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SCHOBBENHAUS, C. / CAMPOS, D.A. / QUEIROZ, E.T. / WINGE, M. / BERBERT-BORN, M.

Grutas de (Iraquara, e Palmeiras), BA Um dos principais sítios espeleológicos do Brasil

SIGEP 18

Fernando Verassani Laureano1 Francisco William da Cruz Jr.2

A ocorrência de uma expressiva densidade de cavernas, algumas delas consistindo grandes sistemas de cavernas, faz com que a área nas proximidades de Iraquara (BA), região da porção da , constitua um dos principais sítios espeleológicos do Brasil. Essas cavidades foram esculpidas em rochas carbonáticas neoproterozóicas da Formação Salitre (Grupo Una), no extremo sul da Bacia de Irecê, e guardam, além de uma incontestável beleza cênica, importantes registros culturais e científicos, os quais compõem um patrimônio de importância e interesse multidisciplinar. Estudos geoespeleológicos e morfológicos de cavernas locais revelam uma história evolutiva multifásica, que envolveu fases de abertura, ampliação, assoreamento e, por fim, desobstrução e erosão de parte dos condutos. Além de constituírem importantes reservatórios para o abastecimento de água, as cavernas são também atrativo especial para atividades ecoturísticas na região.

Caves of Iraquara, (Iraquara, Seabra and Palmeiras), State of - One of the most important speleologic sites of The occurrence of an expressive density of caves, some of them comprised by great systems, become the area around Iraquara city, central Bahia, one of the most important speleologic sites of Brazil. Those cavities were sculpted in neoproterozoic carbonatic rocks of the Salitre Formation (Una Group), in the southernmost part of Irecê Basin. The region has a cultural and scientific importance and exhibits a very representative karst landscape in Brazil. Geo-speleological and morphological studies from local caves point out a multiphasic evolution history, involving opening, enlargement, infilling, sediment erosion and conduit destruction. Such caves have been used mainly for water supplies and, nowadays, represent a special attractive to ecotourism.

