Revista Insulana Volume: 53 (1997)
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orgão do INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA VOL. LIII MCMXCVII INSVLANA orgão do INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA VOL. LIII MCMXCVII Ficha Técnica INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA ”Sociedade de labor literário, científico e artístico” fundada em 4 de Janeiro de 1944 com sede na cidade de Ponta Delgada, Ilha de S. miguel, AÇORES Instituição patrocinada e subsidiada pela Secretaria Regional da Educação e Cultura DIRECÇÃO PRESIDENTE: Dr. José Paim de Bruges da Silveira Estrela Rego VICE-PRESIDENTE: Dr. Henrique de Aguiar Oliveira Rodrigues SECRETÁRIO: Dr. João Paulo Alvão Constância TESOUREIRO: Coronel Ângelo Manuel Albergaria Pacheco VOGAL: Prof. Doutor José Maria Teixeira Dias VOGAL: Dr. Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros DIRECÇÃO DA INSVLANA - Dr. José Paim de Bruges da Silveira Estrela Rego - Prof. Doutor José Maria Teixeira Dias - Dr. Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros CORRESPONDÊNCIA: Instituto Cultural de Ponta Delgada Apartado 1405 9500 Ponta Delgada - Açores Número do Depósito Legal: 79968/94 ARTIGOS DESCOBRIMENTO E COLONIZAÇÃO DOS AÇORES NO SÉCULO XV João Bernardo de Oliveira Rodrigues (Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, em 1925) DESCOBRIMENTO E COLONIZAÇÃO DOS AÇORES NO SÉCULO XV I Parte DESCOBRIMENTOS DOS AÇORES NO SÉCULO XV PELOS PORTUGUESES Capítulo I O descobrimento dos Açores segundo as crónicas, alguns do- cumentos contemporâneos e as “Saudades da Terra” de Gaspar Frucutuoso. Os primeiros tempos da nossa actividade marítima no Século XV es- tão envoltos num denso veu de mistério, sendo com dificuldade que se tem conseguido aclarar alguns pontos mais obscuros. As viagens de Gil Eanes ao Cabo Bojador, os reconhecimentos das ilhas da Madeira e de Porto Santo, a persistente cabotagem de vinte anos ao longo da costa de África até se dobrar o referido cabo, são factos da nossa história marítima, que ainda hoje se mantém em discussão. Mesmo no apogeu da navegação portuguesa para a India, Brazil, Terra Nova e Austrália, os problemas surgem e continuam dependentes de resolução. Pode dizer-se que toda a época dos descobrimentos repousa em profun- das tervas, devidas à carência de documentos contemporâneos e ao silên- 10 INSVLANA cio dos cronistas, ambas estas omissões determinadas sem dúvida pelo si- gilo profissional que o Estado impunha aos navegadores nacionais, no justo receio de que outros paises, conhecedores dos processos de navega- ção e das terras descobertas, viessem a competir com os portugueses nas suas empresas, como lógicamente demonstrou o Snr. Dr. Jaime Cortezão no seu trabalho “Do sigilo nacional sobre os descobrimentos”, publicado na revista “Lusitania, tomo I”. Com o descobrimento dos Açores no Século XV dão-se iguais contro- versias e aparecem as mesmas dificuldades. Em todo este trabalho empre- garemos sempre a palavra descobrimento, não porque duvidemos de que essas ilhas fossem visitadas no Século XIV, mas porque o reconhecimen- to pelos portugueses no Século XV pode ser considerado como um ver- dadeiro descobrimento, visto que foi dessa data em deante que elas fica- ram fazendo parte do mundo habitado. Se o arquipélago foi conhecido no século XIV, esse conhecimento foi impreciso e inútil para a vida prática, porque dele somente restaram as notícias deixadas pelos portulanos medievais. Como iamos dizendo, para se marcar a verdadeira data do descobri- mento, para sabermos as condições em que ele se deu, e a que propósitos abedeceu, para investigarmos quem fosse o seu descobridor, se foi um mero acaso o achado das ilhas, se tal empresa foi objecto de um intuito premeditado, se as ilhas foram descobertas sucessivamente, ou se espaça- ram alguns anos entre os respectivos descobrimentos, lutaremos com to- das as dificuldades que caracterizam as empresas henriquinas. As opini- ões variam, algumas assentes em bases bastante periclitantes, divergindo de outras não menos seguras; a pouca prolixidade dos cronistas, as tradi- ções recolhidas por uns, mas já enfeitadas com lendas, mais ou menos in- verosimeis, por outros, a falta de documentos coevos, tudo, enfim, con- DESCOBRIMENTO DOS AÇORES 11 corre para que a história do descobrimento dos Açores pelos portugueses, ainda se ache muito confusa e longe de atingir uma relativa perfeição, o que se conseguirá porventura, com o achado de novos documentos autên- ticos, que venham dar toda a claridade a esta complicada época da Histó- ria Pátria. Os arquivos da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Lisboa já teem sido percorridos por eruditos investigadores, tais como o falecido general Brito Rebelo e o eminente açoreano Dr. João Teixeira Soares, que inseriram todo o material referente ao arquipélago