A Representação Da Cidade De São Paulo Em Um Homem De Moral , Filme Sobre a Vida E a Obra De Paulo Vanzolini
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1 A Representação da cidade de São Paulo em Um Homem de Moral , filme sobre a vida e a obra de Paulo Vanzolini O filme Um Homem de Moral , dirigido por Ricardo Dias e lançado em 2009, tem como temática principal a vida e a obra de Paulo Vanzolini, nascido na cidade de São Paulo no mês de abril de 1924. O filme aborda, sobretudo, as composições de Paulo Vanzolini, que criou canções com ritmo interiorano, “caipira”, mas que também elaborou músicas de caráter urbano, tendo em vista que ele foi um grande ícone do samba paulista, juntamente com Adoniran Barbosa (1912-1982). O filme foi elaborado com depoimentos leves e divertidos fornecidos por Paulo Vanzolini e seus amigos músicos, com fotos da São Paulo dos anos de 1940 e 1950, com imagens do show em homenagem ao compositor realizado há alguns anos no SESC Vila Mariana 1, com gravações da coleção de CDs Acerto de Contas , por rodas de samba na casa do próprio artista, com fotos pessoais 2 (algumas delas bastante antigas), gravações 3 das atividades cotidianas de Paulo Vanzolini e com imagens da cidade de São Paulo de fins do ano 2000. No filme, os depoimentos foram entrecortados por shows, fotografias antigas, gravação no estúdio – quando da feitura da coleção de CDs Acerto de Contas de Paulo Vanzolini - e imagens mais atuais da cidade de São Paulo e dos paulistanos. O diretor teve que trabalhar com todo esse material de natureza diversa (visual e sonora) de modo que conseguisse contar uma história interessante, coerente e consistente da vida e da obra de Paulo Vanzolini em apenas uma hora e meia. E conseguiu! Nesse sentido, é pertinente lembrar o caráter processual da produção audiovisual. Segundo Rosentone: ...as películas mostram a história como um processo. O mundo audiovisual une elementos que a história escrita separa. Em geral, a história escrita não consegue proporcionar uma visão integral, mas fracionária. É necessário que o leitor faça um esforço para reconstruir as partes. No audiovisual, todos os aspectos do processo estão interligados, imbricados 4. 1 Esse show pôde contar com a apresentação de grandes intérpretes de Paulo Vanzolini, como Ana Bernardo, Márcia e muitos outros. 2 Fotos de família. Retratos de Paulo Vanzolini quando criança, adolescente, e enquanto estudava na Universidade de São Paulo. 3 Algumas dessas imagens gravadas pertenceram originalmente aos documentários Os Calangos do Boiaçu , e No Rio das Amazonas , produções audiovisuais conduzidas pelo mesmo diretor, Ricardo Dias, na década de 1990. Nesses documentários, há a participação de Paulo Vanzolini como cientista (pesquisador, zoólogo). 4 Ver em Cristiane Nova. “Narrativas Históricas e Cinematográficas”. In: NÓVOA, Jorge, FRESSATO, Soleni e FEIGELSON, Kristian (organizadores). Cinematógrafo. Um Olhar sobre a História . Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009, p. 142. Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 2 O cotidiano de Paulo Vanzolini é algo muito rico e bem abordado no filme. Segundo seu depoimento, ele não teve nenhuma formação musical. Foi um autodidata que aprendeu um pouco de música escutando a programação das rádios. Ele sempre considerou a Zoologia sua verdadeira profissão. Confessou que suas grandes paixões sempre foram a mata e o laboratório; como zoologista, produziu trabalhos de pesquisa na área de herpetologia, foi professor da Universidade de São Paulo e diretor do Museu de Zoologia da mesma universidade por 30 anos, da década de 1960 até o início dos anos 1990. E continuou indo lá, quase que diariamente, mesmo depois de aposentado. Todavia, o árduo trabalho científico não lhe roubou toda energia; Paulo Vanzolini trabalhou palavras e frases com maestria, criando composições clássicas para a música popular brasileira, como Ronda , Volta por Cima , Boca da Noite e Cravo Branco . Grande parte das composições de Vanzolini nasceu entre fins de 1940 e início da década de 1980. Ademais, Vanzolini foi boêmio incorrigível. Dois de seus amigos do Bar Jogral, Luís Carlos Paraná e Marcus Pereira trataram de reunir suas composições, de editá-las, e em 1967 produziram o disco Paulo Vanzolini: Onze Sambas e uma Capoeira 5. Fizeram isso porque, segundo depoimento de Paulo Vanzolini no filme, “...[ele] não podia perder muito tempo com as músicas, pois não considerava essa atividade sua profissão...”. Ainda que Paulo Vanzolini não considere as atividades de compositor e músico como a sua verdadeira profissão, ele deixou para a MPB aproximadamente 70 composições. Dessas, cerca de cinquenta e cinco foram organizadas no Acerto de Contas , uma caixa com quatro CDs da sua obra lançados em 2003. Em meados da década de 2000 a sua obra já tinha, portanto, vários registros sonoros: discos produzidos na segunda metade do século passado 6 e a coletânea Acerto de Contas . Mas a feitura de um registro audiovisual do artista e da sua obra, e a transformação desse material em um filme de longa- metragem foi uma ideia perspicaz do diretor Ricardo Dias, pois, sendo a nossa época, indubitavelmente, a do predomínio da imagem 7, o filme é um excelente produto cultural para divulgar a obra de Paulo Vanzolini e para perpetuar o seu legado artístico. E, o compositor, por sua vez, personalidade inteligente, fascinante e carismática, é um ótimo personagem para a temática de um filme. Ele, suas criações artísticas e suas histórias. 