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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 30 [ 24/3/2011 a 30/3/2011 ] Sumário

CINEMA E TV...... 6 ...... 6 Engane-me se for capaz...... 6 O Globo...... 7 Libertadores da América vão às telas em projeto espanhol...... 7 O Globo...... 7 O cinema-mentira de Agamenon, o repórter...... 7 Época ...... 9 O novo espírito nos filmes...... 9 IstoÉ...... 11 De malas prontas para Hollywood...... 11 Estado de Minas...... 12 O encontro que revigorou a MPB ...... 12 O Globo...... 13 Jece Valadão, de cafajeste a Dirty Harry ...... 13 O Estado de São Paulo...... 14 Heróis do Brasil...... 14 O Estado de S. Paulo...... 16 A volta dos que se calaram...... 16 TEATRO E DANÇA...... 18 Estado de Minas...... 18 Galpão em festa...... 18 Folha de S. Paulo...... 19 SP Cia. de Dança mescla estilos em estreia...... 19 Folha de S. Paulo...... 19 Grotesco é tema de festival de teatro em São Paulo...... 19 O Globo ...... 20 ‘Pterodátilos’ é a maior vencedora do Prêmio Shell ...... 20 O Globo ...... 21 Anatomia Brincante...... 21 O Globo ...... 23 Anatomia Brincante...... 23 O Globo ...... 25 Dupla reestreia peça e inaugura um novo teatro...... 25 O Estado de S. Paulo...... 25 25 anos...... 25 O Globo...... 27 A cultura popular em espetáculo encantador ...... 27 Agência Angola Press...... 28 Le groupe brésilien Maria Cutia réalise un spectacle à Luanda ...... 28 Folha de S. Paulo...... 28 Na coxia com Autran ...... 28 Estado de S. Paulo...... 30

2 As cariocas...... 30 O Estado de S. Paulo...... 30 Poética refinada da Cia. Armazém...... 30 Folha de S. Paulo...... 31 Dramaturgia brasileira ganha destaque na grade...... 31 ARTES PLÁSTICAS...... 32 Correio Braziliense...... 32 Planalto aberto ao público...... 32 Estado de Minas...... 33 Tesouro revelado...... 33 Correio Braziliense...... 34 Jardim de lã / crônica...... 34 O Estado de S. Paulo...... 35 Paulo Pasta e a moradia da cor...... 35 O Estado de S. Paulo...... 36 Ásia no MASP...... 36 IstoÉ...... 37 A arte da ilusão...... 37 Folha de S. Paulo...... 38 Mostra evidencia o papel da mulher na vanguarda artística ...... 38 Agência de Notícias Brasil-Árabe...... 38 Artista retrata relações afetivas...... 38 Estado de Minas...... 40 No limite da tensão...... 40 FOTOGRAFIA...... 41 Estado de Minas...... 41 O delírio belga...... 41 IstoÉ...... 42 “Não fotografei nenhuma gota de sangue"...... 42 Folha de S. Paulo...... 44 Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver...... 44 MÚSICA...... 45 O Globo...... 45 Novo capítulo de uma história de amor ...... 45 O Globo ...... 46 Maratona roqueira esquenta a Lapa hoje à noite...... 46 O Estado de S. Paulo...... 47 Municipal de SP terá cinco óperas...... 47 O Estado de S. Paulo...... 49 Pedrada verbal...... 49 O Estado de S. Paulo...... 50 Gal leva emoção a Nova York...... 50 Correio Braziliense...... 51 Rainha do sertanejo...... 51 O Estado de S. Paulo...... 53

3 A vanguarda do Sertão...... 53 O Estado de S. Paulo...... 53 Unidade latina por Adriana...... 53 Estado Minas...... 55 Arte de mão dupla...... 55 O Globo ...... 56 MPB para exportação, na versão 2.0...... 56 Correio Braziliense...... 57 Mestre do violão...... 57 Estado de Minas...... 58 Encontro de família...... 58 Folha de S. Paulo...... 59 Bloco do Eu Sozinho...... 59 Folha de S. Paulo...... 60 Depois de 20 anos no rap, Criolo lança primeiro álbum de canções...... 60 O Globo ...... 61 Domenico, o diretor...... 61 LIVROS E LITERATURA...... 63 Correio Braziliense...... 63 Mudança radical no Prêmio Jabuti...... 63 Correio Braziliense...... 63 Concreto maranhense...... 63 O Globo ...... 65 Fernando Pessoa: genial, vaidoso e sem imaginação ...... 65 O Estado de S. Paulo...... 66 O voo livre de Angel...... 66 O Estado de S. Paulo...... 67 Um retrato da corte em palavras...... 67 O Estado de S. Paulo...... 69 Amor,Ofício e morte...... 69 Correio Braziliense...... 69 Muito prazer - José Rezende Jr...... 69 Folha de S. Paulo...... 72 Obra de Drummond será editada pela Cia. das Letras...... 72 ARQUITETURA E DESIGN...... 73 ABC (Espanha) ...... 73 Inaugurado oficialmente el primer proyecto en España del arquitecto brasileño...... 73 POLÍTICAS CULTURAIS...... 74 O Estado de S. Paulo...... 74 ''A lei Rouanet viciou o mercado''...... 74 Estado de Minas...... 77 Futuro em xeque ...... 77 OUTROS...... 78 Correio Braziliense...... 78 Um palácio que respira arte/ Coluna 360 graus por Jane Godoy...... 78

4 O Globo ...... 79 Em todas as mídias...... 79 Folha de S. Paulo...... 82 Curador da Bienal anuncia projetos para 2012 ...... 82

5 CINEMA E TV

O Globo Engane-me se for capaz

André Miranda

(24/3/2011) A personalidade de Marcelo Nascimento da Rocha, o protagonistado longa - metragem “VIPs”, sugere algumas das características comuns atribuídas aos brasileiros. Marcelo ora pode ser o tipo de malandro culturalmente idealizado, cujas ilegalidades nós perdoamos simplesmente porque adoraríamos ser como ele; ora pode ser um sonhador de origem humilde que vislumbra uma vida diferente, no seu caso a de piloto de avião, seguindo os conselhos de seu misterioso pai. Essa aparente ambiguidade de Marcelo deveria ser o ponto forte de “VIPs”, que venceu o último Festival do Rio e estreia amanhã em circuito comercial. Mas a construção do filme faz de Marcelo apenas um esquizofrênico. Nada além.

A redução do personagem é um tanto decepcionante para quem esperava ansiosamente a história de Marcelo chegar ao cinema. O filme é baseado no livro “VIPs — Histórias reais de um mentiroso”, de Mariana Caltabiano, sobre um sujeito, o Marcelo real, que se passou pelo filho do presidente de uma companhia área no carnaval pernambucano em 2001. A direção é de Toniko Melo, e o elenco é encabeçado por , que vive o protagonista. O roteiro, de Bráulio Mantovani e Thiago Dottori, se assemelha bastante ao de “Prendame se for capaz”, filme de Steven Spielberg, de 2002. A estrutura também é a mesma de outros filmes escritos por Mantovani — como “Cidade de Deus”, “Tropa de elite”, “Última parada 174” e “Tropa de elite 2” —, em que uma cena central da história é exibida no início, então volta-se ao passado, e só depois chega-se ao desfecho. É um recurso um tanto esgotado e que não funciona bem em “VIPs”, já que a trama não tem um ponto de virada forte para justificar o que deveria ser uma espécie de clímax inicial. Na primeira parte, o espectador é apresentado à juventude de Marcelo, até ele se tornar um traficante de drogas na fronteira entre Brasil e Paraguai, enquanto a festa em Recife fica para a segunda parte. Os vários tipos do personagem compõem um ótimo palco para Wagner Moura brilhar, sobretudo com um bom trabalho corporal para cada um dos Marcelos. Mas mesmo o ator não é capaz de solidificar a dúvida sobre quem seu protagonista é. A cada transformação, ele se revela um maluco sem graça, que realiza seus golpes sem muita razão. Isso faz de “VIPs” um mero filme de ação, bem produzido e com boas atuações (além de Wagner, Gisele Fróes é um dos destaques como a mãe de Marcelo), mas superficial.

6 O Globo Libertadores da América vão às telas em projeto espanhol

Tiradentes será o herói brasileiro, retratado em filme de Marcelo Gomes

Eduardo Almeida

CENA DO FILME “Revolución: cruce de Los Andes”: obra sobre o general argentino San Martín já está concluída

(25/3/2011) A história de um dos maiores heróis brasileiros voltará às telas de cinema, só que desta vez o foco não será o martírio e a morte de Tiradentes, mas a vida e formação do homem Joaquim José da Silva Xavier. O filme sobre o líder dos inconfidentes é parte de um projeto do governo espanhol que comemora os 200 anos das revoluções que libertaram a América Latina do jugo... espanhol. Para Felipe González, ex primeiro- ministro da Espanha e embaixador dos eventos do bicentenário, os filmes serão uma crônica da vitória das ideias liberais sobre o absolutismo do rei Fernando VII — e no caso de Tiradentes deve sobrar para a rainha portuguesa Maria I, mãe de Dom João VI.

González compara esses eventos às atuais revoluções contra ditadores no mundo árabe. “Oxalá possamos fazer o mesmo no Norte da África. Dar voz aos protagonistas, especialmente à juventude, e não lições de democracia”, defendeu ele no lançamento do projeto, semana passada, em Madri. Idealizado pelo produtor espanhol José María Morales, a série contará histórias de , Bolívia, Brasil, , Colômbia/Venezuela, Cuba, Peru e Uruguai, retratando figuras como San Martín, Bernardo O’Higgins, Tupac Amaru e Simón Bolívar.

Os ex colonizadores entrarão apenas com o dinheiro. Os filmes serão feitos por diretores da América Latina. Marcelo Gomes, de “Cinema, aspirinas e urubus” e “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, será o diretor da obra sobre Tiradentes. O produtor no Brasil, João Júnior, brinca que, depois de fazer dois road movies, agora Gomes fará um horse movie. Isto porque o diretor pretende se concentrar nas viagens de Tiradentes por Minas Gerais e e no caldeirão de ideias que formou a consciência política do alferes.

O roteiro foi feito em parceria com João Dumas “para ter um olhar mineiro”, segundo o pernambucano Gomes. Ele lembra que o estado sofreu no século XVIII a maior migração das Américas. Recebeu gente de todas as regiões do Brasil, de Portugal, Espanha e de outros países em busca do ouro. Foi nesse ambiente de ideias fervilhantes — estamos falando da época da Revolução Francesa e da Independência dos EUA — que o alferes e dentista se transformou em um revolucionário. O filme mais marcante sobre Tiradentes é o de 1972, por Joaquim Pedro de Andrade e com José Wilker. ■

O Globo O cinema-mentira de Agamenon, o repórter

Acompanhamos as filmagens do longa que vai contar a ‘vida’ do personagem de Hubert e Marcelo Madureira

André Miranda

(26/3/2011) O apresentador Pedro Bial foi vítima de um atentado na manhã do último sábado, na Cidade Nova, próximo à portaria do GLOBO. Bial foi baleado enquanto rodava cenas para um documentário sobre o repórter Agamenon Mendes Pedreira, dentro do Bar Lanchonete Menino do Globo, na esquina das ruas Irineu Marinho e Santana. A polícia ainda investiga o crime, mas, de

7 acordo com testemunhas, os dois tiros dados contra o apresentador teriam partido da pistola do próprio Agamenon, supostamente descontente com o teor do documentário. Ainda não há informações sobre o estado de saúde de Bial.

A suspeita de que Agamemon seja o autor dos disparos é reforçada por imagens, captadas por câmeras de segurança da rua, de um Dodge Dart 73 que estava estacionado no local, no sábado. O veículo bate com as descrições do Dodge do repórter: enferrujado, velho, caindo aos pedaços, claramente de propriedade de um jornalista irresponsável e descuidado. Além disso, a polícia investiga o desaparecimento do escritor Ruy Castro, que também vinha se debruçando sobre a vida de Agamenon para preparar uma biografia não autorizada.

— O Bial e o Ruy são os grandes antagonistas do Agamenon. Eles ficam querendo mostrar que as coisas que ele escreve são mentiras — diz o Dr. Jacinto Leite Aquino Rêgo, MD, amigo do repórter. As investigações sobre o crime ainda vão se estender, mas o laudo da polícia provavelmente só será revelado no fim do ano. Os tiros, o documentário de Bial, a biografia de Ruy Castro, a confusão na Cidade Nova, tudo, naturalmente, faz parte de “Agamenon — O filme”, longa-metragem que está sendo preparado pelo diretor Victor Lopes.

O tema é a vida — real, imaginária ou coisa parecida — do personagem Agamenon Mendes Pedreira, uma criação dos humoristas Hubert e Marcelo Madureira, da turma do Casseta e Planeta, que desde 1988 “assina” uma coluna semanal de humor no GLOBO.

O filme, na definição de seu diretor, é cinema-mentira. A partir das investigações de Ruy Castro e Pedro Bial, “Agamenon” vai mesclar fatos “reais” com algumas das invenções do personagem, famoso por seus exageros nas coberturas jornalísticas.

— Vai ser um passeio por várias linguagens e épocas do cinema — diz Lopes, diretor de “Língua — Vidas em português”. — Como documentarista, eu estou chutando o balde, é uma experiência que nunca tive. Nós vamos ter algumas cenas em situações famosas da História com a inserção de personagens, para dar uma cara de imagens de arquivo.

Após mais de duas décadas como personagem fictício, Agamenon está ganhando corpo nas peles de Hubert e de Marcelo Adnet. Sua patroa, Isaura, está sendo vivida por Luana Piovani; e seu psicoproctologista, Jacinto Leite Aquino Rêgo, por Marcelo Madureira.

— São personagens que já existem na cabeça das pessoas. Agora nós precisamos torná-los reais para o filme — contou Hubert, pouco antes de sacar a arma e atirar em Bial. — Temos até o Dodge, parado ali em frente ao GLOBO. Bem que ele poderia ser capa do CARROetc, não?

João Gilberto e o pato

O filme, garante Madureira, bem ao estilo “jornalismo- verdade” de seu personagem, terá ainda algumas figuras ilustres, além de Bial e Ruy Castro: Caetano Velloso, , João Barone, Paulo Coelho, João Gilberto, Chico Xavier, Antônio Nascimento (editor de Esportes do GLOBO, que vive o chefe de Agamenon), , Luis Fernando Verissimo e até um pato.

— O Paulo Coelho e o João Gilberto toparam gravar. Eles são os melhores amigos do Agamenon. Os três entraram na boate Pussycat, em Copacabana, para catar umas meninas.

8 O João Gilberto até levou um pato na coleira e ainda aceitou cantar na boate. O pato se comportou — “revela” Madureira. — Essa história de que usamos dublês é mentira.

Época O novo espírito nos filmes

"As mães de Chico Xavier" completa a trilogia de filmes sobre espiritismo

Martha Mendonça (28/3/2011) “O filme de temática espírita veio para ficar”, afirma Luís Eduardo Girão. A frase é mais aposta que análise. Girão é diretor da Estação da Luz Filmes, produtora responsável por Bezerra de Menezes – O diário de um espírito, de 2008, um filme despretensioso que passou de meio milhão de espectadores e abriu as portas da percepção para o sucesso comercial de que o gênero é capaz. Depois dele, a Estação coproduziu o blockbuster Chico Xavier, o filme, visto por 4 milhões de pessoas. E agora traz As mães de Chico Xavier, que estreia nesta sexta-feira, 1º de abril.

REENCARNADO O filme dos espíritos (acima) e As mães de Chico Xavier, ambos sobre a vida além da morte, têm Nelson Xavier em comum

9 As mães de Chico Xavier conta a história de Ruth (Via Negromonte), cujo filho, drogado, se suicida; Elisa (Vanessa Gerbelli), cujo filho de 5 anos morre num acidente; e Lara (Tainá Muller), que lida com a gravidez indesejada. A dor das protagonistas é suavizada pelo contato com o médium e suas cartas psicografadas do além. O roteiro, de Emanuel Nogueira e Glauber Filho (também diretor, junto com Halder Gomes), foi livremente inspirado no livro Por trás do véu de Ísis, de Marcel Souto Maior, autor da biografia de Chico Xavier. O filme é uma reportagem sobre a psicografia, com menos investigação e mais drama.

Girão não é o único que aposta no sucesso espírita. Distribuído pela Paris Filmes, com orçamento de R$ 3,8 milhões, o filme As mães de Chico Xavier estará em 400 salas do país – um espaço de blockbuster, 50 a mais que o maior sucesso nacional do verão, De pernas pro ar. A aposta parece tão segura que ele já não está sozinho. O sucesso espírita Nosso lar, do ano passado, é um exemplo. Em outubro, vem aí outro candidato a campeão de bilheteria, O filme dos espíritos. Roteirizado, produzido e dirigido pelo jornalista paulistano André Marouço, é baseado em alguns capítulos do Livro dos espíritos, base da doutrina espírita, escrito por Alan Kardec em 1857. Cinco capítulos foram transformados em dramaturgia e entrelaçados numa linha central, do protagonista Bruno Alves, um homem que perdeu o emprego e a mulher e pensa em suicídio. A Mundo Maior Filmes, produtora de O filme dos espíritos, é um braço da Fundação Espírita André Luiz, que faz trabalhos beneficentes em São Paulo. A Estação da Luz também tem origem numa entidade espírita: a ONG de mesmo nome que faz ações sociais no Ceará. “Ao lado do entretenimento, existe um objetivo de divulgar a doutrina a partir do sucesso desses filmes. Mas eu não chamaria essa tendência de espírita, e sim espiritualista”, diz Marouço.

Talvez. Mas, no fim do ano passado, esperava-se uma grande bilheteria para o filme de tema católico Aparecida – O milagre, de Tizuka Yamazaki, estrelado pelo galã de TV . Previa-se o início de uma safra de produções de temas católicos. Só que o estimado público de 1 milhão de pessoas não se materializou. Houve menos de um quarto desse número. Tizuka argumentou que talvez tenha lhe faltado o trunfo da temática espírita: a vida depois da morte, o desconhecido: “Os dogmas católicos já foram discutidos à exaustão, fazem parte da infância da maioria dos brasileiros. As questões espíritas ainda são pouco compreendidas e resultam em grande curiosidade”.

Uma nova tentativa de filme católico ocorrerá nos próximos anos, com a biografia da freira brasileira Irmã Dulce, beatificada no ano passado. Em fase de pesquisa, o filme será produzido pela Migdal Filmes, a mesma de Nosso lar. “Uma história centrada na incrível figura de Irmã Dulce tem tudo para fazer sucesso. Estamos trabalhando muito para que saia um roteiro original à altura da vida dela”, diz Iafa Britz, dona da Migdal. E, como a provar que as temáticas espírita e católica não são excludentes, ela também trabalha na produção de Nosso lar 2, que deverá estar nas telas em 2013. É difícil dizer qual é a eficácia dos filmes religiosos para propagar a fé. Eles parecem atrair principalmente quem já é devoto. Mas é a fé no cinema nacional que o fenômeno está contribuindo para fortalecer. No ano passado, os filmes espiritualizados ajudaram a elevar em 32% a bilheteria dos cinemas – e a produção nacional conquistou 19% do mercado.

Nelson, o Chico encarnado

Se o cinema espírita brasileiro tem um “muso”, é Nelson Xavier. O ator, que em agosto completará 70 anos, viveu o papel do médium Chico Xavier no filme que conta sua vida, no ano passado, e agora repete o mesmo personagem em As mães de Chico Xavier. Também está em O filme dos espíritos, embora desta vez com um papel diferente: o de um psiquiatra que cuida do protagonista, um suicida. Até começar a filmar Chico Xavier, o filme, Nelson se classificava como ateu. Apesar de ter mãe espírita, nunca se ligou a nenhuma religião. Há cerca de oito anos, o ator recebeu a biografia do médium, de Souto Maior. Junto com a obra veio um bilhete do autor, dizendo que gostaria que Nelson interpretasse Chico, no caso de ser feito o filme sobre sua vida. Dois anos depois, veio o convite do diretor Daniel Filho.

O diretor de As mães de Chico Xavier, Glauber Filho, diz que hesitou em escolher Nelson Xavier para viver, de novo, o papel do médium mineiro. “Depois percebi que ele é o único ator capaz de interpretar o Chico com fidelidade”, afirma. O diretor conta uma história curiosa: quando Chico Xavier, o filme, entrou em cartaz, ele acreditava que o ator já tinha vivido o papel na TV, tamanha a identificação com o personagem. Nelson Xavier, que já fez mais de 80 personagens na TV e no

10 cinema, entre eles o cangaceiro Lampião e Pedro Arcanjo de Tenda dos milagres, diz que experiências nas filmagens da biografia do médium mudaram sua vida. “Sinto a presença de Chico quando faço seu papel”, diz.

IstoÉ De malas prontas para Hollywood

(28/3/2011) A capital do cinema nunca importou tantos talentos brasileiros como agora. Wagner Moura, José Padilha e Heitor Dhalia são três dos mais famosos profissionais requisitados para renovar as produções americanas Rafael Teixeira

BOA COMPANHIA Wagner Moura (foto) vai contracenar com e em “Elysium” Casado e pai de um garoto pequeno, o ator Wagner Moura vai ter de reorganizar toda a sua vida nos próximos meses. Com um filme recém-lançado no Brasil, “Vips”, sobre o falsário Marcelo Nascimento da Rocha, e outro título nacional na agenda, ele está prestes a se mudar em julho para Hollywood. Moura foi convidado pelo diretor sul-africano Neill Blomkamp, um dos nomes mais bem cotados da nova geração de cineastas e responsável pelo sucesso “Distrito 9”, para fazer nos EUA outra ficção científica: “Elysium”. Engorda, assim, a lista de atores brasileiros com green card na indústria de cinema mais importante do mundo que já conta com Rodrigo Santoro, e Giselle Itié. A invasão verde-amarela se dá também atrás das câmeras. José Padilha, diretor de “Tropa de Elite”, acaba de ser contratado pelos estúdios MGM para revitalizar o blockbuster “RoboCop” e Heitor Dhalia, conhecido por “À Deriva”, se encontra em cuidando da pré-produção de “Gone”, uma história policial estrelada por uma das sensações do momento – a atriz Amanda Seyfried, de “Mamma Mia!”. A eles se junta Marcos Jorge, de “Estômago”, também com um projeto americano. Desde a ida de e da mudança de Sonia Braga e Bruno Barreto para os EUA, nunca o Brasil exportou tantos profissionais para Hollywood. O movimento oposto também tem se verificado, ou seja, o País está se tornando um destino cobiçado de superproduções – as mais recentes foram “Velozes e Furiosos 5” e “Amanhecer”, da série “Crepúsculo”, ambas com cenas tocadas no Rio de Janeiro. “É um momento especial para o Brasil. A indústria de cinema de vocês vem crescendo e acho que isso é apenas o começo”, disse à ISTOÉ o agente americano Brent Travers, manager de Wagner Moura em Los Angeles e um dos responsáveis pela negociação que o levou a “Elysium”.