dos Açores na valiosa publicação “Arquivo dos Açores”, preciosa obra iniciada e dirigida pelo ilustre historiador micaelense Dr. Ernesto do Canto e hoje continuada pe- lo Snr. Coronel F. Afonso de Chaves. A única crónica do Século XV que fala dos Açores, é a crónica da con- quista e do descobrimento da Guiné, por Gomes Eanes de Azurara, que constitue um panegérico do Infante D. Henrique, de quem o autor era grande admirador. É uma obra de larga erudição, de cujas narrativas, que chegam até ao ano de 1448, está reconhecido o caracter verídico; e ape- sar de Azurara ser muito lacónico no que respeita aos Açores, a sua cró- nica não deixa de ser sobre este assunto, a fonte mais valiosa da época henriquina. É de notar que Azurara nunca fala em “em descobrimento dos Açores”. Por varias vezes se refere à povoação das ilhas e tem um capí- tulo expressamente dedicado à colonização da “Ilha da Madeira e assim às outras ilhas que som em aquela parte”.1 No capítulo 2º., dirigindo-se ao Infante D. Henrique, lembra a quanti- dade de navios que vêm carregados das Ilhas que ele povoou no mar oce- ano.2 Noutra passagem do mesmo capítulo pergunta “Quando souberam 1 Crónica da Conquista da Guiné, Azurara, Cap. 83. 2 Crónica da Conquista da Guiné, Azurara, Cap. 2 Pág. 14. 12 INSVLANA estas gentes que cousa era a abundância... senão depois que o nosso Prin- cípe povorou as ilhas desertas em que não havia outra povoração senão alimarias montezes”.3 No capítulo 5º. há também outra passagem que se refere ao povoa- mento: - “Ele fez povoar no grande mar oceano cinco ilhas as quais ao tempo da composição d’este livro estavam em razoavel povoaçam, espe- cialmente a Ilha da Madeira.”4 O capítulo 83º. é todo dedicado à colonização da Madeira e é neste que o autor se refere mais detalhadamente à povoação dos Açores. Ne- le relata Azurara que indo em busca da Guiné, mandados pelo infante, João Gonçalves e Tristão, os levou o mau tempo para oeste, onde en- contraram uma ilha que depois se chamou Porto Santo. Regressando ao reino, contaram ao Infante o resultado da sua expedição e logo ele se lembrou de a mandar povoar, cometendo essa empresa aos dois referi- dos navegadores e a Bartholomeu Perestrelo. Mais tarde, João Gonçal- ves e Tristão passaram-se à Ilha da Madeira que se avistava de Porto Santo, da qual, o Infante interessando-se com o maior entusiasmo pela sua colonização, por ser mais rica e de melhor aproveitamento, lhes deu, respectivamente, as capitanias de Funchal e de Machico. Foi o co- meço desta povoação em 1420, e em 1445, o Infante ordenou a Gonça- lo Velho, comendador da ordem de Christo, que fosse povoar outras du- as ilhas, afastadas cento e cinquenta e duas léguas do arquipélago da Madeira, encarregando-se o Infante D. Pedro de mandar povoar uma de- las, à qual pôs o nome de S. Miguel por ser muito devoto do santo as- sim denominado; mas como D. Pedro morresse pouco tempo depois, fi- cou a dita ilha ao Infante D. Henrique. Depois de falar na Ilha de Porto 3 Crónica da Conquista da Guiné, Azurara, Cap. 2 Pág. 14. 4 Crónica da Conquista da Guiné, Azurara, Cap. 5 Pág. 30. DESCOBRIMENTO DOS AÇORES 13 Santo e de referir o desembarque de gado na ilha Deserta, a sete léguas da Madeira, Azurara diz: “Em destas sete ilhas, as quatro som tamanhas como a da Madeira, e as três mais pequenas.” Esta alusão a sete ilhas quando só mencionou cinco (Porto Santo, Ma- deira, Deserta, S. Miguel e uma outra de que não cita o nome, mas que deve ser Santa Maria) faz supor que há uma importante lacuna neste ca- pítulo. O Snr. Dr. Jaime Cortezão, num artigo publicado no Nº. 1 da “Luzita- nia”, prova à evidência que na crónica de Azurara são frequentes as mu- tilações, e entre os exemplos que cita, está este da passagem referente às ilhas. Na verdade, a maneira como Azurara fala do povoamento dos Aço- res, não narrando o descobrimento, como fez para os outros arquipélagos, e a referência a sete ilhas quando só mencionou cinco, leva-nos a acre- ditar que esta parte da crónica foi mutilada. A seguir, diz Azurara que D. Henrique, como governador da Ordem de Christo, deu a essa ordem todo o espiritual das ilhas da Madeira e Por- to Santo e todo o espiritual e temporal da Ilha de que fez comendador Gonçalo Velho, juntando-lhes a dizima e a metade dos açucarais da Ilha de S. Miguel. Como se vê, são breves e lacónicas as notícias dos Açores na Crónica da Guiné, mas atendendo à época em que o autor escreveu (1420),5 mui proxima da colonização, pouco mais se podia dizer; além d’isso, todas as atenções estavam voltadas para as empresas africanas, sendo o aproveita- mento de umas ilhas isoladas no Atlântico, objecto de muito menor im- portância. Apesar de tudo, o seu testemunho é muito valioso e de grande autoridade por ser escritor coévo dos factos. 5 O Infante D. Pedro morreu em 20-05-1449 e como Azurara referindo-se à Ilha de S.