Universidade de São Paulo Instituto de Biociências Programa de Pós-Graduação em Ecologia

Ecologia, nicho climático e efeito das mudanças climáticas sobre a distribuição potencial das espécies

do gênero (, Serpente)

Juliana de Souza Terra

São Paulo

2018

Ecologia, nicho climático e efeito das mudanças climáticas sobre a distribuição potencial das espécies

do gênero Eunectes (Squamata, Serpente)

Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, para obtenção do Título de Doutor em Ecologia, na Área de Ecologia de Ecossistemas Terrestres.

Orientador: Marcio Martins

São Paulo

2018

I

A todas as mulheres que se atreveram a se dedicar à ciência,

A todos que, mesmo perante todas as dificuldades não desistiram de seus objetivos,

A minha mãe Eloisa e irmã Bruna, que, mesmo a um oceano de distância se mantiveram próximas, me incentivando em momentos difíceis,

A minha sobrinha Mariana, que você possa viver em um mundo onde a biodiversidade seja preservada e respeitada.

II

A natureza é exatamente simples, se conseguirmos encará-la de modo apropriado. Essa crença tem-me auxiliado, durante toda a vida, a não perder as esperanças, quando surgem grandes dificuldades de investigação.

Albert Eintein

III

AGRADECIMENTOS

Um doutorado não se faz sozinha, são muitas pessoas com diferentes papéis, mas igualmente importantes para o desenvolvimento da pesquisa.

Palavras somente não representam a gratidão que sinto por todos que tiveram um dedinho nesse projeto e ajudaram de alguma forma para que ele acontecesse.

Primeiro quero agradecer ao meu orientador Dr. Marcio Martins, que abraçou o projeto sucuri, aceitou me orientar e compartilhar sua valiosa experiência comigo, obrigada pela confiança, pela paciência, compreensão e incentivo em momentos extremamente difíceis durante esses quatro anos;

Ao Conselho nacional de Desenvolvimento científico e tecnológico

(CNPq) pela bolsa de doutorado fornecida;

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da pesquisa, processo nº2011/50206-9;

Ao Dr. Jesus A. Rivas, que participou desse projeto desde o princípio, encorajando e contribuindo com seus valiosos conselhos e sabedoria, obrigada pela oportunidade de ir aos Lhanos adquirir mais experiência em campo com esses animais antes de começar as coletas no Brasil, essa troca de experiência no início do doutorado foi de extrema importância para o desenvolver do Projeto Sucuri, obrigada pela co-orientação não formal;

A Chris (Dra Christine Strüssmann), se não fosse você lá no início, em

2013, quando começamos a esboçar a idéia de tirar do papel o Projeto Sucuri,

IV

eu certamente não teria desenvolvido essa tese. O interesse, a curiosidade e a paixão que dividimos pelas sucuris me encorajou a desenvolver esse trabalho, obrigada por ter estado próxima esses anos, disposta a conversar e me ajudar sempre que precisei, que nossa parceria e o Projeto Sucuri dure ainda muitos anos;

Agradeço a minha banca do comitê de acompanhamento de tese, a Dra.

Vanda L. Ferreira e Dr. Ricardo J Sawaya, pelas valiosas reuniões que sempre me elucidavam em diversas questões e me faziam crescer um pouco mais, vocês foram mais que uma banca de comitê, eu não tenho palavras para agradecer o esforço de vocês;

A Dra. Vanda L. Ferreira, hoje uma grande amiga que tenho imenso carinho, nunca serei capaz de expressar o quão grata sou por tudo. Obrigada por me ceder um espaço em seu laboratório na UFMS para que eu pudesse trabalhar enquanto estava em Campo Grande durante esses anos, obrigada pela preocupação e pelo apoio durante o momento mais delicado desses quatro anos;

A Marcela Brasil-Godinho pelo auxílio nas análises dos dados de modelagem, não tenho palavras para agradecer todo seu empenho, gratidão;

Ao Dr. Christiano Nogueira por me ceder as coordenadas geográficas das espécies de Eunectes contidas na base de dados sobre distribuição das serpentes brasileiras;

A Paola De La Quintana, James Aparicio, Leandro Alcade e Tomas

Waller por me cederem coordenadas geográficas de alguns animais;

V

Ao Daniel De Granville por me ceder algumas fotos contidas no trabalho;

Ao Juca Ygarapé, a parte de campo desse trabalho não seria possível se eu não tivesse tido seu apoio. Apesar de não ser do meio científico, o interesse e curiosidade que ele cultiva pela população de sucuris de Bonito o fez abraçar o projeto e me permitiu colher os dados em campo, agradeço por me permitir coletar no Eco Park Porto da Ilha, o seu apoio foi e é fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, muito obrigada;

Agradeço imensamente a todos os funcionários do Eco Park Porto da

Ilha que sempre me acolheram da melhor maneira, em especial à Dona

Arminda, Adão e aos remadores Gasolina, Vilmar, Benites e Pucca, se não fossem vocês me levando rio acima e rio abaixo, todos os dias, faça chuva, sol, frio ou calor em procura dos animais nada teria acontecido. O conhecimento de vivência que vocês têm sobre as sucuris facilitaram demais minha pesquisa, poder contar com a experiência de vocês para encontrar os animais foi fundamental. Registro aqui minha imensa gratidão por tudo que fizeram, foram mais que remadores, viraram meus ajudantes de campo. Agradeço aos demais remadores que apesar de não estarem comigo dia a dia, sempre faziam questão de me avisar a localização das sucuris que avistavam durante o passeio dos turistas. O meu muito obrigada a todos do Eco Park, que sempre me trataram com muito respeito, que essa parceria ainda dure muitos anos;

Ao Pedro, estagiário cheio de vontade de aprender mais sobre esses animais, que passou o mês de maior trabalho em campo comigo acompanhando os animais;

VI

A Prefeitura Municipal de Bonito por me autorizar a trabalhar no balneário municipal;

A todos os amigos que me incentivaram a continuar depois da descoberta de sérios problemas de saúde a um mês antes do trabalho de campo marcado para 2015. Quando vi tudo mudar e vi que não conseguiria mais desenvolver o projeto que idealizei, que teria de adiar por cerca de um ano as coletas, quando percebi que fisicamente não era mais a mesma pessoa, quando ouvi do meu médico que o ideal seria eu não ir mais pra campo, quando pensei que tudo poderia estar perdido, a presença e o incentivo de vocês me encorajaram a continuar, vocês me ajudaram a encontrar forças para levar a frente, para ao menos tentar, mas não desistir. Muito obrigada em especial Sabine B. da Rocha, Leonardo Subtil, Amanda G. Boaretto, Priscila

Canesqui, Anna Resende, Thainara Felix Durso, Bianca Coubarssier, Laudiane

Teixeira por todas as conversas, todos os momentos de distração, palavras de incentivo e apoio, vocês foram fundamentais para mim;

A todas as pessoas que conheci e me acolheram na cidade de Bonito durante o período em que morei lá, não quero mencionar nomes para não esquecer ninguém, mas deixo aqui o meu muito obrigada. Muita gente acolheu o projeto e sempre que podiam me ajudar com informações de onde encontrar os animais não hesitavam em entrar em contato. É muito motivador ver o interesse e curiosidade da população, sempre tratando o trabalho realizado com muito respeito. Quando decidi me mudar para a cidade sozinha, para facilitar as coletas, não sabia o que encontraria, me surpreendi positivamente com o apoio que encontrei, esse apoio foi fundamental para continuar o

VII

trabalho naquela cidadezinha linda, porém longe de tudo e todos, muito obrigada;

Aos donos das fazendas e balneários que me permitiam coletar em suas propriedades, entendo que não é fácil autorizar o trabalhar em lugares que são atrativos turísticos tão movimentados, local de trabalho sério dessas pessoas.

Mesmo sabendo que os turistas poderiam não gostar da movimentação, me permitiram gentilmente a procura pelos animais, obrigada;

E por último, mas não menos importante, ao meu Pai, que mantém uma curiosidade nata pelas sucuris, colecionador de muitas histórias de encontros com esses animais durante a infância nas cabeceiras do rio Apa, e enquanto adulto nas pescarias pelo Pantanal, sempre interessado pelo trabalho e me enchendo de perguntas. À minha mãe, que apesar de ter fobia de serpentes sempre me apoiou, sempre se mostrou interessada, obrigada. E a minha Irmã, que nunca escondeu o orgulho que sente, sempre me incentivando, muito obrigada!!!

VIII

SUMÁRIO

RESUMO...... 1

ABSTRACT...... 2

INTRODUÇÃO GERAL...... 5

REFERÊNCIAS...... 9

CAPÍTULO I - Ecologia das espécies do gênero Eunectes (Squamata, Serpentes): estado atual do conhecimento e aspectos da ecologia de uma população de sucuri verde (Eunectes murinus) em um ambiente florestado no Estado do Mato Grosso do Sul...... 14

Resumo...... 15

Abstract...... 16

Introdução...... 17

Breve contextualização histórica, evolutiva e taxonômica das espécies do

gênero Eunectes...... 20

Parte I – Revisão da biologia das espécies do gênero Eunectes...... 23

1. ...... 23

1.1 Distribuição geográfica...... 25

1.2 Uso do ambiente...... 26

1.3 Área de vida...... 27

1.4 Tamanho corporal...... 27

1.5 Status de conservação...... 28

2. ...... 28

2.1 Distribuição geográfica...... 29 IX

2.2 Uso do Habitat e microhabitat...... 30

2.3 Atividade diária...... 31

2.4 Reprodução...... 31

2.5 Tamanho corporal...... 32

2.6 Dieta...... 32

2.7 Status de conservação...... 33

3. Eunectes murinus...... 33

3.1 Distribuição geográfica...... 34

3.2 Uso do Habitat e microhabitat...... 35

3.3 Atividade diária e sazonal...... 37

3.4 Reprodução...... 38

3.5 Tamanho corporal...... 41

3.6 Dieta...... 45

3.7 Status de conservação...... 48

4. Eunectes notaeus...... 48

4.1 Distribuição geográfica...... 49

4.2 Uso do Habitat e microhabitat...... 50

4.3 Atividade diária e sazonal...... 51

4.4 Reprodução...... 52

4.5 Tamanho corporal...... 54

4.6 Dieta...... 54

X

4.7 Status de conservação...... 55

5. Utilização das sucuris por humanos e ameaças à espécie...... 55

6. Programas de manejo e conservação das sucuris...... 58

7. Conclusão...... 62

Parte II – Observações sobre a ecologia da sucuri verde (Eunectes murinus) na

Serra da Bodoquena, MS...... 64

1. Materiais e métodos...... 65

1.1 Área de estudo...... 65

1.2 Coleta de dados...... 66

1.3 Monitoramento dos animais...... 69

2. Resultados...... 71

2.1 Atividade, uso do ambiente e movimentação dos indivíduos com

transmissores...... 71

2.2 Uso do microhabitat e atividade dos indivíduos sem transmissores..86

2.3 Reprodução...... 89

2.4 Observações de alimentação...... 92

2.5 Observações comportamentais...... 96

3. Discussão...... 97

4. Conclusão...... 106

5. Referências...... 106

CAPÍTULO II - Nicho climático e efeitos da mudança climática global sobre a distribuição potencial das espécies de Eunectes (Squamata, Serpentes) ...... 117

XI

Resumo...... 118

Abstract...... 119

Introdução...... 120

Materiais e métodos...... 125

Grupo focal...... 125

Registros de ocorrência...... 126

Modelos de mudança climática...... 127

Implementação dos modelos de nicho...... 129

Alterações na distribuição das espécies...... 132

Resultados...... 132

Discussão...... 140

Conclusão...... 152

Referências...... 154

XII

Lista de Tabelas

Tabela 1.1 Medidas e movimentação de indivíduos de sucuri verde (Eunectesmurinus) monitorados com o auxílio de rádio-transmissores na cidade de Bonito, MS. TT = Tamanho total, CRC = Comprimento rostro-cloacal, DMP = Distância mínima percorrida entre um dia e outro, DMAP = Distância máxima percorrida entre um dia e outro, DMPE = Distância média percorrida em um dia, DMTP = Distância máxima total percorrida entre dois pontos, DM = Dias de monitoramento...... 84

Tabela 2.1 Valores de AUC (Area Under Curve) de cada algoritmo utilizado no consenso dos modelos de nicho climático, para cada espécie de Eunectes...... 150

Tabela 2.2 Total de área (km²), perda e ganho de áreas (%) climaticamente adequadas para ocorrência potencial das espécies do gênero Eunectes no presente (consenso dos algoritmos GLM, GAM, RF e Maxent no modelo de distribuição, exceto GLM para E. murinus e E. notaeus) e futuro nos dois diferentes cenários de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6 e 8.5 (consenso dos modelos de circulação geral atmosfera- oceano - BCC-CSM1- 1, HadGEM2-ES, IPSL-CM5A e CCSM4), no cenário com dispersão...... 151

Tabela 2.3 Total de área (km²), perda e ganho de áreas (%) climaticamente adequadas para ocorrência potencial das espécies do gênero Eunectes no presente (consenso dos algoritmos GLM, GAM, RF e Maxent no modelo de distribuição, exceto GLM para E. murinus e E. notaeus) e futuro nos dois diferentes cenários de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6 e 8.5 (consenso dos modelos de circulação geral atmosfera- oceano - BCC-CSM1- 1, HadGEM2-ES, IPSL-CM5A e CCSM4), no cenário sem dispersão...... 157

XIII

Lista de Figuras

Figura 1.1 Eunectes beniensis registrada em Beni, Bolívia. Foto: Lutz Dirksen. Fonte: Dirksen e Böhme (2005)...... 25

Figura 1.2 Mapa de distribuição de Eunecte beniensis. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude)...... 26

Figura 1.3 Eunectes deschauenseei registrada em Marajó, Brasil. Foto: Lutz Dirksen. Fonte: Dirksen e Böhme, 2005...... 29

Figura 1.4 Mapa de distribuição de Eunecte deschauenseei. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude)...... 30

Figura 1.5 Eunectes murinus registrada nos Lhanos, Venezuela...... 34

Figura 1.6 Mapa de distribuição de Eunecte murinus. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude)...... 35

Figura 1.7 Eunectes notaeus registrada no Pantanal sul-matogrossensse, Brasil...... 49

Figura 1.8 Mapa de distribuição de Eunectes notaeus Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude)...... 50

Figura 1.9 Localização do município de Bonito (em amarelo no mapa principal), no oeste do estado do Mato Grosso do Sul (em amarelo no mapa da América do Sul), onde este estudo foi desenvolvido. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude). Note a Serra da Bodoquena (em forma de arco) que passa pelo extremo ocidental do município de Bonito...... 66

Figura 1.10 Imagem do Rio Formoso, principal rio amostrado na região. O local da foto se trata do Eco Park Porto da Ilha, o qual que faz parte do Monumento Natural do Rio Formoso, no municípiode Bonito, MS...... 68

Figura 1.11 Indivíduo de Eunectes murinus capturado na cidade de Bonito, MS, evidenciando o transmissor VHS acoplado com o auxílio de fita adesiva a prova d’água

XIV

(de cor preta) e a cabeça da serpente coberta com uma meia branca fixada com fita adesiva preta...... 70

Figura 1.12 – Indivíduo macho (M1) de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado na cidade de Bonito, MS, com um grande ferimento exposto, provavelmente oriundo de retaliação por parte de alguma presa...... 74

Figura 1.13 Indivíduo de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado no Rio Formoso, Bonito, MS, sob a água, em meio à vegetação. O se encontra camuflado, com apenas a cabeça para fora da água (primeira foto). A segunda evidencia como ela enrola a cauda em galhos submersos para se apoiar, é possível ver a antena do transmissor acoplado no corpo do animal...... 77

Figura 1.14 Macho de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado exposto ao sol utilizando tronco caído como microhabitat, no Rio Formoso, Bonito, MS...... 79

Figura 1.15 Fêmea de sucuri verde (Eunectes murinus) utilizando cavidade na beira do Rio Formoso (Bonito, MS) como abrigo...... 82

Figura 1.16 Pequena queda d’água utilizada como abrigo por uma fêmea adulta de grande porte de Eunectes murinus, localizada no Rio Formoso, Bonito, MS...... 83

Figura 1.17 Fêmea adulta de grande porte de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrada nadando na beira do Rio Formoso, cidade de Bonito, MS...... 85

Figura 1.18 Fêmea de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrada utilizando o barranco do Rio Formoso semanas após o primeiro evento reprodutivo registrado. Foto: Daniel De Granville | Photo in...... 86

Figura 1.19 Microhabitats em que indivíduos da sucuri verde (Eunectes murinus) foram encontradas, na região de Bonito, MS...... 87

Figura 1.20 Indivíduos de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrados utilizando árvores como microhabitat, nas margens do Rio Formoso, Bonito, MS...... 89

Figura 1.21 Fêmea da sucuri verde Eunectes murinus em atividade reprodutiva com apenas um macho, no barranco do Rio Formoso, Bonito, MS, registrado em Agosto de 2017. Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura...... 90

XV

Figura 1.22 Fêmea da sucuri verde Eunectes murinus em atividade reprodutiva com seis machos, no barranco do Rio Formoso, Bonito, MS, registrado em outubro de 2017...... 92

Figura 1.23 Macho de Eunectes murinus em atividade de predação a uma galinha (Gallus gallus) em Bonito, MS...... 95

Figura 2.1. Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes beniensis (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2...... 136

Figura 2.2 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes deschauenseei (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2...... 137

Figura 2.3 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes murinus (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2...... 138

Figura 2.4 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes notaeus (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2...... 139

XVI

Resumo: Atualmente estamos presenciando mudanças climáticas ao nível global sem precedentes, as quais se tornarão mais severas no decorrer dos anos, podendo causar danos irreversíveis à biodiversidade. Como as espécies irão reagir a essas mudanças e quais ações de conservações devem ser tomadas estão entre os tópicos mais significantes na ecologia atualmente. As mudanças climáticas têm sido apontadas como uma das principais causas de reduções (e alterações) na distribuição geográfica e abundância de muitas espécies, e até mesmo a extinção. Os modelos de nicho ecológico têm sido uma ferramenta muito utilizada a fim de compreender como a distribuição das espécies pode ser afetada pelas mudanças climáticas. Os modelos fornecem valiosas informações sobre o potencial efeito das mudanças climáticas na distribuição futura das espécies, podendo assim ser usado para a compreensão de como e quais espécies podem ser mais afetadas, além dos locais adequados para sua conservação. Uma vez que informações importantes sobre os organismos não são incorporadas nos modelos, é fundamental o conhecimento sobre a biologia e história natural das espécies para a interpretação dos resultados. No presente estudo é aprestada uma revisão sobre o atual estado de conhecimento das quatro espécies do gênero Eunectes em relação à distribuição geográfica, uso do habitat e microhabitat, atividade diária e sazonal, reprodução, tamanho corporal, dieta e status de conservação. Adicionalmente aspectos da história natural de uma população da sucuri verde, Eunectes murinus, foram estudados em locais florestados, na cidade de Bonito, MS, e aqui são apresentados dados sobre movimentação, uso do microhabitat, reprodução e dieta. Ainda, foram desenvolvidos modelos de nicho climático para cada uma das quatro espécies a fim de entender os possíveis impactos das mudanças climáticas nessas espécies em dois cenários futuros. Foram assumidas duas abordagens de dispersão, com livre dispersão e sem dispersão. A partir dos resultados foi possível reconhecer padrões na biologia das espécies de Eunectes, identificar as principais lacunas de conhecimento e sugerir onde esforços em pesquisa devem ser focados. Além disso, importantes dados sobre a história natural da sucuri verde (E. murinus) foram registrados. Foi observado que, em relação à movimentação, dieta e reprodução, aparentemente a espécie mantém o padrão já registrado em 1

estudos anteriores. Entretanto, o uso do microhabitat diferiu substancialmente, tendo sido encontrado um número muito elevado de indivíduos utilizando árvores. As projeções futuras indicam que, para o intervalo entre os anos de 2061-2080, todas as espécies, menos E. notaeus, perderão grande quantidade de hábitat climaticamente adequado, sendo E. deschauenseei a mais afetada (100% de perda com e sem dispersão no pior cenário). Ainda, as análises apontam que haverá uma mudança de local adequado para a potencial ocorrência de três espécies. Sem dispersão, todas as espécies perderão área, sendo que E. beniensis perderá 100% de habitat adequado em ambos os cenários de alterações climáticas. As informações geradas por este estudo ajudam a melhorar a compreensão da ecologia, história natural e distribuição das espécies do gênero, bem como indica quais as espécies poderão ser mais prejudicadas pelas mudanças climáticas em curso. Finalmente, os resultados fornecem subsídios para a formulação de planos de conservação, indicando importantes áreas que poderão servir de refúgio climático para as espécies.

Palavras-chave: , Serpentes, Sucuri, História natural, Aquecimento global, Conservação, Modelos de distribuição de espécies.

2

Abstract: We are currently witnessing unprecedented global climate change, which will become more severe over the years and can cause irreversible damage to biodiversity. How will react to these changes and what conservation actions should be taken are among the most significant topics in ecology today. Climate change has been identified as a major cause of reductions (and changes) in geographic distribution and abundance of many species, and even extinction. Ecological niche models have been widely used in order to understand how the distribution of species can be affected by climate change. The models provide valuable information on the potential effect of climate change on the future distribution of species and can be used to assess how and which species may be most affected, as well as the appropriate sites for their conservation. Since important information about the species is not incorporated into the models, the knowledge about their biology and natural history is crucial for interpretating the results. In the present study a review is presented on the current state of knowledge about the four species of the genus Eunectes in relation to geographic distribution, habitat and microhabitat use, daily and seasonal activity, reproduction, body size, diet and conservation status. In addition, natural history aspects of a green (E. murinus) population were studied in forested sites in the Bonito municipality, Mato Grosso do Sul state, , where data on movement, microhabitat use, reproduction and diet are presented. Furthermore, climate niche models were developed for each of the four species in order to understand the possible impacts of climate change under two future scenarios.Two dispersion approaches were performed, with “free dispersion” and “no dispersion”. It was possible to recognize patterns in the biology of Eunectes species, identify the main knowledge gaps and to suggest where research efforts should be focused. Moreover, important data on the natural history of the (E. murinus) were recorded. It was observed that, in relation to movement, diet and reproduction, the species apparently maintains the pattern recorded in previous studies. However, the use of the microhabitat differed substantially, with a very high number of individuals being found on trees. Future projections indicate that, for the interval between the years 2061-2080, all species, but E. notaeus, will lose a large amount of climatically suitable habitat, with E. deschauenseei 3

being the most affected (100% loss with and without dispersion in the worst scenario). Future projections also indicate that there will be a shift in the distribution of suitable habitat for the potential occurrence of three species. Without dispersion, all species will lose area, and E. beniensis will lose 100% of suitable habitat in both climate change scenarios. The information generated by this study helps to improve the knowledge about the ecology, natural history and distribution of the species of Eunectes, as well as indicates which species may be most affected by ongoing climate change. Finally, the results provide subsidies for the formulation of conservation plans, indicating important areas that could serve as a climate refuge for the species.

Key words: Boidae, , Anaconda, Natural history, Global warming, Conservation, Species Distribution Modelling.

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Introdução geral

O clima global está mudando a níveis sem precedentes, como resultado da elevada concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, resultantes principalmente da atividade humana desde a revolução industrial (Rosenzweig et al., 2008; IPCC, 2014). Os modelos climáticos atuais prevêem uma tendência contínua de aquecimento ao decorrer do século XXI, sendo que sua intensidade depende de uma política socioeconômica aplicada ao nível global

(Visser, 2008; Van Vuuren et al., 2011; IPCC, 2014). As estimativas sugerem um aumento de tempertaura que varia de 1,5 a 6ºC em relação ao período pre- industrial ainda neste século (Van Vuuren et al., 2011; IPCC, 2014).

No passado da Terra, houve períodos de aquecimento e resfriamento global com causas naturais, com temperaturas médias globais, em algumas

épocas passadas, acima das temperaturas atuais (Zachos et al., 2001). Essas mudanças naturais de temperatura permitiram que muitas espécies se adaptassem e sobrevivessem a esses eventos (Huber, 2009). Entretanto, as taxas atuais de mudanças climáticas provavelmente irão superar a capacidade de muitas espécies de se adaptarem perante as novas condições do meio, podendo assim causar sérias consequências à biodoversidade (Markham,

1996; Kingsolver, 2009).

Como os organismos irão responder às mudanças climáticas em curso, e, quais ações de conservação devem ser tomadas a fim de proteger as espécies mais afetadas, estão entre os tópicos mais significantes na Ecologia atualmente (Hoegh-Guldberg et al., 2008; Williams et al., 2009; Civanto et al.,

2012; Pio et al., 2014; Thuiller et al., 2014; Knouft e Ficklin, 2017). Entender as 5

conseqüências ecológicas das mudanças climáticas é de vital importância para que medidas de conservação eficientes possam ser aplicadas (Thuiller et al.,

2006).

