Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

Uma Análise Do Processo Transmidiático Da Cerveja Duff No Seriado Os Simpsons

Emerson Rocha MARTINS1 Adinan Carlos NOGUEIRA2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Poços de Caldas – MG

RESUMO

A série “Os Simpsons” surgiu em 1989 e conta com 27 temporadas até o momento. Dentro do seriado, são apresentadas diversas marcas, dentre elas a cerveja Duff, bebida preferida de . A Duff aparece logo no primeiro episódio do seriado, e com o passar dos anos e o desenrolar da narrativa, o produto vai ganhando cada vez mais destaque. O presente artigo tem como finalidade analisar o processo transmidiático da cerveja Duff, do mundo ficcional para o mundo real, descrevendo a evolução do produto dentro do seriado, desde sua primeira inserção até a sua consolidação ao longo de todas as temporadas da série. Além disso, o trabalho aborda as táticas de propaganda da cerveja dentro da narrativa da série, os possíveis fatores que puderam contribuir para o sucesso da Duff no mundo real, e qual o nível de influência da série sob o consumidor diante da materialização da cerveja.

Palavras-chave: Duff; cerveja; transmídia; Os Simpsons; seriado.

Introdução

A série “Os Simpsons” surgiu em 1989 e conta com 27 temporadas até o momento. Retratando uma família de classe média, o objetivo da série é satirizar a cultura, a sociedade americana, a televisão e vários aspectos da condição humana. A trama é considerada como uma das maiores séries de televisão de todos os tempos. A edição da revista Time de 31 de dezembro de 1999 classificou “Os Simpsons” como a melhor série do século XX e, em 14 de janeiro de 2000, a família Simpson foi premiada com uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood. A cerveja Duff, bebida preferida de Homer Simpson, aparece logo no primeiro episódio do seriado e, com o passar dos anos e o desenrolar da narrativa, o produto veio ganhando cada vez mais destaque. A repercussão da cerveja foi tão grande que despertou o interesse dos telespectadores, que sonhavam em provar o gosto da bebida. Pensando nisso, o comerciante mexicano Rodrigo Contreras decidiu materializar a cerveja Duff e colocá-la no mercado, visto que a marca não era patenteada fora do seriado.

1 Mestrando do Programa de Pos-graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, email: [email protected] 2 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da PUC Minas e UNIFAE, email: [email protected]

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Desde a popularização da TV e a disseminação de novelas e seriados, o telespectador pôde conhecer de perto outros estilos de vida. Ao acompanhar o cotidiano e a trajetória desses personagens, o público pode conhecer e reconhecer os produtos que eram utilizados por eles nessas histórias, como roupas e acessórios. Ao promover a identificação de produtos no meio televisivo, a mídia desenvolve no espectador um novo desejo de consumo. Esse desejo desperta no público a vontade de ter experiências com aquilo que aparece na tela e de participar de alguma forma da história da trama. Poder vestir a mesma roupa que seu personagem favorito está usando, seria uma boa exemplificação desse desejo. O público, mesmo sem entender deste conceito, busca cada vez mais essa transição de informações e produtos entre os meios. A indústria da mídia ao perceber esse comportamento do consumidor, adota a convergência midiática como forma de criar múltiplas plataformas para vender seu produto. Para Duarte (2010), o público quer dialogar, colaborar, sentir-se envolvido com o produto e interagir com a empresa ou marca. A possibilidade de ver, comentar ou consumir algo que antes estava tão distante, como na TV, agora em outro meio, como na internet ou mesmo na vida real, pode ser compreendido como algo gerado pela cultura da convergência. Assim, para muitos pesquisadores vive-se a “era da convergência”. As mídias estão convergindo e o modo de consumir e interagir com elas está mudando. Jenkins (2008) analisa outra marca da cultura da convergência: a narrativa transmídia, ou seja, a produção em diferentes plataformas complementares e independentes. Logo, o presente trabalho teve como objetivo apresentar o processo transmidiático que a cerveja Duff passou, desde a sua aparição no seriado “Os Simpsons” até a sua fabricação e comercialização no mundo real, além da evolução da marca dentro da série.