SítiosSítios geológicos geológicos e paleontológicos e paleontológicos do Brasil do Brasil 461461 Lapa Doce, Gruta da Torrinha, Buraco do Cão e Gruta da Pratinha. A região de Iraquara é responsável pela “Iraquara - a cidade das grutas” é o que diz o manutenção subterrânea da grandiosidade e beleza de letreiro construído no trevo que dá acesso à cidade. um dos mais expressivos conjuntos paisagísticos do Seja bem-vindo a mais um monumento natural do Brasil, a Chapada Diamantina. As redes de galerias território brasileiro. existentes compõem um dos mais significativos sítios espeleológicos do país, onde, atualmente, encontram- se registradas mais de uma centena de cavernas, constituindo, possivelmente, o local de maior densidade A área do sítio está situada na porção centro- de galerias subterrâneas por unidade de área, no Brasil norte da Chapada Diamantina, região central do estado (Auler & Farrant, 1996). Essas grutas exibem formas e da Bahia (Figura 1). O principal meio de acesso à cidade padrões variados, muitas delas atingindo dimensões de Iraquara, que dista 450km de Salvador, é pela BR- quilométricas de desenvolvimento. 242 (Rodovia Salvador-Brasília) até a localidade de Além de seu aspecto cênico, as grutas de Iraquara Carne Assada, de onde se vai pela BR-122 (Estrada do conservam um conjunto patrimonial-científico de Feijão) até Iraquara. Seabra, que dista aproximadamente relevância multidisciplinar, devido aos seus registros de 40km a SW de Iraquara, e Lençóis, cerca de 70km a importância geológica, geomorfológica, paleontológica, SE, são as principais cidades nas redondezas. arqueológica e biológica. Quilômetros de condutos de grande porte constituem as marcas da atuação dos mecanismos erosivos preservados em subsuperfície, os As feições cársticas locais somente foram quais resgatam os processos geomorfológicos atuantes reportadas, até os anos oitenta, em trabalhos de cunho na edificação do modelado atual. O registro sedimentar regional - a exemplo de Tricard & Silva (1968) -, que associado às galerias revela as condições ambientais nas não faziam descrição específica das cavernas da área. quais a região vem evoluindo durante os últimos milhões Já nos anos 80, Guerra (1986) estudou, de anos da história da Terra. Além disso, esses preliminarmente, a origem de feições do relevo cárstico, sedimentos contêm registros fossilíferos da Megafauna como depressões fechadas dentro de um contexto Pleistocênica, tais como preguiças gigantes (Scelidodon geológico e hidrogeológico em toda a faixa carbonática cuvieri) e tigres-dente-de-sabre (Smilodon populator) que entre Iraquara e Irecê. ali viveram antes de serem extintos deste planeta. Os condutos inundados são habitados por pequenos bagres Os levantamentos espeleológicos na região cegos e albinos, de grande importância para a biologia, possuem uma história bastante recente dentro do pois correspondem a uma nova espécie descrita quadro espeleológico brasileiro. Eles tiveram início em somente na Lapa Doce, até o momento (Liana Mendes, 1986, através das expedições franco-brasileiras lideradas 1999, com.verbal). Algumas grutas, como a Lapa do pelo Grupo Espeleológico do Ceará - GEECE. O Sol e o Abrigo Santa Marta, exibem ainda, em suas resultado dessa expedição foi nada mais do que a entradas, painéis de pinturas rupestres que constituem surpreendente descoberta da Caverna Lapa Doce, uma prova ainda pouco investigada de civilizações pré- naquela época, a maior do Brasil. A partir de então, históricas que habitaram a região. outras incursões organizadas por equipes francesas proporcionaram o levantamento de outros sistemas de Mas não é só em relação à ciência que essas cavernas quilométricas na região: a Lapa da Torrinha, a cavidades naturais têm sua importância. O aqüífero Gruta Azul e o Sistema Cão-Talhão. Um registro cárstico é um dos principais recursos naturais da área, sintético dessas atividades foi apresentado no trabalho uma vez que os cursos superficiais são preferencialmente de Panchout & Panchout (1995). secos e a água disponível nos condutos inundados constitui a principal fonte de água para consumo Em 1988, o Grupo Bambuí de Pesquisas humano e desempenho das atividades agrícolas. O Espeleológicas - GBPE iniciou suas atividades de crescimento do ecoturismo em toda a região da exploração e mapeamento na região de Iraquara Chapada Diamantina vem também chamando a (Rubbioli, 1995). As sucessivas investidas dos atenção para o aproveitamento turístico dos diversos espeleólogos do GBPE proporcionaram o cenários subterrâneos, sendo que, atualmente, 4 cavernas estabelecimento de um panorama mais abrangente da já se encontram inseridas no roteiro turístico da região: distribuição de cavernas ao longo da exposição de

462 Grutas de Iraquara, BA Figura 1: Localização do sítio no Esta- 46° 41° 38° 8° Irecê do da Bahia e no Brasil. 2 41º30' 0 100 200km 208 14 2220 26 Figure 1: Situation of the site in Bahia 12º10' State and Brazil. Área do Sítio 8650 Iraquara São José o BR-242 c Seabra Salvador s Iraquara

i

13° c Lençóis 6

n 1

a 1 rochas carbonáticas, contribuindo r -

F R BAHIA B o também para o reconhecimento e a ã Iraporanga S

o i 86 topografia de outras grutas com grande R 40 dimensão, tais como a Lapa do Diva, a Diva de Maura e o Sistema de Cavernas Santa Rita Ioiô-Impossível. 18°

Entre janeiro de 1995 e fevereiro 86 30 de 1999, funcionou em Seabra o BRASILBRASIL