As mudanças climáticas têm sido apontadas como uma das principais causas de reduções (e alterações) na distribuição geográfica e abundância de muitas espécies, e até mesmo a extinção, a exemplo do sapo dourado Incilius periglenes (Pounds e Crump 1994; Parmesan, 1996; Parmesan et al., 1999;

Parmesan e Yohe, 2003; Thomas et al., 2004; Araújo et al., 2006). Além disso, os efeitos das alterações climáticas, quando projetadas para o futuro, provavelmente terão um impacto ainda maior na biodiversidade, conforme sugerem alguns estudos (Opdam e Wascher, 2004; Araújo et al., 2006; Bellard et al., 2012; Knouft e Ficklin, 2017).

Os modelos de nicho ecológico (ou nicho climático) têm sido uma ferramenta muito utilizada a fim de compreender como a distribuição das espécies pode ser afetada pelas mudanças climáticas (Berry et al., 2002;

Araújo et al., 2006; Thuiller et al., 2006; Maiorano, 2012). Esse método consiste em correlacionar a presença (em alguns casos ausência) da(s) espécie(s) em foco em determinadas localidades com as variáveis climáticas disponíveis para essas áreas. Dessa forma são obtidos “envelopes bioclimáticos”, que representam os limites de sua distribuição, e estes podem ser projetados no espaço e no tempo, em diferentes cenários de alterações climáticas (Pearson e

Dawson, 2003; Thuiller, 2003; Huntley et al., 2004). Os modelos de nicho fornecem valiosas informações sobre o potencial efeito das mudanças climáticas na distribuição futura das espécies, podendo assim ser usado para

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conhecer quais espécies podem ser mais afetadas, e os locais adequados para sua conservação.

Os modelos de nicho nos mostram, com base nos “envelopes bioclimáticos”, quais os locais adequados climaticamente para a ocorrência da espécie. Entretanto, a presença de condições adequadas não garante que a espécie ocorrerá em determinado local, uma vez que a distribuição das espécies é influenciada por outros fatores além dos abióticos, como por exemplo, a capacidade de dispersão e fatores bióticos (Guisan e Thuiller, 2005;

Soberón e Peterson, 2005).

A partir dos modelos de nicho, é possível gerar mapas de adequabilidade ambiental, que nos mostram a potencial distribuição da espécie sob diferentes cenários de alterações climáticas quando projetadas para o futuro. Como o modelo não integra outros fatores que podem influenciar na distribuição (e. g., interações bióticas e capacidade de dispersão), o conhecimento da ecologia e história natural das espécies é fundamental para a interpretação dos resultados. Conhecer a história natural das espécies também nos fornece bases para a formulação de planos de manejo e conservação, permitindo, assim, que medidas sejam tomadas com antecedência quando as espécies se encontram (ou potencialmente se encontrarão) em risco. Isso porque esses estudos fornecem dados sobre reprodução, dieta, atividade, uso do ambiente (habitat e microhabitat), deslocamentos, dentre outros (Greene,

1994; Shine, 1995), que devem ser levados em consideração na formulação de planos de ação de conservação.

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O gênero Eunectes abriga atualmente quatro espécies, sendo elas E. benienis, a sucuri de beni, E. deschauenseei, a sucuri malhada, E. murinus, a sucuri verde ou anaconda, e E. notaeus, a sucuri amarela ou sucuri do

Pantanal. As sucuris são serpentes de grande porte, predadoras de topo, com hábitos semi-aquáticos, podendo ser encontradas em diversos ambientes aquáticos na América do Sul, como rios, lagos, lagoas, pântanos, brejos, dentre outros (Strüssmann e Sazima, 1993; Rivas, 2000; Dirksen, 2002; Rivas, 2007;

Waller et al., 2007; Starace, 2013; De La Quintana, 2017). Apesar de haver importantes informações sobre aspectos da história natural de algumas espécies (Rivas, 2000; Rivas et al., 2007; Rivas, 2013; Strüssmann e Sazima,

1993; Strüssmann, 1997; Waller et al., 2007), para outras essas informações permanecem escassas ou inexistentes (Statace, 2013; De La Quintana, 2017).

O presente estudo é apresentado em dois capítulos. O Capítulo I está dividido em duas partes. Na primeira parte, é apresentada uma revisão sobre o atual estado de conhecimento da ecologia das quatro espécies do gênero, com dados sobre a distribuição geográfica, uso do habitat e microhabitat, atividade diária e sazonal, reprodução, tamanho corporal, dieta e status de conservação.

A partir desses dados foi possível reconhecer padrões na biologia das espécies de Eunectes, identificar as principais lacunas de conhecimento e sugerir onde se deve focar os esforços em pesquisa. A segunda parte se trata de um estudo sobre aspectos da ecologia da sucuri verde (E. murinus) em locais florestados, na cidade de Bonito, MS, onde são apresentados dados sobre movimentação, uso do microhabitat, reprodução e dieta.

8

O Capítulo II consiste em um estudo sobre os possíveis efeitos das mudanças climáticas globais na distribuição potencial futura das espécies de

Eunectes, sob diferentes cenários de emissão de gases, através da técnica de modelagem de nicho. A partir dos resultados, foi possível identificar como as mudanças climáticas poderão afetar a distribuição das espécies, sob qual cenário as espécies potencialmente perderão ou ganharão mais área adequada climaticamente e quais espécies serão potencialmente mais afetadas. Ainda, são apresentados locais que poderão servir como refúgio climático, servindo assim como base para planos de ação de conservação.

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Capítulo I

Ecologia das espécies do gênero Eunectes (Squamata, Serpentes):

estado atual do conhecimento e aspectos da ecologia de uma

população de sucuri verde (Eunectes murinus) em um ambiente

florestado no Estado do Mato Grosso do Sul

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Resumo: Atualmente são reconhecidas quatro espécies do gênero Eunectes, sendo elas a sucuri verde (Eunectes murinus), a sucuri amarela (E. notaeus), a sucuri de Beni (E. beniensis) e a sucuri malhada (E. deschauenseei). Com hábitos semi-aquáticos, as espécies do gênero podem ser encontradas em diversos ambientes aquáticos da América do Sul. O presente capítulo está dividido em duas partes. Na primeira é apresentada uma revisão sobre o atual estado de conhecimento das espécies em relação à distribuição geográfica, uso do habitat e microhabitat, atividade diária e sazonal, reprodução, tamanho corporal, dieta e status de conservação. A segunda parte abrange um estudo sobre aspectos da ecologia da sucuri verde (E. murinus) em locais florestados, na cidade de Bonito, MS, onde são apresentados dados sobre movimentação, uso do microhabitat, reprodução e dieta. Foi possível reconhecer padrões na biologia das espécies de Eunectes, identificar as principais lacunas de conhecimento e sugerir onde esforços em pesquisa devem ser focados. Além disso, importantes dados sobre a história natural da sucuri verde (E. murinus) foram registrados. Foi observado que, em relação à movimentação, dieta e reprodução, aparentemente a espécie mantém o padrão já registrado em estudos anteriores. Entretanto, o uso do microhabitat diferiu substancialmente, tendo sido encontrado um número muito elevado de indivíduos utilizando árvores. Este se trata do primeiro estudo da espécie em local florestado, e pesquisas com a sucuri verde em outras localidades de sua ampla distribuição geográfica ajudariam a elucidar melhor o uso do ambiente pela espécie, uma vez que apenas estudos em uma pequena porção de sua distribuição, e em áreas abertas, estão disponíveis.

Palavras-chave: Répteis, Boidae, Sucuri, História natural, Dieta, Reprodução, Microhabitat.

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Abstract: Currently four species of the genus Eunectes are recognized: the Beni anaconda (Eunectes beniensis), the drak-spotted anaconda (E. deschauenseei), the yellow anaconda (E. notaeus) and the green anaconda (E. murinus). With semi-aquatic habits, species of this genus can be found in several habitats of South America. This chapter is divided into two parts. In the first, I provide a review on the current state of knowledge of Eunectes species in relation to geographic distribution, habitat and microhabitat use, daily and seasonal activity, reproduction, body size, diet and conservation status. The second part comprises a study on the ecology of the green anaconda (E. murinus) in forested areas, in the Bonito municipality, Mato Grosso do Sul state, Brazil, where data on movement, microhabitat use, reproduction and diet are presented. It was possible to recognize patterns in the biology of Eunectes species, identify the main knowledge gaps and to suggest where research efforts should be focused. Moreover, important data on the natural history of the green anaconda (E. murinus) were recorded. It was observed that, in relation to movement, diet and reproduction, the species apparently maintains the pattern recorded in previous studies. However, the use of the microhabitat differed substantially, with a very high number of individuals being found on trees. This is the first study of the species in a forested area, and research with the green anaconda in other locations of its wide geographical distribution would help to better elucidate the use of the environment by the species, since only studies in a small portion of its distribution and in open areas are available.

Key words: Reptiles, Boidae, Anaconda, Natural history, Diet, Reproduction,

Microhabitat.

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Introdução

As espécies pertencentes ao gênero Eunectes, popularmente conhecidas como sucuris, anacondas, sucurijus, sucurujus, sucurujubas, viborões, boiaçus, dentre outros nomes, podem ser encontradas habitando diversos ambientes aquáticos da América do Sul, a leste dos Andes. O nome

Eunectesé formado por duas palavras gregas: Eu – “bom, bem, fácil etc.” e nektes – “nadador” (Brown, 1956), em referência aos seus hábitos semi- aquáticos. As espécies do gênero são freqüentemente observadas principalmente em corpos d’água rasos e cobertos por vegetação aquática

(Rivas et al., 2007a, 2013; Waller et al., 2007).

Esses predadores de topo podem ser vulneráveis ao impacto humano devido à sua distribuição em países em desenvolvimento. Distúrbios direta ou indiretamente relacionados à expansão humana, como destruição de hábitats, esgotamento de suas presas naturais e até mesmo morte direta por humanos, são problemas comuns enfrentados por sucuris quando humanos invadem seus habitats (Rivas, 2007, 2013). Devido ao crescimento econômico dos países onde as sucuris ocorrem, espera-se que o encontro entre sucuris e humanos aumente, bem como os problemas indiretos causados por perturbações antropogênicas, o que poderia colocar em risco o futuro dessas serpentes (Rivas, 2007).

Presente no imaginário popular, essas serpentes gigantes causam fascínio, e inúmeras são as lendas e mitos criados ao longo dos anos envolvendo as espécies de sucuri. Narrativas fortemente baseadas na imaginação humana propagaram muitas lendas, amplamente divulgadas, 17

criando uma imagem de monstros sorrateiros comedores de humanos e touros, motivadas principalmente por seu tamanho. A desinformação e a ignorância são os grandes responsáveis por esse comportamento humano, o que acaba causando a morte desnecessária de milhares de indivíduos. Por muito tempo, apenas curtas reportagens de observações desses animais estavam disponíveis, dessa forma informações básicas sobre a biologia das espécies eram inexistentes, permanecendo assim apenas os saberes populares.

A respeito da ausência de informações sobre as sucuris, Amaral (1944) comentou que esta se deve a alguns fatores, dentre os quais o autor destaca o perigo ao qual os pesquisadores desses animais estão sujeitos, e a ocasionalidade dos encontros, resultando em idas a campo sem sucesso

(Amaral, 1944). Esse medo demonstrado pelo autor em sua escrita, muito reflete as inúmeras lendas criadas sobre esses animais, além disso, é enfatizada a dificuldade em estudá-los na natureza.

Com o passar dos anos, importantes informações sobre a biologia das sucuris foram surgindo. Apesar desse avanço no conhecimento, muitas questões permanecem mal compreendidas, sendo que informações casuais e notas compõem a maioria dos trabalhos que abordam algumas das espécies de Eunectes. Poucos são os estudos formulados e focados em compreender aspectos básicos da história de vida dessas serpentes gigantes (Rivas, 2000,

2007a, 2007b, 2013; Strüssmann, 1997; Waller et al., 2007; De La Quintana,

2017). Ainda nos dias de hoje, lendas e mitologias sobre as sucuris permanecem no imaginário popular. Caracterizar o atual estado de conhecimento científico das espécies de Eunectes, bem como a realização de

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novos estudos que agreguem novos conhecimentos, e a difusão dos resultados encontrados é essencial para que esse quadro possa se inverter. Além disso, uma compilação de dados publicados e do estado do conhecimento nos permite verificar em quais aspectos ecológicos existem lacunas de informações, servindo assim para direcionar futuros estudos.

Trabalhos dedicados à história natural visam obter informações básicas sobre a ecologia das espécies, bem como entender e descrever onde os organismos vivem e sua relação com o ambiente (Greene, 1994; Shine, 1995).

Muitos desses estudos têm como foco compreender aspectos como reprodução, dieta, atividade, uso do ambiente (habitat e microhabitat), deslocamentos, dentre outros (Greene, 1994). O acúmulo de informações referentes à história natural das espécies fornece subsídios importantes a serem usados na conservação e manejo, uma vez que possibilitam o encontro de padrões e suas causas. Além disso, são também fundamentais para outras

áreas de conhecimento, como a biologia evolutiva e a etologia (Greene, 1994;

Greene e Losos, 1998). Estudos que abordam a história natural de serpentes têm crescido nos últimos anos, entretanto muitas lacunas ainda permanecem abertas (Strüssmann e Sazima, 1993; Martins e Oliveira, 1998; Sawaya et al.,

2008; Hartmann et al., 2009a,b; Mesquita et al., 2013).

O presente capítulo está dividido em duas partes: na primeira é apresentada uma revisão da literatura científica sobre o atual conhecimento da ecologia das quatro espécies do gênero Eunectes (E. beniensis, E. deschauenseei, E. murinus e E. notaeus) e a segunda parte consiste de um

19

estudo sobre a história natural da sucuri verde (E. murinus) desenvolvido na

Serra da Bodoquena, na região de Bonito, MS, Brasil.

Breve contextualização histórica, evolutiva e taxonômica das espécies do gênero Eunectes

As espécies de sucuris são membros da família Boidae, que inclui representantes que podem ser encontradas na Europa, Ásia, África, Américas e ilhas, como Madagascar, Fiji, Moluca, Hiw, Manus, Nova Guiné, Papua-Nova

Guiné e diversas ilhas na América Central, dentre outras. O gênero, juntamente com outros boídeos, como Epicrates, Boa e Corallus, pertence à radiação de boídeos sul-americanos. Análises moleculares apontam o gênero Epicrates como sendo o grupo irmão de Eunectes (Burbrink, 2005; Noonan e

Chippindale, 2006). As anacondas são as únicas representantes com hábitos semi-aquáticos dentre os boídeos neotropicais.

Atualmente quatro espécies de sucuris viventes são conhecidas, a sucuri verde ou anaconda verdadeira (E. murinus), a sucuri amarela ou sucuri do Pantanal (E. notaeus), a sucuri malhada (E. deschauenseei) e a sucuri de

Beni (E. beniensis). Além dessas, E. stirtoni é uma espécie extinta datada do

Mioceno médio (16,3-15,5 MA) a partir registros fósseis descobertos na

Colômbia (Hoffstetter e Rage, 1977). Apesar da validade dessa última espécie ter sido questionada (Hecht e La-Duke, 1997), posteriormente, Hsiou e Albino

(2009) descreveram os restos vertebrais de fósseis de E. stirtoni encontrados a montante do Rio Purus, no sul do estado do Amazonas, Brasil, datados

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provavelmente do Mioceno tardio. Foi sugerido por esses últimos autores que o gênero tenha se separado de Epicrates e surgido provavelmente no início do

Mioceno, logo após o grande evento de dispersão dos boídeos sul-americanos para o Caribe durante o Oligoceno. Dados moleculares corroboram a hipótese de que a dispersão das espécies de Epicrates para o Caribe ocorreu anteriormente à separação dos dois gêneros (Noonan e Chippindale, 2006).

Entretanto, o período preciso e o processo de surgimento do gênero Eunectes permanecem desconhecidos, assim como o surgimento das espécies atuais de sucuri. É possível que a evolução do gênero esteja associada ao soerguimento da cordilheira dos Andes, evento geológico que levou ao surgimento de grandes extensões de áreas alagadas no continente.

Além dos registros fósseis de E. sirtonii, outros fósseis do gênero também foram encontrados. Dois fósseis são atribuídos a E. murinus, um proveniente da Gruta do Urso, TO, e outro encontrado na Lapa dos Brejões,

Morro do Chapéu, BA (Camolez e Zaher, 2010; Hsiou et al., 2013). Além desses, um terceiro fóssil atribuído a Eunectes sp. foi registrado na caverna

Buraco do Japonês, na região de Bonito, MS (Camolez e Zaher, 2010). Os três registros, encontrados em locais distintos, são datados do Pleistoceno.

No ano de 1936, Dunn e Connant descreveram duas espécies de sucuris que habitavam a Ilha de Marajó no norte do Brasil, E. deschauenseei e

E. barbouri, essa última sendo muito similar a E. murinus, o que levou a espécie a ser considerada inválida por Amaral, em 1944. Anos depois, em uma análise mais detalhada, foi concluído que E. barbouri era apenas uma variação de coloração de E. murinus e não uma espécie válida (Strimple et al., 1997;

21

Dirksen, 2002). Historicamente, já foram descritas duas subespécies de E. murinus, E. m. murinus e E. m. gigas. Entretanto, com base no padrão de coloração e na morfologia, E. m. gigas foi sinonimizada com E. m.murinus, mantendo-se assim uma única espécie de sucuri verde com uma ampla distribuição geográfica e sem subespécies reconhecidas (Dirksen e Böhme,

1998a) (para distribuição geográfica de E. murinus, ver seção 3.1). Eunectes beniensis foi a última espécie de sucuri a ser descrita (Dirksen, 2002; Dirksen e

Böhme, 2005), a partir de uma população do centro-norte da Bolívia, na província de Beni. Anteriormente, essa espécie era considerada como pertencente a E. murinus, entretanto algumas diferenças morfológicas e evidências genéticas levaram ao reconhecimento da espécie (Dirksen, 2002).

Eunectes notaeus e E. deschauenseei são apontadas como espécies irmãs por Dirksen e Böhme (2005) e é comum ambas serem tratadas como sucuri amarela por alguns autores. As duas espécies são quase indistinguíveis através da morfologia e contagem de escamas, entretanto possuem diferente padrão de coloração e diferente identidade genética, além do fato de serem alopátricas. Filogeneticamente, essas duas espécies de sucuri estão mais próximas a E. beniensis do que de E. murinus, sendo que a relação filogenérica dentro do gênero Eunectes é descrita atualmente como: E. murinus [E. beniensis (E. deschauenseei, E. notaeus)] (Dirksen, 2002; Dirksen e Böhme,

2005).

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Parte I – Revisão da biologia das espécies do gênero Eunectes

Nessa primeira parte deste capítulo, serão apresentados dados sobre a ecologia das quatro espécies de Eunectes (E. beniensis, E. deschauenseei, E. notaeus e E. murinus). Para isso foram compiladas informações, quando disponíveis na literatura científica, referentes à distribuição geográfica, uso de habitat e microhabitat, atividade diária e sazonal, reprodução, tamanho corporal, dieta e status de conservação das espécies. Procurou-se compilar dados provenientes de animais silvestres. Na ausência de informação sobre os animais na natureza, foram utilizados dados referentes a animais mantidos em cativeiro.

Para o encontro dos artigos foram utilizadas duas bases de dados de publicações científicas, o ISI Web of Science e o Google Acadêmico. Além desses, com a finalidade de alcançar o maior número de informações disponíveis, foram ainda compiladas informações presentes em livros relevantes, dissertações e teses. O presente estudo visa demonstrar o atual estado de conhecimento científico acerca de aspectos da história natural das quatro espécies de Eunectes, bem como identificar padrões gerais e apontar lacunas de conhecimento.

1. Eunectes beniensis

A sucuri de Beni (Figura 1.1) foi a última das espécies de sucuri a ser descrita (Dirksen, 2000). Sua morfologia, em alguns aspectos, fica entre E. murinus e E. notaeus, o que levou os indivíduos a serem primeiramente considerados como um híbrido (Dirksen e Böhme, 1998b). Entretanto, com o

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encontro de mais exemplares e observações de híbridos de E. murinus e E. notaeus oriundos de cativeiro, os autores descartaram a possibilidade de se tratar de um híbrido e, anos depois, a espécie foi formalmente descrita a partir de seis exemplares (Dirksem, 2002; Dirksen e Böhme, 2005).

Muito pouco se sabe sobre a biologia de E. beniensis. As informações estão restritas à descrição da espécie, um registro de canibalismo (De La

Quintana et al., 2011) e, mais recentemente, em 2017, um estudo sobre área de vida e uso do habitat pela espécie (De La Quintana et al., 2017). Registros de canibalismo já haviam sido reportados para E. murinus (O’Shea, 1994;

Rivas e Owens, 2000), todos durante ou logo após a estação reprodutiva, que ocorre na estação seca, o que levou os autores a considerar como canibalismo sexual. O registro de canibalismo para E. beniensis ocorreu no meio da estação chuvosa, onde uma fêmea capturada regurgitou um macho, dessa forma provavelmente sem associação com a reprodução da espécie.

Apesar do avanço no conhecimento de E. beniensis com o trabalho desenvolvido recentemente (De La Quintana et al., 2017), apenas poucos indivíduos foram estudados, e a biologia da espécie permanece pouco compreendida. Dessa forma, informações sobre reprodução, dieta, uso de microhabitat, padrões de atividade, dentre outras informações sobre a história natural da espécie permanecem escassas.

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Figura 1.1 Eunectes beniensis registrada em Beni, Bolívia. Foto: Lutz Dirksen. Fonte:

Dirksen e Böhme (2005).

1.1 Distribuição geográfica

Os primeiros exemplares da espécie foram observados em áreas alagáveis do departamento de Beni, Bolívia, em 1994 (Dirksen, 2000).

Posteriormente um indivíduo foi encontrado no extremo nordeste do departamento de Pando, o que indicaria uma possível ocorrência da espécie no

Brasil. Entretanto, apesar da provável ocorrência no Brasil, atualmente a espécie só é conhecida para as províncias Bolivianas citadas acima, em áreas de Savana inundada e a sudeste da Amazônia, a não mais de 600 m de altitude (Figura 1.2) (Dirksem, 2002; Dirksen e Böhme, 2005, Embert, 2009).

25

Figura 1.2 Mapa de distribuição de Eunecte beniensis. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude).

1.2 Uso do ambiente

Em um estudo realizado com nove animais monitorados com o auxílio de rádio-transmissores, foi encontrado que as sucuris de Beni não utilizam o habitat de acordo com sua disponibilidade, elas evitam áreas florestadas e campos de arroz, e utilizam com mais freqüência áreas pantanosas (De La

Quintana et al., 2017). Por se tratarem de animais semi-aquáticos, já era esperado que as áreas florestadas fossem evitadas, uma vez que essas áreas possuem apenas pequenos riachos. Entretanto, o uso pouco frequente dos campos de arroz contrasta com resultados obtidos para E. murinus na 26

Venezuela, onde os indivíduos costumavam predar roedores aquáticos (J.

Rivas, com. pess.). Os autores apontam que os campos de arroz no território estudado eram desprovidos de insetos, até mesmo mosquitos, provavelmente devido ao elevado uso de pesticidas. Além disso, essas áreas alagadas apresentam uma vegetação mais homogênea, o que pode influenciar negativamente a disponibilidade de recursos, tanto de presas quanto de abrigo, levando-os a apontar que os campos de arroz devem ser prejudiciais para a conservação da espécie (De La Quintana et al., 2017)

1.3 Área de vida

No trabalho de De La Quintana et al. (2017), oito indivíduos puderam ter sua área de vida estudada. A área de vida utilizada pelos indivíduos foi, em média, de 25,8 ha (6,7-39,4 ha) na estação chuvosa, sem diferença significativa entre machos e fêmeas, apesar de registros de maior área de vida para fêmeas (39 ha). Já na estação seca, foi registrada uma área que corresponde a menos de 1% da área de vida da estação chuvosa (0,29 ha,

0,13-0,42 ha). Os resultados encontrados sugerem que os indivíduos diminuam sua atividade e se desloquem menos pela paisagem durante a época seca.

1.4 Tamanho corporal

A espécie é considerada de porte médio, sendo que o maior macho medido possuía 2,17 m e a maior fêmea, 3,30 m, entretanto é possível que fêmeas atinjam 3,5-4,0 m ou até mais (Dirksen e Böhme, 2005). A partir de nove exemplares capturados, foi observado que as fêmeas foram, em média,

27

maiores que os machos, entretanto não foi encontrada diferença significativa

(De La Quintana et al., 2017).

1.5 Status de conservação

Apesar de algumas ameaças para a conservação da espécie, como a caça ilegal devido a sua pele e perseguições, a espécie ocorre em locais relativamente intocados, com população humana esparsa e pouco desenvolvida, o que a coloca na categoria LC (menos preocupante) da IUCN

(www.iucnredlist.org). Entretanto, na Bolívia a espécie é considerada vulnerável devido principalmente à perda de habitat (Embert, 2009).

2. Eunectes deschauenseei

Assim como E. beniensis, a sucuri malhada (E. deschauenseei) (Figura

1.3) é muito pouco estudada. Informações básicas sobre dieta, uso do ambiente, atividade, reprodução e demais características da biologia da espécie se resumem a poucos registros. Dessa forma, são contemplados nessa seção os poucos dados disponíveis para a espécie.

