PROTOCOLOS E CÓDIGOS NA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA Revista De Sociologia E Política, Vol
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Revista de Sociologia e Política ISSN: 0104-4478 [email protected] Universidade Federal do Paraná Brasil Silveira, Sergio Amadeu da NOVAS DIMENSÕES DA POLÍTICA: PROTOCOLOS E CÓDIGOS NA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA Revista de Sociologia e Política, vol. 17, núm. 34, octubre, 2009, pp. 103-113 Universidade Federal do Paraná Curitiba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23816088008 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 103-113 OUT. 2009 NOVAS DIMENSÕES DA POLÍTICA: PROTOCOLOS E CÓDIGOS NA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA Sergio Amadeu da Silveira RESUMO O texto propõe a existência de uma divisão básica na relação entre política e Internet: a política “da” Internet e a política “na” Internet. Em seguida, agrega os temas das políticas da internet em três campos de disputas fundamentais: sobre a infra-estrutura da rede; sobre os formatos, padrões e aplicações; e sobre os conteúdos. Analisa os temas políticos atuais mais relevantes de cada campo conflituoso, articulando dois aspectos: o tecno-social e o jurídico-legislativo. Este artigo trabalha com o conceito de arquitetura de poder, uma extensão da definição de Alexander Galloway sobre o gerenciamento protocolar, e com a perspectiva de Yochai Benkler sobre a existência de uma esfera pública interconectada. Sua conclusão indica que a liberdade nas redes cibernéticas depende da existência da navegação não-identificada, ou seja, do anonimato. Apontada como uma das principais contendas políticas da Internet, a possibilidade do anonimato é apresentada como um elemento fundamental de resistência frente às amplas possibilidades de controle da comunicação social. Sendo assim, a garantia da liberdade de produzir conteúdos e de acessá- los nas redes cibernéticas – em que os rastros digitais acompanham toda a navegação dos cidadãos interagentes – exige a defesa da não-identificação. PALAVRAS-CHAVE: política da Internet; arquiteturas de poder; ciberpolítica; poder nas redes. I. INTRODUÇÃO tendência. Segundo a pesquisa realizada pelo Pew Research Center for the People & the Press e da Há diversas maneiras de discutir a relação en- Pew Internet & American Life Project, em 2008, tre a política e a Internet, mas existe uma divisão 42% dos jovens norte-americanos entre 18 e 29 básica que amplia nossa clareza sobre o contexto anos disseram informar-se sobre a campanha pela histórico em que tais articulações ocorrem. Al- Internet, destacando o papel crescente das cha- guns observam a política na Internet, outros ob- madas redes sociais, principalmente, do MySpace servam a política da Internet. Este artigo tratará e do Facebook (KHOUT, 2008). das disputas sobre a organização e a ação das re- des digitais e do conflito entre tentativas de con- Os estudos da política na rede focalizam, prin- trole e de emancipação do ciberespaço, bem como, cipalmente, o uso da Internet pelos partidos e can- da relevância dos códigos e protocolos para a didatos (BARROS FILHO, COUTINHO & comunicação livre e distribuída ou para a subor- SAFLATE, 2007; CHAIA, 2008). Existem, ainda, dinação dos fluxos informacionais às tradicionais instigantes análises sobre o impacto das interfaces hierarquias e verticalidades que conformaram o colaborativas (RHEINGOLD, 2004; UGARTE, mundo da comunicação de massas. Assim, aqui 2008), do uso das mídias sociais como será discutida a política da Internet. organizadores coletivos (SILVEIRA, 2007), do surgimento de uma nova esfera pública agora Sem dúvida, são cada vez mais relevantes para interconectada (BENKLER, 2006), além de uma uma sociedade em rede (CASTELLS, 1998) as vasta gama de debates sobre a representação, a investigações e análises da política na Internet, organização política e as instituições democráti- principalmente agora, quando não há mais dúvi- cas a partir do ciberespaço (COLEMAN, 1999; das de sua importância como arranjo midiático HAGUE & LOADER, 1999; NIXON & fundamental para as disputas pelo poder de Esta- JOHANSSON, 1999; WILHELM, 1999; BARBER, do. A campanha de Barack Hussein Obama não se 2004; TERRANOVA, 2004; JENKINS & tratou de um ponto fora da curva, mas de uma THORBURN, 2004; NOVECK, 2005). Recebido em 2 de fevereiro de 2009. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 103-113, out. 2009 Aprovado em 25 de fevereiro de 2009. 