11 Estado de Minas O encontro que revigorou a MPB

Lições de João Gilberto ao grupo Novos Baianos abriram caminho para o pop se juntar ao

Walter Sebastião

Arquivo EM/D.A Press

O grupo Novos Baianos juntou Jimi Hendrix, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo em Acabou chorare

(28/3/2011) Filhos de João, o admirável mundo novo baiano será exibido hoje, às 19h, na Sala Humberto Mauro, com a presença do guitarrista Pepeu Gomes. Este filme traz uma das mais famosas histórias da MPB: o encontro da molecada do rock com João Gilberto, mestre da , o que resultou num dos discos mais importantes do país: Acabou chorare – “pedra fundamental” do pop que se quer brasileiro. De um lado está o grupo Novos Baianos, de outro, João Gilberto.

O longa foi selecionado para o Festival de Berlim, ganhou prêmio em Brasília e chega aos cinemas em abril. “Filhos de João fala de quem veio depois de João Gilberto”, conta o diretor Henrique Dantas, de 38 anos. “Apresenta a utopia canalizada pela geração dos anos 1960 e 1970, que precisa ser revista no momento que o capitalismo acabou com todos os ismos. É outra forma de ver o mundo”. O cineasta baiano avisa: “É para ser visto por pais e filhos, por quem hoje é empresário e na época foi hippie”.

O diretor aborda a importância de João Gilberto (“não é só musical, mas comportamental, espiritual”) e também fala de relações afetivas, canções geniais, futebol e de memórias. O encontro “mudou a rota da MPB”, diz ele, pois radicalizou a mistura de estéticas quando isso não era comum.

Dantas passou a vida ouvindo João Gilberto e Novos Baianos, artistas que o pai dele adorava. Sabendo que haveria show dos 30 anos da banda, mergulhou no projeto. Pesquisou revistas, registrou shows, garimpou imagens de arquivo. Trabalhou duro, apesar da descrença dos que achavam que o assunto rendia no máximo um curta-metragem.

“Foram 13 anos entre concepção e o filme pronto. Ser diretor independente no Brasil não é simples”, observa Henrique Dantas. Em BH, a exibição de Filhos de João marca a comemoração dos 10 anos do projeto Curta-circuito. A sessão de hoje à noite contará com a presença do músico Pepeu Gomes e de Henrique Dantas.

No apê Integrante dos Novos Baianos, Luis Galvão convidou o amigo João Gilberto para conhecer a banda. O pai da bossa nova frequentava o apartamento carioca da turma de madrugada, geralmente, das 2h às 7h. Violão em punho, apresentou àqueles fãs de Jimi Hendrix e Janis Joplin a obra de Assis Valente, Waldir Azevedo e . A moçada adorou.

12 “Aos 16, 17 anos, não tive vergonha de pedir a um cavaquinho e misturar Jacó do Bandolim, Waldir Azevedo, Jimi Hendrix e Beatles. Nem de dizer sou músico brasileiro, toco samba na guitarra”, afirma Pepeu Gomes. “A ‘não vergonha’ de ser brasileiro foi a grande lição de João Gilberto. Somos filhos de João. Na hora certa, ele nos mostrou o caminho, era o fio da meada de que precisávamos”, acrescenta. Depois do encontro e dos elogios públicos de João à rapaziada, as coisas mudaram. “Passaram a nos respeitar, antes éramos tratados como maconheiros”, recorda.

“O filme mostra como, em plena ditadura militar, éramos solidários à vida do país, à música e à alegria presente no cotidiano”, diz Pepeu. “Podemos solidificar o ensinamento de João, trabalhar para que novos artistas ouçam os Novos Baianos e sermos mais brasileiros”, conclui o guitarrista, que está gravando DVD com sua leitura pessoal do acervo dos Novos Baianos.

O Globo Jece Valadão, de cafajeste a Dirty Harry

Caixa Cultural inaugura hoje mostra com os filmes de ação produzidos pelo ator entre os anos 1960 e 1980

Rodrigo Fonseca

JECE VALADÃO interpreta Mariel Mariscott em “Eu matei Lúcio Flávio”, que a mostra exibe na sexta. Acima, o cartaz de “Paraíba, vida e morte de um bandido”

(29/3/2011) Perseguidor implacável de sucessos de bilheteria, o capixaba Jece Valadão (1930-2006), ícone entre os machos-alfa do audiovisual brasileiro, viveu dias de Dirty Harry (justiceiro imortalizado por Clint Eastwood no cinema) numa leva de longas-metragens.

Concorridos à época de seu lançamento, mas pouco discutidos desde a Retomada, eles serão resgatados a partir de hoje, quando a Caixa Cultural abre uma mostra-tributo ao ator, com 18 filmes, até 10 de abril. Na abertura da retrospectiva, às 15h, entrou “Engraçadinha depois dos trinta” (1967), de J. B. Tanko (1906-1993), que ilustra a relação de Valadão com (1912-1980), de quem foi cunhado — esteve casado durante 14 anos com a irmã do dramaturgo, Dulce Rodrigues (1929-1985).

Mas às 19h, “Nós, os canalhas”, thriller sobre dois irmãos gêmeos com um desejo de matar maior que o de Charles Bronson, abre a linhagem de projetos ligados à cartilha hollywoodiana de cinema de ação.

13 Produzindo três longas por ano

Todos os títulos da retrospectiva integram o acervo da Magnus Filmes, a produtora fundada por Valadão há 50 anos.

— Próximo dos durões vividos por James Coburn ou Robert Mitchum, Valadão não tinha a preocupação de ser um bom moço. Ele fazia filmes sem compromisso com o politicamente correto e assumia isso.

Indiferente às críticas, ele fez filmes policiais no Brasil durante quase 20 anos — diz Alfeu França, curador da mostra. — O aspecto mais curioso do acervo da Magnus é o fato de Valadão ter desenvolvido um padrão quase industrial de produção que, mesmo sem as proporções dos estúdios da Vera Cruz, fugia da natureza quase artesanal do Cinema Novo. Ele chegou a produzir três longas por ano.

França vai expor na Caixa Cultural reproduções de cartazes raros de filmes do ator, entre eles o de “Paraíba, vida e morte de um bandido” (1966), que será exibido no domingo, às 19h. Na sexta-feira, também às 19h, a mostra exibe um dos maiores êxitos comerciais do ator: “Eu matei Lúcio Flávio” (1979), no qual ele interpretou Mariel Mariscott, policial ligado ao Esquadrão da Morte.

— Herbert Richers (produtor de longas e dono do mais famoso estúdio de dublagem do país, hoje inativo) tinha uma frase preciosa sobre o papai: “Eu ponho dinheiro nos filmes do Jece Valadão porque eles formam fila na porta dos cinemas”— lembra, com orgulho, o escritor e cineasta Alberto Magno, filho de Jece e seu diretor no polêmico longa “A serpente”. — Meu pai foi um pioneiro na criação dos estereótipos de ação no país, desenvolvendo um arquétipo baseado nos durões da Hollywood dos anos 1940 e 1950 como Humprey Bogart e Richard Widmark, de quem era fã. Inspirado neles, ele virou um sonho de consumo entre as fãs: era o homem que seduzia mulheres e derrotava os adversários.

À frente da Magnus, Valadão fez do teatro matéria-prima para produções carregadas de tragédia, indo de Nelson a Plínio Marcos (1935-1999). Sua empresa aparece nos créditos de versões rodriguianas como “Bonitinha, mas ordinária” (1963), de J. P. de Carvalho, que a Caixa Cultural exibe amanhã às 15h. Em 1969, ele produziu a adaptação de Braz Chediak para “A navalha na carne”, de Plínio. O filme será exibido na quinta, às 15h. “Tanto com o Plínio quanto com o Nelson, eu me beneficiava do fato de ser um ator natural, que não gosta da fala empolada, e sim dos diálogos de rua”, disse Jece nos anos 1990.

Hoje, às 17h, a mostra exibe um dos longas mais celebrados (e bem-sucedidos) do currículo do ator: “Os cafajestes”, de , que vendeu cerca de dois milhões de ingressos em 1962. O nu frontal de Norma Benguell serviu de chamariz para o público. — Jece era um cara bem articulado, que sabia ser muito simpático. Ele juntou um grupo de pessoas para entrar com dinheiro em “Os cafajestes”. Eu e a Norma teríamos participação nos lucros. Mas quando o filme estourou, Jece criou problemas para reconhecer o meu contrato e eu tive que ir à Justiça — lembra Ruy, que hoje finaliza um roteiro sobre o poeta Fernando Pessoa. — Apesar disso, sempre gostei muito do trabalho do Jece como ator.

Nesta quinta-feira, às 17h, a mostra apresenta o momento 007 de Valadão: “O torturador” (1980), no qual o ator vive um assassino, sempre auxiliado pelo matador Chuchu (Otávio Augusto), que caça nazistas numa república hispano-americana. No livro “Memórias de um cafajeste”, Valadão define como começou a atuar, ainda nos anos 1940, bem antes da experiência como produtor. “Cheguei à Atlântida com a maior cara de pau do mundo e disse que queria trabalhar como figurante. Deram-me um formulário para preencher com milhares de perguntas: ‘sabe nadar?’, ‘sabe luta livre?’, ‘pilota avião?’, ‘pilota helicóptero’, ‘fala alemão?’... Respondi tudo que sim e assinei. Quando o responsável pelas contratações leu, deve ter pensado que eu era um gênio da raça. Ou um louco.”

O Estado de São Paulo Heróis do Brasil

Longa-metragem conta os bastidores da participação dos pracinhas brasileiros na 2.ª Guerra

14 Flavia Guerra / AVIANO, ITÁLIA

Divulgação Daniel de Oliveira, ator de '' e ''

(30/3/2011) - Há quem diga que todos os filmes de guerra já foram feitos, que filme de guerra virou gênero clichê. E que o Brasil não sabe fazer nem mesmo guerra, que dirá um filme de guerra. Vicente Ferraz e sua equipe tentam derrubar todos os clichês com A Montanha, longa- metragem sobre os bastidores da participação dos pracinhas brasileiros na 2.ª Guerra - um episódio histórico traumático para as famílias dos participantes e ainda hoje pouco esclarecido. Diretor do premiado Soy Cuba, o Mamute Siberiano, Ferraz decidiu rodar o filme em solo italiano, real cenário da luta dos soldados brasileiros, numa coprodução que uniu três países: Itália (Verdeoro) e Portugal (Stopline ), que entram com 40%, e o Brasil (Primo Filmes e Três Mundos Produções), com 60%. Do elenco, liderado pelos brasileiros Daniel de Oliveira (Cazuza, Zuzu Angel), Julio Andrade (Cão sem Dono e Hotel Atlântico), Thogum (Filhos do Carnaval, Tropa de Elite, Bruna Surfistinha) e Francisco Gaspar (A Casa de Alice, Caixa 2), participam o italiano Sergio Rubini, o alemão Richard Sammel e o português Ivo Canelas. A batalha de comandar mais de 60 profissionais de nacionalidades diferentes, num ambiente pouco familiar e descobrir o lugar do Brasil no conflito que mudou a ordem social parece, ironicamente, manter semelhanças com a luta narrada em A Montanha. Sem contar a batalha que ainda será travada para arrecadar R$ 3 milhões dos R$ 8 milhões previstos no orçamento do filme.

Na 2.ª Guerra, o Brasil uniu-se aos aliados, ao lado dos EUA, Inglaterra e França, contra os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão. A Força Expedicionária Brasileira enviou à Itália mais de 25 mil soldados, a maioria jovens pobres e despreparados que tiveram, quase de repente, de aprender a combater e a conviver com o frio, o medo e com um idioma estrangeiro. No filme, quatro pracinhas perdem-se na neve e acabam encontrando um correspondente de guerra e dois soldados desertores: um italiano que quer se juntar à resistência e um alemão cansado da guerra. Assim, passam a formar um estranho grupo de deserdados de várias nacionalidades.

O Estado acompanhou a equipe de filmagem nos Alpes italianos, na região de Friuli-Venezia Giulia, quase fronteira com a Eslovênia, com a tão almejada paisagem nevada, essencial para as principais sequências do filme. Ali, a pequena cidade de Aviano abriga a base da equipe do filme, e também a base do Exército americano e da Otan. Enquanto o filme era rodado, tropas americanas se preparavam para o ataque aéreo na Líbia. A movimentação militar local podia ser sentida nas entrelinhas de um inglês pronunciado tão naturalmente quanto naturalmente também há mais ‘american dinners’ que trattorias italianas na cidade.

EMOÇÃO NO SET Aqui, o dia começa na noite anterior

Nada é óbvio quando o Brasil decide fazer um filme de guerra. Muito menos a rotina de filmagens. Nos dias em que o Estado passou no QG da equipe do filme, seguindo a agenda espartana de filmagens, foi possível entender por que o lugar-comum de que nada é mais emocionante, entediante e estressante que um set de filmagens. Se é grande a emoção de escutar um "ação", o tédio da repetição de cenas (filmadas de vários ângulos para "opções de montagem"), da espera de um avião atravessar o céu ou de um cachorro latir são tão grande quanto. O estresse de lutar a cada dia contra imprevistos de toda a natureza é imenso. Queixas existem, mas ninguém deixava o campo de batalha e todos se sentem felizes ao fim de cada jornada. "O Vicente (Ferraz) é um apaixonado e essa paixão contamina a todos. Disso é feito cada dia nosso", comenta o ator Daniel de Oliveira. O dia em A Montanha começa, na verdade, na noite anterior, quando todos recebem a "Ordem do Dia" seguinte. Por volta das 5 e meia, o despertar e, às 6 e meia, seguem para o set, que variava de

15 cidades improváveis incrustadas nos montes a descampados nevados, à mercê de todas as intempéries possíveis no fim de inverno dos Alpes. Ferraz, mais a diretora assistente Joana Mariani, o diretor de fotografia Carlos Arango de Montis e a continuista Renata Rodarte, vão sempre na frente, discutindo os planos para aquele período. A chegada ao set não conta com improvisos, mas sempre pede soluções rápidas para questões como "se chover", "se nevar", "se a luz cair antes de terminarmos", e "se estourarmos o tempo". Enquanto isso, o elenco se prepara na sartoria. O pequeno exército de atores é submetido a uma maratona de troca de roupas, maquiagem, sporcheria (para sporcar, sujar ‘de real’ os uniformes), adereços... Para encarar as duras condições de guerra, eles contavam com truques que incluíam desde a técnica de enrolar os pés com papel toalha para mantê-los secos e ‘vivos’ até a troca de meias nos intervalos de filmagem.

CHORO E CHUVA

O alívio domina fim das filmagens Tropas prontas, era hora de partir para a batalha do dia. Hoje, a cena em questão é crucial: o fim da guerra. Coincidentemente, um dos últimos dias de filmagem, o "dia do fim da guerra", o roteiro não previa chuva. Mas como a natureza é protagonista em A Montanha, uma chuva digna dos trópicos cobre a pequena cidadela de Polcenigo esta manhã. "Está sempre ensolarado quando os americanos chegam. Com este temporal, a alegria vai parecer melancolia", observa um das dezenas de figurantes do momento em que a cidade de San Giusto para, vendo os tanques passarem. Mas nem a chuva é capaz de atrapalhar o planejamento. Documentarista experiente, Ferraz assume o "fator real" em sua "ordem do dia" e segue adiante. Equipe abrigada em longas capas de chuva, pés molhados e congelados, lentes da câmera que embaçam a todo momento, uniformes encharcados... Tudo vai ficando pronto até que se escuta mais uma vez: "Silêncio, partito, giriamo, ação!" A guerra e o dia terminam. Há palmas, choro, chuva. Há alívio e um sorriso no rosto de cada um dos que testemunharam aquele "dia de Fitzcarraldo à brasileira". Satisfeito, Vicente? "Satisfeito. Ainda não acabou, mas agora falta pouco. Depois de um dia como este, sei que vamos conseguir terminar." Como diz o mote do filme de Werner Herzog, "quem sonha pode mover as montanhas". Ferraz e equipe sonharam alto e, nas últimas seis semanas, subiram e moveram montanhas de diversas naturezas. Como naquele "dia de fim de guerra", a luta trouxe felicidade à equipe que encarou neve, chuva, granizo, vento, sol, imprevistos de toda sorte. De volta a Roma, a batalha da subida foi vencida, mas agora é hora de descer com calma. "Não foi fácil botar este filme na lata. Mas quem disse que guerras são fáceis? Agora é levar o filme para as telas", diz Ferraz. Para esse comandante e equipe de pós-produção, a luta continua. Se ainda algum clichê de guerra aqui cabe, este é "Hasta la vitoria, siempre!" A Montanha deve estrear ainda este ano.

O Estado de S. Paulo A volta dos que se calaram

Tata Amaral fala de Hoje, filme sobre a ditadura militar vista pelos que não verbalizaram o horror vivenciado

Luiz Carlos Merten

(30/3/2011) - Tata Amaral é a primeira a reconhecer e sorrir - "Meu set é muito chique." E é verdade. O fotógrafo de cena acaba de ser selecionado para uma mostra paralela na Bienal de Veneza. Não representa pouca coisa, mas Ding Musa não é exceção. O fotógrafo Jacob Solitrenick, a diretora de arte Vera Hamburger, o elenco ( e o uruguaio César Troncoso, de O Banheiro do Papa), são muitos os talentos, a par da própria diretora, que prometem fazer de Hoje um acontecimento. Um filme que se chama Hoje? Tata terminou ontem as filmagens em São Paulo e hoje participa de um pitching em Paulínia. Com unhas e dentes, garra e paixão, ela defende seu filme, que ainda necessita de recursos para ser finalizado. Por três semanas e meia, ela filmou em São Paulo, num decor praticamente único, um apartamento na Av. São Luiz. Agora, em Paulínia, ela vende a ideia de Hoje para conseguir finalizá-lo em estúdio. As cenas em Paulínia são fundamentais.

16 Epitacio Pessoa/AE

Na sexta (passada), quando o repórter do Estado visitou o set na Av. São Luiz, a cena parecia simples. Denise e Troncoso dialogam e, mais do que isso, brigam na cozinha do apartamento. Parece briga de casal, mas a diretora explica que a cena é essencial em Hoje. Acrescenta um dado e faz um pedido - o repórter não deve explicitar a natureza da cena sob pena de rebelar o twist sobre o qual repousa o filme inteiro. Estranha matéria. Sobre um filme e uma cena que deve permanecer nebulosa.

Mas vamos ao que interessa. Tata Amaral dispensa apresentações. É das mais talentosas diretoras de sua geração. Filmes como Um Céu de Estrelas e Através da Janela estabeleceram sua reputação. O relativo fracasso de Antonia foi um acidente de percurso e nem se pode falar de fracasso. O filme não foi bem de bilheteria, mas quem disse que esse é o único recurso de avaliação de uma produção? Antonia participou de festivais no País e exterior, virou série de TV.

Tata agora aborda os anos de chumbo. Ela já o fez numa série de TV, na Cultura. Hoje conta a história de Vera (Denise Fraga), que ganha indenização pelo desaparecimento do companheiro, durante os anos de chumbo da ditadura militar. Ela compra o apartamento da Av. São Luiz. No dia em que está se mudando, o marido reaparece. Como lidar com essa nova situação? Não é só o ambiente, o apartamento, que é concentracionário. Os personagens também são reduzidos. Dois carregadores, que fazem a mudança, a síndica do prédio. Denise é Vera, mas Vera também é Ana Maria, um nome de guerra (durante a guerrilha). O marido é Luiz, mas também é Carlos. O confronto é intenso. A diretora explica: "Hoje é um filme que contesta os limites do realismo no cinema. Até aqui, tenho filmado sempre em locações, e Hoje não foge à regra. Mas preciso dessas cenas em estúdio, que ainda pretendo filmar em Paulínia. Elas vão dar outra textura ao relator." O cinema brasileiro tem feito muitos filmes sobre os anos de chumbo, mas os críticos e espectadores vão concordar que ainda falta o grande filme sobre o período - algo como o argentino O Segredo dos Seus Olhos, vencedor do Oscar. Tata explica o diferencial de Hoje - "Há filmes sobre a guerrilha e a repressão. Mas poucos, ou nenhum, aborda o tema que me proponho a enfocar aqui. Hoje é sobre os que calaram. José Genoino disse uma coisa interessante - na prisão, muitos companheiros, ele inclusive, tiveram tempo de verbalizar o horror, e isso os preparou para retomar a vida. Os que silenciaram, como foi o seu retorno? É o drama, a tragédia de Vera, agravada pela volta de Luiz. O que significa essa volta? Um desejo da mulher? Uma punição?" Tata não trabalha sobre argumento original. O roteiro lhe foi sugerido por um texto de Fernando Bonassi. Ela conta que a história a atingiu como um raio. "Numa cena, eu precisava de uma carta que o marido teria escrito para Vera. Saquei de uma carta que Sergei, o pai de Caru, escreveu para mim." Sergei foi o primeiro marido de Tata, morto muito jovem. Caru, filha da diretora - e agora integrante da equipe de produção -, tinha 3 meses quando o pai morreu. O detalhe pode parecer insignificante, mas sintetiza o grau de envolvimento de Tata com o projeto. A história virou pessoal e, por isso, ela está ansiosa com a apresentação de hoje em Paulínia. Ela quer terminar logo o filme. "É uma história necessária, visceral." Tata manteve a ação em 1998. Se a transportasse para a atualidade, outras questões teriam surgido. A própria presidente Dilma Rousseff acha que essa questão da repressão do regime militar não está resolvida. "Não se trata de revanchismo", diz Tata. "A tortura é um crime de lesa humanidade. Se você encontrar um nazista, vai silenciar? Não, vai denunciar porque ele cometeu um crime hediondo, que extrapola uma pessoa e atinge a consciência da humanidade inteira. Hoje trata dessas questões. Pode parecer muito amplo, e muito ambicioso, mas é um tema que ainda precisa ser tratado."

