nus a de sentido” nos ouvidos os mas não por isso simplista Cantar”, os poucos e breves minutos espectadores através de “linguagens interpretação. em que ele ainda estão vestidos, diversas”. E assim dele “aproximar o Ora, pouco disto existe no sejamos levados a pensar que o texto”. espectáculo agora produzido em espectáculo (e as calças) escondem Portugal, não obstante o trabalho de surpresas. Depressa somos composição e interpretação musical surpreendidos pela sua ausência Faltou- de Nuno Feist, e a encenação de (evita-se aqui uma falta de chá na Henrique Feist. Há, de facto, uma comparação dos seus outros talentos vontade de tornar a evidência numa naturais e desenvolvidos). lhes um mais valia, rejeitando artificialismos O resto, se podemos sorrir (como o cénicos, efeitos sonoros ou da circuncisão e da obsessão judaica bocadinho elaboradas construções com o prepúcio), a maior parte das dramatúrgicas. E existem mesmo três vezes não arranca da mediania ou do “assim” momentos em que isso se sente de sofrível (todas as cenas que falam de forma mais evidente, um número amor, de dúvida e de angústia com a sobre um empregado a dias que faz sexualidade). Para este desequilíbrio Nos primeiros momentos mais do que se lhe pede, um outro concorre, afinal, a limitada em que eles ainda estão sobre um actor porno da Coina, capacidade dos intérpretes a serem Margem Sul, e mais um sobre uma inventivos na ausência de artifícios, e vestidos, somos levados a estrela (interpretado por um Pedro a assumirem o espectáculo como pensar que o espectáculo e as Pernas que gere bem a multifacetada aquilo que é: rapazes nus a cantar. Se calças escondem surpresas. experiência com Fernando Gomes, não cantam, a nudez deveria Percebemos que não. um mestre na criação de musicais e compensar. Nem uma nem outra espectáculos apenas, e coisa, ficando tão aquém do deleite Tiago Bartolomeu Costa superficialmente, populares). “voyeurista” quanto a vontade de Mas verdade é que, no geral, o vermos a nudez apenas e só como Rapazes Nus a Cantar esforço dos rapazes não compensa a um detalhe de figurino. Encenação de Henrique Feist Até 19 Dezembro, Auditório do Casino Estoril, 21h30 mmnnn

Estreado na Off-Broadway, em Nova Iorque há dez anos, “Naked Boys Singing” revelou-se um fenómeno pelo modo como desbaratava conceitos e regras num registo mordaz, irónico e, naturalmente, “queer”. Espalhou-se pelo mundo em diferentes adaptações e mais do PELO ÍPSILON NÃO FOI ALTERADA IMAGEM ESTA espectáculo de cabaré que de teatro, “Rapazes Nus a Cantar” é (ou era no original) um punhado de canções bem esculpidas e irónicas, essencialmente breves e tipificadas, mas por onde passava não apenas o “fait-diver” do nu mas, através dele, e O esforço dos rapazes não compensa a falta de aptidão

O Ano do Pensamento Mágico Brandão, Luís Gaspar, Sérgio Lucas, Der Mann ist verrückt De Joan Didion. Encenação: Diogo Bruno Cochat, Andreia Ventura, De Vera Suchánková Infante. Com Eunice Muñoz. Joana Campelo. (thereminista e co-criadora). Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A. Coreografia: Tânia Carvalho. Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Até 24/11. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 20h30. Dom. às Com Vera Suchánková, Tânia Dom. às 16h00. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€ (sujeitos a 16h00. Tel.: 213420000. descontos). Carvalho. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da O Que se Leva Desta Vida Dança CGD. De 20/11 a 21/11. 6ª às 21h30. Sáb. às 19h. Tel.: De Gonçalo Waddington, João 217905155. 5€. Canijo, Tiago Rodrigues. Com Estreiam Pequeno Auditório. No âmbito do Gonçalo Waddington, Tiago Festival Temps d’’Images. Rodrigues. L’’Après-midi - Un solo pour Magyar Tàncok Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Emmanuel Eggermont Cardoso, 38-58. Até 22/11. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h00. Torres Novas. Torres Novas. . Dia 20/11. 6ª às 21h. Dom. às 17h30 (no dia 15/11, às 17h30, sessão com Coreografia: Raimund Hoghe. 5€ (c/ descontos); 50€ (livre trânsito). interpretação em língua gestual portuguesa). Tel.: Bailarino:Raimund Hoghe. Noite partilhada: bilhete único para 213257650. Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes dos Santos. Dia 21/11. Sáb. às 21h30. Magyar Tàncok e Rancho Folclórico Máquina de Somar Tel.: 249839309. do Covão do Coelho. Materiais De Elmer Rice. Encenação: Fenanda 5€ (c/ descontos); 50€ (livre trânsito). Diversos - Festival de Artes Lapa. Com Henrique Feist, Luís M/12. Materiais Diversos - Festival de Performativas. No Blackbox Caorg Madureira, Joana Manuel, Luísa Artes Performativas. (em Minde).

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 37 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Este espaço vai ser sobre ele, concordando seu. Que fi lme, peça de ou não concordando Espaço teatro, livro, exposição, com o que escrevemos? Público disco, álbum, canção, Envie-nos uma nota até concerto, DVD viu e 500 caracteres para gostou tanto que lhe [email protected]. E apeteceu escrever nós depois publicamos.

entre os dois é necessariamente de utilidade não são valores de todo Barthes, Foucault ou Levi-Strauss Político, oposição ou pelo menos de ironia. evidentes. Aqui, um sofá pode estão pendurados do tecto por fios Por exemplo: como relacionar o assumir a forma de uma luva de chama a atenção para eles enquanto design dos anos 60 e 70 com os baseball gigante; ali, a de um ninho objectos, a grande maioria são plástico, movimentos inflamados dessa época? de pássaro com uma almofada em edições recentes e em geral bastante A resposta não é fácil, porque tende a forma de ovo; acolá, a dos lábios de desastradas no que diz respeito ao peluche procurar no design temas políticos – Marilyn Monroe. Alguns objectos design. Numa exposição ou um poster anunciando uma recusam mesmo toda a instituição que não estivesse tão manifestação, a roupa de um identificação, assumindo formas ligada ao design esta falta da atenção Objectos que pediam guerrilheiro urbano, equipamento novas, bolhas de plástico que se – que se estende ao mal conseguido um utilizador novo. desenhado para ser usado em países abrem para revelar cadeiras, design dos textos de apoio e de Mário Moura do terceiro mundo. Contudo, reduzir máquinas de escrever ou televisões. identificação das peças – seria quase a política a uma temática é o mesmo Uns poucos, parecendo-se com perdoável. É Proibido Proibir! que dizer que o design só é político poltronas modernistas, recusam a quando trata de assuntos políticos. sua função original através de De Archizoom Associati, Studio 65, Esta exposição assume uma espigões acerados que perfurariam A aresta Grupo Sturm, Superstudio, Pierre posição mais subtil, que se torna sem dúvida quem neles se sentasse. Paulin, Verner Panton, Gaetano evidente logo na primeira sala, um Nenhuma destas peças nega trágica Pesce, Cesare Paolini, Roberto átrio sinuoso forrado a peluche, propriamente uma origem Expos Matta, Marco Zanusso, Bill Gibb, onde a voz de Caetano Veloso insiste industrial. Na verdade, agarram nas Courrèges, Emilio Pucci, Mary que “É proibido proibir! É proibido características da reprodução em Fotografias e desenhos – a proibir!” Dispersas pelas paredes série e levam-nas até ao limite: um Quant, Ossie Clark, Vivienne memória de uma ascensão. Westwood, Zandra Rhodes, entre felpudas estão imagens datadas de objecto pode ser construído outros. sofás com formas extravagantes, modularmente a partir de peças e Óscar Faria alguns deles identificáveis apenas funcionalidades desproporcionadas Lisboa. MUDE - Museu do Design e da Moda. Rua pela presença refastelada e divertida ou antagónicas entre si; pode ser Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e dom. Das Travessia. Evidência. 10h às 20h. 6ª e sáb. Das 10h às 22h. de um corpo humano, cuja pose reproduzido em várias escalas, O Monte Rosa Design, Objectos, Outros. parece desafiar a urgência repetitiva mesmo que se torne numa coisa do refrão. Contudo, não se trata de completamente diferente com o De Pedro Tropa. mmmnn uma contradição: lembrem-se que tamanho; pode concentrar em si estamos a falar do final da década de funcionalidades ao ponto de se Porto. Galeria Quadrado Azul Q1. R. Miguel Bombarda, 435. Tel.: 226097313. Até 18/12. 3ª a 6ª Para muita gente é difícil associar o 60, um período onde a paz, o sexo tornar pouco prático. Mesmo o das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30. design à política, ao ponto de se mas também a indolência eram vocabulário modular e utilitarista da acreditar que a única relação possível reivindicados como direito político. indústria é usado de modo rigoroso mmmmm Lembrem-se, também, que esta foi mas sarcástico quando se chama a “É Proibido Proibir!”: recusar uma uma época encurralada entre dois um sofá com um padrão de leopardo O Monte Rosa faz fronteira entre a relação óbvia entre forma e função tipos de moralismo no que dizia o “Safari Seating System” (bom Suíça e a Itália e é, em termos de respeito aos objectos: de um lado, nome para uma banda). altitude, o segundo maciço mais um credo funcionalista que os via Estes objectos pediam um relevante dos Alpes Peninos, sendo o

ENRIC VIVES-RUBIO como máquinas (o modernismo, utilizador novo, alguém que Dufour (Dufourspitze, em alemão) o com as suas habitações minimalistas estivesse disposto a deixar para trás seu ponto mais elevado, com cerca e a sua mobília tubular em metal e uma sociedade onde cada objecto e de 4635 metros. A primeira ascensão couro); do outro, uma filosofia cada pessoa tinham o seu lugar foi realizada em 1855 por uma equipa conservadora que os via como a cativo, entrando numa sociedade liderada por Charles Hudson, representação de uma certa ordem onde as identidades seriam bastante enquanto a primeira escalada social (a burguesia, com os seus mais movediças. De certo modo, individual teve como protagonista naprons, os seus aparadores, as suas uma sociedade como a nossa, onde John Tyndall, em 1858. Há também fotografias em caixilhos um objecto que se parece vagamente notícia que, no fim do século XV, envernizados). com um telefone pode ser usado Leonardo da Vinci terá explorado o Estas duas doutrinas não se como um computador, um livro, um lado italiano do monte, dando disso contrariavam totalmente, na medida mapa, um tabuleiro de xadrez, uma conta nos seus cadernos, onde se em que ambas acreditavam que um televisão, um rádio ou uma máquina pode ler o nome Mon Boso, objecto deveria cumprir uma função fotográfica – cada uma destas designação derivada do dialecto definida, que deveria sobretudo ser funções distinta apenas em termos franco-provençal – a palavra útil e parecer útil – ou seja: que a sua de design. “rouese”, glaciar, deu origem, após forma deveria reflectir a sua função. A partir de peças da colecção sucessivas transformações, a rosa. Qualquer uma delas entendia o Francisco Capelo, Bárbara Coutinho A exposição de Pedro Tropa, que design como reflexo de uma ordem concebeu uma exposição que nos pode ser vista na continuidade de social pré-existente, mas havia uma permite revisitar uma época crucial “Cahier de Cent Dessins” terceira opção, mais radical: recusar na compreensão das políticas do apresentada recentemente em uma relação óbvia entre forma e design e que vive do carisma Lisboa, tem como origem uma função, concebendo objectos excêntrico dos objectos expostos, travessia realizada no Monte Rosa em polimórficos e multifuncionais em amplificado pela cenografia Julho e é composta por três que estes dois termos se desligavam delirante da sala. A narrativa que fotografias a preto-e-branco propositadamente um do outro, enquadra a exposição, centrando-se realizadas no local, 25 desenhos tornando-se autónomos e na ideia de um corpo libertado, executados, “a posteriori”, no atelier arbitrários, pondo assim em causa levanta questões importantes, mas do artista e um livro de poemas, não apenas as regras do bom design, cai por vezes em opções forçadas. edição de autor. O percurso realizado mas as estruturas sociais aceites. Não se pode, por exemplo, falar durou três dias, procurando a mostra As peças mostradas nesta verdadeiramente de evocar esse período de tempo exposição, sobretudo roupa e multiculturalismo a propósito de dividido entre caminhadas e abrigos mobiliário, encaixam-se dentro uma exposição sobre o design inglês – no lado italiano do maciço existe desta filosofia. Dispostas sobre e italiano da década de 60 e 70 – a um com o nome Regina Margherita. colinas de peluche colorido ou referência isolada ao Brasil no título “Travessia. Evidência. ‘O Monte escondidas dentro de casas de não chega para o justificar. Do Rosa’” surge ao fundo da galeria sob plástico translúcido, parecem-se mesmo modo, se a apresentação da uma luz quente e suave. Há uma com os habitantes de um mundo bibliografia sob a forma de sala onde narrativa com momentos de pausa psicadélico onde a escala e a exemplares de livros de Lacan, – uma espécie de intervalos, abrigos,

38 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Pedro Tropa: registar a intensidade do percurso, as difi culdades da escalada de uma montanha

“Emissores Reunidos - Episódio II: Senhor Fantasma, Vamos Falar”