122 escritório regional do Centro de BR Recursos Ambientais da Bahia (CRA),

Salvador sob coordenação do Sr. Aloísio Cardoso, Carne BR 242 Assada 86 personagem bastante conhecido no 20 meio espeleológico brasileiro. Esse Brasília 12º30' período foi extremamente rico para o 41º43'45" 0 1 2km Palmeiras cadastro e mapeamento de cavidades na região, devido ao constante trabalho de Convenções prospecção e também ao suporte de infra-estrutura básica efetuado por esse Estradas principais órgão junto aos grupos que até então Estradas secundárias trabalharam na região, como o GBPE, Cidades o Guano Speleo IGC/UFMG e a Povoados União Paulista de Espeleologia - UPE. Entrada de caverna Assim, com o progresso dos trabalhos de localização e mapeamento topográfico das cavidades locais, feitos pelos grupos de espeleologia, tornaram-se viáveis os estudos científicos específicos Contexto Geológico em subsuperfície. Coube a Ferrari (1990) o pioneirismo A área do sítio em questão corresponde à porção no desenvolvimento de estudos sistemáticos, de caráter sul de uma das principais exposições de rochas acadêmico, a partir de levantamentos desenvolvidos nas carbonáticas do estado da Bahia, denominada cavernas da região de Iraquara. Esse autor apresenta geologicamente como Bacia Sedimentar de Irecê (Souza um inventário de feições cársticas de superfícies, além et al. 1993). A seqüência de rochas carbonáticas dessa de uma caracterização inicial dos sedimentos clásticos bacia pertence à Formação Salitre, Grupo Una, associados ao Sistema Lapa Doce. As observações e Supergrupo São Francisco (Inda & Barbosa, 1978), de conclusões geradas a partir desse estudo foram idade neoproterozóica. Essa formação é composta significativamente ampliadas, recentemente, através dos predominantemente de unidades calcárias representadas trabalhos de Cruz Jr. (1998) e Laureano (1998), os quais, por calcilutitos, calcarenitos oolíticos a pisolíticos e em conjunto, reportam a história de abertura e outras com predomínio de calcários dolomíticos e preenchimento dos dois maiores sistemas de cavernas dolomitos, descritos como doloarenito e dololutitos. da região: Lapa Doce e Torrinha. Auler (1999) utilizou Os diferentes tipos de rochas caraterizam fácies as grutas de Iraquara para embasar modelos regionais associadas à sedimentação carbonática em zonas de mar de espeleogênese, trabalhando também com raso até talude de plataforma continental, de acordo geocronologia, através de datações por com Souza et al. (1993) e Dominguez (1996). paleomagnetismo e pela série de decaimento do urânio Essas litologias estão inseridas em um conjunto em calcitas secundárias depositadas em espeleotemas. de megadobras, cujo estilo é representado pela sucessão

Sítios gelógicos e paleontológicos do Brasil 463 de suaves anticlinais e sinclinais de dimensões variáveis, intervalo de altitudes entre 800 a 1.200m, em cuja entre quilômetros a dezenas de quilômetros, sendo seus porção superior ressaltam as feições morfológicas em eixos orientados preferencialmente na direção NNW- arenitos da Formação Tombador, Grupo Chapada SSE (Dandefer-Filho, 1990). Na região de Iraquara, a Diamantina, as quais correspondem ao Domínio do seqüência carbonática está posicionada em um sinforme Planalto dos Gerais (ver Pedreira e Rocha, 2001, Sítio que chega a atingir 20km de largura, apresentando 31, neste mesmo livro). Os Morros do Pai Inácio e do valores de mergulhos geralmente baixos, entre 5 a 10°, Camelo, localizados no limites sudeste da área, são podendo, em alguns pontos, alcançar mergulhos de até exemplos muito conhecidos dessas feições na região. 40°. Desníveis de até 500m em relação às serras de Margeando as seqüências carbonáticas, afloram arenito favorecem o direcionamento de toda a rede de litologias dominantemente siliciclásticas, pertencentes à drenagem para o planalto cárstico, mais precisamente Formação Bebedouro, ainda inseridas no Grupo Una, no sentido do vale do Rio Santo Antônio. O referido e litologias mesoproterozóicas dos grupos Chapada rio é um importante afluente do Rio Paraguaçu e Diamantina e Paraguaçu (Figura 2). constitui a principal drenagem da área, correspondendo, assim, ao nível de base hidrológico local, para onde confluem as drenagens provenientes das serras areníticas Contexto geomorfológico e os fluxos de água subterrânea. Em suas margens, ao A região de Iraquara está situada no domínio de longo do planalto cárstico, existe um considerável um planalto cárstico que possui intervalos de altitudes número de surgências ou nascentes cársticas, tais como entre 600 e 800m e relevo suavemente ondulado. O a Surgência da Pratinha, nas proximidades da confluência planalto cárstico encontra-se circundado por serras com com o Riacho do Gado (Figura 2).

