CEL INF DOUGLAS FERNANDES DE OLIVEIRA AMARAL

A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO FEDERAL DO BRASIL E AS SUAS FORÇAS ARMADAS (1985 – 2019): REFLEXOS NOS CAMPOS DOS PODERES POLÍTICO E MILITAR.

Trabalho de Conclusão de Curso – artigo científico – apresentado à Comissão de Avaliação de TCC da Escola Superior de Guerra, como exigência parcial para obtenção do certificado de Especialista em Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientadora: Prof.º Dr. Gilberto de Souza Vianna

Rio de Janeiro 2019

C2019ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná- los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG

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DOUGLAS FERNANDES DE OLIVEIRA AMARAL

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A485r Amaral, Douglas Fernandes de Oliveira

A relação entre o Governo Federal do Brasil e as suas Forças Armadas (1985-2019): reflexos dos campos do poder político e militar / Douglas Fernandes de Oliveira Amaral. - Rio de Janeiro: ESG, 2019. 81 f.

Orientador: TC EB (R1) Gilberto de Souza Vianna

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2019.

1. Brasil – Forças Armadas – Atividades políticas. 2. Brasil – História – Política e governo –- 1985-2019. 3. Segurança nacional – Brasil. 4. Brasil - História militar. I. Título.

CDD – 981.06

Elaborada pelo bibliotecário Antonio Rocha Freire Milhomens – CRB-7/5917

RESUMO

O trabalho versa sobre a Relação do Governo Federal e suas Forças Armadas no período de 1985 a 2019, com reflexos nos campos do Poder Político e Militar. O objetivo geral desta pesquisa é analisar as relações entre as partes no período. A metodologia adotada foi pesquisa bibliográfica e documental, base do referencial teórico do trabalho. A coleta de dados referente à pesquisa bibliográfica realiza-se por meio de consultas à biblioteca da Escola Superior de Guerra e escola de Comando e Estado-maior do Exército, a páginas eletrônicas diversas. Ao longo do Desenvolvimento analisam-se as relações dos presidentes (José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro) com os ministros e comandantes da Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Aeronáutica. Na Conclusão, observa-se que o relacionamento dos Presidente da República e seus comandantes militares é fundamental para estabilidade do País, com base no histórico de cada Comandante Supremo, a integração com os militares e o período no qual governou o Brasil. Palavras-chave: Defesa Nacional. Forças Armadas (Brasil). Presidentes - Brasil.

ABSTRACT

The paper deals with the Relation of the Federal Government and its Armed Forces from 1985 to 2019, with repercussions in the fields of Political and Military Power. The general objective of this research is to analyze the relations between the parties in the period. The methodology adopted was a bibliographical and documentary research, base of the theoretical reference of the work. The collection of data concerning bibliographic research is carried out through consultations with the library of the Superior School of War and the School of Command and Staff of the Army, to various electronic pages. Throughout the development, the relations between the presidents (José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer and Jair Bolsonaro) were analyzed with the ministers and commanders of the , Brazilian Army and Aeronautics. In Conclusion, it is observed that the relationship of the President of the Republic and his military commanders is fundamental for the stability of the Country, based on the history of each Supreme Commander, the integration with the military and the period in which he ruled Brazil. Keywords: National Defense. Armed Forces (Brazil). Presidents - Brazil.

Ao meu Deus pelas bênçãos ao longo de minha vida, bem exemplificadas na Família e Amigos, sem os quais não poderia conquistar e manter os objetivos pessoais e profissionais.

AGRADECIMENTOS

Aos meus amados pais, que abdicaram de conforto em benefício da educação de seus três filhos, os quais são oficiais do Exército Brasileiro, instituição capital na História, Desenvolvimento e Defesa do Brasil. Aos meus amados e exemplares irmãos, os quais são modelares em seus desempenhos profissionais e pessoais, servindo-me de guia em minhas ações. Ao meu amado filho Salomão, futuro médico, evolução e futuro do continuado sucesso da família Amaral. À minha amada Priscila, segurança firme e inconteste nas horas incertas, estando presente ao meu lado em todos os momentos, apoiando-me em tempos por vezes tortuosos, garantindo a alegria para seguir em frente sempre. Ao Irmão e Amigo, Profº Dr. Vianna, que prontamente aceitou a tarefa de me orientar, corrigir e sugerir aperfeiçoamentos neste trabalho, sem o que não poderia lograr a conquista. TFA:.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………….06 2 REFERENCIAL TEÓRICO……………………………………………….09 3 TRANSIÇÃ DO GOVERNO FIGUEIREDO À NOVA REPÚBLICA....11 4 GOVERNO DE JOSÉ SARNEY...... 20 5 GOVERNOS DE FERNANDO COLLOR E DE ITAMAR FRANCO....35 6 GOVERNO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO...... 48 7 GOVERNO DE LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA...... 58 8 GOVERNOS DE DILMA ROUSSEFF E DE MICHEL TEMER...... 67 9 GOVERNO DE JAIR BOLSONARO...... 75 10 CONCLUSÃO...... 77 REFERÊNCIAS...... 80

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1 INTRODUÇÃO

José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (José Sarney), nascido em 24 de abril de 1930, em Pinheiro-MA, iniciou seu mandato presidencial em 15 de março de 1985, finalizando o período de 21 anos nos quais a República Federativa do Brasil esteve sob a Presidência contínua de cinco oficiais-generais de Exército Brasileiro durando de 1964 a 1985. Desde então, 34 anos se passaram até os dias atuais. Um total de oito presidentes civis, eleitos de forma indireta ou direta, foram Comandantes-em-Chefe dos militares das Forças Armadas. Nesse período (1985 a 2019), em diversas oportunidades o chefe do Poder Executivo agiu após consulta aos comandantes das Forças Singulares para resolução de questões vinculadas ao Desenvolvimento, Segurança e Defesa do País. Seja da aquisição de Produtos de Defesa ao emprego de tropas em Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e de Garantia da Votação e Apuração, bem como o envio de Contingentes para missões sob égide da Organização das Nações Unidas (ONU) ou Organização dos Estados Americanos (OEA). Na seara estritamente política, o Brasil vivenciou dois processos de impeachment e uma condenação criminal de ex-presidente, eventos que suscitaram – não apenas no chefe do Poder Executivo, mas também dos outros dois Poderes - interesses sobre o posicionamento dos militares. E a despeito de José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer terem sido originalmente eleitos vice-presidentes e assumido a Chefia do Poder Executivo Federal pela impossibilidade dos titulares, por morte ou processo de Impeachment, seus governos estabeleceram contatos mais ou menos próximos à caserna, que manteve e, ao que parece, até mesmo fortaleceu seu protagonismo ao apoiar a governabilidade em situações recentes de instabilidade política. Nesse contexto, a proposta principal de nossa pesquisa é analisar como se deu a relação entre os chefes do Poder Executivo e as Forças Armadas entre 1985 e 2019, discutindo pontos positivos e/ou negativos e seus efeitos nos campos dos poderes político e militar. A questão fundamental da pesquisa a ser desenvolvida é quais aspectos positivos e/ou negativos no relacionamento entre os Chefes do Poder Executivo e as 6

Forças Armadas brasileiras, e seus efeitos nos campos dos poderes político e militar, durante o período compreendido entre 1985 e 2019. Com vistas a responder essa questão, tem-se como objetivo final deste trabalho analisar o relacionamento entre os chefes do Poder Executivo e as Forças Armadas no período de 1985 a 2019, assinalando fatos positivos e/ou negativos e seus efeitos nos campos dos poderes político e militar. Para tanto, objetiva-se, de forma intermediária: apontar a literatura pertinente ao tema relação civil-militar no Brasil, com foco no relacionamento entre o chefe do Poder Executivo e as Forcas Armadas, no período entre 1985 e 2019; identificar e demonstrar aspectos positivos e/ou negativos no relacionamento entre o Poder Executivo, na pessoa do Presidente da República, e as Forças Armadas no período entre 1985 e 2019; e analisar os reflexos do relacionamento entre o chefe do Poder Executivo e as Forças Armadas nos campos do poder político e militar entre 1985 e 2019. Delimitado ao período de 1985 a 2019, frise-se inicialmente que a presença das Forças Armadas nos campos político e militar do poder no Brasil remontam à chegada da Família Imperial em 1808, perpassam a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) e ficam bem caracterizadas na Proclamação da República, sendo o primeiro Presidente da República o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, sucedido por outro militar de mesmo posto, Floriano Vieira Peixoto. Mesmo após a posse do primeiro civil no cargo de Presidente da República, Prudente de Moraes, o Poder Executivo Federal mantinha laços constantes com os militares, haja vista terem assegurado, como exemplo, a posse e manutenção de Getúlio Vargas (que perdeu o apoio dos militares em 1945 e em 1954, ano em que cometeu o suicídio). Vargas tinha entre os seus mais próximos e fiéis seguidores o Vice-Presidente João Goulart, depois eleito presidente no triênio 1961-1964. Com a saída de Goulart, o Brasil vivenciou um período de 21 anos (1964-1985) sob a presidência sucessiva de cinco generais, eleitos pelo Congresso Nacional. A assunção de José Sarney em 15 de março de 1985, quando inicia a chamada Nova República, efetivou o término do ciclo conhecido como Regime Militar, propondo, a partir de então, novos modelos de relacionamento civil-militar. Sem dúvida, alguns importantes fatos políticos permearam esses 34 anos (1985- 2019) de relacionamento entre o Governo Civil e as Forças Armadas, tais como a promulgação da Constituição Federal de 1988, as oito eleições presidenciais; dois processos de impeachment; criação do Ministério da Defesa (MD), publicação da 7

Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END), publicação do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), criação de projetos e programas militares vultosos, e participação e liderança brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). É possível assinalar que - em que pese a adoção de novos modelos de relacionamento civil-militar a partir de 1985 - as Forças Armadas, mesmo afastadas da cena política, se mantiveram como ponto focal de atenção por parte de políticos, legisladores e estudiosos – mas sobretudo por parte dos Presidentes, cujo modelo de relacionamento com o Poder Militar e seus efeitos é o objeto do presente estudo. Os cinco campos do poder (Político, Militar, Econômico, Psicossocial e Científico-Tecnológico) abrangem de forma ou outra todos os fatos ou atos históricos de qualquer país. Este é o caso do Brasil, quinto mais extenso território do mundo e com Produto Interno Bruto (PIB) estabelecido entre os 10 maiores do Planeta, cuja população é de cerca de 210 milhões de pessoas. O Brasil também possui um dos mais elevados efetivos militares da América Latina. Todas essas características tornam o país relevante no contexto das nações representadas na Organização das Nações Unidas (ONU), e, portanto, fatos relacionados aos cinco campos do poder no Brasil, destacando-se aqui o militar e o político, também refletem nas relações internacionais. Em âmbito doméstico, o campo do Poder Militar e suas imbricações com o Poder Político possui relevância acadêmica por uma série de fatores. Em termos econômicos, o Orçamento da União prevê volume de recursos para o Ministério da Defesa em 2019 na ordem de R$ 104 bilhões, quarto maior valor de repasses do Governo Federal. Em que pese cerca de 80% das despesas ser dispensada ao pagamento de pessoal, os outros 20% destinam-se ao custeio e aos investimentos. Em termos políticos, os altos índices de confiabilidade das Forças Armadas junto aos brasileiros são atrativos aos políticos, que solicitam apoio da Marinha, Exército e Força Aérea para auxiliarem particularmente no desenvolvimento nacional, vide o Programa Calha Norte, a criação e evolução da EMBRAER (líder na indústria aeroespacial e de defesa na América Latina), as obras de cooperação ao Estado pela Engenharia do Exército, a destinação de diversas compras pelo Governo Federal no PAC Equipamentos - que destinou grandiosa quantidade de caminhões às Forças, colaborando para o desenvolvimento, segurança e defesa ao 8

estimular a indústria nacional, gerando empregos e mitigando questões que limitavam a mobilidade das tropas, particularmente da Força Terrestre. A importância do presente estudo é ainda mais evidenciada ao destacar-se que as Forças Armadas brasileiras, mesmo após o fim do Regime Militar, mantiveram-se como atores lembrados e solicitados a se posicionarem ou se fazerem presentes, seja na cena política seja colaborando com a segurança, a defesa e o desenvolvimento nacionais. E até mesmo antes do Brasil Imperial, quando, por exemplo, brancos, negros e índios se uniram na expulsão dos holandeses em 1648, ano de criação do Exército Brasileiro. Para observar os aspectos e as consequências desse convívio entre o militar e o político, ou, mais estritamente, entre os Presidentes do Brasil e as Forças Armadas, torna-se imperioso estudar os campos dos poderes político e militar no período de 1985 a 2019, o relacionamento entre ambos e seus efeitos na sociedade brasileira. Lições podem ser depreendidas levantando-se dados e analisando-se conhecimentos da História que conecta diretamente Governo Federal e Forças Armadas. Há considerável relevância no assunto em razão de serem as Forças Armadas instituições rotineiramente presentes na História Nacional, estando permanentemente vinculadas à estabilidade política, ao desenvolvimento e à defesa, cumprindo suas missões constitucionais e sendo observadas pela sociedade e em particular pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A importância de como de como houve a transição do Governo que findou o ciclo iniciado em 1964 é essencial para se analisar os fatos ocorridos entre 1985 e 2019, quando militares - bem personificados na pessoa do ministro do exército do Governo Sarney, General de Exército Leônidas Pires Gonçalves – foram fundamentais para que houvesse a necessária estabilidade institucional garantidora do pleno funcionamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso ficou patente por ocasião das eleições de 1989 e posteriores, bem como por ocasião dos dois processos de Impeachment (Presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff). Nesses fatos históricos ficou clarividente que o Brasil tem solidez suficiente para transpor obstáculos se interponham em seu caminho, sendo as Forças Armadas instituições, de 1889 a 2019 fiadoras do desenvolvimento nacional, da segurança, da defesa externa e da paz interna, fazendo-o sempre que demandada pela nação, conforme se observará neste trabalho. 9

2 REFERNCIAL TEÓRICO

O momento político atual do Brasil, quando divergências ideológicas alcançam níveis elevados, faz com que se busque verificar origens do sistema político-eleitoral nacional, fica bem definido por Sérgio Abranches na obra “Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro” (2018). Na Primeira República (1889-1930), as guardas nacionais eram mais numerosas que as Forças Armadas. Na Segunda República (1946-1964), na ausência de um mecanismo institucional de mediação, conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo eram solucionados pelo veto militar. Na Terceira República (1988-atual), frisa o autor que, mercê da greve dos controladores do tráfego aéreo, houve mudança do ministro da Defesa, desmilitarizando o controle daquele tráfego, desagradando a Aeronáutica. O autor Plínio Fraga, no livro “Tancredo Neves, o príncipe civil” (2017) deixa patente a influência definitiva na pessoa do General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, como ministro nomeado para que houvesse a posse do Presidente José Sarney, eleito Vice-presidente de Tancredo Neves, que fora impedido, por problemas nosológicos de assumir a Presidência em 15 de março de 1985, restando ao político do Maranhão ser empossado mediante garantia do General-de-Exército Leônidas, antigo estagiário da Escola Superior de Guerra (ESG), assim como o ex- governador mineiro. Davi Maciel, em sua obra “De Sarney a Collor: reformas políticas, democracia e crise (1985 a 1990)” (2012), cita o autor que Tancredo Neves, eleito presidente, defendia o “não-revanchismo” em relação aos governos militares, frisando, ainda que a posse de Sarney foi assegurada pela intervenção direta do General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, nomeado ministro do Exército na Nova República, a qual foi caracterizada pelo elevado número de greves. Àquela época, cita Maciel, a proposta de criação de um Ministério da Defesa foi derrotada por pressão dos militares O jornalista Luiz Maklouf Carvalho em sua obra “1988: segredos da constituinte. Os vinte meses que agitaram e mudaram o Brasil” (2017) cita a possibilidade de “golpe militar” caso fosse prevista na Constituição Federal de 1988 que os militares não pudessem intervir na ordem interna, conforme as palavras de José Sarney em entrevista presente no livro. Outra personalidade ouvida naquela 10

obra, o General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, cita sua influência para que o texto estivesse conforme as necessidades das Forças Armadas. Na análise do 1º mandato do presidente Fernando Henrique, o professor Jorge Zaverucha em seu livro “FHC, Forças Armadas e polícia: entre o autoritarismo e a democracia (1999-2002)”(2005) frisa a estreita ligação entre presidentes da República e Forças Armadas, apresentando, como exemplo, o fato de os chefes do Poder Executivo promoverem fielmente desde 1985 a lista de oficiais propostos à promoção a oficial general. Apresenta dados orçamentários nos quais afirma que o Brasil se destaca na América do Sul com aumento dos efetivos militares, citando ainda a criação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), bem como do Ministério da Defesa. Os autores Héctor Luís Saint-Pierre e Marina Gisela Vitelli organizaram a obra “Dicionário de Segurança e Defesa” (2018), na qual diversos especialistas descrevem 98 verbetes, tecendo comentários que abrangem aspectos nacionais e internacionais, chamando a atenção quando menciona o baixo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Relevante contribuição para este estudo é a leitura da obra do ex-ministro da Defesa e também das Relações Exteriores Celso Amorim, que no livro “A grande estratégia do Brasil: discursos, artigos e entrevistas da gestão no Ministério da Defesa (2011-2014)” (2016), abordando diversos temas. Com vistas a verificarmos o planejamento, a execução e o desenvolvimento dos programas e projetos destinados às Forças Armadas, torna-se mister analisar a “Mensagem ao Congresso Nacional”, oriunda da Presidência da República, no período de 1985 a 2019, verificando as lições positivas e negativas nessas três décadas. A Política de Nacional de Defesa (PND) (2016), a Estratégia Nacional de Defesa (END) (2016) e o Livro Branco de Defasa Nacional (LBDN) (2016) são fundamentais para elaboração do presente trabalho, haja vista suas importâncias, estando em sua terceira versão, conforme calendário de atualização quadrienal. Um novo governo emergiu com a eleição do Presidente Lula, que teve como um de seus principais assessores o então ministro chefe da Casa Civil José Dirceu de Oliveira e Silva, que escreveu Memórias-Livro 1 (2018), citando aspectos importantes que podem nortear este trabalho no que tange a temas voltados às Forças Armadas e o Presidente da República. 11

3 TRANSIÇÃO DO GOVERNO FIGUEIREDO À NOVA REPÚBLICA

O trabalho a ser apresentado tem como mote aqueles que têm sido há séculos protagonistas na História Nacional, quais sejam os militares e os governantes, anteriormente imperadores lusitanos (D. João VI) e aqueles que se estabeleceram no Brasil (D. Pedro I e D. Pedro II). Seguindo-se a esses, o primeiro Presidente dos Estados Unidos do Brasil em 1889 foi militar, o marechal Manuel Deodoro da Fonseca, seguindo-se de seu vice-presidente, outro profissional das Armas, o marechal Floriano Vieira Peixoto. Conforme apresenta ABRANCHES, já ao final do século XIX, as relações entre militares e Poder Legislativo se estabeleceram: Na instalação da Assembleia Constituinte, convocada por Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, Prudente de Morais, federalista e ex- presidente de São Paulo, foi eleito para presidi-la. Promulgada a Constituição, em 24 de fevereiro de 1891, coube a ela eleger o primeiro presidente da República. Candidataram-se Prudente de Morais e Deodoro da Fonseca. Deodoro foi eleito primeiro presidente do Brasil, por 129 votos contra 97 dados a Prudente. Floriano Peixoto, companheiro de chapa de Prudente, foi eleito vice-presidente, com 153 votos. O almirante Eduardo Wandenkolk, companheiro de chapa de Deodoro, teve 57 votos. A primeira medida da Assembleia no novo regime constitucional, que continuou sob a presidência de Prudente de Morais, foi rever o projeto da Constituição do governo, para diminuir o mandato presidencial de seis para quatro anos. Deodoro se opôs. O desencontro entre a Presidência do Legislativo e a Presidência da República marcou o início da ruptura nas relações Executivo-Legislativo. Rupturas desse tipo levaram, em toda a nossa história, à deposição do presidente, ou ao autoritarismo. (2018, p.29-30)

Ao longo o século XX, outros militares foram eleitos para a Presidência da República, caso do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1910-1914), sobrinho do marechal Deodoro, e do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), sucessor do presidente Getúlio Dornelles Vargas, cabendo ressaltar da importância do apoio deste e do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro para sua assunção e sua manutenção no governo, o qual se encerraria em 1945, após longos 15 anos. Retornando ao cargo após sufrágio eleitoral, permaneceu no período de 1951 a 1954, quando se suicidou frente a acontecimentos de vulto, como o atentado perpetrado contra o deputado federal Carlos Frederico Werneck de Lacerda, no qual foi abatido o Major da Força Aérea Brasileira Rubens Florentino Vaz. Cumpre destacar tal a relevância dos militares que cita ABRANCHES, naquilo que definiu como Segunda República (1946-1964): [...] A menor estabilidade desse novo arranjo ampliava as possibilidades de conflito entre Legislativo e Executivo, 12

motor de crises políticas que, na ausência de mecanismos institucionais de mediação, foram resolvidas pelo veto militar. (p.42). Isso apenas exemplificava as relações entre militares e os outros poderes da República, como o imbróglio envolvendo a posse do presidente Juscelino Kubitscheck, a qual foi garantida pela intervenção direta de outro personagem de vulto, o marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, ministro da Guerra (1954-1959), de acordo com Abranches (p. 49). Após a repentina renúncia ao cargo por parte de Jânio da Silva Quadros, e 25 de dezembro de 1961, assumiu o cargo o vice-presidente eleito, João Belchior Marques Goulart, sob sistema parlamentarista de governo, tendo à frente como primeiro-ministro Tancredo Neves, destacando-se ter durado este sistema por dezessete meses, sendo esse político mineiro o mais bem-sucedido no cargo, conforme assevera Abranches (p. 57). Tancredo, nomeado primeiro-ministro em 8 de fevereiro de 1961, assumia aquele cargo tendo como característica daquele governo a dificuldade em sua posse, a despeito da reeleição de Jango com 4.547.010 votos, acima de seu parceiro de chapa, o antigo ministro da Guerra e marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, o qual recebeu 3.846.825, de acordo com William (2019, p.89). Ainda conforme William, a posse daquele presidente foi dificultada em razão da Operação Mosquito, quando um grupo de militares contrários a Goulart tentaria abater seu avião em voo para Brasília-DF, oriundo de -RS (2019, p.101). Esse fato bastante atípico é corroborado por Fraga ao afirmar: Ao dizer que aceitava o parlamentarismo, Jango pavimentou sua volta a Brasília. Esta, por sua vez, não seria tranquila. Oficiais da Força Aérea se sublevaram no Rio e em São Paulo. Pretendiam aprisionar o avião em que Goulart viajaria de Porto Alegre para Brasília. O nome da quartelada: Operação Mosquito. A sublevação foi descoberta quando vários deputados, que fretaram um avião para ir ao Rio Grande do Sul a fim de acompanhar Goulart de volta a Brasília, não puderam embarcar. Foram impedidos pelos militares da base da capital. A partida da aeronave estava marcada para 21h30 de 4 de setembro. O comando militar de Brasília impediu a decolagem, temendo que os parlamentares fossem vítimas de qualquer ação dos sublevados, quando o avião fizesse escala no Rio ou em São Paulo. O levante só foi contido quando Geisel perguntou o que faltava para contê-lo. O que faltava era vontade da cúpula militar. A vontade veio a partir da ordem de Geisel nesse sentido. Os ministros militares de 1961 eram chamados por Geisel de Os Três Patetas. Tancredo expressou a J. W. F. Dulles a certeza de que a Operação Mosquito foi contida no último momento. O plano era forçar a aterrissagem do voo que trazia Goulart e depois encarcera-lo. Houve quem dissesse que a intenção era simplesmente assassiná-lo. “A operação foi mais do que um rumor”, afirmou a Dulles. (2017, p.182-183, grifo nosso)

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Caracterizado por voltar-se prioritariamente àquilo que definia como Reformas de Base, seu mandato foi marcado por atritos entre a ideologia conservadora (Direta) e a socialista (Esquerda), culminado com a cassação de seu mandato em 31 de março de 1964, data na qual o presidente do Senado Federal, Senador Auro de Moura Andrade, declarou a vacância do cargo, sendo eleito em meados de março o general Humberto de Alencar Castelo Branco, cujo mandato durou até o ano de 1967, quando foi sucedido pelo generais Artur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazzu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), destacando-se o fato de todos terem sido eleitos pelo Congresso Nacional. Tal o vínculo entre militares e presidentes na História do Brasil que é marcante o encontro entre o último presidente anterior à Nova República, iniciada em 1985, e o então presidente João Goulart, já quando as crises políticas se avizinhavam, conforme assevera William. O ajudante de ordens do presidente, coronel Ernesto Azambuja, saía em defesa de Jango quando ouvia as críticas dos colegas militares. Azambuja, cujo apelido na caserna era Cocota, estava no apartamento do presidente no Chopin quando recebeu um telefonema e escutou mais uma provocação. “Tá ajudando teu chefe, que só recebe pelego.” Perdeu a paciência e pediu que esperassem na linha. Chamou o presidente, explicou a situação e passou o telefone para ele, que convidou os descontentes para uma visita imediata. Ninguém do grupo quis ir, exceto o capitão e instrutor da cavalaria João Baptista de Oliveira Figueiredo e dois alunos. E Figueiredo foi. Chegou, sentou e disse: - O senhor não vai gostar desta conversa porque Getúlio Vargas perseguiu meu pai. – Capitão, o senhor saiba que é isto que eu quero: franqueza. Pode falar à vontade. Figueiredo queixou-se do governo, da questão militar e até de quanto ganhava como capitão. Conversaram por mais de uma hora. Jango então pediu a Azambuja que acompanhasse Figueiredo e os dois alunos até o carro. No térreo, Figueiredo despediu-se dele com um abraço: - Olha, Cocota, como é difícil ser inimigo deste filho da puta. Esse homem é muito simpático. Figueiredo se tornaria, bem na medida do possível, um amigo de Jango e de Maria Thereza. Às vésperas de março de 1964, repetiu a visita. Queria, de forma clara, declarar-se opositor a Jango: - Presidente, vim aqui comunicar que eu estou entrando na conspiração contra o senhor. É um caminho sem opção e sem volta. Mas lembro que o senhor poderia resolver algumas coisas... – Coronel, agradeço demais sua lealdade, mas não vou mudar nada nem tirar ninguém. Vou cair com meus amigos. A conversa não foi dura, mas breve. Dessa vez Jango acompanhou Figueiredo até a porta. Ao se despedirem, Jango o abraçou e fez um comentário: - Uma boa conspiração para o amigo. (2019, p.202-203, grifo nosso)

