Martha Watts: Uma Educadora Metodista Na Belle Époque Tropical * Martha Watts: a Methodist Educator in the Tropical Belle Époque
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○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○ ○ ○ ○○○○○ Presença da mulher na educação Martha Watts: uma educadora metodista na belle époque tropical * Martha Watts: a methodist educator in the tropical belle époque Zuleica de Castro Coimbra Mesquita Doutora em Educação (Unimep) Coordenadora do Projeto Memória da Unimep (Piracicaba-SP) Resumo Martha Watts foi a primeira educadora do metodismo no Brasil. Em sua missão, deixou seu país de origem e a família para se dedicar ao ensino em um lugar desconhecido, de língua estranha. Hoje, o metodismo deve a essa lutadora missionária muito do que tem em termos de herança educacional. Unitermos: Martha Watts; metodismo; educação; mulher Synopsis Martha Watts was the first educator of Methodism in Brazil. In her mission, she left her own country and family to dedicate herself to teaching in an unknown place, with a strange language. Today, Methodism owes to that struggling missionary most of what it has in terms of educational heritage. Terms: Martha Watts; methodism; education; woman Resumen Martha Watts fue la primera educadora del metodismo en Brasil. En su misión, dejó su país de origen y su familia para dedicarse a la enseñanza en un lugar desconocido con un idioma que le era extraño. Hoy, el metodismo le debe a esta luchadora misionera mucho de lo que tiene en materia de herencia educativa. Términos: Martha Watts; metodismo; educación; mujer * Discurso de abertura da Conferência Internacional: “120 anos de educação metodista no Brasil” 0 Revista de Educação do Cogeime ○○○99 ○○○ Ano 11 - n 20 - junho / 2002 ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○ alar sobre Martha Watts, a educa- portamento, seu trajar, suas jóias, a F dora pioneira do metodismo no forma com que recebia e organizava Brasil, é também falar de uma época reuniões demonstravam maior ou em que Martha Watts se insere. É fa- menor “status” na sociedade. Fazia- lar sobre o contexto brasileiro no fi- se necessário que se preparasse a nal do século XIX e início do século mulher para essas funções do bem XX,a chamada “belle époque tropical”. receber. Além disso, a casa-grande Martha Watts veio para o Brasil exigia da mulher certo tino adminis- para educar mulheres; esta foi a mis- trativo, pois envolvia o trato com são que a Sociedade Missionária da a criadagem e a educação dos fi- Mulher lhe designou, ou, melhor di- lhos,quase sempre numerosos. A zendo, para a qual Martha se can- maioria dessas casas-grandes pos- didatou. Assim, pois, é necessário que suía um significativo número de agre- se diga duas ou três palavras sobre a gados que participavam da vida fa- situação da mulher na sociedade bra- miliar: parentes afilhados, padres... A sileira do final do século XIX, quando casa-grande era uma instituição bas- Martha Watts aportou no Rio de Ja- tante complexa para se administrar. neiro trazendo na bagagem sua tarefa Durante a primeira metade do de ensinar, num país estranho, de lín- \As mulheres século XIX, as mulheres brasileiras gua desconhecida, distante física e brasileiras sofriam sofriam as limitações próprias do culturalmente de sua “América”. as limitações subdesenvolvimento do império e o Durante todo o século XIX, as próprias do espaço dela limitava-se às reuniões subdesenvolvimento mulheres brasileiras estiveram sub- do império familiares e à Igreja. Recebiam instru- missas a pais e maridos. Esta submis- ções no próprio lar, tendo aulas de são, entretanto, não implicava na fal- francês, música, canto, pintura, além ta de importância da mulher. Embora de artes domésticas – trabalhos de dependente dos homens o papel da agulha e culinária. Os preceptores mulher era bastante significativo na eram geralmente estrangeiros. sociedade. A partir das transformações econô- Quando falamos na mulher do fi- Quando falamos na micas e sociais ocorridas no país na nal do século XIX no Brasil, queremos mulher do final do segunda metade do século XIX, quan- nos referir à mulher da elite. Numa século XIX no Brasil, do a exportação do café construiu for- sociedade agrária e escravocrata, queremos nos referir tunas, a elite brasileira começou a se à mulher da elite fora das elites, existiam apenas as sofisticar, ampliando-se também o es- criadas e um pouco mais tarde as paço da mulher, embora permaneces- negras recém-libertas. se sua submissão ao homem. Segundo A vida social no Brasil, nesse pe- Needell a sociedade dessa época era ríodo, girava em torno de recepções, “feminina em sua expressão e mascu- saraus, e festas familiares. Nesses lina em seus propósitos”1 . eventos, discutiam-se e fechavam-se A urbanização e o advento dos negócios, arrumavam-se casamen- bondes possibilitaram à mulher mai- tos, firmavam-se as posições sociais. or mobilidade e ela começou a aven- Nesse contexto social, a figura fe- turar-se em visitas a bairros distan- minina era imprescindível. Seu com- tes e às áreas do comércio central. 