5 Ver em Paulo Vanzolini – Coleção Folha Raízes da MPB . Disponível em: http://raizesmpb.folha.com.br/vol- 16.shtml 6 Paulo Vanzolini: Onze Sambas e uma Capoeira , de 1967, e A Música de Paulo Vanzolini , de 1974. 7 Ver em Angel Luis Montón. “O Homem e o Mundo Midiático no Princípio de um Novo Século”. In: NÓVOA, Jorge, FRESSATO, Soleni e FEIGELSON, Kristian (organizadores). Cinematógrafo. Um Olhar sobre a História . Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009, p. 32. Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 3 Uma palavra esteve muito presente na realização desse filme em praticamente todos os seus aspectos: afetividade. Logo no seu início, temos a imagem e a fala de Vanzolini explicando os motivos para a realização do filme: mostrar o artista, a sua obra e oferecer um tributo à cidade de São Paulo e ao seu povo, principais inspirações para a criação de suas composições. Nesse primeiro instante, portanto, Vanzolini informa o espectador que ama a cidade e que tem uma dívida muito grande com ela. A urbe e os paulistanos são, como veremos mais adiante, temáticas muito presentes no filme. Prosseguindo no aspecto da afetividade, Ricardo Dias conhece Paulo Vanzolini desde criança, pois o seu pai era amigo do artista. Para conseguir as belas e instigantes fotografias da São Paulo dos anos de 1940 e 1950 o diretor recorreu a Thomaz Farkas (1924-2011), grande nome da fotografia paulista e brasileira e seu amigo pessoal. Além do mais, Paulo Vanzolini cantou pouco no filme; ele fez algumas aparições no show do SESC, cantou a música Volta por Cima e cantarolou um pouco nas rodas de samba realizadas em sua residência. Por esse motivo, vários artistas interpretaram suas músicas no filme, muitos deles nomes consagrados da MPB, tais como Chico Buarque, Inezita Barroso, Martinho da Vila, Miúcha e Paulinho da Viola. Ana Bernardo, Chico Aguiar, Elton Medeiros, Maria Marta e Márcia, entre outros, também marcaram presença no filme, sobretudo Ana Bernardo e Márcia, grandes intérpretes de Paulo Vanzolini. O critério para a escolha dos artistas, segundo Ricardo Dias e o diretor musical Ítalo Peron, partiu do próprio Vanzolini que foi a amizade e a afetividade. A escolha desses artistas consagrados para participarem do filme, também objetivou capturar a atenção dos potenciais espectadores pela afetividade e pela empatia, tendo em vista que nem todos os amantes da MPB conhecem Paulo Vanzolini, mas, certamente, todos conhecem (e muitos adoram) Chico Buarque, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa e Paulinho da Viola, nomes que constam na capa/estojo do DVD, ao lado da imagem de Vanzolini. Sobre Adoniran Barbosa, foram inseridas imagens do final dos anos 70’ onde o artista, em um bar (na companhia do grupo musical Demônios da Garoa ), fala de Paulo Vanzolini, da relação entre os temas das suas composições e da amizade que existia entre eles. Ambos trabalharam juntos na Record na década de 1960. A afetividade, a empatia, a atitude de despertar emoções , foram, portanto, aspectos muito importantes para a elaboração e a condução do filme. Nesse sentido, é pertinente lembrarmo-nos de dois teóricos que estudaram o cinema, a história e a relação entre ambos: Rosentone e Raack. Eles consideram que ...assim como a escrita é mais adaptada a expressar melhor determinados elementos e aspectos da história, a exemplo das descrições, das elaborações teóricas, das narrações cronológicas, a Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 4 audiovisual expressa melhor questões como a emoção, os dramas cotidianos, os costumes, o caráter processual e plurissignificativo da história. 8 Nos primeiros minutos do longa-metragem, Paulo Vanzolini afirma que não se trata de um filme sobre sua vida e obra apenas, trata-se também de oferecer um tributo à cidade de São Paulo, pois o artista diz que tem uma dívida muito grande com ela. Nesse aspecto, acreditamos que seria interessante analisar a representação ou as representações da cidade de São Paulo e de seu povo sugeridas no filme Um Homem de Moral . Por representações compreendemos leituras, visões. A cidade de São Paulo que aparece no écran é dinâmica e fervilhante. Os bairros e regiões da cidade que foram incluídos na filmagem são principalmente os do Centro: região da Luz, imediações do mercado municipal, Praça Clóvis, Praça da Sé e imediações, e algumas ruas próximas à estação de metrô São Bento. Podemos pensar que Um Homem de Moral privilegiou as imagens do Centro pelo fato de Paulo Vanzolini ter vivido longos períodos de sua vida nessa região.