Tancredo de Almeida Neves, nascido em 4 de março de 1910, foi um personagem da política nacional cujas raízes remontam à cidade de São João del- Rei-MG, da qual ascendeu como ministro da Justiça de do Presidente Getúlio 14

Vargas em 1953, cargo no qual ainda testemunhou pessoalmente os instantes finais daquele chefe de Estado, conforme citado por Fraga (2017, p. 96). Seu conhecimento das atividades militares e encontros com elevadas autoridades da caserna iniciou-se quando atingiu a maioridade, conforme Fraga: Aos dezoito anos, o soldado Tancredo apresentou-se ao Tiro de Guerra de São João del-Rei para o serviço militar obrigatório. Sob o comando do sargento Mário, prestou serviço por um ano. [...] Tentou então ingressar na Escola Naval da Marinha. Eram vinte vagas disputadas por meio de provas consideradas difíceis. Obteve a 25ª colocação e voltou para São João del-Rei conformado com a eliminação. Ao chegar, soube pelos jornais que havia sido convocado. Como a imprensa do Rio demorava a circular no interior de Minas, quando leu a notícia já se passava mais de uma semana da data da matrícula. Embarcou de novo para o Rio e procurou o secretário da Escola Naval. Tancredo não guardou seu nome, apesar de nunca ter esquecido sua fisionomia e a dureza de espírito. Era um homem estranho, seco e com uma pinta com fios de cabelo saindo dela. Muito poderoso na burocracia. [...] Não desistiu. Buscou apoios para que pudesse bater às portas do ministro da Marinha, o contra-almirante Arnaldo de Siqueira Pinto da Luz, segunda geração de importantes militares. As famílias Neves e Pinto da Luz tinham origem comum, as ilhas dos Açores. O ministro o recebeu num fim de tarde, na imponente sede do Ministério da Marinha, ode hoje é a praça barão de Ladário, na zona portuária do Rio. Simpático, ofereceu ao jovem uma guloseima inesquecível. [...] Novato na administração da iguaria, aguardou que o ministro começasse a comer para imitar sua técnica. E foi o que houve de mais doce na reunião. “Na Marinha ninguém tem condições de contrariar este secretário’, encerrou o ministro Pinto da Luz, lançando ao mar as chances de Tancredo de tronar-se cadete da Escola Naval. (2017, p.123-124, grifo nosso)

Graduado em Direito pela UFMG, foi nomeado promotor de justiça em São João del-Rei em 1932, vindo em 1935 a ter encontro com o então capitão Artur da Costa e Silva, futuro Presidente do Brasil e àquela época servindo no 11º Regimento de Infantaria, naquela mesma cidade. Corroborando seus laços com profissionais das Armas, foi padrinho de casamento do futuro marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que comandara o 12º Regimento de Infantaria (Belo Horizonte- MG), citando Fraga encontros de Tancredo com o futuro Presidente, cuja promoção a General de Exército teve seu parecer favorável: Em 1957, Tancredo, se matriculou em um curso da Escola Superior de Guerra. Nisso havia uma estratégia política, além da intenção de aperfeiçoar-se intelectualmente. O fato é que JK fora informado de que Carlos Lacerda pregava contra seu governo na escola. Por isso, sugeriu que Tancredo lá entrasse. “Ladino, Tancredo terminou à mesa ao lado do general Castello Branco. Estabeleceram grande amizade’., contou o senador Pedro Simon. Na fotografia dos formandos de 1957, Tancredo aparece na primeira fileira, a poucos metros de distância do general Humberto Castello Branco. Conhecidos desde a década de 1930, quando o major servia em Belo Horizonte, a proximidade do curso ampliou a afeição e a intimidade entre eles. Castello havia dirigido o curso de instrução para oficiais do Estado-Maior das Forças Armadas e comandava o departamento de estudos da Escola Superior de Guerra, o qual Tancredo frequentou por nove meses. A convivência diária incluía 15

conversas diárias no café, no almoço e no ônibus que transportava os participantes do curso. (2017, p. 130, 151, 241, grifo nosso)

Seu estilo o cacifou à candidatura à Presidência da República, desligando-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) após a filiação do ex- governador de Pernambuco Miguel Arraes, criando o Partido Popular (PP), tendo sido eleito governador de Minas Gerais em 1982, tornando-se candidato às eleições de 1984, com apoio, inclusive o jornalista Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo, cujos órgãos de mídia foram fundamentais para divulgação da candidatura, a qual tinha como oponente o Deputado Federal pelo Estado de São Paulo Salim Maluf, nome indicado pelo Partido Democrático Social (PDS). Vencedor nas eleições indiretas realizadas no Colégio Eleitoral, importante entender como seria a transição de um governo iniciado em 1964 para aquele que teria um civil com Presidente. A escolha dos futuros ministros militares seria fundamental para que não houvesse maiores dificuldades nesse processo, conforme relata Fraga: Todo mês, a cúpula tancredista se reunia discretamente, na Academia de Tênis de Brasília, com o general Leônidas Pires Gonçalves. O comandante do III Exército participava das reuniões do alto-comando do Exército e partia para encontrar Sarney, Aureliano e Richa. “Éramos amigos havia muitos anos. Desde que ele era major e integrante do gabinete de Jânio. Leônidas foi o ponto-chave. A ele deve o país, em grande parte, a tranquilidade da transição,”, elogiou Sarney. Leônidas foi o primeiro ministro escolhido por Tancredo, em 20 de novembro, quase dois meses antes da eleição. Para o SNI, havia duas opções para a chefia da agência: Ivan de Souza Mendes e Adhemar da Costa Machado. A proximidade de Mendes com Leônidas valeu-lhe o posto. Mendes havia elaborado relatório da década de 1970 com acusações de desvios éticos de Sarney. Serviria cinco anos ao sucessor de Tancredo, sem revelar o que produzira na tentativa de estimular a cassação dele. “Eu dormia com uma cascavel e não sabia”, irritou-se Sarney em 1991, quando Elio Gaspari mostrou a ele o dossiê de Mendes. “O general Ivan, tendo feito tudo isso contra mim, passou cinco anos como chefe do SNI ao meu lado. Nenhum presidente deve ter sido tão vigiado e seguido quanto eu.” Na Marinha, aliados identificaram sussurros conspirativos partindo do ministro Alfredo Karam. Tancredo fez chegar a mensagem que poderia mantê-lo no cargo. Karam se mostrou disposto. Às vésperas de tomar posse explicou-se a um amigo:” Karam tentou me dar um golpe e eu dei um golpe nele. Não será ministro’. O escolhido foi o almirante Henrique Saboia, que nunca soube por que chegou ao cargo. “Era uma pergunta que iria fazer ao presidente Tancredo. Não tive oportunidade. Eu não o conhecia. Só estive uma vez com ele, na data do convite.” Saboia tinha uma certeza. A de que Karam queria continuar e que se encontrara com Tancredo para viabilizar sua permanência. Surpreendeu-se com a escolha. Havia sido colega de Renato Archer na Marinha. Virou ministro na linha do amigo-de-amigo-meu- é-meu-amigo. Na Aeronáutica, Tancredo tinha duas opções. A primeira era Deoclécio Siqueira, ministro do Superior Tribunal Militar, conhecido entre os pares como “o Tancredo de farda”. O problema é que não estava na ativa. Tancredo convidou Siqueira para reunião em Brasília, na qual propôs que convidasse o brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima para a pasta. Feliz, 16

Siqueira deu a notícia ao amigo. “Foi como se eu próprio tivesse sido o escolhido, de tão próximo que somos’, afirmou. Em 27 de fevereiro, Moreira Lima se reuniu com Tancredo para que o nome fosse referendado. (2017, p.453-454, grifo nosso)

Fraga relata ainda a indisposição do ainda ministro da Aeronáutica, Tenente- Brigadeiro Délio jardim de Mattos com o seu sucessor escolhido, no que Tancredo resolveu manter sua escolha, a qual foi sugerida pelo vice-presidente, Aureliano Chaves. Ressalta ainda que o ex-presidente Ernesto Geisel foi contrário à nomeação do empresário Antônio Ermírio de Moraes para a presidência da Petrobras, empresa que havia sido dirigida pelo ex-presidente brasileiro, o qual ainda influiu na escolha dos generais Leônidas e Ivan de Souza Mendes. Citou ainda a escolha do general Rubens Bayma Denys, antigo comandante da 4ª Brigada de Infantaria Motorizada (Belo Horizonte-MG), mesma Grande Unidade comandada pelo General-de-Exército Leônidas de 1977 a 1979, quando Tancredo governou o Estado mineiro. (2017, p.458, 461, 462). Ao escolher José Sarney, antiga liderança do PDS, como parceiro de chapa, com este iniciou sua campanha, com acompanhamento do Serviço Nacional de Informações (SNI), o qual já detectara possíveis problemas de saúde do político mineiro. Já tivera problemas de hérnia, extraíra o apêndice em 1939 e sofrera infarto em 1977, mantendo sem divulgação. (FRAGA, 2017, p. 499, 502, 524). Eleito, em 12 de março de 1985, começou a sentir dores que impossibilitaram sua posse, demonstrando temor pela impossibilidade de Sarney ser empossado, em face às restrições do Presidente Figueiredo ao político maranhense (FRAGA, 2017, p.514). À medida que se aproximava a data aprazada para a mudança de Governo, 15 de março de 1985, a situação se tornava mais complexa, de acordo com Fraga (2017, p 508). A partir daí, levantou-se a questão de quem deveria assumir a Presidência da República, sendo o deputado federal Ulysses Guimarães o preferido pelos integrantes do PMDB, haja vista a longa permanência de Sarney em partidos políticos que apoiaram o Regime iniciado em 1964, da ARENA ao PDS. Para solucionar a questão, foi fundamental o pensamento do General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, futuro ministro do Exército. Relembra Fraga: A maioria dos familiares de Tancredo e de políticos como Ulysses, o governador Hélio Garcia, o senador Fernando Henrique Cardosos e o ministro Fernando Lyra estavam em recepção na embaixada de Portugal. A notícia chegou primeiro pelos familiares que se retiraram bruscamente. 17

Espalhou-se em seguida. Jorge de Almeida neves, irmão de Tancredo, assegurou ter sido informado da operação por meio de uma amiga vidente, antes que a notícia fosse oficial. Houve romaria ao Hospital de Base. O general Leônidas Pires Gonçalves estava em jantar na Academia de Tênis, no qual era homenageado. Interromperam-no para que atendesse ao futuro ministro-chefe do SNI, Ivan de Souza Mendes. - O que está acontecendo? Não gostei da sua voz – afirmou Leônidas, logo que ouviu o alô do companheiro militar. Comunicado da emergência, o novo ministro do exército seguiu para o Hospital de Base. Estava de blazer sem gravata. Pediu o adereço emprestado a um coronel. [...] Ulysses leu o artigo 78, parágrafo segundo, sobre a hipótese de impossibilidade eventual na posse dos eleitos e concluiu que quem deveria tomar posse era o vice-presidente. “Diz o texto constitucional que,’ se o presidente da República ou vice- presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo...’A conjunção alternativa [ou] mostra que é um ou outro [a tomar posse no cargo]”. Leitão reexaminou o texto e concordou com os argumentos do presidente da Câmara. Leônidas também apoiou a interpretação de Ulysses. Havia estudado as constituições brasileiras em curso na Escola Superior de Guerra e emendou que cabia a todos cumprir a Constituição. “Há normalidade absoluta no meio militar”, reafirmou o general. [...] Walter Pires, ao ter conhecimento de que seria empossado Sarney, tentou reagir: - Vou agora mesmo para o ministério mobilizar nosso dispositivo. – O senhor não tem mais nada o que fazer no Ministério do Exército. O senhor não é mais ministro. Desde a meia- noite, o ministro do Exército é o general Leônidas Pires Gonçalves – corou Leitão. O ministro do Exército ligou pra Sarney às três da madrugada. Tornaram-se amigos quando Sarney era deputado iniciante e Leônidas major. O general chamava o amigo de Zé. Naquela noite, tratou-o de maneira formal. – O senhor toma posse amanhã às dez horas – anunciou – Não acho que eu deva assumir – retrucou Sarney. – Deu muito trabalho montar isso tudo. Liguei apenas para comunica-lo da decisão. Boa noite, presidente. (2017, p.517-518, 521- 522, grifo nosso)

Referendando a assertiva acima, Maciel esmiúça como se deram as negociações e importância dos militares para a posse de Sarney, ao citar Couto, Gutemberg e o próprio maranhense ao afirmar: [...] Uma vez configurada a impossibilidade de Tancredo tomar posse no dia seguinte, já na noite do dia 14 iniciaram-se as conversações que permitiram que Sarney fosse empossado em seu lugar. O próprio Tancredo indicou esta solução a Ulysses Guimarães no hospital, antes ainda de ser submetido à cirurgia. Daí em diante, esta passou a ser a tese fundamental apoiada e defendida pela cúpula civil e militar do novo governo e aceita pelo governo que partia, mesmo que sua legalidade fosse altamente questionável [...] Mais tarde, Ulysses afirmou que aceitou a tese favorável a Sarney porque o general Leônidas Pires Gonçalves, futuro ministro do Exército, “estava lá fardado e com a espada me cutucando que quem tinha que assumir era o Sarney”[...] No governo que saía, as reações foram diversas, indo desde a irritação de Figueiredo com a possibilidade de passar o cargo para Sarney, sugerindo a posse de Ulysses ou até mesmo do Supremo Tribunal Federal, e, num arroubo o uso da força contra a posse de Sarney pelo ministro do Exército, general Walter Pires, até a concordância com a tese de Tancredo, como no caso do ministro da Casa Civil, Leitão de Abreu, com quem se acertaram, na prática, os detalhes da transferência do cargo. (2012, p.75-76)

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Eleito Presidente em 15 de janeiro de 1985 – vencendo no Colégio Eleitoral -, Tancredo Neves estava compromissado a convocar a Assembleia Nacional Constituinte. A posse do vice-presidente, José Sarney, deu-se conforme previsto na Constituição então vigente, em 15 de março de 1985, iniciando-se o período histórico conhecido como Nova República, na qual o vice-presidente eleito não gozava da mesma legitimidade popular de Tancredo Neves. Sarney, que não gozava mais da amizade do Presidente Figueiredo fica patente na citação de Ramos:

Para complicar ainda mais, o então Presidente da República, o último da ditadura, General João Batista Figueiredo, mandou mais lenha na fogueira. Sarney não podia assumir. Prendo e arrebento. Seu Ministro do Exército, General Walter Pires, com gestão por mais um dia, ameaçava acionar seu “dispositivo” para impedir a posse de Sarney. Figueiredo foi claro: se Sarney assumisse, não lhe passaria o cargo. Estava de mal, isto é, odiava Sarney, porque possibilitara a eleição de Tancredo. O candidato do general era Paulo Maluf, que perdera no colégio eleitoral. Figueiredo e muitos militares achavam que a culpa era de Sarney. A Aeronáutica queria anular a eleição pelo Congresso. Confusão dos diabos. [...] Passado algum tempo, chegou o General Leônidas Pires Gonçalves, já nomeado Ministro do Exército por Tancredo, decreto assinado, como todos os demais que seriam publicados depois da posse do Presidente da República. A nomeação, portanto, não valia. Leônidas trazia um exemplar pequeno da Constituição, aberto no artigo que tratava da posse de Presidente e de seu Vice, e que dizia: “Se decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será́ declarado vago pelo Congresso Nacional” (parágrafo único do art. 76 da Constituição então vigente). (2007, p. 149-150, grifo nosso)

A diferença naquela passagem de funções de chefe de Estado é que o Presidente ora substituído, João Baptista de Oliveira Figueiredo, resolveu não entregar a Faixa Presidencial a José Sarney. Este passaria a ter que conduzir um País no qual militares e civis na Alta Administração teriam de trabalhar em uníssono, com a expectativa de como os profissionais das Armas seriam tratados pelos novos detentores do Poder. Tancredo Neves em encontro com Walter Pires, então ministro do Exército, assegurou-lhe que em seu mandato não haveria revanchismo (FRAGA, 2017, p. 51). Para tanto, era mister saber quem assumiria o Comando do Exército, nomeado para tal o general de Exército Leônidas Pires Gonçalves, conforme esmiúça Fraga: [...] Desde agosto de 1983, o general Leônidas Pires Gonçalves assumira o comando do III Exército, que reunia o maior contingente do país, com aproximadamente 50 mil homens no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Havia deixado a secretaria de Economia e Finanças, 19

responsável pelos recursos que o Exército recebia e gastava. Um dos poucos casos de general sem tropa, porém com poder. Como militar, Leônidas assistiu de perto à deposição de Vargas em 1945. Serviu no gabinete Militar em 1961, de onde acompanhou a renúncia de Jânio Quadros e o veto à posse de João Goulart. Alinhou-se ao grupo do general Castello Branco no golpe de 1964 e serviu ao primeiro presidente militar trabalhando em seu gabinete. [...] Leônidas conhecera Tancredo em eventos de ex-alunos da Escola Superior de Guerra e depois serviu em Belo Horizonte, em 1955. “Nesses almoços, ele buscava minha companhia’, recordou. [...] O general recebeu o convite de Tancredo para ser ministro em 20 de novembro. [...] O diálogo da única conversa que mantiveram após a escolha foi reproduzido por Leônidas: - Quais suas orientações para o exército? – quis saber. – General, o Exército brasileiro está em suas mãos. (2017, p. 46-47, grifo nosso)

A relevância do General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves é reforçada por uma testemunha dos fatos àquele tempo, o futuro Consultor Geral da República do Governo Sarney:

Horas complicadas aquelas. Sarney me contou, e a madrugada já vinha chegando, que Tancredo, com sua enorme experiência e vivência de muitas crises brasileiras, havia articulado a pacificação com todas as alas militares já antes da eleição no Colégio Eleitoral. E nisso teve a ajuda inestimável de Leônidas Pires Gonçalves, inclusive mais tarde na nomeação de Moreira Lima para Ministro da Aeronáutica. Uma expressiva parcela da Força Aérea, ligada ao brigadeiro, inconformada com a vitória de Tancredo, tinha “planos radicais para cancelar a eleição presidencial”. (RAMOS, 2007, p. 152)

A doença e falecimento do Presidente eleito tornariam a situação de José Sarney bastante complexa, haja vista ser identificado com os integrantes do governos dos últimos 21 anos, tendo sido filiado ao e presidente do PDS, do qual saíra para ingressar no PMDB, sigla histórica na oposição aos presidentes militares, que passaria a deter o poder no Congresso Nacional, na pessoa do deputado federal Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP), acumularia a presidência da Câmara dos Deputados, da Assembleia Nacional Constituinte e do PMDB. Este político passaria a protagonizar, junto ao Presidente José Sarney e ao ministro do Exército, General de Exército Leônidas Pires Gonçalves, os próximos cinco anos da vida política e militar do Brasil.

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4 GOVERNO DE JOSÉ SARNEY

José Ribamar Ferreira de Araújo Costa adentrou à História do Brasil como José Sarney, tendo sido governador daquele ente federativo em 1966 a 1970, após a Revolução Democrática de 31 de março de 1964, sendo credor da confiança do Presidente da República de então, Marechal Humberto Castelo Branco. Filiado ao Partido Social Democrático (PSD) desde a década de 1950, seguindo-se à União Democrática Nacional (UDN), mudou de partido político, seguindo para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e para o Partido Democrático Social (PDS), principal sustentáculo do Governo no Congresso Nacional. Sarney tinha iniciado sua experiência com meandros da política nacional desde a década de 1960, quando fora nomeado vice-líder do Governo Jânio Quadros na Câmara dos Deputados, conforme menciona Ramos. Naquele Palácio do Planalto, já serviam à época os então majores e futuros ministros Leônidas Pires Gonçalves e Ivan de Souza Mendes. (2007, p. 145-146). José Sarney iniciava seu governo com os seguintes ministros militares: General-de-Exército (General-de-Exército) Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército; Almirante de Esquadra Henrique Sabóia, ministro da Marinha; Tenente- Brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima, ministro da Aeronáutica; General-de-Exército Ivan de Souza Mendes, ministro chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI); Almirante de Esquadra José Maria do Amaral Oliveira, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), seguido do General-de-Exército Paulo Campos Paiva, sucedido pelo Tenente-Brigadeiro Paulo Roberto Coutinho Camarinha, finalizando com o Almirante de Esquadra Valbert Lisieux Medeiros de Figueiredo; e General-de- Brigada Rubens Bayma Denys, chefe do Gabinete Militar. O Brigadeiro Camarinha, aliás, foi o único militar em cargo de ministro a ser exonerado pelo Presidente Sarney, o que ocorreu fruto das palavras daquele oficial- general, que proferira críticas ao próprio Governo, conforme apresenta Maciel: [...] Demonstrando sua plena concordância com a orientação seguida pela equipe econômica, no mesmo mês Sarney demitiu ninguém menos que o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, brigadeiro Paulo Roberto Camarinha, devido às críticas públicas feitas por este à suspensão do pagamento da URP para o funcionalismo, aos baixos salários dos militares e aos cortes no orçamento. Tido como um dos principais críticos da dupla Maílson da Nóbrega-João Batista Abreu no governo, Camarinha foi acusado de desrespeitar a hierarquia, sendo demitido por Sarney com o apoio dos ministros militares. A extrema-direita militar e o ex-presidente 21

Figueiredo, obviamente, condenaram a atitude.[...] (2012, p.321, grifo nosso)

A questão acima foi algo atípico, já que o relacionamento do Presidente Sarney com os militares era muito bom, de acordo com as palavras dos ministro da Marinha e da Aeronáutica à época, Almirante Sabóia e Brigadeiro Moreira Lima, que afirmavam que as relações do chefe do Poder Executivo Federal e militares era cordial e muito boa. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p. 56, 75). Isso fica bem caracterizado nas palavras do General-de-Exército Bayma Denys:

Eu não achava que houvesse tal preocupação. O presidente Sarney sempre procurou prestigiar as Forças Armadas. Assumiu realmente a postura de um comandante supremo das Forças Armadas. Assim, os anseios da área militar foram por ele bem atendidos, acredito. Nossos vencimentos foram reajustados em 1987, 1988, em um nível que nunca tinha acontecido. Daí em diante começou a deteriorar, mas o ponto alto foi aí. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p.82, grifo nosso)

Assumindo o governo numa democracia da qual era o primeiro Presidente civil em 21 anos, José Sarney manteve considerável quantidade de Pastas chefiadas por militares, conforme cita Maciel: A autonomia dos militares como aparelho burocrático no interior do Estado foi preservada pelo Governo Sarney, particularmente no sistema repressivo e de informações e na indústria bélica. Em primeiro lugar, a presença militar no alto escalão do governo foi mantida, com seis ministérios num total de 27 (EMFA, Gabinete Militar, Exército, Marinha, Aeronáutica e SNI). Como veremos, a proposta de criação de um Ministério da Defesa foi adiada para discussão na Constituinte, quando foi derrotada por pressão dos militares. (2012, p.119)

As desconfianças com relação à figura de José Sarney por parte de vários políticos eram esperadas, conforme dá a entender Abranches: Para complicar ainda mais o enquadramento político das decisões formadoras da Terceira República, a Assembleia Constituinte foi instalada em condições inapropriadas. O presidente dessa república de transição, a qual se convencionou chamara de Nova República, era José Sarney, oriundo da UDN, com serviços prestados à ditadura, que o aboletou no governo do Maranhão. Pulara do barco à deriva da Arena-PDS para o PMDB, na undécima hora, para ser o vice na chapa indireta da oposição. O presidente, Tancredo Neves, o hábil ex-primeiro ministro, morreu antes de tomar posse. Sarney sofreu oposição das forças nascidas da resistência aos militares, desde que foi indicado para compor a chapa. (2018, p.81)

Sabedor da capacidade política e visão arguta do presidente eleito mineiro, Sarney sabia que deveria também velar pela união nacional, sem perseguições entre militares e civis, de acordo com o que advogava Tancredo: 22