O clima no set, nesse finzinho de rodagem, é peculiar. "Terminar um filme é sempre difícil", diz a diretora. "A gente forma uma família, convive junto, é sempre uma ruptura." Hoje não nasce com a promessa de vir a ser um blockbuster, mas um filme de autora. A expectativa é de que seja tão bom, ou até melhor, que os melhores filmes de Tata Amaral.Denise Fraga estah encantada com seu encontro com Tata Amaral.

17 QUEM É

TATA AMARAL CINEASTA Paulistana nascida em 19 de setembro de 1960, Tata Amaral é considerada uma das mais importantes cineastas brasileiras a partir da década de 1990. Entre suas obras estão Um Céu de Estrelas (1997), várias vezes premiada no Brasil e no ex-terior, Através da Janela (2000) e Antônia (2006), longa que virou série da Globo.

TEATRO E DANÇA

Estado de Minas Galpão em festa

ARTES CÊNICAS

Coordenador-geral do Galpão Cine Horto, Leonardo Lessa convida a navegar no site Primeiro sinal

(24/3/2011) O Galpão Cine Horto, centro cultural do Grupo Galpão, abriu oficialmente as atividades 2011. Entre várias ações e o calendário pronto para este ano, faz um relançamento especial para celebrar e marcar o momento: o portal Primeiro sinal. Publicado em http://primeirosinal.com.br, o site tem a função de colaborar para o registro, documentação e memória do teatro mineiro. Além disso, é uma ferramenta de referência para atores de todo o país. Criado há três anos, o portal ficou fora do ar em 2010, para que houvesse uma reformulação de conteúdo e design.

De volta, traz importantes informações. Há, por exemplo, exposições virtuais de companhias de outras cidades, que passaram pelo Galpão. Um mecanismo de organização e filtragem de informações também será oferecido. "Em vez de ficar se perdendo pela internet, pode procurar no Primeiro sinal, porque já existe um filtro criado por nós que facilita as pesquisas", explica Leonardo Lessa, coordenador-geral do Galpão Cine Horto.

Um guia de festivais e um espaço de opinião para discussão da área também estão disponíveis. O link de memórias tem, nas fotos, um extenso trabalho de pesquisa que permite identificar qual espetáculo está sendo mostrado, em que ano foi encenado e quais são os atores na imagem. "É um trabalho de pesquisa e documentação", garante Chico Pelúcio, diretor-geral da instituição. A organização do portal fica por conta do Centro de Pesquisa e Memória do Teatro (CPMT). É ele também o responsável por outra novidade em 2011: as publicações impressas.

O CPTM, que agora tem um acervo com cerca de 3 mil publicações, acaba de comprar 500 novos livros, disponibiliza CDs e DVDs e é aberto ao público em geral, pesquisadores e atores. O material inclui vasto conhecimento sobre o teatro brasileiro e praticamente tudo o que é publicado sobre o grupo Galpão, incluindo trabalhos acadêmicos.

Entre os novos materiais do CPTM, três publicações. A primeira é a sétima edição do Subtexto, que traz artigos de artistas e pesquisadores sobre o tema "Os desafios da dramaturgia contemporânea brasileira: formação, criação e processo colaborativo". Outro lançamento são os Cadernos de dramaturgia, que, em duas edições trazem seis espetáculos do projeto Pé na Rua, de 2005 a 2010. O processo de criação e o texto final de cada peça estão registrados e publicados. "São publicações raras. Se o teatro já é pouco documentado, o de rua muito menos", afirma Pelúcio.

Por fim, outra importante novidade para 2011 são as centrais de gestão, que pretendem se oferecer para cooperar com grupos parceiros ou que passam pelo Galpão. A intenção é prestar serviços de gestão de projetos culturais, produção-executiva, assessoria de comunicação – que inclui registro, criação gráfica e divulgação –, consultoria pedagógica e iluminação e sonorização cênicas. Por enquanto, eles já oferecem serviços de assessoria de comunicação e produção executiva. Os demais projetos serão realizados assim que parcerias forem formadas.

18 Uma solução já existe: a criação de uma incubadora, em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). Porém, por algumas questões burocráticas, o plano está suspenso. A esperança é que, em breve, a burocracia seja resolvida e a incubadora comece a atuar.

Em 2011, os projetos já existentes também continuam sendo promovidos. Cursos livres, núcleo de pesquisa, Oficinão, Cine Horto Pé na rua, Festival Cenas Curtas, Cena-espetáculo e Galpão convida, entre outros, são mantidos. Este fim de semana, o centro volta a comemorar o Dia do Teatro com o projeto Do raiar ao pôr do sol. No sábado pela manhã, haverá espetáculo de rua na Praça Duque de Caixas. À tarde, mostras e lançamentos no Galpão Cine Horto. No domingo, além de programação semelhante, há uma festa de encerramento. (TP)

Folha de S. Paulo SP Cia. de Dança mescla estilos em estreia

Grupo apresenta "Inquieto", de Henrique Rodovalho, e "Legend", de John Cranko, no sábado, no Sesc Pinheiros

Coreografia de diretor da Quasar tem trilha sonora original de André Abujamra e cenários de Shell Jr.

AMANDA QUEIRÓS DE SÃO PAULO

(24/3/2011) No palco, metros de linha se cruzam formando uma espécie de cama de gato. Em meio a elas, o movimento sinuoso dos bailarinos se inscreve em ritmo ora acelerado, ora sutil. Foi baseado nessa aparente dualidade de formas e gestos que o coreógrafo Henrique Rodovalho preparou seu primeiro trabalho para a São Paulo Cia. de Dança.

"Inquieto" estreia sábado, no Sesc Pinheiros, buscando um diálogo entre o virtuosismo dos bailarinos do grupo e a dramaturgia corporal que deu fama ao diretor da Quasar Cia. de Dança. "Encomendaram para mim algo mais leve e divertido. Fiquei pensando muito nisso, o que me criou certa inquietude. Tenho um perfil completamente diferente do da cia. e daí imaginei: por que não colocar isso no espetáculo?", afirma o coreógrafo.

A trilha sonora original de André Abujamra reflete a tônica desse pensamento, que se traduz no palco em três formas diferentes de encarar o movimento e a inquietação.

Na mesma noite, a companhia faz outra estreia marcante: o pas-de-deux "Legend", de John Cranko (1927-1973), mestre do balé neoclássico e discípulo de George Balanchine (1904-1983), que assina a terceira peça do programa, "Theme and Variations", já integrante do repertório do grupo.

A remontagem teve um sabor especial para os bailarinos. Os passos e a estética da obra foram transmitidos por Richard Cragun, partner da brasileira Marcia Haydée no Ballet de Stuttgart, na Alemanha, durante os anos 70, e para quem o coreógrafo criou originalmente a peça.

"Cranko sempre nos fazia ir atrás do impossível, ele estava sempre nos testando. Ao mesmo tempo, em suas coreografias, não havia espaço para exageros ou mudanças.

Foi isso que tentei passar para os bailarinos", afirma ele, que aparece dançando essa mesma peça com Haydée no filme "Momento de Decisão" (1977), de Herbert Ross.

Durante a semana das apresentações, a São Paulo Cia. de Dança realiza também no Sesc Pinheiros palestra (30/3) e oficina para bailarinos (2/4).

Folha de S. Paulo Grotesco é tema de festival de teatro em São Paulo

19 Sete trabalhos de autores como Sérgio Roveri e Mário Viana serão encenados até o fim de abril, no N.Ex.T

Enredos apanham homem em apuros com a eclosão de seus impulsos bestiais, do sexo à violência brutal

LUCAS NEVES DE SÃO PAULO

(24/3/2011) Ao cabo de 12 dias de vida, o bebê sem sexo definido da peça "Boi da Cara Preta" já tem na ficha corrida três óbitos de enfermeiras, o saque a um banco de sangue e um desfalque no armazém da esquina -bisnagas e linguiça são a base de sua dieta. Para avisar que está com fome, solta um balido. O grunhido é sinal de que fez xixi.

O pequeno diabo da Tasmânia encarnado em gente puxa o cordão de personagens excêntricos do 2º Festival N.Ex.T de Teatro Grotesco, que começa hoje, em São Paulo. Até o fim de abril, o público verá um revezamento de sete amostras do gênero (veja programação acima) em que a ordem é trazer à superfície impulsos recalcados.

Ou seja: a matéria que interessa a essas montagens curtas (com duração entre 20 e 35 minutos) é a que apanha o homem quando seu comportamento roça o bestial, o abjeto, quando a civilização ainda não aparou as arestas, para o bem e para o mal.

"Os temas grotescos são cada vez mais recorrentes no mundo: a fragmentação, a loucura, a violência na sala de casa. Aplicar uma perspectiva grotesca à forma como a gente se enxerga dá margem a outros pensamentos, serve de contraponto a esta onda politicamente correta, de uma hipocrisia que dói", diz Antonio Rocco, organizador do festival, além de autor de um dos textos e diretor de três.

COERÊNCIA GROTESCA

Sérgio Roveri, autor de "Boi da Cara Preta", faz coro em relação à urgência do gênero. "O teatro, às vezes, demora a acompanhar a realidade. Se quisesse de fato retratá-la -não é que tenha de fazer isso-, certamente haveria mais peças grotescas, com enredos, por exemplo, sobre pais que mantêm filhas em cativeiro para reproduzir, como vemos nos jornais."

O dramaturgo vê no convite para criar um trabalho para o festival um álibi para "fugir da pegada habitual, brincar, não se preocupar tanto". "No grotesco, não existe tanto compromisso com coerência, continuidade e verossimilhança, que são traços que sempre busco quando escrevo. Essa escapada dos padrões da lógica abre um horizonte de liberdade", diz.

A mão solta na criação não dispensa algum tipo de articulação racional -e uma remissão a sentimentos e situações prosaicos. A sogra de "Boi", portanto, implica com a nora "comme il faut", o pai faz questão de ter um filho (no masculino) e o amor do casal pelo novo morador da casa o cega para as atrocidades da cria. Tudo embalado em comédia, "para não sobrar só a realidade, a vida", segundo Roveri:

"Não defendo a concessão, a facilitação. Mas grotesco não é tragédia. É o absurdo, o imponderável", diz.

Além das peças de Roveri e Rocco, há obras de Mário Viana, Maurício Paroni de Castro, Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, Chico de Assis, Alexandre Machado e Fernanda Young.

O Globo ‘Pterodátilos’ é a maior vencedora do Prêmio Shell

Nanini, Mariana Lima e Daniela Thomas ganham troféus

(24/3/2011) Ao contrário do ano passado, quando uma tempestade pôs a cidade embaixo d’água e impediu que muitos convidados chegassem ao Jockey Club, a cerimônia do 23o- Prêmio Shell de

20 Teatro inundou o salão de artistas. Com uma hora e 20 minutos de atraso, o discurso de abertura de Beth Goulart serviu de prévia para uma noite de emoções acaloradas, onde rostos novos e veteranos compartilharam o frescor de receber pela primeira vez em suas carreiras o troféu.

Foi este o caso de dois atores que se sentavam lado a lado à mesa, e que desde o ano passado estão frente a frente no palco: e Mariana Lima. “Pterodátilos” devorou as três conchas de ouro que disputou, e sagrou-se a grande vencedora da noite — Daniela Thomas também venceu entre os cenógrafos, troféu recebido pelo produtor Fernando Libonati.

Nanini e Mariana receberam seus prêmios antes da homenagem à atriz . O ator recordou sua indicação ao Shell por “O mistério de Irma Vap”, em 1989, e ressaltou a equipe do espetáculo:

— Esta peça foi muito feliz na conjunção de artistas envolvidos, é raro ter entrosamento com todos.

Mariana rebatia os elogios de Nanini como um espelho: — Quando fui convidada, o Felipe (Hirsch, diretor), me disse que minha única missão era observar o Nanini o tempo todo. E ele me ensinou a trabalhar com intensidade, verdade e loucura.

Jô Bilac é o melhor autor

Quem também sentiu o sabor da primeira vez foi Jô Bilac. Depois de ter a peça “Cachorro!” (2007) indicada na categoria direção, o jovem dramaturgo faturou o concorrido prêmio de autor por “Savana glacial”. No discurso, Bilac agradeceu ao Grupo Físico de Teatro e à apresentadora da noite, Beth Goulart.

— Foi ela quem me deu o primeiro computador para escrever. Antes eu escrevia no da minha mãe — disse. Com o maior número de indicações da noite (seis), a comédia “Maria do Caritó” ficou com o de direção, entregue a João Fonseca, que exaltou o autor (Newton Moreno), a protagonista (Lília Cabral) do espetáculo e a temporada de 2010.

— Acho que o teatro carioca está de parabéns. Arrasamos no ano passado.

Os outros ganhadores da noite foram Marcelo Alonso Neves (música, por “As conchambranças de Quaderna”), Tomás Ribas (iluminação, por “Rock Antygona”), Marcelo Pies (figurino, por “Hair”), além de André Curti e Artur Ribeiro (categoria especial, por “Fragmentos do desejo”). (Luiz Felipe Reis) ■

O Globo Anatomia Brincante

Espetáculo, DVD e filme de dissecam a dança e a música de Antonio Nóbrega, que terá, enfim, sua companhia, após 38 anos

Mauro Ventura

ANTONIO NÓBREGA entre Marina Abibi e Maria Eugênia Almeida, em “Naturalmente”: de hoje a domingo no Sesc Ginástico

(25/3/2011) Difícil acreditar que aquele corpo que executa movimentos precisos durante mais de uma hora tenha quase 60 anos. — Meu corpo tem uma maturidade expressiva que nunca teve, mas começa a dar os primeiros sinais de limitações. Convivo, por exemplo, com uma hérnia de disco. Afinal, eu me adestrava imitando os dançarinos populares das ladeiras de Olinda, sem preparo corporal — diz Antonio Nóbrega, de 58 anos, que apresenta de hoje a domingo, no Sesc Ginástico, “Naturalmente — Teoria e jogo de uma dança brasileira”.

São limitações que o espectador não percebe. Nóbrega é um fenômeno: dança, toca e canta, embora desta vez não exiba os dotes vocais. — “Naturalmente” não reflete meu trabalho em toda a sua inteireza. É uma síntese da minha carreira pelo lado da dança e aponta novas direções.

21 Tanto é uma síntese que, perguntado sobre o tempo que levou para fazer o trabalho, ele diz: — Boa parte de uma vida.

Uma vida artística que explodiu com “Brincante”, nos anos 1990, quando lançou o carroceiro andante Tonheta, misto de pícaro, bufão, palhaço, arlequim e vagabundo. E que chega ao ápice agora, com a estreia de “Naturalmente” nos palcos do Rio. Dentro de um mês, o espetáculo também estará nas prateleiras, no DVD feito por Walter Carvalho (de “Budapeste”). É o terceiro que os dois realizam juntos, após “Lunário perpétuo” e “Nove de frevereiro”. Mas o auge da parceria é o filme “Brincante”, que será rodado em novembro. Nóbrega também comemora o prêmio Petrobras Cultural que recebeu para fazer um novo espetáculo e criar, enfim, sua companhia de dança, após uma trajetória de 38 anos.

Ele classifica “Naturalmente” como uma “tese- lúdica”, no sentido de que ele dança — acompanhado por Maria Eugênia Almeida e Marina Abibi —, toca — ao lado de oito músicos — e expõe seu pensamento, falando, por exemplo, sobre a origem das danças populares brasileiras. Num telão, um vídeo projeta imagens de passos, gingados, saltos, volteios, posturas e giros da cultura popular brasileira.

Uma cultura que ele demorou a conhecer. Sua formação foi clássica — começou a tocar violino aos 8 anos, e integrava a Orquestra de Câmara da Paraíba e a Orquestra Sinfônica do Recife. Mais tarde, participava de um conjunto de música popular com suas irmãs, mas eles tocavam o que ouviam nas rádios e TVs: Beatles, Jovem Guarda, Caetano, . Até que, no fim dos anos 1960, um encontro mudou sua vida. procurava um violinista para formar seu Quinteto Armorial e, após vê-lo tocar Bach, convidou-o para o grupo.

— Sem a presença do Ariano, talvez o máximo que eu poderia ter sido era um bom violinista — exagera.

Suassuna apresentou o jovem de classe média ao rico universo popular brasileiro — como as cantigas, os folguedos, a capoeira, a literatura de cordel, o circo mambembe, as histórias picarescas, os emboladores, as rezadeiras, os cantadores, as folias de reis. — Eu tinha uma curiosidade muito intensa, e em cada nicho fui me afeiçoando. Ele conviveu com mestre de bumba meu boi e aprendeu a modelar figuras; descobriu a rabeca, fez parceria com um luthier e foi à Europa estudar o instrumento; circulou em meio aos poetas populares; tomou aulas de frevo; bebeu nos cômicos do cinema, Chaplin, Buster Keaton, Totó, Cantinflas e Oscarito.

— Fui um franco-aprendedor — diz ele, que criou o Instituto Brincante em São Paulo, com a mulher, a dançarina e atriz Rosane Almeida. Rotulado como artista que faz a ponte entre o erudito e o popular, ele relativiza os rótulos. — Precisamos renovar os conceitos. O choro é erudito ou popular?

Seu corpo chegou a tal nível de perfeição que, no filme, Walter Carvalho fará uma espécie de radiografia da anatomia de Nóbrega. — É como se a câmera fosse uma ressonância magnética. Quero observar o movimento da mão, do dedo. O corpo dele serve ao maracatu e a Erik Satie, a Villa-Lobos e a Ernesto Nazareth. Ele é um 3D em cena. Você não vê todos os lados de uma pessoa, mas no caso dele, sim. É um corpo que se revela e se oferenda ao público. O filme — com roteiro de Leonardo Gudel e dos dois — tem um lado documental, que aborda a relação dele com a música, o canto e a dança, e outro ficcional.

— Tem uma parte de teatro, em que ele representa para mim — diz Carvalho. Ora ele é Tonheta, ora ele mesmo, ora o músico, ora o dançarino. A certa altura, como prevê o roteiro, ele para, senta no banco e fala sobre as famílias em que se agrupam as danças brasileiras: a dos batuques, a dos cortejos e a dos espetáculos populares. O filme termina com uma coreografia que Nóbrega está fazendo, com 15 minutos. Em maio, serão selecionados 20 dançarinos para a companhia. O ponto de partida da música é a cantilena das “Bachianas no- 5”, de Villa-Lobos.

— E teremos vários agrupamentos musicais tocando, da orquestra sinfônica à de frevo, do choro ao grupo moderno. E no fim vamos criar uma orquestra que junte todas as outras e que chamaremos de Orquestra Brasileira. Se vai estar nas telas de cinema, Nóbrega continua presença rara na TV, fora dos DVDs. — Estou há mais de três anos brigando por um programa na TV Brasil, e não consigo. O trabalho que faço não acaricia muito a vontade de quem decide.

22 Mas acaricia a vontade de Carvalho: — Antonio Nóbrega é uma síntese da cultura brasileira. ■

O Globo Anatomia Brincante

Espetáculo, DVD e filme de Walter Carvalho dissecam a dança e a música de Antonio Nóbrega, que terá, enfim, sua companhia, após 38 anos

Mauro Ventura

ANTONIO NÓBREGA entre Marina Abibi e Maria Eugênia Almeida, em “Naturalmente”: de hoje a domingo no Sesc Ginástico

(25/3/2011) Difícil acreditar que aquele corpo que executa movimentos precisos durante mais de uma hora tenha quase 60 anos. — Meu corpo tem uma maturidade expressiva que nunca teve, mas começa a dar os primeiros sinais de limitações. Convivo, por exemplo, com uma hérnia de disco. Afinal, eu me adestrava imitando os dançarinos populares das ladeiras de Olinda, sem preparo corporal — diz Antonio Nóbrega, de 58 anos, que apresenta de hoje a domingo, no Sesc Ginástico, “Naturalmente — Teoria e jogo de uma dança brasileira”.

São limitações que o espectador não percebe. Nóbrega é um fenômeno: dança, toca e canta, embora desta vez não exiba os dotes vocais. — “Naturalmente” não reflete meu trabalho em toda a sua inteireza. É uma síntese da minha carreira pelo lado da dança e aponta novas direções.

Tanto é uma síntese que, perguntado sobre o tempo que levou para fazer o trabalho, ele diz: — Boa parte de uma vida.

Uma vida artística que explodiu com “Brincante”, nos anos 1990, quando lançou o carroceiro andante Tonheta, misto de pícaro, bufão, palhaço, arlequim e vagabundo. E que chega ao ápice agora, com a estreia de “Naturalmente” nos palcos do Rio. Dentro de um mês, o espetáculo também estará nas prateleiras, no DVD feito por Walter Carvalho (de “Budapeste”). É o terceiro que os dois realizam juntos, após “Lunário perpétuo” e “Nove de frevereiro”. Mas o auge da parceria é o filme “Brincante”, que será rodado em novembro. Nóbrega também comemora o prêmio Petrobras Cultural que recebeu

23 para fazer um novo espetáculo e criar, enfim, sua companhia de dança, após uma trajetória de 38 anos.