Agenda

Cândido dos às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inauguram Reis, 74. Até 24/01. 3ª e 4ª Jesper Just The Hustler das 17h às Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo De João Louro. 20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom. Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: Coimbra. Centro de Artes Visuais - CAV. Pátio da das 15h às 20h. 217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a Dom. das 14h às 19h. Inaugura 20/11 às 22h. Brrrrain A Interpretação dos Sonhos Instalação. De António Olaio. De Jorge Molder. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo White Shirt CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: De John Wood & Paul Harrison. das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. 217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Lisboa. Empty Cube. R. Acácio Paiva, 27 R/C - e Feriados das 14h às 20h(última admissão às 19h30). Fotografia. Appleton Square. Tel.: 919379652. Apresentação Jos De Gruyter e Harald Thys Moby Dick definidos pelas fotografias. Os relacionado com a representação da única dia 25/11 das 21h45 às 0h. Outros. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da De João Pedro Vale. desenhos traduzem a experiência natureza em condições atmosféricas CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da em altitude, na vizinhança do favoráveis – aqui é possível distinguir das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a Continuam e Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às Sáb. das 10h às 20h. Glaciar Gorner, em condições, por com alguma clareza as figuras 19h30). vezes, de reduzida visibilidade. A desenhadas; finalmente, um Arte Lisboa 09 Ask Me memória surge fragmentada, tal terceiro, no qual surgem pequenos De vários autores. Batia Suter Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício De Joana Bastos. Lisboa. FIL - Feira Internacional de Lisboa. R. do como a paisagem, registada quer em textos, possíveis legendas para os da CGD. Tel.: 222098116. De 30/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Bojador, Parque das Nações. Tel.: 218921500. Até traços subtis, finos, através dos quais papéis. e 6ª das 11h às 19h. (última admissão às 18h30) Sáb., Tel.: 918156919. Até 20/12. 6ª, Sáb. e Dom. das 15h 23/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 16h às 23h. às 19h. se pressente uma presença, quer A preparação para os desenhos é a Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às Bilhetes: 8 euros; 4 euros (Estudantes, Jovem, +65). 19h30). através de um riscar mais intenso, escalada, ou seja, o artista começa o O Sol Morre Cedo que, por vezes, serve para apagar seu trabalho na subida e no Emissores Reunidos - Episódio Sem Saída, Ensaio Sobre o De Ana Manso, André Romão, Joana II: Senhor Fantasma, Vamos palavras. Olhando com atenção confronto físico com a montanha. Optimismo Escoval, Nuno da Luz. Falar podem apontar-se núcleos distintos: No caso do trabalho agora De Augusto Alves da Silva. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo De Marcelo Cidade, Renato Ferrão. Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, Grande, 245. Tel.: 217513200 . Até 10/01. 3ª a Dom. um mais subtil, sugerindo um clima apresentado, a decisão de o realizar Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R. 210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h das 10h às 18h. No Pavilhão Branco. severo, quase fantasmático; outro surgiu logo após o abandono da

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travessia. Era preciso registar Ana Vidigal: os labirintos verdadeiros são os da criação artística aquele momento, a intensidade do e os das relações humanas... percurso, as dificuldades da ascensão. Se as fotografias definem, ainda que vagamente, um lugar, os desenhos transformam-no e fixam- no numa lembrança. Um livro constituído por oito poemas completa a exposição. Dedicado aos seus companheiros de travessia, André Maranha e Helena Tavares, este pequeno opúsculo aproxima o leitor da experiência vivida por Pedro Tropa no Monte Rosa: “O que temos pela frente requer/preparativos que hão-de completar/ infinitamente a aresta trágica. Eu/ próprio repetirei essa aresta maior/ entre uma idade e outra.” antigas a artista realizou um labirintos e quebra-cabeças de fácil inventário visual de imagens e resolução, que nunca demoram modelos que a sociedade portuguesa mais do que uns minutos a resolver, Paciências dos anos 60 (a época do seu Vidigal sobrepõe pintura, apaga nascimento) atribuía à mulher e à linhas, cria novas formas, acentua rapariga. Eram obras que, ou retira frases de instruções, e quebra- apropriando-se do colorido próprio acrescentando-lhes sentido onde da ilustração da época e elas já o tinham perdido. Em cabeças sobrepondo-lhe pintura aplicada “Pensas que o sexo terá segundo padrões geométricos, importância?”, o título de uma das conjugavam a crítica dessa mesma obras presentes, por exemplo, o A eficácia da obra de Ana imagem com uma prática eufórica e labirinto que permitiria a um Vidigal vem da ligação corrosiva da pintura. Ana Vidigal esquilo alcançar as avelãs é apagado permanente entre social e nunca se coibiu, e bem, de conjugar por pintura, sobre a qual se esta abordagem sociológica dos desenha a silhueta de um napperon pessoal. papéis atribuídos ao género de papel: como se a artista nos Luísa Soares de Oliveira feminino com uma ironia mordaz e a afirmasse que os labirintos reflexão sobre a sua própria verdadeiros são os da criação Matar o Tempo biografia. Ao mesmo tempo, em artística e os das relações humanas, momentos pontuais realizou ficando por demonstrar que uns De Ana Vidigal. instalações tridimensionais que não são exactamente coincidentes obedeciam ao mesmo processo de com os outros. Lisboa. Galeria 111. Campo Grande, 113 / Rua Doutor trabalho: captação de objectos social A eficácia da obra de Ana Vidigal João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das 10h às 19h. e biograficamente significantes, e vem desta ligação permanente entre desvio da sua função primeira o social e o pessoal. Toda a sua obra mmmmn através da ironia e do jogo de procede da sua vida, mas, no seu palavras. “O Véu da Noiva”, obra entender, a sua vida é também acção A história subjacente a estes pertencente à Fundação Manuel de e intervenção. A galeria editou, para trabalhos conta-se rapidamente. Ana Brito, é um bom exemplo do que esta ocasião, um livro de Vidigal acompanhou há tempos a acabámos de referir. apresentação da obra da artista doença de uma pessoa próxima, e Com o tempo, contudo, a sua realizada desde 2005, onde se inclui passava as horas de espera no obra depurou-se de uma certa uma excelente entrevista hospital a realizar paciências nas exuberância decorativa e ganhou contextualizadora feita por Susana folhas de jornais e revistas em profundidade e carga simbólica. Pomba. encontrados nas salas para Os processos mantêm-se. Mas – e acompanhantes de doentes. Esses um Project room na feira Arte desenhos, frequentemente Lisboa de 2007 foi um marco neste Imagens estereotipados e sem qualidade percurso de maturidade crescente artística notável, foram depois – os temas tornaram-se mais trazidos para o atelier, ampliados, incisivos, a liberdade com que que se (des) intervencionados e transformados matérias e suportes eram utilizados enfim no conjunto de pinturas que aumentou, e houve uma depuração encontram agora podemos ver na galeria 111 de cromática e formal que se tornou Lisboa. Algumas destas peças óbvia. Nesse projecto de há dois estiveram já na representação anos, a artista recriou o seu quarto Um artista fascinado pelo portuguesa à Bienal de Sharjah, nos de infância, e colocou-o em paralelo tempo das imagens. Emirados Árabes Unidos, ainda este com o quarto onde o pai viveu José Marmeleira ano. Mas esta é a primeira vez que o durante parte da guerra colonial. público pode vê-las em Portugal, No caso desta exposição, as David Claerbout juntamente com a contextualização pinturas, ao invés de se construírem que a série de que fazem parte lhes sobre tela e de se servirem da cor Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às proporciona. sem reservas, são feitas a partir de 18h. Festival Temps d’Images 09. Como sucede na obra desta ampliações de grande formato das Instalação, Vídeo, Fotografia. artista, todas as obras procedem da imagens de jogos de jornal já apropriação de imagens e objectos mencionadas, das quais guardam a mmmnn pré-existentes e que, por uma razão contenção cromática e formal. pessoal, convocam memórias Notam-se todas as impurezas do David Claerbout (Kortrijk, Bélgica, privadas ou sociais relativas à vida papel de baixa qualidade e da tinta 1969) não é um estreante no de Ana Vidigal. Em séries mais de impressão. Mas, por cima destes contexto expositivo português –

40 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon SÁB 22:00 SALA SUGGIA € 25

JOÃO BOSCO voz e guitarra RICARDO SILVEIRA guitarra KIKO FREITAS bateria NEY CONCEIÇÃO baixo integrou no ano passado a colectiva conseguem; apenas as suas sombras “Ida e Volta: Ficção e Realidade”, penetram no outro lado imagem (a no Centro de Arte Moderna da da fotografia). Entretanto, o preto e Fundação Gulbenkian – mas é com o branco, a luz, os elementos a individual inaugurada no Museu arquitectónicos do lugar e o rigor da do Chiado que efectivamente coloca composição oferecem à cena um a sua obra diante do público cariz melancólico e lembramo-nos português. de “Playtime”, de Jacques Tati: com E coloca-a de uma forma não efeito, em “Shadow Piece” o artista apenas silenciosa mas, também, partilha com o cineasta o mesmo autoritariamente generosa: sob a afecto pela relação dos indivíduos curadoria de Pedro Lapa (a última com os espaços da arquitectura RICARDO SILVEIRA guitarra no Museu do Chiado, na condição modernista. KIKO FREITAS de director), ocupa dois pisos com Olhar com demora (com tempo) bateria videoprojecções e projecções de as imagens é uma das “exigências” NEY CONCEIÇÃO baixo fotografias, num total de sete implícitas na obra de Claerbout. E trabalhos. A montagem é feliz, por vezes olhar significa também O mineiro João Bosco é um dos músicos atendendo à natureza do espaço, e esperar, como em “Arena” (2007), mais originais do Brasil, com canções transforma as principais salas de uma projecção vídeo de que são autênticos hinos da MPB. Ricardo exposições numa longa black box, diapositivos de um só momento: o Silveira, guitarrista de excepção com apenas interrompida pelos átrios e instante antes da marcação de um carreira internacional, transita por as luzes que emanam das imagens – cesto num jogo de basquetebol. vários estilos, particularmente entre a pode-se discutir esta “ocupação”, Imagens fixas de várias figuras, música brasileira e o jazz. mas isso é tema para outro debate. planos e rostos parecem dirigidas à Artista formado em pintura, acção mas, em simultâneo, Claerbout rapidamente abraçou a devolvem-nos um olhar diferido de fotografia e o vídeo, interessado em um momento que não é possível pesquisar a ideia de tempo nas duas capturar na sua totalidade, que 2:00 linguagens. À fotografia foi escapa (o próprio tempo). SÁB 2 GGIA acrescentando movimento, Esta espera resulta, por vezes, SALA SU libertando-a da sua imobilidade, ao num desencontro, como em € 15 filme foi “impondo” uma “Rocking Chair” (2003), instalação suspensão, uma paragem. Tal interactiva num ecrã duplo que prática – assente na tecnologia mostra uma mulher. De um lado, digital – tem-lhe permitido vemo-la sentada na sua cadeira, o desenvolver interrogações em torno rosto meio coberto pela sombra, da memória das imagens do nas suas costas uma paisagem. Ao modernismo, das relações entre a passarmos pela instalação e quando arquitectura e a figura humana ou, estamos prestes a abandonar a sala, tão-somente, da forma como eis que reage ao nosso andar. Move- experienciamos a imagem (da se, mas sem qualquer gesto fotografia e do filme). performativo ou teatral. Limita-se Na primeira sala, encontram-se notar a nossa presença, sem nos PEDRO GUEDES trabalhos onde se reflectem alguns ver. Ouve-nos apenas. direcção musical destes tópicos. Em “Kindergarten Uma situação semelhante Antonio Sant’Elia 1932” (1998) vemos reaparece em “Riverside” (2009), a A Orquestra Jazz de Matosinhos associa-se uma fotografia de crianças num peça mais forte da exposição. Um à voz pujante e versátil de Maria João num jardim-de-infância, projectado por homem e uma mulher percorrem a programa que inclui standards do universo Giuseppe Terragni, arquitecto do mesma paisagem, mas nunca se jazzístico norte-americano e da música racionalismo italiano. Não se encontram, nunca se reúnem. popular brasileira, obras emblemáticas movem, como que presas num Passam pelo mesmo lugar (um da longa colaboração da cantora com plano fixo. A imagem porém não ribeiro), mas em tempos diferentes o pianista Mário Laginha e uma canção está “morta”, pois vislumbra-se o e só a banda sonora (o som do inédita da autoria de Carlos Azevedo. baloiçar das folhas das árvores. O ribeiro) liga no fim as duas imagens. mesmo “corte” repete-se em A expectativa de um desfecho é “Shadow Piece” (2005): várias quebrada para questionar, como pessoas, movidas pela curiosidade, em “Arena”, a percepção enquanto tentam entrar num edifício, mas não fenómeno linear, unidireccional. www.casadamusica.com | T 220 120 PEDRO CUNHA PEDRO

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CONCERTO DE DIA 12 DEZEMBRO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. David Claerbout: um artista fascinado pelo tempo das imagens

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 41 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Os Fiery Furnaces dos “Bitter Tea” ou o recente visto em Portugal. A irmãos Matthew e Eleanor “I’m Going Away”, pérola espera acabou. Aí está o Friedberger são uma das pop como nunca lhes anúncio: Fiery Furnaces ConcertosC bandas mais relevantes tínhamos ouvido antes. no Santiago Alquimista, e criativamente Tudo verdade. Ponto em Lisboa, dia 26 de estimulantes da última fi nal. Acontece que, Fevereiro. Bilhetes a 20 década, o que se comprova uma década depois do euros, concerto marcado em álbuns tão distintos nascimento da banda, para as 22h. quanto “Blueberry Boat”, ainda não os tínhamos AMY GIUNTA

Massive Attack: o novo disco, “LP5”, vai fazer-se ouvir no Campo Pequeno Pop curadores do Festival Meltdwon, vivo: “Vai ser como a ‘White Riot carreira, gravava num gravador de fizemos várias BSOs, voltámos a Tour’ dos Clash. Vi-a quando era quatro pistas longas peças centradas fazer uma digressões, e continuámos novo e só pensava ‘Um dia quero na guitarra acústica e na sua voz, Massive sempre a fazer DJing”. fazer parte de uma coisa assim’”. que amplificavam as aventuras pelo Pelo meio atiraram para o lixo Bom, em abono do lado punk dos desconhecido de guitarristas como “duas versões anteriores” de “LP 5”, Clash (que Daddy G citou 134 vezes John Fahey e Robbie Basho, Attack ou os tudo por causa da última digressão. em 15 minutos de conversa) declare- transpondo-as para um contexto “Tínhamos o disco acabado, se que na “White Riot Tour” não abertamente psicadélico e Clash versão experimentámo-lo um pouco na havia LCDs gigantes. Mas nos influenciado pelo avant rock. Fez um estrada e quando acabámos de tocar concertos dos Massive Attack sim: belo disco de canções simples, LCD ao vivo estávamos um bocado fartos “Temos um ecrã LCD que enchemos “Compathia” (2003), e clássicos do dele. Tínhamos escrito o disco em de informação, alguma política, ressurgimento folk desta década, separado e achámos que lhe faltava outra mais non-sense, tudo aquilo como “For Octavio Paz” (também Concertos com o lado visual