Figura 2: Aspectos geológicos e geomorfológicos do carste de Iraquara. Modificado de Cruz Jr. (1998). Figure 2: Geologic and geomorphologic aspects of Iraquara Karst. After Cruz Jr. (1998)

464 Grutas de Iraquara, BA A drenagem no planalto cárstico caracteriza-se Lapa Doce e Lapa da Torrinha, onde as depressões pela presença de vales bem encaixados compostos por aparentam marcar a continuidade do Vale do Riacho vertentes geralmente escarpadas com profundidades, Água de Rega, em superfície. A existência da correlação em alguns casos, superiores a 40m. Alguns desses vales, estatística entre a orientação do eixo das depressões e como os riachos Água de Rega e das Almas, situados os segmentos de condutos, nos trechos referentes às a NW da área, não chegam a se comunicar com o Rio cavernas Lapa Doce e Lapa da Torrinha, ao centro da Santo Antônio, formando assim expressivos vales área, e às grutas do Ioiô e Impossível, a sudeste, cegos. Estes, por sua vez, evidenciam diretamente a evidencia a direta associação entre a distribuição de captura de drenagens superficiais por cavernas, em subsuperfície. cavernas e dolinas de abatimentos na área (Cruz Jr., 1998). As depressões fechadas sobressaem-se no relevo local, não somente por serem a feição cárstica mais comum, mas também pelos diferentes tipos O carste em subsuperfície morfológicos presentes. Essas feições consistem em As cavernas podem ser encontradas em todo o dolinas simples com alguns metros de diâmetro e até planalto cárstico, no entanto verifica-se uma distribuição mesmo em grandes dolinas compostas e uvalas, cujo preferencial na parte centro-sul da área, particularmente eixo maior tem comprimento superior a 1km. Cruz no trecho entre os sumidouros dos riachos Água de Jr. (1998) quantificou parâmetros planimétricos de Rega e das Almas e a margem esquerda do Rio Santo distribuição, forma, orientação e área superficial de um Antônio (Figura 3). Outras importantes ocorrências total de 837 depressões, medidas numa área de estão situadas nas proximidades das surgências da superfície carbonática de 492km2, ou seja, 1,7 depressão Pratinha, do Rio Preto e na porção sudeste da área. por km2, que abrange desde a cidade de Iraquara, a Os sistemas de cavernas Lapa Doce e Lapa da norte, até as proximidades da BR-242. Torrinha, localizados nas proximidades do Sumidouro As cavernas são, na maioria dos casos, acessadas do Riacho Água de Rega, com desenvolvimento via dolinas de colapso ou abatimento. O processo de horizontal de 17 e de 8,3km, respectivamente (Panchout abatimento de condutos foi muito importante na & Panchout, 1995), são os mais extensos conhecidos. segmentação e destruição parcial a total de parte das O Sistema Lapa Doce, até então considerado cavernas da área. O melhor exemplo disso é o um dos dez maiores sistemas de cavernas do país, foi alinhamento das dolinas de colapso sobre as cavernas separado espeleometricamente por Rubbioli (1995) nas

Figura 3: Mapa de distribuição de cavernas e surgências da porção centro-sul do carste de Iraquara. Modificado de Rubbioli (1995) e Auler & Farrant (1996). Figure 3: Distribution of cave and surgences in southern-central Iraquara Karst. After Rubbioli, (1995) and Auler & Farrant (1996).