Ele classifica “Naturalmente” como uma “tese- lúdica”, no sentido de que ele dança — acompanhado por Maria Eugênia Almeida e Marina Abibi —, toca — ao lado de oito músicos — e expõe seu pensamento, falando, por exemplo, sobre a origem das danças populares brasileiras. Num telão, um vídeo projeta imagens de passos, gingados, saltos, volteios, posturas e giros da cultura popular brasileira.

Uma cultura que ele demorou a conhecer. Sua formação foi clássica — começou a tocar violino aos 8 anos, e integrava a Orquestra de Câmara da Paraíba e a Orquestra Sinfônica do Recife. Mais tarde, participava de um conjunto de música popular com suas irmãs, mas eles tocavam o que ouviam nas rádios e TVs: Beatles, Jovem Guarda, Caetano, Edu Lobo. Até que, no fim dos anos 1960, um encontro mudou sua vida. Ariano Suassuna procurava um violinista para formar seu Quinteto Armorial e, após vê-lo tocar Bach, convidou-o para o grupo.

— Sem a presença do Ariano, talvez o máximo que eu poderia ter sido era um bom violinista — exagera.

Suassuna apresentou o jovem de classe média ao rico universo popular brasileiro — como as cantigas, os folguedos, a capoeira, a literatura de cordel, o circo mambembe, as histórias picarescas, os emboladores, as rezadeiras, os cantadores, as folias de reis. — Eu tinha uma curiosidade muito intensa, e em cada nicho fui me afeiçoando. Ele conviveu com mestre de bumba meu boi e aprendeu a modelar figuras; descobriu a rabeca, fez parceria com um luthier e foi à Europa estudar o instrumento; circulou em meio aos poetas populares; tomou aulas de frevo; bebeu nos cômicos do cinema, Chaplin, Buster Keaton, Totó, Cantinflas e Oscarito.

— Fui um franco-aprendedor — diz ele, que criou o Instituto Brincante em São Paulo, com a mulher, a dançarina e atriz Rosane Almeida. Rotulado como artista que faz a ponte entre o erudito e o popular, ele relativiza os rótulos. — Precisamos renovar os conceitos. O choro é erudito ou popular?

Seu corpo chegou a tal nível de perfeição que, no filme, Walter Carvalho fará uma espécie de radiografia da anatomia de Nóbrega. — É como se a câmera fosse uma ressonância magnética. Quero observar o movimento da mão, do dedo. O corpo dele serve ao maracatu e a Erik Satie, a Villa-Lobos e a Ernesto Nazareth. Ele é um 3D em cena. Você não vê todos os lados de uma pessoa, mas no caso dele, sim. É um corpo que se revela e se oferenda ao público. O filme — com roteiro de Leonardo Gudel e dos dois — tem um lado documental, que aborda a relação dele com a música, o canto e a dança, e outro ficcional.

— Tem uma parte de teatro, em que ele representa para mim — diz Carvalho. Ora ele é Tonheta, ora ele mesmo, ora o músico, ora o dançarino. A certa altura, como prevê o roteiro, ele para, senta no banco e fala sobre as famílias em que se agrupam as danças brasileiras: a dos batuques, a dos cortejos e a dos espetáculos populares. O filme termina com uma coreografia que Nóbrega está fazendo, com 15 minutos. Em maio, serão selecionados 20 dançarinos para a companhia. O ponto de partida da música é a cantilena das “Bachianas no- 5”, de Villa-Lobos.

— E teremos vários agrupamentos musicais tocando, da orquestra sinfônica à de frevo, do choro ao grupo moderno. E no fim vamos criar uma orquestra que junte todas as outras e que chamaremos de

24 Orquestra Brasileira. Se vai estar nas telas de cinema, Nóbrega continua presença rara na TV, fora dos DVDs. — Estou há mais de três anos brigando por um programa na TV Brasil, e não consigo. O trabalho que faço não acaricia muito a vontade de quem decide.

Mas acaricia a vontade de Carvalho: — Antonio Nóbrega é uma síntese da cultura brasileira. ■

O Globo Dupla reestreia peça e inaugura um novo teatro

ANDRÉA E MARIETA reestreiam hoje “As centenárias” no Teatro João Caetano

(25/3/2011) e Andréa Beltrão abrirão o Poeirinha Ocamarim do antigo teatro Copacabana Palace era grande demais para Marieta Severo. Há 22 anos, ela convidava Andréa Beltrão para o elenco de “A estrela do lar”, um texto de Mauro Rasi, que também dirigia a encenação, e, logo depois, faria mais um convite que surpreendeu a atriz que dava os primeiros passos na carreira.

— Ela me convidou para fazer o papel, mas antes e depois dos ensaios não gostava de ficar sozinha no camarim, então me convidou para dividir com ela... Acho que ali criamos um vínculo eterno, porque ela detesta ficar só, não ter com quem conversar. Aceitei fazer o papel de sobrinha dela, e depois aceitei ser a parceira de camarim, e até hoje estamos aqui... — diz Andréa. Marieta intervém: — Não, não, você não era a minha filha?

Andréa corrige: — Não, eu era a sobrinha da Tia Aspásia, fazia uma adolescente drogada, chapada de heroína, que depois aparecia grávida... Não se lembra?

Espaço abre com Aderbal Se Marieta esquece o grau de parentesco das personagens, traz até hoje a força do contato estabelecido. Quase dez anos depois de “A estrela do lar”, as duas voltaram a trabalhar juntas, e compartilhando a mesma personagem em “A dona da história” (1998), texto criado e dirigido por João Falcão. A partir de então a conexão entre as duas extravasou as fronteiras profissionais. E a amizade estabelecida originou, além de peças, como o sucesso “As centenárias” (2007), um dos espaços dedicados às artes cênicas mais movimentados da cidade, o Teatro Poeira, criado em 2006. Agora, as duas se juntam novamente, tanto para reestrear “As centenárias” no Rio, a partir de hoje no Teatro João Caetano, como para inaugurar o Teatro Poeirinha, que abre suas portas num terreno anexo ao Poeira a partir de 15 de abril com a estreia de “Depois do filme”, texto escrito e dirigido por Aderbal Freire-Filho.

— Nada disso existiria se não fosse a parceria que criamos, e se todos nós não pensássemos em conjunto. Tudo é trabalhoso demais, temos projetos na TV, no teatro, no cinema, família, então acho que só damos conta porque estar junto da Andréa pensando sobre teatro é sempre prazeroso — diz Marieta. E Andréa completa: — Aos poucos sentimos a necessidade de um espaço que pudesse nos dar mais liberdade e ampliar o caráter experimental e de pesquisa do Poeira. O Poeirinha é uma sala completamente equipada que chega para ser um espaço ainda mais alternativo, coisa que tem muito em São Paulo e que faz falta no Rio. (Luiz Felipe Reis) ■

O Estado de S. Paulo 25 anos

Trair e Coçar É Só Começar, de , faz aniversário como a mais longeva peça da cena brasileira

25 Maria Eugênia de Menezes

(26/3/2011) Dia de estreia. Autor da peça que abria temporada naquela noite, Marcos Caruso preferiu afastar-se do burburinho. Foi sentar no balcão. De lá, viu quando as cortinas se abriram revelando o palco do Teatro Princesa Isabel. Mas não só. O lugar era propício porque o colocava bem diante também da plateia, que logo após o primeiro diálogo já sacolejava às gargalhadas. "As pessoas saltavam da cadeira, pulavam, curvavam-se para frente. Como se estivessem tendo uma convulsão. Visto lá de cima aquilo parecia uma onda varrendo o teatro", conta Caruso.

Já se vão 25 anos desde aquela primeira apresentação, em 26 de março de 1986. O que impressiona, porém, é que ainda hoje pode-se ver a cena se repetir: Trair e Coçar É Só Começar conseguiu a proeza de manter-se em cartaz através dos anos. E o público continua a contorcer-se de rir diante da trama: um emaranhado de enganos e intrigas conduzido pela empregada Olímpia.

A marca é histórica no teatro brasileiro. Não há registro de nenhum outro espetáculo que tenha emendado temporadas ininterruptas por tanto tempo. Um feito que levou a comédia de Caruso a figurar no Livro dos Recordes e que aparece amparado por números bastante eloquentes: mais de 6 milhões de espectadores, 9 mil apresentações, passagem por 22 Estados brasileiros e personagens vividos por 77 intérpretes diferentes.

Recentemente publicado pela editora Saraiva, o texto chama atenção pelo seu ar de despretensão. Ao longo dos anos, muitas foram as teses convocadas para esclarecer as razões desse sucesso. E a história talvez ganhasse laivos ainda mais heroicos se falássemos em um êxito inesperado, se o dramaturgo dissesse que não fazia a menor ideia do que tinha nas mãos. Mas não foi bem assim. "Desde o início, tinha certeza que faria sucesso, sim. O vaudeville é um gênero de teatro que é feito para se rir de 30 em 30 segundos. Ele tem uma carpintaria matemática. Se a cena é bem urdida você não tem como fugir do riso", explica.

Mesmo com tanta convicção sobre o valor de sua obra, Caruso teve que esperar seis anos até que Trair e Coçar saísse da gaveta para ganhar a cena. Quando o País caminhava para a abertura democrática, em 1985, o comediógrafo escreveu, com Jandira Martini, Sua Excelência, O Candidato.

26 Ao fim de uma temporada bastante popular da peça, o diretor Atílio Riccó perguntou a Caruso se havia um novo texto a ser montado. De novidade, ele não tinha nada. Só uma comédia algo ingênua, tantas vezes rejeitada, e que tinha um nome comprido: Trair e Coçar É Só Começar. Foi em setembro de 1979 que a peça ficou pronta. Saiu de uma máquina de escrever Remington portátil, "comprada por 50 mil cruzeiros, divididos em três prestações".

Sem conseguir emprego como ator, Caruso decidiu, naquela época, que iria tornar-se autor. Durante três dias e três noites, bateu à máquina com dois dedos até pôr um ponto final na obra cheia de quiproquós, trapaças e armadilhas. "Mas o texto feito para me dar dinheiro, só iria me render alguma coisa muito tempo depois."

Protagonista. Quando se tenta recompor o percurso desse prodígio do teatro nacional, outro dado que convém não esquecer é sua protagonista. Ao entregar a condução das situações de comicidade à empregada Olímpia, Caruso criou uma personagem facilmente reconhecível. "Todo mundo conhece alguém como ela. Ela é um tipo muito brasileiro. Ingênua e com uma relação de tremenda intimidade com os patrões."

Nesses 25 anos, 13 atrizes já se revezaram no posto: Suely Franco, Iara Jamra e Anastácia Custódio são algumas. Além de Adriana Esteves, que protagonizou a versão para o cinema, em 2006. A seu modo, cada uma delas se valeu das próprias características para compor essa heroína às avessas. Algumas mais farsescas, outras mais contidas. "Já tivemos mineiras, cariocas, caipiras", lembra o autor.

Ficou para o público, contudo, o tom que Denise Fraga imprimiu à Olímpia, a partir de 1989. O papel cumpriu a missão de revelar seu talento cômico. E Denise alçou a personagem ao panteão dos grandes da nossa tradição cômica. Vestindo-lhe com as cores da commedia dell"arte.

"Ela trouxe para a peça uma pesquisa muito pessoal. Transformou essa personagem da empregada em um Arlequim. Uma proposta muito própria para o veículo teatro. Era histriônica, escancarada, e, ao mesmo tempo, extremamente humana e sincera."

O Globo A cultura popular em espetáculo encantador

Grupo Ser Tão, da Paraíba, mostra no Rio sua versão para romance de Joaquim Cardozo

(27/3/2011) Formado na Universidade Federal da Paraíba, o grupo Ser Tão Teatro está fechando, no Rio, a turnê de “Flor de Macambira”. Elenco, técnica, cenário e equipamento cobriram, de ônibus, um percurso que incluiu sete estados. Se a palavra- chave do momento é inclusão, o Ser Tão a representa muito bem — seu trabalho foi oferecido de graça a comunidades carentes, que muitas vezes jamais haviam visto teatro, tendo sido sempre muito bem recebido. “Flor de Macambira” tem por inspiração “O coronel de Macambira”, de Joaquim Cardozo, com Rosyane Trotta e o próprio grupo assinando a adaptação.

Nesta, um misto de circo com o folguedo popular do boi conta a história de Catirina e Mateus, incluindo um toque de história exemplar ao mostrar a luta entre o bem e o mal, lembrando a literatura de cordel. As peripécias do casal fazem a estrutura ser armada em vários episódios, com três dos atores se revezando em alguns personagens, sendo os bois, assim como os monstros e a serpente, muito bem executados.

O espetáculo é simples, com cenografia e adereços (Carlos Alberto Nunes), figurinos (Daniele Geammal) e máscaras (Bruno Dante) feitos com boa dose de imaginação e poucos recursos, o que o

27 deixa muito próximo do público buscado nas ruas das cidades que visitou. A coreografia (Juliana Manhães) e a luz (Gladson Galego) completam bem o conjunto, que tem ótimo apoio na direção musical de Beto Lemos e Zé Guilherme. A encenação de Christina Streva conduz tudo para a alegria e a harmonia, e o espetáculo se comunica muito bem com o público.

A interpretação é fiel ao tom e ao espírito do texto, com rendimento bastante bom dos atores: Isadora Feitosa (Catirina) e Winston Aquiles (Mateus), além de Cida Costa (Feiticeira), têm o privilégio de um só personagem, enquanto Gladson Galego, Thardelly Lima e Maísa Costa se desdobram em vários papéis.

Com apresentações gratuitas, hoje, no Parque dos Patins, na Lagoa, às 19h, na terça- feira nos jardins do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio, na Urca, às 20h, e quarta na Praça da Rua do Mercado (Centro), às 19h, o Ser Tão conclui essa longa e bem-sucedida viagem de seu encantador espetáculo.

Agência Angola Press Le groupe brésilien Maria Cutia réalise un spectacle à Luanda

(28/3/2011) Luanda - Un spectacle dénommé "Na Roda" du groupe théâtral brésilien "Maria Cutia" se réalisera le 30 et 31 avril prochain dans la capitale angolaise.

Selon un communiqué de la Maison de culture Brésil-Angola parvenu dimanche à l'Angop, la troupe brésilienne, qui est composée des acteurs, musiciens et humoristes, se produire au parc de l'indépendance.

Maria Cutia s'adonne, entres autres, à la recherche de la musique sur scène, au théâtre dans la rue et à la musique live.

Folha de S. Paulo Na coxia com Autran

Acervo pessoal de reunido no Instituto Moreira Salles revela os bastidores do teatro brasileiro no século 20

MARCELO BORTOLOTI DO RIO

(28/3/2011) Em 1974, o jornal "Correio do Povo", de Porto Alegre, recebeu uma carta de leitora que se queixava do excesso de palavrões na peça "Dr. Knock", de Jules Romains, dirigida e adaptada por Paulo Autran (1922-2007).

Publicada no jornal, a carta irritou Autran. Em resposta manuscrita, cujo original guardou até o fim da vida, ele começa tratando-a de "pudibundíssima senhora".

E prossegue: "Fiquei muito preocupado com seus problemas. Em primeiro lugar seus problemas auditivos. A senhora ouviu palavrões no teatro durante um espetáculo que, por mero acaso, não os tem. Creio que houve uma pequena confusão. É possível que a senhora e suas filhas mocinhas tenham ouvido palavrões ao sair de casa, durante o trajeto para o teatro, como todos nós ouvimos diariamente na rua (...)".

O manuscrito integra o acervo pessoal do ator arquivado no Instituto Moreira Salles, no Rio. Os documentos, guardados em 70 caixas e ainda não organizados completamente, revelam particularidades da personalidade de Autran, como sua dificuldade em lidar com as críticas. Entre os papéis, há mais de uma centena de fotos, além de cartas, livros e anotações. Uma das preciosidades do acervo é um texto inédito de ficção escrito pelo ator, em que recria um mundo sem teatro no ano de 2091.

28 Autran era um homem meticuloso. Ao longo da carreira, organizou uma pasta para cada peça em que atuou ou dirigiu, com todas as críticas, fotos e informações, como o número de pessoas que foram ao espetáculo.

"Ele sempre soube que era parte da história do teatro no país", diz a atriz Karin Rodrigues, com quem Autran foi casado, numa relação bastante particular, que começou na década de 1970. Nome fundamental da dramaturgia brasileira, com mais de 90 peças e atuações memoráveis na TV em novelas como "Guerra dos Sexos" (1983), de Silvio de Abreu, e no cinema, como "Terra em Transe" (1967), de , o ator teve um início de carreira incomum. Carioca criado em São Paulo, havia se formado em direito e pretendia seguir na profissão de advogado. Foi o incentivo da amiga e atriz Tônia Carreiro que o fez optar pelo palco. Em 1949, ele estrelou ao lado dela a peça "Um Deus Dormiu Lá em Casa", seu primeiro trabalho. Mesmo após a consagração, ele fazia questão de rebater as críticas que recebia.

"Geralmente as críticas eram burras. Quando vinham de um Sábato Magaldi, ele aceitava", diz Rodrigues.

Outra revelação do acervo são os altos e baixos da amizade entre Autran e Tônia. Comenta-se que, embora fossem grandes parceiros, eles competiam pelo sucesso.

Em 1992, a atriz escreveu um telegrama duro ao amigo.

"Compreendo perfeitamente que não possamos mais trabalhar juntos para não por em risco nossa amizade tão bonita. Não compreendo, porém, que depois de tanto tempo tão ligados, você não tenha podido perceber em mim a artista que o país todo reconhece." A crise foi remediada quatro dias depois, com um novo telegrama: "Paulo, assisti ao tal programa. Você lavou minha alma e tapou a boca de muita gente. Também não precisava tanto, contei meu nome nove vezes, cruzes".

Tônia Carreiro não estava disponível para entrevista. Seu filho, Cecil Thiré, diz que o episódio foi motivado provavelmente por Autran ter declarado que não queria mais trabalhar com sua mãe. Em seguida, numa entrevista pela TV, ele abrandou a fala.

Em ficção do ator, teatro começa a acabar em 2012

Uma das pérolas do acervo de Paulo Autran é um texto de ficção escrito pelo ator, no qual ele imagina como seria o mundo em 2091. O manuscrito, de três páginas, é uma crítica ao multiculturalismo e à ideia de que não há hierarquia entre as culturas.

De acordo com o texto, essa ideia acabou levando a sociedade a um processo generalizado de relativização e fez com que as pessoas passassem a desacreditar no valor da leitura, do teatro e, por fim, do próprio raciocínio.

O narrador conta que tudo começa em 2012, na Universidade de Duke (Califórnia), quando compreendeu-se que "o que era chamado de cultura até então, os valores, a moral, não eram senão uma ideologia imposta pelos senhores de antigamente às minorias oprimidas".

A ideia se disseminou pelo mundo, provocando uma "libertação cultural" de todos e de tudo. Cada indivíduo passou a determinar sozinho sua própria cultura.

A primeira consequência foi a desobediência geral à leitura, culminando na queima universal das bibliotecas, em 2030.

No mesmo ano, o teatro é abolido. Em seu lugar, surgem espetáculos eletrônicos universais, com só uma projeção de cor.

"É com orgulho que afirmo que a morte do teatro em 2030 foi um benefício para a humanidade, pois a partir dela fomos libertados da obrigação de pensar", diz o texto. (MB)

29 Estado de S. Paulo As cariocas

Peças do Rio são a maioria no Festival de Curitiba, que começa hoje, e comprovam o renascimento da cena teatral da cidade

Maria Eugênia de Menezes

(29/3/2011) Aparentemente, a fórmula é a mesma. Seguindo a toada dos anos anteriores, o Festival de Curitiba abre hoje sua 20.ª edição reafirmando o propósito de ser uma "vitrine do teatro brasileiro". Relaciona importantes representantes de companhias estáveis - caso do grupo Galpão e da Companhia Clowns de Shakespeare. Traz comédias. Uma boa dose de musicais. E também não esqueceu de contemplar uma fatia mais alternativa da produção. O que mudou, então? Os papéis que Rio e São Paulo, os dois maiores centros de produção teatral do País, costumam desempenhar nesse cenário. Saudados pelo caráter experimental de sua cena, os paulistas ocupam um lugar muito mais "comportado" na grade deste ano. Respondem pelas montagens de caráter mais comercial e pela cota anual de atores globais. Já os dramas menos apegados às convenções - que costumavam ser vistos como marca do nosso teatro - aparecem, desta vez, na conta dos cariocas. Também numericamente a representação do Rio leva vantagem. Ainda que o diretor do Festival Leandro Knopfholz não localize um caráter geográfico na seleção, dos 31 espetáculos que compõem a mostra oficial, 18 são de lá. "Temos, de fato, mais passagens emitidas para o Rio de Janeiro. Mas não acho que exista um foco no Rio", ele diz. Talvez a intenção não fosse mesmo privilegiar a produção de um Estado ou de outro. Mas o mote que a curadoria usou para embasar suas escolhas pode oferecer uma boa pista para entender o fenômeno. "Tentamos capturar o que está acontecendo de novo. E essa questão da dramaturgia nacional está cada vez mais forte", comenta Knopfholz. Aparecem contemplados no evento nomes de jovens autores como Daniela Pereira de Carvalho, que traz As Próximas Horas Serão Definitivas, e Pedro Brício, responsável por dois selecionados Me Salve, Musical e Comédia Russa. Além deles, merece destaque Jô Bilac, que recebeu recentemente o Prêmio Shell por Savana Glacial. Coincidência ou não, são todos cariocas. Os anos 1990 e 2000 ficaram marcados pela emergência e fortalecimento dos grupos. Um movimento em que São Paulo assumiu nítido protagonismo. Agora, porém, parece ser a dramaturgia que impulsiona a renovação da cena nacional. E aí, talvez, a coroa mude de cabeça.

"Se o teatro paulista tem essa questão do coletivo como força motriz, o Rio é movido pela ideia do indivíduo autoral, norteado por princípios pessoais fortíssimos", comenta a crítica Tânia Brandão, uma das curadoras de Curitiba. "Assistimos no Rio a uma virada criativa. Existe uma pulsação muito forte."