28

Figura 1.3 Eunectes deschauenseei registrada em Marajó, Brasil. Foto: Lutz Dirksen.

Fonte: Dirksen e Böhme, 2005.

2.1. Distribuição geográfica

A sucuri malhada, espécie irmã da sucuri amarela (E. notaeus), possui uma pequena distribuição geográfica (Figura 1.4). A espécie pode ser encontrada no Brasil, em áreas abertas sazonalmente alagáveis do estado do

Pará (Ilha de Marajó e Santarém) e Amapá, na região do baixo rio Amazonas

(Nascimento et al., 1991; Canto, 2000; Dirksen e Henderson, 2002; França et al., 2006). Além do Brasil, a espécie também possui registros na Guiana

Francesa (Hoogmoed, 1982; Chippaux, 1986; Starace, 1998), e possível ocorrência no Suriname, na bacia do rio Maroni (Dirksen e Henderson, 2002;

29

Starace, 2013). Na Guiana Francesa, a sucuri malhada foi considerada rara por

Chippaux (1986) e Starace (1998), uma vez que apenas poucos indivíduos foram capturados ou observados.

Figura 1.4 Mapa de distribuição de Eunecte deschauenseei. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude).

2.2 Uso do Habitat e microhabitat

Foram observados indivíduos ocupando riachos, várzeas e áreas pantanosas (Müller, 1970; Henderson et al., 1995; Starace, 2013). Em 2001, alguns exemplares foram encontrados em uma área pantanosa que seca completamente durante o período de seca, na Guiana Francesa (Starace, 30

2013). Ainda na Guiana Francesa, em 2010 alguns indivíduos foram registrados ocupando um arrozal (Starace, 2013) e floresta primária (Chippaux,

1986). Na Ilha de Marajó, exemplares foram observados em áreas abertas e cerrado (Rodrigues et al., 2015). Dados referentes ao uso de microhabitat pela espécie são escassos: indivíduos foram encontrados utilizando ramos inferiores de arbustos, solo, e, na água (Chippaux, 1986).

2.3 Atividade diária

A espécie foi apontada como tendo habito noturno (Starace, 1998;

Rodrigues et al., 2015), embora apenas poucos indivíduos tenham sido observados na natureza para se chegar a essa conclusão. Baseado nos hábitos das demais espécies de Eunectes, a sucuri malhada provavelmente apresenta atividades como caça, reprodução, termorregulação e demais tanto diurna quanto noturna (Rivas, 2000; Rivas et al., 2007a; Waller et al., 2007).

Entretanto inexistem mais informações sobre atividade diária e sazonal da espécie.

2.4 Reprodução

As fêmeas provavelmente atingem a maturidade relativamente cedo, uma vez que as proles de três fêmeas de pequeno porte (1,89 m, 1,91 m e 1,60 m) foram observadas, onde o tamanho dos filhotes variou de 0,37-0,55 m

(Belluomini et al., 1959). Adicionalmente, algumas fêmeas prenhes depositadas em museu foram analisadas, o que permitiu a estimativa de tamanho de recém- nascidos para a espécie de 0,49 m (0,29-0.53 m) (Pizzato e Marques, 2007).

Informações como o período e duração da estação reprodutiva, bem como o

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sistema de acasalamento, duração da gestação e tamanho da ninhada permanecem desconhecidos para a espécie.

2.5 Tamanho corporal

Das quatro espécies de sucuri, esta aparentemente é a menor delas, tendo sido registrado um tamanho máximo de 1,92 m para machos e 3,0 m para fêmeas (Dirksen e Henderson, 2002). Entretanto, esses dados são provenientes de um número relativamente pequeno de indivíduos observados, o que não permite apurar com precisão qual o tamanho máximo que machos e fêmeas podem atingir. Além desses, outros indivíduos capturados podem nos dizer sobre o tamanho médio da espécie. No ano de 2001 foi capturada uma fêmea de 1,91 m. No Museu de História Natural da França pode ser encontrado um indivíduo preservado de 1,8 m. Ainda, foram capturados dois exemplares adultos que não passaram de 2,5 m (Starace, 2013). A espécie apresenta dimorfismo sexual, com a fêmea maior que o macho, assim como as demais espécies de Eunectes (Starace, 2013).

2.6 Dieta

As informações disponíveis para a espécie apontam que possui hábitos alimentares generalistas, podendo ingerir uma grande variedade de presas, incluindo mamíferos, peixes e aves (Chippaux, 1986; Starace, 1998, Rodrigues et al., 2015). Sua dieta é provavelmente similar à da E. notaeus (ver seção 4.6 para dieta de E. notaeus).

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2.7 Status de conservação

A espécie está listada na categoria DD (dados deficientes) da IUCN

(www.iucnredlist.org). A área em que a espécie ocorre está em constante processo de perda e degradação de habitat, em grande parte devido à expansão da agricultura (França et al., 2006). Pesquisas que tenham por objetivo analisar os possíveis riscos para a espécie e quais os impactos sobre suas populações são inexistentes. No Brasil ela foi avaliada como LC (ICMBio,

2018).

3. Eunectes murinus

A sucuri verde (Figura 1.5) é a espécie de sucuri com mais informações disponíveis na literatura científica. Conhecida também como anaconda verdadeira, os exemplares dessa espécie são alvo de muita mitologia e crenças, sempre presente no imaginário popular das populações humanas ao longo da distribuição da espécie. Os trabalhos mais notórios desenvolvidos com a espécie foram os realizados por Jesús A. Rivas e colaboradores, que há cerca de 30 anos estudam a espécie na Venezuela.

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Figura 1.5 Eunectes murinus registrada nos Lhanos, Venezuela.

3.1. Distribuição geográfica:

Eunectes murinus é a espécie de sucuri com maior distribuição geográfica (de 10°N a 30°S) (Figura 1.6). A espécie ocorre em diversos países da América do Sul, como Venezuela, Colômbia, Paraguai, Equador, Bolívia,

Peru, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Brasil, além de uma população insular em Trinidad. Devido a seus hábitos semi-aquáticos, a espécie pode ser encontrada em ambientes aquáticos nas bacias dos rios Amazonas, Orinoco,

Paraguai, Paraná, São Francisco, além de rios das Guianas (Henderson et al.,

1995; Waller et al., 1995). Correa e Pautassi (1986) publicaram um registro da espécie na Argentina, entretanto, anos depois, Giraudo e Scrocchi (2002)

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consideraram tal registro como um erro de localidade, dessa forma, a espécie provavelmente não ocorre na Argentina. Registros do Paraguai parecem representar o limite meridional de distribuição da espécie. A oeste, a distribuição da sucuri verde é limitada pelos Andes (Henderson et al., 1995;

Waller et al., 1995).

Figura 1.6 Mapa de distribuição de Eunecte murinus. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude).

3.2 Uso do habitat e microhabitat

A sucuri verde costuma ser encontrada em ambientes aquáticos, como lagos, pântanos, rios, campos inundáveis, veredas e riachos ao longo de sua

35

distribuição geográfica (Rivas, 2000, Rivas 2007a, Starace, 2013). A partir de um estudo realizado com o auxílio de rádio-transmissores na Venezuela, foi observado que os animais passam a maior parte do tempo na água (86% dos encontros). Águas paradas, rasas e cobertas por vegetação foram os ambientes aquáticos mais utilizados (92%). Além do uso de corpos d'água, uma menor porcentagem de indivíduos foi registrada em solo, nas margens de ambientes aquáticos (14%). Além desses, também foram registrados indivíduos utilizando arbustos na beira de corpos d’água, buracos ao longo da margem dos rios, fendas que se formam no solo durante a estação seca, e até mesmo sob a lama seca endurecida (Rivas, 2000). Foi relatado por Martins e Oliveira

(1998) um indivíduo sobre as pedras de uma queda d’água do Rio Cuieiras no período noturno, e um segundo indivíduo assoalhando nas margens do Rio

Uatumã.

Mais recentemente, Sanches et al. (2017) documentaram pela primeira vez comportamento arborícola em três indivíduos de E. murinus na Amazônia equatoriana. Dois indivíduos foram encontrados camuflados na vegetação acima do rio, cobertos por folhas, sendo que um se encontrava a cerca de 2 m de altura e o outro cerca de 3 m. O terceiro indivíduo foi encontrado mais alto em uma árvore, a uma altura estimada de 10 m do solo. Os autores levantam três hipóteses para esse tipo de comportamento. A primeira seria que eles estariam utilizando esse microhabitat para caçar, pois essa seria uma posição favorável para a espreita de presas que viessem tomar água.

A segunda hipótese seria a termorregulação, embora os autores a achem menos provável, pois os indivíduos poderiam encontrar condições

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favoráveis para termorregulação em solo, sem necessitar subir nas árvores.

Além disso, somente fêmeas prenhes, animais feridos ou doentes têm sido registrados termorregulando (Rivas, 2000). Os animais do estudo não foram sexados, entretanto foi possível observar que não se encontravam feridos. A terceira hipótese está relacionada a uma possível adaptação local. Os autores afirmam que pode se tratar de um registro localizado, podendo estar ligado a características do ambiente. Entretanto, pouco se sabe sobre os hábitos desses animais em grande parte de sua distribuição geográfica. Dessa forma, estudos adicionais e em diferentes regiões ajudariam a elucidar melhor a questão do uso de microhabitats, em especial o uso de árvores como microhabitat, principalmente em ambientes florestados.

3.3 Atividade diária e sazonal

A partir dos trabalhos desenvolvidos por Jesús A. Rivas nos Lhanos da

Venezuela, pode-se concluir que os animais exibem atividade tanto diurna quanto noturna, em contraste com o que se pensava antigamente e do que estava disponível na literatura (Beebe, 1946; Duellman, 1978; Strimple, 1993;

Murphy e Henderson 1997; Martins e Oliveira, 1998). Apesar de os animais terem sido observados mais ativos durante a noite, atividades como predação, reprodução e movimentação foram registrados em ambos os períodos, sendo que, com frequência, os animais buscavam abrigo durante os períodos mais quentes do dia, reaparecendo ao entardecer (Rivas, 2000). Durante o período chuvoso na região, as fêmeas eram frequentemente avistadas aquecendo-se ao sol por longos períodos, estes indivíduos eram provavelmente fêmeas prenhes (Rivas, 2000).

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Com o auxílio de rádio-transmissores, pode ser observada por Rivas

(2000) uma diferença no uso do ambiente e atividade entre diferentes estações do ano. Os Lhanos são uma planície inundável, com uma época do ano chuvosa (abril a novembro) e outra seca (janeiro a abril). Durante a estação seca, os indivíduos possuem pequena párea de vida (25 ha), e ficam confinados a locais úmidos ou onde ainda encontram água. Com a chegada da

época chuvosa e a inundação da planície, os animais expandem suas áreas de vida, deslocando-se para locais elevados. Após esse movimento migratório, os animais se estabelecem novamente e utilizam uma área de vida de, em média,

37,4 ha durante a época chuvosa. Quando a estação chuvosa chega ao fim e as águas começam a baixar, as sucuris costumam retornar para as áreas que ocupavam durante a estação seca.

3.4 Reprodução

A reprodução talvez seja o aspecto mais bem estudado da sucuri verde na natureza, uma vez que Jesús A. Rivas e colaboradores tiveram como foco a reprodução desses animais por muitos anos na Venezuela (Rivas, 2000; Rivas et al., 2007b, Rivas 2013). O período reprodutivo dos animais acontece durante a estação seca da região (fevereiro a maio). O sistema de acasalamento é poliândrico e em agregação, chamado bolo de reprodução, onde uma fêmea libera um ferormônio que atrai um ou mais machos da região. Estes, por sua vez, localizam as fêmeas por meio de quimiorrecepção. Durante o período reprodutivo os machos parecem ser mais ativos, explorando o ambiente em busca das fêmeas (Rivas et al., 2007b). Nos bolos de reprodução, os machos ficam enrolados ao redor da fêmea, posicionando-se próximos à cloaca.

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Enquanto estão nessa posição, eles raspam rapidamente, por cerca de 30-40 s, seus esporões contra o corpo da fêmea. Esse estímulo faz com que as fêmeas se movimentem, comportamento que permite aos machos encontrarem uma boa posição para a cópula (Rivas et al., 2007b).

Em estudo desenvolvido ao longo de oito anos, Rivas e colaboradores

(2017b) encontraram 50 bolos de reprodução, com 1 a 13 (±3,78) machos e, sempre, uma única fêmea. Machos de grande porte algumas vezes são confundidos com fêmeas e acabam sendo cortejados por outros machos (Rivas e Burghardt, 2001; Rivas et al., 2007b). Os machos que obtinham sucesso na reprodução e efetivamente se acasalavam com as fêmeas, na maioria dos casos, eram maiores que os outros machos que participavam dos bolos de reprodução. Em diversas ocasiões foi relatado mais de um macho efetivamente se reproduzindo com uma fêmea. A razão sexual encontrada nos bolos de reprodução foi de 1:3,83 (F:M; Rivas et al., 2007b). A menor fêmea observada em atividade reprodutiva tinha 2,43 m de comprimento rostro-cloacal (CRC) e

9,25 kg, e, o menor macho 1,88 m de CRC e 2,45 kg (Rivas et al., 2007b).

Pizzato e Marques (2007) inferiram a maturidade para as fêmeas em um comprimento total de 3,45 m, e 1,54 m para os machos. Já Waller e colaboradores (1995) concluíram que os indivíduos normalmente amadurecem reprodutivamente com cerca de 3,2 m de comprimento total. Ainda, foi também mencionado que as fêmeas atingem a maturidade sexual aos três anos e dez meses (Ross e Marzec, 1990).

Na população estudada na Venezuela, a duração do bolo de reprodução foi de18 dias (4-40), em média. Após se reproduzirem, as fêmeas podem ficar

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meses sem se alimentar e costumam termorregular com frequência (70% do tempo de observação) (Rivas, 2000). Fêmeas prenhes também foram reportadas saindo com frequência da água para se aquecerem ao sol na

Guiana Francesa (Starace, 2013). A duração da gestação é de 202,6 dias, em média, sendo que as fêmeas dão à luz no final da estação úmida (outubro- novembro). A maioria dos nascimentos foi registrada durante a noite, com duração total de 20 a 40 min, sendo que o parto ocorreu tanto em ambiente aquático quanto terrestre. O tamanho da ninhada variou de 5-75 filhotes

(±29,4), e mostrou-se positivamente correlacionado com a massa das fêmeas

(Rivas, 2000). O maior tamanho de ninhada relatado foi de 82 filhotes

(Belluomini e Hoge, 1958), sendo que o mais comum é que varie entre 20 a 40

(Strimple, 1993; Waller et al., 1995, Starace, 2013). Algumas fêmeas observadas na Guiana Francesa também deram à luz na estação chuvosa

(entre dezembro e março), o que sugere que a reprodução lá ocorre durante a seca (Starace, 2013).

Não foi observado dimorfismo sexual entre os recém-nascidos. O tamanho total dos neonatos variou de 63,9 a 91,4 cm (±78,8 cm), sendo que a massa dos recém nascidos mostrou-se positivamente relacionada ao tamanho da fêmea (Rivas, 2000). Além disso, foram observados alguns natimortos ou ovos infertilizados, sendo que algumas fêmeas apresentaram altas proporções de natimortos. O autor sugere que a elevada proporção de natimortos em algumas fêmeas pode ter sido consequência da interferência dos pesquisadores durante a cópula, e ao manuseio da fêmea prenhe. Algumas

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fêmeas foram registradas alimentando-se, ou tentando se alimentar dos ovos infertilizados e/ou dos natimortos (Rivas, 2000).

As fêmeas não se reproduzem todos os anos, mas sim uma vez a cada dois anos ou mais. Isso parece ser consequência do elevado investimento energético na reprodução. Logo após parirem, no final da época chuvosa, as fêmeas ficam muito fracas e perdem muita massa, sendo que imediatamente começam a caçar (Rivas, 2000). Entretanto, não a tempo de acumular reserva para investir em outro evento reprodutivo, que começa, como citado acima, pouco tempo após parirem, na estação seca (fevereiro). Dessa forma, as fêmeas provavelmente passam o ano acumulando reservas para investirem na reprodução em futuras estações reprodutivas. Um fato interessante é que fêmeas prenhes possuem uma área de vida muito pequena durante a gestação

(0,01 ha). Elas permanecem normalmente na mesma área sem se deslocar muito, utilizando o barranco dos rios, estradas, cupinzeiros, troncos caídos e topo da vegetação aquática para termorregular (Rivas, 2000). Inexistem registros publicados de observações de sucuris verdes que fazem estas grandes agregações reprodutivas em outras partes da América do Sul. Fêmeas prenhes observadas na Guiana Francesa também costumavam se mover pouco, sendo encontradas no mesmo local, até mesmo utilizando o mesmo substrato para se aquecer ao sol fora da água, dia após dia (Starace, 2013).

3.5 Tamanho corporal

A sucuri verde é a mais pesada serpente vivente e uma das maiores, perdendo em comprimento apenas para a Malayopython reticulatus. O grande tamanho desses animais rendeu a elas a imagem de monstros, chamando a 41

atenção até mesmo da indústria cinematográfica (e. g., a sequência de filmes intitulados “Anaconda”). A sucuri verde faz parte do folclore popular, estando presente em muitas mitologias, sendo, na maioria das vezes, vistas como animais maus e monstruosos, principalmente devido ao seu grande tamanho.

Lendas de sucuris gigantes devoradoras de humanos e touros, que quebram ossos e destroem suas presas, não são incomuns.

Não são poucos os relatos de comprimentos exagerados desses animais. As populações rurais frequentemente relatam a observação de animais que passariam de 10 m. Sabemos que esses valores são exagerados e não traduzem a realidade. Por ser um animal pesado, de grande porte e muito robusto, à primeira vista seu tamanho assusta, e as pessoas tendem a estimar comprimentos muito maiores do que o real. De fato, quando foi pedido

à população rural presente para estimarem o tamanho de animais capturados com comprimento entre 4 e 6 m, em todos os casos o comprimento estimado foi acima de 7 m, não sendo raras estimativas entre 9 e 10 m (obs. pessoal).

No ano de 1957, Belluomini e Hoge publicaram um trabalho de contribuição à biologia da espécie, no qual citam que o maior exemplar registrado no Brasil foi assinalado em carta pelo Marechal Cândido da Silva

Rondon e dirigida ao Instituto Butantan. O animal em questão teria 12 m, entretanto os autores afirmam que animais maiores de 6,2 m raramente foram levados ao Instituto Butantan, e que são mais frequentes os animais com 4 a 5 m de comprimento, pesando entre 80 e 100 kg. O animal descrito pelo

Marechal Rondon não foi efetivamente medido, e provavelmente foi superestimado, sendo provavelmente alguns metros menor.

42

A sucuri verde de fato é uma serpente gigante, entretanto a realidade é que poucos indivíduos cujos comprimentos foram devidamente medidos foram registrados com mais de 7 m. Murphy e Henderson (1997) descrevem relatos de diversos comprimentos grandes atribuídos à espécie, registrados por herpetólogos, zoólogos e naturalistas entre os anos de 1850 e 1960. Além dos relatos, os autores apresentam uma tabela de comprimentos para a espécie, muitos deles duvidosos. Um dos registros mais confiáveis foi feito por William

Lamar, de um animal de 7,49 m encontrado em um riacho na Colômbia. O fascínio ao encontrar serpentes de tão grande porte rendeu uma descrição por

Alfred Russel Wallace, em suas narrativas sobre sua viagem pela Amazônia

(Wallace, 1853), onde sugeriu serem plausíveis os registros de tamanhos exagerados desses animais feitos por moradores locais. Ele escreveu:

"The largest specimens I met with myself were not more than from fifteen [4,6 m] to twenty [6,1 m] feet long, but I have had several accounts of their having been killed, and measured, of a length of thirty-two feet [9,8 m]. They have been seen very much larger, but, as may be supposed, are then very difficult to kill or secure, owing to their tenacity of life and their acquatic habits. It is an undisputed fact that they devour cattle and horses, and the general belief in the country is that they are sometimes from sixty [18,3 m] to eighty [24,4 m] feet long".

Por outro lado, em 1994, com um acúmulo maior de informação sobre esses animais, Peter Pritchard discutiu a probabilidade de tamanhos exagerados desses animais (Pritchard, 1994). Esse autor afirma que, embora não haja um conjunto grande de dados sobre o comprimeto da sucuri verde,

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pode-se ter certeza de que anacondas de 6 m são raras, de 7,5 m, extremamente raras, e de 9 m indisponíveis em coleções zoológicas. Assim,

Pritchard (1994) sugere que não seria inapropriado concluir que indivíduos com

10-12 m de comprimento provavelmente não existem.

De fato, as observações de Pritchard parecem se aproximar mais da realidade. Jesús A. Rivas vem estudando as sucuris dos Lhanos na Venezuela há cerca de 30 anos, com mais de 800 capturas, e nunca registrou um indivíduo medindo mais de 5m (Rivas, 2000, Rivas 2013). É importante ressaltar que a espécie apresenta dimorfismo sexual, sendo que os tamanhos máximos que os indivíduos atingem são diferentes para machos e fêmeas. Foi relatado por Rivas e colaboradores (2007b) que fêmeas adultas são maiores e mais pesadas que os machos. As fêmeas mediram, em média, 3,7 ±0,7 m

(n=48) de comprimento total e os machos 2,6 ±0,3 m (n = 177) (Rivas et al.,

2007b). O tamanho corporal dos indivíduos da sucuri verde parece variar ao longo da distribuição geográfica da espécie, com indivíduos maiores ocorrendo em ambientes florestais com grandes rios (Murphy e Henderson, 1997). De fato, Rivas (2000) observou que machos que vivem em rios tendem a ser maiores do que machos que vivem na área inundável dos Lhanos. Informações gerais da espécie ao longo de sua distribuição são escassas, dessa forma não se pode afirmar com muita segurança que exista essa diferença de tamanho entre diferentes ambientes.

A taxa de crescimento da espécie é lenta de ano para ano (Rivas et al.

2007b). Machos e fêmeas nascem com o mesmo tamanho, mas as fêmeas experimentam taxas maiores de crescimento do que os machos. Os machos

44

podem levar cerca de cinco anos para atingir o tamanho da primeira reprodução (1,88 m de CRC), mas levaria cerca de 17 anos para atingir o tamanho médio do sexo masculino (2,63 m de CRC). As fêmeas, por outro lado, precisam de 7 anos para atingir o tamanho reprodutivo (2,43 m de CRC) e de 13 anos para atingir o tamanho médio feminino (3,70 m de CRC) (Rivas,

2013).

3.6 Dieta

A sucuri verde é considerada generalista quanto a seus hábitos alimentares, sendo inúmeros os relatos de diferentes tipos de presas consumidas (Murphy e Henderson, 1997; Martins e Oliveira, 1998, Rivas et. al.,

2007, Starace, 2013; Miranda et al., 2016). A maioria das informações disponíveis na literatura são provenientes de observações pontuais, registros de eventos de predação que somados trazem importante conhecimento sobre a dieta desses animais. Dentre as presas observadas estão uma grande variedade de vertebrados terrestres e aquáticos, como peixes, anfíbios, aves

(incluindo as de grande porte como o tuiuiú, Jabiru mycteria), répteis

(crocodilianos dos gêneros Caiman e Paleosuchus, lagartos dos gêneros

Kentropix e Iguana, outras serpentes e quelônios), e mamíferos de pequeno e grande porte (dos gêneros Tapirus, Tayassu, Odocoileus, Didelphis,

Dasyprocta, Cuniculus, Coendou e Hydrochoerus) (Mole, 1924; Beebe, 1946;

Pope, 1961; Cunha e Nascimento, 1978; Strimple, 1993; Henderson et al.,

1995; Murphy e Henderson, 1997; Martins e Oliveira, 1998; Starace, 1998;

Rivas, 2001; Valderrama e Thorbjarnarson, 2001; Rivas et al., 1999, 2007,

2016; Starace, 2013; Miranda et al., 2016).

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Além desses registros, recentemente uma incomum e inédita ocorrência de predação da onça parda (Puma concolor) pela sucuri verde foi relatada

(Cavalcanti et al., 2016). A onça em questão era uma fêmea de 42 kg que estava em monitoramento por pesquisadores, que usavam colares com rádio- transmissores no animal para acompanhá-lo. Ao sair a campo, a equipe se deparou com o sinal vindo da água e encontrou uma sucuri fêmea de 4,2 m e

94 kg com visível ingestão recente de uma presa grande. Minutos depois de capturarem a sucuri a fim de esperá-la regurgitar a presa, o animal veio a óbito.

Durante a necropsia foi confirmada a presença da onça no estômago do animal, bem como congestão pulmonar, necrose oral, rompimento do fígado e infestação parasitária no predador. Além disso, a sucuri apresentava inúmeras evidências de que ocorreu uma luta entre os dois predadores de topo, com ferimentos causados pelas garras e dentes da onça na cabeça, ao longo do corpo e na boca da sucuri.