[...] Na questão, do papel dos militares, Tancredo defendeu a definição constitucional de suas atribuições, mas entre elas constava não só a defesa externa, como também a defesa interna do país, numa demonstração do papel tutelar das Forças Armadas sobre o processo político. Após estas reformas, a grande mudança institucional ficaria para uma nova constituição, a ser elaborada pelo Congresso Nacional, que assumiria poderes constituintes e seria eleito apenas em 1986, mas não por uma Assembleia Nacional Constituinte, especificamente eleita para isto, antiga bandeira do MDB, do PMDB e da maior parte da oposição durante a Ditadura Militar. Finalmente, em nome da conciliação nacional, Tancredo defendeu o “não-revanchismo” em relação aos governos militares e criticou o “radicalismo”, considerado agressivo aos sentimentos e tradições nacionais, endossando na prática a manobra operada pelo governo Figueiredo na Lei da Anistia, de 1979, para inocentar os próprios militares e demais agentes da repressão responsáveis por crimes de tortura e assassinato de presos políticos. (MACIEL, 2012, p.67, grifo nosso)

A importância de estar lastreado por militares fica patente pelo que salienta Maciel ao citar: A postura de apoio do ministro do Exército foi decisiva para abafar possíveis resistências a Sarney em setores militares, como se comentava à época. Os líderes do PFL, Aureliano Chaves e Jorge Bornhausen, chegaram sugerir a Sarney que este se aliasse a Ulysses Guimarães, quem comandava o governo de fato, como forma de se fortalecer politicamente. [...] A morte de Tancredo Neves, em 21 de abril, confirmou o que ainda era uma hipótese, gerando uma enorme comoção popular e dando início, de fato, ao governo Sarney. [...] A partir de sua ascensão definitiva à presidência, Sarney iniciou um movimento para fortalecer-se politicamente no governo em relação ao PMDB, tentando colocar-se como o executor do programa de Tancredo e estreitando seus laços com os militares, particularmente com o ministro do Exército, e com seus ex-companheiros de PDS. (2012, p.77-79, grifo nosso)

Corroborando essa ideia de vínculo que ligavam José Sarney aos detentores do poder nos governos de 1964 a 1985, cita Abranches de que se valeu o político maranhense para fazer valer sua ideia sobre reforma agrária:

[...] O líder do governo na Câmara, que teve inusitado papel nas negociações da Constituinte, sob comando de Sarney, ajudou na derrota defendida pelos reformistas. Em determinado momento, para pressionar os constituintes, Sarney reuniu-se com os oficiais-generais do Estado-Maior, aludindo a possível veto militar, ao qual sempre foi afeito, desde sua militância na UDN, na Segunda República. (2018, p. 85)

Maciel enfatiza, segundo seu ponto de vista, que Sarney mantinha relação de proximidade tal dos militares que isso se confundia com ausência de força capaz de mantê-lo independente, segundo se depreende de suas palavras ao citar discurso do então Presidente em visita àquele estabelecimento de ensino do Exército:

A fragilidade política de Sarney tornou-o ainda mais dependente da tutela militar, o que ele mesmo admitiu explicitamente em outubro, quando em solenidade na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Rezende 23

(RJ), declarou: Sem as Forças Armadas não teríamos feito a transição democrática que foi feita. Com as Forças Armadas e não contra as Forças Armadas (...) Repeli todas as investidas contra as nossas Forças Armadas, consciente de quem sem elas, sem o seu prestígio, jamais poderíamos ter instituições democráticas em nosso País. (2012, p. 356, grifo nosso)

Como havia certa fragilidade após o início do Governo Sarney, Oliveira define a expressão “Tutela Militar” em sua obra, na qual também menciona a autoridade do general Leônidas, que asseverou em suas palavras:

O ministro do Exército afiançou o processo de abertura política, desafiando quem quisesse testar-lhe a liderança. [...] Ele se tronou a principal referência do governo, tendo em vista o jogo pesado que este manteve com a Constituinte, muito especialmente envolvendo os temas militares, o sistema de governo e o mandato presidencial: As Forças Armadas, e eu falo especialmente pelo Exército, estão dedicadas a assegurar a estabilidade que é necessária para a transição política (...) Nada vai pôr em risco o processo de transição. Os senhores estejam certos do seguinte, e quem quiser, teste: As Forças Armadas estão unidas, o Exército está unido, as ordens do ministro serão cumpridas da maneira mais plena, na hora que ele as der. Quem quiser que teste. (1994, p.112, grifo nosso)

Cabe relembrar fatos nos quais militares do Exército estiveram diretamente envolvidos em fatos que poderiam causar danos à imagem da Força Terrestre, como a invasão ,por cerca de 50 militares, da Prefeitura de Apucarana-PR, em outubro de 1987, após o que o líder da ação, um capitão do Exército, foi condenado a oito meses de prisão pelo Superior Tribunal Militar (STM) anos de prisão. Aquele fato deveu-se a um protesto em razão dos baixos vencimentos dos militares das Forças Armadas, sendo liderado pelo então capitão de Infantaria Luiz Fernando Walther de Almeida, que resolveu entregar carta versando sobre situação de soldos insuficientes, tendo repercussão nacional. Pouco tempo depois, foi concedido aumento de 25% aos militares, tendo sido afirmado que aquele reajusta já estava previsto pelo governo federal. Antecedendo em dois anos aquele evento, em 17 de agosto de 1985, ainda no início do Governo Sarney, durante visita presidencial ao Uruguai a deputada federal (PT-SP) Elisabeth Mendes de Almeida, conhecida como Bete Mendes, - da comitiva do Presidente da República - acusara o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, adido do Exército junto à Embaixada do Brasil, de tê-la torturado nos anos 1970, quando era integrante do grupo Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-PALMARES). No entanto, o oficial, em que pese destaque dado por órgãos de imprensa, foi mantido no cargo - mesmo com a solicitação da parlamentar ao Presidente Sarney para que o removesse daquele cargo – que gozava da confiança 24

do General-de-Exército Leônidas, que demonstrou não estar o Exército submetido a acusações sem provas contra seus integrantes. Relembra este fato o Gen Bayma Denys: Eu até conto o caso do coronel Brilhante Ustra. Acompanhei o presidente Sarney na primeira visita que fez ao Uruguai, e o coronel Ustra era adido lá́ . Havia uma artista, Bete Mendes, que estava na comitiva do presidente. Veja bem, assisti à Bete Mendes beijar o Ustra, abraçar a mulher dele, e perguntei: “Ustra! Você̂ sabe quem é ela?” E ele respondeu: “Sei. Ela foi presa, chegou lá́ no quartel, cheia de doenças venéreas, nós cuidamos dela, minha mulher deu-lhe toda a atenção etc.” A mulher do Ustra trabalhava no quartel? Não, ela deu-lhe atenção, visitando-a, certamente a pedido do Ustra; ou mesmo levou-a para a casa deles. Ela foi tratada, tendo toda a atenção possível dentro da situação em que se encontrava. Disse- me ele que ela era uma menina... (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p.83)

Frisa Oliveira que no período de 1964 a 1979 foram cassados 595 mandatos de governadores, prefeitos e parlamentares, conforme dados obtidos por Maria Helena Moreira Alves. (1994, p.37). Ora, poder-se-iam prever que parlamentares, especialmente senadores de deputados federais, buscariam não compactuar ou apoiar quaisquer assuntos e projetos que beneficiassem as forças Armadas, em atitude de revanche frente aos acontecimentos posteriores a 1964 e acordo com suas orientações ideológicas. Os laços do Presidente José Sarney com o ministro do Exército, General-de- Exército Leônidas Pires Gonçalves, foram fundamentais para que seu governo se desenvolvesse sem percalços nos quartéis. A relação pessoal que os unia há décadas foi transposta aos seus cargos no sentido de o ministro apoiá-lo para que pudesse dedicar-se aos afazeres de outras áreas, sem preocupações com eventuais possibilidades de retorno dos militares como mandatários. Maciel menciona ainda, segundo palavras do próprio Sarney, como o político analisava suas relações com o General-de-Exército Leônidas. [...] O primeiro passo consistia, obviamente, em buscar apoio nas Forcas Armadas. O general Leônidas foi muito importante nesta fase e socorri- me de nossa velha amizade. (...) Fui um dos que articularam, juntamente com José Richa e Afonso Camargo, sua aproximação com Tancredo. (...) No governo, de saída, estabeleci as diretrizes que guiariam minha ação na área militar e que consistiam, basicamente, em dois pontos inegociáveis: “A transição será feita com as Forças Armadas, e não contra elas. Não admitir revanchismo. Se o comandante-em-chefe sou eu, é meu dever zelar pelos comandados” (2012, p.80, grifo nosso)

Esta relação bastante especial entre os personagens acima citados é corroborada por Sarney ao falar sobre os anos à frente do País: 25

A situação que vivi, naqueles cinco anos, não foi fácil; foi muito difícil. Naquele tempo, o pessoal esquece, as Forças Armadas não tinham voltado ainda aos quartéis, ainda estavam atuantes; havia grupos muito fiéis ao Figueiredo, que censuravam muito a conduta do governo; achavam que o governo era esquerdista, que eu estava cedendo aos comunistas. Quem pacificou as forças armadas, e enquadrou, foi o Leônidas. Tinha a mão forte, de general, de comandante. Ele e o [Henrique] Sabóia [ministro da Marinha]. O Moreira Lima [da Aeronáutica] não tinha tanta liderança quanto os outros dois. (CARVALHO, 2017, p.53, grifo nosso)

As questões econômicas e sociais chamavam mais a atenção nacional naquele quinquênio do Governo Sarney cujo slogan era “Tudo pelo social”, criando programas com vistas a minorar deficiências básicas, tais como a distribuição de leite a crianças. Conforme suas palavras, durante seu mandato houve a menor taxa de desemprego da história nacional em média de 3,29%, sendo de 2,7% antes de entregar a presidência a Fernando Collor (CARVALHO, 2017, p.61). O elevado número de greves, cerca de 12 mil, que eclodiram durante o mandato causaram distúrbios, em um dos quais houve a necessidade do empregos de tropas do Exército, caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na cidade de Volta Redonda-RJ), em 1988, com a finalidade de desocupá-la, conforme relata Maciel: “Formalmente, o Exército invadiu a usina para atender solicitação de “manutenção de posse” feita por um juiz federal do Rio de Janeiro, mas a autorização para o pedido de intervenção militar foi dada diretamente por Sarney, atendendo pedido do ministro do Exército e do chefe do SNI (2012, p.353)”. Lidou Sarney também com os trabalhos da Constituinte, ficando claro que sua principal batalha foi que seu mandato durasse 5 anos, conforme frisa Maciel:

[...] Segundo Dreifuss (1989, p. 205), emissários do governo, inclusive militares, foram encarregados de alertar lideranças empresariais importantes de que os militares interviriam caso o parlamentarismo e os quatro anos fossem aprovados. Por diversas vezes, o ministro do Exército alegou não haver condições políticas para a realização de eleições presidenciais em 1988, pois trariam instabilidade e intranquilidade (FSP, 7.5.1988). Os boatos de que Sarney renunciaria, abrindo brecha para um golpe, também circularam neste período, reforçando a chantagem do governo (POLESI, 22.2.1988). (2012, p. 302, grifo nosso)

A ideia acima é referendada por Sarney em entrevista a Carvalho, quando responde que recebeu conselhos do ex-Presidente Ernesto Geisel, que lhe aconselhou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso os constituintes reduzissem o tempo de seu mandato: Eu disse: “Olhe, general, eu resolvido a estabelecer um mandato de cinco anos e fazer o que o Dutra fez, o que deu muito certo”. [...] Inclusive consultei os chefes militares e eles acharam que era uma temeridade encurtarmos o mandato do presidente para dois anos no meio daquela coisa toda, fazer as eleições no meio de uma transição, na qual ainda não tínhamos nem consolidados os grupos que tinham posições, inclusive nas forças armadas. (2017, p.46-47, grifo nosso)

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Informa Sarney naquela obra outros aspectos interessantes sobre bastidores da confecção da Constituição no que tange aos militares, dizendo que ao assumir a Presidência ainda havia, por parte de alguns militares certa aversão pela abertura promovida pelo ex-Presidente João Figueiredo, informando, com relação à possibilidade de “risco de golpe durante a Constituinte”: Houve risco, sim. Quando eles tentaram fazer uma redação em que as forças armadas não podiam intervir na ordem interna, houve uma reação muito grande da área militar. Terminou com a ordem de que os assessores militares não abandonassem a feitura da Constituição até o fim da impressão da máquina em que saía o projeto. [...] Quando eles estavam lá, o [general] Leônidas [Pires Gonçalves, ministro do Exército de Sarney] recebeu um telefonema dizendo que o Bernardo Cabral mudou o que tinha combinado conosco. [...] Tinha combinado com o Leônidas, com os assessores do Leônidas e comigo, quando o Leônidas me disse: “Nós resolvemos, essa redação nós aceitamos”. O Bernardo Cabral fez esse acordo - de garantir um artigo que garantisse a intervenção militar na ordem interna. Os assessores do Exército comunicaram ao Leônidas que o Bernardo não tinha cumprido o acordo e que a redação era outra. Isso aconteceu na noite em que a Constituição estava sendo impressa. O Leônidas, então, lá no Forte Apache [como é conhecido o quartel-general do Exército em Brasília, chamou à casa dele o ministro da Marinha e o ministro da Aeronáutica, e o chefe do Estado-Maior, e disse que o Bernardo não tinha cumprido o acordo. A providência a tomar foi: “mande trazer o Bernardo Cabral aqui.” Os oficiais que estavam lá disseram ao Bernardo Cabral que ele estava sendo convidado pra ir na casa do Leônidas, que queria falar com ele. O Bernardo Cabral foi, acredito que o Bernardo não soubesse que os oficiais sabiam que ele tinha mudado o texto. Levaram o Bernardo pra lá. Chegou lá, o Leônidas deu um acocho muito grande nele e disse o seguinte:” Você só sai daqui quando a Constituição estiver com o texto que nós combinamos.” Assim o Bernardo mandou fazer. O Leônidas disse que ligou para os oficiais que estavam lá e disse; “Vocês só saiam daí quando estiver impresso.” Levaram ao Leônidas, que recebeu, e aí mandou levar o Bernardo Cabral de volta. Essa foi a versão que o Leônidas me contou. (2017, p.51-52, grifo nosso)

Discordando da ideia de risco institucional ao País, revela Bernardo Cabral em entrevista a Carvalho, ao ser questionado se fosse aprovado quatro anos de mandato para José Sarney pela Constituinte: Não haveria golpe. O país suportaria tranquilamente. Nós estávamos saindo de uma excepcionalidade para um reordenamento constitucional. O general Leônidas [Pires Gonçalves], tendo sido fator de segurança do Sarney, foi a garantia de que não haveria golpe. Falam do Leônidas, mas ele foi um democrata, um legalista (2017, p. 101, grifo nosso)

Os anseios das Forças Armadas para o texto final da Constituição Federal de 1988 foram atendidos, citando Oliveira serem esses os principais: funções militares com a possibilidade de manutenção da garantia da lei e da ordem; rejeição pela à criação do Ministério da Defesa; permanência das polícias militares como reservas e forças auxiliares do Exército; Justiça Militar podendo julgar militares ou civis, 27

conforme a definição legal; manutenção do Serviço Militar obrigatório e universal; direitos políticos dos militares, prevendo-se quando deveriam ser afastados ou excluídos das Forças Armadas, de acordo com a situação, evitando-se partidarização nos quartéis. (OLIVEIRA, 1994, p.131-148). No entanto, no que está relacionado aos militares, a Constituição preservou aquilo julgado necessário pelos ministros à época, conforme cita Carvalho em entrevistas com atores daquela época, como José Sarney e o ministro do Exército, General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, que era amigo do relator da Comissão de Sistematização (Relator da Constituinte) desde 1961 – época na qual o então Major Leônidas era chefe da Casa Militar no governo Jânio Quadros, viajando ao Amazonas, onde se conheceram - o advogado e deputado federal José Bernardo Cabral (PMDB-AM), sendo capital o peso do General-de-Exército Leônidas para sua escolha, haja vista a nova Lei Maior definir aspectos importantes sobre as missões das Forças Armadas. (2017, p. 18-19). Ao ser entrevistado por Carvalho sobre a Constituição Federal de 1988, responde Leônidas - que havia estudado política na ESG, onde escrevera monografia sobre Constituição - sobre intervenção na ordem interna prevista no art. 142: Eu me envolvi pessoalmente nesse debate. Não há Constituição no mundo que, de maneira direta ou indireta, não atribua a lei e a ordem do país às Forças Armadas. O exemplo máximo é a democracia americana. O juramento do militar americano é: “Juro solenemente defender a Constituição dos Estados Unidos against foreing and domestic enemies [contra inimigos estrangeiros e domésticos].” Então, como diz com muito acerto o jurista Ives Gandra, “O art. 142 coloca as Forças Armadas como um poder moderador da nação.” A discussão desse artigo, que abre o capítulo “Das Forças Armadas”, foi dos momentos mais tensos da Constituinte. Uma das posições, minoritária, mas barulhenta, era radicalmente contrária à intervenção na ordem interna. Teria alguma chance de passar? – Não, porque eu não deixaria passar. (2017, p.64- 65, grifo nosso)

Sobre este artigo tão importante aos militares, informa Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), então relator do regimento da Constituinte e sub-relator da Comissão de Sistematização, quando questionado sobre a redação daquele trecho da Carta Magna, durante reunião àquela época, com José Sarney, o general Ivan de Souza Mendes, dentre outros: Ivan Mendes, Sarney, o [Ronaldo] Costa Couto [ministro-chefe do Gabinete Civil da Presid6encia da República de 1987 a 1989 e ministro do Trabalho no fim de 1988], eu e o Bernardo Cabral. Para tentar resolver um impasse que Bernardo Cabral tinha criado, sobre o artigo que tratava do papel das 28

forças armadas na Constituição. Já tínhamos chegado a um acordo – é o artigo que acabou ficando -, mas o Bernardo passou por cima e acabou aceitando uma proposta dos líderes da esquerda, como o Plínio [de Arruda] Sampaio. Eles queriam colocar que a função das forças armadas era só vigilância externa. Sem referência à ordem interna. Uma questão delicada. Eu falei: “Bernardo, você não pode pôr isso, porque já tem outra coisa combinada.” Mas ele teimou e pôs. Aquilo vazou, foi noticiado. No mesmo dia, ele foi receber uma medalha numa cerimônia militar - e saiu de lá apavorado com as reclamações que ouviu. Nesse meio-tempo, o Sarney convoca o Bernardo para ir ao palácio. Ele me pediu para ir junto. E então vi que estavam cobrando dele pontos que tinham sido combinados e não estavam no projeto. Então eu também fiquei com a nítida impressão que tinha alguma combinação que eu não conhecia. O Bernardo deve ter feito muitas combinações com uns, com outros, era o estilo dele. (CARVALHO, 2017, p.117-118)

Outro importante ator daquele período, Deputado Federal Nelson Azevedo Jobim (PMDB-RS) - futuro ministro da Justiça, da Defesa e do STF - também relembrou aspectos relativos às Forças Armadas nas discussões constitucionais: Todas as constituições brasileiras diziam que as funções das Forças Armadas era a preservação da lei e da ordem e dos poderes constitucionais. Elas entendiam que podiam intervir no momento em que houvesse perturbação da lei e da ordem interna, porque tinham delegação direta da Constituição. O acordo a que chegamos condicionava esta intervenção a um pedido de qualquer um dos poderes constitucionais. Certa manhã, toda a esquerda foi lá no Prodasen – eu lembro de José Genoino (PT) e do Haroldo Lima (PC do B) – para oferecer outro texto que não tinha sido combinado. Me lembro bem da cena. O Bernardo no meio, o Fernando Henrique do outro lado, o José Ignácio e eu na ponta. Conversa vai, conversa vem, e o Bernardo não dizia não para ninguém. Simplesmente aceitou o texto da esquerda – quando outro já tinha sido combinado. [...] A esquerda saiu dali efusiva, foi para os jornais, para a televisão. À tarde havia uma solenidade das Forças Armadas e o Bernardo tinha sido convidado para ir. E o Bernardo foi. Era uma sexta-feira. No fim da tarde, ele voltou e chamou o Fernando Henrique. O Fernando me conta, depois, que o Bernardo começou a chorar, dizendo [imita Cabral chorando] “Vai haver um golpe, vai haver um golpe. O general Leônidas me disse horrores’. Ele fez choradeira por causa do tal negócio das Forças Armadas, que o Leônidas viu nos jornais e na televisão. O que fez Fernando Henrique? NJ – Foi conversar com os generais. Na época, o procurador-geral da República era o Sepúlvida Pertence, que fazia parte do Ministério, segundo a Constituição de 1969. Ele contou que num determinado momento de uma reunião com o Sarney, este pediu que todos os auxiliares se afastassem e que desligasse a gravação do som. Era para falar dessa história do Cabral. Segundo o Pertence, o Leônidas disse um monte de coisa do Bernardo, inclusive que ele tinha prometido ao Saulo que o Leônidas ia influir na Constituição e que ia obedecer a tudo. Mas o Bernardo não obedecia a ninguém. Ele fazia de conta que obedecia. Era uma coisa incrível. E não tem como brigar com o Bernardo. Aí o Fernando conseguiu, na conversa, acalmar s ânimos. Acabou resultando no texto que está na Constituição. (CARVALHO, 2017, p. 214- 215, grifo nosso)

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A legítima influência dos militares, por meio das palavras dos ministros castrenses ou com o uso da Assessoria Parlamentar no Congresso Nacional fica clarividente nas palavras de Oliveira: [...] Quando julgaram necessário, sobretudo em razão da tutela sobre o poder civil durante o governo do Presidente Sarney, os ministros militares fizeram a Constituinte sentir o peso de suas pressões políticas, em especial no momento em que agasalharam as definições mais importantes, segundo a ótica dos dirigentes militares. Dentre estas definições, cabe destacar o regime presidencialista, o mandato presidencial de cinco anos e nã0- reincorporação de militares cassados. [...] Se as assessorias militares foram competentes e eficazes, isto constitui sinal mais que evidente do preparo longamente cuidado a respeito do processo constituinte. [...] “Eles demonstraram competência, preparo e capacidade política”, segundo o deputado Antônio Brito (PMDB-RS). Também o deputado José Genoíno (PT-SP), adversário dos interesses militares na Constituinte, reconhece o valor da assessoria parlamentar: “Sua eficiência é inegável porque os assessores são extremamente bem-preparados, conhecem profundamente o assunto de que estão tratando e são extremamente cordiais, verdadeiros gentleman.” (1994, p.170-171)

O trabalho dessa Assessoria é reforçado nas palavras de Maciel, que citou: Na questão do papel dos militares, a posição do governo, dos ministros militares e do campo conservador foi plenamente vitoriosa. Por tratar-se de questão sensível para os interesses autocráticos, os militares trataram de constituir um forte lobby junto aos parlamentares, com a disponibilização de 12 oficiais para o trabalho de assessoria na Constituinte. Os parlamentares do “Centrão” trataram de garantir a relatoria da subcomissão sobre “Defesa do Estado” para o deputado Ricardo Fiúza (PFL-PE), que incorporou integralmente ao seu relatório a proposta apresentada pelos militares e elaborada pelo Centro de Comunicação Social do Exército, intitulada “Temas Constitucionais – Subsídios” (GREENLESS, 16.6.1987). O relator da Comissão do Sistema Eleitoral, Partidos e Garantias Institucionais, que definia o papel dos militares, era o deputado Prisco Viana (PMDB-BA), ex-Arena e ex-PDS, e seu presidente era o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), militar reformado e ex-ministro dos governos Costa e Silva e Médici. A proposta elaborada pela Comissão Arinos, que limitava a atuação das Forças Armadas a conflitos externos, foi rejeitada, destinando-se os militares à “defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem”. Ou seja, os militares conseguiram manter seu direito constitucional de intervenção em assuntos internos, mantendo a possibilidade concreta de tutela militar sobre o governo civil. Além disso, mantiveram o serviço militar obrigatório, as prerrogativas da Justiça Militar no julgamento de civis em crimes contra as instituições militares, o Conselho de Segurança Nacional e o SNI. Havia na Constituinte proposta determinando a extinção imediata do órgão, mas, devido à articulação de Ivan de Souza Mendes diretamente com Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral, tal proposta foi rejeitada, nem chegando a constar no anteprojeto (FIGUEIREDO, 2005, p. 399). Conseguiram, ainda, vetar a proposta de criação de um Ministério da Defesa, em lugar dos ministérios militares, e impedir, por pressão direta de Sarney e do ministro Moreira Lima, que o Departamento de Aviação Civil (DAC) fosse desvinculado da Aeronáutica (SIMONETTI, 12.5.1987; GREENLESS, 16.6.1987). (2012, p.247-248, grifo nosso)