Para Celso Curi, outro curador do evento, a capital fluminense vive um momento de retomada. Seu teatro alcançou um patamar parecido com o de São Paulo. Mas surpreende mais. "Nosso experimental ficou mais endurecido, compactado. Para bem e para o mal, o carioca é mais relaxado. Há no Rio hoje um frescor, uma experimentação mais descompromissada".

O Estado de S. Paulo Poética refinada da Cia. Armazém

Fiel à sua vocação de vanguarda, novo espetáculo do grupo prima pela imaginação e pelas atuações vigorosas Mariangela Alves de Lima (29/3/2011) Há quase um quarto de século, a Armazém Companhia de Teatro se inscreve na linha de frente do nosso teatro. Outros grupos paranaenses deixaram as cidades de origem à procura da dimensão metropolitana, mas esse coletivo londrinense, agora com sede no Rio, parece ter conservado ao longo de mais de duas décadas uma afinidade singular com o sentimento de exclusão que a um só tempo oprime e desafia a vida artística provinciana. Antes da Coisa Toda Começar é em grande parte uma fala poética cujo tema central é um isolamento do criador, apartado da vida e das emoções cotidianas em razão de uma sensibilidade exasperada. É um assunto que a arte de vanguarda, de modo geral, dá por sabido ao elevar ao primeiro plano os dilemas da formalização. No texto de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, as personagens de três narrativas quase

30 insubstanciais, em razão da descontinuidade, derivam de um narrador prolixo, mais antiquado do que intemporal. Estão presentes e têm uma atuação corporal vigorosa as figuras dessas histórias, no entanto a fragmentação ou incompletude de falas e ações lembra que ainda não estão prontas, que estão sendo geradas a partir de um gabinete, cuja perspectiva vai se aprofundando ao longo do espetáculo. Definido como um espaço mental onde são desnecessários os vínculos com o realismo, o espetáculo dirigido e cenografado por Paulo Moraes começa com uma referência ao bufão da cultura flamenga e ibérica, signo da marginalidade artística que Michel de Ghelderode e Ramón del Valle-Inclán chamaram de volta ao teatro do século 20. Sentencioso, ainda recoberto pelos farrapos do passado cortesão, o bufão é também indício da melancolia que permeia a imaginação do grupo. O desejo de morte, a paixão incestuosa e a arte que se dilacera nos combates mesquinhos da vida cotidiana são pontos no desenho de uma trama tanto pictórica quanto verbal. As personagens falam, e às vezes falam demais, mas o modo como se movimentam, as atitudes corporais que as definem e as caracterizações fortes dos figurinos se sobrepõem ao peso dos diálogos. Dois amantes precariamente suspensos sobre o vazio, por exemplo, dão o recado sem precisar recorrer ao fraseado das paixões contrariadas. Do mesmo modo, um artista imobilizado por amarras dispensa considerações verbais sobre a dificuldade de manter-se fiel à vocação e íntegro no ofício.

Certamente, os anos de aperfeiçoamento técnico dos atores e dos recursos da cena permitem agora ao grupo diluir em uma atmosfera original as fontes utilizadas para a construção do espetáculo. O rock do século 20, a pintura e a dramaturgia flamengas, os sonetos renascentistas e a categoria do grotesco que recobre esse amálgama de um modo sutil não se apresentam como meras citações de uma civilização exaurida. São, antes, vivências de um repertório que o grupo estima e que a encenação domina. O sal da ironia tempera com parcimônia as representações da cantora e do ator, com moderação suficiente para distinguir essas figuras das paródias.

Para quem conhece o grupo de outras temporadas é notável a relativa serenidade corporal desse trabalho, uma vez que em espetáculos anteriores o fascínio pela interpretação acrobática dominava muitas cenas. Há coisas tão bem sabidas que não é mais preciso exibi-las. Grupos e companhias capazes de articular uma poética e refinar ao longo do tempo os meios de expressá-la acabam por definir uma assinatura, embora nem sempre o façam de modo consciente. A poética da Armazém Companhia de Teatro, reafirmada nesse espetáculo, valoriza a imagem cênica. O desgaste e o tom sépia da vegetação outonal e a pintura corroída de um salão abandonado formam o prólogo e a moldura significativa de Antes da Coisa Toda Começar.

Também os textos recolhidos ou produzidos pelos autores têm aqui o formato da retórica passadista e parecem sofrer a tentação da rima do ritmo uniforme. São pronunciamentos de escasso peso dialógico uma vez que, nesta peça, são projeções do personagem autor e, portanto, manifestações de um psiquismo livre das normas e da racionalidade. Poderiam ser pronunciados de modo mais coloquial e em tom mais baixo, sobretudo quando se referem aos estados anímicos dos artistas personagens. Enfáticas, em geral altissonantes, as locuções parecem competir com as imagens. Talvez se tornassem mais insólitas e inquietantes se a estranheza do enunciado poético fosse se revelando aos poucos sob o disfarce da entonação coloquial.

Folha de S. Paulo Dramaturgia brasileira ganha destaque na grade

Maratona teatral atinge maior equilíbrio em sua programação oficial

Novos trabalhos de Denise Stoklos, Cia. Sutil, Grupos Galpão e Clowns de Shakespeare estão entre as estreias

DE SÃO PAULO

(29/3/2011) É a primeira vez que a dramaturgia brasileira aparece como eixo curatorial do Festival de Curitiba. "Temos que traduzir o que acontece na cena, e vivemos uma efervescência na dramaturgia", diz a curadora Lúcia Camargo.

31 Autores de perfil investigativo, como Newton Moreno ("O Livro"), Ivam Cabral ("O Último Stand Up"), o recém premiado Jô Bilac ("Savana Glacial") e Sara Antunes, fundadora do Grupo XIX de Teatro ("Sonhos para Vestir") compõem a grade.

"Temos que entender o movimento. Acertar para não ficar fora da atenção da mídia", diz o diretor Knopfholz .

Se a mudança não é arriscada -até a ala jovem da grade já conquistou projeção-, responde bem às críticas recebidas nos anos anteriores, sobre o perfil excessivamente mercantilista do evento.

A 20ª edição surge mais equilibrada. Até espetáculos de grande público aliam arte e entretenimento.

É o caso de "Sua Incelença, Ricardo III", da Cia. Clowns de Shakespeare, sob direção de Gabriel Villela, que abre o festival misturando Hamlet com nordeste, e da pré-estreia "Trilhas Sonoras de Amor Perdidas", segunda parte da trilogia Som & Fúria da Cia. Sutil -iniciada com "A Vida é Cheia de Som e Fúria".

Engrossam o caldo do festival o Grupo Galpão, que apresenta sua primeira montagem de Tchékov, "Tio Vânia (Aos que Vierem Depois de Nós)", dirigida por Yara de Novaes e Denise Stoklos com "Preferiria Não?", versão personalíssima do conto "Batlerbly", de Herman Melville.

(GABRIELA MELLÃO)

ARTES PLÁSTICAS

Correio Braziliense Planalto aberto ao público

Exposição Mulheres, artistas e brasileiras reúne os principais nomes da pintura contemporânea, como Tarsila do Amaral

Nahima Maciel

(24/3/2011) Quando Eduardo Constantini aceitou emprestar o Abaporu, de Tarsila do Amaral, o tempo começou a correr mais rápido. A ideia de fazer uma exposição de arte brasileira apenas com mulheres virou possibilidade concreta e o desejo da presidente Dilma Rousseff precisou tomar forma em apenas um mês. Emprestar o Abaporu não é coisa que Constantini faça com frequência. O quadro pertence ao acervo do Museu de Arte Latino-Americana de (Malba), do qual o empresário argentino é proprietário e diretor. O curador José Luis Hernández Alfonso, do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armanado Álvares Penteado (Faap) foi acionado e precisou realizar em tempo recorde o pedido de Dilma: uma exposição no Palácio do Planalto que reunisse obras de instituições nacionais assinadas por mulheres que fizeram a história da arte brasileira.

Mulheres, artistas e brasileiras foi planejada em apenas um mês. Além de obras do acervo da própria Faap, Hernández compilou peças do Banco Central, Banco do Brasil, Caixa, Palácio do Itamaraty, Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Museu de Arte de Brasília (MAB), Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Museu Castro Maya e Museu da República.

São 80 obras de 49 artistas reunidas de forma a contar um pouco da história da arte brasileira desde o modernismo dos anos 1920 até a produção contemporânea. “Uma condição da presidente era mostrar acervos de instituições brasileiras. Curatorialmente tivemos pouco tempo e pouca possibilidade de selecionar obras, então a curadoria ficou uma colcha de retalhos. Tentamos fazer uma exposição didática”, avisa Hernández. “Não deu para ser cronológico por causa do tempo. E nem todas as obras que seriam necessárias estão à disposição para fazermos um percurso cronológico, mas o MNBA tem obras que permitiriam isso.”

32 Há mais de duas décadas os museus brasileiros não desenvolvem políticas de aquisições de obras, por isso a mostra tem lacunas, mas é uma oportunidade única para conhecer peças que raramente participam de exposições.

Raridades

Hernández dividiu o espaço do Salão Oeste do Planalto em blocos de acordo com os suportes utilizados pelos artistas. A primeira sala é uma homenagem a Tarsila do Amaral e Anita Malfati e certamente a mais interessante do conjunto. Ali estão quatro pinturas de Tarsila pertencentes ao Banco Central e vistas pelo público em raríssimas ocasiões. Entre elas figura O porto, obra madura do modernismo, pintada em 1953, quando a artista já desenvolvera o estilo geométrico e colorido que a caracterizou. Do quadro Hernández tirou o rosa-claro disposto pelas paredes do espaço. O MNBA emprestou o Autorretrato, de 1923, o mais famoso de Tarsila, no qual aparece com um vestido vermelho decotado e os cabelos repartidos ao meio e presos em coque.

Um segundo módulo recebeu as esculturas, com destaque para A mulher e sua sombra, de Maria Martins, um dos poucos nomes brasileiros que integraram o movimento surrealista no Hemisfério Norte. A peça veio do Palácio do Itamaraty, que a mantém em exposição no jardim de inverno do segundo andar. Dilma, que acompanhou a montagem e tem visitado a exposição diariamente, fez questão de emprestar uma tela de Djanira que decorava seu gabinete e pediu que houvesse um lote de bonecas de cerâmica fabricadas pelas artesãs do Vale do Jequitinhonha. No último sábado, a presidente também fez da exposição o primeiro local de visita do presidente norte-americano Barack Obama no Brasil. A primeira dama Michelle ficou encantada com as bonecas.

Estado de Minas Tesouro revelado

EM BRASÍLIA

O quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, voltou ao Brasil

(24/3/2011) Xodós da presidente Dilma Rousseff, o quadro Abaporu, obra-prima da pintora Tarsila do Amaral, e bonecas de barro do Vale do Jequitinhonha são algumas das estrelas da exposição Mulheres, artistas e brasileiras – produção do século 20, aberta ontem no Palácio do Planalto, em Brasília. A tela de Tarsila, pertencente ao colecionador Eduardo Constantini, veio de Buenos Aires especialmente para o evento. Sábado, o presidente norte- americano Barack Obama conheceu a mostra e pôde ver de perto esse ícone do modernismo brasileiro, arrematado pelo argentino há 16 anos, em Nova York, e levado para o Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires (Malba).

Aberta ao público até 5 de maio, a exposição foi ideia da presidente brasileira para comemorar o Mês da Mulher. De Tarsila também estão expostos os quadros Garimpeiros (1938), O porto (1953), Nu (1922), Retrato de Vera Vicente de Azevedo (1937) e dois autorretratos (de 1921 e 1923). Outra importante artista participante é Anita Malfatti. Estão no Planalto Valência (1927), Canal de Veneza (1927) e Paisagem de Ouro Preto (1958), entre outros quadros dela. Obras de Djanira também estão lá.

Abaporu é a única peça pertencente a colecionador particular. As demais vieram de órgãos públicos, como Banco Central, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e dos acervos do Museu de Arte Brasileira da FAAP, Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Museu de Arte de Brasília, Museu Nacional de Belas Artes, Museu Castro Maya e do Museu da República.

33 Dilma Rousseff pediu ao curador José Luis Hernández Alfonso para localizar peças que se encontravam escondidas em prédios públicos. “São obras importantes, praticamente desconhecidas. Elas estavam nos subsolos. São trabalhos que ninguém vê”, explicou.

Alfonso faz questão de diferenciar a produção de mulheres artistas de arte feminista. “Arte não tem gênero. O que vale é a criatividade”, afirmou. Rotular a mostra dessa forma, garante ele, é equivocado. “Seria minimizar o caráter da mulher como criadora”, conclui.

Correio Braziliense Jardim de lã / crônica

(24/3/2011) Fisgada pelas cores e formas da obra de arte que aparecia ao fundo do salão onde houve o almoço de Dilma e Obama, corri ao site do Itamaraty para percorrer a sala na visitação virtual que nele havia. Queria saber, afinal, que peça exuberante — quantas cores, quantas formas, quanto vigor, quanta brasilidade — quem era o autor, qual era a técnica e mais, mais e mais. Dei com a cara no muro: a nova homepage do ministério retirou o serviço que permitia ao internauta passear virtualmente pelo palácio dos arcos.

É uma tapeçaria a obra de arte que ofuscou o carisma de Obama e a elegância de Dilma. É de Burle Marx, chama-se Vegetação do Planalto Central e está na Sala Brasília, no terceiro andar do palácio. É uma das maiores peças de tapeçaria já feitas no Brasil. Mede 25,5 m de comprimento por 4,15 m de largura. Tecida em lã, foi executada, em 1965, no ateliê de um dos mais respeitados mestres brasileiros da tapeçaria, Norberto Nicola (1930/2007).

Não há verde na representação de Burle Marx para a vegetação de Brasília. Há muito vermelho, algum cinza, branco, bege, ocre. Bem no meio do enorme tecido, há uma árvore que pela forma lembra o projeto do Plano Piloto. A tapeçaria prossegue com desenhos de árvores nanicas, de galhos de árvores e de composição geométrica muito semelhantes aos desenhos geométricos e coloridos com os quais Burle Marx antecipava seus projetos de paisagismo.

34 Burle tapeceiro é tão pouco conhecido quanto Burle artesão de joias. Não menos extraordinário, porém. Não menos brasileiro nem menos moderno nem menos ecológico. Mas pouco estudado ou exibido. Talvez porque a tapeçaria seja uma espécie de anexo das obras mais importantes do mestre. Tire-se pelo Itamaraty. Burle Marx está nos jardins aquáticos externos e nos jardins internos e é ele quem é, merecidamente, reverenciado.

O Itamaraty é a caixa de joias da República — está escrito em Brasília 50 anos, Guia de obras de , de Andrey Schlee e Sylvia Ficher. Perfeita analogia. Se visto do lado de fora, o palácio dos arcos parece flutuar num espelho d’água, do lado de dentro ele é espantosamente belo. Desde o hall com 2.800 m2 e sem nenhuma coluna, concreto alado, que termina numa escada suntuosa, sinuosa e desprovida de qualquer excesso. Lá em cima é um esplendor atrás do outro e dentre eles está a tapeçaria de Burle Marx, colada à parede do Salão Brasília, destinada a grandes almoços ou jantares.

Na caixa de joias da cidade, a tapeçaria de Burle Marx é o jardim de lãs coloridas que o paisagista plantou ponto a ponto para representar a estranha vegetação encrespada do Planalto Central. Bem poderia ser uma representação pálida da secura do cerrado. Nada disso. Burle Marx bordou o cerrado com a tinta vermelha da terra entremeada de tons beges, ocres, cinzas, azuis surpreendentemente fortes.

P.S. Se a visitação virtual foi suspensa, a visitação real continua possível. Interessados em conhecer a tapeçaria de Burle Marx e outras extraordinárias peças da joalheria Itamaraty podem ligar para 3411 8051.

O Estado de S. Paulo Paulo Pasta e a moradia da cor Pintor expõe no Centro Maria Antônia, que ainda exibe as obras de Anri Sala, Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Zocchio

Camila Molina (25/3/2011) Casa de ferreiro, espeto de pau. Com esse ditado popular o pintor Paulo Pasta sintetiza uma recente descoberta em sua trajetória, iniciada na década de 1980 - a cor é a "praia" de sua pintura, o desafio prazeroso. "Antes o buraco do meu trabalho era pensar: ‘O que pintar?’ Entendi que não é o tema, mas que meu negócio é a cor, ela é minha casa", diz o artista, que exibe no Centro Universitário Maria Antônia a mostra Sobrevisíveis, com série de novas pinturas. Nelas, as cores têm uma passagem por vezes mais silenciosa, por outras, surpreendentemente, são como "um forte sussurro" - expressão do pintor Eduardo Sued - em composições feitas a partir de uma estrutura similar e simples, a de três regiões formadas na tela a partir da criação de ‘cruzes’.

Certa vez, o escultor Amilcar de Castro escreveu uma dedicatória a Paulo Pasta dizendo que "o silêncio é a moradia da cor" - e ainda depois, afirmou que a pintura do artista era "uma reza". Outro mestre, Sued, garantiu que "Paulo é o sobrevisível de coisas não visíveis". O título da exposição, Sobrevisíveis, vem daí, da afirmação que aparece no documentário de Pedro Paulo Mendes sobre Pasta e em exibição também no Maria Antônia. No caminho trilhado pelo pintor para nos apresentar essas "coisas não visíveis", Paulo Pasta já se valeu, pela "necessidade de dar ordem", de esquemas de "formas singelas, nem abstratas, nem figurativas", afirma o crítico Ronaldo Brito, feitos a partir de ogivas, "lápis apontados", peões, cálices, até chegar à mais pura e complexa estrutura das cruzes, iniciada em 2007.

Deu-se conta, afinal, que é a cor que confere a "indeterminação, a instabilidade" - a marca contemporânea - em sua obra clássica e sóbria. "Só com a forma não daria para fazer a indeterminação", diz o artista. Cores mais tonais vão convivendo, assim, com cores fortes - há duas telas, A Ilusão das 10 Horas e Outra Lenda, nas quais, respectivamente, prevalecem o amarelo e o vermelho. Mas, de todas as obras, a preferida de Pasta é O Descanso do Pintor - com uma superfície quase branca sobre planos de rosas e outros matizes leves. Ciclo. Além de Sobrevisíveis, o Centro Maria Antônia exibe as mostras do albanês Anri Sala - um dos maiores destaques do cenário contemporâneo e que participou da 29.ª Bienal de São Paulo -, de Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Marcelo Zocchio. A exposição de Sala, com curadoria de Moacir dos

35 Anjos, "aproxima" os vídeos Intervista (1998) e Dammi I Colori (2003). Segundo o curador, Sala ao colocar em "confronto e em tensão palavras e imagens" faz sugerir em seus filmes "um mundo que busca um entendimento entre partes que com frequência não se pode obter". Gelpi apresenta pinturas e as "duplica", escreve Tania Rivitti, nas paredes e pilastras do prédio. Suci exibe desenhos em Necessidade do Objeto e Zocchio, obras no "meio termo" entre fotografia e escultura.

O Estado de S. Paulo Ásia no MASP

Coleção de arte asiática do diplomata Fausto Godoy vai ser cedida em comodato ao museu, que ganha novo status com o raro acervo

Antonio Gonçalves Filho

(28/3/2011) - O Museu de Arte de São Paulo (Masp), conhecido por seu bilionário acervo de grandes mestres europeus (Rafael, Goya, Velázquez, Cézanne, Van Gogh, Picasso), está prestes a ganhar a mais valiosa coleção asiática do Brasil. Nesta quinta-feira, o diplomata Fausto Godoy assina com a direção do museu um contrato para a cessão de sua coleção, iniciada um ano após ser convidado a assumir um posto na embaixada do Brasil em Nova Délhi, em 1983. Desde então, Godoy ocupou cargos oficiais nas embaixadas de Nova Délhi, Pequim, Tóquio e Islamabad, além de ter cumprido missões transitórias no Vietnã e em Taiwan. Todo esse percurso ajudou a construir esse acervo de valor inestimável que deverá ser instalado, a partir de 2012, no espaço hoje ocupado pelo restaurante Degas, no subsolo do museu.

Divulgação Japão. O Imperador e a Imperatriz

Sem exagero, trata-se de uma coleção que vai colocar o Masp no patamar do Metropolitan de Nova York. O museu integra desde 2008 o "Clube dos 19", que congrega os 19 museus com os melhores acervos da arte europeia do século 19, como o Museu D"Orsay, o Instituto de Arte de Chicago e o próprio Metropolitan. De imediato, Godoy entrega em comodato por 50 anos quase 2 mil peças que resumem séculos de história das civilizações asiáticas. Seu empenho, diz o diplomata, é "criar massa crítica no Brasil para o continente que se afigura como o mais importante do século 21". Assim, não se trata apenas de doar uma coleção construída nas últimas três décadas, mas de estabelecer o marco zero de um futuro centro de estudos asiáticos. Aos 65 anos, Godoy diz ter canalizado para o continente asiático sua carreira na diplomacia por estar convencido do papel que países como a China, a Índia e o Japão iriam representar no século 21. "Mais da metade da população vive ali", lembra o diplomata, concluindo: "É fundamental nossa interação com esses países, cujo papel é decisivo na formatação do mundo globalizado".

O Masp aceitou a condição imposta por Godoy para o comodato com testamento anexado: a de ter um curador permanente para a coleção, ponto de partida para um objetivo maior, o de ensinar aos brasileiros como o antigo convive com o contemporâneo nessas culturas, que não enxergam a arte compartimentada como no Ocidente. Essas 2 mil peças da coleção de Godoy integram um catálogo abrangente das civilizações asiáticas que abarca desde um Narasimha, quarto avatar do deus Vishnu - primeiro objeto adquirido pelo diplomata num antiquário de Nova Délhi, em 1984 - até mangás japoneses, passando por gravuras Ukiyo-e do século 19, peças de mobiliário, objetos de porcelana chinesa e até um Buda do século 6.º em tamanho natural.