Teorias E Técnicas Da Propaganda

Dos primórdios da comunicação e do surgimento da publicidade até os dias atuais, muita coisa mudou. A disseminação da cultura, o avanço das tecnologias, o capitalismo e a crescente evolução da internet, proporcionaram aos consumidores formas cada vez mais práticas de compra e necessidades de consumo muito mais elaboradas, o que exigiu uma reestruturação do mercado. Segundo Sant’Anna (2010), a publicidade visa três objetivos: promover uma ideia na mente do consumidor; despertar o desejo pela coisa anunciada e levar o consumidor ao ato da

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compra. Para que esses objetivos se concretizem, é necessário planejar a propaganda, visando sempre às necessidades e os desejos dos consumidores. Além disso, algumas técnicas auxiliam no poder de eficácia da comunicação e da propaganda, tornando a mensagem da marca mais interessante. Sant’Anna (2010) cita entre elas, o humor. Para ele, o humor vende, pois suaviza a venda do produto. Grandes marcas têm-se apropriado do humor para vender seus produtos e um dos maiores exemplos do mercado são as marcas de cerveja. A narrativa dos comerciais de cerveja segue quase sempre a mesma trajetória: mulheres bonitas e sensuais e uma reunião de amigos, o que acaba resultando em diversão e risadas. Futebol e rivalidades também estão constantemente presentes nesse tipo de propaganda, e o humor nunca fica de fora. Como Sant’Anna (2010) afirmou, o humor suaviza a venda dos produtos. Outra técnica apresentada por Sant’Anna (2010) é a testemunhal, quando os usuários do produto dão testemunho de sua eficiência. A chave desse tipo de comercial é usar pessoas normais, que transmitam sinceridade ao falar do produto. O testemunhal geralmente é utilizado em propagandas de utensílios domésticos, nas quais donas de casa são escolhidas para falar sobre as qualidades do produto. Além do humor e da técnica testemunhal, a criação de um personagem que acompanhe o produto também é considerada uma eficiente técnica de propaganda. Para Sant’Anna (2010), o personagem torna-se um símbolo vivo do produto. Um exemplo disso é o garoto propaganda da Bombril, Carlos Moreno, que empresta seu rosto para a marca desde 1978. A imagem de Carlos ficou tão ligada à empresa que ele é conhecido até hoje como “garoto Bombril”. Outro exemplo recente da utilização de personagem para venda de produtos é o do ator Tony Ramos com a marca Friboi. A empresa afirmou que a primeira propaganda estrelada pelo ator global elevou em 20% as vendas das carnes Friboi. Tony Ramos fez sua primeira aparição como garoto propaganda da marca em 2013, e teve seu contrato renovado em 2015. Para Carrascoza (2012), o mercado deixa de ser apenas um lugar de trocas de mercadorias e passa a ser visto como território de interações, com espaços de escolha e de diálogos entre sujeitos, de satisfação de necessidades materiais e culturais. A partir daí, pode- se identificar o modelo de cultura da convergência, desenvolvida pelo professor americano Henry Jenkins (2008), que a define como um lugar onde as velhas e novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis.

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Devido ao grande sucesso de “Os Simpsons” na maior parte do mundo, é inevitável o surgimento de games, revistas, e até filmes produzidos com os personagens e a temática da série, o que faz com que inúmeros fãs do desenho acompanhem a trajetória dos moradores de Springfield em diferentes plataformas de mídia. Segundo Lagger (2006), “Os Simpsons” já lançaram quatro álbuns e fizeram muito sucesso. As músicas são cantadas pelos dubladores originais da série. No Brasil, o álbum Sing the Blues foi lançado em 1990 e teve até clipe na MTV. Além disso, a série conta com vários jogos, criados em diversas plataformas, inspirados em sua história. Para Irwin, Conard e Skoble (2004), a ficção promove a identificação, como acontece no caso dos personagens Homer e , cujas vidas apresentam semelhanças, ainda que caricaturadas, com a vida de muitos espectadores. Homer é descrito como um indivíduo preguiçoso, beberrão, mas fortemente dedicado à família. Segundo Irwin, Conard e Skoble (2004), Homer exemplifica diferentes tipos de caráter, dependendo da área da vida em que se levanta a questão. Marge Simpson é descrita como mãe e dona de casa exemplar, sempre disposta a cuidar dos filhos e do marido. Irwin, Conard e Skoble (2004) descrevem o relacionamento das pessoas com personagens fictícios como uma “representação empática” em que os leitores ou espectadores simulam os estados emocionais e intelectuais dos personagens específicos. Dessa forma, é provável que um fã assíduo da série, imagine, corriqueiramente, como se sentiria Homer em determinada situação, ou o que faria em outra. Os autores continuam afirmando que as ficções encorajem a identificação com personagens específicos, projetando-nos imaginariamente para dentro do mundo deles, jamais se poderá ser esses personagens ou entrar nesses mundos. Neste cenário, qualquer objeto que exista somente no universo da série e que passe a ser materializado no mundo real deve gerar enorme sucesso entre os fãs. Para Jenkins (2008, p. 145), há na indústria cultural “um forte interesse em integrar entretenimento e marketing, em criar fortes ligações emocionais e usá-las para aumentar as vendas”. Nesse sentido, o marketing desvia a atenção do consumidor da identidade do produto para as narrativas da marca. O autor diz ainda que a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros.