Concertos alguma coisa que fosse comum a que faz parte do nosso mundo”. em 2003) e, sobretudo, “School of e performativo infl uenciados todos, por isso resolvemos começar Portanto, amanhã e domingo já the Flower”, editado em 2005, com pelos Clash, diz-nos Daddy de novo, desconstruir as canções e sabem: ali em palco estão os Clash a inesquecível participação do voltar a construí-las”. do século XXI e aquela moça bonita baterista Chris Corsano a elevar a G. João Bonifácio Claro que, perante tanta demora, é o Joe Strummer. E “LP5” ainda vai folk à estratosfera “free”. Em Agosto, Massive Attack o povo tuga que se deslocar amanhã acabar por chamar-se “Combat trip- lançou “Luminous Night” e, este e domingo à Praça de Touros do hop”. mês, chegou a um terreno novo, as Lisboa. Praça de Touros do Campo Pequeno. Campo Pequeno. Sáb. e Dom. às 21h00 (portas abrem às Campo Pequeno (Lisboa) para os ver livrarias, ao assinar a banda sonora 20h). Tel.: 217820575. 24€ a 35€. ao vivo (com a voz de Martina que acompanha o romance “Empty Topley-Bird) vai ter direito a “mesmo Num lugar The Sun”, de Joseph Mattson. Ora vamos lá a olhar para os dedos muita coisa de ‘LP5’”. Aliás, “Luminous Night” foge do das duas mãos e fazer contas: há preparem-se porque “as primeiras domínio absoluto da guitarra dos quantos anos é que os Massive cinco ou seis canções são do novo sempre novo discos anteriores. Rodeou-se de Attack não têm disco novo? Ora, dois disco”. Isto, diz Daddy G, até “pode convidados como Hans Teuber mil e três é o mindinho esquerdo ser suicídio comercial” mas “isso é O Ben Chasny que regressa (flautas), Tor Dietrichson (tablas) e o que é igual a um, portanto, um, dois, que torna tudo mais excitante, não prestigiado Eyvind Kang (viola), que três, quatro, cinco, polegar direito. é?”. a Portugal está, outra vez, tocou com gente como os Mr. Há polegar direito que não temos Vai ser um disco distante do início diferente. Pedro Rios direito a disco novo. da banda, quando eles diziam ser Seis anos e tal à espera do quinto “um sound-system e não uma Six Organs Of Admittance disco de originais que está “quase banda”, mas também vai ser um Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B. 3ª às pronto”, segundo Daddy G, vai disco diferente de “100 th Window”: 22h00. Tel.: 213574362. 10€. chamar-se “LP5”, conta com a “Com ‘100th Window’ havia muitas presença de Damon Albarn, Martina camadas com coisas brilhantes, mas É um dos grandes cultores dos Topley-Bird e Tunde, dos TV on the um pouco inacessíveis. Nesse cruzamentos entre canção folk e o Radio, e vai sair este ano. Isto é sentido este disco é mais limpo, mais fogo eléctrico do psicadelismo e do certo. “Quase certo”, diz Daddy G. acessível. É como quando os Clash rock mais livre. Mas é um Ben “LP5” já teve uma data de nomes, foram a Nova Iorque e viram o hip- Chasny diferente aquele que várias datas de edição adiadas, mas hop com beats uptempo e toda regressa a Portugal, terça-feira, no não é como se eles tivessem estado aquela onda disco. Conheces os PIL? Nimas, em Lisboa, acompanhado de de férias. Daddy G, ao telefone com Soa um pouco a essa era”. Elisa Ambrogio (dos Magik Markers), o Ípsilon justifica os atrasos: “Desde Essa era, segundo Daddy G, Andrew Mitchell e Alex Nielson. Ben Chasny: “Luminous Night” 2003 editámos um ‘Best-of’, fizemos influencia o lado visual e Na verdade, nunca esteve parado foge do domínio absoluto da a respectiva digressão, fomos performativo que vamos assistir ao num único lugar. No início de guitarra dos discos anteriores

42 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Bungle, Sunn 0))), e Marc CD e vinil, e, como o título indica, Teratron: dançar Ribot. E fez o seu disco mais cheio e regista uma actuação na histórica límpido, e aquele em que parece sala lisboeta que lhe dá título. até fazer farelo mais confiante com as suas No disco, os Dead Combo são capacidades: é capaz de ir da acompanhados pelo baterista Teratron + Exercise One electrónica com pingos de Alexandre Frazão. No São Luiz, além + Expander + Leonaldo de melancolia à Tim Hecker, à melodia de Frazão, contarão com os Almeida + Tiago oriental de “Bar-Nasha”, sem medo convidados Ana Araújo (piano), João Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, de trazer flautas serpenteantes e Cabrita (saxofones), João Marques Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890. tablas (para susto de alguns adeptos (trompete) e Jorge Ribeiro Consumo mínimo. da frugalidade dos Six Organs de (trombone).(trombone). MárioMário LopesLopes antigamente), e lembrar o tom apocalíptico dos Current 93 em “Enemies Before the Light”. O processo de criação de “Cover Your Wounds With The Sky”, a canção que lembra Hecker, é revelador da ambição de Chasny. Gravou “drones” no computador, passou-os para cassetes, que enterrou no seu quintal, em Seattle, durante dois meses. Depois pô-las a tocar num amplificador num volume ensurdecedor e gravou o som daí resultante, a que acrescentou piano e outros elementos. Ben Chasny em 2009 é isto: um músico de excepção, em qualquer domínio que se mova.

Dead Combo CARMO RITA & The Shapes: chocar com o presente

Popnoname + Trash Converters + Micachu & The Shapes + Aquaparque + Mr Mitsuhirato Micachu & The Shapes: autores de um dos discos do ano Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. 6ª às 22h30. Tel.: 222012500.14€. Pré-venda: 12€. Lisboa, sábado, 21, Loft vincadíssima marca autoral. Dead Combo: Ouve-se uma canção como “Jewellery”, afirmamo-lo com “Golden phone” e temos um single fim e recomeço convicção, é um dos álbuns do ano. disfuncional que encontrará espaço Um ovni pop saído da cabeça de nas colectâneas de época que o Dead Combo uma música, compositora e futuro trará. Ouve-se “Lips” e a Com Pedro Gonçalves (contrabaixo produtora, a londrina Mica Levi, que estética lo-fi de ontem transmuta-se e baixo eléctrico), Tó Trips ignora, por temperamento e em urgência de hoje – e depois, (guitarras), Ana Araújo (piano), João formação, fronteiras estéticas e procuram-se canções, simplesmente Cabrita (saxofone), João Marques paradigmas musicais. canções, mas busca-se som a todo o (trompete), Jorge Ribeiro Em “Jewellery”, o álbum de lado: a guitarras inventadas, a (trombone), Alexandre Frazão estreia, editado pela Accidental aspiradores em sucção feroz, a (bateria). Records de Matthew Herbert e bancos de sons digitais ou a ruídos Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria elogiado por Björk, convivem ruído extraídos da rua. Cardoso, 38-58. 6ª e Sáb. às 23h30. Tel.: 213257650. sónico e blips de artesã electrónica, Acompanhada pelos Shapes 15€. melodias pop e arrojo de (Raisa Khan nas teclas e Marc Pell No Jardim de Inverno. Apresentação experimentalista sem pachorra para na bateria), esta Micachu que tem de “Lusitânia Playboys”. M/3. “academismos”. Nesta música, o formação erudita e idolatra o presente é reflectido de forma compositor vanguardista Harry Quando os Dead Combo actuarem, magistral: porque aos sinais dos Partch, que se mostrou primeiro hoje e amanhã, a partir das 23h30, tempos vem acoplada uma como produtora e DJ da no Teatro São Luiz, em Lisboa, comunidade grime britânica, assistiremos a um fim e a um estreia-se em Portugal com dois recomeço. Fim, porque os dois concertos: esta noite no Porto, no concertos assinalarão o final da Plano B, com primeira parte dos digressão de “Lusitânia Playboys”, o indispensáveis Aquaparque, e aclamado álbum de 2008 onde Tó amanhã em Lisboa, no Loft – nesta, Trips e Pedro Gonçalves que é festa de aniversário (a de aprimoraram como nunca antes a Madame, da produtora Madame sua expressão musical – é álbum de Management, que as organiza desde viagem e deambulação, onde o há seis anos em diferentes locais de “western vadio” parte mundo fora Lisboa), os bilhetes apenas serão sem nunca abandonar vendidos no próprio dia, à porta do verdadeiramente o seu centro vital: espaço e, para além de Micachu, Lisboa e os recantos de Lisboa. Mas haverá concertos de Jon Hopkins e é também um recomeço porque os Voltek e DJs sets de Quayola, concertos no São Luiz servirão para Twofold, Stereo Addiction e lançar o novo disco do duo. Chama- Heartbreakerz. M.L. se “Live Hot Clube”, terá edição em

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 43 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Concertos Carlos Bica + João Paulo em Estarreja

Sean Riley & The Slowriders Orquestra de Jazz de Matosinhos em Estarreja em Vila Nova de Famalicão

Agenda Sexta 20 Komissarova (violino), Gerardo Alameda de Grasse, às 22h00. Tel.: 259320000. Évora. Igreja e Convento de Nossa Senhora dos projectado. Gramajo (viola), Marco Pereira 7€ (sujeito a descontos). Remédios. Av. São Sebastião, às 21h30. Tel.: 266777100. No Pequeno Auditório. Apresentação Música Francesa. V Ciclo de O Irmão Enamorado (Lo Frate (violoncelo). de “Pata Lenta”. M/6. Concertos “Música no Inverno”. Quarta 25 Nnamorato) Lisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte, às 21h30. Bruno Monteiro Encenação: Luca Aprea. Direcção Tel.: 213585200.10€. Sean Riley & The Slowriders Carlos Bica + João Paulo Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes. Pq. de Estarreja. Cine-Teatro Municipal de Estarreja. Rua Musical: Marcos Magalhães. Com Os No Auditório. Obras de Turina, Império, às 19h00. Tel.: 213612400.7€. Sinçães, às 23h00. Tel.: 252371297. 5€. do Visconde de Valdemouro, às 21h30. Tel.: Músicos do Tejo, Joana Seara (voz), Barber, Reger e Hindemith. M/3. No Pequeno Auditório. Obras de Bach, João Fernandes (voz), Sara Amorim Café-concerto. Ciclo Panorama: 234811300. 5€. Passe Festival: 7,5€ (sujeito a Cassandra Wilson Mostra Cultural para 4 Estações. descontos). Prokofiev, Ysaÿe e Kreisler. M/6. (voz), Luís Rodrigues (voz), Eduarda Estarrejazz 2009 - Festival de Jazz de Melo (voz), Carlos Guilherme (voz), Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. Apresentação de “Only Time Will Moritz von Oswald Trio Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700. Estarreja. M/3. Carla Caramujo (voz). Compositor: 17,5€ a 20€ (sujeito a descontos). Passe Festival: 90€. Tell”. M/3. Com Moritz von Oswald G. B. Pergolesi. No Grande Auditório. Guimarães Jazz Ana Moura Solistas da Metropolitana (electrónica), Max Loderbauer Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do 2009. M/12. Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes de Vila Nova Com Adrian Florescu (violino), (electrónica), Vladislav Delay Império. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h00. Tel.: 213612400. de Famalicão. Pq. de Sinçães, às 21h30. Tel.: Fernando Llopis (percussão), Savka (percussão). 15€ a 18€ (sujeito a descontos). Zany Dislexic Band 252371297. 12€. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei No Pequeno Auditório. M/12. Konjikusic (piano). Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h00. No Grande Auditório. Apresentação Lisboa. Palácio Nacional da Ajuda. Largo da Ajuda, Miguel Contreiras, 52, às 22h00. Tel.: 218438801. Ver texto pag. 14 e segs. Tel.: 213574362. 4€. de “Leva-me aos Fados”. M/3. às 16h00. Tel.: 213637095. Entrada livre. 12€ (sujeito a descontos). Na Sala Principal. Vertical Ascent. O’queStrada Ciclo de Música de Câmara. Obras de Matteah Baim + Domingo No Dave Douglas & Blood Sweat Martinu, Cowell e Hersh. Com Marta Miranda (voz), João Lima Naughty Nights (Manuel João Quarto Drum’n Bass Big Band (guitarra portuguesa), Zeto (guitarra e Vieira) Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Direcção Musical: Jim McNeely. Com voz), Pablo (contrabaixo), Donatello Domingo 22 Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.: Bairro Alto, às 23h00. Tel.: 213430205. Dave Douglas (trompete), Jim (acordeão). 213467090. Consumo mínimo. McNeely (piano). Os Violinhos Hell & Pinkboy + Slight Delay Barcelos. Auditório São Bento Menni. Av. Paulo Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. Queluz. Palácio Nacional de Queluz. Largo do Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Felisberto, às 22h00. Tel.: 253808210. 8€. Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700. Palácio, às 17h00. Tel.: 214343860. 5€. Entrada livre Quinta 26 Armazém A, às 23h00. Tel.: 218820890. 17,5€ a 20€ (sujeito a descontos). Passe Festival: 90€. para -14 anos. Consumo mínimo. Orquestra de Jazz de Matosinhos Nancy Lee Harper Estarreja. Cine-Teatro Municipal de Estarreja. Rua No Grande Auditório. Guimarães Jazz Na Sala do Trono. Concerto de Santa Aveiro. Universidade de Aveiro. Campus Pedro Abrunhosa & Comité do Visconde de Valdemouro, às 21h30. Tel.: 2009. M/12. Cecília. 234811300. 5€. Passe Festival: 7,5€ (sujeito a Universitário de Santiago, às 18h00. Tel.: Caviar descontos). 234370200. Entrada livre. Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr. Mário Laginha Terça 24 Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.: FRED NS Homenagem a Count Basie. Lourinhã. Auditório Maestro Manuel Maria Baltazar. Moritz von Oswald Trio 219107110. 15€ a 30€ (sujeito a descontos). Estarrejazz 2009 - Festival de Jazz Praça José Máximo da Costa, 7, às 21h30. Tel.: Remix Ensemble: Metropolis Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. 261410100. 8€. No Auditório Jorge Sampaio. de Estarreja. M/3. Direcção Musical: Rolf Gupta. República, às 21h30. Tel.: 239855636. M/6. Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de David Fonseca Axe Ensemble + Carlos Zíngaro Sábado 21 Beja. Teatro Pax-Júlia. Largo São João, às 21h30. Tel.: Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€. Ana Moura Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 284315090. 12,5€. Na Sala Suggia. Filme-concerto: 91, às 21h30. Tel.: 213111400. 10€. Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Quarteto Remix Metropolis, de Fritz Lang. Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30. Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de JP Simões + Mr. Mitsuhirato Tel.: 244834117. 15€ a 20€. “Metropolis”, filme de culto que Fritz Cão Solteiro & Vasco Araújo: A Albuquerque, às 12h00. Tel.: Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.: Lang realizou em 1926, foi um dos Portugueza Apresentação de 220120220.5€. 213467090. 12€. “Leva-me aos Fados”. últimos objectos do mudo. Foi Com Banda Filarmónica da Na Sala 2. Obras de Chagas Apresentação de “Boato”. Sociedade Musical Mindense. M/4. Rosa, Andrikopoulos e musicado mais de vinte vezes. Uma Trio Maestro: João Carlos Gameiro. Beethoven. dessas bandas sonoras foi composta Quarteto de Cordas Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 de Com João Paulo Santos (piano), Maria por Martin Matalon, em 1995. É essa Abril, às 21h00. Tel.: 249889115. Com Eldar Nagiev Norberto Lobo do Anjo Albuquerque (soprano), Ana obra que o agrupamento portuense 5€ (sujeito a descontos). Passe Festival: 50€. Passe (violino), Elena Norberto Lobo Vila Real. Teatro de Vila Real. Serôdio (mezzo-soprano). interpreta ao vivo, enquanto o filme é 5: 20€ (acesso a 5 espectáculos).