Sítios gelógicos e paleontológicos do Brasil 465 cavernas Lapa Doce (6,5km) e Lapa Doce II (9,8km), da Torrinha (Figura 4) são caracterizados pela presença com o argumento de que uma dolina de colapso de galerias maiores que, em muito locais, possuem interrompe a continuidade entre os dois ramos do largura e altura, respectivamente, superiores a 50 e 15m, sistema. Outras grandes cavernas, de acordo com o de onde se formaram ramos de condutos que definem levantamento de Rubiolli (1995), são a Lapa do Diva um padrão geral distributário (Ferrari, 1990; Cruz Jr., (3,9km) e o Sistema Cão-Talhão (3,0km), mais a sul; as 1998). Em outros sistemas de grande dimensão, grutas do Ioiô (4,0km) e Impossível (2,3km), a sudeste, predominam padrões de condutos principais mais na margem direita do Rio Santo Antônio; e a Gruta estreitos, porém com poucas ramificações, tais como Azul (1,5km), nas adjacências da Surgência da Pratinha nas Grutas do Diva e Impossível. As cavernas com (Figura 3). padrão de grandes salões de abatimento são as mais Existe uma grande diversidade de padrões freqüentemente encontradas na área, a exemplo das morfológicos de cavernas em planta ao longo da área. grutas de Zé Libano, Jaburu, Santa Marta, Conceição, Acredita-se que os grandes sistemas de cavernas são entre muitas outras. Elas geralmente possuem grandes formados principalmente a partir de recargas de fluxo e belos pórticos de entrada, que dão acesso a volumosos via drenagens superficiais alogênicas provenientes das salões, onde os condutos adjacentes são geralmente serras de arenito, com destaque para os riachos Água interrompidos por blocos abatidos ou pelo de Rega e das Almas. Os sistemas Lapa Doce e Lapa preenchimento sedimentar. Já as cavernas com padrão

Figura 4: Maior - galeria principal do Sistema Lapa Doce, trecho turisticamente visitado. Menor – Galeria do nível inferior do Sistema Lapa da Torrinha. Fotos de Ivo Karmann. Figure 4: Larger – trunk gallerie of Lapa Doce System opened for guided-tour. Smaller - gallerie of Lapa da Torrinha System located in lower cave level. Photos by Ivo Karmann.

466 Caverna Aroe Jari, Chapada dos Guimarães, MT reticulado, ou de condutos em ângulo, ocorrem interior de suas galerias é possível contemplar, além principalmente junto às margens do Rio Santo Antônio, das formas mais comuns, espeleotemas menos nas proximidades de surgências cársticas. É bem populares e não menos singulares e belos como vulcões, provável que, com o avanço dos trabalhos de flores de aragonita e o maior depósito de agulhas de mapeamento topográfico de cavidades, no futuro gipsita de que se tem conhecimento em grutas próximo, muitas ocorrências desse tipo incluam-se entre brasileiras, contendo exemplares que superam os 50cm as maiores cavernas da área. de comprimento. A maior parte das grutas de Iraquara são A evolução morfológica das cavernas do sítio formadas por passagens secas ou drenadas apenas por está restrita, em grande parte, às observações referentes cursos de água intermitentes. No entanto, existem várias ao estudo morfológico e geoespeleológico realizado ocorrências de cavernas, ou trechos destas, com a presença de lagos e rios perenes, de incontestável beleza nos sistemas Lapa Doce