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Aspecto interessante é aquele no qual o Relator da Constituinte, Dep Fed Bernardo Cabral, solicita que Saulo Ramos o acompanhe na entrega da proposta final da Constituição ao Min Ex, General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, antes mesmo de leva-la ao Presidente Sarney. O Consultor Geral da República estranhou o fato, mas ao ler trecho da Carta Magna que mencionava nominalmente Luís Carlos Prestes - comunista histórico e contrário às Forças Armadas do Brasil desde que resolveu sair do Exército Brasileiro – sabia que aquele trecho nunca seria aceito pelos militares, conforme transcreve: Chegamos à casa do General Leônidas. O Ministro nos esperava na porta e nos convidou para entrar. Agradeci, disse que viera apenas trazer o Bernardo e dera uma lida no trabalho às pressas, no carro, e não gostara. E que deixava o deputado para conversar com ele, Leônidas, pedindo para depois conseguir um carro que o levasse. - O Saulo é muito brincalhão - disse Cabral para o Ministro. - Está sempre me pondo no fogo. Ele, que me conseguiu o cargo de relator, agora fica dizendo essas coisas. Enquanto os dois estavam entrando, eu, do carro, vidro baixado, gritei para o Leônidas:— Ministro, a leitura disso tudo tomará tempo. Mas não deixe de ver que, nas disposições transitórias, tem um comando que promove Luiz Carlos Prestes a Marechal! E mandei o carro tocar. Quando Cabral me disse que, nas transitórias, estava previsto um novo plebiscito, dei uma olhada e topei com aquela magnifica bobagem: promoção de Prestes a marechal, cargo que nem sequer existia mais nas Forças Armadas. Ainda ouvi do Leônidas: - O quê? [...] — Que cara-de-pau! — exclamou o General Leônidas, quando atendi ao telefone. — Quem? — O Bernardo Cabral! Você̂ acredita que ele... — Acredito em tudo! — intercalei na conversa. — ... que ele tentou me convencer...— A promoção de Prestes a marechal? — Não! Não! Essa coisa não passa. O posto não existe mais, e seria impossível conter a oficialidade das três forças, se uma aberração desse tamanho constasse da Constituição. Seria até ridículo para o Brasil. (RAMOS, 2007, p. 254-255, 269-270, grifo nosso)

Ao fim, a Constituição Federal ficara, no que tange à missão atribuída às Forças Armadas, conforme se julgava adequado, dispondo conforme se segue na Lei Maior: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988)

Ao observar o equivalente ao artigo acima em constituições anteriores, as mudanças maiores deram-se a partir da Constituição Federal de 1946, conforme se segue: -1ª Constituição, 1824, Artigo 147: “A força militar é essencialmente obediente, jamais poderá reunir-se, sem que lhe seja ordenado pela autoridade legítima”. 31

- 2ª Constituição, 1891, Republicana, Artigo 14: “As Forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A Força Armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições nacionais.” - 3ª Constituição, 1934, Artigo 162: “As Forças Armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a ordem e a lei.” - 4ª Constituição, 1937, Artigo 161: “As Forças Armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina hierárquica e da fiel obediência à autoridade do presidente da República.” - 5ª Constituição, 1946, Artigos 176 e 177: “As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e dentro dos limites da lei. Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.” - 6ª Constituição, 1967, Artigo 92: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e dentro dos limites da lei. Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.” - 7ª Constituição, 1969, Artigos 90 e 91: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e dentro dos limites da lei. As Forças Armadas, essenciais à política de segurança nacional, destinam-se a defender a Pátria e à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.” (1994, p.24-25)

O final do Governo José Sarney foi bem caracterizado pela elevada inflação, mesmo já tendo ocorrido a eleição de Fernando Collor de Mello. Em dezembro de 1989, com vistas e reunir ministros - Maílson da Nóbrega; Ministro do Planejamento, João Batista Abreu; Ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves; Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Otávio Moreira Lima; Ministro da Marinha, Almirante (Alte) Henrique Sabóia; Ministro Chefe da Casa Civil, Ronaldo Costa Couto; e Ministro Chefe do SNI, General Ivan de Souza Mendes - a fim de analisarem a proposta de Maílson da Nóbrega e João Batista Abreu, que defendiam a tese de renúncia do Presidente e antecipação da posse, o Presidente Sarney ouviu-os, sendo testemunha naquele importante momento nacional Saulo Ramos, que demonstra, em suas palavras a ação decisória do Gen Leônidas: - Senhor Presidente, queira me desculpar — comecei eu com calma —, mas os ministros da Fazenda e do Planejamento estão propondo uma solução teratológica! É loucura de camisa-de-força. Acabamos de voltar à democracia com o nosso Governo, temos uma Constituição legitimamente votada por uma Constituinte livre, estamos com um Presidente da República eleito pelo voto direto, cuja posse está marcada para o próximo mês de março, o sistema institucional funcionando, tudo começando de novo e bem. Um impacto como este — a renúncia do Presidente da República - pode 32

balançar os alicerces da democracia brasileira, ainda uma criança, que está dando seus primeiros passos. Tem apenas cinco anos. Tanto os brasileiros como os países do resto do mundo não entenderão um gesto tão imprudente, senão doidivanas como esse. Seremos vistos como irresponsáveis. Considero a proposta uma traição não somente ao Presidente da República, mas ao Brasil. - Traição! Não aceito essa palavra. É muito forte - retrucou Maílson. - Vai aceitar, sim senhor - disse o General Leônidas, dando um tapa na mesa. [...] O General Ivan de Souza Mendes votou com os ministros da área econômica, Maílson e João Batista. Foi a vez do General Leônidas falar. Ferveu e reagiu a ele, e disse em voz alta: - Fica quieto, Ivan! Se você̂ insistir nesse assunto, nós discutimos lá́ fora: só́ eu e você̂ . [...] Os ministros militares votaram com o Ministro da Justiça. Inclusive o General Bayma Denis, sempre muito atento a tudo e uma espécie de termômetro entre o passado recente e o nosso nervoso presente. O Ministro Costa Couto, especialista em panos mornos, preocupou-se mais com a hipótese de o Leônidas dar um murro no Ivan quando saíssem, do que com a ideia da renúncia; e escusou-se de dar qualquer opinião, como bom mineiro. (RAMOS, 2007, p.196-198, grifo nosso)

As questões referentes às necessidades relativas ao Poder Militar, no sentido de investimento na aquisição de material de emprego militar dentre outras produtos de defesa, importante relembrar que a situação das Forças Armadas não era ideal, em que pese a Chefia do Poder Executivo estar por mais de 20 anos sob um Presidente que era General-de-Exército. Cita Maciel que Sarney buscou atender certas carências das Forças Armadas: [...] Os baixos índices de popularidade, que chegaram a míseros 15% aprovação, revelaram a aguda crise de legitimidade de seu governo, cada vez mais dependente da tutela militar. Quanto mais Sarney perdia legitimidade política, mais atendia às demandas militares, como nos casos da concessão de reajuste salarial não repassado para o restante do funcionalismo; da liberação de verbas para a modernização do aparelhamento militar e a compra de armas e equipamentos; e das manobras para esvaziar a inevitável redução das atribuições militares na institucionalidade a ser criada pela nova Constituição, como o novo regulamento do SNI e a criação da Secretaria de Defesa Nacional.[...] No mesmo mês, Sarney transferia da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) para o Ministério do Exército o controle dos acidentes nucleares, como o que ocorreu em Goiânia (GO), em 1987, reforçando a autonomia militar na questão nuclear.[...] (2012, p.322-323, grifo nosso)

As Forças no quinquênio do Governo Sarney, conforme a Mensagem ao Congresso Nacional, de 31 de dezembro de 1989, na qual faz-se uma síntese do que foi feito, tiveram algumas benesses. Marinha do Brasil: domínio da tecnologia necessária ao enriquecimento isotópico do urânio, com ampla aplicação fora da área militar; desenvolvimento do projeto de reator de pequeno porte, tanto aplicável à propulsão nuclear de submarinos, como na geração de energia elétrica em áreas remotas; o início da construção do primeiro submarino convencional brasileiro, de 33

uma série de três, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Exército Brasileiro: iniciada a implantação da Aviação do Exército, com a aquisição de 52 helicópteros; início da implantação do Centro de Instrução de Guerra Eletrônica; transferência, transformações, extinções ou desativações de organizações militares obsoletas ou fora da estrutura doutrinária; a construção da nova sede do Centro de Tecnologia do Exército, em Guaratiba-RJ; criação do Programa Calha Norte, dentre outras diversas ações de desenvolvimento, segurança e defesa, a criação do 5º Batalhão Especial de Fronteira e pelotões especiais de fronteira (PEF); e Criação do Curso de Política e Altos Estudos do Exército (CPEAEx). Aeronáutica: desenvolvimento da aeronave AM-X; construção e reaparelhamento de aeroportos; pesquisa e desenvolvimento aeroespacial; desenvolvimento do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEA); e Programa Construção e Reaparelhamento de Aeroportos; Programa Pesquisa e Desenvolvimento Aeroespacial. Corroborando o acima descrito, Maciel apresenta em sua obra: Desde o início, o governo liberou verbas para expansão e aparelhamento das Forças Armadas, revertendo a tendência de queda nos gastos militares, que vinha desde os anos 70. As iniciativas neste sentido foram a criação de mais um comando militar e o programa de modernização do Exército previsto para durar até 2015, os chamados FT- 90, FT-00 e FT-15. Além dos seis comandos anteriormente existentes (Iº, IIº, IIIº, IVº Exércitos e Comandos Militares da Amazônia e do Planalto), foi criado o Comando Militar do Oeste, abrangendo os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul e desmembrando o antigo IIº Exército, agora denominado Comando Militar do Sudeste e restrito ao Estado de São Paulo. Em dezembro, foi aprovado o primeiro programa de expansão e aparelhamento do Exército, Força Terrestre 1990, que previa não só o aumento dos efetivos, mas a ampliação dos regimentos, a modernização de armas e equipamentos e o fortalecimento da Imbel (Indústria de Material Bélico do Exército), visando ao atendimento das necessidades da própria Força. Isto evidencia que, na questão da indústria bélica, os militares mantiveram e ampliaram seu controle, mantendo o Brasil na posição de grande exportador de armas. Em 1986, Sarney fortaleceu mais ainda a autonomia dos militares na questão nuclear, transferindo o controle da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) do Ministério das Minas e Energia para a presidência da República. Na prática, o controle do setor seria feito pelo secretário do Conselho de Segurança Nacional, ministro do Gabinete Militar, general Bayma Denis (ZAVERUCHA, pp. 169-181; STEPAN, 1986, pp. 81-108; OESP,12.10.1985; JT, 11.12.1985). (2012, p.119-120, grifo nosso)

Ao final do Governo Sarney, ano de 1989, os dados econômicos, sociais e militares apresentavam-se conforme se segue: Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 373,13 bilhões; população de 150.189.000; efetivos das Forças Armadas de 324.200 (223.000 no Exército Brasileiro, 50.500 na Marinha do Brasil e 50.700 na Aeronáutica); % Forças Armadas/PIB de 0,4; 20º 34

maior efetivo de Forças Armadas do mundo com o 44ª orçamento de Defesa dentre países catalogados. (OLIVERIRA,1994, p.262-264). Ao final do quinquênio do Governo Sarney, pode-se verificar como conclusão parcial, que aquele longevo político maranhense conseguiu, mesmo oriundo de um Estado marcado pela menor projeção nacional, assumir o mandato presidencial, cercado de incertezas, frente a um Presidente eleito – Tancredo Neves – em situação nosológica que o levou à morte – e à frente de um País com carências sociais e econômicas agravadas. Manteve a equipe designada por Tancredo, assessorou-se e confiou plenamente nas pastas militares para conduzir as Forças Armadas, sendo o General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército, o principal fiador, destacando-se que a amizade de ambos, iniciada na década de 1950, fator preponderando para confiança mútua. Um ponto nevrálgico no período foram os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, na qual parlamentares vinculados ao Conservadorismo ou Progressismo buscaram efetivar direitos diversos e até mesmo adotar condutas que poderiam prejudicar as Forças Armadas, tais como excluir a possibilidade de ações de Garantia da Lei e da Ordem pelos militares federais, hoje tão em voga, sendo a população brasileira a maior prejudicada. A visão e defesa inconteste do General- de-Exército Leônidas foram vitais para manutenção desta função constitucional. Dessa forma, vê-se como lição apreendida que a aproximação do Presidente da República de seus ministros ou comandantes militares beneficia o Brasil, que poderão dar-lhe o apoio necessário em situações de tensão social, funcionando até mesmo como força estabilizadora quando de instabilidade política. No entanto, fatores econômicos vividos à época dificultaram a necessária alocação de recursos financeiros para Marinha, Exército e Aeronáutica, sem poder adquirir novos materiais de emprego militar, mantendo apenas a capacidade intelectual de seus quadros, formando-os em estabelecimentos de ensino exemplares e históricos. As relações do Presidente Sarney com os militares foram pautadas pelo respeito e deferência, aproveitando as partes para prover, dentro das possibilidades à época existentes, aumentares a sensação de Segurança, promovendo a Defesa e gerando o desenvolvimento, este bem caracterizado pela simbiose proporcionada pelo Programa Calha Norte, que obteve crescimento e vivificou a região de fronteira do Brasil. 35

5 GOVERNOS DE FERNANDO COLLOR E DE ITAMAR FRANCO

Fernando Affonso Collor de Mello, nascido em 12 de agosto de 1949 no Rio de Janeiro-RJ, era um antigo político cuja carreira fora toda conduzida no Estado de Alagoas, onde havia sido governador, bem como prefeito de Maceió, além de deputado federal. Nascido no Rio de Janeiro, neto e filho de políticos (Lindolfo Collor e Arnon de Mello), era economista de formação. Havia sido filiado aos partidos que apoiavam o conservadorismo, como a ARENA, UDN e PDS. Posteriormente, filiou- se ao PMDB, no auge do sucesso do Plano Cruzado (Governo Sarney), eleito governador de Alagoas, projetando nacionalmente aquilo que seria seu diferencial: “O caçador de marajás”, que seriam servidores públicos com vencimentos bem superiores à população economicamente ativa. Sendo o 15º presidente eleito pelo voto direto, tendo vencido políticos manifestamente contrários ao Regime Militar (1964-1985) – Leonel de Moura Brizola (PDT) e Luís Inácio Lula da Silva (PT), este vencido em 2º Turno com diferença de seis pontos percentuais - recebeu o País com inflação de 84,32% ao mês. O seu governo foi marcado por tentativas de debelar a inflação, no que não foi bem-sucedido, iniciando seu mandato com a divulgação e efetivação do Plano Brasil Novo (“Plano Collor I”, “Plano Collor II” e “Plano Marcílio”), sem que, ao final, conseguisse diminuir os elevados índices de preços, diminuído sua aceitação junto aos brasileiros, o que, certamente, contribuiu para o Impeachment que sofreria em 1992. Os ministros militares que compunham seu governo eram: Marinha do Brasil: Almirante de Esquadra Mário César Flores; Exército Brasileiro: General-de-Exército Carlos Tinoco Ribeiro Gomes; Aeronáutica: Tenente-Brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro; e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General-de-Exército Antonio Luiz Rocha Veneu. Conforme apresenta Oliveira, o Presidente Collor buscou, ainda candidato em 1989, observar propostas de partidos de esquerda, centros de pesquisa e sociedade para sua política direcionada à área militar: Collor demonstrou uma forte sensibilidade política na escolha dos ministros militares cujos perfis profissionais não se identificavam com o regime militar nem representavam uma ruptura com o passado recente da instituição militar. [...] E a nomeação dos três ministros militares, constituindo um acerto de Collor neste domínio tem o mesmo significado do processo de transição: a dialética da continuidade e da mudança. Ao que se sabe, Collor 36

não permitiu que lhe foçassem a porta: os ministros militares foram escolhidos em razão da coerência dos seus perfis político-profissionais com o processo democrático. Além destas circunstâncias, estes ministros militares diferem de seus antecessores porque orientaram-se pela discrição, ocupando-se raras vezes de comentar a vida política, não pressionando ilegitimamente as áreas de decisão nem exorbitando de suas funções, mesmo considerando que são delicadas, e por vezes pouco delimitadas, as fronteiras entre os aspectos políticos e militares desta função ministerial.(1994, p.204-205)

Esses oficiais-generais não tiveram boa impressão em contatos iniciais com Fernando Collor, que nomeou para Ministro-Chefe da Casa Militar o Gen Bda Agenor Homem de Carvalho com vistas a acompanhar a montagem do novo governo, conforme citam Castro e D’Araujo (2001, p.23). Esta falta de empatia fica bem ilustrada nas palavras de ministros militares da época: O relacionamento pessoal entre Collor e os militares, no início do governo, era difícil. Segundo Sócrates, Collor “falava muito e ouvia pouco”, fazia questão de se manter distante e nunca se reuniu informalmente com os ministros militares. Para Tinoco, Collor, no início, se colocava “numa espécie de pedestal. Os oficiais-generais o cumprimentavam e ele não estendia a mão. Então isso causava uma certa espécie”. A falta de simpatia mútua foi aos poucos sendo revista, segundo os ministros, em grande parte devido à influência do general Agenor, que se tornou cada vez mais próximo de Collor. Além disso, os ministros militares esforçaram-se por fazer o presidente conhecer melhor as Forças Armadas, levando-o a visitar diversas unidades militares, inclusive bases na selva amazônica, e convidando-o a viajar em jatos da Força Aérea e a visitar navios de guerra. (CASTRO e D’ARAUJO, 2001, p.26, grifo nosso)

Corroborando a imagem negativa de oficiais-generais ao Presidente Collor, o General-de-Exército Zenildo Zoroastro de Lucena e o Almirante-de-Esquadra Mário César Flores, futuros ministros do Exército e da Marinha asseveraram em entrevista:

[...] O general Zenildo, então vice-chefe do Estado-Maior do Exército, acha que o período do governo Collor foi muito ruim para os militares: “nós nos sentíamos lá́ embaixo (...), no nível mais baixo do nosso moral, da nossa autoestima”. O almirante Mauro César afirma que, para a maior parte da oficialidade da Marinha, a sensação era de que Collor tentava deliberadamente “espezinhar” os militares, tratando-os não apenas com “um desprezo total”, mas, pior que isso, “com a intenção de machucar”. (CASTRO E ARAÚJO, 2001, p.27, grifo nosso)

Fruto dessas dificuldades econômicas, uma das quatro principais demandas das Forças Armadas ao Presidente Collor não foram atendidas a contento, colaborando para a manutenção de soldos insuficientes, bem como aumento das limitações de material de emprego militar disponibilizados à Marinha do Brasil, ao 37

Exército Brasileiro e à Aeronáutica. Cabe citar o que apresenta Oliveira como demandas e respostas: DEMANDAS MILITARES AO GOVERNO COLLOR: 1. Adiamento da adoção do Ministério da Defesa; 2. salários e investimentos; definição da missão estratégica; preservação da autoridade funcional dos ministros militares. Respostas do Governo COLLOR ÀS DEMANDAS MILITARES: adiamento do Ministério da Defesa sob o argumento de que ele seria mais adequado no parlamentarismo; 2. Condicionado aos planos econômicos; 3. Não-determinado positivamente, mas negativamente através do encolhimento de suas funções mediante mudanças no Gabinete Militar, áreas de informações (extinção do SNI e criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos) e Estado-maior das Forças Armadas; 4. Atendida com relação às associações civis de funcionários militares, as quais não foram reconhecidas como interlocutoras do aparelho militar junto ao presidente. (1994, p.200)

Algumas questões bem demonstravam a distância de Fernando Collor dos militares, tais como demarcação de reservas indígenas, em 1991, que poderiam projetá-lo positivamente para Organizações Não Governamentais (ONG), governos estrangeiros, dentre outros, mas não pareciam favoráveis ao Poder Nacional, conforme exemplifica Abranches: Uma semana depois, no dia 15 de novembro, em solenidade no Planalto, o ministro da Justiça assinou portaria que definia a reserva ianomâmi, totalizando 9,4 milhões de hectares, nos estados de Roraima e Amazonas. Collor disse em seu discurso que a decisão fora fruto de “sólido consenso” no governo. Mas o ministro do Exército e o da Educação, José Goldemberg, se opuseram à demarcação. O governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho (PMDB-AM), e o Roraima, Otomar Pinto (PTB-RR), e o ex- governador de Roraima, Romero Jucá (PDS-RR), também se opuseram. (2018, p.109-110)

Esta questão da Reserva, que abocanhava quantidade considerável de Roraima, decidida pelo Presidente Collor, contou com posição contrária dos militares, conforme atesta Oliveira: [...] A polêmica envolveu o general Taumaturgo Sotero Vaz, chefe do Estado-maior do Comando Militar da Amazônia, que qualificou de babacas todas as pessoas e instituições (inclusive governos estrangeiros) suspeitas de pretenderem dividir a Amazônia, aí incluindo o ministro José Lutzemberger (do Meio Ambiente): se estes babacas tentarem entrar aqui, nós vamos cair de porrada neles como guerrilheiros. [...] O ministro do exército, general Tinoco, parece ter apoiado as posições externadas pelo general Taumaturgo. Também o ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves criticou Lutzemberger em conferência pronunciada na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, comparando as suas posições manifestas na Europa com as de Luiz Carlos prestes a quem se atribui a disposição de ficar do lado da União Soviética numa hipotética guerra contra o Brasil. (1994, p.285-286)

Além da questão das reservas indígenas, buscou Collor não manter com os militares o mesmo grau de aproximação ou deferência que tinha o Presidente 38

Sarney junto aos seus ministros das Forças Armadas. Collor resolveu extinguir o SNI, modificou o estatuto do Gabinete Militar e Estado-Maior das Forças Armadas, conforme relembra Oliveira (1994, p.207). Além disso, foi o primeiro presidente, desde 1936 a não participar de evento bastante caro às Forças Armadas, qual fosse a presença do presidente da República na homenagem aos mortos na Intentona de 1935, à qual ele não compareceu, sem sequer explicar a razão para tal ato. (CASTRO E D’ARAUJO, 2001, p.27) Limitou ainda as pesquisas na área nuclear conduzidas por militares, estando presente em evento meramente simbólico de jogar cal em suposto poço de testes de artefatos nuclear, evento para o qual levou, a contragosto, ministros das Forças Armadas, fato acontecido em 18 de setembro de 1990, na Serra do Cachimbo-PA, conforme citam Castro e D’Araujo: Segundo o brigadeiro Sócrates, “aquilo desagradou profundamente às Forças Armadas”, pois da maneira como ocorrera ficava evidente tratar- se de um ato de marketing que aparentava, para a opinião pública, ser contra os militares e seu programa nuclear paralelo, quando, na verdade, os próprios militares já́ não estariam mais dispostos a dar continuidade a esses projetos. O general Tinoco confirma que viu o episodio como puro marketing e que isso repercutiu mal na oficialidade, que o interpretou como uma hostilidade. (2001, p. 26, grifo nosso)

A divergência de Collor par com o SNI, órgão que não era militar, mas costumeiramente dirigido por um General do Exército e no qual havia militares trabalhando ao lado de civis, talvez remeta ao fato de aquele Serviço ter formulado ficha do então prefeito de Maceió, que resolveu contratar milhares de funcionários ao final de seu mandato conforme relembra Conti, citando ainda o fato de o ministro- chefe do SNI do Governo Sarney, General-de-Exército Ivan de Souza Mendes não recebê-lo: [...] Collor veio a descobrir que, na sua ficha no Serviço Nacional de Informações, SNI, era apontado como responsável pelas contratações de fim de mandato, caracterizadas como “empreguismo eleitoral”. Seu tio, Leopoldo, irmão de Leda Collor, diplomata que tinha servido no SNI, recomendou-lhe que escrevesse uma explicação sobre o caso, para ser anexada à sua ficha. Collor redigiu 45 páginas de uma mirabolante isenção de culpa: havia apenas dezesseis nomes na folha de ofício que assinou, e ele apôs sua rubrica nas folhas adicionais sem perceber que era uma lista de milhares de nomes”. [...] (1999, p.86-87, grifo nosso)

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Corroborando esta ideia, apresentam Castro e D’Araujo a visão de militares sobre o candidato do PRN, conhecido em Alagoas, mas com pequena difusão nacional de seu nome:

Fernando Collor assumiu a presidência da República tendo pouco contato prévio com o meio militar, no qual era visto com desconfiança. A desavença que teve com o general Ivan, chefe do SNI, a quem chamou de “generaleco”, e a promessa de extinguir o órgão logo no início de seu governo foram vistas como postura demagógica e hostil aos militares. Segundo o general Denys, também já́ havia informações e boatos desabonadores em relação à vida pessoal e administrativa de Collor. No entanto, a preocupação com uma possível vitória de Lula era maior, e Collor, nesse contexto, tornou-se o adversário capaz de derrotar a esquerda. [...] No início de seu governo, Collor tomou diversas medidas que afetaram direta ou indiretamente as Forças Armadas, sem consultar previa- mente os ministros militares. Nossos entrevistados apontam as que lhes causaram incômodo. A principal foi a extinção do SNI, que trouxe incerteza em relação ao futuro da atividade de informações no Brasil, até então monopólio dos militares. A SAE, que reuniu parte do espólio do SNI, teve sua área de informações radicalmente diminuída, graças principalmente à demissão de oficiais da reserva que lá́ trabalhavam. (2001, p.24-25, grifo nosso)

No entanto, já sob o processo do Impeachment de seu mandato, Fernando Collor adotou políticas junto aos militares que iam de encontro àquilo que manteve como característica sua para com as Forças Armadas, qual fosse a manutenção protocolar de laços, sem aproximação ou demonstração de deferência: [...] Collor tinha reajustado os soldos dos militares por meio de uma gratificação por atividade militar, aumentando a pressão sobre o orçamento fiscal já debilitado pela recessão. [...] Antonio Carlos Magalhães disse que Collor teria que escolher entre o apoio político e administrativo do PFL e a política econômica recessiva, rejeitada pelo partido. Os militares se inquietavam. De um lado, pressionavam Marques Moreira pelo reajuste de 65% nos soldos. De outro, pediam ao ministro da Justiça, Célio Borja, que ficasse no governo para garantir a governabilidade, porque teria importante papel a desempenhar na transição para o mandato do vice. (ABRANCHES, 2018, p.121-122)

O processo de Impeachment foi longo e penoso, sem, no entanto, o envolvimento dos militares, que buscaram portar-se como sendo uma questão atinente ao Congresso Nacional:

Também é importante lembrar, para compreender a atuação dos militares durante o processo que levou ao impeachment, a postura assumida pelo próprio presidente Collor, com seu distanciamento e dificuldade de relacionamento com os militares. O general Veneu lembra que Collor tinha uma personalidade difícil, muito confiante, e que não se relacionava bem com os militares nem os defendia quando atacados pela imprensa: “por exemplo, num episódio de acusação de superfaturamento na com- pra de fardamento, ele não levantou uma 40

palha para defender o Tinoco”. Além disso, mesmo fragilizado politicamente, parece não ter tentado aproximar-se das Forças Armadas em busca de apoio — porque não quis ou porque já era tarde demais? (CASTRO E D’ARAUJO, 2001, p. 32, grifo nosso)

As atividades do Congresso relativas às investigações de corrupção perpetradas por Paulo Cesar Farias, amigo próximo ao Presidente Collor resultaram em diversas manifestações pelo País a favor da deposição do Chefe do Poder Executivo, certamente influenciando senadores e deputados federais. O conhecido PC Farias não teve contatos nos ministérios militares, algo frisado pelo General-de- Exército Tinoco:

A natureza das acusações a Collor eram sérias. Pelo que o sr. disse, o CIE era o único órgão de informações funcionando plenamente. Havia preocupação, no CIE, de saber se havia algum fundo de verdade nessas denúncias? - Não, a gente não tinha acesso a isso. O que se dizia é que o PC procurava conduzir certos assuntos junto aos ministérios civis, e que isso talvez gerasse alguma vantagem financeira para ele. Mas, com relação aos ministérios militares, nunca houve nada, o Paulo César Farias nunca foi lá́ . Ele não se metia com os ministérios militares, de modo que nós não tínhamos informações, nem buscávamos esse tipo de informação. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p. 133, grifo nosso)

Em 26 de agosto de 1992, após a leitura do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), por parte do Senador Amir Lando, chegando à conclusão que a conduta de Fernando Collor fora incompatível com o decoro do cargo foi proposta a renúncia ao Presidente, que a rechaçou de imediato. No dia seguinte o general Agenor Homem de Carvalho, chefe do Gabinete Militar, procurou o presidente. Ele havia se reunido antes com o senador Marco Maciel e os ministros Jorge Bornhausen e Ricardo Fiúza. Aceitara dos chefes do PFL a incumbência de sugerir a Collor que renunciasse. “Estranho que um militar correto, de postura exemplar, proponha a um presidente da República um gesto covarde”, disse Collor ao ouvir a proposta. “Não se abandonar a luta no meio da batalha.” (CONTI, 1999, p. 655, grifo nosso)

A questão citada relativa a uma licitação deu-se após publicação do jornal O Globo, em de outubro de 1991, levantando suspeitas na aquisição do material pelo Exército, sendo repelido pelo ministro Carlos Tinoco, afirmando ser aquilo destinado a prejudicar a imagem das Forças Armadas. Após aquilo, a revista Veja também fez matéria sobre o mesmo assunto. Algum tempo depois, o Gen Tinoco compareceu ao Congresso, conforme cita Conti, sem que tivesse qualquer apoio do Presidente Collor: Na quarta-feira, o general Tinoco prestou depoimento na Comissão de Defesa da Câmara Federal. “Os ministros militares não são fritados”, 41

disse ele aos parlamentares. “Ou eles se demitem ou são demitidos”. No dia seguinte, Collor convocou Tinoco e os ministros militares para uma reunião no Palácio do Planalto sobre a concorrência superfaturada. Deixou-os esperar uma hora. Quando o presidente os recebeu, o general explicou que a imprensa havia dado uma interpretação errônea à sua frase. Ele não queria dizer que os militares eram diferentes dos civis. (1999, p.485, grifo nosso)

Ao final, seu governo fica bem caracterizado pelas palavras de Ramos: O governo Fernando Collor passou à História como sinônimo de corrupção. Da eleição (1989) ao impeachment (1992), a gangue que ocupou o Poder Executivo naquele período arrecadou US$ 1 bilhão com achaques, mutretas e golpes, segundo cálculos da Polícia Federal. A máquina de roubar ficou conhecida como Esquema PC, uma referência ao nome do tesoureiro da campanha presidencial de Collor, Paulo César Farias. (2007, p. 461)

Frisa aquele autor ainda a tentativa que fez o Presidente Collor em mudanças ministeriais com vistas a receber benesses na troca de votos para não ter seu mandato cassado, no que houve oposição dos militares (2018, p. 127) Em 29 de dezembro de 1992, durante sessão do Senado Federal destinada a julgá-lo, Fernando Collor, usando seu advogado, leu uma carta destinada ao presidente daquela Câmara Alta, na qual renunciava ao cargo para qual foi eleito em 2º turno em 17 de dezembro de 1992. Deixava a Presidência da República, sendo, mesmo assim, impedido de concorrer a qualquer cargo público até o ano 2000, sanção aplicada pelo Senado. Conforme cita Conti, Pedro Collor de Mello, seu irmão, delatou as irregularidades, chamando-o, no livro de sua autoria Passando a limpo - A trajetória de um farsante, de 1993, de “vaidoso”, “preguiçoso”, mal-intencionado”, “perdulário”, “dogmático”, arrogante” e mau-caráter”. Na obra, menciona um diálogo travado entre sua mãe e irmã - Leda Collor e Ana Luiza (Confidente) – citando inclusive o consumo de cocaína por parte de Fernando Collor, mencionando ao final daquela conversa a lástima que afligia a genitora da família: D. Leda: não quero defender PC nem Fernando, mas qualquer pessoa do mundo poderia denunciar os dois, menos o Pedro. Já no fim da vida não poderia me acontecer nada pior, um filho ladrão e outro delator! - Confidente: O que é melhor, um ladrão ou um delator? - D. Leda: Não sei, acho tudo péssimo...Tenho um filho presidente da República que é ladrão, um que resolveu tirar suas casquinhas também, e tenho um outro que é ótimo empresário, mas resolveu transformar-se num delator. (1999, p.671-672, grifo nosso)

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Naquilo que se relaciona aos assuntos de interesse militar, o Governo Collor não destinou recursos necessários às demandas castrenses, ficando bem exemplificado isso nas palavras de Oliveira: Ao final do governo Collor e durante o primeiro ano do governo do presidente Itamar Franco, o Projeto Calha Norte sofre cortes muito importantes dos seus recursos orçamentários, aponto de ser considerado praticamente desativado pelo seu responsável, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. De outro lado, a vasta questão amazônica (o Calha Norte inclusive) passa por uma fase crítica com a denúncia promovida pelo Estado-Maior do Exército na Comissão de Defesa nacional da Câmara dos Deputados do perigo que manobras militares americanas na Guiana representariam para a soberania brasileira. (1994, p.274, grifo nosso)

Reiterando a ideia acima, o Brigadeiro Lôbo, afirmou quanto ao Governo Collor quanto à sua imagem antes de assumir o mandato:

A grande dificuldade que enfrentamos no governo Collor — que já enfrentávamos antes, mas talvez tenha ficado um pouco mais intensa — foi conseguir recursos para manter a força funcionando de forma razoável. Nós fomos obrigados, ao longo do tempo, a reduzir nossas atividades. Quando o Sócrates assumiu em 1990, eu mesmo disse: “Sócrates, acho que devemos começar a reduzir a atividade aérea imediatamente, porque estamos em um nível mais elevado do que aquele que nossos recursos são capazes de suportar”. E realmente nós começamos a reduzir as horas de voo (CASTO, D’ARAUJO, 2001, p.228)

Isso vai ao encontro das palavras do General-de-Exército Tinoco, conforme relembram Castro e D’Araujo:

[...]Então fomos eu e um outro oficial-general, também meu companheiro de turma, e conversamos com o Collor cerca de uma hora, basicamente sobre o Ministério da Defesa, que era um assunto que o preocupava. Ele tinha a ideia de criar o Ministério da Defesa e foi desestimulado em função das conversas que teve com o Leônidas, além de outros. De- pois, estive com ele numa outra ocasião, quando já ia disputar o segundo turno, também para trocar ideias sobre assuntos de interesse das Forças Armadas. A impressão que se tem é de que ele tinha pouco contato com o meio militar. - Tinha muito pouco contato. Inclusive tinha uma certa ojeriza, porque ele teve um problema com o general Ivan. Foi uma pena, na ocasião, o presidente Collor cismar de acabar com o SNI. [...] Qual era a impressão a respeito do presidente Collor na área militar? Achava-se que era bem informado, bem-intencionado, ou havia coisas que os senhores não compreendiam? - O presidente, quando assumiu, não tinha ideia exata do que fossem as Forças Armadas. Desconhecia muita coisa, mas gostava de ouvir e era um homem racional, tanto que concordou em não criar o Ministério da Defesa naquela ocasião, em função de nossa argumentação. [...] O presidente não tinha ideia exata do que eram as Forças Armadas, e os ministros militares começaram a entender que precisavam fazer com que o presidente, aos poucos, começa-se a entender. No caso específico do Exército, levei-o a visitar as unidades principais de Brasília. Ele visitou o BGP, o RCG, que eram as unidades que davam guarda ao palácio, o Centro de Instrução de Guerra Eletrônica, o 43

Centro Cartográfico do Exército. Na semana seguinte à posse, ele fez uma viagem a Roraima, foi visitar o Pelotão de Surucucu, onde existe uma aldeia Ianomâmi bem em frente ao quartel. Lá ele assistiu a uma exposição de um tenente, comandante do pelotão, e viu a qualificação desse oficial para mostrar certas coisas, falar, expor. Viu como vivia aquela tropa e as famílias dos oficiais e sargentos que havia ali. Começou a perceber aos poucos o que eram as Forças Armadas. Tanto que, no fim desse primeiro ano, 1990, ele fez uma visita à Amazônia e, no Batalhão de Selva de Tabatinga, fez um discurso e um elogio enorme às Forças Armadas, particularmente àquele pessoal da fronteira. E com isso ele foi se informando. Depois veio aqui ao Rio visitar a Brigada Paraquedista e o Batalhão de Forças Especiais. Visitou nessa ocasião a Escola Superior de Guerra, a Fortaleza de São João. Então, paralelamente, a Marinha e a Aeronáutica faziam algo parecido: ele voou em jato da Força Aérea, andou em navio da Marinha etc. Nessa visita que fez à Amazônia, passou uma noite numa base de selva do Centro de Instrução de Guerra na Selva. Demonstrou também vontade de visitar o Pan- tanal, e nós organizamos essa visita. Ele passou lá́ uns três ou quatro dias acampado numa barraca. (2001, p.122, 127-128, grifo nosso)

Especificamente, no que se referem às Forças, no Governo Collor os seguintes itens podem ser destacados, de acordo com a Mensagem do Presidente ao Congresso dos anos 1991 e 1992. Marinha do Brasil: construção de 4 corvetas da classe Inhaúma; construção, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro de 3 submarinos da classe Tupi; construção de navios patrulha; implantação do Plano de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Marinha. Exército Brasileiro: transferência de organizações do Comando Militar do Sul e do Comando Militar do Leste para o Comando Militar da Amazônia; e organizado o Comando de Operações Terrestres (COTER). Aeronáutica: construção de sedes de aeródromos e aeroportos na Região Amazônica; implantação do Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia; implantação do Centro de lançamento de Alcântara; na Amazônia, apoio ao Exército na logística dos Batalhões de Fronteira (Projeto Calha Norte); apoio à Polícia Federal no combate ao narcotráfico e na retirada de garimpeiros invasores e assistência aos ribeirinhos, mediante transporte com helicópteros e aviões; Depreende-se dos quase três anos do Governo Collor que foi pouco propício nas relações entre Presidência da República e Forças Armadas, cujo Comandante em chefe parecia importar-se mais com questões que pudessem projetá-lo junto à mídia, recorrendo aos militares quando queria estar na imprensa escrita ou televisada, bem como aparecer perante outras nações, caso da demarcação de reservas indígenas. Seus antecedentes junto ao SNI talvez o tenham afastado dos militares e do correto assessoramento de Inteligência, ficando à mercê do que acontecia e era apurado particularmente por jornais, revistas e redes de televisão, sendo conduzido a reboque dos acontecimentos, estes apenas vistos pelos ministros militares, sem que adentrassem no processo de Impeachment que o levou à renúncia ao cargo. O padrão de comportamento das Forças Armadas, seguindo o previsto na Constituição, foi modelar, a despeito do tratamento de pouco relev6ancia destinada 44

pelo Presidente Collor aos seus ministros militares, que não tiveram as carências das Forças atendidas conforme se esperava. Itamar Augusto Cautiero Franco teve sua vida política no Estado de Minas Gerais, mais especificamente na cidade de Juiz de Fora-MG, onde fora prefeito, bem como governador e senador. Assumindo a Presidência da República mercê da renúncia e Impeachment de Fernando Collor, teve como traço de seu governo o nacionalismo, sendo seu histórico de filiação partidário bastante vasto, haja vista ter como legendas anteriores o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Liberal (PL) e o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e Partido Popular Socialista (PPS). Assumindo temporariamente a Presidência da República em 2 de outubro de 1992, mercê do afastamento de Fernando Collor, é empossado em definitivo em dezembro do mesmo ano naquele cargo, pelo que passou a ser comandante supremo das Forças Armadas do Brasil, sendo seu conhecimento mais próximo da vida castrense o fato de ter feito, em 1951, o Curso de Formação de Oficiais Temporários de artilharia no 4º Regimento de Obuses 105mm, em Juiz e Fora-MG. O Governo Itamar Franco se iniciou com as dificuldades naturais da saída traumática de seu antecessor direto, cabendo-lhe a nomeação de novos ministros, dentre os quais os militares, com o destaque que o fato de não ter simpatia pelo Gen Tinoco provocou a mudança tripla nas Forças, em que pese a proximidade do novo Presidente com o Flores e o brigadeiro Sócrates, conforme citam Castro e DÁraujo (2001, p.36). Corroborando esta visão, o General-de-Exército Zenildo afirmou:

Quanto ao Tinoco, acho que foi descartado, a priori, porque parecia uma continuação, e não por suas qualidades, pois era excelente. Mas me parece que, quando o Tinoco comandou a 4a DE em Minas, onde o Itamar era prefeito, deputado, não me lembro, houve um pequeno atrito entre eles. Quer dizer, ele não tinha uma boa impressão do Tinoco. Além disso, havia o fato de ter sido ministro do Collor, e o Itamar não queria manter ninguém desse governo. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p.214, grifo nosso)

O fim inesperado do Governo Collor teve como consequência o questionamento de como agiriam os militares frente àquela nova situação, de acordo com as palavras de Oliveira, citando, ainda, entrevista do General-de-Exército Zenildo ao jornal Folha de S. Paulo: [...] Todavia persistem algumas linhas instabilidade nas relações entre o aparelho militar e o sistema político, um processo de idas e vindas que aponta para a ampliação do espaço político-administrativo das Forças Armadas. Em particular, vale destacar a atitude do presidente Itamar Franco 45

de dirigir-se aos ministros militares - como se o fizesse à nação – para comentar ou combater a ideia de que um golpe (de caráter militar, evidentemente) poderia ocorrer contra o regime democrático em seu governo. A primeira consequência política dessa atitude presidencial é o desenvolvimento da ideia de que a democracia funda-se na posição de lideranças militares que, por convicção ou conveniência, não a contestam com um golpe. [...] Uma importante entrevista foi concedida pelo ministro do Exército, general Zenildo Lucena, na qual afasta da hipótese de golpe militar: “Da nossa parte, das Forças Armadas não há nenhuma ideia sobre isso (...) imagine se nós afrontássemos o mundo com um golpe de Estado. Seríamos da sociedade internacional (...) Das Forças Armadas não partirá nenhum movimento para derrubar o governo.” [...] (1994, p.313, 325)

Dessa forma, além da outras substituições ministeriais, sua composição nas pastas militares ficou da seguinte forma: Ministro do Exército: General-de-Exército Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena; Ministro da Marinha: Almirante-de-Esquadra Ivan Serpa; Ministro da Aeronáutica: Tenente-Brigadeiro Lélio Viana Lôbo; Casa Militar (antigo Gabinete Militar): General-de-Brigada Fernando Cardoso; e Estado- Maior das Forças Armadas: General-de-Exército Antônio Luiz da Rocha Veneu, seguido do Almirante-de-Esquadra Arnaldo Leite Pereira. A mudança nos ministérios militares deu-se conforme cita o General-de- Exército Tinoco, ministro do Exército do Governo Collor, substituído assim como os outros, com o diferencial que não nutria admiração pelo Presidente Itamar:

[...] Quando o presidente Itamar assumiu e se definiu a substituição dos ministros militares, ele me convocou à sua residência para dizer que havia pensado em me indicar para o Tribunal Militar. Disse-me que o Flores ia ser o secretário de Assuntos Estratégicos e o Sócrates ia para Genebra. Então, disse para ele o que, creio, ele já sabia: “Presidente, não posso ir para o tribunal porque já estou na reserva. Mas o sr. não precisa se preocupar comigo”. É a maneira de ele ser. O que acontece é o seguinte: manifestei algumas vezes, aos dois outros ministros militares, que não tinha simpatia pelo Itamar. Nunca tive simpatia por ele desde que havia passado por Minas. Achava que ele não se comportava adequadamente com o problema das privatizações, sendo vice- presidente de um governo que havia decidido privatizar algumas empresas. Eu achava isso absurdo, podia até entender que ele fosse contra, mas achava que não devia se manifestar. E dizia aos meus companheiros: “não simpatizo com o Itamar, posso até continuar no ministério, vou ser leal, vou cumprir minha missão. Mas, satisfação em continuar, confesso que não tenho”. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p.135- 136, grifo nosso)

Esses mesmos autores citam as diferenças entre presidentes para com os ministros militares:

Pelos depoimentos, fica evidente que o relacionamento dos militares com Itamar foi muito melhor do que com Collor. Itamar era reservista do NPOR e entendia mais das coisas militares do que Collor. Além disso, procurou 46

prestigiar as Forças Armadas e atender reinvidicações de mais verbas para reequipamento e aumento nos vencimentos. Os chefes militares reconhecem seus esforços. O almirante Serpa declara que é extremamente grato a Itamar, que “sempre atendeu com muita grandeza às minhas solicitações”. O general Zenildo diz que Itamar foi “um chefe excelente”, “que começou a nos ajudar a levantar”. Para o general Fernando Cardoso, chefe da Casa Militar, Itamar era muito bem-intencionado e teve grande felicidade na condução do governo, tendo sido também justo e correto com os militares. (CASTRO E DÁRAUJO, 2001, p.36, grifo nosso)

Mercê de ser um governo relativamente curto, não houve tempo para que as necessidades das Forças fossem atendidas de forma plena, relembrando o Almirante Serpa:

Eu achava que se precisava tocar adiante a modernização das fragatas, a remodelação do porta-aviões Minas Gerais e que era preciso adquirir navios de segunda mão, no exterior, para compensar o atraso do nosso plano de construção naval. Atraso esse que é devido, em grande parte, às restrições financeiras, mas em parte, também, à instabilidade administrativa e à capacidade dos nossos estaleiros. Nós precisávamos adquirir helicópteros, na Inglaterra, os Lynx, para melhorar nosso esquadrão de ataque e adquirir algum tipo de helicóptero nos Estados Unidos, como o SH3, para ampliar nossa atividade geral e antissubmarino. Eu tinha vindo da esquadra, do Comando de Operações Navais, então, minha sensibilidade para essas coisas talvez fosse maior. Esse era o chamado Programa de Renovação de Meios Flutuantes, PRM. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p. 191)

Reforçando esta ideia, citou o General-de-Exército Veneu:

Os militares são mais gratos ao Itamar do que ao Collor? Não. Até, pelo contrário, a isonomia foi muito prejudicada pelo Itamar. Um dos privilégios do Legislativo era justamente aumentar seus salários sem consultar o governo federal. Chegou a um ponto que, quando saiu a primeira parte da isonomia, o Legislativo resolveu aumentar o seu salário pelo computador, não houve nem lei do Congresso. Peguei os contracheques e entreguei para o Itamar: “Olha o que eles fizeram”. Isso dentro da isonomia. Então, o Itamar falou: “Entrega esse dossiê̂ ao Mauricio Correia”. Depois, veio uma gratificação de 140% de atividade militar. Aquele “soldão” ficou minimizado. A isonomia ficou mais difícil. Outra coisa, também interessante, é que o regime jurídico único, a lei de isonomia, dizia que o salário mais alto não deveria ser mais de 40 vezes o salário mais baixo. No caso das gratificações, o soldo devia ser duas vezes maior. Eram regras simples que não aconteceram. (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p. 186-187, grifo nosso)

Ao analisar o Governo Itamar, citou o General-de-Exército Zenildo:

O grande problema eram os salários baixíssimos, desprestigio, falta de equipamento e de apoio à família — hospitais, clubes, círculos militares, guarnições pequenas, escolas, problemas nas transferências dos filhos, pois nem sempre se encontrava facilidade para matricular novamente o jovem em um novo ambiente, em novas escolas. E diziam que o Exército estava sucateado. Realmente, estava. Mas tinha-se que eleger algumas áreas porque os recursos eram poucos. O presidente Itamar foi um homem muito sensível a isso. Faço elogios a ele porque, realmente, tem-se que fazer justiça. Como fiz com o presidente Sarney. Foi um homem que tinha 47

sensibilidade para essas coisas. Já o Collor não teve. Então, tivemos que atacar (CASTRO, D’ARAUJO, 2001, p.216-217)

A confiança depositada pelo Presidente Itamar Franco, refletindo o que pensão em sua maioria os brasileiros sobre a confiabilidade das Forças Armadas, fica bem exemplificado por ocasião da distribuição por todo o País das cédulas de Real, quando esta passou a ser a moeda nacional, em meados de 1994. Tropas do Exército Brasileiro postaram-se na casa da Moeda, no Rio de Janeiro-RJ, em 13 de junho de 1994, garantido segurança, permitindo que cédulas e moedas pudessem seguir aos aviões da Força Aérea Brasileira, que conduziram bilhões de reais às delegacias regionais do Banco Central, seguindo em seguida às agências do Banco do Brasil. (LEITÃO, 2011, p. 242) Algo que chamou a atenção ao final de seu governo foi a criação da Operação Rio, o que coincidiu com a proximidade das eleições ocorridas ao final de 1994, após convênio de cooperação assinado entre Governos Federal e Estadual - Governador Nilo Batista (PDT-RJ) - , com a finalidade da repressão ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas período de 31 de outubro a 30 de dezembro, postergando-se até 1995, já sob governos do Presidente Fernando Henrique do Governador Marcello Alencar (PSDB-RJ), no qual seguiu-se a Operação Rio II. Sucedendo emprego de militares federais no grande evento na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), o emprego na capital carioca serie mais frequente a partir de então. Especificamente, no que se referem às Forças, no Governo Itamar os seguintes itens podem ser destacados, de acordo com a Mensagem do Presidente ao Congresso dos anos 1993 e 1994. Marinha do Brasil: lançamento ao mar do primeiro submarino convencional construído no País ("TAMOIO"); e construção de três submarinos classe "lKL-1400". Exército Brasileiro: transferência de Organizações Militares das Regiões Sul e Leste para a Região Norte; reativação dos Colégios Militares em Belo Horizonte-MG, Salvador-BA e Recife-PE, e criação dos Colégios Militares de Juiz de Fora-MG e Campo Grande-MS. Aeronáutica: ações de implantação do Centro de Lançamento de Alcântara. O biênio do Governo Itamar foi de melhora na relação pessoal do Presidente com os militares, que continuaram com suas necessidades sendo parcamente atendidas, sem modificações substanciosas, mesmo porque o período de tempo foi curto e mais voltado pelo Poder executivo à estabilização do Plano Real. 48

6 GOVERNO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Fernando Henrique Cardoso, nascido em 18 de junho de 1931, no Rio de Janeiro-RJ, foi eleito em 1994 como o 34º Presidente da República, sucedendo Itamar Franco, de quem fora ministro das Relações Exteriores, ocupando, por fim o cargo que o projetou nacionalmente fruto do sucesso do Plano Real: ministro da Fazenda. Essa função, sem qualquer relação com sua formação de sociólogo - com mestrado, doutorado diversas obras publicadas, além de professor catedrático da Universidade de São Paulo (USP), - proporcionou-lhe conhecimento da administração federal, facilitando o exercício da presidência. A característica que o distingue dentre os presidentes que se iniciaram na Nova República é o fato de Fernando Henrique ser bisneto, neto, sobrinho e filho de oficiais generais do Exército, destacando-se que seu pai, Leônidas Fernandes Cardoso, general-de-brigada e posteriormente deputado federal (PTB-SP). Fernando Henrique foi aposentado como professor por ocasião do Ato Institucional Nr 5 (AI-5), tendo sido expedida ordem de prisão em razão de suspeita de ser comunista, levando-o a retirar-se do Brasil, retornando algum tempo depois. Filiando-se ao PMDB, disputou as eleições de 1978, assumindo o cargo de senador em 1983, após o titular, Franco Montoro, ser eleito governador do estado de São Paulo, relembrando-se seu empenho na eleição de Tancredo Neves. Foi eleito senador em 1986 (PMDB-SP), parlamentar bastante atuante, sendo relator do regimento da Constituinte e sub-relator da Comissão de Sistematização em 1988 nos trabalhos da Carta Magna. Saindo do PMDB e filiando-se ao recém-criado Partido da Social Democracia Brasileira em 1988, após a renúncia de Fernando Collor e assunção de Itamar Franco, foi protagonista do bem-sucedido Plano Real, levando-o a ser eleito Presidente nas eleições de 1994, assumindo seu mandato com os seguintes ministros militares: Ministro do Exército: General-de-Exército Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena, que se manteve no cargo que ocupava deste o governo anterior; Ministro da Marinha: Almirante-de-Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira; Ministro da Aeronáutica: Tenente-Brigadeiro Mauro José Miranda Gandra, que se demitiu em novembro de 1995, sendo sucedido pelo Tenente-Brigadeiro Lélio Viana Lôbo; Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA): General-de-Exército 49