Em um estudo desenvolvido nos Lhanos na Venezuela, foram analisados mais de 100 animais quanto a sua dieta, sendo que 27 espécies de presas foram registradas. Quase metade das presas observadas eram aves

(17 spp.), a outra metade esteve dividida entre grandes mamíferos (3 spp.) e répteis (6 spp.). Apenas um registro de captura de peixe foi feito, entretanto o animal não ingeriu a presa (Rivas, 2000). Indivíduos recém-nascidos e jovens se alimentam principalmente de aves e, gradualmente, vão incluindo presas maiores na dieta. Animais de grande porte se alimentam quase exclusivamente de presas grandes, como mamíferos e répteis de grande porte (Rivas, 2000;

Rivas et al., 2016). Registros de canibalismo também foram feitos para a

46

espécie, sendo que três dos quatro eventos tratavam-se de fêmeas que haviam ingerido um macho (O’Shea, 1994; Rivas e Owens, 2000). Três dos casos de canibalismo ocorreram durante a época reprodutiva da espécie na Venezuela.

Após o acasalamento, as fêmeas de sucuri verde não se alimentam por alguns meses (Rivas, 2000), dessa forma possivelmente fêmeas reprodutivas se alimentam do macho como forma de sobreviver à anorexia durantea gestação

(Rivas e Owens, 2000).

Os registros de predação pela sucuri verde não envolvem somente animais selvagens. De fato, muitos são os registros dessas serpentes se alimentando de animais domésticos, entretanto poucos são publicados (ver parágrafo seguinte). A quantificação de animais domésticos ingeridos por esses animais é extremamente relevante, uma vez que não são incomuns os conflitos entre humanos e a espécie. A forma de retaliação mais comum seria a morte do animal. Dessa forma, conhecer quais são os principais animais domésticos ingeridos, como as serpentes se alimentam dessas presas e o que pode levarà procura por esse tipo alimento, pode ajudar no desenvolvimento de planos de manejo que procurem minimizar o contato e o conflito humano- animal.

Em um estudo onde foram analisados vídeos disponíveis na internet que continham sucuri verde se alimentando, foi observado que 41,8% das presas registradas eram animais domésticos. A presa mais comum consumida foi a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), com 17,8% dos registros, seguida por cachorro doméstico (Canis lupus familiaris), com 12,3% dos casos. Outros animais domésticos registrados como presas da sucuri verde são o gato

47

doméstico (Felis catus), a galinha (Gallus gallus) e bezerros (Bos taurus)

(Miranda et al., 2017).

3.7 Status de conservação:

Esta espécie não foi avaliada pela IUCN. No Brasil ela foi avaliada como

LC (ICMBio, 2018).

4. Eunectes notaeus

Conhecida como sucuri amarela, ou sucuri do Pantanal (Figura 1.7), o conhecimento sobre E. notaeus na natureza tem crescido nos últimos anos. As principais informações sobre a ecologia da sucuri amarela são provenientes de trabalhos realizados no Pantanal matogrossensse (Strüssmann e Sazima,

1993; Strüssmann, 1997), e ao longo de muitos anos na Argentina (Waller e

Micucci, 1993, Waller et al., 1995; Waller, 2000; Waller et al., 2001; Micucci et al., 2006; Waller et al., 2007; Micucci e Waller, 2007).

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Figura 1.7 Eunectes notaeus registrada no Pantanal sul-matogrossensse, Brasil.

4.1 Distribuição geográfica

A sucuri do Pantanal ocorre em áreas alagáveis, a menos de 250 m de altitude nas bacias do Rio Paraguai e Paraná (de 15°S a 32°S) (Waller et al.,

1995) (Figura 1.8). Na bacia do Rio Paraguai, pode ser encontrada na porção brasileira do Pantanal (estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), além da Bolívia e do Paraguai. Na bacia do Rio Paraná, a espécie pode ser encontrada em áreas alagadas da Argentina (Waller et al.,1995). Em 1996, foi confirmada a presença de E. notaeus no Uruguai, entretanto apenas poucos indivíduos foram registrados, provavelmente devido à falta de amostragem

(Achaval e Meneghel, 1996). A ocorrência da E. notaeus no Uruguai é ainda

49

questionada, carecendo de estudos adicionais para que se possa identificar o limite sul de distribuição da espécie. A área de distribuição da espécie é de aproximadamente 400.000 km², onde ocupa principalmente ambientes com fluxo de inundação sazonal (Micucci et al., 2006).

Figura 1.8 Mapa de distribuição de Eunectes notaeus. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude).

4.2 Uso do habitat e microhabitat

A sucuri amarela é frequentemente encontrada em brejos, pântanos, locais alagados sazonalmente, ou até mesmo em rios e ambientes ribeirinhos

(Strüssmann e Sazima, 1993; Dirksen, 2002; Waller et al., 2007). O primeiro

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estudo que elucidou os hábitos da espécie foi o de Strüssmann e Sazima

(1993) no Pantanal. Foi observado que, durante a estação chuvosa, os indivíduos são encontrados em áreas sazonalmente inundáveis, enquanto que na estação seca permanecem próximos a corpos d’água permanentes. Anos mais tarde, as sucuris da Província de Formosa na Argentina começaram a ser estudas. Na região, os animais são encontrados preferencialmente em áreas abertas com palmeiras esparsas intercaladas com riachos e rios, podendo também ser encontradas em florestas sazonalmente inundáveis (Waller et al.,

2007).

Pouco se sabe sobre o uso de microhabitat pela espécie. Segundo os trabalhos realizados na Argentina, durante o inverno, os indivíduos são encontrados frequentemente se aquecendo em troncos caídos e vegetação rasteira (Micucci e Waller, 2007; Waller et al., 2007). Durante a estação seca, os indivíduos buscam refúgio em vegetação densa que retém umidade (Waller et al., 2007). Os principais microhabitats utilizados para reprodução, caça, parição e demais atividades permanecem pouco conhecidos.

4.3 Atividade diária e sazonal

As sucuris amarelas que foram estudadas na Argentina, aparentemente são ativas durante o ano todo. Durante o inverno, devido às baixas temperaturas, elas se movimentam menos, ficam mais sedentárias e passam grande parte do tempo expostas ao sol se aquecendo, normalmente quando a temperatura da água está abaixo de 15°C (Waller et al., 2007). No Pantanal, os indivíduos aparentemente estão mais ativos durante o inverno, na estação seca, uma vez que 76% das presas removidas dos exemplares são 51

provenientes desse período (Strüssmann, 1997). Durante a estação chuvosa, a planície inunda e os animais ficam mais dispersos, o que pode dificultar o encontro e estudo dos animais. Dessa forma, a quantidade de presas encontrada nos animais provenientes desse período pode estar sub- amostrada, assim como a movimentação e a atividade dos animais.

Quanto à atividade diária, os indivíduos estudados no pantanal foram observados forrageando durante a noite, entretanto, a espécie aparentemente desempenha atividades tanto durante o dia quanto a noite (Strüssmann e

Sazima, 1993; Dirksen, 2002). A estratégia de forrageio pode ser tanto senta-e- espera quanto busca ativa, normalmente em ambientes aquáticos, entretanto já foi relatado um indivíduo em busca de ninhos de aves a cerca de 2,5 m de altura em árvores (Strüssmann e Sazima, 1991). Em um estudo sobre área de vida com E. notaeus realizado no Pantanal mato-grossensse, foi encontrado que a área de vida variou de 0,03 a 16,36ha, sendo que foi observada uma tendência a animais maiores possuírem maior área de vida. O período do ano em que os animais mais se movimentaram e se mantiveram ativos foi durante a estação seca, quando percorreram, em média, 1.603,32 m (Smaniotto, 2017).

4.4 Reprodução

Estudos voltados à compreensão da biologia reprodutiva da sucuri amarela são escassos, entretanto algumas informações estão disponíveis, o que ajuda a elucidar algumas características reprodutivas desses animais. O período do ano em que ocorre a cópula é incerto. Na Argentina, exemplares de cativeiro recém capturados entraram em cópula de setembro a novembro

(início da estação seca na região). Na mesma região, algumas fêmeas exibiram 52

óvulos fertilizados do começo de outubro (Waller et al., 2007). Tais registros sugerem que a reprodução da sucuri amarela na Argentina ocorre no início da estação seca. Evidências não formais (relatos de moradores locais de onde os indivíduos são encontrados, tanto na Argentina quanto no Pantanal) sugerem que E. notaeus também exibe sistema de acasalamento em agregação, o “bolo de reprodução” descrito para E. murinus, entretanto informações como a duração da agregação e quantos machos participam, ainda permanecem desconhecidos. A duração da gestação é de 120 a 180 dias, com um máximo de 270 dias registrado (Waller et al., 1995).

A partir da análise de presença de folículos, Waller et al. (2007) inferiram a maturidade sexual das fêmeas com 1,67 a 2,13 m. Já os machos podem atingir a maturidade a partir de 17 meses após o nascimento. Assim como a sucuri verde, as fêmeas da sucuri amarela provavelmente se reproduzem uma vez a cada dois anos ou mais, devido ao elevado custo energético da reprodução. Ainda segundo Waller et al. (2007), o número de filhotes nas ninhadas da sucuri amarela varia de 7-42 (±19,5), pelos dados provenientes de

11 fêmeas mantidas em condição de semi-cativeiro. O tamanho da ninhada foi positivamente relacionado com o tamanho da fêmea. Além do trabalho citado, outros pesquisadores disponibilizaram dados sobre o número de filhotes em cada ninhada, sendo esse número bastante variável. Segundo os registros, o tamanho da prole pode ser de 10-20 (máximo de 33, neonatos com comprimento de 50-65 cm) (Waller et al., 1995), 12-40 (Achaval e Olmos,

2003), 10-30 (Walls, 1998), 12-22 (Norman, 1994) e 37 (Williams e Scrocchi,

1994).

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4.5 Tamanho corporal

A sucuri amarela é uma serpente de grande porte e, assim como as outras espécies de sucuri, apresenta dimorfismo sexual. No estudo de

Waller et al. (2007), na província de Formosa, na Argentina, onde 449 indivíduos foram analisados, foi encontrado que as fêmeas são em média 20% maiores do que os machos e quase duas vezes mais pesadas. A maior fêmea possuía 3,35 m de CRC, quase 4 m de comprimento total e 29 kg, já o maior macho, 2,55 m de CRC e 10,5 kg. A média de tamanho e peso dos machos foi de 1,74 m de CRC e 3,72 kg, e para as fêmeas de 2,15 m de CRC e 7,17 kg.

4.6 Dieta

A sucuri amarela pode ingerir diferentes tipos de presa e, assim como E. murinus, é considerada generalista em seus hábitos alimentares. Nos indivíduos amostrados no Pantanal foram encontrados peixes, cágados, aves aquáticas, jacarés, capivara e até mesmo carniça (Strüssmann e Sazima, 1991;

Strussmann, 1997). Para os animais estudados na Argentina, foram relatados peixes, aves, diferentes tipos de mamíferos e serpente (Waller et al., 2007).

Alguns exemplares provenientes do rio Paraná foram analisados e dentre as presas foram encontrados alguns roedores (Cavia aperea), um marsupial aquático (Lutreolina crassicaudata), o pássaro preto (Agelasticus cyanopus) e uma outra ave que não pode ser identificada. No Chaco paraguaio foi relatado um indivíduo que ingeriu a ave cabeça-seca (Mycteria americana), uma espécie de grande porte associada a ambientes aquáticos (Norman, 1994).

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As aves parecem ser um item predominante na dieta da sucuri amarela estudada tanto no Pantanal quanto na Argentina. No Pantanal, as aves contribuíram com 50% dos itens alimentares encontrados e na Argentina essa presa também compôs por volta de 50% dos registros (Strüssmann e Sazima,

1991; Waller et al., 2007). Apesar de serem animais semi-aquáticos e estarem sempre associadas a corpos d’água, os peixes não são uma presa comumente consumida pela sucuri amarela, sendo poucos os registros. Além das presas citadas, E. notaeus já foi observada se alimentando de ovos de Aramus guarauna (Strüssmann e Sazima, 1991; Waller et al., 2007).

Um estudo mais detalhado da dieta da espécie foi desenvolvido por

Miranda (2016) na Argentina, onde pode ser observado que as principais presas foram aves aquáticas, roedores, ovos de aves e répteis. Assim como em estudos prévios, as aves foram as presas mais consumidas. No mesmo estudo foi observado que fêmeas se alimentam com maior frequência e consomem presas maiores que os machos, o que pode ser devido aos altos custos energéticos da reprodução.

4.7 Status de conservação:

Esta espécie não foi avaliada pela IUCN. No Brasil foi avaliada como LC

(ICMBio, 2018).

5.Utilização das sucuris por humanos e ameaças às espécies

O comércio ilegal de peles de sucuri para a confecção bolsas, carteiras e botas é bastante difundido e uma possível ameaça à espécie. O couro da espécie é muito valorizado e de alto custo, assim como aqueles de outros 55

boídeos e pitonídeos (Jenkins e Broad, 1994). Entre os anos de 1988 e 1990, autoridades internacionais confiscaram 2.138 couros de sucuri verde (E. murinus), que teriam como origem a Venezuela. Esses couros são provenientes da coleta ilegal desses animais na natureza, a população rural local seria responsável pela captura e venda desses animais, sendo que uma quantia de US$16,67 seria paga por metro linear de couro (Rivas, 2007).

Na Argentina, o mesmo problema acontece com a sucuri amarela (E. notaeus). Um número estimado de 60.000 exemplares de Boa constrictor e E. notaeus foram exportadas por ano da Argentina na década de 1940 (Gruss e

Waller 1988; Micucci et al., 2006). Mais tarde, entre os anos de 1980 e 1999, cerca de 320.000 couros de sucuri amarela foram exportados da Argentina e do Paraguai, tendo como destinos principais a Europa e os Estados Unidos

(Micucci et al., 2006). Todos os dados citados são provenientes do comércio ilegal das espécies, entretanto, no ano de 2002 foi implantado um plano de manejo na Argentina com o intuito de conciliar a utilização tradicional do couro da sucuri amarela com a conservação da espécie (ver seção 6).

Outro produto utilizado e muito procurado é a gordura das sucuris. Essa gordura é retirada da sucuri verde, derretida e usada como medicamento para problemas na garganta, asma e outras doenças respiratórias na Venezuela

(Rivas, 2000). A zooterapia, com o uso da gordura da sucuri verde, também é amplamente utilizada e comercializada como cicatrizante pelas populações da

Amazônia (Alves e Pereira-Filho, 2007). A gordura da sucuri verde chega a ser o produto zooterapêutico mais comercializado em mercados públicos de grandes cidades amazônicas (Pinto e Maduro 2002; Silva, 2008). Além do uso

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como cicatrizante e antibiótico, a gordura da sucuri verde também é utilizada no tratamento de distensão muscular, rompimento de estruturas ósseas, leishmaniose e problemas circulatórios como derrame, reumatismo e inchaço

(Silva, 2008).

A captura dos animais para exportação como animais de estimação também é um problema. Apesar de os animais não serem mortos, são mantidos em péssimas condições e correm o risco de serem introduzidos em outros ambientes. As sucuris não são um bom animal para se ter como animal de estimação, uma vez que elas atingem grandes tamanhos e possuem hábitos aquáticos, necessitando de condições muito específicas em cativeiro. Além disso, as sucuris podem acabar se tornando um risco para outros animais de estimação e para os seres humanos, uma vez que são animais com temperamento agressivo que nunca se tornam fáceis de manusear (Rivas,

2007). Por esses motivos, muitos dos donos desses animais acabam soltando os exemplares, introduzindo a espécie em um ambiente novo. Os animais introduzidos muitas vezes acabam morrendo, entretanto, os que sobrevivem podem vir a gerar sérios problemas no ecossistema local como invasores. De fato, já foram registradas sucuris verdes nos Everglades, Flórida, Estados

Unidos (Snow et al., 2007). O mercado de animais de estimação é uma questão difícil de controlar e o número de animais sendo retirados da natureza para esse fim é desconhecido e difícil de quantificar (Rivas, 2007).

Dessa forma, os principais problemas enfrentados atualmente pelas espécies de sucuri são a exploração ilegal de animais vivos como animais de estimação, subprodutos de animais mortos, como o couro, e a crescente

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redução de seus habitats em decorrência de atividades antrópicas. Devido a esse cenário, as espécies do gênero Eunectes estão listadas no Apêndice II da

Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna

Selvagens em Perigo de extinção (Convention on International Trade in

Endangered Species of Wild Fauna and Flora - CITES, 2017).

6. Iniciativa de manejo e conservação das sucuris

Devido à pressão de caça sobre a sucuri amarela, conforme exposto acima, foi desenvolvido um plano de manejo de utilização sustentável dos animais no ano de 2001 na província de Formosa, na Argentina. O plano, intitulado “Curiyú”, tem como o objetivo conciliar o tradicional uso desses animais pelos caçadores com a conservação da espécie a longo prazo, além de promover pesquisa sobre a biologia da espécie (Micucci e Waller, 2007;

Waller et al., 2007). O programa é direcionado para caçadores, compradores de pele locais e exportadores de pele, e segue a estratégia de controlar os esforços de caça (e. g., definindo uma temporada de caça), sem controlar diretamente o número de animais abatidos. Mais especificamente, no programa, a coleta dos animais é controlada pelo número de caçadores, duração da temporada de caça e comprimento da pele (Micucci et al., 2006).

Os caçadores compreendem moradores rurais e indígenas, sendo que o período de caça vai de junho a agosto, inverno na região e época do ano em que a espécie não está se reproduzindo. O tamanho mínimo da pele dos animais estabelecido pelo programa é de 2,3 m de CRC. Este tamanho foi estabelecido com a justificativa de que as fêmeas amadurecem com um tamanho de cerca de 1,65 m de CRC. Sendo assim, um tamanho mínimo para 58

caça de 2,3 m permitiria às fêmeas uma oportunidade de se reproduzir antes de serem abatidas (Waller et al., 2007). Dependendo das pesquisas realizadas em conjunto com os pesquisadores envolvidos no plano de manejo, os animais são levados vivos para as casas dos caçadores, permitindo assim a coleta de dados biológicos dos indivíduos. Do contrário os indivíduos caçados são mortos nos locais de captura. É oferecida aos caçadores uma quantia em dinheiro para cada serpente trazida com vida para que os pesquisadores consigam colher dados biológicos dos animais. A partir desses dados, o plano de manejo pode ser monitorado e controlado a longo prazo.

Apesar dos avanços no conhecimento da biologia da sucuri amarela proporcionados pelo plano de manejo implementado na região, muitos dos quais utilizados nessa revisão, os critérios utilizados foram alvos de críticas.

Rivas (2007) apontou que, devido ao dimorfismo sexual observado na espécie, a autorização de caça de exemplares com mais de 2,3 m estaria levando ao abate quase exclusivo de fêmeas. Além disso, o período de caça ocorre no inverno, período em que os animais são encontrados termorregulando em troncos e na vegetação, sendo que são as fêmeas prenhes os animais que termorregulam regularmente (Rivas, 2000). Rivas (2007) apontou ainda que em uma conversa com caçadores locais, esses prevêem um declínio na população das sucuris amarela devido ao elevado número de fêmeas caçadas. Ainda, foi mencionado que a determinação de 2,3 m de tamanho mínimo para a caça se deve ao fato de que esse é o tamanho mínimo necessário para se fazer bolsas sem que seja preciso emendar pedaços de couro.

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Em resposta, Waller e Micucci (2008) alegam que estas críticas foram feitas baseadas em opiniões pessoais de Jesús A. Rivas, oriundas de uma visita feita à região no ano de 2002, e não em fatos. Os autores alegaram que antes de estabelecerem um tamanho mínimo, animais de menor porte eram mais comumente abatidos, o que afetava todas as classes de tamanho. O tamanho mínimo estipulado reduziria pela metade o número de animais vulneráveis à caça. Dessa forma, apesar de 75% dos animais abatidos serem fêmeas, a redução do tamanho permitido para a caça aumentaria o número total de fêmeas mortas, uma vez que jovens de ambos os sexos seriam abatidos. Quanto à alegação de Jesús A. Rivas de que seriam as fêmeas prenhes as mais vulneráveis devido ao seu comportamento termorregulatório,

Waller e Micucci (2008) afirmaram que o período de caça precede a estação reprodutiva da espécie. Os autores afirmam que as críticas feitas por Rivas foram estimuladas por uma preocupação exagerada com as sucuris.

Esse debate é essencial para a reflexão sobre o assunto. O fato é que existe um mercado consolidado de peles de animais e o couro das espécies de sucuri é valioso (conforme apresentado na seção 5), dessa forma, essa questão não deve ser ignorada. Rivas (2007) sugere como uma opção o que ele chama de “sistema de cultivo aberto”. Esse sistema consiste em capturar fêmeas prenhes, que são fáceis de localizar devido ao seu tamanho e comportamento termorregulatório, mantê-las em cativeiro e soltá-las assim que derem à luz. Devido ao grande número de filhotes que uma fêmea consegue parir, seria possível conseguir um grande número de animais. Nesse sistema, uma parte dos filhotes seria abatida para a extração do couro e outra parte

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seria liberada de volta à natureza. Como os recém-nascidos crescem rápido, após certo período em cativeiro, os produtores teriam um couro sem cicatrizes, sem feridas e com escamas menores, que possuem valor mais alto de mercado (Rivas, 2007).

O sistema de cultivo aberto ajudaria também na conservação da espécie, uma vez que os ambientes em que os animais vivem precisariam ser preservados a fim de dar continuidade à produção. A conservação do ambiente garantiria a permanência e reprodução das sucuris. Tal estratégia de conservação não seria possível em um cultivo fechado totalmente em cativeiro.

Os custos de uma produção nesse sistema de cultivo aberto podem parecer altos quando comparados com o sistema de "colheita", como ocorre com a sucuri amarela na Argentina. A manutenção de animais em cativeiro exige todo o cuidado necessário, o que pode ser caro. Entretanto, em um sistema de

"colheita", muito dinheiro deve ser gasto no monitoramento e controle das capturas e nos estudos sobre possíveis impactos que o sistema poderia causar nas populações (Rivas, 2007).

Outra alternativa seria a coleta direcionada aos machos, pois esses são fáceis de encontrar em grandes números durante o período reprodutivo e seu couro normalmente possui menos cicatrizes do que as fêmeas, uma vez que se alimentam de presas que oferecem menos riscos (Rivas, 2007). A melhor forma de lidar com a questão ainda é um debate em curso, e mais pesquisas devem ser feitas a fim de elucidar a questão. O programa de manejo dos animais na Argentina é o único existente para sucuris e já dura 16 anos. O

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acompanhamento a longo prazo dirá qual impacto esse manejo está tendo na população local de sucuris.

7. Conclusão

É notório o avanço no conhecimento da ecologia das espécies de

Eunectes com o passar dos anos. Esforços vêm sendo feitos com o intuito compreender a história natural desses animais na natureza. Podemos notar uma ausência de informações referentes a aspectos básicos da ecologia da E. beniensise e E. deschauenseei. Até o momento apenas um estudo foi realizado tendo E. beniensis como foco, sendo que inexistem estudos voltados a E. deschauenseei. Dessa forma, existem muitas lacunas de informações acerca da história natural de ambas as espécies, sendo necessário um esforço maior em compreender aspectos como dieta, reprodução, padrão de atividade, uso da paisagem e de microhabitats e termorregulação nessas espécies.

A compreensão da biologia da sucuri amarela (E. notaeus) teve um importante incremento com a implantação do plano de manejo na Argentina a partir do ano de 2002 e com os trabalhos desenvolvidos no Pantanal nos

últimos anos. Apesar desses avanços, ainda permanecem algumas lacunas de conhecimento, especialmente referentes à reprodução da espécie. Um acompanhamento dessas populações a longo prazo pode vir a gerar importantes dados ecológicos que poderão oferecer subsídios para um plano de manejo da população do Pantanal, bem como a conservação da espécie.

Sem dúvida, a espécie de sucuri que mais possui informações disponíveis é a sucuri verde (E. murinus). A espécie vem sendo estudada há

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mais de 20 anos na Venezuela, o que gerou uma grande quantidade de informações importantíssimas sobre sua história natural. Entretanto, a sucuri verde possui uma distribuição geográfica muito ampla, e são praticamente inexistentes trabalhos focados nessa espécie em outras regiões ao longo de sua distribuição geográfica, especialmente em ambientes florestados. Dessa forma, fica difícil traçar um perfil para a espécie quando esta ocorre em locais tão distintos, com diferentes paisagens e pressões ambientais, quando apenas populações de uma pequena porção de sua distribuição foram estudadas.

Assim, estudos sobre populações da sucuri verde em outras regiões de sua distribuição geográfica seriam necessários a fim de compreender melhor os padrões na história natural da espécie

Um dos principais motivos da ausência de vários tipos deinformação e de trabalhos com as espécies de sucuri se deve à dificuldade de se trabalhar com esses animais. As sucuris são animais que vivem em ambientes muitas vezes de difícil acesso e o encontro dos animais não é fácil, devido aos seus hábitos. Além disso, existe a dificuldade em lidar com eles devido ao seu grande porte. Essas dificuldades, associadas à necessidade de uma grande quantidade de recursos financeiros para se poder estudar esses animais, provavelmente tem limitado os estudos sobre as sucuris.

