Memórias Dos Povos Do Campo No Paraná – Centro-Sul
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Organizadores Liliana Porto, Jefferson de Oliveira Salles e Sônia Maria dos Santos Marques MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ – CENTRO-SUL Organizadores Liliana Porto, Jefferson de Oliveira Salles e Sônia Maria dos Santos Marques MEMÓRIAS DOS POVOS DO CAMPO NO PARANÁ – CENTRO-SUL 1ª edição Curitiba Instituto de Terras, Cartografi a e Geociências - ITCG 2013 Presidência da República Dilma Rousseff Ministério da Cultura Marta Suplicy Governo do Estado do Paraná Carlos Alberto Richa Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Luiz Eduardo Cheida Instituto de Terras, Cartografi a e Geociências Amílcar Cavalcante Cabral Técnica Responsável pelo Convênio no ITCG/PR Patrícia Moreira Marques Capa e projeto gráfi co Adalberto Camargo | Adalbacom Revisão Liliana Porto Colaboradores: Ana Flávia da Silva (Estagiária – ITCG/PR) Stephani dos Santos Cavalcanti (Estagiária – ITCG/PR) Tainara do Carmo França (Estagiária – ITCG/PR) Reinoldo Mascarenhas Heimbecher (Setor de Transportes – ITCG/PR) Dados catalográfi cos na fonte – Vera Lúcia Fritze Moreira – CRB9-783PR MEMÓRIAS dos povos do campo no Paraná – centro sul./ Liliana Porto (Org.), Jefferson de Oliveira Salles (Org.), Sônia Maria dos Santos Marques (Org.). Curitiba : ITCG, 2013. 400p.: il.; 23cm. ISBN: 978-85-64176-04-1 1 .Comunidades Tradicionais – Paraná 2. Confl itos de Terra – Paraná 3. Memória – Povos Tradicionais I. Porto, Liliana II. Salles, Jefferson de Oliveira III. Marques, Sônia Maria dos Santos IV. Título CDD: 307.78162 Impresso no Brasil Sumário Introdução – Cartografi as invisíveis – José Antônio Peres Gediel 07 Parte I: Meio ambiente e organização social no Centro-Sul do Paraná 13 1. Paraná: terra, fl oresta e gentes – Claudia Sonda e Raul Cezar Bergold 15 2. Comunidades quilombolas e direitos sociais: modos de fazer, criar e viver – Sônia Maria dos Santos Marques 41 3. Uma refl exão sobre os faxinais: meio-ambiente, sistema produtivo, identidades políticas, formas tradicionais de ser e viver – Liliana Porto 59 Parte II: A questão quilombola – Palmas 81 4. Memórias de dependência e liberdade em comunidades quilombolas – Cassius Marcelus Cruz 83 5. (Re)confi gurações identitárias e direitos sociais: o caso da comunidade remanescente de quilombo Adelaide Maria Trindade Batista em Palmas/PR – Sônia Maria dos Santos Marques 117 Parte III: Comunidades tradicionais, capitalismo e confl itos agrários – Pinhão 135 6. Contextualização: breve histórico sobre Pinhão/PR – Liliana Porto e Dibe Ayoub 137 7. Os posseiros do Pinhão – confl itos e resistências frente à indústria madeireira – Dibe Ayoub 151 8. Memórias de um mundo rústico: narrativas e silêncios sobre o passado em Pinhão/PR – Liliana Porto 173 9. João José Zattar S.A.: disputas sociais, legitimidade, legalidade – Jefferson de Oliveira Salles 249 10. Desenvolvimento, capitalismo e comunidades tradicionais: refl exões em torno da Zattar e dos faxinalenses – Paulo Renato Araújo Dias 295 Parte IV: Perspectivas dos sujeitos de suas próprias histórias 329 11. Refl exões sobre vida, política e religião – Maria Izabel da Silva 331 12. Faxinal dos Ribeiros – Equipe da E.R.M. Norberto Serápio 335 13. Agenda – João Oliverto de Campos 345 Introdução Cartografi as invisíveis José Antônio Peres Gediel1 s textos que compõem este livro retiram da invisibilidade a memória, o cotidiano, os modos de vida de comunidades tradicionais, quilombolas, Oposseiros e faxinalenses, no Estado do Paraná. Dos escritos acadêmicos e dos relatos de membros dessas comunidades, evidencia-se uma identidade em torno do uso e ocupação da terra. Os confl itos e lutas pela manutenção da terra se mesclam com a memória familiar, da comunidade e suas relações com os poderes econômicos e políticos das regiões. Dessas narrativas entrecortadas por lapsos temporais, silêncios, confl itos e labutas emerge uma cartografi a intolerável e irreconciliável com as Tordesilhas e títulos imobiliários que demarcam esses espaços de vida. A constante expansão das atividades capitalistas sobre essas terras não dispensa, inclusive, a violência das armas, e tem no direito um artefato poderoso de legitimação dessa violência. A apropriação e regulação jurídica da terra no Brasil remonta ao Tratado de Tordesilhas fi rmado entre os reinos de Portugal e Castela, em 1494, para resolver a disputa entre esses reinos, a respeito do domínio político e da titularidade jurídica das terras no recém descoberto Continente Americano. Note-se que o reino de Portugal considerou vagas todas as terras deste território chamado de Vera Cruz, Santa Cruz e depois Brasil, pois excluiu a aplicabilidade do direito do reino às populações indígenas. A elas não era reconhecido qualquer direito sobre as terras, iniciando-se, assim, o processo de espoliação e de invisibilização desses povos. 