Negritude Sem Etnicidade.P65

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Negritude Sem Etnicidade.P65 Negritude sem etnicidade o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil Vera Ribeiro (transl.) Livio Sansone SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SANSONE, L. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil [online]. Salvador: EDUFBA, 2003, 335p. ISBN 978-85-232-1197-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Negritude sem Etnicidade Livio Sansone Negritude sem Etnicidade O local e o global nas relações raciais, culturas e identidades negras do Brasil Livio Sansone Tradução: Vera Ribeiro Salvador/Rio de Janeiro 2004 © Livio Sansone, 2003 Direitos para esta edição cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia e à Pallas Editora e Distribuidora Ltda. Feito o depósito legal. É vedada a reprodução por qualquer meio mecânico, eletrônico, xerográfico, etc. sem a permissão prévia por escrito das editoras, da parte ou da totalidade do conteúdo e das imagens contidas neste impresso. EDITORA DA UFBA Diretora FLÁVIA M. GARCIA ROSA Capa, projeto gráfico e editoração GABRIELA NASCIMENTO Revisão O AUTOR Imagemcapa LIVIO SANSONE PALLAS EDITORA Diretor .... Revisão .... S229 Sansone, Livio. Negritude sem etnicidade : o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil / Livio Sansone ; tradução : Vera Ribeiro. - Salvador : Edufba ; Pallas, 2003. 335 p.: il. Inclúi blibliografia. ISBN 1 . Negros – Identidade racial – Brasil. 2. Brasil – Relações raciais. 3. Etnicismo. 4. Identidade social. 5. Relações étnicas. I. Título. CDU - 316.47 CDD - 305.8 EDUFBA Pallas Editora e Distribuidora Ltda. Rua Barão de Geremoabo, s/n - Campus de Ondina Rua Frederico de Albuquerque, 56 - Higienóplois CEP 40170-290 - Salvador - BA CEP 21050-840 - Rio de Janeiro - RJ Tel/fax: (71) 263-6164 Tel./fax: (021) 2270-0186 www.edufba.ufba.br www.pallaseditora.com.br [email protected] [email protected] Agradecimentos O trabalho de campo e a pesquisa em fontes secundárias para a redação deste livro beneficiaram-se da colaboração com alguns proje- tos de pesquisa, bem como do financiamento generoso concedido por uma série de instituições e fundações. Quero agradecer ao programa de pesquisa e treinamento “A Cor da Bahia” e aos integrantes do proje- to de pesquisa SAMBA (Sócio-Antropologia da Música na Bahia), am- bos da Universidade Federal da Bahia; aos colegas do Centro de Estu- dos Afro-Asiáticos (agora Centro de Estudos Afro-Brasileiros) da Univer- sidade Candido Mendes no Rio de Janeiro, que com grande prazer dirigi durante seis anos; aos colegas e alunos da UNICAMP e do IUPERJ; aos muitos amigos e colegas da Universidade de Amsterdã, especial- mente no Instituto de Estudos sobre Migração e Etnicidade e no Centro de Estudos Latino-Americanos (CEDLA). Meu agradecimento especial vai também para Michel Agier, Ramon Grosfoguel, Jean Rahier, Paul Gilroy, Stephen Small, Eduardo Telles, Maria Rosário de Carvalho, Antô- nio Sérgio Guimarães, Marcos Chor Maio, Carlos Hasenbalg, Jocélio Teles dos Santos, Jeferson Bacelar, José Jorge de Carvalho, Rita Segato, Myrian Santos, Massimo Canevacci, Hans Vermeulen, Peter Fry, Osmundo Araújo Pinho, Peter Geschiere, Ari Lima, Alejandro Frigerio, Marina Forti, Marco D’Eramo, Chris Dunn, Augustin Lao, Stefania Capone, Boubacar Barry, Elisée Soumonni, Fernando Urrea, Ciraj Ramsool, Pa- tricia Hayes, Paul Lovejoy, Sokhna Ngueye e muitos outros. Um agra- decimento especial a Suylam Midlej e Silva por ter permitido publicar suas fotos sobre o baile Black Bahia. Também me é absolutamente indispensável agradecer a todas as instituições e fundações que se mos- traram tão generosas —— e pacientes —— no financiamento de minha pesquisa: o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), a Fundação Ford, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e ao Programa SEPHIS. Quero ainda agradecer com muito carinho a todos os bons amigos do outro lado do oceano que foram vítimas de meu estilo de vida itinerante, mas que ainda me fazem sonhar com uma aproximação maior dos continentes: Pito Dijkstra, Peter Vonk, Michele Buracchio, Mary Descoust e as famílias Castiglia e Gristina. Minhas lembranças carinhosas vão para todos os meus parentes distantes na Itália, papai, Lucio, Mimi, tio Alfonso, Jairo, Rosina, Mariuccia, Paolo e os outros que me são muito caros. Pedrinho e Giulio, nossos filhos, e Angela Figueiredo, minha par- ceira e companheira, nunca admitem que eu peça desculpas por todo o tempo em que estive “viajando a trabalho”, porém foram mais do que essenciais à produção deste livro. Por fim, dedico este trabalho à me- mória de minha mãe, de tio Silvio e de tia Adele. Com amor, L.S. SUMÁRIO Introdução: 9 Um paradoxo afro-latino? Marcadores étnicos “ambíguos”, divisões nítidas de classe e uma cultura