Curador-chefe do Masp, o professor e crítico Teixeira Coelho mostra-se entusiasmado com a perspectiva de ampliação do museu que, no próximo ano, ganha um prédio exclusivo para a administração, ao lado de sua sede na Avenida Paulista. Para lá será transferido o restaurante e toda a parte burocrática do Masp. Antes, ainda sem data marcada, será realizada uma exposição com

36 peças selecionadas do acervo cedido em comodato ao museu. Como Godoy é o maior conhecedor de sua coleção, ele será o curador da mostra. "Só colecionei obras de temas que conhecesse e não há uma só peça comprada por impulso apenas", diz o diplomata. "Com essa coleção, o museu ganha não só um acervo que o coloca ao lado do Metropolitan", diz Teixeira Coelho. "É quase como uma refundação do Masp", resume. A arte de civilizações antigas não é o forte da coleção do museu, mais conhecido por seu acervo de arte francesa dos séculos 19 e 20. "Temos 60 peças pré-colombianas e devemos receber uma coleção de arte africana", diz o curador, ressaltando a importância da coleção de 52 peças maiólicas (faiança italiana do Renascimento) que já integram o acervo. "Nunca esqueci um livro de Etienne Souriau que fala da correspondência entre as artes e, justamente por acreditar que esta traz uma melhor compreensão do acervo do Masp, posso dizer que quanto mais cruzamentos entre culturas, melhor será para o público", observa o curador. Elogiando o serviço educativo do museu, coordenado por Paulo Portella Filho, o diplomata, que abriu as portas da Mostra do Redescobrimento para o mundo, diz que optou pelo Masp para doar sua coleção considerando o compromisso do museu com a educação. "Pensei em doar para uma universidade, mas as peças iriam morrer em salas que só acadêmicos veriam."

IstoÉ A arte da ilusão

A íntima relação entre a arte e o teatro na obra de jovem Tatiana Blass

TEATRO IMPOSSÍVEL. Na tela “Teatro para Cachorros”, o animal é colocado na posição de ator.

(28/3/2011) Tudo na natureza está em constante mudança, tudo é ilusão. A sentença do filósofo Heráclito se aplica perfeitamente ao trabalho de Tatiana Blass. Suas esculturas, de metal e parafina, não são feitas para durar. Elas derretem sob o calor de holofotes e o que resta, ao fim, é a obra incompleta, porém não inacabada. Nessas esculturas, que se comportam como performers, a parafina silencia a música quando é vertida sobre instrumentos em execução. Segundo Tatiana, tudo isso é “lembrança de que o que vale, na arte, é engano dos sentidos ou do pensamento”. Nesse jogo, o que acaba por ser revelado é a própria verdade da arte.

37 Quem não conhece o trabalho dessa jovem artista que, aos 31 anos, já participou da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, e foi indicada ao Nam June Paik Awards, em 2008, terá a oportunidade de conhecer trabalhos significativos dos últimos cinco anos, em exposição em São Paulo e depois em Brasília e Salvador. Entre 14 obras – pinturas, esculturas e um trabalho inédito em vídeo – destacam- se as telas “Teatro para Cachorros” e “Tapete Movediço – o Cachorro e o Padre”. Conhecida por invocar a imagem do cão em instalações, fazendo um misto de taxidermia e escultura, a artista aqui transfere a imagem do animal para a pintura.

Posicionados como silhuetas sombrias, os cães aparecem em planos translúcidos criados pela sobreposição de camadas de tinta. “Sempre refleti sobre o teatro; aqui o cão aparece como a figura de um ator impossível”, diz ela. O palco e o espetáculo são panos de fundo recorrentes em produções da artista, como a série “Metade da Fala ao Chão”, um trompete incapaz de emitir sons. Disso é feita a arte de Tatiana: as falhas e os erros como revelação de uma outra possibilidade para se apreender o real.

Folha de S. Paulo Mostra evidencia o papel da mulher na vanguarda artística

CRÍTICA ARTES PLÁSTICAS

FABIO CYPRIANO DE BRASÍLIA

(28/3/2011) A cor rosa-bebê das paredes da mostra "Mulheres, Artistas e Brasileiras", em cartaz no Palácio do Planalto (Brasília), não faz justiça à radical produção feminina na história da arte do país. A mostra, que tem concepção da presidente Dilma Rousseff, como está assinado no folheto de divulgação distribuído no local, poderia cair em um mero ajuntamento de trabalhos de temática feminista, o que não é o caso. A exposição deixa patente a tese de que as grandes transformações na arte brasileira aconteceram em associação ou com a liderança feminina. Na primeira sala da exposição, estão obras de Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886- 1973), duas figuras fundamentais do modernismo brasileiro. Anita, por ter sido duramente criticada por Monteiro Lobato (1882-1948), em 1917, aglutinou intelectuais como Mário de Andrade (1893-1945) e Oswald de Andrade (1890-1954), que acabaram criando a Semana de 22. Tarsila por ser a criadora, junto a Oswald, do movimento antropofágico, o mais original do país na primeira metade de século 20. "Abaporu", de 1928, a tela que originou o antológico Manifesto Antropófago, do mesmo ano, é o carro-chefe da mostra. Foi a própria presidente que pediu a obra emprestada a seu proprietário, o colecionador Eduardo Costantini. Também estão na mostra Maria Martins (1894-1973), primeira artista brasileira a integrar de fato a cena internacional, e Mary Vieira (1927-2001), que no movimento construtivo tornou-se precursora do cinético. Entre os destaques da produção neoconcreta há obras de Lygia Pape (1927-2004) e Mira Schendel (1919-1988). Entre os conceituais, Regina Silveira. Da produção dos anos 1980 há artistas como Leda Catunda, e Ana Tavares. Esse amplo panorama, em sua maioria de acervos públicos, se completa por outra intervenção da presidente: a inserção de artistas populares, como as bonequeiras do Vale do Jequitinhonha, num diálogo que tem sido comum em mostras de arte contemporânea. Assim, se por um lado a presidente gera um debate até então praticamente inédito no circuito institucional das artes, a cenografia, que está a cargo do curador da mostra, José Luis Hernández Alfonso, da Faap, escorrega num clichê.

Agência de Notícias Brasil-Árabe Artista retrata relações afetivas

Painel tem tons diferentes e estampas que se repetem

38 Marcos Carrieri/ANBA

O capixaba Hilal Sami Hilal, descendente de sírios, trabalha com massa de papel, ácido e cobre para abordar essas relações, mesmo que de forma abstrata. Ele expõe em São Paulo.

Marcos Carrieri

(29/3/2011) São Paulo - Está em cartaz na Galeria Marilia Razuk, em São Paulo, a mais recente exposição do artista Hilal Sami Hilal. Brasileiro descendente de sírios, Hilal compõe suas obras com material que ele mesmo produz. Além de utilizar composições exclusivas, o artista tem como característica sempre retratar as relações afetivas nos seus trabalhos. Mesmo que esse sentimento seja mostrado de forma abstrata.

"Se você me dá um lençol, uma roupa velha rasgada que não terá mais nenhum uso, corto esse tecido de algodão em tiras finas, faço uma pasta de celulose com água e, depois que secar, faço meu trabalho sobre este papel. Essa obra terá o seu nome porque a sua atitude ficou na minha lembrança", exemplifica o artista.

Em sua exposição mais recente, "Território do possível", Hilal trabalha com a imagem do pai. Não só do seu pai, mas também de um pai menos "concreto", um pai que não cumpre com os conceitos "básicos" de proibição e proteção que um pai representa a seu filho.

"É sobre a ausência do pai na modernidade. A ciência tenta criar um caminho, mas não dá conta. A religião também não ocupa o lugar do pai e o governo também não. O que me sobra é a psicanálise, a filosofia e a arte. São segmentos que não criam dogmas absolutos", diz.

Hilal diz que a cultura árabe influenciou na poética do seu trabalho. "A questão do exílio, da falta de uma pátria, dos exilados 'voluntários' que vieram para o Brasil influenciam. Antigamente os imigrantes tinham problemas com a discriminação", recorda. "Para nós, descendentes de árabes, os núcleos familiares são fundamentais. A minha vida é a minha família. Hoje não consigo pensar que estou distante dos meus filhos, dos meus familiares."

Hilal reconhece que suas obras podem parecer tristes. Mas procura compensar a melancolia com o uso de uma cor frequente. "Acho que o azul é estimulante e o utilizo bastante", diz. Quanto aos materiais, papel e cobre são recorrentes nos seus projetos.

Com uma agulha, ele desenha e escreve sobre uma placa de parafina. Depois, coloca a massa de papel sobre a parafina e a tinta. Cerca de três dias depois, o papel e a tinta estão secos e são retirados da placa de parafina. Os desenhos feitos naquela placa e a tinta que invadiu os sulcos dela ganham relevo no papel. O uso da técnica não é ocasional. "Sempre gostei de trabalhar com aquarela e gravura, e essa impressão fica neste procedimento", diz Hilal.

Ele aprendeu a fazer a massa de papel em 1977 e aperfeiçoou seus conhecimentos em duas viagens ao Japão. "Lá, conheci oficinas com mais de 600 anos", recorda. Um pintor que usa tinta óleo em seu quadro compõe o que se chama de "óleo sobre tela". "Eu faço papel sobre parafina."

Já o uso de cobre é mais recente. Ele começou a usar o metal no ano 2000. Da mesma forma que desenha na placa de parafina, faz suas criações em uma fina folha de cobre. Depois, esta folha é imersa em uma solução de ácido. Após poucos segundos, retira a folha de cobre do ácido e coloca para secar. Todas as obras expostas na galeria Marilia Razuk são recentes. As mais antigas datam de 2007.

39 Escultores do século XVIII, por exemplo, utilizavam uma matéria-prima "pronta", o bronze, que seria esculpida. Hilal "cria" parte do material que usa em sua obra de arte, mas não abandona suas raízes árabes no tema do seu trabalho.

Estado de Minas No limite da tensão

Iran do Espírito Santo expõe sete obras em BH explorando a concisão. Suas esculturas virtuais lembram a obra do mineiro Amilcar de Castro

Walter Sebastião

(30/3/2011) Moedas sem esfinges, copo de água esculpido em cristal, tijolos pintados sobre paredes, um dado de concreto. Assim são as obras desconcertantes criadas pelo paulista Iran do Espírito Santo, respeitado artista plástico, ao longo de 15 anos. “Trabalho no limite entre abstração e figuração”, explica ele, contando que seus trabalhos buscam a tensão entre conceitos, matérias e formas geométricas.

Hoje à noite, Iran abre exposição na Celma Albuquerque Galeria de Arte, com sete obras que poderão ser conferidas pelo público a partir de amanhã. A grande pintura “dissolve” a parede do local. Com espelhos e usando o método consagrado por Amilcar de Castro – corte e dobra –, o artista apresenta esculturas virtuais.

O interesse de Iran pelo mural vem da infância, da visão de afrescos e das pinturas de igrejas. Ele sempre quis trabalhar em escala arquitetônica, criando imagens cuja observação envolvesse o corpo e representasse mais que apenas ver um quadro. Essas intervenções, explica o artista plástico, conferem presença algo etérea ao que habitualmente apresenta limites físicos. Trata-se de obras diferentes dos murais dos períodos renascentista e barroco. “Faço comentário sobre a fase do capitalismo em que tudo é fugaz, descorporificado, ausência de sentido de permanência”. Ou seja, tudo que está ameaçado, em risco. A extrema concisão e a limpeza visual da linguagem de Iran do Espírito Santo vêm do desejo de apresentar ideias com clareza e precisão. “Não é busca de perfeição, conceito abstrato e inatingível, mas vontade de ser eficiente”, pondera. O artista até usa vários materiais, mas vê com desconfiança a diversidade de elementos, mídias e suportes aparentemente postos a serviço da arte. “São tantos que se dá o paradoxo da escolha: no supermercado com 50 marcas de café, não sabemos o que escolher. Se você não tem clareza do que deseja, pode ficar perdido”. No caso dele, a escolha de materiais se dá a partir do que é apropriado ao trabalho e, ressalta Iran, “sabendo-se que os meios têm significado”.

Liberdade

O escultor refuta a ideia de que o artista contemporâneo tem liberdade para fazer o que quiser. “Há muitos constrangimentos: os limites como pessoa, como artista, do mercado e até do próprio trabalho. Como não há condições de executar tudo o que se deseja, é preciso fazer escolhas”, observa. Na opinião dele, a construção de uma obra está mais para processo seletivo que para produto de alguém – no caso, o artista, fonte inesgotável de novidades e pesquisas. “Quanto mais velho a gente vai ficando, mais vê que fez pouco. O tempo de uma vida é pouco para se fazer um bom trabalho”, garante Iran, ao comentar seus 30 anos de atividades.

“Só se sabe se algo é bom com o tempo, não de imediato. Aí, não estaremos vivos para ter certezas”, acrescenta ele, com humor algo corrosivo. “Fiz algumas peças que me satisfizeram e continuam me satisfazendo. Outras são passagens. O que o artista cria não é homogêneo, não é tudo bom. Um problema do nosso tempo é achar que tudo é bom. Não é”.

Para o escultor, criar remete a compartilhar questionamentos. “Sempre fico na esperança de que o espectador tente ver o trabalho, não o meu currículo, a galeria ou quanto a obra custa. Faço palestras e sempre me incomoda os estudantes ficarem perguntando sobre mercado, como se chega lá. Ou seja, o fato de verem arte como mercadoria”, lamenta.

40 Iran quer que sua obra provoque questionamentos. “Talvez seja pretensão, mas gostaria que a pessoa levasse essa experiência para a vida dela”, explica. Para ele, arte é racional e emocional. “Mas não racional como um cálculo matemático e nem emocional como o ataque de fúria”, esclarece. “Um dos mistérios da arte é atuar de forma simultânea em vários níveis, seja para quem faz, seja para quem vê. Considerando o acúmulo de arte ao longo da história, o artista acaba sendo mais espectador que produtor”, conclui.

IRAN DO ESPÍRITO SANTO Esculturas, instalações e pinturas. Celma Albuquerque Galeria de Arte, Rua Antônio de Albuquerque, 885, (31) 3227-6494. Exposição estará aberta a partir de amanhã para o público. A galeria funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, e aos sábados, das 9h30 às 13h. Até 21 de maio

Bienais Artista respeitado internacionalmente, Iran do Espírito Santo participou das bienais de Veneza, de São Paulo, de Istambul e do Mercosul. Apresentou retrospectiva no Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo, em Roma. Há obras dele no Museu de Arte Moderna de Nova York e em Inhotim.

FOTOGRAFIA

Estado de Minas O delírio belga

ARTES VISUAIS

Mostra reúne fotos da visita dos reis Alberto I e Elisabeth a Belo Horizonte, além de imagens feitas pelo filho do casal em outra época

Eduardo Tristão Girão

Rei Alberto I e o governador Arthur Bernardes em BH, uma das imagens que integra a exposição

(30/3/2011) Em 1920, os reis belgas Alberto I e Elisabeth estiveram no Brasil numa visita oficial, que teve como objetivo manifestar agradecimento pelo apoio dos brasileiros durante a Primeira Guerra e fazer com que as duas nações se aproximassem mais. Belo Horizonte estava no roteiro e passou por aquilo que a imprensa, à época, chamou de "delírio belga": "maquiagem" das grandes cidades e outras ações "para o rei ver". Já o filho deles, o rei (e fotógrafo) Leopoldo, esteve no país quatro vezes nos anos 1960, vistando sobretudo as regiões Norte e Sudeste (BH e Ouro Preto incluídas).

41 Em comum entre as duas situações, além de serem belgas os protagonistas, está o fato de que grande material fotográfico foi produzido em cada uma das ocasiões, resultando em dois acervos absolutamente distintos: o primeiro com foco em paisagens urbanas e figuras públicas; e o segundo centrado em natureza e povos indígenas. Batizadas respectivamente de Visita da família real belga ao Brasil e Diários de viagem: fotografias de Leopoldo III, as duas exposições estarão abertas ao público a partir de amanhã no Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte.

No total, são 120 fotos e cerca de 350 imagens de páginas ilustradas com poemas, retratos e reproduções de obras de arte, objetos, cartas e dedicatórias, incluindo a partitura de marcha Saudades e saudades, escrita por Ernesto Nazareth especialmente para os reis Alberto I e Elisabeth. O material integra coleções brasileiras e, principalmente, os arquivos do Palácio Real e do Museu de Ciências Naturais, ambos em Bruxelas, na Bélgica. Curiosidade: várias das fotos de 1920 são de autoria da própria rainha.

"No caso das imagens da visita de Alberto e Elisabeth, a proposta foi recuperar o Brasil que viu o rei e o Brasil que o rei viu, revelando as expectativas e os encontros dessas forças. É interesante resgatar esse momento. Além disso, muitas das paisagens que estão nesse acervo já não existem mais. Já o rei Leopoldo seguiu outro caminho. Depois da abdicação, levou outra vida. Nunca veio ao Brasil para fazer o circuito oficial, pois conheceu redutos mais afastados dos grandes centros e com especial interesse pela natureza", afirma a paulistana Maria Izabel Branco Ribeiro, diretora do Museu de Arte Brasileira e curadora das duas exposições.

Maquiagem Em Visita da família real belga ao Brasil, destacam-se, além das muitas fotos da passagem dos monarcas pelo Rio de Janeiro, as que foram feitas quando o casal chegou a Belo Horizonte. O desembarque ocorreu no local onde estava em construção o edifício da Estação da Oeste de Minas, que atualmente abriga o Museu de Artes e Ofícios. A Praça da Liberdade (então com suas palmeiras bem mais baixas) recebeu novo projeto para seus jardins e as ruas ao redor tiveram iluminação melhorada. A comitiva esteve também em Lagoa Santa e na Mina de Morro Velho.

"Nessa época, houve muitas críticas e de vários setores por causa da visita. Houve quem dissesse que esses embelezamentos não eram embelezamentos, de fato, das cidades. Isso levantou uma série de questionamentos, com gente contra e a favor. Uns acharam que era muito dinheiro sendo gasto e outros acreditavam que tudo isso era preciso para que o Brasil não ficasse com a imagem de que aqui tudo era feito de qualquer jeito", analisa Maria Izabel.

Realidade Absolutamente diferentes, as imagens de Diários de viagem: fotografias de Leopoldo III, revelam principalmente cenas do Brasil amazônico: índios, rios e florestas vistos pelas lentes do rei em quase todos os estados da região Norte. Paisagens geralmente eram registradas com uma câmera Leica, enquanto pessoas eram fotografadas com uma Rolleiflex, cujo posicionamento em relação ao corpo do operador (à altura do peito ou da barriga), acreditam alguns profissionais, intimida menos quem está no foco.

IstoÉ “Não fotografei nenhuma gota de sangue"

Após registrar o lado humano do Afeganistão, o brasileiro Mauricio Lima é eleito o melhor fotógrafo de agência internacional pela revista americana "Time"

Luiza Villaméa

(28/3/2011) Diante de um campo de papoulas, o soldado afegão encosta o lançador de granada num canto de parede e entrega-se à oração. O instante de recolhimento ao pôr do sol poderia passar despercebido para muitos fotógrafos. Afinal, bem ao lado, militares americanos interrogavam um fazendeiro sobre a presença na região de integrantes do Talibã, o movimento fundamentalista islâmico do Afeganistão. “Eu poderia ter registrado o interrogatório, mas era uma cena comum”, diz o fotógrafo paulistano Mauricio Lima. “Os americanos sempre batiam nas portas, pediam aos caras para saírem e começavam a perguntar sobre talibãs, armas e explosivos.” Por seu olhar diferenciado durante a temporada de trabalho no país assolado pela guerra, Lima foi eleito o melhor fotógrafo de agência internacional pela revista americana “Time”. Além do título, a prestigiosa publicação comparou a obra do brasileiro à do lendário fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004). “As

42 imagens íntimas e poéticas que Lima faz parecem vir de outra época. Sua abordagem e composição remetem ao ‘momento decisivo’ de Cartier-Bresson”, escreveu a “Time”, referindo-se ao instante em que, segundo o francês, a cabeça, o olho e o coração estão alinhados.

INTIMISMO Garotos em projeto americano

Aos 35 anos, Lima está habituado a percorrer regiões devastadas por conflitos armados. Fotógrafo há 12 anos, ele contabiliza seis viagens de trabalho ao Iraque, uma à Faixa de Gaza, na Palestina, e outra a Jerusalém, em Israel. Sediado no escritório paulistano da Agência France-Presse, em 2010 o fotógrafo passou 65 dias no Afeganistão. País da Ásia Central estremecido por conflitos bélicos há mais de três décadas, o Afeganistão encontra-se desde 2001 ocupado por forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte lideradas pelos Estados Unidos. Foi com os americanos que Lima passou os primeiros 31 dias, engajado ao 3o Batalhão da 6a Divisão dos Marines, o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Na base militar de Marjah, no sul do Afeganistão, ele dividiu uma barraca com oito militares e encarou a mesma rotina dos marines, que incluía patrulhas diárias a pé, com duração média de seis horas. “A diferença é que os militares carregavam armas e eu, o meu equipamento fotográfico.” Embora a figura do repórter ou fotógrafo engajado às tropas tenha sido criada pelo governo americano para evitar que cenas desfavoráveis a sua ação corram o mundo, Lima não sentiu nenhuma restrição ao próprio trabalho. Da mesma forma que se mostraram abertos para exibir suas tatuagens para a câmera, os marines não se opuseram à proposta do brasileiro de fotografar trabalho infantil num projeto coordenado por um de seus colegas de barraca. No entorno da base militar, crianças de 3 a 12 anos trabalhavam de quatro a oito horas semanais, recebendo US$ 5, cavando buracos para neles queimar lixo recolhido de um bazar.