O que é que se faz quando já se é faixa de abertura, “Fanfiction”, em Na Sala Suggia. Obras de Haydn, demasiado conhecido e as pessoas que a batida é rainha e vai direito à Beethoven, Takács e Brahms. esperam de nós determinado espinha. Há faixas cantadas, ligeiras comportamento? Há várias hipóteses: influências lounge (“Swinging O Ciclo de Piano da Casa da Música a) cirurgia plástica de reconstrução e hammock”), a sombra dos Daft recebe no sábado um convidado ir viver para um paraíso fiscal; b) Punk, mas não haja dúvidas: isto é ilustre. Trata-se do pianista austríaco vestir uma gabardine, pôr uma música para tomar drogas que Paul Badura-Skoda, com 82 anos, peruca, sair de casa e evitar o Parque servem para dançar ao som de uma intensa carreira atrás de si e Eduardo VII; c) mudar de nome e de música (que serve para tomar drogas como uma discografia monumental trabalho. Metade dos Da Weasel que etcetcetc). que conta com mais de 200 títulos e optou pela última opção: João Nobre inclui as integrais das Sonatas de e Pedro Quaresma, que, no colectivo Mozart, Haydn e Schubert. Pode da doninha, são responsáveis pelo Clássica dizer-se que Badura-Skoda é uma baixo e pela guitarra, formam uma autêntica lenda viva do piano, tanto dupla que dá pelo nome Teratron. no plano da interpretação como da Acabam de lançar o primeiro e Uma lenda pedagogia, da edição musical e da homónimo disco e agora apresentam- investigação no domínio da se pela primeira vez no Lux, em do piano performance e dos instrumentos Lisboa, quinta-feira. antigos. Apaixonado pelo repertório Ao contrário dos Da Weasel não há no Porto do classicismo vienense e dos Paul Badura-Skoda no Ciclo de Piano da Casa da Música aqui melting-pot sob fundo hip-hop alvores do romantismo, foi um dos com a pop como alvo: isto é pioneiros na utilização de início de uma importante carreira quem se apresentou em duo. electrónica pura e dura, feita para O pianista e pedagogo pianofortes da época dos internacional. Em conjunto com a Orientou ainda a edição de dançar à grande, até os pés fazerem vienense Paul Badura- compositores, mas manteve sempre musicóloga Eva Halfar (com quem numerosas partituras, com destaque farelo. Para terem uma ideia, a em paralelo a prática do piano casou em 1951) publicou duas para as obras de Mozart, Beethoven, referência mais óbvia para os Skoda interpreta Haydn, moderno. importantes obras sobre as práticas Schubert e Chopin. Teratron serão os Justice ou os Beethoven, Brahms e Jeno Depois de se ter formado no de execução e os problemas O programa que apresenta na BoizNoise: batidas pesadas em 4 por Takács na Casa da Música. Conservatório de Viena nos anos 40, interpretativos das obras de Mozart Casa da Música inclui a Sonata em Mi 4, digitália ruidosa, linhas de baixo Cristina Fernandes fez estudos de aperfeiçoamento com (“Mozart-Interpretation”, 1957) e bemol Maior Hob.XVI:52, de Haydn; sintetizadas, umas vezes duras como Edwin Fischer em Lucerna e Bach (“Bach-Interpretation”, 1990) e a Sonata op. 53 “Waldstein”, de chumbo outras dúcteis como a Paul Badura-Skoda começou a apresentar-se com é também co-autor de um estudo Beethoven; a Partita op.58, de Jenö sexualidade dos pioneiros do disco- maestros da estatura de Wilhelm sobre “As Sonatas para Piano de Takács (escrita em 1954 com Badura- Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de sound. O objectivo é a eficácia, sem Albuquerque, sáb., 21, às 18h00. Tel.: 220120220. Furtwängler e Herbert von Karajan. Beethoven” (1970) em colaboração Skoda como dedicatário); e a Sonata rodriguinhos, o que é confirmável na 25€. Foram colaborações decisivas para o com o pianista Jorg Demus, com em Fá menor, op.5. de Brahms.

44 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon

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camisa-de-forças de “Blouses As canções de Wyatt não se fixam blanches”. É esta Piaf à beira da numa tipologia (jazz, rock, pop, perdição ou da loucura, que a maior folk), nem procuram a perfeição, parte dos seus fãs nunca ouviu, que deixando quase sempre pontas Martha ressuscita superiormente. O soltas, podendo ser alvo de muitas contributo dos músicos, sobretudo leituras. Foi essa maleabilidade que do pianista Brag Albetta e do fascinou Yvinec, desde sempre guitarrista Doug Wieselman, é admirador da obra de Wyatt. Mas decisivo, na medida em que vão este não é um projecto de criando um crescendo de abstracção homenagem. É uma visão do seu e de estranheza através do universo através de diferentes alinhamento, que o subtrai por prismas. É essa a sua mais-valia. O completo à estrita nostalgia. No final visado canta em quatro temas, “Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris” canções registadas segundo o consegue ser Piaf para além de Piaf modelo piano-voz, com arranjos de – talvez o melhor elogia que se pode Vincent Artaud, sugerindo outro fazer a um disco de tributo. cromatismo, sem desvios excessivos das harmonias originais. O mesmo modelo foi adoptado À volta de nas canções onde participam convidados como Camille, Rokia Traoré, Yael Naim, Irene Jacob, Arno Discos Robert Wyatt ou Daniel Darc. O resultado é sóbrio e consistente, devolvendo-nos o Um dos músicos maiores do fascinante universo íntimo de Wyatt, exposto numa mão cheia de canções nosso tempo recriado pela que fazem parte do património da ONJ, com participações do música popular, como “Just as you próprio e de Camille, Rokia are”, “Shipbuilding”, “O Caroline” ou “Te recuerdo Amanda.” Depois Martha domina Traoré ou Yael Naim. da passagem pelos grupos Soft de olhos fechados o universo Vítor Belanciano Machine e Matching Hole, a meio romântico de Piaf dos anos 70, Wyatt enveredou por Orchestre National de Jazz um percurso a solo, transformando- Daniel Yvinec se num dos mais fascinantes criadores musicais do nosso tempo. Around Robert Wyatt Pop Montreal, cidade do Quebec. Depois BeeJazz, distri. Massala Alguém que, a cada novo disco, nos ela e Rufus cresceram a cantar Piaf, lança à cara o tipo de obras capazes de tal modo que Martha domina de mmmmn de sublimar a nostalgia do passado e Para além olhos fechados o universo ultra projectar o futuro sem grandes romântico da francesa, fazendo de A arte da versão rodeios. “Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris” não é um simples É verdade que passou tempos da nostalgia um caso exemplar de teatro de exercício de difíceis na década de 80 e parte dos possessão por uma voz imortal. reinterpretação. A anos 90. Mas neste século tem visto, Martha Wainwright Se a sensação de ouvir a alma de reprodução literal finalmente, a sua obra reconhecida. ressuscita Piaf bem melhor Piaf reencarnar noutra voz domina a ou, no extremo Há dois anos, em entrevista, dizia-nos primeira audição, depois vai-se oposto, o com a habitual autenticidade, que era do que era de esperar. O percebendo o trabalho de selecção e processo iconoclasta normalmente um solitário, alguém que trabalhava disco de tributo do ano? remontagem de Martha. As dão maus resultados. Apropriar-se longe do ruído contemporâneo, e Luís Maio comparações com a homenagem a de uma peça musical é saber ler nas aspirava a continuar assim. De vez Judy Garland rubricada pelo irmão entrelinhas, partir do princípio que em quando é resgatado desse retiro. Martha Wainwright Rufus há dois anos são inevitáveis, não foi tudo dito, procurar as Foi isso que fez a Orchestre National quando aqui também se trata de arestas, os subentendidos. É isso que de Jazz. Ainda bem. Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris Coop, distri. PopStock celebrar a face excessiva de uma faz a francesa Orchestre National de diva trágica. A coisa não resvala, Jazz, com direcção do contrabaixista mmmmn porém, para a orgia barroca, comum e produtor Daniel Yvinec, num O pinga- nos discos do mano, o que em boa projecto ambicioso à volta do Martha é irmã de parte se deve à supervisão desse repertório de um dos músicos especialista em discos de tributo que maiores do nosso tempo: o inglês amor erudito e tem sobretudo é Hal Willner e do excelente Robert Wyatt. feito carreira à “ensemble” de nove músicos que Grande disco de pop sombra do êxito acompanharam a cantora ao longo Robert Wyatt, um dos músicos dele. Edith Piaf, de três dias de gravações no Verão maiores do nosso tempo enciclopédica. será quase passado, frente a plateias cheias no João Bonifácio escusado lembrar, foi a maior Dixon Place, pequeno teatro da cantora francesa de todos os baixa de Nova Iorque. Vincent Delerm tempos. De maneira que um disco Uma decisão criteriosa foi evitar Quinze Chansons de canções de Edith na voz de êxitos tipo “La vie en rose” ou Tôt Ou Tard; distri. Massala Martha soa à partida com projecto “Milord” em favor de reportório votado ao fracasso. Talvez por as menos popular. Isto permitiu a mmmmn expectativas serem tão baixas, “Sans Martha não apenas uma maior Fusils, Ni Souliers, A Paris” é o tipo liberdade de movimentos, mas Vincent Delerm de disco que começa por também escolher temas que têm a ocupa, com surpreender e acaba por fascinar. ver com a faceta mais retorcida ou Benjamin Biolay, Primeiro, coisa rara para uma mesmo patológica de Piaf. Não deve o lugar de americana, Martha tem um francês ser por acaso que este álbum abre transportador da perfeito ou quase, consequência de com o sufoco da multidão de “La tocha da uma juventude passada em foule” e a acaba na redenção da “nouvelle

46 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Julian Casablancas: o álbum mais interessante criado por um Strokes a solo

Vincent Delerm: este rapaz adora referências... chanson française”. Mas enquanto uma precisão pop vestida de cabedal sobre si uma aura de isso será tremendamente aqui, ser-lhe-á votado o Biolay é todo sombras, lixo e luxo, rock’n’roll e o peso da história de veteranos de um aborrecido para este mesmo desinteresse geral Delerm é o burguês, limpo e erudito. Nova Iorque, dos Velvets aos tempo distante. O “Phrazes For The Young”, que rodeou os discos de Parece um pinga-amor trapalhão e Television, a libertar-se como nova mundo da pop corre o primeiro álbum a Albert Hammond Jr ou os demasiado lido, o tipo de homem a euforia. Com “Is This It?”, fizeram rápido como nunca e, solo do mais Little Joy de Fabrizio quem uma mãe confiaria a filha, um álbum maior que eles mesmos, o se não serão novos importante dos Moretti. Acontece que este enquanto Biolay é o tipo de homem que, de resto, a carreira posterior álbuns dos Strokes a Strokes – afinal, foi intrigante, estranho e que não só papava a filha como viria confirmar. transformá-los em ele que compôs desequilibrado “Phrazes também a mãe. E para acentuar as Em pousio desde “First luminárias de uma tudo o que For The Young” merecia um diferenças, Biolay é o herdeiro Impressions of Earth”, o terceiro nova era (como ouvimos em “Is pouco mais. Nele, legítimo do toque de Midas de álbum, editado em 2006, a banda é pareciam em 2000), muito menos o This It?”. Casablancas prova que “Is Gainsbourg e um conhecedor formada por gente que ainda mal serão os trabalhos a solo em que os Se tudo This It?” não foi profundo da canção francesa, chegou aos 30 anos mas que tem seus membros se têm ocupado. Ora, continuar como até simplesmente golpe de sorte. enquanto Delerm é mais americano: nas fotos do libreto do seu novo disco, “Quinze Chansons”, ele aparece a ler um livro chamado “J’aime Le Music-Hall” e a ler a biografia de Johnny Carson. Esse é o segredo de Delerm: o cruzamento dos ritmos e harmonias do music- hall com a simplicidade das melodias da “chanson”, a aplicação de arranjos derivados da Broadway em melodias eivadas da falsa ingenuidade que Sylvie Vartan imortalizou. “Quinze Chansons” abre com as magníficas cordas de “Tous les acteurs s’appelllent Terence”, olhar cínico sobre a imagem pública das estrelas de cinema. As cordas abrem espaço para o piano (imagem de marca), há flautas, coros e metais numa extraordinária canção que deve muito às bandas-sonoras dos anos 40. O jazz de Nova Orleães é a inspiração da perfeita “Je pense à toi”, cujo refrão com cravo debruado a fio de ouro de cordas nos deixa com rebuçado a escorrer pelas orelhas. “Le coeur des volleyeuses” é todo música de saloon e o western invade “From a romm”. Sempre pluri-referencial (o rapaz adora referências) escreve ainda uma grande canção, toda engalanada de metais estrepitosos, sobre o jogador de futebol Patrick Vieira. Amores falhados, vaudeville e pianada, órgãos prenhes de nostalgia (Delerm adora a nostalgia) a adornar melodias-chaise-long-com- martini, erudição e mundanidade (que inclui referências aos Tindersticks, aos Peugeuots e a Godart e a Wayne Rooney) e coros femininos, doces como uma carícia de uma amante sabida. Um grande disco de pop enciclopédica.