1 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná e professor titular de Direito Civil da UFPR. 7 O Estado colonial português utilizou instrumentos jurídicos já existentes no Reino, para regular a concessão de terras a seus súditos residentes no Brasil. O instrumento mais importante para a concessão de terras foi o das Sesmarias, que pode ser defi nida como “uma parcela ou porção de terra cuja concessão de titularidade a um súdito dependia de ato simbólico da tomada de posse da terra por esse súdito, seguido de ato de concessão do soberano e posterior registro em um tabelionato”. No regime jurídico das Sesmarias, caso o concessionário não a ocupasse tornando-a, efetivamente, produtiva pelo cultivo, em um prazo de até 5 (cinco) anos, deveria devolvê-la à Coroa. Essa condição resolutiva do direito do concessionário não foi aplicada no Brasil e os benefi ciários das Sesmarias não sofreram qualquer sanção por não terem cultivado a terra, até porque o empreendimento colonial do Brasil visava à extração de recursos naturais que independiam do cultivo. Há quem aponte nesta característica da ocupação territorial e na ausência de fi scalização pela Coroa a origem mais remota dos latifúndios improdutivos no Brasil. O “Sistema Sesmarial” no Brasil foi a fórmula aplicada, até o ano de 1822. Destaque-se, ainda, que as Sesmarias que já tivessem sido medidas, lavradas, demarcadas ou confi rmadas, continuaram válidas e foram reconhecidas após 1822, pois os benefi ciários destas concessões ocupavam posições de destaque no aparato administrativo do Estado nacional agora independente. Os títulos constituídos com base nas concessões de Sesmarias concentraram-se, sobretudo, na região abrangida pelo domínio português segundo o Tratado de Tordesilhas (cerca de trezentas e sessenta léguas a oeste da Ilha dos Açores). Com a independência do Brasil, a Constituição do Império de 1824 acolheu, em parte, as idéias liberais sobre propriedade privada e garantiu a continuidade dos concessionários sobre as terras, embora tenha rompido com o sistema político e jurídico até então vigente. Os latifúndios se consolidaram nas mãos de quem detinha o poder político, e os homens livres, sem cargos na administração ou pobres, que trabalhavam a terra, continuaram como posseiros sem títulos que lhes garantissem juridicamente a ocupação da terra. O território do Estado do Paraná fazia parte, inicialmente, da Capitania de São Vicente (São Paulo) e, posteriormente, da Província de São Paulo, até o ano de 1853, quando foi criada a Província do Paraná. Assim, o processo de formação territorial e da propriedade privada no atual Estado do Paraná seguiu os mesmos passos das demais regiões brasileiras, na parte abrangida pelo Tratado de Tordesilhas, o que, em termos atuais, signifi ca uma grande região de, aproximadamente, duzentos quilômetros a 8 partir da costa, composta pela região litorânea, Serra do Mar e Primeiro Planalto, demarcada ao norte pelo Rio Ribeira na divisa com o Estado de São Paulo e ao sul seguindo o curso do Rio Iguaçu até a fronteira do atual Estado de Santa Catarina. Segundo levantamentos imprecisos, a partir do século XVII, em Lisboa, em São Vicente (São Paulo) e no Rio de Janeiro, foram expedidas sessenta e nove Sesmarias concedendo terras no Paraná. No restante do território do atual Estado do Paraná, por não estar claramente sob o domínio português, a expedição de títulos foi iniciada somente no fi nal do século XIX e perdura até os dias de hoje. Após 1822, o regime jurídico original das Sesmarias foi abolido, mas o Império brasileiro continuou a conceder títulos a particulares, por meio de cartas régias, que em tudo se assemelhavam às Sesmarias e tinham seu registro efetuado junto às paróquias da Igreja Católica, religião ofi cial do Império. Até 1850, não havia uma legislação detalhada regulando a concessão de títulos imobiliários, embora a Constituição de 1824 reconhecesse o direito à propriedade privada. Ao lado das áreas tituladas por meio de Sesmarias ou de cartas régias, apareciam áreas ocupadas, cujos detentores buscavam a titulação junto à administração imperial, uma vez que todas as terras não- tituladas continuavam sob o domínio jurídico da Coroa imperial brasileira, herdeira da Coroa portuguesa. No Paraná, a ocupação era escassa e, além dos títulos concedidos, as posses eram irrelevantes em termos numéricos e econômicos, pois a economia era extrativista (ouro) ou pecuarista (criação de gado). A lei 601, de 1850, conhecida como lei de terras veio alterar os requisitos para se obter títulos de terras ou revalidá-los. É nesse período que algumas famílias de escravos alforriados, ou não, vão ocupar áreas que hoje constituem a maior parte dos territórios quilombolas do Paraná. Entre eles também se encontram famílias que receberam doações de seus