Atenção, Interesse, Desejo E Ação: O Modelo AIDA

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Para entender o processo de compra do consumidor e a influência da comunicação, é importante ressaltar o modelo atenção, interesse, desejo e ação (AIDA). Criado por St. Elmo Lewis em 1898, o modelo tinha o intuito de descrever as motivações básicas que leva alguém a optar por uma determinada marca. Por meio das palavras atenção, interesse, desejo e ação, o modelo AIDA, determinou uma série de passos que descrevem o processo que um comprador de um determinado produto passa antes de fechar a compra final (SERRANO, 2006). Quando o consumidor está escolhendo um produto, é importante que a marca chame a sua atenção, para assim despertar seu interesse pelo produto, e instigar um desejo, uma necessidade por aquele item que o leve para a ação, que é a finalização da compra. Este é um dos principais métodos aplicados pelas empresas que investem em marketing, devido a sua clareza e eficiência. Atualmente uma nova palavra tem sido inserida no modelo, a satisfação, que surgiu para retratar o pós venda. A satisfação depende do desempenho do produto referente à expectativa do consumidor, que avalia formal e informalmente o resultado da compra para assim definirem-se satisfeitos ou não. Aldrighi (1995) fala também sobre as três dimensões do conceito de atitude que levam o consumidor ao comportamento de compra: A dimensão cognitiva diz respeito a conhecimentos, crenças e informações que um indivíduo adquire sobre determinado objeto. Já a dimensão afetiva se relaciona com toda a sorte de sentimentos que esse determinado objeto desperta no indivíduo. E por último, a dimensão conativa, que está ligada à predisposição que o indivíduo tem para agir em relação a esse objeto. Esse modelo sugere que a propaganda age de forma persuasiva sobre o consumidor, fazendo com que este tenha atitudes e pensamentos favoráveis a um determinado produto. Quando a publicidade é bem executada, ela estará automaticamente, levando o consumidor ao ato da compra.

Convergência E Transmídia

Quando se fala em transmídia, refere-se ao uso de diversas mídias para contar uma história ou transmitir uma mensagem a um determinado público. Segundo Massarolo (2010), um produto transmídia requer por parte de grandes conglomerados audiovisuais, estratégias para a criação de universos narrativos expandidos, produzidos em múltiplas plataformas e distribuídos pela multicanalidade, estimulando, além disso, a produção de conteúdos por parte do consumidor.

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A narrativa transmidiática é a arte da criação de um universo. Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica (JENKINS, 2008, p. 47).

Em outras palavras, a narrativa transmídia é uma história que usa um meio para contar o primeiro capítulo, outro meio de comunicação para contar o segundo capítulo e uma terceira mídia para o seguinte, e assim sucessivamente. Embora o termo “transmídia” já exista há alguns anos, atualmente, ele apresenta maiores recursos para transpor sua mensagem, uma vez que se vive na era da internet, onde as mídias sociais possuem um papel de grande relevância para a disseminação da informação. Pode-se citar como exemplos clássicos de transmídia: games que viraram filmes, blogs de personagens de novelas ou seriados feitos para criar interação com o público e, certamente, a famosa cerveja Duff do seriado "Os Simpsons" que é o objeto de estudo deste trabalho.

No ambiente transmidiático as pessoas se envolvem progressivamente com mais conteúdos do que com formatos ou canais – grupos musicais, telenovelas ou times de futebol favoritos, onde quer que se encontrem, em qualquer meio ou plataforma (LOPES, 2013, p. 34).

