2 O Livro Impresso: Design Da Mídia, Mídia Do Design
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2 O livro impresso: design da mídia, mídia do design Peter Eisenman: Sei que é importante para Rem ter feito S,M,L,XL e Nova York Delirante . Meus livros são igualmente importantes para mim. Como eu sempre disse, não olharíamos para os edifícios de Palladio da mesma maneira se ele não tivesse escrito os Quattro Libri . E também duvido que teríamos visto as casas brancas de Le Corbusier do mesmo modo se ele não tivesse publicado sua Oeuvre Complète — lembrem, muitos outros estavam fazendo esse tipo de casa na mesma época. Assim, eu e Rem aprendemos com alguns mestres, e não há dúvidas de que os livros, se você entende a história do mundo, foram muito importantes para os arquitetos que consideramos importantes. [...] Rem Koolhaas: [...] Mas você não pode simplesmente falar de livros e das semelhanças entre eu e você, ou entre Le Corbusier e Palladio, porque algo bastante drástico aconteceu nos últimos trinta anos na arquitetura — em relação à leitura, à edição, à estética dos livros e assim por diante. Sem um reconhecimento do lugar drasticamente diferente que eles ocupam na arquitetura hoje, acho que é complicada essa discussão. Peter Eisenman e Rem Koolhaas, Supercrítico , 2006 (São Paulo: Cosac Naify, 2013, p.62-63) A epígrafe acima cita parte de um debate ocorrido em 2006 entre o holandês Rem Koolhaas e o americano Peter Eisenman, dois dos arquitetos mais influentes no cenário internacional da arquitetura contemporânea e, especificamente, dois expoentes cujas carreiras têm sido notoriamente inseparáveis de seu envolvimento com a escrita e a produção de publicações, especialmente livros . No trecho destacado, as duas falas tocam respectivamente dois assuntos fundamentais desta pesquisa: em primeiro lugar, a existência de uma relação antiga e elementar entre a disciplina da arquitetura e suas mídias de difusão, particularmente o livro impresso; em segundo, a emergência de diferenças e especificidades marcantes na configuração e fruição da mídia livro nas últimas décadas. A fala Koolhaas aqui destacada limita-se a levantar essa última questão sem de fato discuti-la; o presente capítulo, por sua vez, visa fazer uma discussão e revisão bibliográfica que delineie, expanda e problematize justamente a alegada mudança no “lugar do livro” mencionada pelo arquiteto — mostrando que ela se insere num contexto mais amplo e comum a outras disciplinas projetuais. 29 Conforme explicado na introdução, nesta pesquisa essa situação contemporânea do livro de arquitetura é a princípio entendida como, entre outras coisas, um direcionamento a uma maior “performatividade”, ou seja, uma busca pelo entrelaçamento entre o “dizer” e o “fazer” que um livro oferece, seja em sua relação entre palavras e imagens, em sua estrutura de encadeamento e/ou em sua constituição física. Tal afirmação, contudo, precisa ser circunstanciada pela compreensão do próprio livro como mídia e objeto cultural — ou seja, algo elaborado segundo determinadas condições produtivas e disciplinares, determinados sistemas materiais e semióticos, e com determinadas informações a disseminar e efeitos a produzir em um público com determinadas condições e expectativas culturais de recepção e uso. O desenrolar do estudo sobre os livros, contudo, deixou claro que os termos básicos da relação recente entre a disciplina da arquitetura e a mídia livro são parte de um contexto comum a outras categorias de projeto, sendo tanto um efeito quanto um fator de progressivo contato e entrelaçamento entre estas. Assim sendo, este capítulo em particular irá se referir às profissões projetuais de uma maneira geral, falando com frequência em estúdios ou escritórios “de projeto”; e como os demais capítulos da tese serão dedicados a realidades e questões internas à arquitetura, procurarei neste momento dar destaque a exemplos de livros e de profissionais das outras especialidades, especialmente o design gráfico. Para exibir a perspectiva e a problematização adotados neste trabalho, este capítulo será construído numa sequência progressiva de “panos de fundo” contra os quais considerar o tema do design de “monofestos”, indo do mais geral ao mais específico: − Primeiro, o lugar geral da noção e prática do “design ” na cultura e sociedade recentes, caracterizado pela progressiva indistinção entre as disciplinas projetuais e a crescente imbricação entre o design e estratégias de branding . − Segundo, a condição geral do livro como mídia na contemporaneidade, apresentando contextos e fatores culturais e tecnológicos mais amplos ligados a sua configuração. − Terceiro, o lugar do livro como objeto de design e veículo de elaboração criativa, considerando os desenvolvimentos recentes da disciplina do design gráfico e o longo acúmulo de experiências com essa mídia. − Quarto, o investimento recente na publicação de monografias como instrumento promocional por parte de escritórios das diversas profissões de projeto. 