Benedito Onofre Bezerra Leonel; e Casa Militar: General-de-Brigada Alberto Mendes Cardoso, este indicado pelo General-de-Exército Zenildo. Conforme relata em seu livro, àquela época os ministros militares ainda não haviam mudado seus cargos para Comandantes das respectivas Forças Singulares. O Presidente resolver manter o Gen Zenildo por já o conhecer do Governo Itamar, considerando-o discreto, profissional, eficiente, sereno e de fácil trato, mesmas características de seu sucessor em alguns anos, o General-de-Exército Gleuber Vieira. Para a Aeronáutica, confirmou o Brigadeiro Gandra por seu prestígio, havendo certa na hesitação para a Marinha, sendo nomeado o Alte Mauro César Rodrigues Pereira, isso em razão da intenção do Presidente de criar o Ministério da Defesa. Para condução daquele complexo projeto do MD, houve por bem deixar a Chefia do EMFA com o General-de-Exército Leonel, amigo do senador José Richa (PSDB-PR), julgando-o escolha ideal para aquele trabalho que tomaria anos para ser concluído. Para o Presidente, o MD teria como consequência aumento do desempenho das Forças, sua subordinação ao poder civil e avanço democrático. Ressalta-se que o MD, criado tardiamente no Brasil, era presente em diversos países há bastante tempo, conforme apresenta Ernesto Justo López: Chile, 1932; Bolívia, 1933; Equador e Uruguai, 1935; México, 1937; Paraguai, 1943;França, 1944; Venezuela, 1946; Estados Unidos da América (EUA), 1947; , 1949; Reino Unido, 1964; Alemanha, 1955; Colômbia, 1965; e Peru, 1987. (SAINT- PIERRE e VITELLI, 2018, p.241). Para a criação do MD, intenção sua desde o início do mandato, cuja data remonta a 1999 (Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999), teve como primeira pessoa vislumbrada o diplomata Ronaldo Sardenberg, seguindo-se do Vice- Presidente Marco Maciel, chegando-se o nome do ex-senador Elcio Alvares (PMDB- ES), que era líder do governo no Senado Federal e não havia sido reeleito, aparentando ser uma espécie de “consolação” àquele político, fato recepcionado de forma negativa pelos militares, em que pese ter siso lembrado ao presidente pelo Almirante Mauro César. Sobre isso, assinalam Castro e DÁraujo:

Em relação à escolha do primeiro ministro da Defesa, o general Zenildo achava que, nessa fase de transição, o ministro da Defesa deveria ter sido um militar. No caso de ser escolhido um civil, fica evidente, pelo depoimento dos ministros, que a preferência seria por um político de peso e expressão nacionais. Mas a escolha acabou recaindo em Élcio Álvares, um ex-senador pelo Espírito Santo que não conseguira reeleger-se. Segundo Mauro César, ele próprio teria sugerido esse nome a quem considerava 50

um bom articulador político. A escolha teria ocorrido após sondagem com vários políticos de maior expressão, que não aceitaram o convite. Os outros ministros militares, quando consultados, parecem não ter levantado objeções. Para o general Zenildo, Élcio Álvares “é uma figura interessante, pois é um homem com trânsito fácil”. O brigadeiro Lôbo também aprovou a escolha de Élcio, a quem considerava pessoa séria, serena e tranquila. (2001, p. 40)

O envolvimento de uma assessora do Ministro Elcio, Solange Antunes Resende, com situação suspeita de irregularidades no Espírito Santo - ligação com o crime organizado - criou desgaste da autoridade, causando ainda a demissão, em dezembro de 1999, do ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Walter Werner Bräuer, que em evento público teve suas palavras tidas como críticas ao Ministro da Defesa. Relembram Castro e D’Araujo:

No dia 18 de janeiro de 2000, pouco mais de um ano após a criação do Ministério da Defesa, o presidente Fernando Henrique Cardoso exonerou Élcio Alvares. A demissão seguiu-se a uma crise iniciada em dezembro de 1999, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o narcotráfico resolveu iniciar investigação a respeito do possível envolvimento da principal assessora do ministro na lavagem de dinheiro do crime organizado no Espírito Santo. Pouco depois, o então comandante da Aeronáutica, Walter Bräuer, perguntado em uma entrevista sobre o que achava do episodio, respondeu que todo homem publico precisa ter vida ilibada. O ministro acabou exonerando (17-12-1999) o comandante da Aeronáutica, por considerar que sua declaração havia sido um ato de in- disciplina, e também sua assessora, acusada pela CPI. Para acalmar os ânimos, FHC convidou para o comando da Aeronáutica o brigadeiro reformado Carlos Almeida Batista, então presidente do Superior Tribunal Militar e pessoa respeitada na força. (2001, p.40-41)

Elcio Alvares esteve como ministro de 1º de janeiro de 1999 a 24 de janeiro de 2000, tempo curto e caracterizado pelas dificuldades do ex-senador como titular da pasta recém-criada. Mercê da situação, mudou-se o ministro da Defesa para o Advogado-Geral da União Geraldo Magela da Cruz Quintão, que foi ministro de 24 de janeiro de 2000 a 1º de janeiro de 2003. Este se manteve como ministro até o final do Governo, sem que conseguisse cumprir suas promessas de aumentar vencimentos e prover material às forças, que se mantiveram em dificuldades. Tencionava o chefe do Poder Executivo Federal rever o que ele chamava de “abusos da ditadura”, reunindo os 5 ministros militares (Gen Zenildo, Gen Leonel, Alte Mauro César, Brigadeiro Gandra e Gen Cardoso) na residência oficial do Almirante Mauro César, no início do seu Governo. Naquela ocasião, disse-lhes que 51

pretendia criar uma comissão (Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei Nr 9.140, de 4 de dezembro de 1995) com fins de reparar pessoas mortas, desaparecidas, torturadas ou presas de forma ilegal, dizendo não se tratar de questão política, mas de direitos humanos. Narrou o momento no qual foi preso e levado a depor no DOI-CODI em 1975, com uso de capuz, perguntando- lhes os agentes do estado sobre questões políticas etc. Disse-lhes, ainda, saber o nome do militar responsável por aquela instalação, terminando o jantar em clima de cortesia, com a assimilação dos ministros da decisão presidencial, sem que opinassem, haja vista ser fato consumado pelo Presidente. (2006, p.253-257) Fruto da paralisação de petroleiros, repetindo fato acontecido no Governo Sarney por ocasião da tomada da CSN por tropas do Exército, Fernando Henrique determinou ao ministro do Exército que tropas do Exército adotassem ações em maio de 1995 junto a 4 refinarias: Araucária-PR (REPAR), Paulínia-SP (REPLAN), Mauá-SP (RECAP) e São José dos Campos-SP (REVAP). O objetivo era permitir que trabalhadores daqueles locais pudessem voltar a exercer suas funções, bem como garantir o patrimônio público. O objetivo precípuo do governo era evitar o desabastecimento de combustíveis no País. A atitude do Presidente Fernando Henrique ia de encontro ao que ele defendia nos trabalhos da Constituição Federal de 1988, quando inicialmente fora contrário às ações de Garantia da Lei e da Ordem por parte das Forças Armadas, conforme ele mesmo relata em sua obra. Eu o havia subscrito na comissão especial da Constituinte que tratava da questão dos militares. O texto não previa qualquer possibilidade de convocar as Forças Armadas para garantir a ordem interna, pois elas se restringiriam à defesa nacional. O texto pretendido pela esquerda contrariava acordos feitos com o governo pelo próprio relator. Embora eu tivesse recordado o fato, Bernardo Cabral reafirmou que iria mudar a proposta aceitando a sugestão dos líderes dos partidos de esquerda. Temiam que houvesse novas intervenções políticas dos militares. Essa decisão produziu forte crise. Durante reunião no Ministério presidida por Sarney a que estive presente como líder, o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, pediu a palavra e lançou uma catilinária contra a Constituinte. Leônidas não mencionou diretamente a questão das funções das Forças Armadas: alertou, em termos duros, a questão dos gastos enormes que várias medidas aprovadas pela Constituinte acarretariam. O que ele queria, porém, era rever - como se reviu o texto sobre o papel dos militares. Coube ao senador José Richa e a mim resolver o impasse, redigindo novo texto depois de conversas na resid6encia oficial do general Leônidas, no Setor Militar Urbano de Brasília, abrindo a possibilidade de os chefes dos três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) convocarem as Forças Armadas em circunstâncias críticas, sempre respeitada a hierarquia que dá o comando supremo ao Presidente da República. A matéria gerou críticas acerbas a mim, pois me coube defende-la no plenário, sob o fogo da ironia do deputado José Genoíno, a relembrar que na comissão especial 52

sobre o assunto, eu tinha sido favorável à fórmula da Comissão Arinos. Hoje, depois que a realidade do país mostrou a necessidade da presença de tropas federais para afastar dúvidas sobre a licitude eleitoral em certas regiões e da indispensável intervenção das Forças Armadas em rebeliões da Polícia Militar ocorridas em diferentes estados, sem esquecer de ações emergenciais que elas protagonizaram para controlar o tráfico de drogas e de armas, a discussão sobre manter Exército, Marinha e Aeronáutica voltados apenas para a defesa externa do país mostrou o quanto era vã. (2006, p. 127, grifo nosso)

A atitude do Presidente Fernando Henrique, que bem caracteriza a necessidade de haver previsão constitucional para ações de GLO, fiou patente quando da eclosão da grave da Polícia Militar do Estado do Tocantins, em maio de 2001, quando tropas da Brigada de Infantaria Paraquedista, cumprindo ordem do Presidente a pedido do Governador daquele Estado, chegaram àquela região para cumprir missões de GLO, durando aquele movimento pouco mais de 10 dias. Se não houvesse a possibilidade constitucional do emprego das Forças Armadas – de acordo com a ideia inicial do então constituinte Fernando Henrique Cardoso – a população do Tocantins sofreria as consequências da ausência do trabalho dos órgãos de segurança pública. Mais uma vez, fica claro quão previdente foi a ação do General-de-Exército Leônidas ao defender a GLO na missão Constituição das tropas federais. Este tipo de ação, com uso das Forças Armadas, foi inclusive utilizado, último ano do Governo, quando Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criou problemas pela ideia de invadir propriedade particular do Presidente (Fazenda Córrego da Ponte - MG), pelo que o Gabinete de Segurança Institucional fez uso do Exército para prover a segurança do ambiente, conforme relembra Dirceu: Em março de 2002, o MST ocupou a Fazenda Córrego da Ponte, propriedade produtiva de Serjão e FHC, situada no município de Buritis, em Goiás. Montou-se o cenário ideal. [...] Itamar recusou-se a enviar a Polícia Militar e o Governo Federal não vacilou: a pretexto de cuidar da segurança pessoal e particular do presidente -que passava finais de semana e feriados na propriedade - enviou 300 soldados do exército a Buritis. Como se fosse pouco, aviões da Força Aérea Brasileira sobrevoaram a fazenda. (2018, p. 319, grifo nosso)

O cuidado que deve ter sido motivo de observação seria a possibilidade de não ser a opinião pública desinformada que as Forças Armadas estariam sendo usadas em benefício particular do Presidente, conforme poderia ser difundido particularmente por aqueles que se oporiam nas eleições a ocorrerem ao final daquele ano. 53

Quanto ao emprego de tropas federais em GLO, cita David Paulo Succi Junior que entre os anos de 2007 e 2017 foram realizadas 67 operações deste tipo em 17 estados brasileiros, em um total de 1.300 dias de emprego das Forças Armadas. (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 403). Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de abril de 2019, o ministro da Defesa, General-de-Exército Fernando Azevedo e Silva, informou que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 já foram 135 ocasiões de emprego em GLO, corroborando quão importante é o dispositivo. Quanto às necessidades de material de emprego militar e questão salarial, a situação dos militares nos 8 anos do Governo do presidente Fernando Henrique foi de dificuldades, sem que ambas as necessidades fosse atendidas conforme se requeria, exceção feita à criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), concebido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, junto aos ministérios da Justiça e da Aeronáutica - projeto apresentado em setembro de 1990 ao Presidente Fernando Collor, destinando-se à proteção da Amazônia Legal contra crimes (invasão de terras, tráfico de drogas, voos irregulares etc). Iniciando suas operações em setembro de 2002, antes disso a aquisição deste Sistema provocou o pedido de demissão do Brigadeiro Gandra, Ministro da Aeronáutica, substituído pelo Brigadeiro Lôbo, que não criou problemas junto à Marinha para que a Força Naval adquirisse aviões, questão de antiga controvérsia entre ambas as Forças. Era portentoso sistema, orçado em US$ 1,4 bilhão, tendo a empresa Raytheon vencido a disputa internacional. Chamou a atenção de empresas estrangeiras, dentre as quais a francesa Thomson, levando a suspeitas que provocaram o pedido de exoneração daquele ministro militar, de acordo com o que relata o próprio Presidente. (2006, p.270-27). No entanto, aquela não fora a única crise envolvendo militares, pois divulgou- se na imprensa o desejo do Presidente de demitir o General-de-Exército Gleuber por suas palavras de cobrança de reajuste de soldos e falta de apoio às demandas de produtos de defesa. Relembra Zaverucha: A verba solicitada não foi entregue e isto gerou insatisfação nas hostes castrenses com o presidente da República, e por tabela, com o ministro da Defesa. Em outubro de 2000, FHC resolveu demitir o comandante do Exército, general Gleuber Vieira, por sua declaração criticando a falta de verbas. Enfrentou, então, a mais séria crise militar de sua gestão. A decisão presidencial chegou aos quartéis. Imediatamente, 155 generais 54

de todo o país se reuniram em Brasília sem o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, em ato de desgravo. FHC entendeu a mensagem e logo escalou o general Alberto Cardoso, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, para anunciar que o general Gleuber não seria mais demitido. Em troca, os militares não fariam nenhuma manifestação. Estes, por sua vez, exigiram a edição de uma Medida Provisória concedendo reajuste salarial (Pedrosa & Contreras, 2000). No que foram atendidos. (2005, p.224-225, grifo nosso)

Outra situação crítica com o Exército deu-se pelo pagamento de indenização a Carlos Lamarca, ex-oficial, que desertou do Exército Brasileiro e teve sua situação verificada na Comissão criada pelo governo, conforme cita Cardoso, informando que este ato quase causou a saída do General da Reserva Osvaldo Gomes, inconformado com os trabalhos da Comissão (2006,p.380). Durante seu governo, projetou-se internacionalmente o Brasil e suas Forças Armadas pelos militares em missão no exterior, como o contingente de cerca de 50 militares da Polícia do Exército Brasileiro ao Timor Leste, Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM III), Contingente Brasileiro em Angola (COBRAVEM); Missão de Observadores Militares entre o Equador e o Peru (MOMEP), Missão de Observadores das Nações Unidas em Prevlaka, Croácia (URINIOP) e na Força das Nações Unidas em Chipre (UNFICYP). Outro aspecto positivo deu-se quando o Presidente se utilizou da pessoa do Gen Zenildo para solucionar questão relativa ao Paraguai, em abril de 1996, o qual poderia ter consequências na América do Sul, pela intenção do presidente guarani Juan Carlos Wasmosy de demitir o comandante do exército daquele país, General Lino Oviedo. Os 2 presidentes se reuniram no Palácio da Alvorada, travando-se o diálogo de acordo com seu relato: Vou demitir o general Lino Oviedo na próxima segunda-feira e ele pode mandar me matar. [...] Ele procedeu como anunciado, e o general Oviedo se rebelou. Coube ao embaixador do Brasil em Assunção, Márcio Paulo de Oliveira Dias, junto com os colegas do Mercosul e com a embaixada americana, proporcionar sustentação política ao presidente. Em comunicações telefônicas contínuas me mantive informado e, depois de haver assegurado com nossas Forças Armadas condições de segurança para a hidrelétrica de Itaipu, da qual vem um quarto da energia consumida no Brasil, pedi o general Zenildo, ministro do Exército, que fora instrutor do general paraguaio, para que explicasse a seu colega de farda que ele não teia nosso apoio para qualquer aventura. Finalmente Oviedo, que não queria falar com ninguém. Atendeu um telefonema do general Zenildo. Transmitido o recado, Oviedo cedeu; saiu do Paraguai e mais tarde pediu- nos, e lhe concedemos, asilo político. (2006, p. 634)

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Os projetos e programas militares nos oito anos do Governo Fernando Henrique não foram conforme se aguardava, haja vista a estabilidade da economia. Zaverucha destaca o peso do orçamento das Forças Armadas à época, com a Dotação Orçamentária por Ministério no âmbito do Executivo Federal, salientando-se que isso não reflete efetividade de investimentos na melhora dos produtos de Defesa ou aumentos substanciais nos vencimentos dos militares. Os dados apresentados mostram uma média de 11%, no período de 1995 a 2002, sendo a terceira maior destinação do Governo Federal, superado apenas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e pelo Ministério da Saúde (2005, p.96-119). Lembra aquele autor aspecto importante que aborda o aumento dos efetivos das Forças Armadas, impulsionado com ações internas decorrentes da GLO: O Brasil, em 1995, recuperou a posição de maior importador de armas da América do Sul. De acordo com o Instituto de Estudos Estratégicos de Londres, os gastos militares brasileiros, em milhões de dólares a preços de 1995, foi da seguinte ordem: 1992/6,002; 1993/7,415; 1994/8,452; 1995/8,741; 1996/10,377; 1997/11,247. Note-se como FHC tem sido generoso com os gastos militares. Generosidade, em termos percentuais, inigualável entre vizinhos sul-americanos. [...] Curiosamente, o Brasil tinha um efetivo de 276.000 homens ao final do governo do general Figueiredo. Quinze anos depois, a tropa cresceu para 313.000 homens, um aumento em torno de 13%. Estranho paradoxo: diminuem as ameaças externas, mas os quatro presidentes civis (1985-2000) aumentaram o número de fardados. Difícil entender tais números se a orientação das Forças Armadas fosse unicamente a defesa da segurança externa do país. Mas, como já vimos, constitucionalmente as Forças Armadas têm papel de destaque na manutenção da segurança interna, também conhecida por segurança pública. (ZAVERUCHA, 2005, p.122)

Em que pese a escassez de recursos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso demonstrou confiança na seriedade costumeira dos militares das Forças Armadas, nomeando, conforme relembra Zaverucha, alguns para cargos nos quais normalmente civis eram os titulares: General Dyonélio Morosini, à frente do Departamento de Assuntos de Segurança Pública; General Gilberto Serra, secretário nacional de Segurança Pública; General Álvaro Henrique Viana de Moraes, diretor- geral da Polícia Rodoviária Federal; General Zamir Méis, superintendente da Agência Nacional de Petróleo; e Coronel José Wilson Pereira, Secretaria Nacional de Defesa Civil. (2005, p.130-150) Relevante, no que tange a assuntos diretamente relacionados aos militares for a Política de Defesa Nacional (PDN), criação da Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999, algo inédito no Brasil, em que pese ideias genéricas do citado documento. No entanto, foi importante, relembrando-se que os projetos e programas 56

das 3 Forças nos 8 anos do Governo do Presidente Fernando Henrique foram bastante limitados, prejudicando sobremaneira a modernização. Observar-se apenas números pode ser algo ilusório, pois houve permanente aumentos das despesas militares, citando-se que elevado percentual se destina ao pagamento do pessoal, restando valores parcos para investimento efetivo em Produtos de Defesa. Mostra Filho, de acordo com dados oriundos do Instituto para Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI), que os gastos do ano de 1989 foram de US$ 9.220 bilhões, diminuindo em 1992 (Governo Collor) para US$ 5.605 bilhões, alcançando em 1994 (Governo Itamar) a cifra de US$ 7.431 bilhões, finalizando em 1998 (Governo FHC) USS% 13.125 bilhões. No que se relaciona aos percentuais dos gastos militares em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), apresenta o autor que em 1989 foram de 1,7%, diminuindo a 0,7% em 1991 (2000, p.7), subindo em 1997 a 1,8% do PIB. (2000, p.7). No entanto, constata-se que a década de 1990 foi de bastante dificuldade à Base Industrial de Defesa (BID) pela falta de investimentos do Governo Federal. Naquilo que se relaciona especificamente a cada Força Singular, estas foram transformados em Comando da Marinha, Comando do Exército e Comando da Aeronáutica, sendo extinto o EMFA, ao tempo em que o Alto Comando das Forças Armadas era mudado para Conselho Militar de Defesa, seguindo-se ações de destaque, conforme apresentado na Mensagem do Presidente ao Congresso dos anos de 1995 a 2002. Marinha do Brasil: aquisição de helicópteros Esquilo e de 23 aeronaves Skyhawk A-4 e T-4; iniciados os processos de obtenção de dezessete carros de combate e de dezoito obuseiros 105 mm; aquisição do navio-aeródromo SÃO PAULO. Exército Brasileiro: aquisição de VBC Leopard 1 A1 e helicóptero COUGAR; e envio de tropas para o exterior em diversas missões. Aeronáutica: modernização das 48 aeronaves F-5; elaborado o Programa de Reequipamento da Aeronáutica (Plano Fênix); adquiridos vinte helicópteros UH-1H, quatro aviões Mirage III, três helicópteros Super Puma; contrato com a EMBRAER para produção de 99 aeronaves AL-X, apoiando missões do SIVAM; início do Programa de Fortalecimento do Controle do Espaço Aéreo Brasileiro, com ações do Projeto F-X BR para o fornecimento da nova aeronave de defesa aérea da Força Aérea Brasileira, orçado em USS 700 milhões, com a aquisição de 12 a 24 aviões, finalizando com três finalistas: o francês Dassault Mirage 2000-5, o sueco SAAB JAS-39 Gripen e o russo Sukhoi Su-35. No entanto, o Governo FHC protelou este 57

projeto, deixando-o para o Governo Lula dar continuidade a esta necessidade da Aeronáutica. No que tange ao Desenvolvimento e Defesa, frise-se ações do Ministério da Defesa diretamente vinculados ao Programa Calha Norte e SIVAM, com o fito de desenvolver e vivificar regiões mais inóspitas, tendo sido realizadas, dentre outras, as seguintes ações: construção do Porto de Cananaus, em São Gabriel da Cachoeira-AM; construção de obras nas áreas de saúde, educação e infraestrutura básica, beneficiando cem mil brasileiros; construção de terminal de passageiros da Base Aérea de Boa Vista-RR; obras em aquartelamentos de fuzileiros navais e organizações militares do Exército, particularmente nos pelotões especiais de fronteira. Ao final de 8 anos, observa-se que o Presidente Fernando Henrique Cardoso cumpriu aquilo que pareceu ser sua principal missão com relação aos militares, criando o Ministério da Defesa, não demonstrando ter intenção de elevar gastos para as Forças ou seus militares, com os quais manteve relação institucional. Teve questões sensíveis com comandantes – caso da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e possibilidade de demissão do General-de-Exército Gleuber -, vislumbrando que a força dos militares e sua imposição é suficiente para que sejam respeitados por todo seu histórico junto à Pátria. No que se relaciona à atenção que dispensou às Forças , fato que caracterizou o período foi o licenciamento antecipado de soldados por falta de recursos, em 2002, para adquirir gêneros básicos, como gêneros alimentícios, fato explorado até mesmo pela oposição, caso do PT, normalmente avesso às Forças, mas citando que o básico não era atendido pelo Presidente. A falta de atenção também se mostra ao se adiar por todo o mandato a efetivação da aquisição de novos caças à Aeronáutica, postergado até ser decidido em governos seguintes, em que pesem os 8 anos para solucionar tão pendente e urgente questão.