Após registrar o lado humano do Afeganistão, o brasileiro Mauricio Lima é eleito o melhor fotógrafo de agência internacional pela revista americana “Time”

Durante as patrulhas em Marjah, os principais temores de Lima eram as bombas e os tiroteios. “Nessas horas, o que resta é se proteger. E ao mesmo tempo fotografar”, resume. Até nos momentos tranquilos ele percebia resistência à presença americana na região. “Os marines falavam ‘salamaleicon’ (saudação a Alá) e recebiam de volta olhares de reprovação”, conta Lima. Depois da estadia na base militar, ele passou outros 34 dias na capital, Cabul,

43 acompanhado apenas pelo motorista afegão que trabalha para a agência francesa. Por causa dos rígidos costumes locais, não conseguiu retratar mulheres, mas esse e outros trabalhos continuam nos planos. Lima, que na juventude se dividiu entre a culinária e a fotografia, planeja voltar em breve para a região.

Folha de S. Paulo Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver

ANÁLISE

RUBENS FERNANDES JUNIOR ESPECIAL PARA A FOLHA

(28/3/2011) Na última sexta-feira, a fotografia brasileira perdeu o seu maior entusiasta: Thomaz Farkas (1924-2011). Também o cinema perdeu a inteligência e a sensibilidade de um dos nomes mais emblemáticos da imagem criativa da segunda metade do século 20. Trabalhamos juntos na Coleção Pirelli-Masp por 20 anos e em muitas outras oportunidades. Desde o início dos anos 1940, quando participa do Foto Clube Bandeirante, sua vida foi pautada pela criação e propagação da fotografia brasileira. Em 1949, realiza a primeira exposição de fotografia do Masp. No começo dos anos 1970 publica uma revista mensal que durante anos foi referência para toda uma geração de fotógrafos brasileiros. Em outubro de 1979, concretiza a Galeria Fotóptica, especializada em fotografia. Tornou-se um empreendedor cultural muito antes da era dos patrocínios e dos burocratas da cultura. Também foi professor da USP, presidente da Cinemateca Brasileira e membro do Conselho da Bienal Internacional de São Paulo. Ele sempre explicitou sua preferência pela fotografia documental e pelo fotojornalismo. Com sabedoria, defendia a fotografia como uma possibilidade de expressar as emoções humanas. Sua simplicidade de análise significava que, independentemente dos procedimentos utilizados, a imagem jamais deveria estar associada a justificativas e explicações, pois qualquer tipo de verbalização retira da fotografia o seu mistério. "A fotografia emociona ou não emociona", dizia. Sabemos hoje que Farkas foi um dos mais criativos fotógrafos da chamada Escola Paulista, mas, ao assumir a direção da Fotóptica, centrou sua energia num arrojado projeto de fortalecimento da marca durante décadas. Imerso neste mundo do trabalho, sem nunca se desvincular do cinema e da fotografia, seu trabalho fotográfico reaparece somente nos anos 1990 e se insere definitivamente na cronologia da fotografia brasileira.

AMADOR Após exibir, valorizar e publicar centenas de fotógrafos é que, timidamente, resolveu mostrar sua produção. Aparentemente um paradoxo, mas na realidade isso evidencia sua personalidade generosa e seu caráter ético. Sempre se assumiu como um fotógrafo amador. Amador na essência etimológica mais expressiva -aquele que ama o que faz. Valorizava a fotografia instintiva, intuitiva, consciente de que "enquadrar é eliminar tudo aquilo que está atrapalhando". Basta ver seus trabalhos em exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, para entender com mais clareza suas ideias. Quando há um formalismo construtivo dominando a imagem, ela é pontuada por geometria e beleza, equilíbrio e leveza, ou seja, aquilo que ele defendia como sendo uma "visão essencial". Sua fotografia transita pelas linhas diagonais, que geram assimetrias e ordenações rítmicas vertiginosas. A obra fotográfica de Thomaz Farkas tem uma surpreendente coerência interna, porque articula uma ordem formal na desordem dos signos cotidianos. Ele produz uma fotografia direta que provoca uma nova maneira de ver, capaz de desorientar os sentidos e nos conduzir a estranhos silêncios. A renovação é a tônica do seu trabalho porque, além de situar a fotografia no terreno da expressão artística, interroga-a permanentemente. Um diferenciado conjunto visual, carregado de emoção, que se transformou numa das experiências mais criativas da fotografia brasileira. Perdemos Thomaz Farkas, um amigo carinhoso que vivia sob o signo intenso da paixão, mas suas lições e suas fotografias estarão presentes para todo o sempre em nossas memórias. Viva! Viva a fotografia!

44 RUBENS FERNANDES JUNIOR é pesquisador e crítico de fotografia

MÚSICA

O Globo Novo capítulo de uma história de amor

Projeto Almaz, união de e músicos da Nação Zumbi, chega ao Circo Voador no sábado e pode gerar mais um disco

Carlos Albuquerque

LÚCIO MAIA, Seu Jorge e Pupilo: shows em espaços menores, no Brasil e no exterior, para preservar a sutileza do repertório

(24/3/2011) Era para ser um encontro casual, de uma noite só e pronto. Afinal, moravam em cidades diferentes (Rio e Pernambuco), não poderia dar certo. Mas foi bom demais e no dia seguinte eles não conseguiam deixar de pensar um no outro. Resolveram, então, se encontrar outras vezes, para bater um papo, tomar uma cerveja e ver até onde aquilo poderia ir. E descobriram que tinham muitas coisas em comum — gostavam, por exemplo, das mesmas músicas. Resolveram, então, seguir em frente com o relacionamento. Estão juntos há três anos, vivendo na ponte aérea. Sábado à noite, por exemplo, eles já têm um programa: Seu Jorge e o Almaz (Lúcio Maia e Pupilo) vão ao Circo Voador, cantar e tocar. — Desde o começo, a gente viveu mesmo um clima de namoro — garante, de coração aberto, Lúcio Maia, guitarrista extraordinário e, como o baterista Pupilo, integrante da Nação Zumbi.

45 — Sabe aquela coisa de começo de relacionamento, quando você sente que é impossível ficar longe da pessoa e quer ficar se encontrando o tempo todo? Com a gente foi assim.

Flerte desde ‘Linha de passe’

Ele se refere à primeira vez em que se encontrou com Seu Jorge, Pupilo e o multi-instrumentista Antonio Pinto para gravar uma música (“Juízo final”, de Nelson Cavaquinho) para a trilha sonora do filme “Linha de passe” (2008), de . Naquela noite, em um estúdio em São Paulo, sem saber, eles geraram o Almaz (mais tarde batizado como Seu Jorge & Almaz), uma inesperada e feliz fusão de DNAs. Tiveram também um CD, homônimo, como fruto da relação: uma série de subversivos e hipnóticos covers, de Michael Jackson, , Tim Maia, Kraftwerk e outro Jorge, o Benjor. Lançado, no exterior, ano passado, o disco só foi apresentado (e lançado) no Brasil há dois meses, quando Seu Jorge & Almaz fizeram os primeiros shows por aqui, após uma série de elogiadas apresentações na Europa e nos EUA. — Para a gente, foi bom ter feito os primeiros shows lá fora. Eles nos deram segurança, embora a gente não soubesse bem o que ia acontecer — conta Seu Jorge. — E mesmo o fato de o disco ter saído primeiro no exterior não foi uma coisa proposital ou uma jogada de marketing. Simplesmente aconteceu. E acabou sendo ótimo porque esse disco tem um jeito cosmopolita, universal. Nos shows, por conta da agenda de Antonio Pinto, que faz frequentemente trilhas para o cinema, Dengue (também da Nação) tem assumido o baixo. Ao vivo, a escalação inclui também o percussionista convidado Gustavo Da Lua.

— O Antonio tem a agenda dele, com os projetos no cinema, e não tem podido nos acompanhar ao vivo — explica Seu Jorge. — Mas o Dengue é um músico fantástico, que tem sido perfeito em reproduzir os climas e as atmosferas criados no disco pela mixagem do Mario Caldato Jr. Ao vivo, como demonstraram as recentes apresentações no Oi Futuro Ipanema, Seu Jorge & Almaz são uma coisa só: uma banda coesa, capaz de imprimir novos e sutis detalhes ao material que está no disco, acrescentando ainda novas fichas ao seu inusitado karaokê de temas nacionais e estrangeiros, como versões de “Ziggy Stardust” e “Xica da Silva”. — Lá fora, a gente não tem aceitado convites para tocar em festivais ou eventos maiores — revela Lúcio, que ao vivo brilha na reinterpretação de “Rock with you”.

— É porque o nosso som fica melhor em teatros ou lugares de menor porte. Em espaços grandes, não seria possível recriar as atmosferas do disco. Há uma sutileza que não pode ser perdida.

Mais versões gravadas

Apesar das vidas separadas — Jorge com sua carreira dividida entre a música e o cinema; os outros músicos ligados à Nação Zumbi — o Almaz deve ter mais um fruto, em breve, como explica Lúcio. — No final da turnê americana, ano passado, nós fomos para um estúdio com o Caldato e gravamos mais algumas músicas, todas versões também. Eles devem entrar numa possível sequência. Só não sabemos quando. Para Seu Jorge — que nos shows, além de cantar, tem tocado piano — a relação com o Almaz, garante, foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida. — Esse foi o melhor disco que já gravei e sinto como se as coisas estivessem conspirando a meu favor. Tenho encostado a cabeça no travesseiro e dormido feliz. Sei que não estou sozinho. ■

O Globo Maratona roqueira esquenta a Lapa hoje à noite

Emicida, Macaco Bong, Holger, Vivendo do Ócio, Medulla, Tereza e Cabrones Sarnentos são atrações do Grito Rock

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EMICIDA (acima) e o grupo Macaco Bong: a nova geração do rap de São Paulo e do rock de Mato Grosso, hoje no Circo Voador

(24/3/2011) Em uma cidade (e um país) com música demais e palcos de menos, o Circo Voador ainda encontra tempo para a música independente, que sempre fez parte do seu DNA.

O palco que mostrou aos cariocas os então jovens Pato Fu e , entre muitos outros, hoje, a partir das 20h (em ponto, jura a produção), receberá músicos celebrados da nova geração, no primeiro dia do festival Grito Rock. Iniciativa da Ponte Plural (braço carioca da rede independente Fora do Eixo). Estão escalados o badalado rapper Emicida (SP) e as bandas Macaco Bong (MT), Vivendo do Ócio (BA) e Holger (SP), além das cariocas Tereza, Medulla e Cabrones Sarnentos.

Um dos artistas mais queridos do povo antenado da atualidade, Emicida — que tem aparecido bastante no Rio ultimamente e está escalado no palco Sunset, do , no dia 30 de setembro, com e Cidade Negra — vem lançar sua segunda mixtape, “Emicídio”, depois de vender 10 mil cópias da primeira, “Triunfo”. Além de seus próprios versos, Emicida participará do show do Macaco Bong. Serão, então, dois momentos raros: uma apresentação no Rio do grupo de Cuiabá e um trecho de seu show com vocais, já que o Macaco Bong milita no rock instrumental.

Atração do festival Planeta Terra em 2010, o grupo paulistano Holger faz rock independente em inglês, inspirado por bandas como o Pavement, os Flaming Lips e o Wilco. Esse som internacional os leva com frequência a festivais no exterior, como acaba de acontecer no South by Southwest, no Texas (EUA), de onde acabam de desembarcar.

O rock baiano, que já deu ao Brasil nomes como , Pitty e Camisa de Vênus, comparece ao Circo hoje com o Vivendo do Ócio, banda premiada como a aposta do ano pela MTV em 2010. A banda promove seu primeiro disco, “Nem sempre tão normal”.

Os gêmeos Keops e Raony formam desde a metade da década a dupla Medulla, que surgiu fazendo barulho com o disco “O fim da trégua”, deu um tempo e está de volta, com o clipe “Eterno retorno” em boa rotação na internet e na TV.

De Niterói comparece a jovem banda Tereza, que vem ralando em festivais independentes como o Calango, em Cuiabá, e o Transborda, em Belo Horizonte. Abrem a noite os cariocas Cabrones Sarnentos, dedicados ao velho e saudável , com aberturas de shows dos Ratos de Porão e Garotos Podres na bagagem.

Na sexta, o Grito Rock acontece em Niterói, no Centro Cultural Abrigo de Bondes, com as bandas Holger, Tipo Uísque, Colombia Coffee, The Fraktal, Kapitu e Bow Bow Cogumelo.

O Estado de S. Paulo Municipal de SP terá cinco óperas

João Luiz Sampaio (25/3/2011) O Teatro Municipal, fechado para reformas desde 2009, estará pronto para produzir a partir de agosto e deverá exibir cinco montagens de ópera até o fim do ano. Quem garante é o maestro Abel Rocha, há um mês no posto de diretor artístico do teatro. Ele, no entanto, não quis

47 precisar a data de reabertura do teatro. Rocha conversou na noite de quarta com o Estado; e, no domingo, na Sala São Paulo, faz sua estreia à frente da Sinfônica Municipal interpretando obras como as Quatro Últimas Canções, de Strauss (com a soprano Eiko Senda), e a Missa de Glória, de Puccini.

Como foi a escolha de repertório deste primeiro concerto. Qual a mensagem por trás dele?

Uma das nossas primeiras decisões foi reconhecer que a Sala Olido não podia mais ser a sede da orquestra, não havia condições dignas de se apresentar ali. E, na hora de pensar o repertório, há algumas questões. Primeiro, uma maior participação do Coral Lírico. Em segundo lugar, ainda que a Sala São Paulo seja um palco sinfônico, é hora de assumirmos que a Municipal é uma orquestra de ópera e precisa manter relação com esse repertório. Não é hora de tocarmos Beethoven. Por que não trazer o lado sinfônico de autores como Wagner, Puccini, Strauss?

Um mês depois de sua posse, qual o estado do Municipal?

O Municipal vive momento delicado. Ficou fechado e perdeu a rotina de trabalho que havia conquistado. E não apenas a rotina de trabalho artístico, perdeu também a rotina administrativa, a rotina de produção técnica. É hora de recriar essa rotina. E sabemos que a estrutura pública não é ágil, há uma lerdeza gigantesca que atrapalha. É claro que se este não fosse um teatro público, não estaria fazendo 100 anos, Mas ele precisa mudar de identidade e um passo importante é a transformação em fundação, Mas para isso é necessário apoio político.

Os corpos estáveis ficaram parados, a reforma ainda está em andamento, a burocracia impede planejamento a longo prazo. O que é possível, em termos concretos, fazer neste momento dentro do Teatro Municipal?

Não se trata mais do que é possível mas, sim, do que vai ser feito. O Municipal, a partir de agosto, vai produzir cinco óperas, uma por mês. Em breve vamos divulgar a temporada completa. Não quero te dar datas, pois, uma vez entregue o prédio, não podemos achar que dá para montar uma ópera na semana seguinte, a equipe toda precisa ser treinada. Mas estaremos prontos para produzir a partir de agosto. E vamos honrar compromissos institucionais com outros teatros. Veja, quando assumi, foi numa situação difícil, com tudo acontecendo de uma vez só. Teria sido ótimo dizer: parem tudo durante dois meses e vamos começar de novo. Mas quis honrar os compromissos assumidos com instituições, artistas, ainda que fosse preciso mudar uma ou outra coisa.

O senhor disse que não haveria cancelamentos na programação, mas algumas apresentações não aconteceram. Por quê?

Eu mantive todas as parcerias institucionais. Honramos os concertos programados no Sesc, por exemplo. O concerto dedicado ao compositor Edmundo Villani-Cortes foi cancelado, mas no domingo já tocamos o seu concerto para piano no Auditório Ibirapuera e vamos fazer ainda este ano o Te Deum, tudo isso em condições muito melhores do que as oferecidas pela Sala Olido. E quando uma direção sai, ainda mais abandonando coisas pela metade, você precisa mexer, repensar algumas coisas. Insisto: o que estava formalmente contratado foi cumprido; no mais, é natural que uma nova direção artística faça novas escolhas.

O senhor fala em cinco óperas. Quais são os títulos escolhidos?

O anúncio dos títulos será feito oportunamente. Mas posso dizer que teremos uma ópera italiana, uma brasileira, uma francesa, uma alemã e uma opereta. A cidade merece essa opção diversificada, diferenciada, e o Municipal tem de oferecê-la.

Praticamente parados durante dois anos, grupos como a Sinfônica Municipal perderam em qualidade e autoestima. Como resolver essa questão?

Isso só vai mudar quando os músicos forem exigidos e se sentirem honrados por um novo repertório, que os desafie e os permita mostrar seus trabalhos. Sair da Sala Olido, palco inadequado para um grupo como esse, foi importante. É um bom palco para concertos didáticos, por exemplo, mas a orquestra precisava de um palco adequado para que pudesse se apresentar perante o público com repertório que a prepare para a sua vocação verdadeira, as grandes óperas. É isso que devolve a autoestima, a musicalidade e a técnica a um grupo.

48 ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL - Sala São Paulo. Praça Julio Prestes, 16, 3223-3966. Domingo, às 17 h. Grátis.

Bastidores: Reabertura oficial pode ocorrer jáno dia 11 de junho

A declaração de Abel Rocha de que parcerias institucionais serão mantidas na programação de óperas para 2011 dá a pista dos títulos que devem ser apresentados. O Estado apurou que A Valquíria, de Wagner, e Rigoletto, de Verdi, serão as óperas alemã e italiana. No que diz respeito à francesa, Pélleas et Mélisande, de Debussy, dirigida por Rocha há dois anos em Belo Horizonte, deve ser a escolhida; da mesma forma, A Menina das Nuvens, de Villa-Lobos, pode vir a São Paulo. A programação de óperas será aberta em agosto. Os corpos estáveis, porém, já foram comunicados de que reabertura oficial do Municipal poderá ocorrer já no dia 11 de junho.

O Estado de S. Paulo Pedrada verbal

Criolo e sua geração ampliam os territórios do rap nacional

Lucas Nobile

(26/3/2011) Ainda há catedráticos e acadêmicos insistentes em defender que versos musicados são um tipo de literatura menor. E a conversa piora quando o assunto se trata das criações (sub)urbanas feitas nas periferias. Aos desavisados seria bom lembrar que a poesia já surgiu cantada, lá atrás, com os menestréis. Aos conservadores, basta avisar que já está mais do que na hora de o rap ser encarado como música e que, no começo de maio, será lançado mais um disco assertivo da crescente qualidade do gênero: Nó na Orelha, de um maluco, no melhor sentido da palavra, conhecido como Criolo Doido.

O primeiro disco da carreira de Kleber Gomes, de 35 anos - sendo 23 deles dedicados ao rap -, foi concebido de forma totalmente independente pela Matilha Cultural e chegará ao mercado em vinil e em CD, este contendo uma faixa bônus, remix feito por um dos produtores do disco, Daniel Ganjaman, para o tema Samba Sambei.

Criador das Rinhas de MC’s em 2006, saudáveis batalhas onde os versadores se enfrentam rimando de improviso, ao lado do DJ Dan Dan, Criolo teve sua grande referência no exterior nos nova- iorquinos do Wu Tang Clan. No Brasil, destaca nomes, como RZO, Consciência Humana, Sistema Negro e tantos outros, que, nos anos 1990, já tratavam de problemas sociais que ainda persistem. Continuar abordando tais temas nas letras de rap, com poucas mudanças no quadro social, não traria desapontamentos ao compositor? "Uma coisa é desesperança, outra é enxergar a realidade. Falar disso de um modo contundente não significa que você está desesperançoso", diz.

Assim como os sambistas do Cacique de Ramos, no Rio, como , Arlindo Cruz e Almir Guineto, que sabem improvisar como partideiros e ao mesmo tempo esbanjar lirismo em canções melodiosas, Criolo é um dos pontas de lança de uma geração que sabe fazer um rap direto, "pedrada", como ele define, mas ultrapassa a pequenez das fronteiras de gêneros.

Prova disso é seu disco, com afrobeat, soul, samba, reggae e até bolero, mas ele discorda da afirmação de que hoje se faça um rap musicalmente mais rico do que aquele feito por seus antecessores. "A diferença é que você batia na porta de um trompetista, de um guitarrista, e eles riam na sua cara. Foi o mundo que se fechou para o rap. Antigamente os MC’s faziam a coisa acontecer. Não tinha riqueza naquilo?", questiona Criolo.

Nascido em Santo Amaro, criado no Grajaú, na zona sul de São Paulo, filho do metalúrgico Cleon e da professora Vilani, quando mais jovem Criolo escutava também nomes como Moreira da Silva, Nelson Gonçalves, Martinho da Vila e . Nada que configurasse um ritual de parar o que fazia para sentar diante de uma vitrola.

49 "Eu não tenho tempo pra isso, ‘man’. Dependendo do CEP, você abre o portão de casa e, do outro lado da rua, já tem um carro tocando um som, a vizinha que abre a janela e começa a cantar, é assim..."

Independente de correr atrás ou de a música chegar até ele, a verdade é que Criolo cita referências das mais variadas. Em Nó na Orelha, fala de Hélio Oiticica, Frida Kahlo, Di Cavalcanti, Fela Kuti, Mulatu Astatke, a Pasárgada de Manuel Bandeira, o Índio de , , Sabotage, Rappin Hood e Facção Central.

Levantando um álbum. Gravado e mixado por Daniel Ganjaman, em 2010, Nó na Orelha teve produção e arranjos de quem entende do riscado. O próprio Ganjaman - que trabalhara com Sabotage, Racionais, Helião e Negra Li, além de Planet Hemp e Otto - e Marcelo Cabral (dos grupos The Marginals e Gafieira Nacional), que já esteve envolvido em projetos com Lurdez da Luz, Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Instituto e Guizado. "Eu aprendi demais. Na época de gravar, apresentei 50 músicas. Eles me ajudaram a selecionar as que tinham a ver com o projeto e me ensinaram como levantar um álbum."

O resultado é um disco com temas autorais (sendo um deles, Mariô, em parceria com Kiko Dinucci), extremamente diferentes entre si, mas que constroem uma atmosfera coerente.

No balaio sortido, sempre com letras originais de Criolo, tem rap autêntico em Grajauex, Subirusdoistiozin, que já vinham fazendo barulho na internet, e Sucrilhos, que ganhou novo arranjo, com destaque para a percussão de Mauricio Bade.