Há vida para além dos Strokes

Julian Casablancas Phrazes For The Young Sony Music mmmnn

No início desta década, os Strokes foram um felicíssimo sobressalto. As canções e a atitude certas,

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 47 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Mazzy Star é o primeiro reconfortante, com a qual uma cereja para pôr em nome que vem à cabeça nos envolvemos e fi camos cima do bolo que são os Espaço quando se ouve a voz doce seguros, a experienciar telediscos de Joana Linda, Público de Marissa Nadler. Mas um hedonismo sem igual. gravados cá em Portugal. fora o reducionismo das Durante as 10 faixas António Pedro Reis,

Discos comparações, Marissa não há mudanças de Estudante de Eng. Civil, 23 tem um mundo muito velocidade, apenas um anos. próprio. Em “Little Hells” constante caminhar em Blog: http:// é a melancolia elevada direcção à perfeição, barulhoesquisito.blogspot. ao seu expoente máximo. mas que nunca chega a com/. Mas uma melancolia ser atingida. Há ainda

Há realmente aqui um compositor demasiados elementos. Claro que Kimi Djabaté: uma grande, grande estreia interessante, com uma identidade nem toda a intrigante bizarria deste vincada. Não por reproduzir aquilo Casablancas que agora ouvimos RITA CARMO RITA que são os Strokes, a banda de acerta na mouche - “Glass” é balada guitarras. Precisamente o contrário: que volteja incessantemente sem por se rodear de sintetizadores e chegar a lado nenhum. Mas isso não “drum machines”, por inventar apaga o facto de ser o álbum mais cyborgues-country como “River of interessante criado por um Strokes a bravelights” e se atirar à soul como solo e de, nele, Casablancas se existencialista apocalíptico da idade revelar o único da banda a poder digital – “we’re going nowhere / and aspirar sobreviver-lhe we’re going fast”, frase chave de “4 verdadeiramente. Mário Lopes chords to the apocalypse”. Ou seja, por fazer tudo isso sem se anular no Kimi Djabaté processo. Karam É Casablancas, indiscutivelmente, Cumbancha; distri. Leve Music que está nestas oito longas canções. É ele o betinho “bad boy” que atira mmmmn as palavras em tom blasé, que encontra porto seguro nos refrães “Karam”, estreia iluminados a néon, que troca os riffs de Kimi Djabaté, é de guitarra de ontem por sonoros trabalho de riffs de teclas – ideia bizarra, esta de compositor já querer ser, à uma, o Michael Jackson feito, seguro da de “Thriller” e os Van Halen de sua voz quente e “Jump” (“11th dimension”). grande construtor de ritmos e Claro que há exageros. Claro que harmonias. Djabaté toca guitarra e algumas canções se prolongam por balafón (espécie de xilofone) e todas tempo demais, se recheiam de as canções são dominadas pelas melodias desses dois instrumentos: começar logo no frenético e Adriana dedica a outra das suas por norma a guitarra enleia um carnavalesco samba de “Baile gatas, Ming Lé), João Gilberto (“Bim entraçado complexo enquanto o partimcundum”, seguido do achado bom”, claro) e Vinicius de Moraes, balafón pontua uma melodia mais que é “Ringtone de amor” (com com Cid Campos a musicar um imediata. “Karam” abre com a produção, subtil mas notável, de Arto poemas da sua “Arca de Noé”, óptima “Kodé”, lenta canção com Lindsay) e, mais adiante, de “Menina, “Borboletas”, sucessor da belos arranjos de metais, e à menino”, feliz numa ambiência de “Borboleta” encomendada a segunda faixa (homónima ao disco) baião electro-transcendental. Para Domenico no “Partimpim” inicial. deixa-se levar por um ritmo começo da “brincadeira” já seria um Com Dé Palmeira de novo como irresistível. A canção, lamento pelo bom sinal. Mas Adriana vai mais parceiro musical, Adriana volta a grande continente, tem cuíca e longe e traz para o seu terreiro de mostrar que “Partimpim” pode ser percussões várias a levarem balanço faz-de-conta o “Trenzinho do caipira” receita inesgotável. Desde que, como ao rendilhado da kora – a melodia de Villa-Lobos, trocando-lhe a agora, mantenha o nível bem alto. principal funciona em regime melancolia por uma atmosfera de Nuno Pacheco incitação-resposta e canta-se “I love encantamento quase infantil; ou o Africa”. Ao terceiro tema, “Djombé”, “Alexandre” do genial “Livro” de Nirvana estamos, graças a um extraordinário Caetano Veloso, fazendo da saga do Bleach trabalho de guitarra, em pleno cruel imperador a aventura de um Sub Pop; distri. Warner território de abanar o rabo, o que se menino, adulto antes do tempo; e, repete na estupenda “Mussolu”, por fim, Bob Dylan, com “Man gave mmmmn com deliciosa melodia de balafón. E names to all the animals” traduzido até ao fim será assim, com Djabaté a livremente pelo dylaniano Zé Estes eram os explorar as mais variadas formas de Ramalho. Arnaldo Antunes voltou, Nirvana sem Dave música mandinga munido apenas de com “Na massa” (parceria com Davi Grohl (Chad umas percussões, coros, kora, voz Moraes), Cid Campos também Channing era o quente e um exímio talento à (adaptando um pequeno poema baterista), eram guitarra. Uma grande, grande surreal do novecentista Edward Lear, os Nirvana que estreia. J. B. “Alface”) e para a festa foram ainda canalizavam convocados Roberto e Erasmo numa canção de dois versos e riff Adriana Partimpim Carlos, com “Gatinha manhosa” (que impressionante, “School”, um quadro mental de neurose e Partimpim 2 Sony Music alienação que representava na perfeição o espírito dos tempos – mmmmn não era só aquele “no recess”, era também a forma como Kurt Cobain

Adriana LEO AVERSA o berrava, com a voz, rouca e Calcanhotto cortante, e ameaçar quebrar a voltou ao qualquer momento. heterónimo Mas “Bleach”, agora reeditado Partimpim em versão remasterizada, (herdado de supervisionada pelo produtor infância), cinco anos depois do original, Jack Endino, e acrescido primeiro e bem sucedido passo, com de um concerto de 1990 (tem resultados encorajadores. Se no disco “Dive”, “Sappy” ou a versão de original todos os temas vinham do “Molly’s lips”, dos Vaselines, mas baú ou de terceiros (Edu e Chico, não oferece epifanias), mostra Arnaldo Antunes, Paula Toller, até Amália e Alain Oulman), Adriana Partimpim: uma receita neste Adriana assina três temas, a inesgotável e de nível alto

48 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon S PAE OS ARL

Nobuyasu Furuya Trio PAES CARLOS C mais. Porque há “About a girl” e um medo, neve, lobos, carros. Mas o penetrante compreensão do universo apreço por harmonias pop que que há acima de tudo é uma tensão haydniano. Hamelin tira partido das desabrocharia em “Nevermind” e nunca resolvida entre opostos, claro cores e dinâmicas do piano moderno porque se demonstra o apreço pelas e escuro, placidez e ruído, gelo e mas nunca perde a noção de que este pérolas excêntricas do rock’n’roll na calor, tranquilidade e convulsão, é um repertório de matriz clássica, excelente “Love buzz”, versão dos natureza e cidade, aquilo que une que amiúde denuncia raízes barrocas holandeses Shocking Blue que Lynch a Cronenberg, Brian Eno a e noutros casos possui rasgos que transforma psicadelismo 60s em Wolf Eyes, o tiquetaque de um apontam para a futura linguagem matéria ameaçadora. relógio com o detonador de uma romântica ou para a Empfindsamkeit “Bleach” é um um álbum bomba, e é tanta coisa. Não é disco (estilo da sensibilidade). desequilibrado – a primeira metade, para todas as horas. Exige que se Se algumas das primeiras obras que encerra com “Negative creep”, é mergulhe nele como quem olha um para instrumento de teclas de Haydn tudo o que dissemos acima, a filme, não com esperança de foram ainda concebidas de modo a segunda é um indistinto prolongar compreender uma história que permitir a execução no cravo ou no do grito “grunge” (antes de se saber nunca chegará, mas de o sentir, pianoforte, outras foram claramente o que o grunge era). Mas tem uma absolutamente. Vítor Belanciano inspiradas pelas novas vivacidade, um sentido de urgência possibilidades dinâmicas do piano. e uma negra perversidade que, além Por exemplo as Sonatas nºs 48 e 49, de o erguer acima do contexto Jazz também incluídas na gravação, específico que o viu nascer, o decorrem a descoberta, em Londres, transforma em peça imprescindível dos poderosos pianos Broadwood. A do mosaico Nirvana. Em estado Fúria Zen elegância, o humor, os efeitos de bruto, já encontramos nele tudo o surpresa e uma energia que prende que seriam depois. M.L. Fúria controlada com o constantemente o ouvinte percorrem a interpretação de apoio de uma boa secção Ben Frost Hamelin de uma selecção de Sonatas variada que compreende desde By The Throat rítmica portuguesa. Bedroom Community, distri. Flur Nuno Catarino peças relativamente simples dedicadas aos executantes amadores mmmmn Nobuyasu Furuya Trio a obras de maior fôlego. Foram gravadas as Sonatas nºs 6, 26, 31, 33, Bendowa O australiano, a Clean Feed / distr. Trem Azul Marc-André Hamelin apresenta-se hoje 34, 35, 39, 42, 48 e 49 e a Fantasia residir na pela primeira vez em Portugal no âmbito do Festival em Dó Maior (Hob XVII:4), uma Islândia, Ben mmmmn “À volta do Barroco” na Casa da Música página brilhante, de um virtuosismo Frost esteve há quase orquestral, que se baseia duas semanas no O japonês Clássica das Sonatas de Haydn são numa canção popular austríaca. teatro Maria Nobuyasu Furuya, surpreendentes, como demonstra Usufruindo de menos divulgação Matos, em Lisboa, actualmente a este álbum duplo da Hypérion, que junto do público e dos intérpretes do onde actuou ao lado de Nico Muhly, viver entre Berlim O Haydn constitui já um segundo volume de que as Sonatas de Mozart e Sam Amidon e Valgeir Sigurosson, e Lisboa, tem feito uma série dedicada ao grande Beethoven, as Sonatas de Haydn na todos da editora Bedroom furor nos compositor austríaco. Uma “toucher” versão de Hamelin constituem um Community, num concerto concertos pela clarividente cristalina, uma técnica rigorosa, um excelente cartão de visita para os magnífico, autêntica dança de estilos chama incendiária do seu saxofone eloquente recorte de fraseados e um ouvintes menos familiarizados com – da folk alternativa à electrónica tenor: ao vivo é capaz de rugidos de Marc- sentido rítmico de grande precisão este repertório e uma referência progressiva, da música clássica ao intensíssimos, capazes de assustar são colocados ao serviço de uma obrigatória para os conhecedores. ambientalismo saturado. Se existe fãs de noise. Mas a arte do palhetista André algo que os liga é a curiosidade – Furuya toca saxofone tenor, extrema em relação a todos os tipos clarinete baixo e flautas - não se de música e uma vontade de ir resume à ferocidade; além de Hamelin sempre mais além. O novo álbum de dominar diferentes instrumentos, o Ben Frost confirma-o. japonês utiliza uma variedade de Este álbum duplo dedicado Aparentemente é um disco de diferentes técnicas. Acompanhado electrónica ambiental. Mas ficar por por uma dupla rítmica portuguesa, às Sonatas de Haydn é um aí é não perceber quase nada. Sim, Hernâni Faustino no contrabaixo e sério candidato aos lugares claro, há electrónica, quase sempre Gabriel Ferrandini na bateria, tem cimeiros da discografia do estática e imponente. E ambientes, neste trio uma plataforma segura compositor austríaco. para explorar um jazz aberto com ascendência no “free” e ligação Cristina Fernandes directa a Peter Brötzmann – e que nos momentos extremos se Piano Sonatas II aproxima da fúria de um Kaoru Abe. Marc-André Hamelin Mas é simultaneamente capaz de Hypérion CDA 67710 (2 CD) uma irrepreensível contenção “zen”, especialmente quando se aplica na mmmmn flauta em delicados murmúrios. Neste álbum, “Bendowa”, O pianista homenagem a um monge do século canadiano Marc- XIII, o japonês tem o apoio André Hamelin, inteligente de uma dupla lusa que que se apresenta não se limita a um papel de hoje pela primeira background: complementa e vez em Portugal interage, reage e provoca. Ferrandini no âmbito do é talento bruto em ascensão (aqui Festival “À volta do Barroco” na Casa Ben Frost: tensão está vibrante e atento) e Faustino da Música, é conhecido pelo seu nunca resolvida entre opostos, tem uma performance brilhante virtuosismo, mas é também claro e escuro, placidez e ruído, especialmente rica, servindo-se do capaz da maior subtileza gelo e calor, tranquilidade contrabaixo com criatividade. interpretativa. A inteligência e a e convulsão... Nuno Catarino imaginação que coloca na abordagem

49 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

A obra “Sena da Silva”, por Bárbara Coutinho, autor ligados à fotografi a, lançada na Fundação directora do MUDE, à pintura e à arquitectura, Gulbenkian, apresenta o “sublinha a actualidade” provando que para Sena Design retrato de um dos maiores do pensamento de da Silva o design era designers portugueses Sena da Silva, e mostra “o sonho tornado útil”. do século XX, António a sua importância Retrato traçado por Sena da Silva (1926- para “a afi rmação, investigadores e amigos 2001), arquitecto de consciencialização e do autor, como Christian formação, designer, mas consolidação do design Brändle, José Brandão, também fotógrafo, pintor, em Portugal”, escreve Henrique Cayatte ou fundador e primeiro Coutinho. Com belíssima Sérgio Mah, que se unem presidente do Centro edição da Gulbenkian, “para tirar as aspas ao Português de Design. o livro exibe projectos design”. Esta obra, comissariada e objectos criados pelo

Memórias povoações enterradas na vastidão canadiana com as suas rígidas leis, dos “kilts” aos “quilts”, toda a Do “kilt” história se desenvolve acompanhando os tempos, impulsionada primeiro por homens ao “quilt” destemidos, com uma larga visão do futuro e posteriormente ancorada e Contos, memórias, desenvolvida por mulheres diligentes, resistentes e dadas ao sensações que se entrelaçam trabalho árduo. ao sabor da memória – a “A Vista de Castle Rock”, já se extraordinária arte de contar disse, não é ficção, como a autora de Alice Munro. explica, logo no início. No entanto, o seu poder narrativo é tão forte que o Helena Vasconcelos leitor poderá sentir-se em pleno universo ficcionado. As descrições A Vista de Castle Rock da paisagem mítica – pensa-se Alice Munro imediatamente em Willa Cather –, o (trad. José Miguel Silva) choque entre o banal e o