Foi possível observar alguns padrões a respeito da biologia das espécies. Aparentemente todas as espécies de sucuri possuem hábitos alimentares generalistas, sendo as aves a principal presa. Quanto à reprodução, evidências indicam que esta provavelmente ocorre durante a estação seca em todas as espécies. Ao contrário do que se pensava, com o

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aumento de informações disponíveis, foi possível observar que as sucuris não possuem apenas atividade noturna, mas sim em ambos os períodos do dia, e essa característica parece ser um padrão para as espécies do gênero.

É importante salientar que todo o conhecimento acumulado acerca da história natural desses animais não deveria ficar somente dentro da comunidade científica. Uma comunicação entre os cientistas e a população, com trabalhos voltados para a educação ambiental, levaria informação à população em geral. Somente com essas informações e disseminação do conhecimento poderíamos desconstruir a imagem errônea que foi criada acerca desses animais, por anos de lendas e crenças ainda muito impregnadas no imaginário popular.

Parte II – Observações sobre a ecologia da sucuri verde (Eunectes murinus) na Serra da Bodoquena, MS

A parte II deste capítulo tem como objetivo trazer informações que contribuam para o conhecimento de aspectos da ecologia de uma espécie pouco estudada dentro da amplitude de sua distribuição geográfica. Serão apresentadas informações sobre o uso do micro-habitat, movimentação, atividade, reprodução e dieta de E. murinus em um ambiente florestado, tipo de ambiente diferente dos já estudados e disponíveis na literatura.

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1. Materiais e métodos

1.1 Área de estudo

Foram percorridos rios, riachos e áreas alagáveis encontradas no município de Bonito MS, Brasil (Figura 1.9). A cidade de Bonito fica localizada na Serra da Bodoquena (Figura 1.9), a qual está inserida em um complexo de montanhas entre o planalto e a borda leste da planície do Pantanal (Azevedo e

Adámoli, 1988; Sallun-Filho e Karmann, 2007). A morraria possui 300 km de comprimento, e de 20 a 50 km de largura, podendo alcançar 800 m de altitude

(Azevedo e Adámoli, 1988; Sallun-Filho e Karmann, 2007). A região apresenta vegetação composta por floresta decidual e semidecidual nas partes de elevada altitude, e mata de galeria ao longo dos rios nos vales (Pott e Pott,

2003).

O clima da região é do tipo tropical úmido, com temperaturas máximas variando entre 35 e 40°C e a temperatura mínima próxima de 0°C nos meses de junho e julho (Alvarenga et al., 1982). A região apresenta elevada importância por ser uma área cárstica. Na Serra da Bodoquena estão localizadas as nascentes de inúmeros rios que deságuam na porção meridional da planície do Pantanal, sendo importantes para o fluxo de inundação da bacia

(Sallun-Filho e Karmann, 2007). O ecoturismo é a principal atividade econômica para algumas cidades localizadas na Serra de Bodoquena, a exemplo de Bonito, que permanece sendo um dos principais destinos de ecoturismo do Brasil. As águas cristalinas dos rios e as inúmeras cachoeiras atraem turistas do mundo inteiro, sendo muito frequente a visualização da sucuri verde na região. 65

Figura 1.9 Localização do município de Bonito (em amarelo no mapa principal), no oeste do estado do Mato Grosso do Sul (em amarelo no mapa da América do Sul), onde este estudo foi desenvolvido. Os diferentes tons de cinza indicam variações de altitude (quanto mais escuro, maior a altitude). Note a Serra da Bodoquena (em forma de arco) que passa pelo extremo ocidental do município de Bonito.

1.2 Coleta de dados

Entre novembro de 2016 e novembro de 2017 foram percorridos ambientes aquáticos permanentes da região, principalmente o Rio Formoso

(Figura 1.10). Durante o ano de 2017, as buscas foram feitas ao menos por 15 dias por mês. O encontro dos indivíduos foi feito por meio do método de busca ativa, mediante deslocamentos a pé nas margens dos ambientes aquáticos e

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com o auxílio de pequenos barcos. Por se tratar de um animal de grande porte, para a captura, foram procurados indivíduos que estivessem em locais rasos ou em terra, nas margens dos corpos d'água. Quando era possível realizar a captura, essa foi feita manualmente. Em cada encontro foram anotados a localização, com auxílio de GPS, o horário, a atividade realizada no momento do encontro e o microhabitat utilizado.

Foi colocada uma meia de algodão na cabeça de cada indivíduo capturado a fim de diminuir o estresse do animal e garantir a segurança da equipe no manuseio do mesmo (Rivas, 2008). A meia era presa com uma fita ao redor da boca e pescoço do animal (Figura 1.11). Cada indivíduo foi medido com o auxílio de um barbante (o qual teve seu tamanho medido posteriormente com o auxílio de uma trena; Rivas, 2008). Os exemplares eram então individualizados através do acoplamento de um rádio-transmissor que emitia uma freqüência VHS única. Os transmissores utilizados eramda marca ATS

(AdvancedTelemetry Systems), adequados para animais aquáticos. A frequência de emissão está entre 150.000 e 150.999 MHz, as dimensões são de 17x72 mm, o peso de 27 g e a antena possuía 40 cm de comprimento. Os transmissores foram acoplados na parte dorsal dos animais, a cerca de 40 cm da cloaca, com auxílio de fita a prova d’água e Silver Tape (Figura 1.11).

Ao fixar o rádio-transmissor, foi tomado o devido cuidado para não dar uma volta completa ao redor do corpo do animal com a fita, a fim de evitar atrapalhar uma possível troca de pele. Logo após o procedimento, os indivíduos foram soltos no mesmo local da captura. Todos os exemplares capturados tiveram o sexo identificado por meio da observação do tamanho do

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esporão pélvico. O esporão pélvico é um vestígio da cintura pélvica que pode atingir os lados da cloaca, aparecendo em forma de uma escama modificada, dura e pontiaguda. Essa estrutura é grande e visível em machos da família

Boidae e Pythonidae, mesmo quando jovens. Nas fêmeas, o esporão possui aparência diminuta, mesmo nos maiores exemplares, facilitando a identificação do sexo. O trabalho foi desenvolvido mediante autorização do SISBIO

(Processo n°40651-5) e do IMASUL devido à coleta em uma unidade de conservação (Processo n° 61/405692/2016).

Figura 1.10 Imagem do Rio Formoso, principal rio amostrado na região. O local da foto se trata do Eco Park Porto da Ilha, o qual que faz parte do Monumento Natural do

Rio Formoso, no municípiode Bonito, MS.

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1.3 Monitoramento dos animais

As localizações dos animais foram obtidas pelo método de homing ou avistamento, que consiste em seguir o sinal de rádio até a visualização do animal. Foram feitas visitas diárias aos animais com transmissor acoplado, onde a cada avistamento eram anotados a coordenada geográfica, a atividade do animal, o microhabitat utilizado e a distância (em metros) da localização anterior. Além dos animais equipados com transmissor, os demais indivíduos avistados e que, por algum motivo, não puderam ser capturados, tiveram as mesmas variáveis anotadas, exceto os dados sobre movimentação.

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Figura 1.11 Indivíduo de Eunectes murinus capturado na cidade de Bonito, MS, evidenciando o transmissor VHS acoplado com o auxílio de fita adesiva a prova d’água

(de cor preta) e a cabeça da serpente coberta com uma meia branca fixada com fita adesiva preta.

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2. Resultados

Foram observados 34 animais, sendo que a maioria (n = 32) foi encontrada durante a época de seca, entre junho e setembro. Dos animais avistados, nove foram capturados e equipados com transmissores. Os animais encontrados durante a época chuvosa (março) estavam em um pequeno córrego. Os demais foram observados no Rio Formoso, o local em que a maioria dos animais foi encontrada (23 observados e nove com transmissores).

Em grande parte da extensão do Rio Formoso existe uma mata ciliar densa, bem preservada, com árvores altas entremeadas de arbustos e solo coberto por gramínea ou serrapilheira (Figura 1.10). A água cristalina da região permite uma ótima visão de dentro do rio feita por um observador localizado fora d'água. É possível visualizar o fundo do rio com facilidade, o que permitiu o encontro dos animais durante o monitoramento.

2.1 Atividade, uso do ambiente e movimentação dos indivíduos com transmissores

Os transmissores acoplados externamente em serpentes, principalmente aquelas com hábitos aquáticos, têm um tempo de utilização muito menor do que quando colocado internamente, pois se soltam com mais facilidade do corpo dos animais. A duração máxima de um transmissor em um animal foi de

22 dias, e a mínima de cinco dias (±11,5 dias) (Tabela 1.1). Sete dos nove animais equipados com transmissores foram capturados e monitorados durante o período de seca (inverno). Na estação seca, provavelmente devido às baixas temperaturas da água, o encontro com os animais é mais fácil, uma vez que estes ficam mais tempo fora da água, o que facilita a captura. Apenas dois 71

animais foram capturados durante a estação chuvosa, no mês de março. Em todas as ocasiões durante o monitoramento, foi possível encontrar e visualizar o animal.

Além dos animais com os transmissores acoplados, foi possível a individualização e monitoramento de duas fêmeas de grande porte. As mesmas não puderam ser capturadas, pois, nas ocasiões em que se encontravam fora da água, ou haviam ingerido algum alimento e se encontravam em digestão, ou estavam prestes a trocar de pele. Animais com ingestão recente de alguma presa, quando perturbados, tendem a regurgitar, causando um estresse muito grande ao animal, além de um elevado desperdício energético. De fato, existem dois registros de fêmeas de grande porte que, ao regurgitar presas grandes, acabaram por morrer (Rivas et al., 2007). Dessa forma, optamos por não interferir quando era constatado que o animal havia se alimentado recentemente. Já em animais que estão trocando de pele, o acoplamento de um transmissor com fita poderia interferir na muda, além de que com a troca da pele o transmissor seria descolado do corpo do animal.

O primeiro animal a ter o transmissor aderido foi capturado em março, nas margens de um riacho e tratava-se de um macho (M1). O mesmo possuía um ferimento grande exposto, provavelmente oriundo da retaliação por parte de alguma presa, como capivara ou jacaré (Figura 1.12). A duração do transmissor no corpo do animal foi de 13 dias. O deslocamento máximo entre um dia e outro foi de 300 m (Tabela 1.1). Em três ocasiões este animal foi avistado fora d'água, na margem do córrego, entre vegetação rasteira, exposto ao sol, sendo que, ao perceber nossa aproximação, imediatamente entrou na

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água. Todos os outros dez registros foram feitos na água, sendo que em sete destes o animal se mantinha entre galhos na margem do rio, com as narinas para fora d’água. Em três ocasiões o indivíduo M1 foi encontrado abrigado em buracos no barranco do córrego. Após esse período o transmissor foi encontrado caído no fundo do córrego.

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Figura 1.12 – Indivíduo macho (M1) de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado na cidade de Bonito, MS, com um grande ferimento exposto, provavelmente oriundo de retaliação por parte de alguma presa.

O segundo animal, também macho (M2), foi capturado no final de março no mesmo riacho que o M1. O transmissor permaneceu por 12 dias no corpo 74

do animal. O deslocamento máximo entre um dia e outro foi de 250 m (Tabela

1.1), sendo que por 7 dias se manteve no mesmo local, apenas mudando de

posição. Em nenhuma ocasião o macho M2 foi observado fora d'água, sendo

que em nove observações ele foi avistado entre os galhos de vegetação

aquática na margem do córrego. Em dois registros ele se encontrava abrigado

em cavidadeno barranco do córrego, e em um registro o animal estava em

movimento dentro d'água. Nessa ocasião, ao encontrar galhos submersos, o

macho M2 se enrolou por entre os galhos e permaneceu embaixo d’água

apenas expondo as narinas para fora d'água para respirar. Após esse período,

o transmissor foi encontrado preso entre a vegetação aquática no mesmo local

em que o animal foi visto pela última vez.

Tabela 1.1 Medidas e movimentação de indivíduos de sucuri verde (Eunectesmurinus) monitorados com o auxílio de rádio-transmissores na cidade de Bonito, MS. TT = Tamanho total, CRC = Comprimento rostro-cloacal, DMP = Distância mínima percorrida entre um dia e outro, DMAP = Distância máxima percorrida entre um dia e outro, DMPE = Distância média percorrida em um dia, DMTP = Distância máxima total percorrida entre dois pontos, DM = Dias de monitoramento.

Indivíduo Sexo TT CRC DMP DMAP DMPE DMTP DM (m) (m) (m) (m) (m) (m) M1 M 2,63 2,2 0 300 80,8 1050 13 M2 M 2,88 2,34 0 250 121,25 1455 12 F1 F 2,76 2,41 0 20 2,7 20 11 F2 F 2,74 2,31 0 25 4 40 10 M3 M 3,25 2,69 0 5 0,92 5 13 M4 M 3,09 2,53 0 15 4,6 22 8 M5 M 2,82 2,3 0 2 0,4 2 10 F3 F 3,38 2,87 0 12 2,4 12 5 F4 F 3,10 2,74 0 17 2,3 29 22

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Os demais animais foram capturados e monitorados entre junho e julho de 2017, todos em um trecho de aproximadamente 1,5 km do Rio Formoso.

Uma fêmea (F1) foi capturada sobre a vegetação aquática próxima à margem do rio, a cerca de 1,5 m da lâmina d’água. O transmissor durou 11 dias no corpo do animal, sendo que o máximo de deslocamento entre um dia e outro foi de 20 m (Tabela 1.1). Durante quatro dias ela se manteve imóvel enrolada na vegetação aquática embaixo d'água na margem do rio (Figura 1.13). Nenhum registro do animal foi feito em solo. Nos demais dias, ela foi observada sobre a vegetação aquática exposta ao sol, ou abrigada embaixo d'água em uma moita de gramíneas, onde o transmissor foi encontrado após o período de monitoramento. Uma segunda fêmea (F2) foi capturada a alguns metros da fêmea F1, esticada ao sol sobre a vegetação aquática na margem do rio, a poucos centímetros da lâmina d’água. O transmissor durou 10 dias, o máximo de deslocamento entre um dia e outro foi de 25 m. Por cinco dias ela permaneceu parada embaixo da água enrolada entre galhos da vegetação aquática. Durante outros três dias ela se manteve abrigada em uma cavidade no barranco do rio. Em duas ocasiões, a fêmea foi observada exposta ao sol, acima da vegetação aquática, a não mais que 1m da lâmina d’água. Ao final, o transmissor foi encontrado grudado aderido entre os galhos do local em que ela havia permanecido por 5 dias, indicando que ela teria voltado ao local.

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Figura 1.13 Indivíduo de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado no Rio Formoso,

Bonito, MS, sob a água, em meio à vegetação. O animal se encontra camuflado, com apenas a cabeça para fora da água (primeira foto). A segunda evidencia como ela enrola a cauda em galhos submersos para se apoiar, é possível ver a antena do transmissor acoplado no corpo do animal.

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O quinto animal capturado era outro macho (M3), encontrado em cima de uma árvore, a cerca de 3 m de altura, exposto ao sol. O transmissor permaneceu 13 dias acoplado ao corpo do animal e nesse período ele se deslocou apenas poucos metros. Nos três dias após a captura, ele se manteve dentro d'água, abrigado em uma cavidadeno barranco do rio. No quarto e quinto dias foi observado fora d'água em meio às gramíneas na margem do rio.

Nos 5 dias seguintes novamente foi encontrado no mesmo abrigo utilizado anteriormente. Nos dias seguintes foi observado a cerca de 2 m de altura esticado ao sol, em uma árvore. Após os 13 dias de monitoramento, o transmissor foi encontrado sob a água na cavidade que este indivíduo utilizava como abrigo.

Um indivíduo macho (M4) foi encontrado exposto ao sol em um tronco caído na beira do rio (Figura 1.14). O transmissor durou 8 dias e o máximo de deslocamento entre um dia e outro foi de 15 m. Nos dois dias seguintes à captura ele se manteve abrigado embaixo d’água, em um buraco em meio à vegetação aquática na margem. Por três dias consecutivos foi observado a cerca de 2 m de altura esticado sob o sol em uma árvore. Nos dias seguintes novamente se manteve no mesmo abrigo em que havia sido encontrado anteriormente, onde por fim o transmissor foi encontrado. O sétimo indivíduo era um macho (M5), encontrado enrolado entre as gramíneas em uma pequena ilha no meio do rio. O transmissor durou 10 dias, desses, em seis ele se manteve imóvel no mesmo local, e por dois, abrigado em meio às gramíneas embaixo d’água, na mesma ilha. Por dois dias o macho M5 foi observado

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saindo de seu abrigo sob a água por volta das 9h da manhã, deslocando-se para o mesmo local em que havia sido capturado.

Figura 1.14 Macho de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrado exposto ao sol utilizando tronco caído como microhabitat, no Rio Formoso, Bonito, MS. 79

O oitavo animal monitorado era uma fêmea (F3), encontrada esticada em terra na margem do rio, no mesmo local em que o macho M3 foi observado.

O transmissor ficou por apenas 5 dias no animal e, desses, por quatro ela se manteve dentro d'água entre as gramíneas da margem. No quinto dia foi observada em terra na margem do rio, esticada ao sol, mesmo local em que o transmissor foi encontrado. O último animal equipado com transmissor era uma fêmea (F4), que permaneceu por 22 dias com o transmissor. A fêmea F4 foi encontrada e capturada em uma árvore a cerca de 1,5 m de altura, na margem do rio. Nos 4 dias seguintes ela foi observada novamente em duas árvores muito próximas de onde foi capturada (3 m de distância). No quinto dia foi registrada na água deslocando-se para um abrigo em meio às gramíneas submersas na margem do rio, onde permaneceu por 6 dias. Após esse período, novamente foi encontrada fora d'água, entretanto dessa vez em solo, a menos de 2 m da margem do rio. Nos 8 dias seguintes ela se manteve escondida dentro d'água em diferentes locais, todos muito próximos, a não mais de 5 m de distância um do outro. No dia seguinte, foi observada novamente na árvore, a cerca de 2,5 m de altura, esticada em galho sob o sol.

No último dia ela se manteve em um abrigo no barranco do rio, onde o transmissor foi encontrado.

Uma fêmea de grande porte (F5) pode ser monitorada sem o uso de transmissores, uma vez que se manteve em uma pequena área, e era relativamente fácil de visualizá-la devido a seu grande tamanho e transparência da água. O tamanho estimado da fêmea F5 era de cerca de 5,5 m. Na primeira vez em que foi observada, encontrava-se dentro d'água, em uma cavidade no

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barranco do rio. Como o rio é profundo nesse local, e ela se encontrava entocada, por segurança optamos por esperar que ela saísse da água para capturá-la. Quatro dias após permanecer no abrigo, foi encontrada esticada em terra no barranco do rio, logo acima de seu abrigo. Entretanto, foi constatado que ela havia se alimentado recentemente de uma presa grande, o que fez com que desistíssemos da captura. Nos 3 dias seguintes, ela foi observada em outra toca na beira do rio, a aproximadamente 2 m do abrigo em que havia sido encontrada a primeira vez (Figura 1.15). Nos 10 dias seguintes, não foi possível encontrá-la. No 11° dia, ela foi observada dentro de uma pequena queda d’água, onde se forma uma pequena caverna (Figura 1.16). Após cerca de 2h ela saiu da queda d’água e se dirigiu para a margem do rio onde são encontradas as cavidades emque ela havia sido encontrada anteriormente.

Após 4 dias, ela foi novamente encontrada esticada no barranco do rio. Após esse registro, ela permaneceu por 14 dias sem ser observada, voltando a ser encontrada novamente no mesmo abrigo, embaixo da água, onde permaneceu por uma semana. Ao observá-la no abrigo embaixo d’água, ficamos esperando para observar quanto tempo levaria até que emergisse para respirar. Ao constatar que muito tempo havia passado (cerca de 40 min) decidimos observar como era o abrigo dela embaixo da água com ajuda de lanterna a prova d’água e câmera subaquática. Foi constatado que se trata de um buraco grande que se estende abaixo do solo na margem do rio. Nessa toca, forma-se uma bolsa de ar e dessa forma ela não precisa sair do abrigo e subir até superfície da água para respirar. Sete machos foram encontrados a menos de

20 m da fêmea F5, esse fato, junto com a espessura corporal da fêmea, indica que ela estava reprodutiva. 81

Figura 1.15 Fêmea de sucuri verde (Eunectes murinus) utilizando cavidade na beira do Rio

Formoso (Bonito, MS) como abrigo.

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Figura 1.16 Pequena queda d’água utilizada como abrigo por uma fêmea adulta de grande porte de Eunectes murinus, localizada no Rio Formoso, Bonito, MS.

A segunda fêmea monitorada sem o transmissor (F6) teve o tamanho estimado em 6 m, e foi avistada pela primeira vez nadando na beira do rio em uma parte bastante rasa (Figura 1.17). Ao descer do barco na tentativa de captura, foi constatado que ela estava para trocar de pele, o que nos fez desistir do processo. Nos 2 dias seguintes, ela foi encontrada em terra, esticada na margem do rio, a cerca de 10 m do registro anterior. Após esse evento, ela permaneceu por 12 dias sem ser vista, voltando a ser encontrada fora da água, parcialmente enrolada em meio a gramíneas na beira do rio, ainda sem ter trocado de pele. Alguns dias depois foi encontrada em sua

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primeira atividade reprodutiva (ver resultados de reprodução). Após o primeiro registro em atividade reprodutiva, ela foi avistada mais quatro vezes em terra, na margem do rio (Figura 1.18), sendo que em três ocasiões estava exposta ao sol. Após alguns dias sem ser observada, foi encontrada novamente em atividade reprodutiva. Após um mês sem ser avistada, novamente foi encontrada se reproduzindo, muito próxima de onde se reproduziu da segunda vez. Após o último evento reprodutivo, foi encontrada mais quatro vezes fora da

água, na margem do rio, exposta ao sol.

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Figura 1.17 Fêmea adulta de grande porte de sucuri verde (Eunectesmurinus) encontrada nadando na beira do Rio Formoso, cidade de Bonito, MS.

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Figura 1.18 Fêmea de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrada utilizando o barranco do Rio Formoso semanas após o primeiro evento reprodutivo registrado.

Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura.

2.2 Uso do microhabitat e atividade dos indivíduos sem transmissores

Dos 34 animais observados, quase a metade foi encontrada utilizando árvores como microhabitat (n = 16, 47%). Outros microhabitats utilizados foram solo no barranco do rio, entre vegetação aquática em rio e riacho, e em tronco caído (Figura 1.19). Nesses dados estão contabilizados apenas o primeiro encontro dos animais monitorados com os transmissores.

Todos os animais utilizando árvores e tronco foram encontrados no inverno na

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região, entre junho e agosto. Nas árvores, os animais costumavam ficar em uma altura elevada, sempre acima de 2 m (Figura 1.20). Dentre os animais encontrados em árvore ou tronco caído, 17 se encontravam esticados ou semi- esticados e apenas um foi encontrado enrolado na árvore. Ao perceberem a aproximação humana e se sentirem ameaçados, os animais imediatamente se direcionavam à água. Os indivíduos observados no barranco do rio sempre se mantinham entre a vegetação, normalmente gramíneas. Os animais observados na água sempre permaneciam próximos da margem do Rio

Formoso, entre vegetação aquática.

Figura 1.19 Microhabitats em que indivíduos da sucuri verde (Eunectes murinus) foram encontradas, na região de Bonito, MS.

Entre julho e setembro de 2017, foram percorridos diariamente de barco trechos do Rio Formoso, uma vez que muitos indivíduos começaram a ser 87

avistados. Foi possível observar que os animais costumam sair de suas tocas, localizadas em cavidades sob a água no barranco do rio, ou em cavidade na margem seca por volta das 10h00. A grande maioria dos animais, após saírem de suas tocas permaneciam por um tempo em terra e, em seguida, se dirigiam para alguma árvore na margem do rio. As árvores escaladas normalmente eram aquelas cujo tronco estava inclinado em direção ao meio do rio. Após se estabelecerem sob o sol nas árvores, permaneciam ali por horas, retornando ao solo por volta das 16h00. Tal comportamento foi muito frequente durante a estação seca, diariamente os mesmos indivíduos eram observados repetindo o mesmo comportamento e utilizando o mesmo abrigo, sendo que muitas vezes a mesma árvore era utilizada dia após dia. A partir de outubro, os avistamentos diminuíram, não sendo mais encontrados animais tanto fora quanto dentro d'água.

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Figura 1.20 Indivíduos de sucuri verde (Eunectes murinus) encontrados utilizando

árvores como microhabitat, nas margens do Rio Formoso, Bonito, MS.

2.3 Reprodução

Duas das fêmeas monitoradas apresentavam características reprodutivas no ano de 2017. Uma delas (F6), de aproximadamente 6 m, foi encontrada em bolo de reprodução em três ocasiões. Esse se trata do primeiro registro de bolo de reprodução nesta espécie fora da Venezuela. O primeiro acasalamento ocorreu em 12 de agosto, onde ela se encontrava com apenas um macho, o tempo de duração do acasalamento é incerto (Figura 1.21).