e Lapa da Torrinha, a partir cênica, em que o processo de formação e ampliação dos trabalhos de Ferrari (1990), Cruz Jr. (1998) e de passagens de condutos encontra-se em franca Laureano (1998). Além do padrão geral de condutos atividade. Os sistema de cavernas Gruta Azul-Pratinha, distributários preferencialmente com direção NW-SE, as grutas do Ioiô, Impossível e do Diva são tidos como anteriormente referido, ocorrem nesses sistemas trechos os principais exemplos locais. Algumas dessas cavidades, com morfologia em alça, reticulada e entrelaçada, como o Sistema Gruta Azul-Pratinha, necessitam ser descritos com base na geometria de condutos e na mapeadas por espeleo-mergulhadores. relação entre as suas paleorrotas de fluxo (Cruz Jr., op. As galerias emersas são, na maioria, portadoras cit.). A junção dos ramos distributários aos condutos de um rico acervo de espeleotemas, propiciando uma principais está situada junto ao piso ou em diferentes ornamentação com uma tal variedade de formas que alturas em relação a ele, o que define assim a existência impossível seria aqui descrevê-las na totalidade. de diferentes níveis de condutos nesses sistemas. Poucos Predominam os precipitados de calcita, os quais metros abaixo do piso do conduto principal existem ocorrem como estalactites, estalagmites, colunas, malhas labirínticas de condutos que consistem em um escorrimentos, travertinos, entre outros. A aragonita dos únicos trechos desses sistemas que estão, periódica também é regularmente encontrada, compondo a permanentemente, submersos. também as mais variadas formas. A caverna que mais O modelo espeleogenético proposto por Cruz se destaca, até o momento, no contexto de variedade Jr. (1998) para os sistemas Lapa Doce e Lapa da de formas e composição de seus depósitos químicos Torrinha sugere uma história evolutiva multifásica que secundários é, sem dúvida, a Gruta da Torrinha. No envolveu fases de abertura, ampliação, assoreamento e, por fim, desobstrução/erosão de Fase Inicial Fase Terminal Características condutos. A fase de abertura incluiu uma Ambientes: iniciação freática de condutos; a fase de NA lago subterrâneo sendo entulhado por fluxos ampliação consistiu num entalhamento ESTÁGIO 3 de lama normal dos condutos que acompanhou NA Expansão paragenética dada pelo injeção lenta mudanças do nível de base do Rio Santo e contínua de sedimentos. Antônio; a fase de assoreamento foi Nível d'água alto. caracterizada por expressivos depósitos Ambientes: de sedimentos clásticos que cursos fluviais efêmeros leques aluvias preencheram, quase que totalmente, os ESTÁGIO 2 Sedimentação inicia-se condutos desses sistemas, ocasionando nas galerias menores, conectando-as as maiores modificações de sua morfologia por e assoreando os sistemas NA comoumtodo. Grande amplitude de variação do NA Ambientes: planícies de inundação ESTÁGIO 1 canais fluviais Figura 5: Estágios e condições ambientais Sedimentação em pelo de sedimentação nos condutos de cavernas. menos 2 eventos, causada NA por variações do nível Modificado de Laureano (1998). NA de base ou abandono Figure 5: Stages and environmental conditions to temporário de rotas. sedimentation in cave passages. After Laureano Nível d'água baixo (1998)