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7 GOVERNO DE LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA

Luís Inácio Lula da Silva, nascido Luís Inácio da Silva em Garanhuns-PE, foi trabalhador da Metalúrgica Villares, passando à condição de líder sindical, em São Bernardo do Campo-SP, onde presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos na década de 1970, liderando greves ao final daquele período, sendo processado e condenado com base na Lei de Segurança Nacional, absolvido posteriormente pelo Superior Tribunal Militar (STM). Na década de 1980, criou o Partido dos Trabalhadores (PT), candidatou-se e foi derrotado ao Governo do Estado de São Paulo, em 1982, sendo eleito em 1986 deputado federal constituinte, candidatando-se à Presidência de República e sendo derrotado em 1989, já no segundo turno frente a Fernando Collor. Posteriormente, candidatou-se à Presidência da República em 1994, 1998, e 2002, quando foi eleito, sendo reeleito em 2006, chefiando o Poder Executivo Federal por 8 anos. Ao iniciar seu mandato, nomeou para o Ministério da Defesa o embaixador José Viegas Filho, com ideológicos com o PT, segundo afirma Dirceu: O último capítulo da novela da montagem do ministério foi o PMDB. Antes, Lula escolheria Celso Amorim, diplomata, já fora ministro das Relações Exteriores, progressista, filiado ao PMDB, para o Itamaraty, mas alinhado com o pensamento de Lula sobre política externa. Haveria uma associação perfeita entre os dois. Tocaram de ouvido durante oito anos nossa bem- sucedida política externa. O preferido para o Itamaraty, petista de coração, José Viegas, ex-embaixador em Cuba, Peru e Rússia, foi indicado para a Defesa. Lula ligava corretamente a política de Defesa às relações com o exterior, inovação histórica. (2018, p.344-345, grifo nosso)

A permanência do ministro José Viegas durou de 1º de janeiro de 2003 a 8 de novembro de 2004, após a divulgação de texto do Exército que rebatia reportagem sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, descrito no texto que “as medidas tomadas pelas forças legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo”. Aquela resposta do Comando da Força Terrestre teve como consequências a demissão do titular da Defesa e manutenção no Comando do Exército do General-de-Exército Albuquerque. Esse fato foi explorado por Dirceu – demonstrando que seus objetivos quantos ao papel das Forças Armadas eram os de sua visão -, que relata sua visão de como se deu a questão, que poderia criar fissões entre Presidente da República e o Comando do Exército: Para nós, era responsabilidade do general Francisco Ribeiro de Albuquerque, comandante do Exército. No nosso entendimento, os arquivos 59

e a busca dos mortos e desaparecidos era uma só operação e deveria contar com o apoio das três armas. [...] Em 2004, nem o afastamento do chefe da Comunicação Social do Exército acontecia. Eu era totalmente favorável à sua demissão imediata. Era o mínimo a fazer. [...] Nas forças armadas sil6encio e perigo de crise se o governo vacilasse. [...] o Decreto- lei 4.850, de 10/2013, que criou a comissão interministerial para localização dos mortos de desaparecidos foi muito mal recebida. [...] Mais de três décadas após a redemocratização, as forças armadas ainda não estão totalmente submetidas ao poder civil. Orçamentos, currículos e métodos pedagógicos, aposentadorias, promoções e assensos são basicamente decididos entre e pelos militares. Lutávamos para prevalecer o caráter democrático e profissional das forças armadas. Devem obediência à constituição, embora permaneçam impunes os crimes do regime autoritário. E deveriam estar compromissadas para com a necessidade estratégica de estabelecer uma doutrina de defesa nacional compatível com o poder nacional e os objetivos do Brasil, só possível com um projeto autônomo e soberano de desenvolvimento nacional, inclusive da Indústria de Defesa Nacional. (2018, p.402-404, grifo nosso)

Dessa forma, foi nomeado como novo ministro, o vice-presidente José Alencar, no período de 8 de novembro de 2004 a 31 de março de 2006, acumulando as funções, delegando poderes aos comandantes das Forças. Seu substituto foi Francisco Waldir Pires - que já havia sido cassado pós-1964 – tendo defendido a desmilitarização do setor aéreo, assumisse o cargo em 31 de março de 2006, permanecendo nas funções até 25 de junho de 2007, quando sérios problemas na aviação civil ocorreram no Brasil, inclusive acidente aéreo de empresa Gol. Aeroportos em tumulto foram a imagem bem que caracterizou sua passagem à frente do Ministério, causando-lhe desgaste político e frente à população. Aquilo fez com que o Presidente Lula nomeasse ministro Nelson Azevedo Jobim, antigo ministro de Estado da Justiça, ministro do STF e deputado federal (PMDB-RS). Sua permanência foi caracterizada por ações que divulgaram mais o MD, tais como defesa dos militares frente à intenção do então ministro da Secretária Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo de Tarso Vannuchi, de condenar eventuais apontados pela Comissão Nacional da Verdade, um dos projetos do Plano nacional de Direitos Humanos, de 2009. Nelson Jobim advogava que a Lei da Anistia de 1979 absolveu os dois lados da disputa, cabendo ao Presidente Lula decidir, fazendo-o conforme o ministro da Defesa propunha, em contraposição ao secretário Vannuchi, cujo primo, Alexandre Vannuchi Leme, foi líder do movimento estudantil, integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN), morrendo em 1973, segundo algumas versões por responsabilidade do Estado. Ressalta-se que o ministro Vannuchi fora preso na década de 1970 por ações contra o Estado. 60

Ao buscar e nomear nomes para o Gabinete de Segurança Institucional e Comandos das Forças, o novo Presidente agiu conforme descrito por Dirceu, que aparentemente sente-se incomodado com o fato da existência de dos órgãos de inteligência militar existirem nas Forças Singulares, bem como os métodos de promoção nas carreiras: Ao tratar das forças armadas, Lula foi tradicional e conservador. Não mexeu no que estava no lugar: profissionalismo, respeito à hierarquia, submissão ao poder civil. Indicou os três mais antigos chefes das armas, general, brigadeiro e almirante. Para o GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, escolheu o general Jorge Armando Félix, afável, austero e discreto. Era sua segurança e a dos palácios. Para a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), indicou uma funcionária de carreira, Marisa de Almeida Del’Isola Diniz. [...] Os únicos realmente existentes estavam fora de nosso alcance: Ciex, Cisa, Cenimar, os centros de Inteligência do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente, como as siglas indicam. Essa era a verdade, fruto de uma democratização inconclusa. Basta constatar a lenta implantação do Ministério da Defesa. Com o orçamento, promoção, serviços de informação, escolas e projetos militares sob o controle das forças armadas. Seria esse o preço a pagar para ter forças armadas profissionais? (2018, p. 344, grifo nosso)

A escolha para o GSI, com a nomeação do General-de-Exército Jorge Armando Félix, antigo estagiário da ESG em 1992, foi em concomitância com os seguintes generais: General-de-Exército Francisco Roberto de Albuquerque (2003- 2007) e General-de-Exército Enzo Martins Peri (2007-2011), Comandantes do Exército; Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, Comanda (2003- 2007) e Almirante-de-Esquadra Julio Soares de Sousa Neto (2007-2011), Comandantes da Marinha; e Tenente-Brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno (2003- 2007) e Tenente-Brigadeiro Juniti Saito (2007-2011), Comandantes da Aeronáutica. O diferencial na situação do General-de-Exército Félix foi sua permanência no cargo por 8 anos, em que pese a divulgação na imprensa de sua intenção de pedir exoneração ao Presidente Lula em outubro de 2004 por se julgar desprestigiado na função, haja vista seu subordinado direto, o Diretor da ABIN, Delegado de Polícia Civil de São Paulo Mauro Marcelo – substituto da Maria Del’Isola desde maio de 2004 -, despachar diretamente com o Presidente, fato não usual à hierarquia. A situação foi contornada e manteve-se o ministro na sua função até o final do Governo Lula. O fato de o Presidente Lula ter sido já ter sido preso no período de 1964-1985 causava, naturalmente certa apreensão quanto à sua conduta com as Forças Armadas, haja vista em campanhas eleitorais passadas ele ter se mostrado avesso 61

aos militares. No entanto, na campanha de 2202, ele já criticara o Governo do Presidente Fernando Henrique em razão da antecipação do licenciamento de cerca de 44 mil soldados do Exército, ocorrido em meados de 2002 ao invés de ser ao final do ano, isso em razão da restrição de recursos para comprar gêneros alimentícios, pagamento de vencimentos e execução de exercícios militares. Lula criticava aquela situação inédita do governo anterior, mostrando-se não refratário, em questão de recursos, aos Profissionais das Armas. A Mensagem do Presidente ao Congresso apresentava um Governo que velaria pelas Forças Armadas, conforme lá citado: Os objetivos da segurança e da defesa exigem que se cuide da modernização das Forcas Armadas, promovendo a necessária renovação c adequação de seus equipamentos, de modo que proporcione ao País um sistema de defesa eficaz, baseado na interoperabilidade e interconectividade das suas Forças Armadas e na capacidade de as mesmas aluarem de forma combinada em sistemas integrados de logística e mobilização. Nesse sentido, deverá ser concluído em 2003 o documento Estratégia Militar Brasileira, que fornecerá as bases para o planejamento do reaparelhamento das Forcas Armadas. (2003, p.233)

Naquele documento, estavam previstas atividades operacionais e inovações, tais como o Programa Forças no Esporte e outros que vieram, tais como o Programa Soldado-Cidadão, que qualificou milhares de egressos do Serviço Militar das Forças Armadas. Ainda durantes seu Governo, foi atualizada a Política Nacional de Defesa (PND), em 2005, lastreada legalmente no Decreto Presidencial Nr 5.484, de 30 de junho de 2005, cuja primeira versão fora de 1996, estabelecendo os objetivos e diretrizes para o emprego e capacitação do poder nacional, respondendo “o que fazer”, esclarecendo quais os objetivos do setor de defesa nacional. Estrutura-se em dois eixos: político e estratégico, cabendo ao primeiro a análise dos ambientes interno e externo, restando ao segundo a apresentação das diretrizes e objetivos da segurança nacional. Dividida está em quatro partes: 1ª parte sendo “O Estado, a segurança e a defesa”; 2ª e 3ª parte versando sobre ambiente internacional e regional (América do Sul e países constituintes da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS); 4ª parte finalizando com a preocupação destinada à Amazônia, em sua versão “Legal” e “Amazônia Azul”. Importante ter conhecimento do entorno regional, conforme conceito analisado por Edson Tomaz de Aquino: 62

Nas palavras de José Luis Fiori, a expressão “entorno estratégico” surge na política externa brasileira como um conceito “novo e revolucionário”, referindo-se à “região onde o Brasil quer irradiar – preferencialmente – sua influência e sua liderança diplomática, econômica e militar, o que inclui a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida e a Bacia do Atlântico Sul” (Fiori, 2013). Para ele, a projeção da influência e poder de uma sociedade para fora de suas fronteiras nacionais coloca como objetivo fundamental a mudança de sua posição dentro da hierarquia de poder e distribuição da riqueza internacional. Ao longo da história, a mudança foi alcançada por sociedades que se mobilizaram e atuaram de forma unificada para enfrentar e superar seus momentos de dificuldade e suas situações de inferioridade, mantendo seu objetivo estratégico por longos períodos de tempo, independentemente das mudanças internas de governo. O conceito surge pela primeira vez em documentos oficiais brasileiros na Política de Defesa Nacional (PDN), promulgada em 2005, no governo Lula, e desde então seu uso passa a ser recorrente em substituição ao termo “vizinhança”. Sugere a ampliação do espaço circunvizinho, incluindo não apenas Estados fronteiriços, mas também áreas não contíguas, separadas por oceano, como a África. De acordo com o documento, “o subcontinente da América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o país visualiza um entorno estratégico que extrapola a massa do subcontinente e incluiu a projeção pela fronteira do Atlântico Sul e os países lindeiros da África” (Brasil, 2005). Em 2012, com a reformulação da PND observa-se a inclusão da Antártica no entorno estratégico brasileiro. Para o documento “a América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o país visualiza um entorno estratégico que extrapola a região sul-americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da África, assim como a Antártica” (Brasil, 2012, p.21). (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p.333-334)

A importância estabelecida pelo Governo Lula ao subcontinente no qual o Brasil se encontra fica exemplificado não apenas pelos organismos até então existentes, como o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), mas na criação daqueles voltados à Defesa. Analisando isso, Antonio Jorge ramalho da Rocha cita: Em 16 de dezembro 2008, os países-membros da Unasul criaram o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS/Unasul). Sua missão é coordenar a implementação de políticas de defesa em quatro campos prioritários: 1) cooperação militar; 2) ações humanitárias e operações de paz; 3) indústria e tecnologia de defesa; e 4) formação e capacitação. Para cumprir essa missão, o CDS/Unasul decidiu agir com base em planos de trabalho anuais estruturados em torno desses quatro eixos. Além disso, fixou cinco objetivos principais: a) consolidar uma zona de paz sul-americana; b) construir uma visão comum em matéria de defesa; c) articular posições regionais em foros multilaterais sobre defesa; d) promover a cooperação regional no âmbito da defesa; e) apoiar ações de desminagem, prevenção, mitigação e assistência a vítimas de desastres naturais. [...] Entre suas prioridades, sobressai a necessidade de compreender os desafios comuns enfrentados pelos países sul-americanos, a fim de coordenar posições e dissuadir potenciais ameaças futuras. Em um mundo que se torna cada vez mais populoso, carente de água, alimentos e energia, a proteção de recursos naturais da América do Sul adquire dimensão geopolítica relevante. Com 6% da população mundial, a região detém 28% da água doce e 40% da biodiversidade do mundo. Até 2020, responderá por mais de 30% da produção agrícola mundial. A proteção dos recursos naturais da região 63

emerge como tema de 3 interesse comum. (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p.163,173, grifo nosso)

Em 10 março de 2009, já após a criação do CDS, foi aprovada pelos ministros da Defesa da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED), com sede em Buenos Aires, na Argentina. Também foi criada a Escola Sul-Americana de Defesa (ESUDE), localizada em Quito, no Equador, visando formar civis e militares voltados à Segurança e Defesa, aproximando países do subcontinente. Em 2007, a Portaria do Ministro da Defesa Nr 11 de fevereiro de 2007, estabelecia a Doutrina Militar de Defesa (DMD), revogando a versão de 2001. Foi dividida em 6 capítulos, sendo os 3 iniciais conceituais, os próximos 2 sobre crises internacionais político-estratégicas e o último sobre o emprego das Forças Armadas. Em complemento, foi estabelecida a Estratégia Nacional de Defesa (END), pelo Decreto Presidencial Nr 6.703, de 18 de dezembro de 2008, definindo como serão executados e alcançados os objetivos estipulados pela PND, apresentando o “como fazer”., sendo organizada em três eixos estruturantes: Organização das Forças Armadas, Organização da Base Industrial de Defesa e a Composição das Forças Armadas e futuro do serviço militar obrigatório. Em análise do conceito da END, apresenta Patrícia Capelini Borelli: A elaboração da END foi oficializada pelo presidente Lula ainda em 2007, quando foi criado o Comitê Ministerial de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa. O comitê foi presidido por Nelson Jobim, então ministro de Estado da Defesa, e coordenado por Roberto Mangabeira Unger, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, contando também com a presença de outros ministros de Estado – da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, e Ciência e Tecnologia –, além dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O decreto também previa a possibilidade de o ministro da Defesa convidar especialistas ou representantes de outras entidades – públicas ou privadas – para prestar assessoria sobre temas específicos (Brasil, 2007; Ministério da Defesa, 2007). (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 379)

Importante salientar o que pensa Ariela Diniz Cordeiro Leske, professora da Escola Superior de Guerra, ao analisar a Base Industrial de Defesa: No Brasil, a Estratégia Nacional de Defesa (END, 2012) considera a BID o conjunto de empresas públicas e privadas “que realizem ou conduzam pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização ou manutenção de produtos de defesa (Prode) no país”. Observa-se que esse conceito inclui não apenas a indústria, mas todo o sistema relacionado à defesa, como prestadoras de serviços e os centros de pesquisa e universidades. [...] Desde a aprovação da Lei n.12.598, em 2012, as empresas nacionais consideradas estratégicas têm tido alguns incentivos fiscais, com o intuito 64

de reduzir seus custos com importação de insumos produtivos. Embora muitas empresas ainda reclamem que as 5 medidas são restritas, dados sobre as empresas de armas e munições, por exemplo, indicam que instrumentos de apoio à exportação são os mais utilizados (Leske, 2016). (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 93)

Ainda em seu Governo, foi elaborada a Lei Nr 136, de 2010, que criou o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), em substituição ao Estado- Maior de Defesa (EMD). Demonstrando não velar com a devida atenção para aspectos basilares das Forças Armadas, o seguimento absoluto à Hierarquia e à Disciplina, Lula entendeu haver espaço para negociação por ocasião da questão dos controladores aéreos, que resolveram não seguir com seus serviços, causando sérios transtornos nacionais e junto aos militares, conforme cita Abranches: O primeiro problema que Lula enfrentou ficou conhecido como “motim aéreo”. Os controladores de tráfego aéreo, militares da Aeronáutica, entraram em greve, forçando a interrupção dos voos nacionais e desviando para outros países os internacionais. Mesmo após a prisão de cinquenta controladores amotinados, a paralisação continuou. Lula foi surpreendido pelo motim, havia embarcado para os Estados Unidos na noite anterior. O vice, no exercício da Presidência, ficou retido em Belo Horizonte. A chefe do gabinete Civil, Dilma Rousseff, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, em Porto Alegre. Com a cúpula do governo fora de Brasília, o ministro da Defesa, Waldir Pires, não foi capaz de negociar uma solução. A negociação foi iniciada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, da Comunicação Social, Franklin Martins, ex-combatente da resistência ao regime militar, e pelo secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. A crise quase se transformou em problema militar e levou à saída de Waldir Pires da Defesa. Mas, antes que ela se resolvesse, houve mais problemas e dois graves acidentes aéreos. Lula substituiu Pires por Nelson Jobim (PMDB-RS). A solução final foi positiva. Desmilitarizou o controle de tráfego aéreo do Brasil. O projeto de desmilitarização encontrou resistência na Aeronáutica, mas terminou muito bem-sucedido. (2018, p.257-258)

Ratificando a ideia acima, Ramos cita, em diálogo com amigo transcrito em sua obra, a inabilidade do Presidente Lula ao resolver a questão dos controladores, citando como isso fora solucionado pelo Presidente Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América: Não deixa de ser emblemático o acordo que o Ministro Paulo Bernardo celebrou com os grevistas no melhor estilo do sindicalismo para atender suas reinvidicações. Quebraram-se a hierarquia e a disciplina militares, valores inafastáveis para a ordem na vida castrense. Quis o comandante da Aeronáutica prendê-los porque a lei de regência qualifica a insurreição como motim. E motim é crime. Lula, que viajava para visitar Bush, desautorizou a prisão. Lula é o comandante supremo das Forças Armadas. Naquele momento estava voando e não queria encrenca com os controladores. Na volta, foi pressionado pelos comandos da Aeronáutica, Exército e Marinha. O exemplo poderia alastrar-se pelas outras forças armadas, que estão se comportando corretamente dentro das regras institucionais do Estado de Direito. — Tudo bem — 65

argumentei —, os comandantes das Forças Armadas são parte do Governo e convenceram o Presidente de que ele estava errado. — Errado como sempre, caótico. O Ministro da Defesa, Waldir Pires, que deveria comandar os comandantes, sumiu. É completamente indefeso. Não sabe sequer explicar sua omissão. Concede entrevistas à televisão pronunciando dificultosas generalidades que ninguém entende. Alguém lembrou que ele pertencia ao Governo João Goulart,127 que foi deposto por uma baderna de outros sargentos estimulados pelos governistas de então. Por isso fomos submetidos a uma ditadura durante vinte e um anos. [...] No mundo todo, o controle de voo é exercido por civis, profissionais especializados. Nos Estados Unidos houve época em que os militares eram os responsáveis e fizeram qualquer coisa parecida com o que aconteceu no Brasil. Governo Reagan. Mas foram todos postos na rua, porque colocaram em risco a vida de milhares de passageiros. (2007, p. 553-555)

Patrícia Capelini Borelli, ao abordar a END, também menciona o ocorrido pela falta de investimentos em Defesa: A demanda por reaparelhamento e modernização dos meios já era um pedido antigo por parte das Forças Armadas, mas tomou proporções maiores entre 2006 e 2007, quando – a partir de uma crise no setor de aviação civil – eclodiu uma no interior das Forças Armadas. Em linhas gerais, a crise no setor aéreo explicitou as dificuldades que estavam sendo enfrentadas pelos militares – como a insatisfação salarial e extensas jornadas de trabalho –, mas principalmente o despreparo dos representantes políticos para lidar com questões relacionadas às Forças Armadas. (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 379, grifo nosso)

Fato de grande relev6ancia nacional e internacional pela projeção que deu ao Brasil foi a participação das Forças Armadas na MINUSTAH, que teve duração de 13 anos (2004-2017), sendo o Force Comander um oficial-general do Exército Brasileiro do início ao fim e na qual foram empregados aproximadamente 37.500 militares nacionais. Conforme relembram Camila de Macedo Braga e Juliana de Paula Bigatão, as experiências brasileiras em missões no exterior remontam a 1933 (Oficial da Marinha o conflito entre Colômbia e Peru), adentrando à 2ª Guerra Mundial (25 mil militares da Força Expedicionária Brasileira), o Batalhão Suez em 1957 no Egito, dentre outras missões sob égide de organismos internacionais, perfazendo um total de cerca de 50 mil militares em cinquenta operações ao longo de décadas, como também Angola (UNAVEM ), Moçambique (ONUMOZ), Timor Leste (UNTAET), e Líbano (UNIFIL). (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 678-680). Uma criação de vultosa importância foi o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), Projeto Estratégico do Exército orçado em R$ 12 bilhões que foi idealizado em 2009, seguindo o previsto na END, prevendo-se o desdobramento de suas ações em 16.886 km de faixa de fronteira, abordando os comandos militares do Norte, da Amazônia, do Oeste e do Sul. Destaque-se que há 66

uma atuação em conjunto do SISFRON com outros sistemas diretamente geridos pelas outras Forças Singulares, como o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SISGAAZ) e o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA). Estando o projeto-piloto localizado em Dourados-MS, sede da 4º Brigada de Cavalaria Mecanizada, tal sua monta que foi objeto de visita de delegação de outro país, sendo inicialmente visto com desconfiança por outras nações sul-americanas, algo já contornado, segundo citam Maurício Kenyatta Barros da Costa e Bruno Gonçalves de Souza Barbalho: Em fevereiro de 2016, embaixadores de dezessete países árabes visitaram as instalações do Sisfron em Dourados (MS) com o objetivo de conhecer a tecnologia empregada e tentar acordos de cooperação. Isso demonstra que, apesar dos cortes recentes no projeto, o sistema desponta como peça- chave na estratégia de defesa do Brasil, atraindo a atenção de atores internacionais cujas fronteiras tendem a ser mais hostis do que as brasileiras. (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p. 951)

Especificamente na área militar, alguns aspectos se destacaram no Emprego e Preparos das Forças Armadas. Marinha do Brasil: Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB). Exército Brasileiro: transferência de uma Brigada de Infantaria Motorizada do Rio de Janeiro-RJ para São Gabriel da Cachoeira-AM, em um total de cerca de 2.400 militares a mais naquela região; criação do Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCIBER). Aeronáutica: Projeto FX-2; e Projeto K- CX (Cargueiro Tático Militar KC 390).