Nesse evento, ambos os indivíduos se encontravam no barranco do Rio

Formoso, muito próximos da água. O segundo evento ocorreu um mês depois do primeiro, dia 12 de setembro, quando a mesma fêmea F6 foi encontrada com mais quatro machos. O local desse acasalamento foi em ambiente

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aquático raso, ao lado de uma cachoeira onde o Rio Formoso forma pequenas piscinas naturais onde os indivíduos foram localizados, a alguns metros de distância do primeiro acasalamento. A duração desse acasalamento foi de 6 dias.

Figura 1.21 Fêmea da sucuri verde Eunectes murinus em atividade reprodutiva com apenas um macho, no barranco do Rio Formoso, Bonito, MS, registrado em Agosto de

2017. Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura.

O terceiro acasalamento da mesma fêmea (F6) se iniciou dia 12 de outubro, um mês após o segundo. Nessa ocasião, os indivíduos se encontravam a cerca de 5 m do segundo evento, no barranco do rio, muito próximos da água, em uma pequena área onde o rio faz uma curva, em meio a gramíneas (Figura 1.22). Nessa ocasião, participavam efetivamente do bolo de 90

reprodução seis machos. Entretanto, um sétimo indivíduo se mantinha ao lado do bolo, sem participação ativa e fugia para a água com a aproximação humana. A duração desse evento foi mais longa, com 13 dias de acasalamento. Após a reprodução, a fêmea era encontrada com freqüência nas margens do rio exposta ao sol.

A segunda fêmea, com cerca de 5,5 m de comprimento, e que apresentava características reprodutivas, não foi encontrada em bolo de reprodução, entretanto foram encontrados sete machos a no máximo 20 m de distância da mesma, em um único dia. Após esse período, a fêmea foi observada no barranco do rio, tomando sol, em diversas ocasiões, comportamento esse que anteriormente era difícil de observar. Dessa forma, as evidências apontam que ela tenha de fato se reproduzido. Além dessas duas fêmeas, trabalhadores locais afirmam que todos os anos, entre junho e agosto,

é possível observar os bolos de reprodução em diferentes locais da região. A confirmação dos eventos reprodutivos em anos anteriores foi possível através da observação de fotos. As fotos mostram duas fêmeas em um brejo em uma das nascentes do Rio Formoso. Foi possível observar quatro machos com uma fêmea e três com a outra.

91

Figura 1.22 Fêmea da sucuri verde Eunectes murinus em atividade reprodutiva com seis machos, no barranco do Rio Formoso, Bonito, MS, registrado em outubro de

2017.

2.4 Observações de alimentação

Foram registrados eventos de predação em cinco ocasiões. Um dos registros foi de uma fêmea, de aproximadamente 5 m, que se alimentou de uma capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). O local em que a fêmea se encontrava é um ponto turístico muito utilizado na região de bonito, sendo que centenas de turistas descem de bote ao longo do rio durante todo o dia. Os remadores são acostumados com a presença dos animais e os acompanham diariamente. O registro foi informado por eles, que também informaram que a fêmea em questão desapareceu por dias após a ingestão da capivara. Algumas semanas após o evento, a mesma fêmea foi observada por mim no barranco do rio entre a vegetação, ainda com visíveis resquícios da alimentação. Uma

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segunda fêmea, de aproximadamente 5 m, foi observada se alimentando de um porco do mato. O registro também foi informado pelos remadores da mesma área da fêmea anterior. Ao mostrar fotos, os mesmos afirmaram se tratar de Pecari tajacu. Assim como ocorreu com a fêmea que se alimentou da capivara, esta não foi observada por muitos dias, voltando a ser observada no barranco do rio, ainda com vestígios da alimentação recente. Os eventos de predação relatados ocorreram em junho, pouco tempo antes do período reprodutivo.

Um indivíduo macho foi avistado alimentando-se de uma galinha (Gallus gallus) (Figura 1.23) em um riacho, em frente a uma residência rural. Esse indivíduo, após a ingestão da presa, imediatamente se dirigiu à água. Outro indivíduo macho foi observado tentando se alimentar de um galo (Gallus galus), entretanto ele não conseguiu ingerir o animal devido ao grande tamanho, regurgitando a presa e imediatamente voltando à água. O quinto registro se refere a uma fêmea de aproximadamente 2,5 m de comprimento total, que foi observada ingerindo um biguatinga (Anhinga anhinga) na beira do rio. Essa mesma fêmea foi encontrada 4 dias depois, no mesmo local, ainda dentro d'água, com visível vestígio da alimentação.

Além dos registros que ocorreram durante a amostragem de campo, os trabalhadores dos locais turísticos que envolvem atividade aquática e que passam o dia no rio, relataram alguns eventos presenciados por eles. As aves, em geral, foram as presas mais relatadas, sendo citadas por oito trabalhadores em diferentes locais. A capivara Hydrochoerus hydrochaeris foi a segunda presa mais relatada, sendo citada por seis trabalhadores. Todas as

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informações de predação de capivara envolviam sucuris fêmeas de grande porte. Ainda, foi obtido um relato de predação de macaco prego (Sapajus cay) por um trabalhador. O primata foi observado sendo predado pela sucuri verde quando se dirigiu à margem do rio para tomar água. Além desses animais selvagens, animais domésticos como cachorro (Canis lupus familiaris), porco doméstico (Sus scrofa domesticus), pato (Anatidae) e galinha (Gallus gallus) também foram citados.

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Figura 1.23 Macho de Eunectes murinus em atividade de predação a uma galinha

(Gallus gallus) em Bonito, MS.

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2.5 Observações comportamentais

Foi observado que, em situação de perigo para o animal, como quando da tentativa de captura, a primeira reação em todas às vezes era de fugir para a água. Não sendo possível, o animal se tornava agressivo, utilizando assim a tentativa de mordida, ou se enrolavam sobre o próprio corpo e mantinham a cabeça escondida.

Quanto à agressividade dos animais, era notório que, quanto maior, mais calmos eram. Fêmeas de grande porte se mantinham imóveis e tranquilas até uma curta distância de aproximação. Indivíduos menores, quando se encontravam em terra, se deslocavam para a água assim que percebiam a presença humana. Os menores indivíduos observados, com cerca de 1,5 m, eram os mais agressivos, desferindo botes à menor aproximação humana. Os animais encontrados em árvores permaneciam imóveis durante toda a aproximação e só tentavam a fuga diante de uma tentativa de captura, quando costumavam se jogar na água.

Os indivíduos encontrados embaixo d'água, normalmente mantinham suas caudas enroladas em galhos submersos e a cabeça próxima à lâmina d’água, muitas vezes com somente a narina para fora d'água. Ao perceber a aproximação, mantinham-se imóveis e só iniciavam a fuga quando eram tocados. Nessas ocasiões, esses indivíduos apenas saiam nadando em busca de outro local. Dentro d'água, os indivíduos são muito ágeis e rápidos, em todos os momentos eles permanecem dardejando a língua, explorando o ambiente. Em algumas situações em que foi possível nadar e acompanhar esses animais dentro d'água, quando o observador se mantinha a uma 96

distância de alguns metros, os indivíduos menores não pareciam incomodados e continuavam calmamente explorando o ambiente. Diante de uma aproximação, era notório o incômodo dos animais, que imediatamente tentavam nadar para longe. Foi possível acompanhar uma das fêmeas de grande porte (fêmea F5) embaixo d'água, e essa se manteve calma, não demonstrando qualquer sinal de incômodo, mesmo diante de uma aproximação. Para garantir a segurança da equipe, nenhum animal foi tocado quando ambos, observador e animal, se encontravam dentro d'água, e uma distância mínima de cerca de 1 m foi sempre respeitada.

3. Discussão

O presente estudo apresenta dados inéditos sobre aspectos da ecologia de uma população da sucuri verde (E. murinus) em um ambiente florestado. Os trabalhos mais completos sobre a sucuri verde na natureza foram desenvolvidos por Jesús A. Rivas e colaboradores ao longo de muitos anos

(Rivas, 2000; Rivas et al., 2007a; Rivas et al., 2007b; Rivas, 2013; Rivas et al.,

2016). Entretanto, os estudos foram desenvolvidos em uma área aberta, com fluxo de inundação sazonal, onde os animais vivem em ambientes brejosos, lagoas, vazantes e demais ambientes aquáticos permanentes e temporários.

Poucos são os animais encontrados em grandes rios nesses locais, sendo a grande maioria dos exemplares encontrados em ambientes aquáticos de água parada com densa vegetação (Rivas, 2000; Rivas 2007a). Até o presente, somente poucos dados estavam presentes para a espécie em ambientes florestados (Martins e Oliveira, 1998; Sanches et al., 2017).

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A região estudada, na cidade de Bonito, MS, a qual faz parte da Serra da Bodoquena, fica em uma área montanhosa, que não apresenta fluxo de inundação e apresenta vários rios grandes com águas cristalinas, densas matas ciliares e considerável número de cachoeiras. Um número grande de sucuris foi encontrado pelos rios da região, e certamente a abundância observada está subestimada devido à dificuldade de localização desses animais dentro d'água. A estrutura populacional da espécie na região permanece desconhecida e ainda são necessários estudos adicionais para que se possa compreender a dinâmica da população.

Durante o período de estudo, os animais equipados com transmissores se moveram muito pouco, permanecendo sempre nas proximidades de onde foram encontrados. Infelizmente, o método de acoplamento dos transmissores com o uso de fita não permitiu que o padrão de movimentação dos animais fosse estudado a longo prazo. Entretanto, a permanência dos animais por muitos dias no mesmo local, durante a época de seca, sugere que estes não costumam se deslocar por grandes distâncias e se mantêm em áreas fixas durante esse período. Um estudo de monitoramento a longo prazo poderia elucidar melhor a questão de estabelecimento de área de vida das sucuris na região, e como o uso e tamanho dessa área pode variar sazonalmente. De uma forma geral, os animais tendem a estabelecer áreas de vida definidas. Isso acontece porque os benefícios de permanecer em um ambiente familiar superam os custos de procura, reconhecimento e estabelecimento de uma nova área (Stamps, 1995; Powell, 2000). Sendo assim, é nessa área que os indivíduos irão desempenhar as principais atividades para sua sobrevivência,

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como obtenção de alimento, acasalamento, reprodução, interações intra- e interespecíficas e repouso.

Em estudos anteriores, foi observado que indivíduos de E. murinus dos

Llanos dada Venezuela se deslocam menos e mantém uma área de vida consideravelmente menor durante a época de seca do que durante a época chuvosa (Rivas, 2000). O mesmo padrão se repetiu para a congenérica E. beniensis na Bolívia (De La Quintana et al., 2017). De fato, os dois únicos indivíduos encontrados durante a época chuvosa no presente estudo foram os que se locomoveram mais entre um dia e outro e os que tiveram maiores distâncias entre um ponto e outro. Os indivíduos observados durante a época seca (inverno) se deslocaram apenas poucos metros. Durante o inverno, foi possível acompanhar também os indivíduos em atividade sem o auxílio do rádio, e os mesmos se mantiveram sedentários, sem se moverem muito durante toda a estação seca. Variações sazonais podem gerar alterações na disponibilidade de recursos e nas condições bióticas e abióticas, como variação na disponibilidade de alimento, mudanças na estrutura e disponibilidade de habitats, locais de hibernação e acasalamento. Tais variações podem refletir estratégias diferentes de uso do ambiente entre diferentes estações.

O encontro de um número elevado de indivíduos em atividade durante o dia no presente estudo reforça os resultados encontrados por Rivas et al.

(2007a). Na pesquisa desenvolvida na Venezuela, os animais foram encontrados mais ativos durante o final da tarde e a noite, embora tenha sido registrado um grande número de animais em atividade também durante o dia.

Apesar de no presente estudo não ter sido possível acompanhar os animais

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durante a noite, os dados dos indivíduos em atividade durante o dia, junto com as observações de Rivas e colaboradores, reforçam que a espécie não possui hábitos estritamente noturnos como reportado anteriormente (Beebe, 1946;

Duellman, 1978; Lancini, 1986; Strimple, 1993; Murphy e Henderson 1997;

Martins e Oliveira, 1998).

O encontro da maior parte dos animais fora da água não é o que se espera para animais semi-aquáticos. Entretanto, tal fato pode ser explicado pela dificuldade de detecção desses animais na água. Apesar dos rios da região serem cristalinos e permitirem uma visão privilegiada do leito do rio, as sucuris ficam normalmente camufladas e escondidas entre a vegetação da margem dos rios, o que dificulta o encontro dos animais, apesar de seu tamanho. Dessa forma, provavelmente não foi possível encontrar animais que se encontravam dentro d'água. Um estudo de monitoramento com o auxílio dos transmissores de rádio a longo prazo permitiria elucidar melhor questões como o uso de microhabitats na região, e como esse uso varia sazonalmente.

O elevado número de animais encontrados utilizando árvores durante o inverno foi surpreendente, e este se trata do segundo registro da espécie utilizando esse tipo de substrato (Sanches et al., 2017), e o único desde 1993.

Como sugerido por Sanches et al. (2017) e reforçado pelas evidências do presente estudo, o comportamento arborícola na sucuri verde em determinada

época do ano deve ser mais comum do que o esperado. A biologia da espécie permanece pouco conhecida em grande parte de sua grande distribuição geográfica, especialmente em áreas florestada onde os animais têm a chance de demonstrar esse comportamento. Nos estudos desenvolvidos nos Lhanos

100

da Venezuella os animais foram registrados utilizando apenas arbustos baixos

(Rivas, 2000). Esse local consiste de uma área aberta, praticamente desprovida de árvores, principalmente ao redor dos ambientes aquáticos. Essa característica da paisagem pode estar impedindo que o comportamento arborícola da espécie se expresse.

Ao descrever pela primeira vez o comportamento arborícola da sucuri verde, Sanches et al. (2017) levantaram algumas hipóteses (ver seção 3.3 da parte I). A termorregulação foi uma das hipóteses levantadas, entretanto foi tratada como a menos provável. Os autores afirmaram que um dos animais estava posicionado a uma altura muito elevada, e que uma amplitude maior de temperaturas poderia ser explorada pelos indivíduos em estratos mais baixos, ou até mesmo no chão. Esse não parece ser o caso do presente estudo. As copas das árvores na região cobrem o chão das áreas florestadas, mantendo- as sombreadas na maior parte do tempo, diminuindo assim a amplitude de temperaturas disponíveis no solo.

Os indivíduos encontrados nas árvores estavam utilizando aquelas que tinham seus caules inclinados em direção ao meio do rio, proporcionando assim exposição ao sol. Ainda, a maioria dos exemplares foi observada a alturas médias (entre 2 e 5 m). Além disso, grande parte dos indivíduos encontrados nessas árvores estavam expostos ao sol, em posição esticada ou semi-esticada. Em um estudo realizado por McConnachie et al. (2015) foi observado que, dentre as posturas exibidas, a que atinge maior temperatura em descanso, comparada com as outras, é a estendida, seguida da semi- estendida. Todas essas características, além da temperatura mais baixa nessa

101

época do ano, indicam que os indivíduos estavam utilizando esse microhabitat para termorregulação.

Para a sucuri amarela estudada na Argentina, foi encontrado que, durante o inverno, devido às baixas temperaturas, elas se movimentam menos, e passam grande parte do tempo expostas ao sol se aquecendo, normalmente quando a temperatura da água está abaixo de 15°C (Waller et al., 2007). A cidade de Bonito é um dos principais destinos de ecoturismo do Brasil, sendo que diariamente centenas de pessoas passeiam pelos rios da região.

Trabalhadores que levam os turistas diariamente nesses passeios reportaram que todos os anos, durante a época seca (inverno), as sucuris são avistadas com muita facilidade nas árvores, e que em outras épocas do ano o encontro com esses animais nesse microhabitat é extremamente raro, o que evidencia que esse é um comportamento comum nessa população e que está possivelmente relacionado com a termorregulação.

As sucuris, assim como outras serpentes, são animais ectotérmicos, ou seja, praticamente não produzem calor metabolicamente, necessitando de fontes externas de calor para se aquecer. Na região de bonito, durante o inverno, as baixas temperaturas fazem com que as águas dos rios fiquem muito frias, o que possivelmente leve os animais a saírem da água em busca de calor. Apesar dos animais poderem utilizar o solo para se aquecer, este muitas vezes fica sombreado pelas copas das árvores, mantendo assim uma temperatura mais homogênea. O comportamento de subir nas árvores que se encontram na margem do rio pode permitir que os animais explorem diferentes amplitudes de temperatura.

102

Além disso, tal comportamento pode ser também uma estratégia de defesa. Somente indivíduos até determinado tamanho são avistados nas

árvores. Dessa forma seria vantajoso para esses animais utilizarem as árvores ao invés do solo para termorregular, uma vez que assim estariam evitando o encontro por predadores. Animais de grande porte não conseguiriam subir nas

árvores já que os galhos provavelmente não suportariam seu peso. Porém, aparentemente inexistem predadores naturais de sucuris de grande porte (mais de 4 m). O encontro de indivíduos em árvores expostas ao sol, de ambos os sexos e sem ferimentos aparentes, vai contra o encontrado no estudo realizado na Venezuela, onde somente fêmeas prenhes, indivídiuos doentes ou com ferimento foram encontrados termorregulando (Rivas, 2000).

A reprodução dos animais na região aparentemente ocorre no mesmo sistema descrito para a espécie em outras regiões, onde a fêmea libera um ferormônio que atrai os machos da região, e os indivíduos se agregam em bolos de reprodução (Rivas et al., 2007a). O registro dos bolos de reprodução do presente estudo é o primeiro fora da Venezuela, o que demonstra que, mesmo em ambientes tão distintos e a uma considerável distância, as diferentes populações apresentam o mesmo comportamento reprodutivo. No presente estudo, uma fêmea foi encontrada em três eventos reprodutivos durante a estação de acasalamento, com um mês de intervalo entre cada evento. A fecundação imediata dos óvulos poderia fazer com que ocorresse assincronia entre o desenvolvimento dos embriões com tamanho intervalo entre uma cópula e outra. Essa assincronia faria com que os fetos ficassem prontos para nascer em diferentes períodos. Dessa forma é provável que elas

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armazenem o esperma até o final da estação reprodutiva, garantindo assim o desenvolvimento dos embriões ao mesmo tempo (J. A. Rivas, com. pes.).

O encontro da fêmea se reproduzindo entre agosto e outubro, além dos registros feitos por trabalhadores locais entre os meses de julho e setembro, indica que a época reprodutiva da sucuri verde na região ocorre na estação seca. O mesmo padrão foi observado para esta espécie na Venezuela, onde a

época de reprodução ocorre no início da estação seca, de fevereiro a maio

(Rivas, 2000; Rivas et al., 2007b). Assim como para a sucuri verde, a sucuri amarela (E. notaeus) estudada na Argentina, também inicia sua atividade reprodutiva durante a estação seca (Waller et al., 2007). A reprodução durante a época de seca pode ser uma estratégia para aumentar sua aptidão. O tempo de gestação para ambas as espécies é de cerca de 200 dias (Rivas, 2000;

Waller et al., 2007), dessa forma reproduzir-se durante a estação seca garantiria que a prole nasceria na época chuvosa. Parir os filhotes durante a

época chuvosa poderia garantir melhores condições ambientais e maior disponibilidade de recursos para a prole.

Os poucos registros de dieta apresentados corroboram os hábitos generalistas relatados para a espécie na literatura (Mole, 1924; Beebe, 1946;

Pope, 1961; Cunha e Nascimento, 1978; Strimple, 1993; Henderson, 1995;

Murphy, 1997; Starace, 1998; Rivas, 2001; Valderrama e Thorbjarnarson, 2001;

Rivas et al., 2007a; Miranda et al., 2016; Rivas et al., 2016). As aves constituíram o tipo de presa mais citado para a sucuri verde. O importante papel das aves na alimentação da espécie foi relatado para os indivíduos estudados na Venezuela, onde aves constituíram a maioria das presas

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registradas, com quase 50% de ocorrência (Rivas, 2000). Da mesma forma, as aves constituíram cerca de 50% da dieta da sucuri amarela (E. notaeus) estudada tanto na Argentina quanto no Pantanal brasileiro (Strüssmann e

Sazima, 1993; Waller et al., 2007). O consumo de animais domésticos parece ser comum na região de Bonito, assim como já relatado para a espécie

(Miranda et al., 2016). De fato, esse é um problema quando um predador vive em proximidade com humanos. Uma forma de retaliação comum por parte dos humanos é a morte das sucuris. Assim, um trabalho de conscientização da população, bem como medidas que busquem diminuir o encontro das sucuris com os animais domésticos poderia diminuir o prejuízo dos criadores e o risco de morte das sucuris.

Apesar dos avanços na compreensão dos hábitos alimentares da sucuri verde, muitas questões permanecem incompreendidas. Um estudo mais detalhado poderia elucidar melhor algumas questões, como a variação sazonal e ontogenética na alimentação. Ainda, a diferença na dieta entre fêmeas e machos permanece pouco estudada. Um estudo mais detalhado poderia elucidar algumas questões sobre a dieta da espécie, como, por exemplo, se fêmeas se alimentam de presas maiores e com mais frequência do que os machos devido ao alto custo energético da reprodução, assim como observado para a sucuri amarela (Miranda, 2016). O papel da disponibilidade de presas no consumo, também permanece mal compreendido. Tendo em vista que as aves, aparentemente, são mais abundantes que outros tipos de presa, o elevado consumo desses animais nos locais estudados pode ser devido à disponibilidade no ambiente e não à preferência do predador.

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4. Conslusão

A partir desse estudo, foi possível identificar alguns padrões na história natural da sucuri verde, especialmente referentes à reprodução, à dieta e à movimentação dos animais. Apesar de não ter sido possível avaliar a movimentação dos animais durante e estação chuvosa, os dados apresentados para a estação seca corroboram o que já havia sido encontrado para a espécie.

O uso frequente de árvores como microhabitat foi surpreendente para uma espécie semi-aquática. Anteriormente, somente estudo em área aberta havia sido desenvolvido, dessa forma é compreensível que os animais adotem diferentes estratégias em ambientes com diferentes condições bióticas e abióticas. O encontro dos animais em árvores somente no inverno, e muitas vezes expostos ao sol, aponta para a hipótese de termorregulação. Em área aberta, os animais não necessitem subir em árvores para explorar diferentes amplitudes de temperatura, realidade esta diferente em ambiente florestado e com clima, em geral, mais frio. A espécie possui uma distribuição geográfica muito ampla, sendo que mais estudos em diferentes tipos de ambiente poderiam ajudar a melhor compreender a seleção de microhabitats bem como os demais aspectos da história natural da espécie.

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116

Capítulo II

Nicho climático e efeitos da mudança climática global sobre a

distribuição potencial das espécies de Eunectes (Squamata,

Serpentes)

117

Resumo: Atualmente estamos presenciando mudanças climáticas ao nível global, as quais se tornarão mais severas no decorrer dos anos, podendo causar mudanças na distribuição geográfica das espécies. Para compreender os possíveis efeitos das alterações climáticas na distribuição potencial das espécies de Eunectes no futuro, foram desenvolvidos modelos de nicho climático para cada uma das quatro espécies no tempo presente, e em dois cenários climáticos futuros. Ainda, foram assumidas duas abordagens de dispersão, com livre dispersão e sem dispersão. As projeções futuras indicam que, para o intervalo entre os anos de 2061-2080 todas as espécies, menos E. notaeus, perderão grande quantidade de hábitat adequado, sendo E. deschauenseei a mais afetada, chegando a perder 100% de área com e sem dispersão. As projeções futuras também indicam que haverá uma mudança de local adequado para a potencial ocorrência de três espécies. Sem dispersão, todas as espécies perderão área, sendo que E. beniensis perderá 100% de habitat adequado em ambos os cenários de alterações climáticas. Para diminuir os efeitos negativos das mudanças climáticas na distribuição potencial das espécies, predições futuras deveriam ser levadas em consideração na criação de áreas protegidas. Áreas adequadas atualmente que permanecerão no futuro poderiam servir de refúgio climático, dessa forma, esforços de conservação deveriam ser voltados a essas localidades. Programas de monitoramento a longo prazo devem ser estabelecidos a fim de acompanhar as mudanças na dinâmica populacional das espécies, e mudanças em sua distribuição geográfica.

Palavras-chave: Aquecimento Global, Répteis, Conservação, América do Sul, Sucuris, Boidae, Modelos de distribuição de espécies.

118

Abstract: We are currently witnessing global climate change, which will become more severe over the years, and may cause changes in the geographical distribution of species. To better understand the possible effects of climate change on the potential distribution of species of the genus Eunectes in the future, climatic niche models were developed for each of the four species at the present time, and under two future climate scenarios. Also, two dispersion approaches were assumed, with unlimited dispersion and no dispersion. Future projections indicate that for the interval between the years 2061-2080 all species but E. notaeus will lose large amounts of suitable habitat, with E. deschauenseei being the most affected, losing 100% of area with and without dispersal. Future projections also indicate that there will be a shift in the distribution of suitable habitat for the potential occurrence of three species. Without dispersion, all species will lose area, and E. beniensis will lose 100% of suitable habitat in both climate change scenarios. To minimize the negative effects of climate change on potential species distribution, future predictions should be taken into account in the creation of protected areas. Current suitable habitats that will remain in the future could act as a climate refuge. Thus, conservation efforts should be focused on these localities. Long-term monitoring programs should be established to monitor changes in the population dynamics of the species and changes in their geographic distribution.