Livros Relógio d’Água transcendente, o olhar “directo ao Top Bulhosa coração” e as descrição das tarefas mmmmm mais simples e inglórias são Livreiros revelados como epifanias, súbitos Nacional Andrew Laidlaw clarões que iluminam os mais tinha dez anos preciosos e minúsculos detalhes. Ficção quando foi pela Não falta ironia a esta mulher que primeira vez a continua a explorar a memória, o O Símbolo Perdido Edimburgo. O pai tempo e a gloriosa capacidade das Dan Brown levou-o a subir à pessoas para o insucesso e para a 1 Bertrand torre do castelo e derrota, enquanto o amor e as obrigou-o a fixar “afinidades electivas” resistem às Fúria Divina um ponto distante intempéries. Essencial para a José Rodrigues e brilhante. compreensão da obra de Munro este 2 dos Santos Depois, disse-lhe: “Tivemos sorte livro desvenda um dos seus Gradiva com o dia... pronto, rapaz, já viste a segredos: o seu ímpeto para se América. Queira Deus que um dia a afastar da sua infância e da Essencial para a compreensão da obra de Munro, Caim possas ver mais de perto”. brutalidade humilhante da vida no este livro desvenda um dos seus segredos... 3 José Saramago ROCHA DANIEL Desta forma fantasmagórica as campo e a força que a atrai Caminho terras para além do mar surgiram- paravam turistas. O negócio durou melhoramentos depois da morte da constantemente de volta, como um lhe como uma miragem e também pouco, sucessivamente afectado mãe, pela madrasta –, enquanto sonho mau. Novas Crónicas como um objectivo, uma porta para pela Depressão, pela Guerra e pela observa a natureza ainda selvagem, 4 da Boca do Inferno um mundo novo, intocado e fértil. doença degenerativa da mãe. Estes e a sociedade provinciana da vila e os Ricardo Araújo Pereira Mais tarde, Andrew atravessará outros episódios, simultaneamente hábitos das pessoas que assumem Ficção e João Fazenda realmente o Atlântico com a família, violentos e líricos, intensos e um papel mais ou menos Tinta da China numa longa, aventurosa e pitoresca dramáticos, compõem estas preponderante na sua vida. Como viagem que está descrita no capítulo “memórias autobiográficas” e qualquer adolescente, tenta ser A angústia O Aniversário de Asterix e que dá o título a este livro. A possuem o poder, pela dinâmica da popular, adora revistas de cinema e 5 Obélix – O Livro de Ouro reconstituição desses tempos em escrita e pela mestria da autora, de presta pouca atenção ao que se do analista R. Goscinny e A. Uderzo que na Escócia toda a gente sabia ler convocarem com a mesma passa à sua volta: os irmãos são Asa e escrever – graças aos bons ofícios intensidade, tanto os antepassados mencionados de passagem e a fi nanceiro do Reformista John Knox – mas onde que a escritora não conheceu, como doença incapacitante da mãe, o Não-Ficção se morria de fome, faz parte da os elementos da família mais alcoolismo de um vizinho ou os intricada saga da família da autora próxima, assim como os vizinhos e estranhos hábitos dos pais de uma Uma declaração de Mal-entendidos canadiana Alice Munro, a vencedora conhecidos, as amigas de escola e os colega de escola são tratados como amor a Nova Iorque, um 1 Nuno Lobo Antunes do Booker International deste ano, namorados, uns, no centro da acção, meios de descoberta entre os Verso da Kapa cujo nome de solteira é exactamente outros, meros figurantes, na vasta e afazeres rotineiros. tratado sobre críquete, Laidlaw, os mesmos de Ettrick, gloriosa “tapeçaria”, laboriosa e Munro nunca é sentimental ou uma meditação acerca do Fontes Pereira de Mello condado de Selkirk, uma “paróquia genialmente tecida por Munro. Da hipócrita e as suas evocações 2 “american dream”. – Uma Biografia sem vantagens” como ficou Escócia do século XVII ao Canadá mostram com acutilante clareza um José Riço Direitinho Maria Filomena Mónica registado numa descrição estatística rural dos anos 40 do século XX, as universo em que o citadino e o rural Alêtheia Editores da região, datada de 1799. personagens – incluindo a própria se entrechocam, em que as classes Netherland – Terra de Sombras A primeira parte de “A Vista de autora – ganham uma estranha vida, sociais são rigidamente separadas e Joseph O’Neill As Extraordinárias Castle Rock” é essencialmente iridescente e vibrante, e os ciclos de em que a vida flui numa 3 (tradução de Patrícia Xavier) Aventuras da Justiça dedicada aos antepassados da esperança, de falhanço e de simplicidade espartana que aguça, Bertrand, € 17, 00 Portuguesa autora, aos avós que, mesmo longe, resignação sucedem-se numa ainda mais, a imaginação e o sentido Sofia Pinto Coelho adoptavam o sotaque das terras altas cadência branda que afectam a de observação. mmmmn A Esfera dos Livros da Escócia, e aos pais que fizeram jovem Alice no que diz respeito à sua A “montagem” destes relatos, parte de gerações de colonos que adaptação às circunstâncias e à sua semelhante à construção de um A meio do ano de Portugal Que Futuro desbravaram cerradas florestas de sempre mutável visão do universo. “quilt” – estas míticas mantas de 2008, um 4 Medina Carreira e Eduardo carvalhos para o cultivo das terras e A segunda parte do livro, retalhos são feitas a partir de contos, romance – Dâmaso se estabeleceram em quintas intitulada “Casa”, abrange o tempo memórias, imagens, sensações que “Netherland” – Objectiva construídas do zero. O pai começou do crescimento da autora, enquanto pacientemente se entrelaçam ao conquistou os por ser caçador e criador de animais ela corre as estradas rurais numa sabor da memória – constitui um leitores 1 Km de Cada Vez – raposas douradas, visons, velha bicicleta de rapaz, veste roupa exemplo da extraordinária arte de americanos 5 Gonçalo Cadilhe zibelinas, ratos almiscarados – para feita em casa, sente os primeiros contar da autora. Da Escócia para a (Presidente Oficina do Livro o comércio das peles que a mãe arroubos eróticos e cresce na quinta Nova Scotia, do Velho Mundo para o Obama incluído) e levava para hotéis nas cidades, onde – onde só são introduzidos alguns Novo, da vida dos clãs para as quase deixou em

50 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon de casa”. Instala-se um constante verdadeira personagem principal do mal-estar existencial. Em Wall Street romance – é o “Gatsby” moderno, o ele continua a ser uma estrela em que quer cumprir – pois ainda ascensão, um narcisista que fala de acredita – o “sonho americano”. si próprio na condição de Chuck Ramkisson tem um observador privilegiado. Mas não há restaurante de sushi kosher (que respostas para as perguntas sobre o gere com um judeu que é amigo de que lhes aconteceu, às suas vidas de um rabino), e tem negócios de jogo liberais da classe média anglo- ilegal; além disso, tem um desejo: americana, como se atravessassem construir em Brooklyn um estádio Joseph O’Neill, uma encarnação um longo período de defeso pós- de críquete. Este desporto – do “sonho americano” traumático em que a racionalidade originalmente praticado pela classe êxtase alguns críticos, sobretudo os normal deixara de fazer sentido, alta inglesa, e que agora tem as suas das publicações nova-iorquinas – o numa espécie de defesa contra um maiores estrelas nos países asiáticos livro é um apaixonado hino à medo avassalador, contra o colonizados – surge no romance “cidade que nunca dorme”. (Do inevitável caminho dos como uma promessa de civilização outro lado do Atlântico, os ingleses acontecimentos. universal, de símbolo de luta contra não se entusiasmaram tanto e o A enigmática Rachel parte com o a barbárie, como o desporto ideal romance nem tão-pouco foi um dos filho para Londres. Hans fica para suportar o “choque de eleitos para a “short list” do Booker durante dias no Chelsea Hotel num civilizações” num mundo pós- Prize, imerecidamente.) Um crítico estado de astenia que o leva a pedir colonial e pós-nacionalista; mas por nova-iorquino chegou mesmo a que as pizas lhe sejam entregues no outro lado, também num mundo comparar “Netherland” à obra- quarto. De vez em quando move-se “pós-América”, pois os atentados e a prima de Scott Fitzgerald, “O Grande até à recepção e ao átrio de entrada, crise do crédito mostraram que os Gatsby”, agora em versão moderna e e as únicas visitas que recebe no EUA são afinal um país vulnerável, o actualizada para a era da apartamento são os empregados e o que em parte acaba por desfazer a globalização, um romance “pós- turco do 6º andar que lhe aparece ideia do “sonho americano”, que colonial” (e pós ataques ao World travestido de anjo e enfeitado com assentava nessa ideia de Trade Center) com personagens de umas miseráveis asas nas costas. invulnerabilidade. todos os tons de cor da pele e credos Sente-se “infeliz pela primeira vez” Joseph O’Neill quis escrever um religiosos. O autor, Joseph O’Neill (n. na vida. Tudo é frágil e melancólico. romance demasiado ambicioso. Mais 1964), é ele próprio uma encarnação Tenta um psiquiatra, mas faz apenas do que o tema ou a cuidada do “sonho americano”: filho de pai três sessões. Depois dedica-se ao estrutura narrativa, é a sua prosa irlandês e de mãe turca, nasceu na ioga no YMCA do outro lado da rua, elegante (que se deixa levar em Irlanda, viveu em Moçambique, no o que lhe traz algum alívio. Volta ao descrições poéticas pelos recantos Irão e na Turquia, e passou a trabalho e duas vezes por mês voa de Nova Iorque) e o fascínio do adolescência na Holanda, onde para Londres para visitar o filho. estilo, que dão força ao livro. Para chegou a ser ardina nos arredores de Hans é uma espécie de náufrago fazer o moderno “grande romance Haia; estudou Direito em que não quer ser mais pequeno do americano” é preciso algo mais, Cambridge, exerceu advocacia em que a soma das suas experiências aquela centelha de génio que só Londres, e nos anos 90 mudou-se vivenciais. Ele é o homem comum alguns têm. para Nova Iorque para se dedicar à da pós-modernidade, cheio de si, de escrita; adquiriu recentemente a memórias, de desejos e de medos, nacionalidade americana. sempre em busca da sua própria Inventário Neste seu terceiro romance criou autenticidade. Deambula por vários um alter-ego: Hans van den Broek é recantos da cidade e redescobre o um holandês que vive em Nova críquete (o que acaba por o salvar), do tédio Iorque e que trabalha como analista desporto que jogara na sua de acções de multinacionais do adolescência na Holanda e que volta Monotonia, frases curtas, sector petrolífero. Em 1998, Hans a praticar em Nova Iorque, onde é o ESTÚDIO mudara-se de Londres para Nova único jogador branco da equipa. respiração dodecafónica. Só Iorque com a mulher, Rachel, uma Conhece Chuck Ramkisson, um pode ser Clarice do outro Nuno Ramalho & Renato Ferrão bem sucedida advogada inglesa, e emigrante de Trinidade e Tobago, lado do espelho. foram viver para um “loft” em um encantador oportunista (no Manhattan. Mas após os sentido literal), e estabelece com ele Eduardo Pitta Exposição de 11 de Novembro até 22 de Janeiro de 2010 acontecimentos de 11 de Setembro uma amizade improvável: o A Cidade Sitiada Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h de 2001, mudam-se bancário e o imigrante, o Clarice Lispector “temporariamente” para um melancólico e o optimista, a Europa Relógio d’Água apartamento no lendário Chelsea e o Novo Mundo. Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand Hotel. Nasce-lhes um filho. Como Ramkisson mmmmm (autor do texto do catálogo) que tomados pela inércia, vão sendo – que é a 11 de Dezembro, sexta-feira, às 18h30 incapazes de voltar ao “loft”, o Haia Lispector temporário transforma-se em nasceu em permanente e um estranho cansaço Tchetchelnik, na doméstico apodera-se das suas Ucrânia, em 1920, vidas. “No trabalho, éramos no seio de uma fundação carmona e costa incansáveis; em casa, o menor gesto família judaica, de vivacidade estava para além das mas foi ainda Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa) nossas forças.” bebé para o Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D Rachel não se sente segura na Brasil. Em Maceió, 1600-196 Lisboa cidade e teme que o próximo o pai muda-lhe o (Bairro do Rego / Bairro Santos) atentado tenha lugar na Times nome para Clarice. Em Tel. 217 803 003 / 4 Square, onde ela trabalha. Quer 1943 acaba o curso de www.fundacaocarmonaecosta.pt voltar a Inglaterra com o filho mas Avessa Direito, obtém a carteira sem Hans, o choque dos atentados aos fl oreados profissional de jornalista e Autocarro: 31 parece ter abalado os alicerces do da retórica, a nacionalidade brasileira, Metro: Sete Rios / Praça de Espanha / casamento, ela “nunca se sentira tão Clarice deixa os casa com um diplomata, e / Cidade Universitária sozinha, tão desconsolada, tão longe interstícios da intriga à vista publica o primeiro livro,

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 51 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Livros