1 2.Expositor Christão. 14. 09.05. Vol. XX, N.º 36, p. 4. 0 Revista de Educação do Cogeime ○○○100 ○○○ Ano 11 - n 20 - junho / 2002 ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ O surgimento dessa burguesia urbana vai exigir que a mulher rece- “Miss Mattie H. Watts de Louisville, ba uma formação diferente daquela Kentucky, ofereceu-se como candidata recebida até então na casa-grande. a missionária, aspirando ir para o Isso não significou necessariamente Brasil. Tenho suas recomendações em uma caminhada direta à emancipa- mãos e devo acrescentar que são de ção, mas fez parte do processo de primeira ordem”. transformação da condição feminina (Woman’s Advocate, março,1881, p.8) As elites passaram, assim, a se dar As elites passaram, conta da importância da educação da assim, a se dar conta Ser pioneira em tal mulher para o progresso da socieda- da importância da missão era ser corajosa de. Um artigo publicado no Exposi- educação da mulher tor Cristão, à época, dizia: Martha Watts uma mulher sensível ao sofrimento humano “Sem mulheres instruídas não pode- No contexto do Brasil do século mos ter países adiantados O poder e XIX, então um país carente da maio- a influência das mulheres são factores ria dos confortos que outros povos 2 importantes em nossa civilização” já conheciam, Martha Watts chega de navio ao porto do Rio de Janeiro. Sua É nesse contexto social de fim primeira impressão da terra foi a de de século e com tais expectativas profunda comiseração pelas crianças das elites brasileiras que Martha abandonadas daquela cidade. É as- Watts desembarca no Brasil. Quem sim que ela se expressa em carta en- é essa mulher estrangeira, que não viada aos EUA: fala português e nada sabe da cul- tura brasileira? “Rio de Janeiro, maio de 1881 Muito melhor do que tentar aqui Na grande cidade do Rio de Janeiro, falar sobre as virtudes de Miss Watts com mais de 400.00 Habitantes,há uma ou sobre os traços de seu caráter é classe de seres humanos, cujas condi- deixar que ela mesma nos conte com ções apelam aos nossos mais profun- suas própria palavras quem foi, o que dos sentimentos e clama por nossa ca- fez e como se sentiu em seu trabalho ridade cristã. É uma classe de no Brasil. criancinhas, sem lar ou amigos que co- mem, dormem e morrem nas ruas; ig- Martha Watts foi norantes de todo o conhecimento, a não uma pioneira ser o conhecimento da marginalidade A missão metodista no Brasil, em e da miséria,sem que ninguém pareça sua fase definitiva, apenas se esbo- se importar com suas almas”. çava quando Martha Watts se ofere- (Woman’s Advocate, maio 1881, p.3-4) ce para vir para o Brasil. Ela não foi designada, ela ofereceu-se para o tra- Tocada pelo sofrimento dessas balho educativo: crianças sem teto a quem ela cha- Uma carta publicada no Woman’s ma de “homeless children”, ela não Advocate, periódico da Sociedade se limita à contemplação passiva missionária da Mulher nos EUA, em de tal situação, mas começa ime- março de 1881 diz: diatamente a arquitetar planos 0 Revista de Educação do Cogeime ○○○101 ○○○ Ano 11 - n 20 - junho / 2002 ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ para salvar essas crianças. E sua O destino de Martha O destino de Martha Watts, po- carta continua: Watts era Piracicaba rém, era Piracicaba. Cabia a ela abrir ali uma escola para as elites. O tra- “O Senhor colocou no coração de al- balho com a população carente do guns de seus servos a compaixão por Rio de Janeiro seria iniciado pelo estas vidas, bem como o desejo de missionário Hugh Clarence Tucker, achar uma forma de resgatá-las (..). A antes do final do século. esta classe de crianças pertencem os Martha Watts: uma mulher aberta jornaleiros, os engraxates, os vende- dores de frutas, os cantores de rua (..). Ao chegar ao Brasil Miss Watts assim me surge a proposta de uma tinha a missão de educar. Estrangei- casa de refúgio para elas – preparar ra, falando outra língua, portadora um local limpo, como um lar, para de outra religião e de outros hábi- onde elas possam ir ao final do dia de tos culturais, ela não se fechou nas trabalho; achar abrigo,repouso e ali- quatro paredes da casa que alugou mentação para seus pequenos corpos para servir de escola, nem tão pou- fatigados, freqüentemente debilitados co no abrigo dos lares de seus com- pelo sofrimento da fome e das doen- patriotas imigrantes de Santa Bár- ças. Será ouvindo palavras doces, em bara e Americana. Ela saiu a campo, tom gentil, sentindo o toque de mãos assistiu a missas católicas, procis- amorosas é que elas aprenderão o que sões da Igreja Romana, festas popu- é o humano e desta forma compreen- lares, enterros e batizados da comu- derão o amor de Deus e (...) seguirão nidade, na busca de conhecer a o caminho da salvação” cultura local, de aprender os cos- (Woman’s Advocate, maio 1881, p.