Key words: Global Warming, Reptile, Conservation, South America, Anacondas, Boidae, Species Distribution Modelling.

119

Introdução

A teoria do nicho tem sido a base para estudos em diversas áreas da ecologia ao longo do tempo. O termo nicho foi citado pela primeira vez por

Joseph Grinell há pouco mais de 100 anos (Grinell, 1917), quando se referiu ao nicho ecológico ou ambiental como a unidade de distribuição final de uma espécie. Nesse conceito, não foram levadas em consideração as interações com outras espécies, mas apenas os locais que possuem condições ambientais necessárias para uma espécie sobreviver. Anos mais tarde, Ellton

(1927) propôs outro conceito de nicho, dando enfoque em interações bióticas e na dinâmica consumidor-recurso.

O conceito de nicho tem sido muito discutido ao longo do tempo, sendo que atualmente o mais aceito e difundido é o proposto por Hutchinson (1957).

Segundo esse autor, o nicho ecológico é definido como um hipervolume n- dimensional limitado pelas interações com outros organismos e envolvendo as respostas fisiológicas às condições do meio. Além disso, depende também da disponibilidade de recursos. Sob tais condições, as populações apresentam taxa de crescimento positivo. Ainda, esse mesmo autor expandiu o conceito, distinguindo entre o nicho fundamental e o nicho realizado dos organismos. O nicho fundamental compreende a combinação de condições e recursos que permitem que a espécie exista e mantenha uma população, na ausência de competidores e demais relações interespecíficas. Já o nicho realizado seria uma porção menor, uma parte do nicho fundamental que a espécie consegue ocuparser ocupado na presença de um competidor e demais interagentes.

120

A distribuição geográfica das espécies pode ser determinada por três importantes fatores, que refletem o nicho ecológico das mesmas, sendo eles: 1. fatores abióticos, ou as condições que determinam a capacidade de sobrevivência de uma espécie (e. g., temperatura, precipitação, salinidade, Ph);

2. fatores bióticos, que envolvem todas as interações com outras espécies e podem limitar sua ocorrência (e. g., competição, predação, parasitismo); e 3. a habilidade de dispersão, ou seja, a capacidade dos indivíduos alcançarem um habitat e o colonizarem (Guisan e Thuiller, 2005; Soberón e Peterson, 2005).

Dessa forma, uma espécie poderá ocorrer em uma região onde esses três fatores estiverem reunidos. Além destes, a distribuição de uma espécie pode ser influenciada também por outros fatores, como sua história evolutiva

(Soberón e Peterson, 2005).

Conhecer a distribuição geográfica das espécies e determinar quais são os principais fatores que a limitam é uma questão antiga e de bastante interesse na ecologia (McArthur, 1972; Guisan e Thuiller, 2005; Luoto et al.,

2006; Engelbrecht et al., 2007; Colwell e Rangel, 2009; Elith e Leathwick,

2009; Kosanic et al., 2018). O desenvolvimento da modelagem de distribuição das espécies, ou modelagem de nicho ecológico (MNE), tem contribuído muito para o entendimento da distribuição potencial das espécies no espaço e no tempo. Os modelos correlativos são os mais gerais, e utilizam dados de variáveis climáticas presentes em um conjunto de pontos de ocorrência atual de uma espécie (envelope bioclimático), para avaliar as relações espécie-clima, determinando, assim, as condições favoráveis a sua existência (Franklin,

2009). Dessa forma, os modelos correlativos assumem que são os requisitos

121

ambientais os principais determinantes da distribuição geográfica de uma espécie (Soberón & Nakamura, 2009; Peterson et al., 2011).

Os modelos de nicho nos permitem saber a potencial distribuição geográfica dos organismos no presente, ou projetada para o passado e o futuro, de acordo com as variáveis inseridas no modelo (Thuiller et al., 2005a;

Pearman et al., 2008; Elith e Leathwick, 2009; Randin et al., 2009; Tuanmu et al., 2011; Maiorano et al., 2013). O princípio geral da MNE, quando o foco são as variáveis climáticas, é conhecer locais adequados climaticamente para a ocorrência das espécies, a partir de modelos que descrevem o nicho climático das mesmas, indicando assim locais de potencial ocorrência (Guisan et al.,

2002; Thuiller, 2003).

Embora o objetivo inicial de usar MNE ao projetar a distribuição das espécies no tempo e no espaço tenha sido representar o nicho fundamental, os

MNEs caracterizam essencialmente os envelopes bioclimáticos baseados no nicho realizado. Isso porque as distribuições observadas das espécies foco são limitadas por fatores não climáticos, como interações bióticas (Meier et al.,

2011). O termo nicho climático tem sido utilizado, o qual pode ser definido como o componente climático do nicho fundamental de Hutchinson (Pearson e

Dawson, 2003), ou do nicho Grinelliano. Ao projetar MNEs no espaço ou no tempo, assume-se algumas premissas, sendo as mais importantes a estabilidade de nicho (i. e., que este não muda com o tempo) e o equilíbrio entre a distribuição das espécies e o clima (Peterson et al., 1999; Guisan e

Zimmermann, 2000; Araujo e Pearson, 2005; Guisan e Thuiller, 2005).

122

É amplamente aceito que a distribuição de plantas e animais é fortemente influenciada pelas tolerâncias fisiológicas a fatores climáticos, sendo que o clima tem se mostrado um dos fatores mais importante para explicar a distribuição das espécies em grandes escalas (Rahbek e Graves,

2001; Willis e Whittaker, 2002). A forma como o clima determina a distribuição das espécies é uma questão clássica dentro da ecologia. Com as mudanças climáticas globais, essa compreensão tem se tornado cada vez mais necessária.

Ao longo da história, a Terra passou por diversas mudanças climáticas com causas naturais, o que influenciou nos padrões biogeográficos (Rea et al.,

1991; Janis, 1993; Colinvaux et al., 2000; Dynesius e Jansson, 2000; Retallack,

2001; Zachos et al., 2001; Mayle et al., 2004; Pagani et al., 2005; Grein et al.,

2013). As alterações climáticas que vivenciamos atualmente estão ocorrendo em níveis extremamente acelerados, tendo como principal causa a ação antrópica (IPCC, 2014). Atualmente, uma das principais causas das mudanças climáticas está associada à liberação de gases que causam o efeito estufa, como o CO2. A queima de combustíveis fósseis é um dos principais causadores da liberação desses gases e a estimativa é de que a concentração de CO2 na atmosfera tenha aumentado mais de 30% no século passado.

Segundo as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças

Climáticas (Intergovernamental Panel on Climate Change – IPCC), a média da temperatura do ar vai continuar aumentando ao longo do século 21 (IPCC,

2014).

123

Diversos estudos têm demonstrado que mudanças climáticas recentes tiveram significativos efeitos na distribuição das espécies (Walther et al., 2002;

Parmesan e Yohe, 2003; Parmesan, 2006). Da mesma forma, de acordo com inúmeros estudos utilizando MNEs, as mudanças climáticas globais projetadas para o futuro poderão causar um grande impacto na distribuição da biota. Tais mudanças poderão levar muitas espécies e comunidades à extinção, à diminuição ou expansão de suas áreas de ocorrência, ao deslocamento da ocorrência para áreas mais favoráveis, além de perdas de serviços ecossistêmicos (Thuiller, 2003; Opdam e Wascher, 2004; Thomas et al., 2004).

Alguns estudos sugerem que as mudanças climáticas poderão superar a destruição do habitat em ameaça à biodiversidade global ao longo das próximas décadas (Leadley et al., 2010). Espécies raras, endêmicas e com distribuição restrita poderão ser as mais afetadas.

Nas últimas décadas, tem sido documentado um declínio global de répteis emníveis alarmantes (Gibbons et al., 2000; Böhm et al., 2013). As mudanças climáticas, a perda e a fragmentação de habitats, a poluição e as doenças estão entre as principais hipóteses postuladas para explicar esse declínio. Estimativas indicam que 15-36% das espécies de répteis estão ameaçadas (Böhm et al., 2013). Esse valor é maior do que para as espécies de aves (13%), e, similar para as estimativas de mamíferos (25%) (IUCN, 2017).

Conhecer como as mudanças climáticas em curso poderão afetar as espécies é um desafio e uma questão de extrema relevância. É crucial identificar como as espécies e a dinâmica e a composição dos ecossistemas poderão ser afetados, e como poderão responder a essas perturbações,

124

fornecendo bases para estratégias de conservação, a fim de diminuir seus efeitos negativos.

O objetivo do presente estudo é avaliar como as mudanças climáticas globais poderão afetar a distribuição geográfica potencial das quatro espécies de sucuris (gênero Eunectes: E. beniensis, E. deschauenseei, E. notaeus e E. murinus), perante dois cenários futuros, um mais extremo e outro menos extremo, através da modelagem de nicho climático. Dessa forma, as seguintes perguntas serão respondidas: As mudanças climáticas terão efeito na potencial distribuição geográfica das espécies de Eunectes? Essas espécies perderão ou ganharão áreas climaticamente adequadas para a ocorrência? O cenário futuro mais extremo terá um efeito mais marcante na distribuição potencial do que o menos extremo?

Espera-se que as mudanças climáticas em curso afetem a distribuição de áreas climaticamente adequadas para a ocorrência das espécies, refletindo assim na distribuição geográfica potencial das mesmas. Devido à severidade do cenário mais extremo, uma alteração maior na distribuição potencial das espécies é esperada para esse cenário. Na abordagem sem dispersão para hábitats adequados, espera-se que todas as espécies percam áreas climaticamente adequadas, sendo as maiores perdas no cenário mais extremo.

Materiais e Métodos

Grupo focal

125

As espécies do gênero Eunectes são popularmente conhecidas como sucuris, ou anacondas. Atualmente são reconhecidas quatro espécies do gênero, sendo elas E. benienis, sucuri de Beni, E. deschauenseei, sucuri malhada, E. murinus, sucuri verde ou anaconda, e E. notaeus, sucuri amarela ou sucuri do Pantanal. O gênero pertence à família Boidae, sendo as únicas espécies semi-aquáticas neotropicais da família. As espécies de sucuri podem ser encontradas habitando os mais diversos ambientes aquáticos na América do Sul, como rios, lagos, lagoas, pântanos, brejos, dentre outros (Strüssmann e

Sazima, 1993; Rivas, 2000; Dirksen, 2002; Rivas, 2007; Waller et al., 2007;

Starace, 2013; De La Quintana, 2017).

Das quatro espécies, a que possui maior distribuição geográfica é E. murinus, podendo ser encontrada em 11 países da América do Sul (Henderson et al., 1995; Waller et al., 1995). Em seguida está E. notaeus, com ocorrência descrita para áreas alagáveis das bacias dos Rios Paraguai e Paraná, em quatro países (Waller et al.,1995). As espécies com menor distribuição geográfica são E. beniensis e E. deschauenseei. A primeira tem distribuição atual conhecida apenas na Bolívia (Dirksem, 2002; Dirksen e Böhme, 2005). Já

E. deschauenseei pode ser encontrada em áreas dos estados Brasileiros do

Amapá e Pará, além da Guiana Francesa (Hoogmoed, 1982; Chippaux, 1986;

Starace, 1998; Nascimento et al., 1991; Dirksen e Henderson, 2002; França et al., 2006).

Registros de ocorrência

Foram compilados 1.102 registros de ocorrência das espécies do gênero

Eunectes. Destes, 952 são de E. murinus, 77 de E. notaeus, 62 de E. 126

deschauenseei e 11 de E. beniensis. As coordenadas geográficas das ocorrências dos indivíduos foram obtidas através de exemplares depositados em coleções zoológicas (principalmente da base de dados sobre distribuição das serpentes brasileiras sob responsabilidade de Cristiano Nogueira), consultas a especialistas, além de observações pessoais de ocorrência.

Procurou-se compilar localizações que abrangessem toda a extensão geográfica de cada espécie. A fim de evitar autocorrelação espacial dos dados, foi realizado teste de Mantel com os pontos de ocorrência para cada espécie, utilizando o pacote ecospat (Di Cola et al., 2017) no programa R (R Core Team,

2018). Foram feitos testes com o intuito de verificar a menor distância entre os pontos em que não foi encontrada autocorrelação espacial. Os dados de ocorrência de distâncias iguais ou menores do que a menor distância sem autocorrelação foram mantidos na análise com auxílio da função spThin (Aiello-

Lammens et al., 2014) no programa R (R Core Team, 2018).

Modelos de mudanças climáticas

Os dados ambientais foram obtidos a partir da base de dados Chelsa

Climate (http://chelsa-climate.org/), onde estão disponíveis 19 variáveis climáticas padrão. Para cada espécie foi calculado o Fator de Inflação de

Variação (Variance Inflaction Factor – VIF) a fim de excluir as variáveis altamente correlacionadas dentre as 19 variáveis preditoras, através de procedimento passo a passo. Foi utilizado o pacote usdm (Naimi, 2017), e a função “vifstep” do programa R, o qual calcula o VIF para todas as variáveis e exclui aquelas com maiores VIF (maior que o limiar). O procedimento é repetido até que nenhuma variável com VIF maior que o limiar permaneça.

127

Esse procedimento permite manter na análise somente variáveis não colineares. Os dados climáticos foram usados a uma resolução espacial de 10’

(~18 km).

Para as projeções climáticas futuras, foram utilizadas as variáveis preditoras derivadas de quatro Modelos de Circulação Geral Atmosfera-Oceano

(Atmosphere-Ocean General Circulation Model – AOGCM), estimadas para o intervalo dos anos de 2061 e 2080 (para simplificação, será adotado no texto o ano de 2070). Os dados foram oriundos dos seguintes centros de pesquisas climatológicas: The Beijin Climate Center Climate System (BCC-CSM1-1), The

Hadley Centre Global Environmental Model (HadGEM2-ES), The Institute

Pierre Simon Laplace Chapter II | 44 (IPSL-CM5A), e Community Climate

System Model (CCSM4).

Para cada AOGCM descrito acima, foram considerados dois cenários de

Vias de Representatividade da Concentração (Representative Concentration

Pathways - RCPs), RCP 2.6 e RCP 8.5. O RCP 8.5 compreende um mundo com constante aumento na emissão de gases (três vezes mais emissão de

CO2 para 2100, rápido aumento na emissão de metano) e população humana chegando a 12 bilhões de pessoas em 2100. Esse é o cenário que prevê a mais alta emissão de gases, e um maior aumento na temperatura global

(aumento de 4.9°C em relação ao período pré-industrial) (Riahi et al., 2011;

Van Vuuren et al., 2011), sendo considerado o cenário mais extremo. Já no

RCP2.6, a concentração de CO2 atinge um pico em 2050, seguido por um modesto declínio próximo a 2100, com redução de 40% na emissão de metano, população humana de 9 bilhões de pessoas em 2100 e aumento de 1.5°C em

128

relação ao período pré-industrial (Van Vuuren et al., 2007; Vuuren et al., 2011).

O RCP 2.6 é considerado o cenário menos extremo. Para as projeções climáticas futuras, foi feito um consenso dos quatro diferentes AOGMC para cada cenário (RCP 2.6 e 8.2).

Implementação dos modelos de nicho

Para gerar um modelo de nicho climático, foi aplicada a técnica de ensemble forecasting (Araújo e New, 2007), onde foram utilizados quatro algoritmos: Generalized Linear Model (GLM), Generalized Aditive Model

(GAM), Random Forest (RF) e Maximum Entropy Modeling (Maxent). Cada algoritmo possui suas características, sendo que, dependendo dos dados, alguns se mostram melhores que outros ou, para o mesmo conjunto de dados, podem apresentar resultados ligeiramente diferentes (Thuiller et al., 2004a;

Elith et al., 2006; Luoto et al., 2006; Pearson et al., 2006). Dessa forma, projeções de distribuição geográfica no espaço e no tempo podem variar com a aplicação de diferentes técnicas (Thuiller et al., 2004a; Araújo et al., 2005;

Pearson et al., 2006; Randin et al., 2006).

Como não há consenso sobre qual é a melhor técnica a ser usada

(Segurado & Araújo, 2004), o método de ensemble forecasting tem sido muito utilizado, uma vez que tem demonstrado vantagens sobre o uso de um único modelo (Araujo et al., 2005; Araujo et al., 2006; Araujo e New, 2007; Marmion et al., 2009). No ensemble forecasting,é calculada uma medida da tendência central (média ou mediana), e a variação geral para o conjunto de previsões.

Foi aplicada essa técnica para cada espécie separadamente utilizando o pacote “sdm” (Naimi e Araujo, 2016) no programa R (R Core Team, 2018). 129

Dos pontos de ocorrência utilizados na análise, cada modelo foi calibrado com 70% dos dados, aleatoriamente (amostra de treinamento). Os

30% dos pontos restantes foram usados para a avaliação do modelo (dados teste). Essa medida não foi adotada para E. beniensis, uma vez que poucos indivíduos da espécie foram observados na natureza (Dirksen e Böhme, 2005,

De La Quintana et al., 2017), sendo que apenas 11 pontos de ocorrência foram levantados para a análise.

A performance de cada modelo foi avaliada através da área sob a curva

(Area Under Curve – AUC). A AUC é uma medida independente do limiar, interpretada como a habilidade do algoritmo em distinguir entre pixels com condições ambientais adequadas e aleatórias (Fielding e Bell, 1997; Phillips et al., 2006). Os valores de AUC variam entre 0 e 1, onde um valor de 1 indica que o modelo distingue perfeitamente entre registros de presença e ausência, e, valores abaixo de 0,5 indicam uma discriminação não melhor do que a esperada ao acaso (Elith et al., 2006). Alguns trabalhos sugerem que valores de AUC maiores que 0,8 possuem alta acurácia e alto poder preditivo (Araujo et al., 2005). Dessa forma só foram incluídos no consenso dos modelos os algoritmos com valores de AUC ≥ 0,8.

Após essa etapa, foi calculado o limiar, o qual foi utilizado para converter o modelo de nicho climático das espécies em mapas binários que refletem a presença e a ausência de locais adequados para a ocorrência de cada espécie em cada tempo e cenário. Valores menores do que o limiar foram considerados zero (ausência), e valores maiores ou iguais ao limiar considerados 1

(presença).

130

Antes da implementação dos modelos, foram realizados testes a fim de saber o efeito da extensão espacial na acurácia dos modelos, uma vez que o background da área geográfica estudada pode influenciar no desempenho dos modelos em fazer as predições (Chefaoui e Lobo, 2008; VanDerWal et al.,

2009). Após os testes realizados, foram escolhidas duas estratégias: 1- os limites de distribuição geográfica mais um buffer de 555 km para E. beniensis,

E. deschauenseei e E. notaeus; 2- os limites de distribuição mais um buffer de

1.100 km para a E. murinus.

Os algoritmos utilizados usam somente pontos de presença, sendo preciso informar a quantidade de pseudo-ausências que serão utilizadas. Como não existe um consenso sobre qual o número ideal de pseudo-ausências a ser utilizado nos modelos, e como a relação entre o número de presenças e pseudo-ausências pode influenciar no desempenho dos mesmos (Barbet-

Massin et al., 2012), foram feitos testes em conjunto com os testes de background. Foi avaliado que a melhor estratégia para os dados das quatro espécies de Eunectes foi a de cinco vezes mais pseudo-ausência do que presença.

Foram assumidos dois cenários quanto à capacidade de dispersão de cada espécie para cada tempo futuro (RCP 2.6 e RCP 8.5). O primeiro cenário

é o de livre dispersão, onde assume-se que as espécies podem dispersar para qualquer local com condições climáticas favoráveis, sem restrições. O segundo cenário é considerado sem dispersão, onde as espécies seriam incapazes de dispersar, e habitariam somente as áreas referentes à distribuição do nicho

131

climático no tempo presente que permanecerão com condições favoráveis em cada cenário do futuro (RCP 2.6 e RCP 8.5).

Alterações na distribuição das espécies

A partir dos mapas binários gerados, foi possível avaliar as mudanças das áreas climaticamente adequadas nos dois cenários futuros de RCP em relação ao presente. Com o auxílio do programa QGIS, foi feita a quantificação em km² da área ambientalmente adequada para a espécie, tanto no presente quanto no futuro, nos cenários menos extremo e mais extremo. A partir do valor total em km² de área nos dois tempos e cenários, foi possível saber, em porcentagem, quanto da área climaticamente adequada será perdida ou incorporada no futuro em relação ao presente, para as quatro espécies. Ainda, para melhor visualização das potenciais mudanças geográficas, foram gerados mapas de adequabilidade ambiental (ocorrência potencial das espécies) para o presente, e para o futuro nos cenários mais otimista e mais pessimista. Para o cenário sem dispersão, foi calculada a área de interseção da distribuição potencial prevista de cada espécie nos dois cenários de mudança climática, com sua distribuição geográfica atual.

Resultados

Após o teste de Mantel, foi verificado que, para E. murinus com 30 km ou mais de distância entre os pontos de ocorrência, não foi encontrada autocorrelação espacial. Dessa forma, os 952 pontos iniciais foram reduzidos a 132

172. Para E. notaeus, a menor distância encontrada sem autocorrelação espacial foi de 10 km, restando 26 pontos para análise. Já para E. deschauenseei com 5 km ou mais, não foi encontrada autocorrelação, restando

20 pontos de ocorrência. Não foi encontrada autocorrelação nos dados de E. beniensis.

Das 19 variáveis climáticas iniciais, após a análise do VIF, para E. murinus restaram sete, sendo elas: precipitação do mês mais quente, precipitação do mês mais seco, precipitação sazonal (coeficiente de variação), precipitação do trimestre mais quente, temperatura sazonal (desvio padrão), temperatura máxima do mês mais quente e temperatura média do trimestre mais quente. Para E. notaeus restaram quatro variáveis climáticas: precipitação do mês mais quente, precipitação no trimestre mais quente, isotermalidade e temperatura máxima do mês mais quente. Já para E. deschauenseei apenas duas variáveis não colineares foram utilizadas: temperatura média do mês mais frio e precipitação do trimestre mais quente. Da mesma forma, para E. beniensis restaram duas variáveis: temperatura máxima do mês mais quente e temperatura média do trimestre mais quente.

Para E. deschauenseei e E. beniensis, todos os algoritmos apresentaram alta acurácia e poder preditivo na implementação dos modelos de distribuição (AUC ≥ 0,8). Já para E. murinus e E. notaeus, o algoritmo GLM apresentou valor de AUC < 0,8 (Tabela 2.1). Dessa forma, esse algoritmo foi retirado do consenso dos modelos para essas espécies, restando apenas

GAM, RF e Maxent.

133

Tabela 2.1 Valores de AUC (Area Under Curve) de cada algoritmo utilizado no consenso dos modelos de nicho climático, para cada espécie de Eunectes.

AUC GAM GLM RF Maxent Eune ctes beniensis 0.86 0.82 0.95 0.9 Eunectes deschauenseei 0.93 0.88 0.91 0.89 Eunectes murinus 0.85 - 0.91 0.86 Eunectes notaeus 0.87 - 0.94 0.88

De todas as espécies, apenas E. notaeus apresentou ganho de área climaticamente adequada para 2070, tanto no cenário menos extremo (RCP

2.6) quando no mais extremo (RCP 8.5), quando considerada livre dispersão

(Tabela 2.2). Todas as demais espécies apresentaram perda de área climaticamente adequada, sendo que no pior cenário foram observadas as maiores diminuições (Tabela 2.2). A análise indica que E. deschauenseei será a espécie que sofrerá maiores perdas de área de acordo com o nicho climático, com redução de 92,9% de área no cenário de RCP 2.6 e 100% de perda no cenário de RCP 8.5 (Tabela 2.2). Eunectes beniensis também deverá sofrer drástica redução de área potencialmente habitável de acordo com o nicho climático, com a pior previsão para o cenário mais pessimista, com redução de

92,1% de área. Eunectes murinus deverá ter uma redução mais discreta de

área climaticamente adequada, sendo que no pior cenário é previstaa maior perda (Tabela 2.2).

134

Tabela 2.2 Total de área (km²), perda e ganho de áreas (%) climaticamente adequadas para ocorrência potencial das espécies do gênero Eunectes no presente (consenso dos algoritmos GLM, GAM, RF e Maxent no modelo de distribuição, exceto GLM para E. murinus e E. notaeus) e futuro nos dois diferentes cenários de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6 e 8.5 (consenso dos modelos de circulação geral atmosfera- oceano - BCC-CSM1-1, HadGEM2-ES, IPSL-CM5A e CCSM4), no cenário com dispersão.