Sítios geológicos e paleontológicos do Brasil 467 processos paragenéticos, regidos pela subida no nível turismo no estado da Bahia, fundamentada na co-gestão eustático da água (tetos planos nivelados pela água, participativa da União, do Estado, dos municípios canais de teto, pendants); e, por fim, a fase desobstrução/ envolvidos e da sociedade civil, através de um conselho erosão dos condutos envolveu a erosão parcial dos de acompanhamento de caráter consultivo. sedimentos, formando, em alguns casos, proeminentes canais caracterizados por taludes em sedimentos com mais de 20m de altura, configurando, dessa forma, o espaço físico das passagens atualmente exploradas. É Auler, A.S., Farrant, A.R. (1996) A brief introduction to karst and importante acrescentar que em muitos trechos dos caves in Brazil. Proceedings of University of Bristol Spelaeological Society, v.20, n.3, p. 187-200. sistemas as galerias foram totalmente modificadas por Auler, A.S. (1999) Karst Evolution and Palaeoclimate of Eastern Brazil. processos de incasão ou colapso de suas paredes e tetos, Bristol U.K.: University of Bristol. (Ph.D. Thesis) formando imponentes pilhas de grandes blocos e lajes, Bahiatursa. (1998) Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental com destaque para o Salão Branco na Lapa da Torrinha, Marimbus-Iraquara - Síntese. Salvador. 59p. onde, numa galeria com largura superior a 100m, Cruz JR., F.W. (1998) Aspectos geomorfológicos e geoespeleologia do carste da região de Iraquara, centro norte da Chapada Diamantina, Estado existem pilhas de blocos com mais de 20m de altura. da Bahia. São Paulo: Instituto de Geociências, Universidade A análise estratigráfica efetuada por Laureano de São Paulo. 108p. (Dissertação de Mestrado) (1998) nesse expressivo registro sedimentar do Dandefer-Filho, A. (1990) Análise estrutural descritiva e cinemática do Supergrupo Espinhaço, na região da Chapada Diamantina, BA. Quaternário continental brasileiro aponta para uma Ouro Preto: Escola de Minas da Universidade Federal de diversidade de ambientes deposicionais atuantes no Ouro Preto. (Dissertação de Mestrado) preenchimento desses condutos. As associações Dominguez, J.M.L. (1996) As coberturas plataformais do faciológicas indicam para atuação, da base para o topo, Proterozóico Médio e Superior. In: Barbosa, J.S.F. & de típicos rios subterrâneos, compostos por canais e Dominguez, J.M.L. Mapa Geológico do Estado da Bahia - Texto Explicativo. Superintendência de Geologia e Recursos Minerais. planícies de inundação, seguidos pela sedimentação em p. 105-142. condições de enchentes bruscas relativas a cursos Ferrari, J.A. (1990). Interpretação de feições cársticas na região de Iraquara efêmeros e, finalmente, por uma deposição gravitacional - Bahia. Salvador: Curso de Pós-graduação em Geociências, referente à injeção de sedimentos argilosos em condutos Universidade Federal da Bahia. 96 p. (Dissertação de alagados (Figura 5). Mestrado) Guerra, A. M. (1986) Processos de carstificação e hidrogeologia do Grupo Bambuí na região de Irecê - Bahia. São Paulo: Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. (Tese de Doutorado) A Área de Preservação Ambiental (APA) Iinda, H.A.V., Barbosa, J.F. (1978) Texto explicativo para o mapa Marimbus-Iraquara constitui uma unidade de geológico da Bahia em escala 1:100.000. Salvador: SGM/CPM. conservação permanente instituída através do Decreto 137p. Laureano, F.V. (1998) O registro sedimentar clástico associado aos sistemas Estadual nº 2.216, de 14 de junho de 1993. Perfaz uma de cavernas Lapa Doce e Torrinha, município de Iraquara, Chapada 2 área de 1254km , abrangendo parte das terras dos Diamantina, BA. São Paulo: Instituto de Geociências, municípios de Iraquara, Lençóis, Andaraí e Seabra, e Universidade de São Paulo. 99p. (Dissertação de Mestrado) engloba cenários como o morro do Pai Inácio, o Panchout, P.Y., Panchout, J.F. (1995) Brasil - aventures spéléo souis les Pântano do Marimbus e o grande Planalto Cárstico da tropiques. Havre: SNAG/Oceanigraphique. 171p. Rubbioli, E.L. (1995). Iraquara - um novo paraíso espeleológico. O Região de Iraquara. Carste, v. 7, n.3, p. 4-10. Através do zoneamento ecológico-econômico Souza, S.L., Brito, P.C.R, Silva, R.W.S. (1993) Estratigrafia, apresentado pela BAHIATURSA (1998), concebeu-se, sedimentologia e recursos minerais da Formação Salitre na como instrumento de disciplina do uso e ocupação do Bacia de Irecê, Bahia. Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, v. 2, p. 1-24. (Série Arquivos Abertos) solo, em sintonia com o desenvolvimento do turismo, Tricard, J. & Silva, T.C. (1968) Estudos de geomorfologia da Bahia e a proteção do parque espeleológico e a eliminação das Sergipe. Salvador: Fundação para o Desenvolvimento da práticas agrícolas realizadas sobre as grutas. Para tal foi Ciência na Bahia e Imprensa Oficial da Bahia. 167p. previsto o estabelecimento da Zona de Proteção de Cavernas, formando um polígono de 13 x 15km, no centro do planalto calcário de Iraquara. Essa zona prevê uma área de influência das grutas (projeção com mais 1,2 de 250m), onde o uso indicado é exclusivamente Instituto de Geociências-Universidade de permitido à pesquisa científica e ao turismo ecológico, São Paulo - Rua do Lago 562, São Paulo-SP, através de trilhas de pedestres e visitação mediante Brasil 1 [email protected] autorização, a depender da sustentabilidade desse uso. 2 [email protected] A gestão da APA Marimbus/Iraquara é um dos desafios atribuídos à BAHIATURSA, órgão oficial do

468 Grutas de Iraquara, BA