Sendo assim, o processo transmidiático se configura como um elo entre as mídias, permitindo que o público crie uma relação mais profunda com os seus objetos de interesse, seja ele um jogo, uma série ou até mesmo um personagem. A incorporação de um mesmo produto em diferentes plataformas acompanhado da participação ativa do público pode ser chamada também, de transmediastorytelling. Por definição, o termo significa contar uma história por meio de vários meios de comunicação, preferencialmente, com um grau de participação do público, interação ou colaboração. Jenkins (2008) cunhou o termo transmediastorytelling, que nos países de língua inglesa significa ‘o ato de contar histórias por meio de várias mídias’, sendo traduzido para o português como ‘narrativa transmídia’. Segundo Massarolo (2014), o storytelling é um dos fenômenos mais significativos da ecologia de mídia contemporânea, e a apropriação de suas técnicas pelas empresas de marketing para reconfiguração da narrativa das marcas contribui para os novos arranjos econômicos com base nos processos sinérgicos entre as várias unidades de negócio que compartilham a propriedade intelectual.

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Outro conceito que caminha ao lado de transmídia é a convergência. Para falar de convergência, é preciso falar de Jenkins. Para Jenkins (2008), convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. Para Massarolo (2014), as mudanças tecnológicas, comunicacionais, históricas e culturais, que foram geradas pela cultura da convergência afetaram não somente o modelo de negócio da mídia convencional, mas o próprio ambiente de mídia, provocando modificações que prepararam o cenário para o surgimento de novas formas de entretenimento para multiplataformas, que se utilizam principalmente da televisão, internet e dos dispositivos móveis para produção e circulação de conteúdos. O seriado norte-americano “Os Simpsons” pode ser descrito como parte integrante da cultura da convergência. Para Irwin, Conard e Skoble (2004), muitos americanos e não americanos estão familiarizados com a série, já que o desenho é exibido em vários países. Quer a pessoa goste do programa quer não, a sua popularidade e longevidade o tornaram parte da cultura contemporânea. Ainda segundo Jenkins (2008), as mídias corporativas reconhecem o valor e a ameaça da participação dos fãs. Produtores e anunciantes falam hoje das “lovemarks”, reconhecendo a importância da participação do público em conteúdos de mídia. Os consumidores estão usando a internet para se envolverem com o que admiram. O autor mostra que, na internet, há várias comunidades que promovem extensões de obras com histórias continuadas pelos próprios fãs. Trata-se de extensões da vida cotidiana dos heróis, em que os fãs criam novos episódios, a maioria em que eles próprios tornam-se parte da história.

A Materialização Da Duff

Em 2004, o empresário mexicano Rodrigo Contreras, movido pelo desejo de tornar real um produto tão aclamado pelos telespectadores, iniciou o processo de materialização da cerveja Duff. O lançamento do produto idealizado por Contreras aconteceu em 2006. A cerveja teve tão grande aceitação no mercado que pessoas do mundo todo queriam experimentá-la, o que resultou no interesse de potenciais parceiros e investidores. A cerveja, que não possui nenhum vínculo com a Fox, detentora dos direitos autorais de “Os Simpsons”, tem uma fórmula diferente em cada parte do mundo onde é comercializada. A cervejaria descobriu, por meio de grupos focais, que o nome Duff tinha um apelo muito forte junto ao consumidor. A marca foi tão bem reconhecida, que a cervejaria