“Perto do Coração Selvagem”, forma. [...] E a cidade ia tomando a quais se dançava.” A coreografia Moutinho, editado em 2000 e agora saudosismos. Baltazar Negrões, provocando um abalo na ficção forma que o seu olhar revelava.” exacta, o “pau” rodopiando nos revisto, tem uma estratégia afim; historiador monárquico, descobre escrita em português. Quem leu “A Hora da Estrela” (1977) órgãos de Lucrécia: “ela dançara, aqui não é a deusa da História que um paiol de munições do tempo de As ondas de choque ainda sabe que Macabéa é uma replicante chovia, as gotas escorrendo sob a adormece, é a História pátria que se Paiva Couceiro, e decide fazer um percutem. Desde então, Lispector é de Lucrécia, embora Macabéa luz, ela dançando, e a cidade erguida repete e confunde. Não temos uma acto de propaganda tomando Los sinónimo de grande literatura. E um pertença à segunda fase da obra, em torno.” O espelho devolve-lhe componente “fantástica” como no Moros a Castela. Engrandecer a maná para os estudiosos da posterior ao desastre de 1966, uma imagem “dourada e grosseira”. conto de Carvalho, mas o esquema é República em nome da Monarquia, alteridade. Um cancro fulminante quando Clarice adormeceu a fumar, Apesar da sombra. semelhante, pois a narrativa cruza eis um belo golpe. Mas estas novas matou-a na véspera de completar 57 provocando o incêndio que lhe Hélène Cixous, justamente ela, a as épocas históricas nos seus curtos incursões são tão ineptas e mal anos. inutilizou a mão direita, obrigando-a feminista de Orão, diz que Clarice capítulos. Tal como na “Inaudita preparadas como as dos anos 1911-19, “A Cidade Sitiada” (1949) foi o a reaprender a escrever. A título de inventou a “economia da Guerra” o efeito é inaudito e uma cambada de reaças sem terceiro romance que escreveu, e o exemplo, as crónicas e os livros para feminilidade”. É bem verdade. profundamente irónico. quaisquer condições de número, mais difícil de todos, disse um dia. À a infância são géneros desse Lucrécia vê, e sente, mas falta-lhe o San Felice de los Moros é uma armamento ou estratégia para levar época, vivia na Suíça, factor que período. nome das coisas. Avessa aos localidade imaginária que pode ser a cabo a sua empreitada: “O atrasou a saída do livro, como Clarice é a “déracinée” típica: seca floreados da retórica, Clarice deixa descrita como uma outra Olivença. comandante da coluna não contara aconteceria com todos os que e de voz enxuta. De Tchetchelnik os interstícios da intriga à vista: “Ele Fica perto de Castelo Rodrigo e é aos seus homens que passara todo o publicou antes do regresso definitivo para Maceió, dali para o Recife, o Rio era masculino e servil. Servil sem território português por lei, desde o tempo de tropa no Museu Militar, a ao Brasil, em 1959. Embora grande e o vasto mundo (Nápoles, Berna, humilhação como um gladiador que Tratado de Alcanizes, e possessão catalogar as colecções de miniaturas parte da obra (romances, contos e Torquay, Londres, Washington, se alugasse. E ela, sendo mulher, o espanhola de facto. Esse povoado em chumbo dos exércitos dos países crónicas) esteja publicada em quase dezasseis anos de diáspora), servia. Enxugava-lhe o suor, alisava- serve a Viale Moutinho para da Europa, desde o tempo dos Portugal, só agora chegou a vez da construiu um universo de frases lhe os músculos. Aviltava-a viver às fantasias e farsas historiográficas romanos até ao final da II Guerra história de Lucrécia Neves. curtas e respiração dodecafónica, custas das idas e vindas e dos treinos que abrangem sobretudo dois Mundial. Que lhes poderia “A Cidade Sitiada” é isso: a história porém descritiva: “Um baile em S. de Mateus, estendendo camisas que períodos: a Guerra Civil de Espanha interessar? O ajudante Braz fora de Lucrécia, moça de S. Geraldo que Geraldo: a noite estiolada pela chuva a poeira da cidade logo sujava, ou e a actualidade (década de 1980). Há mobilizado em 1969 para S. Tomé, não cabia no subúrbio. Lucrécia não e ela pisando com os cascos na alimentando-o com carnes e muito que Viale tem escrito sobre a era de transmissões, mas nunca tem vida interior. Vê, simplesmente: pedra escorregadia, e os grupos de vinhos.” Do lado de cá do Atlântico, Guerra espanhola, e é um dos chegara a embarcar porque meteu, os cavalos, o morro, o armazém, o guarda-chuva chegando. Grupos de quando chegou a sua hora, Agustina portugueses que melhor conhece com sucesso, a alegação de ser o sol, o vento. Por isso, “A realidade cavalheiros anónimos, os Bessa Luís acrescentou um grão de esse período (embora consiga ver único amparo da mãe. (…) Aliás, precisava da mocinha para ter uma cavalheiros de pau ao redor dos sal e um halo barroco ao imaginário apenas as crueldades de um dos pareciam preferir as navalhas às tenso e despojado de Clarice. lados). Os episódios mais vívidos de espingardas. Um dissera-lhe que se Lucrécia vive “emparedada”, “Los Moros” são os da Guerra Civil, fosse ao menos uma G.3 ainda se literalmente sitiada na periferia da com um batalhão franquista poderia esperar algum sucesso, cidade grande. Tem uma “graça varrendo um território fronteiriço. O agora com aqueles canhangulos equestre”, e ama Lucas: “Foi entre a que tem graça é que estes homens, nada se poderia dar como certo” boca e o nariz - não nesse espaço, que incluem requetés com pendões (pág. 89-90). Baltazar fez uma tese mas numa possibilidade de e crucifixos, se fazem acompanhar sobre Estáquio de Sessé, que no movimento egoísta e sem culpa que da tropa moura, os mais insólitos século XVI tentou reconquistar a ali se pressentia, nesse trecho que aliados dos nacionalistas: “‘Meu aldeia, e na sua cabeça confusa não tinha sequer um nome–que comandante, concretamente, o que revive vários actos patrióticos de descobriu por onde o amava e por deseja? Há aqui um problema a séculos diferentes. onde Lucas podia ser ferido.” Seu resolver. Estes soldados mouros não Viale Moutinho usa com Correia foi apenas um pretexto. Ela entendem espanhol. Sabem que perspicácia uma característica sempre o olhou de viés. pertencem ao exército de libertação estruturante do pensamento de Espanha, que estão às ordens do ultramontano: a ideia de que todos nosso Generalíssimo Franco e que o os episódios históricos ocorreram Outra meu tenente é quem manda aqui. A ontem, pelo que ainda são tema questão é que não fazem a mínima hoje, ainda estão vivos e latejantes, ideia do que é que manda. Olhe, não mesmo que muitos os declarem Olivença lhe entendem as ordens, está a ver? esquecidos. Que eles estão na Depois da morte do sargento verdade esquecidos prova-se pela Fantasias e farsas Hamed, fiquei eu a comandá-los, necessidade de provas documentais, mas saiba o meu tenente que provas essas que inundam historiográficas sobre a também não me consigo entender textualmente este romance: História ibérica. com eles…’” (pág. 43). Embora o cronicões, investigações Pedro Mexia Alzamiento se veja como uma académicas, descobertas espécie de Reconquista cristã, usa arqueológicas. A História parece Los Moros tropas marroquinas para espalhar o enterrada e é a cada momento José Viale Moutinho terror. E então os mouros, desenterrada por quem acha isso Afrontamento apropriadamente, chegam a Los benéfico ou útil. Daí que todos estes Moros. combates peninsulares revivam mmmmn Já o episódio memórias apagadas, sendo a maior contemporâneo é de todas (do nosso lado) a batalha de Mário de Carvalho uma paródia às Aljubarrota. imaginou o incursões “Los Moros” é pois uma novela exército monárquicas, à ibérica, com amor evidente pela português de 1984 causa oliventina cultura de Espanha, empréstimos à a dar de caras e a outros literatura picaresca, e uma prosa com a cavalaria imitativa e garbosa. Viale Moutinho moura vê a História como uma história da FERNANDO VELUDO / PÚBLICO VELUDO FERNANDO de violência, mas também como uma 1148, teia de enganos. Surge como com o tragédia e repete-se como cafarnaum que daí comédia. resultava (“A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho”, 1983). “Los Viale Moutinho vê a História Moros”, o segundo como uma história da violência, mas também romance de José Viale como uma teia de enganos

52 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Andando mmmmn mmmnn nnnnn mmmmn 2012 mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn O Delator mmmnn mmnnn mmmnn mmmnn Julie e Julia mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn Os Irmãos Bloom mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn O Milagre em Sant’Anna nnnnn mmnnn nnnnn nnnnn Moon - O Outro Lado da Lua mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn Ne Change Rien mmmmn mmmmm nnnnn mmmmn Os Sorrisos do Destino nnnnn nnnnn mmmnn mnnnn Tetro mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn

impossível não reparar que a cena entre a concentração e a prostração com o plano mais aberto, com a luz (como se o dia não a tocasse). Por mais clara, com o enquadramento outro lado, nas cenas em que ela mais distante e mais parecido com o parece mais cansada ou dominada que se veria num típico “filme- não conseguimos deixar de pensar concerto”, é a da canção do “Johnny que a ausência de portas e paredes Guitar”. E é assim por uma razão tem alguma coisa a ver com o simples: o cinema “entra” pela assunto: as heroínas de Pedro Costa canção, não é preciso mais nada. gostam do seu espaço bem definido, E o trabalho, evidentemente. “Ne bem marcado. Change Rien” é um grande filme É claro que, feitas as contas, quem sobre o trabalho (traço que mais pede que “não mude nada” somos salientemente o liga a “Onde Jaz o nós, espectadores. Durante a hora e Teu Sorriso?”, o filme com Straub e três quartos que dura a projecção de Huillet), sobre a paciência e a “Ne Change Rien”, não queremos exasperação, sobre o cansaço e o que mude coisa alguma. Pedro Costa erro, sobre a aprendizagem, sobre o “did it again”. trabalho artístico como processo repetitivo mas onde a repetição é a Balibar ora é Nico, ora é Marlene, medida da disciplina que permite The big black one ora é Nina Simone, ora é aluna de canto clássico... que a obra vá nascendo por decantação (e nisto estará o traço O Milagre em Sant’Anna Estreiam pelo menos. Mas é curioso reparar que mais salientemente liga “Ne Miracle at St. Anna no que vai mudando ao longo de “Ne Change Rien” a “One Plus One”, o De Spike Lee, Change Rien”. Nas metamorfoses de filme de Godard com os Stones). com Derek Luke, Michael Ealy, Laz Pop song Balibar, que ora é Nico, ora é Balibar é a heroína deste processo. Alonso. M/12 Marlene, ora é Nina Simone, ora é Há os outros músicos, com certeza aluna de canto clássico com o (como o excelente Rodolphe MMnnn das trevas empenho de uma liceal aplicada, ora Burger), mas a heroína é ela. Lisboa: Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado

Cinema é, mesmo (e é o “chiaroscuro” que o Criatura das sombras, ora as domina permite), Vanda, voltando sempre a ora é dominada por elas. Tanto se Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 19h, 22h; UCI Cinemas Um grande filme sobre o - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª trabalho artístico como ser, se é que deixa de ser, Balibar. Há entrega ao ponto de se “zombificar” 15h15, 18h30, 22h Domingo 11h30, 15h15, 18h30, 22h; muitos ecrãs no filme, muitas telas (a cena em que tenta interiorizar o ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado processo repetitivo. brancas que Costa plantou no compasso da melodia, repetindo-a Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h10, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª Luís Miguel Oliveira “décor” para cortar a profundidade infinitamente), como resiste, por 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo ou para compor o delicado exemplo na aula de canto com que Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h05, 00h30 Ne Change Rien equilíbrio da iluminação. Mas os se prepara para interpretar as Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado De Pedro Costa, ecrãs e as telas existem para além canções de Offenbach. O anti-climax dessa função, e ficam ali, a dar um ar dessa cena é fortíssimo, com a Domingo 2ª 14h10, 17h40, 21h15, 00h35 3ª 4ª com Jeanne Balibar. M/12 17h40, 21h15, 00h35 de sala de cinema improvisada, à distância (a “resistência”) expressa MMMMM espera do arcaísmo de um jogo de na “nonchalance”, ao mesmo tempo O défice de representação da sombras. Numa cena, contra um fria e doméstica, com que Balibar população negra na iconografia Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª ecrã desses sobre o qual projecta fala do frigorífico e do que se americana, especialmente no Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05 uma sombra que faz lembrar as do esqueceram de comprar para o cinema, é uma preocupação antiga Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05 “Nosferatu” (a “sinfonia das trevas”), almoço. Por outro lado, falando uma de Spike Lee. Já a exprimiu em Que “não mude nada”, pede o título, Balibar ensaia uma canção (“Ton das canções de Offenbach (que diversas ocasiões – recordem-se as sem explicar quem faz esse pedido a Diable”) que fala do “teu diabo, o teu ouvimos mais tarde) de miséria e picardias com Woody Allen e Clint quem. O título vem de uma canção duplo ridículo”. A reverberação não fome, essa observação de Balibar Eastwood – e é um assunto que de Jeanne Balibar, que por sua vez faz só um sentidos, faz imensos torna-se um gag “diferido”. Há outro cruza os seus filmes, e nalguns casos “samplou” a voz de Jean-Luc Godard sentidos, para mais no contexto da mais directo: no fim da actuação, os explica. Isso talvez nunca tenha a dizer isto, “ne change rien”, numa cena: parece que fala da maneira pela porta à esquerda do sido tão verdade como com “O passagem das “Histoire(s) du como Balibar se oferece à câmara, à enquadramento (presumivelmente Milagre em Sant’Anna”, filme feito Cinéma” (e é espantoso o momento câmara que a apanha durante todo o já uma porta de bastidores), mal em resposta à sub-representação (ou em que, por via desse “sample” e da filme numa espécie de fronteira Balibar acabou de cantar sobre a à omissão) dos negros americanos “puissance de la parole”, Godard entre a “comédia” e a “vida”. Mas impossibilidade da felicidade de nas efabulações cinematográficas vem assombrar o filme). Mas parece que fala também da maneira barriga vazia, sai um tipo a mastigar em torno da II Guerra. Um filme de portanto, ainda não passámos do como o cinema “entra” naquele uma sandes. Pedro Costa justificou guerra “reivindicativo”, se título e já aqui há uma corrente (de espaço, neste filme: como uma coisa esse enquadramento com a vontade quisermos, “blaxploitation” sem pedidos?), uma “veia de que “dobra” a vida, que se lhe de ter nele o pianista, que era “um “xploitation” porque Spike Lee não transmissão” que dava vontade de sobrepõe, por vezes de maneira um pianista de John Ford”. Ainda uma aponta à margem, aponta ao centro. perseguir. pouco “ridícula” porque é só o que pista incerta, diríamos: o que ele E o centro é o cinema clássico, e é, Pedro Costa, evidentemente, não pode. E é o cinema que transforma quis foi ter a porta, uma porta de quem mais podia ser?, John Wayne. é nada alheio ao efeito provocado Balibar em Nico ou em Marlene, ripas como nas casas do Bairro das Se vemos John Wayne a visitar um “O Milagre Sant’Anna”: pelos títulos dos seus filmes, do que como se Costa, filmando Balibar Fontaínhas, e as paredes a brilharem filme de Spike Lee podemos estar um fi lme feito em resposta é um bom exemplo o caso de enquanto cantora, a filmasse com alguma coisa que parece certos que é uma visita política e que à sub-representação dos negros “Juventude em Marcha” e do seu sobretudo como actriz - o que humidade (e se conseguiu ter isto e o Wayne aparece como símbolo americanos nas efabulações título internacional “oficial”, que na também assinala o regresso de Pedro tipo com a sandes e ao mesmo ideológico. É o prólogo de “O cinematográfi cas em torno prática era um título diferente, Costa, ainda que desta maneira tempo ter Ford, tanto melhor). Milagre em Sant’Anna”: um homem da II Guerra “Colossal Youth”. Usa os títulos propositadamente ambígua, ao Portas e paredes que, sendo negro, que viremos depois a como os pintores. Mas, como cinema “com actores”, com actores ingredientes fundamentais dos reconhecer como um ex-soldado alguns pintores, gosta de os profissionais. Uma actriz, neste caso, filmes de Costa, são aqui menos protagonista desta história, sentado usar como pista, se não a quem Costa pode pedir - como um ostensivas. Ou não as há - o estúdio em casa a ver John Wayne a ganhar a falsa, incerta. Não muda mestre bonecreiro - aquilo que não foi improvisado numa espécie de guerra no “Dia Mais Longo”, e nada ou muda tudo? E é podia pedir a Vanda, ao Ventura ou “loft” - ou estão escondidas pelas depois um berro de indignação, melhor que mude ou aos Straubs: que mude, que vá sombras, porque é sempre noite ou qualquer coisa como “esta guerra foi que não mude? mudando para ele. recriação da noite. Há um plano nossa também!”. O filme não Ainda a propósito da maneira fabuloso como uma janela (de onde Ao filme não faltam, portanto, responde, com clareza como o cinema “entra” no filme é vem a luz do dia) e uma Balibar nem clareza de propósitos

