Ernesto Rodrigues, Um Homem Do Teatro Na I República
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ERNESTO RODRIGUES, UM HOMEM DO TEATRO NA I REPÚBLICA Pedro Alexandre Caldeira Rodrigues MESTRADO EM HISTÓRIA E CULTURA EUROPEIA CONTEMPORÂNEAS 2007 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ERNESTO RODRIGUES, UM HOMEM DO TEATRO NA I REPÚBLICA Pedro Alexandre Caldeira Rodrigues DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA E CULTURA EUROPEIA CONTEMPORÂNEAS SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR DOUTOR JOÃO MEDINA 2007 Ernesto Rodrigues (1875-1926) afirmou-se como um dos mais importantes comediógra- fos da I República. A sua estreia nos palcos ocorreu em 1899 e desde então iniciou uma inten- sa produção teatral, com pelo menos 54 obras originais, a sós ou em colaboração, e cerca de 30 traduções e adaptações. Durante 14 anos (1912-1926) integrou com Félix Bermudes (1874- 1960) e João Bastos (1883-1957) o mais destacado grupo de autores do teatro popular portu- guês, com particular incidência no teatro de revista, e que ficou desde logo conhecido por A Parceria. Esta dissertação de mestrado propõem-se revelar, com o apoio de uma bibliografia geral e específica e por um necessário trabalho de investigação, as múltiplas criações deste comedió- grafo, com destaque para as produzidas pelo famoso “triunvirato dos palcos”. Com o objecti- vo, sempre presente, de sublinhar os diversos aspectos que a situação política e social da época projectava nas suas obras, com óbvio pendor republicano. Apesar da sua cumplicidade com o regime em vigor desde 5 de Outubro de 1910, impu- nha-se perceber se a A Parceria se tornou num simples reprodutor dos valores da “nova ordem”, com as suas deslumbrantes e alegóricas produções revisteiras, ou se também questio- nava o novo poder. Se os seus autores retratavam de forma incisiva a situação do país e fun- cionavam como um factor acrescido de “consciencialização política” para os milhares de espectadores que então afluíam às salas dos teatros. Para além do trabalho de investigação foram recolhidos depoimentos de investigadores do “mundo do teatro”, de antigos actores, e ainda reproduzidas coplas, fotografias e caricatu- ras de Ernesto Rodrigues e colaboradores, folhas de música ou cartazes de revistas. Suportes decisivos para tentar entender quem eram Ernesto Rodrigues e A Parceria, espectadores privi- legiados do mais prolongado e turbulento período da história de Portugal no século XX. Ernesto Rodrigues (1875-1926) was one of the most important comedy play writers dur- ing the Portuguese I Republic. The performance of his first play took place in 1899. A vast the- atre production can be credited to Ernesto Rodrigues, with al least 54 originals, alone or in cooperation, and around 30 translations or adaptations. During 14 years (1912-1926) he inte- grated with Félix Bermudes (1874-1960) and João Bastos (1883-1957) the most distinguished group of Portuguese popular play writers, mainly in the “teatro de revista” genre, and since then known as A Parceria. This Masters dissertation intents are twofold: to uncover, with the support of both a gen- eralist and specific bibliography and a necessary research work, the work of this comedy play writer, mainly the productions written by the famous “stage triumvirate”; and to disclose the connection between the political and social context of the early Twentieth Century and their works, which denounced a notorious republican tendency. Besides the complicity with the regime in place since October 5th 1910, it was necessary to understand if A Parceria was a simple reproducer of the “new order” values, with their alle- goric and amazing productions, or if they were also critical of the newly established political power. That is, if they sharply portrayed the country’s political and social context, and served as an additional factor of “political conscientiousness” for the thousands of spectators who used to attend the theatres. The research work is also supported by statements of “theatre” specialists, former actors, as well as by the reproduction of lyrics, photos and caricature drawings of Ernesto Rodrigues and collaborators, sheet music and posters of some “revistas”. They are essential tools to try to understand who were Ernesto Rodrigues and A Parceria, privileged spectators of the most pro- longed and troubling period of the Portuguese history in the Twentieth Century. PORTUGAL I REPÚBLICA TEATRO DE REVISTA A PARCERIA ERNESTO RODRIGUES FÉLIX BERMUDES JOÃO BASTOS PORTUGAL I REPUBLIC “TEATRO DE REVISTA” GENRE A PARCERIA ERNESTO RODRIGUES FÉLIX BERMUDES JOÃO BASTOS ÍNDICE Primeira Parte: o Teatro e o Mundo 7 I Introdução 7 a) O cenário político-social 11 b) Os 16 anos da I República 12 II O Mundo do Teatro: contexto artístico da vida teatral em Portugal nos primórdios na I República 18 a) Os teatros da capital 19 b) A polémica em torno do género 24 c) A condição dos artistas 36 d) A circulação da informação 47 e) O teatro de revista e a entrada de Portugal na I Guerra Mundial 53 Segunda Parte: Ernesto Rodrigues, um homem do Teatro 58 III 1899-1926: de A Arte de Montes ao Leão da Estrela 58 a) Um início prometedor 58 b) Em busca da reputação 60 c) O convite a André Brun e a polémica com João Chagas 62 d) Tudo pela República... 