negra vivaz. Capítulo 11: 37 Pais negros, filhos pretos. Trabalho, cor, diferença entre gerações e o sistema de classificação racial num Brasil em transformação. Capítulo 22: 89 Da África ao afro. Usos e abusos da África na cultura popular e acadêmica brasileira durante o último século. Capítulo 33: 139 O local e o global na Afro-Bahia de hoje. Capítulo 44: 165 O funk “glocal” na Bahia e no Rio de Janeiro. Interpretações locais da globalização negra. Capítulo 55: 209 Ser negro em duas cidades. Comparação entre jovens negros de classe baixa em Salvador e em Amsterdã. ConclusõesConclusões: 245 O lugar do Brasil no Atlântico Negro. Notas 299 Bibliografia 315 Introdução Um Paradoxo Afro-latino? marcadores étnicos ambíguos, divisões nítidas de classe e uma cultura negra vivaz No final da década de 1970, como muitos jovens italianos de minha geração, eu havia passado a “conhecer” as relações raciais e a socie- dade brasileiras à distância. A música, a literatura e o cinema do Brasil tinham sido incorporados em nossa visão panorâmica da América Lati- na, que víamos como uma versão ampliada e até “exagerada” da Euro- pa meridional. Em nossa imaginação, as coisas boas eram melhores no Brasil e as ruins eram piores. As boas tinham a ver com o povo brasileiro — especialmente com a população negra e mestiça — e as ruins, com sua elite. Meu primeiro contato direto com o Brasil deu-se quase duas décadas depois, através de um ciclo de palestras sobre a cultura e a etnicidade juvenis na Europa, que fui convidado a fazer em várias univer- sidades em 1990. O termo “etnicidade”, que já se tornara parte do jargão popular em torno dos migrantes e de sua acolhida na Europa, quase não era ouvido fora do mundo acadêmico. Em número surpreen- dentemente grande, de certo modo, os alunos acorreram a minhas palestras sobre a etnicidade na Holanda e na Grã-Bretanha. Foram mais atraídos, creio eu, pela relativa novidade do tema do que por mi- Negritude sem Etnicidade 9 nha exposição pouco marcante, em português precário, sobre a rele- vância crescente da etnicidade na “Europa moderna”. A falta de famili- aridade com o termo “etnicidade” era tão pronunciada que, num pro- grama de entrevistas ao vivo no canal da TV Educativa baiana, fui solici- tado a explicar — em trinta segundos — o que ela era e “o que se podia fazer a seu respeito”. Hoje em dia, no mundo inteiro e no Brasil, etnicidade tornou-se um termo conhecido. É parte integrante das reportagens jornalísticas sobre uma multiplicidade de temas, como a culinária exótica, as festas de regiões distantes e até a moda — a Folha de São Paulo, um jornal de primeira linha, publica com certa regularidade matérias sobre desfiles de “moda étnica”. A “etnicidade” tornou-se uma parte essencial da propa- ganda de produtos de beleza. O xampu para cabelo encarapinhado é hoje simplesmente chamado de xampu étnico. Ou seja, “étnico” pas- sou a substituir termos como exótico, estranho, não branco ou, em linguagem simples, raro e diferente. Essas tendências na maneira como a cultura popular tem-se havido com a diversidade étnica e racial fazem parte de uma mudança maior e momentosa. Uma mudança que me deixa perplexo. Ainda acredito que a verdadeira beleza do Brasil está em seu povo, especialmente nos inúmeros pobres e na grande popula- ção negra e mulata. Entretanto, devo ao leitor uma primeira confissão: estou mais cético do que nunca a respeito de qualquer possibilidade libertária e emancipadora intrínseca da mobilização política em torno da identidade étnica e da “raça”. Nas duas últimas décadas, a maioria dos pesquisadores de estu- dos étnicos no Brasil tem feito um grande esforço para tentar alterar a auto-imagem brasileira com respeito à diversidade étnica. Isso tem sido feito porque eles estão convencidos de que o Brasil é ou deveria ser um país multicultural e talvez até multiétnico, apesar de sua celebração da mistura racial e étnica nos discursos oficiais e populares sobre o tecido da nação e seu povo. No Brasil, a partir dos anos trinta, as relações raciais centraram-se no mito da democracia racial (atualmente, da morenidade, celebração do mestiço de tez clara como síntese da “raça brasileira”) e nas rela- 10 Livio Sansone ções raciais ambíguas. O que pretendo dizer com ambíguo é uma certa informalidade no contato social e nas relações com pessoas de cor e classes diferentes, bem como uma ausência de distinções raciais claras — em contraste com os países mais “avançados”, a começar pelos Estados Unidos, que supostamente são mais “racionais”, e onde a “raça” e a etnicidade tendem a se organizar em moldes mais distintos e mais claros. Naturalmente, a maneira como os membros dos diferentes gru- pos sociais vivenciam o mito da democracia racial ou a celebração da morenidade nem sempre é a mesma.
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