103 NOVAS DIMENSÕES DA POLÍTICA Quando a opção é o estudo da política da rede, tínua incorporação de novas criações tecnológicas. o temário e os objetos de análise passam a ser Até este momento, a Internet tem sido uma obra outros. Uma tentativa razoável de compreendê- inacabada, em constante desenvolvimento. Tal si- los se dá a partir do seu agrupamento em três tuação desagrada vários segmentos econômicos tipos de política: 1) sobre a infra-estrutura; 2) sobre e políticos do capitalismo, bem como extratos os conteúdos; e 3) sobre os formatos e aplica- burocráticos de formação autoritária. A velha in- ções. Existem conflitos, disputas e proposições dústria cultural e o conjunto das indústrias de envolvendo agentes sociais em cada um desses intermediação são diretamente afetadas, embora agrupamentos. Diversos interesses chocam-se em diferentes graus, pela expansão da comunica- com a finalidade de manter ou alterar a dinâmica e ção distribuída e pela surpreendente criatividade a organização da Internet. Como a rede mundial tecnológica espalhada pelo planeta. Entre inúme- de computadores torna-se extremamente relevante ros exemplos, é perceptível que o instituto da pro- para o cotidiano comunicacional do planeta, iden- priedade intelectual, muito importante para o ca- tificar essa nova dimensão da política é igualmen- pitalismo industrial, foi abalado por uma série de te relevante para compreendermos nosso tempo. inovações realizadas pelos usuários da rede. O exemplo típico é o das redes P2P (peer-to-peer), II. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO que ganhou destaque com o Napster no início deste EM REDES DIGITAIS século. A Internet é um arranjo midiático. Foi e é de- Em um processo de comunicação sob contro- senvolvida a partir da reunião de diversos meios e le completo de Estados ou de firmas seria muito tecnologias. Manuel Castells descreveu a Internet mais fácil conter tecnologias que colocassem em como a “improvável intersecção da big science, risco negócios bilionários ou interesses podero- da pesquisa militar e da cultura libertária” sos. Até o advento da comunicação distribuída em (CASTELLS, 2003, p. 19). Isso quer dizer que a redes digitais, o capital teve maior poder sobre a rede, originada nos interesses militares, foi sendo comunicação. No livro Mudança estrutural da reconfigurada pelos seus usuários, principalmen- esfera pública (1984), Habermas mostrou como te pela comunidade acadêmica e pelos hackers, a imprensa foi capturada pelo capital, uma vez grupos de programadores talentosos altamente que as verbas de publicidade eram essenciais à influenciados pela contracultura da década de manutenção das empresas de comunicação. De 1960. A rede mundial de computadores não pode modo distinto, na comunicação em rede, nem ser definida como um produto nem como um mesmo as poderosas operadoras de telefonia pu- conjunto de equipamentos com a evolução con- deram evitar que a disseminação da “voz sobre trolada por uma ou algumas empresas. A Internet IP” (VoIP) retirasse seus rendimentos. A Recording não tem um centro, uma sede, trata-se de uma Industry Association of America (RIAA), se con- rede distribuída, construída colaborativamente por seguiu judicialmente impedir o funcionamento do grupos de voluntários que no decorrer de sua his- Napster, fracassou ao tentar bloquear o uso das tória foram envolvendo, além dos acadêmicos e redes P2P de compartilhamento de arquivos. hackers, engenheiros e especialistas de várias empresas, para construírem os elementos funda- Nesse sentido, o professor Alejandro Piscitelli mentais do funcionamento da rede, a saber, os desenvolveu uma caracterização geral extremamen- seus protocolos de comunicação. te clara do que a rede mundial de computadores representa: “Internet fue el primer medio massivo A evolução da Internet não foi ditada nem mes- de la historia que permitió una horizontalización de mo pelo governo norte-americano. A rede cres- las comunicaciones, una simetría casi perfecta en- ceu e foi moldada incorporando as soluções tre producción y recepción, alterando en forma tecnológicas desenvolvidas pelos seus usuários. indeleble la ecología de los medios”1 (PISCITELLI, Como a Internet não estava submetida às hierar- 2002, p. 207). Já o ciberativista espanhol David quias tradicionais das firmas (BENKLER, 2006), não era e não é necessário obter autorização de ninguém para criar nela novos conteúdos, forma- 1 Tradução livre: “A Internet foi o primeiro meio massivo tos e tecnologias. Esse modelo aberto e não-pro- da história que permitiu a horizontalização das comunica- prietário é um dos fatores vitais que asseguraram ções, uma simetria quase perfeita entre produção e recep- a rápida expansão e evolução da rede com a con- ção, alterando de forma indelével a ecologia dos meios”. 104 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 103-113 OUT. 2009 Ugarte difere a comunicação descentralizada da O controle da comunicação através de uma comunicação distribuída. Para ele, a Internet é uma organização de hierarquia