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 53 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBomBommmmmmmmmmmMuitoMuito BomBoommmmmmmmmmmmmmmExcelenteExExcelente Cinema

“Julie e Julia”: o poder da manteiga e do refogado (reparar uma usurpação) nem MMMnn Como quem diz: sim, as pessoas ambição (filmar heróis negros que normais não têm nada de desafiem o estatuto mítico de Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª excepcional, e qual é o problema? Wayne). Propósitos e ambições tão Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª Sábado “Julie e Julia” torna-se, assim, 15h30, 18h20, 21h30, 00h15; Castello Lopes - nobres como outros quaisquer. O Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, numa deliciosa subversão dos que falta ao filme é estar à altura 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; cânones feministas ao usar a cozinha deles. Para um filme que tão Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª como fonte da realização pessoal da Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30, agressivamente se começa por 21h30, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de mulher moderna, mas sem reduzir definir, desaponta a singular Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª as personagens a meras fachadas ausência de ferocidade com que Lee 13h35, 16h10, 18h30, 21h40, 00h05; CinemaCity que apenas existem para a cozinha. Classic Alvalade: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª conta esta história sobre uma 13h45, 16h05, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h45, É óbvio que ajuda, e muito, ter duas companhia de soldados negros na 16h05, 18h50, 21h30, 24h; Medeia Saldanha actrizes do calibre de Amy Adams e, Toscana, em 1944, durante a Residence: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª sobretudo, Meryl Streep, a quem a 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h30; UCI Cinemas reconquista aliada da Itália. Essa - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª comédia está a ficar cada vez ferocidade dá lugar a uma moleza 14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05 Domingo 11h30, melhor. E também é verdade que narrativa (facto a confirmar com 14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05; ZON ninguém pensaria em considerar Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª “Malcolm X”: Spike Lee e o “épico” 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h, 21h50, 00h20; ZON “Julie e Julia” uma obra-prima. Mas é não jogam lá muito bem), enredada Não faltaram as leituras autobiográfi cas de “Tetro”, e Coppola, Lusomundo CascaiShopping: 5ª 13h, 15h40, 18h20 tão raro ver uma boa alta comédia num complicado flash-back que, 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h, 15h40, 18h20, hoje, ainda por cima divertida, sábio gestor da curiosidade alheia, não desmente nem confi rma 21h20, 24h 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h20; ZON acabamos por perceber, só se Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª inteligente, impecavelmente justifica pelas piores razões (o Não, “Uma Segunda Juventude” não Fazendo tangentes à tragédia grega e 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h35, 21h30, 00h15; ZON interpretada, que esta quase faz sentimentalismo choramingas da foi “uma vez sem exemplo”. A obra ao “gótico Americano” de Tennessee Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado figura de obra-prima. J.M. Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30, cena final, o pior fecho de filme da que marcou o regresso ao cinema de Williams, “Tetro” prefere instalar-se 00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 13h05, obra de Spike Lee). Os combates e os Coppola após dez anos sem filmar num meio-termo em constante 15h45, 18h20, 00h15 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª “horrores da guerra” são filmados foi uma declaração de intenções: desequilíbrio entre o realismo 13h05, 15h45, 18h20, 21h40, 00h15; Castello Lopes - Continuam Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, naquele realismo maquinal que faz liberto das dívidas e das constrições mágico latino-americano e o 18h30, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 12h50, 15h30, 18h30, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo da irrepreensibilidade técnica uma hollywoodianas, o cineasta ia agora melodrama barroco e garrido da Os Sorrisos do Destino medida de indiferença – da fazer os filmes que queria, como ópera clássica – e é no doseamento Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h55, 18h40, 21h25, 00h15 De Fernando Lopes, indiferença de quem filma e da queria, fora de qualquer lógica dessas características que Coppola com Ana Padrão, Rui Morrison, indiferença de quem assiste. industrial e com a sua musa como se perde, tornando o novo filme Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 3ª Milton Lopes. M/12 Evidentemente há um fundo único Norte. Recriando o sonho num passo atrás em relação a “Uma 4ª 16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo romântico na guerra vista por Spike independente que a sua geração quis Segunda Juventude”. No seu pior, Dolce Vita Porto: 5ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h 6ª Mnnnn Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, Lee. O que ele quer é extrair de lá trazer à Hollywood que, em finais sentimos que Coppola está a tentar 21h20, 00h05; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª outros “heróis”, mas “heróis” na dos anos 1960, estava atolada no invocar os grandes mestres do 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª mesma. A crítica da mitologia volve- mínimo denominador comum em cinema europeu como Fellini e se 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40, 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 19h40, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: se em reprodução da mitologia com nome da maior abrangência estampa espectacularmente (a “cor 19h, 21h50, 00h35 5ª 19h10, 22h 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 19h10, uma cor de pele diferente. Melhor possível, “Tetro” confirma a vontade local” dos amigos boémios de Tetro 22h, 00h20 4ª 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: ou pior, essa tarefa certamente se de mergulhar no passado da arte (e é tão excêntrica que chega a ser Como se não chegasse uma, “Julie e 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 18h, 23h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª cumpre. Mas é uma tarefa que deixa não apenas do cinema) para melhor risível, os “buracos” narrativos são Julia” baseia-se em duas histórias Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 18h40, 00h20 lastro na construção de um olhar lhe preparar o futuro. óbvios). No seu melhor, contudo verídicas e isso deixa logo a pulga Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre: cinematográfico sobre a guerra – um Onde “Uma Segunda Juventude” (como os vinte minutos finais e atrás da orelha. Uma é a história de Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª lastro que se traduz numa candura, retomava as fantasias sobrenaturais quase todas as cenas que envolvem Julia Child, espécie de Maria de 18h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 13h40, 19h10 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, numa crença inquestionada, e quase dos anos 1940 e 1950, “Tetro” Bennie, Tetro e Miranda), Coppola Lourdes Modesto que revelou à 19h10, 23h55 paternalista, na bondade das suas coloca-se à sombra do grande toca a espaços essa condição América, nas décadas de 1950 e personagens. O que é um drama, se melodrama familiar. (Em comum a operática que procura, consegue 1960, a riqueza da cozinha francesa É uma “screwball comedy” cotejarmos o filme de Spike Lee com ambos, encontramos a asa fazer ressoar a corda da família que pela qual se apaixonara em Paris impossível. Porque não há guerra de muitos dos filmes de guerra (Ford, protectora da dupla Michael Powell/ se ama mas não consegue coexistir após a II Guerra. A outra é a história sexos (nem actores à altura), é um Walsh, Fuller...) que ele Emeric Pressburger – onde “Uma pacatamente. Não chega lá mais de Julie Powell, uma trintona nova- solo, um irremediável solo – de Rui implicitamente critica: a razão que Segunda Juventude” podia remeter porque está mal servido por Vincent iorquina que, em 2002, frustrada Morrison e da sua personagem, um lhe sobra em termos de para “Uma Questão de Vida ou de Gallo, incapaz de emprestar com o modo como a sua vida não homem apaixonado por boleros que representação política e sociológica Morte”, 1946, “Tetro” cita qualquer espessura a Tetro para lá seguira o curso que esperava, se descobre traído pela mulher, fã de falta-lhe em profundidade poética e directamente “Os Contos de do seu número habitual do artista embarca no projecto meio insane de Wagner e da “alta cultura”. Mas que filosófica. Não espanta que os planos Hoffmann”, 1951, e “Os Sapatos torturado, chutado para canto pela cozinhar, ao longo de um ano, as filme teria sido se Fernando Lopes finais pareçam saídos de um filme de Vermelhos”, 1948.) Mas se é verdade ternura quente de Maribel Verdú e 500 receitas que Child incluira no se tivesse entregue totalmente ao Tornatore. Ao pé dos “Nus e os que dificilmente nos podemos pela revelação de Alden Ehrenreich. seu livro de culinária francesa. seu “duplo”, ao seu desespero de Mortos” de Walsh ou do “Big Red esquecer do “Padrinho”, é talvez “Tetro” é o filme de um cineasta Improvavelmente, do cruzamento “kamikaze”, tivesse rebentado com One” de Fuller, “O Milagre de mais da literatura que “Tetro” se que trabalha agora em inteira entre as duas histórias Nora Ephron as convenções muito convencionais Sant’Anna” é apenas um simpático e reivindica, ao repescar o velho lugar- liberdade e se marimba para o que tira uma elegantíssima alta comédia que ainda costuram este filme? rudimentar filme bem intencionado. comum do escritor boémio que se os outros pensam – e isso é bonito de sobre duas mulheres que nunca se Imagine-se: se tivesse rebentado L.M.O. alimenta da sua própria vida. Aqui, se ver num veterano como Coppola, conheceram nem nunca se cruzaram com a mulher, o amante dela e os esse escritor é Angie Tetrocini, filho ainda disposto a correr os riscos que mas que se encontraram a si automatismos de narrativa à volta de um “pai tirano” maestro de os seus colegas de geração já há próprias do mesmo modo – através deles, se tivesse ficado com a O pai tirano renome, que corta relações com a muito deixaram para trás. E, da culinária. O truque é o de usar a grandeza de Morrison, a ficção de família e foge a esconder-se nos francamente, preferimos um divisão da casa à qual as mulheres uma guerra de sexos (acto falhado, Tetro bairros boémios de Buenos Aires, veterano que se estampa em busca foram relegadas durante anos como aqui) nem se colocaria. Teríamos um De Francis Ford Coppola, onde é “descoberto” pelo irmão de outra coisa do que um que se base do seu triunfo e da sua filme sem género e mais do que um com Vincent Gallo, Maribel Verdú, mais novo, Bennie, também ele em limita a despachar mais do mesmo. realização pessoal – de “escrava do filme-solo; teríamos um filme-só. Alden Ehrenreich. M/12 ruptura com a família mas Jorge Mourinha fogão” a “girl power” através do Vasco Câmara procurando reencetar a relação de poder da manteiga e do refogado. MMnnn proximidade cortada com a fuga de Melhor ainda: não estamos a falar de Angie, que agora se chama Tetro e O girl power mulheres desfavorecidas (Child era Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª abandonou a escrita. do fogão casada com um diplomata, Powell 14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h, Não faltaram as leituras tinha uma vida de classe média, 19h30, 22h, 00h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª autobiográficas da história de Julie e Julia ambas estão apaixonadas pelos 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h30 “Tetro”, e Coppola, sábio gestor da Julie & Julia maridos) e isso é também Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª curiosidade alheia, não desmente De Nora Ephron, refrescante. O filme explora essa Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h10, nem confirma, esclarecendo apenas “normalidade” tantas vezes 21h40 com Meryl Streep, Amy Adams, que é o mais pessoal dos seus filmes. Stanley Tucci. M/12 maltratada pelo cinema como banal.

54 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon dança © Agathe Poupeney / PhotoScene.fr Poupeney © Agathe

(Kisangani) Faustin Linyekula DVD More more more...future

apresentação em Lisboa apoiada por

27 e 28 Novembro 21h30 12€ M/12

menores 30 anos 5€ www.teatromariamatos.pt Bilhetes à venda: Teatro Maria Matos 218 438 801

Cobain e a sua bata hospitalar Música oferece às centenas de milhar num grande festival aquilo que ofereceria às centenas numa pequena sala. No fi o da Tudo começa com o humor negro habitual: Cobain, com longa cabeleira loura e bata hospitalar, a navalha ser empurrado até palco numa cadeira de rodas e a erguer-se Os Nirvana estavam no topo lentamente até ao microfone para do mundo, mas escolhiam cantar como baladeiro desafinado. Tudo acaba como em “happening”: caminhar no fi o da navalha. Dave Grohl a jogar “prato ao alvo” Mário Lopes com a bateria, Kris Novoselic a batucar o que resta dela e Kurt Nirvana Cobain, imerso em “feedback”, tal Live At Reading como Hendrix, a extrair um Universal Music iconoclasta hino americano da guitarra pintalgada de sangue. mmmmn Entre o princípio e o fim, o rock’n’roll visceral, ora tortuoso, ora Sem extras catártico, misto de angústia e Cabeças de cartaz libertação, de uma banda que em Reading, no transformava descalabro sónico em topo do mundo. A corrosão pop. Estão lá as inevitáveis 30 de Agosto de de “Nevermind” (“In bloom”, “Come 1992, os Nirvana as you are” ou “Smells like teen tocavam para spirit”), está lá o passado convulsivo aquela que era, de “Bleach” (“Negative creep” ou a até então, a sua enorme “School”) e o futuro que maior audiência chegaria em “In Utero” (primeiras de sempre. A culpa, naturalmente, versões de “Dumb”, “Tourette’s” ou era de “Nevermind”, álbum que “All apologies”). Tudo perfeito, como transformou o mundo à sua volta, no twist infernal de “Aneurysm”. mas que não os transformou a eles. Tudo perfeito quando tudo corre Ou melhor, não os fez jogar o jogo mal, como na versão recheada de do estrelato, o “dar ao povo o que o pregos, desafinações e notas ao lado povo quer”. No concerto que ganha de “Sliver” – “ensaiámos ontem à agora edição oficial, depois de uma noite”, ri-se Novoselic. existência pirata de década e meia, A realização, a convencional de vemos o palco despido de adereços um concerto rock, não tem (o único visível chama-se Tony, quaisquer rasgos. Os Nirvana são dançarino anárquico, personagem tudo menos convencionais: estão no enigmática com maquilhagem de topo do mundo, mas escolhem Joker) e ouvimos uma banda que caminhar no fio da navalha.

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 55