30 2.1 Identidade e inteligência: a inflação do design no regime do branding O recorte temporal desta pesquisa situa-se na última década do século XX e à primeira do século XXI: um contexto histórico já plenamente imerso naquilo que diferentes autores chamaram de pós-modernidade (Jean-François Lyotard, Fredric Jameson, David Harvey), hipermodernidade (Gilles LipovetsKy) ou simplesmente contemporaneidade . Destarte as diferentes perspectivas, as variadas análises a respeito têm em comum a identificação da emergência de novas dinâmicas culturais, sociais e estéticas, bem como a correlação destas às novas formas econômicas da sociedade de consumo ou do capitalismo avançado, marcadas pela flexibilização e customização da produção industrial, pela globalização midiática e financeira e pela informatização crescente da vida. Esse contexto, por outro lado, também está relacionado à presença maior e mais marcante de produtos e discursos das disciplinas projetuais no cotidiano, na cultura e na academia contemporâneas. As pesquisas de Pedro Gadanho (2010) e Penelope Dean (2008), por exemplo, mostram um aumento expressivo de publicações dedicadas à arquitetura e ao design em geral, num variado espectro de gradações entre o público intelectual, profissional e consumidor leigo 1. Também aumentaram os espaços dedicados ao assunto na mídia generalista — reportagens e anúncios em revistas, livros, programas televisivos — e tem crescido a quantidade de clientes que conscientemente buscam “design” naquilo que consomem ou que buscam se informar a respeito. Concomitantemente ao aumento de interesse e acesso a informações a respeito, também cresceu significativamente a procura pela formação nas profissões projetuais. Esse crescimento da atenção dada ao design, todavia, também foi simultâneo a um gradual esvanecimento dos limites entre suas áreas; segundo Dean (2008, p.vi), desde a década de oitenta ocorrera tanto uma proliferação quanto uma gradual desdiferenciação das diversas especialidades de projeto (arquitetura, produto, gráfico, etc.). Na prática, na crítica e na percepção de público, estas foram progressivamente unidas e entrecruzadas sob a égide generalizada do “design” — ou, como anunciava a revista britânica Wallpaper , “as coisas que rodeiam você” ( the stuff that surrounds you ). Já na década de setenta, Jean Baudrillard acusava uma natureza totalizadora inerente à noção de design, examinando-o como fator de contínua reconciliação da “superestrutura” simbólica à “infraestrutura” da sociedade capitalista. Através do 1 Como amostra desse crescimento, Dean fez um levantamento de publicações novas surgidas entre 1983 e 1998 em três países, limitando-se às categorias de Arquitetura e design de interiores, contabilizando 26 novas revistas na Itália, 49 na Inglaterra e 82 nos Estados Unidos. (DEAN, 2008, p.63). 31 design, o sistema de valor de troca se estenderia ao domínio dos signos, formas e objetos, instituindo a “política econômica do signo” do capitalismo de consumo e realizando um sucedâneo mercantilizado da sonhada fusão de arte e vida das vanguardas 2 (BAUDRILLARD, 1995, p.187). Em direção semelhante, vários outros autores nas últimas décadas têm apontado e analisado a influência do design como vetor de inserção da cultura nas racionalidades técnicas e econômicas do consumo. O mundo mercantil em que vivemos, eficiente mas unidimensional, impulsionado por forças incansavelmente suplicantes, no qual praticamente só subsistem relações de troca, é um mundo em que, digamos assim, sofremos a intimidação implacável do projeto, em seu miasma de hiperestilo, afetação artificial e micromanipulação humana que antecipa todos os nossos movimentos e gestos. O projeto penetrou, e até ameaça substituir, a densidade existencial, as sombras, o lento mistério intratável daquilo que outrora foi o mundo social e humano. Em seu lugar estão se instalando uma nova e estridente imediaticidade, uma transparência espalhafatosa de atitudes, olhares e maneiras. (KWINTER, 2013 [1997], p.65) Uma das vozes influentes do meio cultural a participar desse debate foi a do crítico Hal Foster: em seu ensaio Design e crime (2011 [2001]), ele apontou um processo de inflação do design 3 como expressão e vetor de uma condição que estaria progressivamente deixando nossa cultura sem “margem de manobra” para o distanciamento e a ação crítica. Nessa análise, Foster elencou três causas gerais dessa inflação: 1. A crescente personalização e especificação da produção pós-fordista, traçando constantes perfis de “mini-eus” — produtos feitos “sob medida” nos quais o consumidor reafirma/reconhece/constrói sua identidade; 2. A midiatização e informatização geral