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dificilmente teria que anunciar o produto, uma vez que este dispunha de publicidade espontânea semanalmente dentro do seriado. O nome da cerveja preferida de Homer Simpson foi inspirado no ex-baixista da banda Guns n’Roses, Duff McKagan que, na década de 1980, no auge da banda, era conhecido e apresentado ao público como Duff “The King of Beers” McKagan, devido ao seu estereótipo de clássico beberrão americano. Para o cartunista e idealizador da série, , o nome da cerveja veio de uma proposta monossilábica, como Bud, uma cerveja real muito popular nos Estados Unidos (ZURWELLEN, 2015). Atualmente, a Duff é comercializada de maneira oficial somente nos parques temáticos da Universal Studios Hollywood, em Los Angeles. É possível encontrar o produto em sites especializados e cervejarias da Alemanha, Bélgica e outros países europeus onde não houve decisão judicial a favor da Fox. Depois de ser consumida na Europa e em diversos países da América, a cerveja Duff chegou ao Brasil pelas mãos de Gustavo Mejia e Conrado Kaczynski. O lançamento oficial da Duff no país foi no dia 17 de novembro de 2011, em São Paulo, sendo produzida pela cervejaria catarinense SaintBier. A partir desse momento, a cerveja passou a ser distribuída em 30 bares e pubs da cidade de São Paulo, sendo comercializada no restante do Brasil apenas pela rede de quiosques do shopping Mr. Beer. Enquanto no seriado, a cerveja é barata e aparentemente ruim, no Brasil ela é premium e custa em torno de R$ 8,00 e R$ 10,00. A inspiração do sabor da cerveja vem de uma receita internacional padronizada, porém adaptada pela Saint Bier ao paladar brasileiro, seguindo o princípio de uma cerveja puro malte, com os padrões de qualidade alemães, ainda que pouco amarga e de fácil degustação. No segundo semestre de 2012, a distribuição da Duff chegou ao Rio de Janeiro e região serrana, com mais 50 pontos, seguindo a mesma proposta aplicada em São Paulo, que foi de introduzir a marca nos melhores bares e restaurantes, sendo uma nova opção na carta de cervejas. No final de 2012, a Saint Bier introduziu cerca de 50 pontos de venda em Minas Gerais, difundidos por todo o estado a partir de algumas cidades referência, dentre elas: Belo Horizonte, Divinópolis, Pouso Alegre e Poços de Caldas. Neste momento foi feito um investimento em várias ações que buscaram consolidar a presença da marca no país, dentre elas: o pack exclusivo para o Mr. Beer e a edição especial com rótulo verde, comemorativa ao St. Patrick’s Day. Além disso, a Duff foi a bebida oficial nas festas da revista Playboy em São Paulo e Rio de Janeiro, patrocinadora do São Paulo Boteco Week e marcou presença em eventos de grande porte como o Bier Experience e o Oktoberfest.

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Atualmente os melhores sites de comércio de cerveja informam que a Duff está com a venda temporariamente suspensa devido a processos judiciais. Esta informação é veiculada desde o segundo semestre de 2012 (G1, 2012; EXAME, 2011).

Análise De Conteúdo: Inserção Da Cerveja Duff Em Os Simpsons

A cerveja Duff, criada especialmente para o seriado, está presente em os Simpsons desde o primeiro episódio da primeira temporada. A marca, no episódio intitulado “Especial de Natal dos Simpsons”, aparece em um tímido quadro no Bar do Moe e posteriormente, no mesmo episódio, em uma lata da cerveja jogada pelo chão da cidade. Em sua primeira aparição, a nova marca pode ter passado despercebida pelos telespectadores, pois a cerveja apresentada não era conhecida por ninguém. No terceiro episódio da primeira temporada, intitulado “A odisseia de Homer”, um primeiro comercial da Duff é exibido por meio do aparelho televisivo da casa da família Simpson. O comercial foi assistido por Homer, que estava em casa, abatido pelo desemprego quando foi surpreendido pelo anúncio na TV. O anúncio publicitário atinge Homer de forma significativa, motivando o personagem a tomar uma cerveja como solução temporária para seus problemas. Em situações como essa, pode-se notar a familiaridade do momento vivido por Homer com um homem desempregado do mundo real. Muitas vezes, vê-se a procura e a utilização da cerveja para amenizar as frustrações do dia a dia, como foi o caso do personagem. Durante a primeira temporada, um forte trabalho de construção e fortalecimento de marca estava sendo construído pelos autores do seriado, mesmo que esse não fosse o objetivo dos produtores da Fox. No oitavo episódio, intitulado “Conversa Fiada”, uma propaganda da cerveja Duff foi inserida durante a transmissão de um jogo de futebol americano pelo rádio. A marca era patrocinadora do evento, deixando claro a força e a presença da mesma no seriado. No primeiro episódio da segunda temporada, intitulado “Simpson e Dalila”, Homer pede uma lata de cerveja, sem denominar a marca, e é servido com uma Duff, mostrando como a marca está fixada na mente dos moradores da cidade de Springfield. Em outro episódio, o quinto dessa mesma temporada, nomeado de “Dança do Homer”, um vendedor ambulante oferece “Duffbeer” a todo o público durante um jogo no estádio da cidade. Ainda na segunda temporada, a família Simpson conhece a sede da cervejaria Duff, que contém em sua fachada o slogan “A maravilhosa Duff nunca é demais”. A cerveja aparece também, durante o almoço de Ação de Graças, importante data comemorativa para os