Perda Perda Área total Área total ou ganho de área Área total ou ganho de área Espécie Presente RCP 2.6 (%) RCP 8.5 (%)

E. beniensis 142.164,11 42.683,62 ↓69,8 11.358,32 ↓92,1

E. deschauenseei 328.044,34 23.407,14 ↓92,9 0 ↓100,0

E. murinus 3.618.128,06 3.257.726,64 ↓10,0 2.598.195,19 ↓28,2

E. notaeus 801.351,18 1.056.420,55 ↑31,8 1.339.371,89 ↑67,1

Os mapas de adequabilidade ambiental resultantes das análises de

modelo de nicho climático mostram áreas climaticamente adequadas e de

possível ocorrência das espécies, tanto no presente quanto no futuro em

ambos os cenários (Figuras 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4). É possível observar uma perda

gradual de área com condições climáticas favoráveis para a ocorrência de E.

beniensis, E. deschauenseeii e E. murinus (Figuras 2.1, 2.2 e 2.3,

respectivamente). Além disso, exceto para E. deschauenseei (que sofrerá

retração de hábitat adequado em direção ao litoral, Figura 2.2) haverá

mudanças de áreas adequadas para a ocorrência das espécies, com perda de

alguns locais e ganho de outros.

A localização de áreas adequadas climaticamente para a ocorrência de

E. beniensis será levemente e gradualmente deslocada em sentido noroeste,

135

perdendo considerável área na Bolívia e ganhando pequena extensão no Peru

(Figura 2.1). Eunectes murinus gradualmente perderá áreas climaticamente adequadas no Cerrado, e ganhará na região de Mata Atlântica. É possível observar uma retração gradual de áreas climaticamente adequadas na

Amazônia, e uma expansão no sentido norte e leste, com mais áreas habitáveis em território Colombiano no cenário mais extremo, e, uma retração gradual de áreas adequadas na Bolívia (Figura 2.3). Para E. notaeus, podemos observar uma tendência de deslocamento para o sul e sudeste do Brasil, e mais acréscimo de áreas adequadas na Argentina (Figura 2.4).

Figura 2.1. Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes beniensis (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2.

136

Figura 2.2 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes deschauenseei (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2.

137

Figura 2.3 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes murinus (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2.

138

Figura 2.4 Mapas de áreas climaticamente adequados para a ocorrência de Eunectes notaeus (distribuição potencial); a) Presente; b) Projeção futura no cenário de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6; c) Projeção futura no cenário RCP 8.2.

No cenário sem dispersão, todas as espécies perderão áreas com condições climáticas favoráveis, em ambos os cenários futuros (Tabela 2.3). A espécie mais afetada será E. beniensis, que perderá 100% de habitat adequado em ambos os cenários de mudanças climáticas. Eunectes notaeus, que no cenário com dispersão livre terá sua área climaticamente adequada aumentada substancialmente, no cenário sem dispersão perderá importante

área com condições adequadas atualmente, como o Pantanal Mato-Grossense no cenário menos extremo.

139

Tabela 2.3 Total de área (km²), perda e ganho de áreas (%) climaticamente adequadas para ocorrência potencial das espécies do gênero Eunectes no presente (consenso dos algoritmos GLM, GAM, RF e Maxent no modelo de distribuição, exceto GLM para E. murinus e E. notaeus) e futuro nos dois diferentes cenários de Vias da Representatividade da Concentração (Representative Concentration Pathways – RCP) 2.6 e 8.5 (consenso dos modelos de circulação geral atmosfera- oceano - BCC-CSM1-1, HadGEM2-ES, IPSL-CM5A e CCSM4), no cenário sem dispersão.

Perda Perda Área total Área total ou ganho de área Área total ou ganho de área Espécie Presente RCP 2.6 (%) RCP 8.5 (%)

E. beniensis 142.164,11 0 ↓100,0 0 ↓100,0

E. deschauenseei 328.044,34 23.407,14 ↓92,9 0 ↓100,0

E. murinus 3.618.128,06 2.187.881,57 ↓39,5 478.619,53 ↓86,8

E. notaeus 801.351,18 503.529,37 ↓37,0 547.590,04 ↓31,7

Discussão

Esse estudo constitui a primeira avaliação sobre os possíveis efeitos das

mudanças climáticas globais para as espécies de Eunectes, e um dos poucos

;com essa abordagem para répteis em geral (Araujo et al., 2006, Hawkes et al.,

2007; Wake, 2007; Bickford et al., 2010; Penman et al., 2010; Sinervo et al.,

2010; Witt et al., 2010; Fuentes et al., 2011). Além da avaliação dos efeitos da

alteração climática na distribuição futura das espécies, obtivemos mapas de

adequabilidade ambiental do presente, indicando áreas de potencial ocorrência

atual das espécies. A espécie E. deschauenseei possui distribuição atual

conhecida apenas para os estados do Pará e Amapá no Brasil (Nascimento et

al., 1991; Dirksen e Henderson, 2002; França et al., 2006), além da Guiana

Francesa (Hoogmoed, 1982; Chippaux, 1986; Starace, 1998). A possível

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ocorrência da espécie no Suriname já havia sido aventada (Dirksen e

Henderson, 2002; Starace, 2013), entretanto sem registros efetuados. O presente estudo mostra uma possível ocorrência da espécie no país, com ambientes climaticamente adequados.

Eunectes beniensis é a espécie com menos exemplares já observados na natureza, com distribuição atual restrita aos departamentos de Beni e Pando na Bolívia (Dirksem, 2002; Dirksen e Böhme, 2005). A distribuição atual potencial da espécie, de acordo com o nicho climático, continua restrita ao território Boliviano, entretanto com possibilidade de ocorrência também nos departamentos de Santa Cruz e Cochabamba. Dessa forma, esforços para o encontro dessa espécie deveriam ser voltados também a essas localidades.

É possível observar uma lacuna de ambientes adequados climaticamente no presente para E. murinus no estado de Mato Grosso e

Amazonas no Brasil, além do território Colombiano, ambientes esses predominantemente florestados, em geral com influência amazônica. Isso se deve provavelmente à falta de pontos de ocorrência nessas regiões, por se tratarem de locais pouco amostrados. Dessa forma, coordenadas desses locais não entraram na formulação dos modelos de nicho climático da espécie. Isso acaba subestimando a extensão geográfica de locais climaticamente adequados, e de potencial ocorrência, tendo efeito também nas projeções futuras de distribuição perante as alterações climáticas. Isso ocorre porque os pontos de distribuição atual da espécie são combinados com variáveis climáticas dos locais para se obter uma relação espécie-clima. Isso permite projetar a distribuição de locais climaticamente adequados para a espécie sob

141

diferentes cenários de clima no futuro. Sendo assim, restringir a amplitude climática nos dados pode influenciar na capacidade de predição dos modelos, os quais podem gerar resultados imprecisos e subestimados quando importantes informações sobre o nicho climático das espécies estão ausentes

(Iverson et al., 1999; Thuiller et al., 2003; Thuiller et al., 2004b).

No mapa de adequabilidade climática para o presente de E. notaeus, é possível observar uma área de distribuição potencial atual, de acordo com o nicho climático, provavelmente superestimada. A área favorável para a ocorrência da espécie abrange áreas do sul e sudeste do estado do Mato

Grosso do Sul, adentrando o estado de São Paulo. Entretanto, atualmente a espécie está confinada às áreas alagáveis das bacias dos Rios Paraná e

Paraguai (Waller et al., 1995). Os planaltos em torno do Pantanal sul, como a

Serra da Bodoquena e Planalto Maracajú-Campo Grande, que variam de 400 a

800 m de altitude, provavelmente servem como barreira para a expansão da espécie. Sendo assim, é muito pouco provável que ela ocorra de fato nesses locais, apesar de serem ambientes com menos amostragens em ambos os estados (Zaher et al., 2011; Ferreira et al., 2017).

A ocorrência da sucuri amarela no Uruguai foi registrada (Achaval e

Meneghel, 1996), porém questionada posteriormente. No presente estudo foi demonstrada a existência de locais adequados para a espécie e potencial ocorrência em uma pequena porção do país. A área de ocorrência atual da espécie havia sido estimada em 400.000 km² (Micucci et al., 2006), sendo que no presente estudo uma área adequada climaticamente com o dobro do tamanho foi projetada (801.341 km²). Esse resultado reforça que, apesar de

142

serem áreas com climas adequados para a ocorrência da espécie, esta provavelmente não habita esses locais devido a outros fatores, como capacidade de dispersão, ausência de habitats adequados para o estabelecimento de uma população ou fatores históricos.

A potencial conseqüência das mudanças climáticas sobre a biodiversidade é uma preocupação crescente de ecólogos e conservacionistas ao longo dos anos, tanto para a fauna quanto para a flora (Honnay, 2002;

Peterson et al., 2002; Thuiller et al., 2004b; Hampe e Petit, 2005; Thuiller et al.,

2005b; Malcolm et al., 2006; Iverson et al., 2008; Lawler et al., 2009; Civanto et al., 2012; Pio et al., 2014; Thuiller et al., 2014; Knouft e Ficklin, 2017). Eunectes deschauenseei e E. beniensis poderão seras espécies mais afetadas negativamente com as alterações climáticas, sendo que a sucuri malhada (E. deschauenseei) poderá ter a área adequada reduzida a uma pequena porção no cenário menos extremo, e perder 100% de área do seu nicho climático no cenário mais extremo, o que poderá causar a extinção da espécie. Eunectes beniensis, em ambos os cenários, terá sua área climaticamente adequada drasticamente reduzida, havendo ainda uma mudança de local com clima adequado, passando a potencialmente ocorrer também no departamento de La

Paz na Bolívia e em uma pequena porção do sudoeste do Peru.

A redução drástica no tamanho da área adequada para as espécies pode trazer sérias conseqüências à sobrevivência das mesmas. Estudos demonstram que a chance de extinção aumenta com a diminuição da área de distribuição (MacArthur e Wilson, 1967; Terborgh e Winter, 1980; Caughley,

1994; Purvis et al., 2000). Além de problemas genéticos conhecidos para

143

populações pequenas (como a endogamia), eventos estocásticos (fogo, seca), invasão de espécies, doenças e alterações antrópicas no ambiente podem dizimar toda a população que se encontra em uma pequena porção de habitat

(Lande, 1993; Caughley, 1994; Lawton e May, 1995).

Assim como as espécies citadas acima, E. murinus também poderá ter sua área climaticamente adequada diminuída no futuro, entretanto, não seria uma redução tão dramática quanto para as espécies citadas acima. Ainda, novas áreas adequadas não disponíveis no presente poderão existir em ambos os cenários futuros para todas as espécies. No Brasil, a sucuri verde poderá perder grande área adequada no Cerrado e ganhar área na Mata Atlântica.

Entretanto, a Mata Atlântica é considerada um dos biomas mais ameaçados do mundo (Mittermeier et al., 2005), restando apenas de 7 a 8% de seu território coberto por vegetação nativa (Galindo-Leal e Câmara, 2003), ou 11.7% quando considerados pequenos fragmentos e floresta secundária (Ribeiro et al., 2009).

Dessa forma, é pouco provável que a espécie venha a encontrar refúgio nesse ambiente, uma vez que a destruição desse bioma tende a aumentar com o aumento da população humana e o desenvolvimento econômico,

A sucuri amarela (E. notaeus) é a única espécie que poderia ter a área climaticamente adequada aumentada no futuro, em ambos os cenários climáticos com dispersão. Sua distribuição se deslocaria para o sul, em locais que hoje provavelmente são muito frios durante grande parte do ano para a sobrevivência da espécie, mas que se tornariam adequados por volta de 2070.

Entretanto, como dito anteriormente, existem barreiras de dispersão, os

144

planaltos, que poderiam impedir a espécie de alcançar esses locais sem a intervenção humana.

A alteração de habitats adequados climaticamente para a ocorrência das espécies induzidas pelas mudanças climáticas, observadas para todas as espécies de sucuri, pode alterar significativamente a dinâmica das comunidades em que estarão inseridas, caso consigam dispersar. A chegada de novas espécies pode alterar as interações competitivas, levar ou adquirir novas doenças, além de influenciar na dinâmica trófica com mudanças nas interações predador-presa. É possível que essa mudança na estrutura das comunidades, que ocorre tanto na perda como no ganho de espécies em uma

área, possa levar a mudanças irreversíveis, onde a abundância relativa das espécies em diferentes níveis tróficos seja radicalmente alterada (Schmitz et al., 2003).

Tendo em vista que as sucuris são serpentes de grande porte e predadoras de topo, tanto a saída quando a entrada dessas espécies nos ambientes podem gerar alterações em toda a teia trófica. Predadores de topo exercem considerável influência na estrutura e na função de ecossistemas controlados via top-down, sendo que alterações em suas populações podem moldar as respostas de espécies de níveis mais baixos e gerar um efeito em cascata (Spiller e Schoener, 1990; Estes e Duggins, 1995; McPeek, 1998;

Beschta e Ripple, 2011; Ripple e Beschta, 2011). Esse efeito em cascata pode levar a dramáticas consequências na função do ecossistema, como a produção primária e dinâmica de nutrientes (Poste et al., 1999; Schmitz et al., 2003). Isso ocorre porque a produção primária e a dinâmica de nutrientes são fortemente

145

influenciadas por herbívoros, os quais por sua vez são umas das principais presas de predadores de topo, como sucuris fêmeas adultas (Murphy e

Henderson, 1997; Strüssmann, 1997; Rivas, 2000; Waller et al., 2007; Mirana et al., 2016).

As mudanças climáticas recentes já têm causado alterações na distribuição das espécies (Parmesan, 2006). Um padrão geral observado é o deslocamento das áreas de ocorrência em direção aos pólos e para áreas mais elevadas, a uma taxa relacionada com as alterações climáticas. Assim como os resultados para as espécies de Eunectes indicam, diversas pesquisas fornecem projeções de alteração na distribuição geográfica das espécies induzidas pelas mudanças climáticas, tanto para plantas quanto para animais, em diferentes localidades (Berry et al., 2002; Midgley et al., 2002; Peterson et al., 2002; Siqueira e Peterson, 2003; Williams et al., 2003; Thuiller et al., 2005b;

Araújo et al., 2006; Thuiller et al., 2006).

Ainda nesse contexto de mudança de locais climaticamente adequados para as espécies em cenários futuros, surge a preocupação da eficiência das

Unidades de Conservação (UCs) em proteger as espécies que serão mais afetadas. Em um estudo com o objetivo de avaliar a eficiência de Parques

Nacionais da África em proteger a fauna de mamíferos perante mudanças climáticas, foi observado que muitos parques sofrerão potencial perda significativa de espécies, perdendo assim sua função em proteger a biodiversidade (Thuiller et al., 2006). Isso ocorre porque as UCs são selecionadas sem levar em consideração os possíveis efeitos das mudanças climáticas na distribuição potencial das espécies.

146

Uma vez que as alterações climáticas poderão induzir uma reorganização das comunidades (com redução de áreas de ocorrência para algumas e/ou deslocamento para áreas mais favoráveis), o impacto das mudanças climáticas na distribuição das espécies deve entrar em discussão na formulação de planos de conservação e criação de UCs. Essa estratégia permitirá preservar com mais eficiência locais de refúgio climático para as espécies para as quais as análises de modelagem de nicho prevêm que sejam mais negativamente afetadas no futuro pelas mudanças climáticas.

É amplamente conhecido que muitos animais são dependentes da estrutura do habitat além das condições climáticas adequadas para sua persistência. Nos cenários futuros de mudanças climáticas, a estrutura do habitat pode ser significativamente alterada, tanto devido a respostas da flora

às mudanças, quanto devido a regimes de fogo (Bond et al., 2003) e desenvolvimento humano. Grandes áreas alteradas podem criar lacunas entre porções de habitats adequados para as espécies (Brown e Lomolino, 1998;

Tokeshi, 1999) e, dessa forma, impedir a dispersão das mesmas para áreas favoráveis que poderão surgir. Se as espécies são incapazes de se deslocar para ambientes adequados devido à falta de um corredor com condições favoráveis, ou por estarem muito distantes da população fonte, então a área se tornará efetivamente indisponível.

A capacidade de dispersão das espécies para áreas que se tornarão adequadas climaticamente no futuro é uma importante questão não incorporada nos modelos, principalmente devido à dificuldade em se obter essas informações. Para lidar com essa questão no presente estudo, foi

147

considerado um cenário sem dispersão das espécies, em que foi assumido que elas não se deslocariam para novos lugares adequados que pudessem surgir no futuro. Ambos os cenários em relação à dispersão das espécies tratados no presente estudo provavelmente não traduzem a realidade, um cenário intermediário poderia gerar resultados mais reais (Peterson et al., 2001).

Todas as espécies de Eunectes poderão perder área quando os dois cenários de mudança climática são considerados sem dispersão. Nessa abordagem, E. beniensis e E. deschauenseei continuariam sendo as mais negativamente afetadas, sendo que E. beniensis poderia perder 100% de área climaticamente adequada em ambos os cenários futuros. Na Bolívia, a espécie já é considerada vulnerável devido principalmente à perda de habitat (Embert,

2009). A abordagem sem dispersão provavelmente é a mais realista para as espécies de sucuri, uma vez que a topografia, estradas, áreas urbanas e o crescente desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento (áreas de agropecuária e indústrias) poderão limitar sua capacidade de movimentação em busca de novas áreas adequadas.

Além disso, soma-se o fato de que sucuris são serpentes semi- aquáticas, não conseguido se deslocar por terra a grandes distâncias. Dessa forma, somente conseguiriam alcançar novos locais habitáveis através de ambientes aquáticos, os quais são continuamente drenados, desviados, alterados e poluídos no processo de desenvolvimento dos países em que ocorrem. Nesse contexto, rios e riachos poderiam ser importantesn rotas para o deslocamento desses animais. Por fim, existe uma mitologia em torno das sucuris, com aspectos negativos presentes no imaginário popular, sendo que

148

ao longo de sua distribuição apresentam conflitos com humanos, que normalmente acabam com a morte dos animais.

Uma vez que a área de ocorrência das espécies se encontra em países em desenvolvimento, com previsão de aumento da população humana, o encontro com humanos provavelmente será mais freqüente no futuro. Ainda, existe também o problema da caça ilegal dessas espécies para a obtenção do couro a ser usado na confecção de bolsas, sapatos e carteiras (Gruss e Waller

1988; Jenkins e Broad, 1994; Rivas, 2000; Micucci et al., 2006; Rivas, 2007).

Todos esses fatores, junto com as mudanças climáticas, devem afetar negativamente as populações dessas espécies.

As predições de clima futuro geradas por modelos sugerem que as mudanças de temperatura (algumas áreas se tornando mais quente e outras mais frias) e precipitação global, não serão o único problema. Haverá também grandes variações tanto de temperatura quanto de precipitação ano-a-ano

(IPCC, 2014). Como os animais ectotérmicos, como os répteis, irão reagir a essas mudanças e variações é uma questão complexa em discussão (Kearney e Porter, 2004; Keaney et al., 2009). Em um experimento com serpentes jovens, foi observado que os animais conseguem ajustar seu comportamento termorregulatório para compensar as alterações de temperatura a longo prazo.

Entretanto, quando simuladas as variações de temperatura ano-a-ano, as serpentes falham no ajuste térmico (Aubret e Shine, 2010).

A relação com a temperatura é um fator de grande importância para animais ectotérmicos. A biologia e evolução desses animais é altamente condicionada pela temperatura de seu habitat, sendo esse um dos principais 149

fatores que afetam suas vidas (e. g., taxas de crescimento, locomoção, reprodução, etc.) (Pörtner, 2002; Angilletta, 2009). As mudanças climáticas globais não terão influência somente na distribuição das espécies e suas conseqüências, mas também em sua fisiologia e fenologia (Walther et al.,

2002). A título de exemplo, invernos mais quentes têm levado algumas espécies de anfíbios a se reproduzirem mais cedo. Essa pequena mudança pode ter grandes consequências, alterando a sobreposição de nicho em locais de reprodução e gerando consequências em interações tróficas (Beebee, 1995;

Pounds et al., 1999).

Como e se as espécies de Eunectes poderão ter sua fisiologia e fenologia afetadas é uma questão em aberto. Experimentos em laboratório poderão ajudar a elucidar essa questão. Para E. murinus e E. notaeus, que tiveram sua reprodução estudada (Waller et al., 1995; Rivas 2000; Rivas et al.,

2007; Waller et al., 2007), sabemos que esta ocorre durante a época seca.

Evidências sugerem que a precipitação é o fator responsável por desencadear o começo da estação reprodutiva da sucuri verde (E. murinus) (Rivas, 2000).

Esse padrão provavelmente se repete nas outras duas espécies. A reprodução durante a época seca permite que os filhotes nasçam durante a época chuvosa, período com condições e recursos mais adequados para a sobrevivência. Com as alterações climáticas futuras, com variação de precipitação, além de temperatura, ano-a-ano, o padrão de reprodução das espécies poderá ser alterado.

É importante ressaltar que as alterações climáticas estão acontecendo de forma alarmante e em níveis acelerados, sendo que as projeções são de

150

que as mudanças acontecerão de forma mais rápida e em uma magnitude maior do que as mudanças que ocorreram nos últimos 1.000 anos (Houghton et al., 2001). Dessa forma, muitas espécies podem não ter tempo suficiente para se adaptar às novas condições (Loiselle et al., 2010). De fato, foi sugerido que cerca de 10% dos mamíferos analisados não conseguirão se adaptar às mudanças climáticas futuras (Schloss et al., 2012).

Outros fatores além de alterações climáticas podem influenciar na distribuição e sobrevivência das espécies. Na verdade, diversos processos ecológicos e evolutivos atuando em diferentes escalas espaciais e temporais podem determinar o padrão de distribuição das espécies (Araújo et al., 2008;

Pearman et al., 2008). Esses fatores podem ser mais ou menos importantes dependendo da escala analisada. Em grandes escalas, as variáveis climáticas e fatores históricos e evolutivos se mostram os mais importantes na distribuição das espécies. Em escalas regionais existe uma importância maior de fatores como topografia, geologia e cobertura do solo. Já em uma escala local, fatores como interações bióticas (competição e predação) e microclimas se tornam mais significativos (Brown, 1984; Wiens, et al. 1987; Root, 1988; Franklin,

1995; Pearson e Dawson, 2003; Thuiller et al., 2005a).

Para a obtenção deresultados mais acurados, esses fatores deveriam ser incorporados nos modelos (especialmente o uso da terra), uma vez que a distribuição das espécies é melhor explicada por uma combinação de fatores abióticos e bióticos em todas as escalas (Chase et al., 2005). Entretanto, como o presente estudo consiste de uma análise em grande escala, os resultados oriundos dos modelos de nicho climático das espécies trazem importante

151

compreensão de como as mudanças climáticas poderão afetar a distribuição potencial das mesmas, e abre discussão para a formulação de estratégias de conservação para as espécies que serão mais afetadas.

Conclusão

Entender os possíveis efeitos das mudanças climáticas na biodiversidade é um importante desafio para ecólogos e conservacionistas nos dias atuais. No presente estudo foram explorados os efeitos das mudanças climáticas globais para dois cenários futuros, um mais extremo e outro menos extremo, em duas abordagens de dispersão para as espécies do gênero

Eunectes. Uma redução significativa na área de ocorrência é prevista para três espécies em ambos os cenários de mudança climática futura com dispersão.

Já no cenário sem dispersão todas as espécies perderão parte de área climaticamente habitável.

Trabalhos que utilizam a modelagem de nicho para acessar os possíveis efeitos das mudanças climáticas globais na distribuição das espécies são fundamentais para que possamos pensar em ações de conservação, a fim de diminuir os prováveis riscos a serem enfrentados. Cada espécie reagirá de uma maneira diferente aos efeitos das alterações climáticas e, dessa forma, características individuais das espécies devem ser levadas em consideração na formulação de planos de conservação.

O desaparecimento de áreas com condições climáticas adequadas, bem como o surgimento de novas áreas climaticamente favoráveis devem ser levadas em consideração em futuros planos de manejo, sendo que a criação

152

de novas UCs deve considerar a potencial mudança de distribuição das espécies perante as alterações climáticas. Ainda, os esforços de conservação devem assegurar uma conexão entre áreas já protegidas e áreas de potencial distribuição futura, a fim de minimizar os efeitos de futuras mudanças climáticas e assegurar a preservação das espécies.

Para a conservação das espécies de sucuri, os efeitos das mudanças climáticas devem ser combinados com o uso da terra, fragmentação de habitat, caça ilegal e utilização de ambientes aquáticos para que se possa pensar em planos de conservação mais efetivos. As espécies de sucuri mais negativamente afetadas, únicas com potencial extinção de acordo com o nicho climático, são E. beniensis e E. deschauenseei. Dessa forma uma atenção maior em esforços de conservação deve ser voltada a essas espécies, bem como a busca por mais informações sobre características básicas sobre sua história natural, que atualmente são escassas ou inexistentes.

Esforços de conservação devem focar em áreas onde ambientes climaticamente adequados, e com ocorrência dos animais no presente, deverão persistir no futuro perante ambos os cenários de mudança climática, uma vez que esses ambientes poderão vir a servir como refúgios climáticos.

Programas de monitoramento a longo prazo devem ser estabelecidos tanto em

áreas que persistirão quanto em áreas habitáveis que serão perdidas no futuro.

Essa estratégia permitiria acompanhar as mudanças na dinâmica populacional das espécies e mudanças de distribuição ao longo de sua extensão geográfica.

Uma atenção maior deveria ser dada às espécies que provavelmente serão

153

mais afetadas, até mesmo com possível risco de extinção, como a sucuri malhada (E. deschauenseei) e a sucuri de Beni (E. beniensis).

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