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8 GOVERNOS DE DILMA ROUSSEFF E DE MICHEL TEMER

Dilma Vana Rousseff, nascida em 14 de dezembro de 1947, em Belo Horizonte-MG, foi antiga ministra de Minas e Energia e posteriormente da casa Civil do Governo Lula, tendo se identificado como jovem com ideologias vinculadas a movimentos progressistas, tendo sido partícipe do grupo VAR-PALMARES, dentre outros grupos irregulares de cunho socialista/comunista tendo sido condenada por suas ações contra o Estado, sendo liberada em 1972, após o que graduou-se em Economia no Rio Grande do Sul, onde filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), o mesmo de . Ao sair do PDT, filou-se ao Partido dos Trabalhadores em 2001, pouco tempo antes da vitória do Presidente Lula nas eleições de 2002. Seus vínculos com grupos ou partidos caracterizados por serem contrários aos governos do período de 1964-1985 naturalmente causaram expectativa sobre sua conduta com relação aos militares, haja vista ter sido presa e afirmar ter sido torturada. Manteve o ministro da Defesa do Governo Lula, Nelson Azevedo Jobim, nomeando o General-de-Exército José Elito Carvalho Siqueira no Gabinete de Segurança Institucional. Para as Forças Singulares tomaram posse: General-de- Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro; Almirante-de-Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, comandante da marinha do Brasil; e Tenente-Brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato, comandante da Aeronáutica. Pouco tempo após assumir a Presidência da República, Dilma Rousseff buscou fazer trocas ministeriais, uma das quais teve repercussão direta junto aos militares, caso ocorrido na Pasta da Defesa, conforme apresenta Abranches: Antes que pudesse resolver as questões na Agricultura, Dilma Rousseff se desentendeu com o ministro Nelson Jobim (PMDB-RS), da Defesa, que criticou publicamente as duas ministras da ponta de ataque do governo, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, mais afinadas com Dilma do que ele. O problema dela com Jobim era de incompatibilidade de Gênios. Além disso, ele e a presidente tinham posições políticas muito diferentes. As declarações do ministro soaram como um pretexto para uma carta de demissão que parecia já estar pronta. Para o seu lugar, Dilma nomeou o ex- chanceler de Lula, Celso Amorim. (2018, p.275)

Antes desta troca, cabe relembrar perfil, elaborado por Consuelo Dieguez do ministro da Defesa Nelson Jobim - que apoiou o Movimento de 1964 -, quando se vê a percepção da então Presidente eleita e ainda não empossada Dilma Rousseff, que resolvera manter os comandantes militares (General-de-Exército Enzo 68

Brigadeiro Saito e Almirante Julio Moura Neto), quando a conversa derivou para comemoração sobre o “31 de março e 1964” pelos militares: Dilma lhe pediu que marcasse um encontro reservado com os três comandantes. “Eu falei para ela: ‘Vamos combinar o seguinte, a senhora conversa com eles porque ainda não é presidente. Mas, depois da posse, a conversa tem que ser comigo’”, contou o ministro. No encontro com os militares, Dilma, segundo Jobim, os avisou de que “não haveria retaliação, mas também não aceitaria glorificação”. Ele reiterou o compromisso assumido pela presidenta para advertir o general Enzo de que não aceitaria nenhuma comemoração dos militares da ativa no dia 31. (Revista Piauí, 2011, Nr 59, grifo nosso)

Mercê de seus vínculos diretos com atividades que lhe levaram à prisão na década de 1970, a Presidente Dilma instalou a Comissão Nacional da Verdade em maio de 2012, causando repercussão negativa de militares pela intenção de investigar ações de agentes do Estado, no período de 1946 a 1988, sem buscar aqueles que fizeram atos hostis contra Forças Legais. Outro ato determinado por ela, que estava ao lado da viúva, Maria Thereza Goulart, foi o recebimento dos restos mortais do ex-presidente João Goulart na Base Aérea de Brasília, em 14 de novembro de 2013, cerimônia com honras militares e presença dos ex-chefes de Estado Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney. Após exames feitos no que restou de material humano, constatou-se não haver quaisquer provas de assassinato por envenenamento de João Goulart, após exumação solicitada por sua família. O histórico de vida e problemas de saúde do ex- Presidente Goulart poderia ser suficiente para chegar à conclusão da razão de sua morte natural, conforme apresenta William, por ocasião da visita daquela autoridade ao México, em 9 de abril de 1962, passando mal, desmaiando e sendo levado ao hotel: “No dia seguinte, Jango realizou um eletrocardiograma que apresentou sinais de insuficiência cardíaca. Os médicos aconselharam-no a suspender os encontros e as reuniões. Ele relutou. O presidente do México, que estava no quarto, mostrou que já conhecia a fama de Goulart em relação à sua saúde: - Nós, os presidentes, estamos agora subordinados às ordens dos médicos e espero que Vossa Excelência obedeça. Ouvi falar que o senhor é um doente muito difícil. [...] Em julho, o cardiologista e professor John S. LaDue, presidente do American College of Cardiology, veio ao Brasil para examiná-lo. Seria o primeiro – de uma série de médicos – a indicar que deveria mudar o estilo de vida, buscar uma alimentação mais saudável, diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas e parar de fumar. (2019, p.140-141, grifo nosso)

Em 1968, outro distúrbio cardíaco, cabendo ao médico cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini orientar-lhe naquilo ele já ouvira: 69

Zerbini passou as orientações que Jango estava cansado de ouvir. Deveria parar de fumar e de beber, mudar a alimentação e seu ritmo sedentário, além de trabalhar menos. Receitou-lhe um remédio vasodilatador sublingual. A conclusão de Zerbini deixou Jango desanimado. Apesar de seu estado de saúde, não mudaria seus hábitos imediatamente. Em vez de marcar uma consulta logo em Lyon – sabia que teria que passar por vários obstáculos para deixar o Uruguai -, preferiu seguir a tática do doente que foge do hospital acreditando que assim poderia se curar. (WILLIAM, 2019, p.365, grifo nosso)

Portanto, criou-se uma situação sem vínculos com a realidade, ao final do que restou comprovado não haver provas ou indícios de envolvimento de militares ou outros agentes do Estado com a morte do ex-Presidente João Goulart, cujo falecimento por enfarto poderia ser creditado ao estilo de vida que tinha. Após críticas do ministro Nelson Jobim à ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e à ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, a presidente Dilma resolveu demiti-lo em agosto de 2011, tendo sido o mais longevo ministro da Defesa (25 de julho de 2007 a 04 de agosto de 2011), tendo ficado à frente das conversações para a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, bem como da PDN e END. Foi nomeado o diplomata Celso Luiz Nunes Amorim, antigo ministro das Relações Exteriores dos governos Itamar e Lula, além de ter sido filiado ao PMDB e posteriormente ao Partido dos Trabalhadores. Formado pelo Instituto Rio Branco, graduando-se em 1º lugar na turma, já presidiu a Empresa Brasileira de Filmes S.A. (EMBRAFILME) por 3 anos. Houve divulgação por órgãos de imprensa que a escolha do ministro Celso Amorim não teria sido bem recebida pelos militares em razão de seu perfil de diplomata e por ser tido como ideologicamente ligado à esquerda, tendo priorizado contatos com países cujos líderes tinham reputação negativa frente às principais potências mundiais, tais como Fidel Castro (Cuba), Hugo Chávez (Venezuela) e Mahmmoud Ahmadinejad (Irã). Acresce-se o fato da instalação da Comissão Nacional da Verdade durante seu tempo como ministro, de 4 de agosto de 2011 a 31 de dezembro de 2014, com repercussão negativa nas Forças Armadas. Substituído pelo ex-governador da Bahia Jaques Wagner (PT-BA), cuja carreira profissional remonta ao movimento sindical petroquímico naquele Estado, foi fundador do Partido dos Trabalhadores, sem ter qualquer ligação com atividades castrenses, motivo pelo qual sua nomeação pode ser atribuída unicamente ao desejo presidencial de coloca-lo na pasta. Destaque-se que em 1992, quando era 70

deputado federal, colocou-se a favor de policiais militares da Bahia que realizavam movimento por reajuste salarial, criticando a intenção do então governador, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), de punir os manifestantes. Repetiu este meio feito em 2001, apoiando pretensos grevistas policiais militares, que sabem não ser legal militares em movimento grevista. Quando governador, em 2012, por ocasião de outra greve da Polícia Militar foi deflagrada, sendo o General-de-Divisão Marco Edson Gonçalves Dias o comandante da 6ª Região Militar, que foi afastado das funções que exercia de comando das operações em Salvador, haja vista ter sido divulgada imagem sua recebendo bolo de manifestantes, com repercussão negativa à Força Terrestre. Vê-se que como parlamentar Jaques Wagner não condenava movimento ilegal, mas na condição de governador buscou apoio federal para combater o movimento. Dessa forma, estar à frente do MD era algo inesperado. Algo que chamou bastante a atenção e pareceu provocação junto às Forças foi a promulgação do Decreto Nr 8.515, de setembro de 2015, no qual - consultar o ministro da Defesa ou os comandantes militares - a presidente Dilma Rousseff reduzia o poder dos comandantes e transferia para o Ministro da Defesa a competência de assinar atos relativos a pessoal, tais como como a promoção de oficiais. Responsabilizada pelo ato, a secretária-geral do MD, Eva Maria Cella Dal Chiavon - casada com um integrante do MST, Francisco Dal Chiavon - teve desfeito o Decreto, o qual gerou fortes reações dos militares. Tal a gama de desagrado, pouco depois encerrou-se o período de Jaques Wagner no MD, que durou de 1º de janeiro a 2 de outubro de 2015. Seu sucessor foi o ex-deputado federal José Aldo Rebelo Figueiredo (PC do B- SP), antigo Secretario de Coordenação Política e Relações Institucionais do Governo Lula, Presidente da Câmara dos Deputados e ministro dos esportes do Governo Dilma, era um comunista próximo aos militares, com quem mantinha interlocução e buscava defender com ênfase, sendo sua gestão curta – 2 de outubro de 2015 a 12 de maio de 2016 – em razão do processo de Impeachment da Presidente Dilma. Aparentemente, finalmente a Presidente nomeou alguém com perfil mais próximo aos Comandantes das Forças Como primeira mulher a assumir a Presidência da República no Brasil, determinou que em um prazo de até 5 anos fosse permitido que o gênero feminino pudesse adentrar na Linha Bélica do Exército, efetivando-se isso já no Governo do Presidente Michel temer, haja vista a necessidade de tempo para estudos e 71

adaptação de instalações. Para efeito de comparação, citam Renata Avelar Gianini e Suzeley Kali Mathias que alguns países já contavam com mulheres militares há mais tempo: Rússia, 1917; EUA, desde a 2ª Guerra Mundial; e Canadá, 1989. Quanto a percentuais de suas presenças nas Forças, na África do Sul são 25% do efetivo, no Chile perfazem 17,5%, no Uruguai totalizam 16,9%, e Argentina com 16,3%. (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018, p.413-414) Em 2012, foi publicado o Livro Branco de Defesa Nacional, sob responsabilidade do MD, conceituando a transformação da Defesa, com vistas a permitir capacitação das Forças Armadas e criar desenvolvimento nacional. Mercê disso, institui-se em 2009 o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED). Este Plano aborda 35 projetos das Forças, em intervalo de tempo de 20 anos, a saber: Programa Nuclear da Marinha, o SISGAAZ; o Complexo Naval da 2ª Esquadra; a Recuperação da Capacidade Operacional do Exército, o Projeto Guarani, o SISFRON; o Sistema Integrado de Proteção de Estruturas Estratégicas Terrestres (Proteger), Sistema de Misseis e Foguetes Astros 2020; o Projeto F-X2; e o Projeto H-XBR, que prevê a aquisição de 50 helicópteros de transporte EC-725 para as 3 Forças Singulares. Além disso, o Ministério da Defesa em 2012 foi aquinhoado com R$ 1,527 bilhão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Equipamentos, destinando-se os recursos para aquisição de 4.170 caminhões, 40 carros de combate Guarani e 30 veículos lançadores de mísseis Astros 2020, apoiando as Forças Armadas e estimulando a economia nacional e gerando empregos, numa simbiose positiva de Defesa e Desenvolvimento. O Exército Brasileiro pôde receber quantidade de viaturas vultosa, possibilitando melhores condições de transporte de carga e pessoal. Ao falar da importância do PAED, o então ministro Celso Amorim, afirmou em aula magna na ESG, por ocasião do início do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia em 2012: Tomando-se por base os indicadores econômicos atuais, estima-se que o PAED, caso implementado, elevará a razão entre gasto de defesa e PIB para cerca de 2%, ou seja, um aumento de meio ponto percentual em relação ao nível corrente, ainda bem abaixo do nível dos BRICS de 2,4%. Observe-se que o PAED é um plano indicativo que não tem a força dos planos plurianuais e, muito menos, da Lei Orçamentária Anual: mas será referência importante para ações de prazo tão longo como essas empreendidas para a Defesa. (2016, p. 57)

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O período de pouco mais de 5 anos da Presidente Dilma Rousseff foi caracterizado pelas crises política e econômica, com reflexo nas Forças Armadas, suspendendo a execução de programas das Forças, elevando o hiato já existente entre o Brasil e países militarmente mais poderosos. Em que pese entraves na continuidade dos projetos/programas e instabilidade nos campos político e econômico, os militares federais se mantiveram exercendo seu papel constitucional, sendo elogiados pelo planejamento, gestão e execução de todas as atividades de Segurança conduzidas nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, sem que qualquer ameaça se tornasse fato contra vidas humanas ou instalações, empregando-se cerca de 23 mil militares à época. Ganhou destaque o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC Equipamentos), que visa destinar crédito do governo federal para o reaparelhamento das Forças Armadas, beneficiando o Desenvolvimento e a Defesa nacionais. Sem intervir no Impeachment, mesmo consultados sobre suas condutas, ganhando relevância a pessoa do Comandante do Exército, General-de-Exército Villas Bôas, costumeiramente ouvido por líderes do Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Consultado por políticos sobre decretação do Estado de Defesa em consequência da instabilidade vivida, o General Viilas Bôas rechaçou imediatamente aquilo. Michel Miguel Elias Temer, eleito vice-presidente de Dilma Rousseff, tinha formação em Direito, tendo sido promotor de Justiça de São Paulo, secretário de Justiça daquele Estado, por onde fora eleito deputado federal (PMDB), atuando ainda como presidente da Câmara dos Deputados. Sendo especialista em Direito Constitucional, inclusive autor de obra sobre o tema, em seu governo foi promulgada a Lei 13.491, de 2017, conforme relembra Maria Celina DÁraujo na qual crimes contra a vida de civis ou estelionato praticados por militares das Forças Armadas, por ocasião de exercício de função de segurança interna são julgados pela Justiça Militar da União, conforme defendiam sentiam a necessidade as Forças Singulares, haja vista as especificidades da carreira. (SAINT- PIERRE e VITELLI, 2018, p.589). Houve modificação de ministros, dentre os quais o titular da pasta da Defesa, assumindo Raul Bellens Jungmann Pinto - de 12 de maio de 2016 a 27 de fevereiro de 2018 -, substituído pelo primeiro oficial-general que foi ministro da Defesa, o General-de-Exército Joaquim Silva e Luna, que permaneceu no cargo até o final do 73

Governo Temer. Quanto aos comandantes militares, permaneceram aqueles que já estavam à frente das Forças Singulares no Governo Dilma: General-de-Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro; Almirante- de-Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, comandante da marinha do Brasil; e Tenente-Brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato, comandante da Aeronáutica. A proximidade de Michel Temer dos militares veio desde o Governo Dilma quando acompanhava emprego de tropas federais ao longo do território nacional. Após assumir o governo como Presidente, em 28 de julho de 2017, assinou Decreto autorizando o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho de 2017 a 31 de dezembro de 2018, conforme consta naquele documento legal. Em continuidade àquele Decreto, o Presidente Michel temer, surpreendendo a muitos resolver promulgar o Decreto Nr 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, criando a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro “com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública.” Naquele ato, o General-de-Exército Walter Souza Braga Netto, comandante Militar do Leste, foi nomeado interventor federal na Segurança Pública, acumulando as duas funções, em situação marcada pelo ineditismo e que durou até 31 de dezembro de 2018. A Intervenção deu-se pouco após o Carnaval, quando imagens de complexos problemas na Segurança Pública forma difundidos por órgãos de imprensa. Também foi aventada a possibilidade de o Presidente Temer estar usando as Forças Armadas com fins políticos para diminuir desgaste frente a não demonstrar ter condições de ver aprovada a Reforma da Previdência proposta pelo Poder Executivo, além do fato de o ato restringir-se à Segurança Pública, sem abarcar toda a administração do Estado, ainda sob o mandato do Governador Luiz Fernando de Souza, conhecido popularmente como Pezão, (PMDB-RJ), mesmo partido do Presidente, atualmente preso por acusação de corrupção. Foram destinados R$ 1,2 bilhões para que o Gen Braga Netto utilizasse em proveito das questões de Segurança no Rio de Janeiro, sendo empregadas tropas das Forças Armadas em ações com as polícias (Federa, Rodoviária Federa, Militar e Civil), diminuindo-se alguns índices de criminalidade e principalmente agindo-se na questão da gestão. 74

O biênio do Presidente Temer foi tipificado pela tentativa de ajuste econômico, reformas constitucionais e disputas políticas com vistas a não ser destituído por Impeachment, mantendo-se os militares no cumprimento de suas funções legais, caracterizadas pela execução da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. As acusações de irregularidades no Governo não atingiram as Forças, que mantiveram seus elevados índices de confiabilidade junto à população, sendo costumeiramente tratadas com deferência institucional pelo Presidente Temer. Corroborando a importância histórica dos militares, o Comandante do Exército, General-de-Exército Villas Bôas postou em sua conta no Twitter, em 3 de abril de 2018, texto no qual externava como a Força analisava possíveis desvios de conduta de importantes do Poder Nacional, ministros do Supremo Tribunal Federal antes de julgamento relativo ao ex-presidente Lula: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

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9 GOVERNO DE JAIR BOLSONARO

Jair Messias Bolsonaro, nascido na cidade de Glicério-SP, teve parte da vida profissional no Exército, formando-se na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em 1977, seguindo na Força terrestre até o posto de capitão de artilharia, vindo a projetar-se nacionalmente após escrever artigo na Revista Veja, Nr , em 1986, abordando a complexa situação de vencimentos dos militares das Forças Armadas, à época ainda como aluno da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Com aquilo, foi punido disciplinarmente com 15 dias de prisão, cabendo àquele mesmo semanário afirmar que o então oficial intermediário planejara provocar explosões em organizações militares do Exército, fato reputado pelo capitão. Com a difusão de seu nome, candidatou-se a vereador pelo município do Rio de Janeiro-RJ, filiado ao Partido Social Cristão (PSC), sendo eleito em 1988, permanecendo na Câmara dos vereadores até 1991, quando seguiu para a Câmara dos Deputados, sendo eleito e reeleito seguidamente até 2014, candidatando-se a Presidente em 2018, vencendo as eleições e nomeando ministros de forma técnica, destacando-se a presença de militares da Reserva Remunerada ou que já serviram as Forças Armadas, dentre os quais: Antônio Hamilton Martins Mourão, General-de- Exército da Reserva formado pela AMAN, Vice-Presidente da República; Marcos Cesar Pontes, Tenente-Coronel da Aeronáutica graduado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), ex-astronauta, nomeado Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; General-de-Exército (Oficial da Reserva) Augusto Heleno Ribeiro, nomeado ministro do GSI; General-de-Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, assessor especial do GSI; General-de-Exército (Oficial da Reserva) Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa; General-de-Exército Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, Secretaria de Governo; Wagner Rosário Natural, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), auditor fiscal concursado, foi nomeado ministro da Controladoria Geral da União; Tarcísio Gomes de Freitas, formado pela AMAN e Instituto Militar de Engenharia, consultor legislativo concursado da Câmara dos Deputados, foi nomeado ministro da Infraestrutura; Almirante-de-Esquadra (Oficial da Reserva) Bento Costa Lima, ministro de Minas e Energia; e General-de-Divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz, escalão substituído posteriormente pelo General-de-Divisão Floriano Peixoto Vieira 76

Neto, na Secretaria-Geral da Presidência, seguindo para a presidência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Além desses cargos, outros vários nos demais escalões foram preenchidos com militares reformados, isso feito mediante a confiança do Presidente Bolsonaro demonstra ter naqueles que sua mesma formação profissional. Neste início de mandato, demonstrou cercar-se de oficiais-generais para assessorá-lo, sendo rotineiras suas frases que explicitam sua aversão aos partidos ou movimentos de ideologia socialista/comunista, criticando costumeiramente os que se colocam contra os governos do período de 1964 a 1985. Enfatizando sua origem verde-oliva, em 5 de abril de 2019, afirmou Bolsonaro: “Desculpem as caneladas, não nasci para ser presidente. Nasci para ser militar, mas no momento estou nesta condição de presidente e, junto com vocês, nós. podemos mudar o destino do Brasil.” Segundo levantamento publicado em O Globo de 30 de junho de 2019, mais de 30% do comparecimento do Presidente em atos fora do Palácio do Planalto foi em eventos militares, reforçando seus vínculos com o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. O fato de haver maior quantidade de militares da reserva ou ex-militares em funções de grande destaque no Governo Federal não impediu que a Defesa tivesse contingenciados 44% dos recursos já no início do mandato, prejudicando sobremaneira a evolução de projetos sensíveis, como: construção de 4 novas corvetas; programada dos submarinos; entrega do avião KC-390; redução nas horas de treinamento dos pilotos; entrega dos caças Gripen; e novo atraso na conclusão do SISFRON, já retardado de 2025 para 2035. Tem sido frisado por militares que estes não estão no Governo Bolsonaro, participando alguns da reserva ou ex-militares, mas frisando que as Forças Armadas são instituições que servem ao Estado, independente do Presidente, de modo a tornar claro à população que sucessos ou insucessos do Poder Executivo devem não podem ou devem ser creditado às Forças Armadas. Exemplificando que militares são demissíveis quando o Presidente julga por bem, alguns generais da Reserva que serviam no 1º ou 2º escalões já foram exonerados, como: General-de- Divisão Santos Cruz (Ministro da Secretaria de Governo), General-de-Exército Juarez Aparecido de Paula Cunha (Presidente dos Correios e Telégrafos) e General- de-Brigada Franklinberg Riberio de Freitas(presidente da FUNAI).

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10 CONCLUSÃO

As relações entre Presidentes do Brasil e seus ministros ou comandantes militares remontam ao inicio da República, em 1889, seguindo durante todo o século XX, de forma mais direta após 1964, quando da Revolução de 31 de março daquele ano, que perdurou até 1985, ano caracterizado na História como começo da ova República, à frente da qual estava José Sarney. E antigo líder maranhense teve que superar dificuldades em todos os campos do poder, especialmente econômico, político e militar, sendo mister para suplantá- los a convivência com os ministros militares, de forma destacada a figura do General-de-Exército Leônidas Pires Gonçalves, cuja personalidade e ação de comando foram fundamentais para que José Sarney pudesse concluir seu mandato, bem como que as pretensões das Forças Armadas fossem atendidas nos seus pontos principais, ressaltando-se no artigo 142 a premissa da GLO, tão utilizada desde que aquela Carta Magna foi promulgada. Portanto, a proximidade dos militares e Chefe do Poder Executivo foram capitais na proeminência que Marinha, Exército e Aeronáutica têm tido ao longo de séculos, principalmente nas últimas décadas. Fernando Collor, antes mesmo de ser eleito, tratou de forma inadequada o ministro-chefe do SNI, chamando-o de “Generaleco”, criou Reserva indígena e adotou ações – a exemplo de “fechar” poço que seria usado para testes de artefatos nucleares na Serra do Cachimbo – que subestimaram os militares, os quais observaram o Impeachment que o vitimou sem quaisquer ingerências no processo. O afastamento proposital do Presidente Collor de seus ministros serve como exemplo de como esta atitude poderá ser maléfica ao Presidente em um País com longo histórico da necessidade dos militares para evitar questões complexas junto ao Poder Militar. O Presidente Itamar Franco, com temperamento mercurial, assumiu o Governo e se manteve por 2 anos à frente da nação, mudando os ministros militares, com os quais manteve relação institucional, sem nada que destacasse seu curto período de governo, voltado a implantação e estabilização econômica, por meio do Plano Real. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, com vários antepassados no Exército, não destratou os militares, mesmo tendo sido aposentado como professor universitário, mas buscando criar uma Comissão com fins de reparar ações do 78

Estado contra pessoas identificadas com ações irregulares, gerando dissabores nas Forças. Criou o MD, nomeando um ministro que não se reelegeu senador, mostrando pouca importância dispensada a um ministério que ele próprio julgava importante. Além disso, as condições de aquisição de produtos de defesa foram bastante difícil nos 8 anos do Governo, que manteve relação protocolar com os militares. O Presidente Lula, cujo passado ideológico contrário aos militares era notório, não se afastou deles, destinando verbas, sendo o destaque em seus 8 anos a criação da Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa, documentos basilares, inovando ainda com o Conselho de Defesa Sul-Americano e outras iniciativas positivas, em que pese as constantes trocas de ministros da Defesa. Sua sucessora, Dilma Rousseff, presa pelo Estado na década de1970 assim como Lula e de forma mais tempo, inovou na Defesa com o Livro Branco de Defesa Nacional, assim como a revisão da PDN e da EDN, documentos valiosos à Defesa nacional e ao Brasil. No entanto, sua personalidade e suas ações foram decisivas para que fosse realizado o Impeachment que lhe tirou o cargo, sendo fundamental a postura de imparcialidade das Forças Armadas, que seguiram o profissionalismo semelhante ao demonstrado por ocasião do mesmo fato ocorrido com o Presidente Collor. Michel Temer assumiu a Presidência e governou mantendo padrão de relação protocolar com os militares, inovando ao decretar a Intervenção Federal na Segurança do Estado do Rio de Janeiro, algo feito sem consultar as Forças Armadas, nomeando um General-de-Exército como Interventor, em acúmulo com suas funções, em trabalho inédito e complexo. No entanto, expôs a organização e correção de planejamento dos militares federais junto ao Brasil e à sociedade carioca. Ressalta-se o cuidado constante que as Forças devem manter no sentido de não serem utilizadas de forma política por autoridades investidas do cargo. Por fim, em 2019 o recém-empossado Presidente Jair Bolsonaro, formado primeiro brasileiro formado na AMAN a assumir o cargo mais elevado da República, nomeou vários militares da Reserva no 1º Escalão, bem como nos outros, buscando aproveitar o conhecimento do País, a costumeira honestidade e a capacidade de trabalho dos oficiais das Forças Singulares. Um dos principais males no serviço público que os brasileiros é a corrupção, tão identificado nos governos anteriores. O 79

Presidente Bolsonaro faz questão de lembrar ser militar- em que pese ter sido vereador ou deputado federal pelos últimos 30 anos -, tornando claro que a formação rigorosa e a seriedade permeiam as vidas daqueles que já vestiram fardas. O fato a ser destacado é que as Forças Armadas reiteram ser instituições de Estado, sem vínculos político-partidários ou com eventuais chefes do Poder Executivo, servindo ao Brasil. Os Presidentes da República no Brasil, no período de 1985 a 2019 tiveram maior ou menor relação com as Forças Armadas, concluindo-se mediante os fatos apresentados neste trabalho terem tido mais estabilidade política os que enxergaram nos profissionais das Armas uma espécie de Poder Moderador do Brasil, haja vista serem consultados particularmente em momentos de crise. Este conhecimento da missão, preparo e emprego dos militares federais é imprescindível para que a Segurança, a Defesa e o Desenvolvimento do Brasil não estejam sob risco de ameaças se efetivarem em ações armadas contra o País. A falta de relacionamento gera desconhecimento das possibilidades e limitações, provocando atrasos em projetos/programas fundamentais, sendo o prosseguimento de ações vital, caso do Programa Calha Norte, criado em 1985, no Governo José Sarney, que vivificou partes da fronteira na Amazônia Legal e consumiu ao longo de décadas R$ 3,2 bilhões, gerando Desenvolvimento e aumentando a sensação de Segurança, algo semelhante ao feito no PAC equipamentos. No entanto, sofre redução de repasses, caracterizando a falta de previsibilidade, algo muito dificultoso na área de Defesa, onde o tempo de desenvolvimento de projetos e programas conta-se por vezes em décadas. A confiabilidade da “Nação em Armas” é suficiente para amparar decisão constitucional nos 3 Poderes, cabendo ao Comandante Supremo fazer o correto emprego da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Aeronáutica, até mesmo porque querer usá-los de forma ilegal não surtirá qualquer efeito, dentro do princípio segundo o qual “ordem ilegal não se cumpre”.

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