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cidadãos norte-americanos e Homer degusta uma cerveja Duff, evidenciando a presença da marca em datas especiais da família. A marca foi diversas vezes mencionada e retratada durante as primeiras temporadas, fazendo com que o público da série se sentisse cada vez mais familiarizado com o novo produto. Os anos passam e a série se torna cada vez mais famosa e, junto dela, a Duff conquistou lugar de destaque. No décimo quarto episódio da décima temporada, intitulado “Estou com o Cupido”, uma corrida de carros acontece em Springfield, onde um dos corredores do evento esportivo é patrocinado pela marca Duff. Seu carro, seu uniforme e a roupa dos mecânicos são estampados com a logo da cerveja, evidenciando como a marca cresceu e se consolidou dentro do seriado. No décimo sexto episódio da mesma temporada, a família Simpson vai ao festival de chopp da Duff. O festival é todo realizado pela empresa de bebidas e conta com um recepcionista vestido como uma garrafa da Duff, além da presença do , personagem criado para o seriado como garoto propaganda da marca. Na décima segunda temporada, no décimo quinto episódio, intitulado de “Homer faz greve de fome” toda a força da cerveja Duff é mostrada. A empresa compra um time e um estádio de beisebol e todo o enredo do episódio se desenrola a partir disso. Em “Todo pai tem uma juíza que é uma fera”, segundo episódio da décima terceira temporada o personagem Moe abra um novo bar, com um novo conceito, tentando tirar todo o aspecto de sua antiga taverna. Homer Simpson vai até o novo local e a primeira coisa que pede é uma Duff. O proprietário Moe informa que não vende mais a marca de cerveja, e que agora oferece uma cerveja diferente, fabricada a partir da soja, onde Homer logo exclama: “Tudo bem, mesmo assim me dá uma Duff”. Nesse momento, pode-se observar a fidelização do personagem com a marca Duff, mesmo com a oferta de uma nova cerveja, ele não abre mão da sua bebida favorita. A série continuou a ser produzidas e a cerveja Duff não perdeu seu espaço, sendo cada vez mais inserida no dia a dia dos moradores de Springfield. No primeiro episódio da vigésima temporada, intitulado “Sexo, Espiões e Caça Idiotas”, o personagem estereotipado como o bêbado da cidade, Barney, aparece recolhendo latinhas da Duff próximo a rodovia e bebendo o restante de cada lata. Ao avistar o professor Skinner, atrapalhado diretor da escola onde Bart e Lisa estudam, atravessando a estrada em busca de gasolina, ele tem uma alucinação que o personagem é uma garrafa de Duff gigante e o persegue exclamando que “vai enxugá-la toda”. A cena demonstra o desejo insano pela bebida.

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No sétimo episódio da mesma temporada, Homer em uma de suas atitudes atrapalhadas explode, sem querer, a ponte que dá acesso à fábrica da Duff localizada do outro lado do rio que corta Springfield. Os caminhões carregados de da cerveja caem na água e Homer pula no rio para salvar a carga. O acontecimento mostra ainda melhor o desejo que o personagem possui pelo produto Duff. Isto evidencia a adoração de Homer pela cerveja quando, no nono episódio da vigésima temporada, o personagem diz que vai escrever um livro a partir de suas experiências de vida, imaginando tudo que vê a sua frente como as coisas que mais gosta. Sua família se transforma em comida e sua esposa Marge é imaginada como uma garrafa de Duff. A fidelização dos personagens da série com a marca Duff fica explícita no décimo quarto episódio da vigésima terceira temporada, intitulado “Ausência Prolongada”. Nele, a família Simpson é expulsa da cidade de Springfield. Homer e Marge decidem invadir a cidade durante a noite para matar a saudade de tudo que eles mais gostavam no município. Depois de jogar uma partida de boliche, eles se sentam para admirar uma visão panorâmica da cidade enquanto ambos tomam uma garrafa de Duff, mostrando que eles estão matando a saudade não só da cidade, mas também da sua bebida preferida.