69 e) Alegorias ao novo regime 73 f) A obra de A Parceria, ou “Parçaria”, na imprensa da época 78 g) O regresso do “Teatro Velho” 106 h) A hora da Sociedade e do Leão da Estrela 116 IV A morte de Ernesto Rodrigues 119 V As produções mais representativas de Ernesto Rodrigues e de A Parceria 127 VI Conclusão 131 5 Terceira Parte: Anexos 135 VII Anexo A) Cançonetas, coplas e excertos de peças de Ernesto Rodrigues e dos seus colaboradores 135 Anexo B) Depoimentos 158 I Félix Bermudes 158 II Cesina Bermudes 162 III Luiz Francisco Rebello 165 IV Vítor Pavão dos Santos 168 V Joaquim Pais de Brito 170 VI José Carlos Alvarez 172 VII Igrejas Caeiro 173 VIII Artur Agostinho 175 IX Carmen Dolores 178 X Raul Solnado 180 Anexo C) Cronologia Portugal entre 1891 e 1926 182 VIII Bibliografia 194 6 Primeira Parte: o Teatro e o Mundo I Introdução “Se o povo soubesse um dia, Como é feito o nosso pão, Não escapava uma só padaria Com certeza que haveria Uma nova revolução. Leva a bela serradura, Cinza, terra, pó e nada, Tem por dentro a cor da noite escura, Tem a cor da noite escura, Sabe às pedras da calçada”. Excerto do “O Fado do Pão”, revista Salada Russa, 1918, de A Parceria Este trabalho de dissertação é centrado na obra de Ernesto Rodrigues, um dos mais destaca- dos comediógrafos da I República. Há poucos anos, não passava de um longínquo projecto para ser elaborado “com tempo”, pretexto que na generalidade serve para justificar inacção e acomodamento. Mas existia um apelo, a concretização prática de um imperativo subjectivo, de ordem afectiva, “genética”, estritamente pessoal. E que, na sequência de um regresso ao Departamento de História da Faculdade de Letras 22 anos após a conclusão da Licenciatura, em 1981, se tornou mais séria, mais responsável, evoluindo para a necessidade de investigar de forma estruturada um personagem em simultâneo tão familiar e tão distante. E tentar perceber quem foi, como pensava, falava, vivia, e se confrontava com a sociedade do seu tempo. Assim, à aplicação dos métodos da História, incluindo na sua vertente cultural, associou-se uma ferramenta mais primária, uma espécie de trabalho de investigação jornalístico que tentou congre- gar diversas memórias recentes, algumas ainda vivas, e que ajudassem a deslindar o caso. O objectivo consistiu em tentar descodificar as práticas, os discursos, as contradições, os impedimentos ocorridos no período mais criativo de Ernesto Rodrigues, e que atravessaram os 16 anos da I República. Uma coincidência que por si só sugeria apurada prospecção, utilizan- do as obrigatórias ferramentas do historiador e tentando resistir a um eventual estilo literário ou a uma condicionante simplificação, defeitos decerto associados à profissão de jornalista que desde 1989 optei por abraçar. Por motivos óbvios não conheci Ernesto Rodrigues, meu bisavô paterno, que faleceu prematu- ramente aos 50 anos e seis meses de idade num dia triste do Inverno de 1926, quando os militares envolvidos no golpe do 28 de Maio já decerto delineavam a rebelião que vai pôr cobro aos agita- dos 16 anos do primeiro regime republicano. Mas recordo-me da casa onde viveu, situada na Rua Latino Coelho, nº 19 rés-do-chão direito, junto à maternidade Alfredo da Costa e onde continuaram a habitar a sua mulher Adelina e os seus quatro filhos, João, José, António e Ernesto. E o nome da rua adaptava-se na perfeição a este seu frequentador. Em 1851, o escritor e inves- tigador Latino Coelho (1825-1891) e Francisco Palha (1826-1890) apresentavam no teatro do Ginásio a Revista do Ano Lisboa em 1850. Uma contribuição decisiva para a consolidação deste género de espectáculo em Portugal: o ensaísta e investigador Luiz Francisco Rebello considera mesmo que nessa noite de 11 de Janeiro de 1851 “nasceu a revista portuguesa”.1 1 Rebello, Luiz Francisco, História do Teatro de Revista em Portugal, 1º volume, Lisboa, Publicações. D. Quixote, 1984, pp.55-58 7 A Rua Latino Coelho situava-se, e ainda se situa, numa zona nobre da cidade, entre a Avenida de Liberdade e a Avenida da República, no enfiamento da Fontes Pereira de Melo, onde se foram instalando estratos sociais mais elevados ou recém-endinheirados. Na década de 30, o vetusto edifício também albergava como inquilino Duarte Pacheco (1899-1943), profes- sor universitário, presidente da câmara municipal de Lisboa e ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar, até à sua morte, também prematura, em 1943. O porteiro era o sen- hor Geânciano, casado com a senhora Ana, motorista da vizinha maternidade Alfredo da Costa e também motorista particular de Ernesto Rodrigues, que possuía um dos poucos milhares de automóveis então a circular por Lisboa.