Considerações Finais

Antes de ser comercializada no mundo real, a cerveja Duff já apresentava, dentro do seriado, características consideradas como eficientes técnicas de propaganda, e que certamente podem ter levado ao sucesso do produto fora das telas, como por exemplo, a criação do Duff-Man, o garoto propaganda da cerveja que acompanha o produto desde a primeira temporada. A cerveja aparece diversas vezes dentro da trama e seu crescimento ao longo das temporadas é nítido. De um tímido quadro no bar do Moe, a Duff passa a integrar importantes festas da família Simpson e chega a ser patrocinadora de grandes eventos, tendo episódios inteiramente voltados a ela. É importante ressaltar que, após a comercialização da cerveja no mundo real, em 2006, os produtores da série não deixaram de dar destaque à marca. A partir daí, cada inserção da cerveja no seriado pode ser caracterizada como merchandising, mesmo que os criadores da série não obtenham lucros sob a venda das cervejas. Além disso, o produto sempre aparece dentro de um contexto humorístico, o que se configura como mais uma eficiente técnica de propaganda.

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Além do Duff-Man, Homer Simpson também pode ser considerado como garoto propaganda da cerveja Duff, visto que este é o consumidor mais assíduo do produto dentro da série. Embora a cerveja não seja licenciada pelos produtores de “Os Simpsons”, é inevitável que os fãs do desenho se lembrem da série ao ver um frasco da cerveja exposto em uma prateleira de supermercado. A associação é quase imediata, já que a cerveja utiliza além do nome, a mesma identidade visual, cor e tipografia da Duff do desenho. A imagem da cerveja, associada ao hábito de consumo do personagem pode gerar grande identificação com o público. Para Irwin, Conard e Skoble (2004), a ficção promove a identificação, como acontece no caso dos personagens Homer e Marge Simpson, cujas vidas apresentam semelhanças, ainda que caricaturadas, com a vida de muitos espectadores. Os conflitos vivenciados pelos personagens dentro da série podem acontecer, na maioria das vezes, com qualquer pessoa, e são esses detalhes que prendem o telespectador à história. A proximidade entre a marca Duff e Homer Simpson faz com que os consumidores associem a imagem da cerveja como sendo a preferida do personagem, e consequentemente, desejem experimentá-la. A transição da Duff para o mercado se encaixa no que Jenkins (2008) define como narrativa transmídia. Para o autor, se trata de um processo em que elementos da ficção são dispersos sistematicamente por meio de múltiplos canais de distribuição, com o propósito de criar uma experiência de entretenimento unificada e coordenada. Como os games, as histórias em quadrinho, os vídeos, aplicativos e outros tantos artefatos que foram criados com base na história dos Simpsons, a comercialização da Duff pode ser vista como resultado também da participação dos fãs no ambiente interativo e da narrativa transmídia, onde uma experiência complementa a outra. É importante ressaltar que a série atinge não somente o público infantil, mas também os adultos, que gostam e se identificam com os personagens principais do desenho, como já foi dito anteriormente. A cerveja Duff sai das telas e entra no mercado com grande aceitação do público, além de desfrutar da mídia espontânea gerada pela inserção dos quadros e da cerveja em si, que continua aparecendo com a mesma frequência dentro do seriado. Um produto como a cerveja, que possui baixo envolvimento com o consumidor, acaba se tornando de alto envolvimento por meio do seriado, que atrai um vasto número de fãs ao redor do mundo. A forma como a Duff é inserida no seriado, galga as principais etapas descritas no comportamento do consumidor, despertando a atenção do público quando a marca aparece repetidas vezes dentro da narrativa; o interesse, no momento em que a marca cresce, e passa a ter uma participação significativa na trama; o desejo, quando o produto sai

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das telas para as prateleiras de supermercado, e finalmente, a ação, quando se dá o ato do consumo, configurando assim, o modelo AIDA. De forma geral, o caso Duff tem todas as prerrogativas de um lançamento de produto, passando de um produto desconhecido para um produto conhecido, amado e consumido, da atenção à marca para a ação/consumo do produto, dentro dos moldes convencionais publicitários, mas que neste caso foi feito exatamente de “trás para frente”, de dentro da ficção para a realidade.

REFERÊNCIAS

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