Mas ambém há espaço para o pegado afrobeat Bogotá, com belo arranjo de metais para o sax de Thiago França (tenor) e de Anderson Quevedo (barítono), além do backing vocal de Verônica Ferriani e Juçara Marçal, também presente no crítico samba Linha de Frente, com o cavaquinho impecável de Rodrigo Campos. E Nó na Orelha ainda tem o soul dolente de Não Existe Amor em SP, o bolero Freguês da Meia-Noite, o reggae Samba Sambei e a densa Lion Man.

Com show marcado para o dia 2 de junho, no Sesc Vila Mariana, e despertando a atenção do exterior, como do projeto Noisey, da revista Vice, que destacou o compositor entre autores de mais de 40 países, Criolo desconversa sobre trabalhos futuros, como um disco de samba e outro com músicas infantis. Isso à parte, sabe-se que Nó na Orelha, já consistente no estúdio, tem tudo para ser ainda mais quente no palco, louvando sempre um ponto primordial para a criação, exaltado por Criolo: fazer música verdadeira e que tenha como único objetivo sensibilizar quem a escuta.

O Estado de S. Paulo Gal leva emoção a Nova York

Cantora foi ovacionada ao final do show no Carnegie Hall, na quinta

Francisco Quinteiro Pires

(26/3/2011) "Meu segredo e minha revelação. Minha bússola e minha desorientação." Quando cantou os versos de Minha Voz, Minha Vida (Caetano Veloso), a primeira música do show no Carnegie Hall, resumiu sua trajetória artística. Filha de uma geração que sonhava, ela chegou sem ilusões à maturidade. Soube lidar com a própria voz, cuja sensualidade e clareza têm resistido à passagem do tempo. Em se tratando de Gal, como diz outro verso, extraído de Força Estranha (Caetano), "a vida é amiga da arte".

50 Nas 20 composições interpretadas anteontem, Gal, de 65 anos, transitou por diferentes gêneros. Cantando obras que cobrem a carreira de mais de quatro décadas, ela se mostrou primorosa no balanço entre técnica e emoção. Acompanhada pelo violonista Luiz Meira, Gal optou pelo intimismo, "perfeito para a acústica do Carnegie Hall", como disse ao Estado antes do show. "Esse espetáculo não tem nada que seja irreverente ou experimental. Sou só uma cantora fazendo um show mais clássico", cujo repertório se parece com Gal Costa Live at The Blue Note, disco gravado em 2006.

Gal recebeu muitos aplausos durante a sessão bossa nova da noite. Chega de Saudade, Wave, Desafinado e Garota de Ipanema fizeram sucesso entre a plateia que lotou o local. Com elas, a cantora homenageou o "seu guru, seu deus", João Gilberto.

Em 1985, Gal Costa fez no Carnegie a sua estreia norte-americana. Artistas brasileiros costumam se apresentar em outros lugares de Nova York antes de chegar à lendária casa de espetáculos. Esse é um passo importante para o lançamento da carreira nos EUA. "Mas não me preocupei com isso, porque sempre tive capacidade de ser internacional." Diz ter vontade de gravar em inglês, "língua que adora, apesar de não falar tão bem". No Carnegie, ela arranhou o idioma, despertando risos no público.

Novo disco em "construção". O show de voz e violão apresentado em Nova York tem as mesmas características do que foi assistido por Caetano Veloso em Portugal. Na ocasião, ele revelou o desejo de compor obras inéditas para a Gal. "Caetano é o compositor que faz as melhores músicas para mim", ela disse. Segundo Moreno Veloso, um dos produtores, o disco ainda não tem nome. "Ele está com as bases quase todas prontas", contou ao Estado.

Embora goste muito de computador, Gal está cumprindo a promessa de abandonar o Twitter após provocar polêmica em janeiro. Nascida na , ela foi criticada por ter chamado os baianos de preguiçosos. "Descobri que é preciso tempo para o Twitter e que não sei lidar com intolerância nem grosseria", afirmou. "Existe um charme em volta dessa história, até o Dorival Caymmi falava nisso (na preguiça dos baianos)." Ela mantém o perfil do Facebook. A sua grande preocupação, afirma, é transmitir aos fãs bons sentimentos. E assim foi no Carnegie Hall, onde o público a ovacionou.

Correio Braziliense Rainha do sertanejo

Cantora celebra 25 anos de estrada com novo disco basicamente com canções autorais, como nos velhos tempos

Ana Clara Brant

(30/3/2011) Se a música popular brasileira tem o seu Rei Roberto, a música sertaneja tem a sua rainha Roberta. A paraibana Maria Albuquerque Miranda, 54 anos, sempre quis ser artista e foi então que decidiu adotar o nome em homenagem, ao mesmo tempo, a uma música do italiano Peppino di Capri, e ao grande ídolo, Roberto Carlos. Com 25 anos de estrada, 18 milhões de discos vendidos, Roberta Miranda acaba de lançar o 21º disco da carreira, Sorrir faz a vida valer, e confessa que se sente “acanhada” com o carinhoso título de Rainha do Sertanejo. “Acho que não mereço; é uma responsabilidade muito forte, mas são eles que deram esse título. Eu só posso fazer jus, não posso ir contra o público. Tenho muito orgulho”, ressalta. A cantora e compositora concedeu uma entrevista ao Correio e falou do seu novo trabalho, além de relembrar o começo da sua trajetória artística e comentar sobre sua mais nova mania: o Twitter.

Novo disco Fiquei muitos anos pensando de que forma eu voltaria para o disco e o que o fã estava querendo. E por pesquisa e experiência, como tenho site e Twitter bem

51 acessados, eu percebia que eles sentiam falta e sempre falavam das músicas antigas, do meu lado compositora. Por isso, esse novo disco é basicamente autoral, 90% são meus, dividindo com Roberto e Erasmo e ainda outras parcerias como o Victor Chaves, da dupla Victor & Leo, e o MV Bill, na faixa Forrépeando, numa mistura inusitada de forró com rap, que, inclusive, está na trilha da novela Araguaia, da Rede Globo.

Twitter Eu sempre odiei qualquer coisa de internet. Só entrava mesmo pra abrir meus e-mails. Relutei muito, mas quando entrei, fiquei pensando de que forma entrar na net e fazer a diferença no mercado. E isso não é dito por mim, é dito por todos. Sou a única artista — eles devem ter feito já essa pesquisa —, que tuíta com seu público, que devolve respostas. Quando tenho tempo, fico 40 minutos, uma, duas horas batendo bola, interagindo com eles. A mídia eletrônica, sabendo usar, é muito positiva. A minha forma de interagir é diferenciada porque eu quis humanizar o meu twitter. E com certeza, hoje, eu posso dizer que consegui. Por ali passam pessoas bem diferentes; de todas as idades que amam muito Roberta Miranda, que foram indicadas pelos seus pais, e com certeza vão indicar seus filhos, e daí por diante. E eu sempre indicando que esse Twitter é amor, é respeito pela Roberta Miranda.

Paixão Meu último disco autoral tinha sido há cinco anos. O nome dele é também da primeira música do CD, Sorrir faz a vida valer. O disco foi bem pensado, com arranjos pra cima, embora falamos de questões do dia a dia, de amor. Eu quis fazer algo diferente. Sem descaracterizar um centímetro, ao contrário, acrescentando o que é a Roberta Miranda, que o público consagrou como a Rainha do Sertanejo. Embora eu não mereça, foi um título que eles me deram e tenho muito orgulho porque sou apaixonada pela música sertaneja. Já estamos em turnê pelo país, elaborando o DVD do mesmo trabalho, e em breve estaremos em Brasília, porque estou com muita saudade e vontade de fazer show aí.

Venda de discos Existe um conflito com relação a quem vendeu mais discos. A Maria Bethânia foi a primeira artista a vender 1 milhão de discos, mas foi com um trabalho específico, o disco Álibi. Mas eu fui a primeira mulher a vender mais de 1 milhão logo no primeiro disco. Quando saiu o primeiro disco da minha carreira, eu vendi 1 milhão e 600 mil discos. A Xuxa, com o apoio da Globo, vendeu mais de 1 milhão também. Hoje, tenho cerca de 18 milhões de discos vendidos no Brasil, mesmo com pirataria, e de 3 a 4 milhões fora do país.

Maior sucesso O meu estouro foi como compositora e com uma música que se tornou o hino desse país, Majestade, o sabiá. Já está beirando 100 regravações e foi gravada em italiano, inglês e agora vai ser gravada

52 em espanhol por mim. Ela é considerada o meu maior sucesso, primeiro como compositora e depois como intérprete. Com muita felicidade isso aconteceu, porque eu precisava aparecer de alguma forma. A forma como eu encontrei, inicialmente, foi como compositora e isso me deixa muito honrada.

Influências As minhas maiores influências e referências foram meus pais, principalmente, minha mãe, que era pianista. Tudo que eu fazia eu tinha que mostrar a ela, tudo passava por ela. Meu pai era saxofonista e a gente brincava que alguém tinha que vingar na família, até porque meus irmãos não têm nada de artistas. São educadores. E acabou dando certo porque em 2011 completo 25 anos de carreira de muito sucesso, graças a Deus.

Vida difícil Fui maquiadora, secretária, sempre rodeando o meio artístico, que era o meu sonho. E pela dificuldade de sobreviver tive que fazer outras coisas. Comprava no Brás, aqui em São Paulo, tachinhas, couro, pra fazer pulseira, corrente pra vender e sobreviver. Porque eu vim de uma família muito pobre e sempre quis dar o melhor pra minha mãe. Sempre lutei demais por ela e tenho muito orgulho disso!

O Estado de S. Paulo A vanguarda do Sertão

Roberto Nascimento

(27/3/2011) Músicos brasileiros de hoje em dia têm muito o que aprender com Zé Ramalho. Para começo de conversa, como adaptar o choro e o baião para um contexto vanguardista sem que essas linguagens soem forçadamente reformadas. Na esfera das palavras, como transformar poesia abstrata em canções prenhes de sentimento e imagem. Ou, no quesito vendas, como fazer um disco irremediavelmente experimental que mesmo assim tenha sucesso estrondoso.

Essas e outras lições podem ser tiradas do álbum de estreia do cantor e compositor paraibano, o homônimo Zé Ramalho, de 1978, que será relançado no domingo que vem pela Discoteca Estadão.

Escuro, sofrido e lisérgico, Zé Ramalho é uma obra-prima insofismável da música popular brasileira, gravada em oito canais com o Mutante Sérgio Dias nas guitarras, Alceu Valença nas parcerias, Patrick Moraz, do Yes, nos sintetizadores, e Chico Batera e Bezerra da Silva na percussão. Esse timaço é responsável pelas correntes tradicionais e modernas que vibram com a progressão do disco.

É o álbum de Chão de Giz, uma das canções mais conhecidas de Zé, cuja letra "Eu desço dessa solidão. Espalho coisas sobre um chão de giz", é onipresente em karaokês de todos os andares da sociedade.

Assim como é o álbum de Bicho de Sete Cabeças, Avôhai e A Dança das Borboletas, canção experimental, feita sob influência de LSD, em que os timbres sintéticos de Moraz se fundem com as guitarras psicodélicas de Sérgio Dias para fazer um arranjo estonteante. Sobre a poesia abstrata que predomina no disco, basta dizer que o Zé foi batizado de Bob Dylan brasileiro quando ficou famoso.

O Estado de S. Paulo Unidade latina por Adriana

Lauro Lisboa Garcia (29/3/2011) No formato, na atitude e no conteúdo, o álbum Não Moro Mais em Mim é algo inusitado. Com o subtítulo 10 Canciones (de Adriana Calcanhotto) Que Mis Hermanos Oyen, o disco reúne bandas contemporâneas da cena alternativa da Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Colômbia e Porto Rico e uma brasileira que vive em Londres - todos reinterpretando canções da compositora

53 brasileira. Alguns deles saíram dos países de origem, absorvendo influências europeias e norte- americanas.

O disco não será colocado à venda: vai estar disponível para download grátis a partir desta semana no website www.naomoromais.com. Em formato físico, sai apenas em vinil, com 500 cópias, que serão distribuídas, também gratuitamente, em eventos do projeto Si No Puedo Bailar, no Es Mi Revolución, na Locomotiva Discos, em promoções no Twitter e no Facebook e via correio, mediante pagamento da postagem.

"O vinil é de graça mesmo, a pessoa só precisará demonstrar interesse "real" para tê-lo", diz Rodrigo Maceira, que produziu o disco, traduziu algumas letras, escolheu o elenco e, com o Si no Puedo Bailar, é responsável pela circulação no Brasil de artistas latino-americanos, como o uruguaio Franny Glass (ou Gonzalo Deniz), que se apresentou em 2010 no Sesc Pompeia, que está nesse disco e volta para o show de lançamento, ainda sem data e local definidos.

O que eles ganham com isso? "Muita coisa, mas não dinheiro. Amigos, movimento e realização", diz Maceira. "O projeto surgiu como mais um passo para a construção de uma rede entre novos artistas latino-americanos. Com ideias boas, acredito, poderemos levar adiante produções (shows, por exemplo) que ajudarão a equilibrar as contas. Hoje, o objetivo é mesmo realizar."

Filho de pai espanhol, amigo de vários artistas da atual cena latino-americana, fã de Adriana Calcanhotto, Maceira juntou as pontas com o aval da compositora e seu empresário Leonardo Netto. "Vejo alguns pontos em comum entre os dois lados: o jeito cult da Adriana, letras de um "romantismo inteligente", melancolia e, no geral, uma visão charmosa da cultura pop." Além da afinidade com a música de Adriana, esses artistas foram selecionados pelo bom material que produziram anteriormente.

"Vi um show da Adriana no Auditório Ibirapuera e saí de lá com a ideia do disco. Sou muito, muito fã e tinha a impressão de que as músicas dela agradariam aos artistas latino-americanos", diz o produtor. "Estava procurando um projeto bom, interessante, para dar o próximo passo com o Si No Puedo Bailar. Escrevi ao Leonardo e comentei sobre a possibilidade de fazer o disco. Logo em seguida, ele respondeu e disse que faria a ponte com a Adriana. Dias depois, veio um sim - e a gente agradeceu."

A autorização da compositora foi um grande estímulo, por isso Maceira diz que fez questão de corresponder à altura, não só na parte sonora, mas na embalagem. "Um projeto especial merecia um formato especial também." A opção pelo álbum de vinil com capa dupla criada por Gustavo Gialuca, "ajuda a deixar tudo muito mais bonito". "As pessoas veem o trabalho do Gus e ficam encantadas com a arte."

Adriana foi a autora escolhida para esse projeto porque "consegue ser pop e cult, consegue estar numa novela e colaborar com Domenico e Kassin (que tem trânsito notório entre independentes), consegue ser piegas e inteligente; falar de muita coisa, falando fácil", diz o produtor. "Adriana adiantou muito da música de agora, acho. Não exatamente como música, mas como projeto, como entendimento. Adriana abriu espaço para Tulipa, Cérebro Eletrônico, Lulina, Flávia Muniz e outros nomes que têm sido muito comentados recentemente."

Aproximação. Reunindo formações instrumentais, origens e estilos distintos, o álbum tem unidade, com um certo traço de melancolia em comum no formato folk com texturas eletrônicas. As canções, na maioria, soam diferentes das gravações originais. Algumas até melhores, caso de Cariocas, aqui interpretada pela dupla chilena Los Mil Jinetes.

Entre as faixas mais interessantes estão Cantata (Después de Estar con Vos), pelo argentino Cineplexx (Sebastián Litmanovich), Unos Versos, com o também argentino Coiffeur, Escuadras, com o uruguaio Franny Glass, e Segundos, com a colombiana radicada no Canadá Lido Pimienta. A banda colombiana Jóvenes y Sexys, que também foi trazida a São Paulo por Maceira, ficou com Mitad e Entre Ríos, com Vambora, esta mais próxima do original.

A brasileira Nina Miranda, que formou o Zeep com Chris Franck em Londres, abre o disco cantando Inverno em português. No lado B, meio em portunhol, a porto-riquenha Mima (Yarimir Caban) interpreta Mentiras, com acompanhamento de harpa. Sudoeste, com a dupla porto-riquenha Balún, que vive no Brooklyn, em Nova York, tem o diferencial do charango, mas o belo arranjo remete à melancolia etérea de Angelo Badalamenti, o autor das trilhas sonoras dos filmes de David Lynch.

54 Além do bom resultado em si, o outro mérito do disco é aproximar o Brasil da música contemporânea latino-americana, que se espalha por outros continentes, mas chega tão pouco por aqui.

Estado Minas Arte de mão dupla

Wagner Tiso apresenta composições inéditas com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, abrindo projeto que pretende aproximar o público da linguagem da música de concerto

Janaina Cunha Melo

(29/3/2011) A sonoridade sinfônica faz parte da essência musical de Wagner Tiso. Pianista e compositor que transita entre o erudito e o popular, fazendo ecoar referências de mestres como Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnatalli e Tom Jobim, ele é autor de inúmeras obras que não fazem distinção entre um gênero e outro. Parte desse repertório, consolidado em 40 anos de trajetória, pode ser apreciada hoje, com a abertura da série Sinfônica pop, no Grande Teatro do Palácio das Artes, com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e regência de Roberto Tibiriçá. O concerto, sofisticado e atraente, propõe aproximação de público pouco habituado à atmosfera da música erudita. Para o artista mineiro, que já participou de várias outras iniciativas com a sinfônica mineira, o convite para inaugurar o projeto reafirma desejo de apostar em estilo atento à qualidade, sem fronteiras.

Idealizada pelo maestro Roberto Tibiriçá, a série foi realizada pela primeira vez com a Orquestra Petrobras Sinfônica, no Rio de Janeiro, há cerca de 5 anos. Wagner Tiso foi um dos primeiros a apoiar a iniciativa. “Tenho muito interesse que este tipo de trabalho continue ocorrendo porque é um momento de apresentar música popular com o máximo de qualidade”, afirma Tiso, lembrando que a experiência na capital carioca possibilitou diversos concertos também em outras cidades. “Viajamos muito levando essa proposta a diferentes lugares, despertando o público para uma sonoridade que muitos não conhecem ainda”.

O resultado, avalia o músico, naturalmente implica formação de público mais consciente das infinitas possibilidades de execução e apreciação musical, em via de mão dupla. “As pessoas descobrem a música de concerto por meio de repertório interpretado por artistas que já conhecem. Ao mesmo tempo, o público da música erudita também pode descobrir artistas populares por meio de outra sonoridade. Ou seja, ficamos na fronteira, buscando aproximação”, comenta. Lembrando mestres do século passado, Wagner Tiso observa como fazem parte da cultura brasileira estas conexões entre campos aparentemente distintos, como no caso do maestro carioca Heitor Villa-Lobos. Sua prestigiada obra, que despertou a atenção de berços da música clássica para a composição brasileira, é impregnada de referências ao folclore nacional.

Para Roberto Tibiriçá, este encontro permite reativar parceria iniciada há anos. “Estamos emocionados por esta oportunidade de recuperar projeto tão pertinente e necessário. Wagner é um dos melhores músicos que temos no Brasil atualmente. Ele é um compositor talentoso, que conhece como poucos as possibilidades de uma orquestra para este tipo de interpretação”, elogia o maestro, que também recorda êxito da iniciativa no Rio de Janeiro. “Foi um grande sucesso, que pretendemos repetir a partir deste início em grande estilo”.

Tibiriçá adianta que em todos os programas o foco será a música brasileira e que a intenção é abordar ritmos variados, como maracatu, baião, choro, samba e muitos outros, de forma direta ou não, dependendo das possibilidades do repertório e do artista convidado. Com o objetivo de conquistar público jovem e de possibilitar encontros inesperados, ele conta que é grande a expectativa também para os concertos com participação de Zizi Possi e . “Tem uma geração muito próxima da MPB que se cansou da música enlatada que vem de outros países e que se diverte com a produção nacional. Estamos certos de que os que não conhecem a música sinfônica vão se surpreender positivamente com a sonoridade”, diz.

55 Segundo o maestro Roberto Tibiriçá, o Sinfônica pop foi bem recebido pela direção artística do Palácio das Artes e existe inclusive o desejo de que em 2012 a programação seja ampliada. “Unimos o útil ao agradável, por isso o projeto tem essa acolhida”, reforça o regente.

Em casa

Músico de Três Pontas, no Sul de Minas Gerais, Wagner Tiso mora no Rio de Janeiro, mas preserva laços estreitos com Minas Gerais. Ele é convidado com frequência para atuar com artistas locais, em projetos como gravação de CD com Tavinho Moura e Orquestra Sinfônica, e comemora a oportunidade de apresentar repertório inédito na cidade. “Sou muito querido pelo público e pelos artistas de Minas, por isso é sempre um orgulho receber este tipo de convite. Há muito tempo queria mostrar Cenas brasileiras para Belo Horizonte”, comenta.

O Globo MPB para exportação, na versão 2.0

Internet ajuda artistas independentes, como Momo e Dois em Um, a levar sua música, em português, para o exterior

DOIS EM UM: casal baiano foi descoberto por um selo americano

Leonardo Lichote

(29/3/2011) A ida dos Oito Batutas para Paris em 1922, o concerto da bossa nova no Carneggie Hall, as noites brasileiras do Festival de Montreux, o Japão como mercado importante para os discos e shows de MPB... A vocação da música brasileira de sair de nossas fronteiras é antiga. Mais recentemente, porém, esse movimento parece ter ganhado uma nova face, muito menos grandiosa, mas que carrega uma riqueza própria em sua diversidade. Artistas independentes fazem pequenas excursões (Marcelo Frota e seu projeto Momo nos Estados Unidos, mesmo caminho seguido pela banda Cassim & Barbária), participações em festivais (Céu e Emicida no Coachella; Tiê e Holger no South By Southwest), e lançam CDs por selos estrangeiros (Dois em Um, Flávia Muniz, Tulipa Ruiz). A redução de distâncias trazida pela internet, com o desenvolvimento de ferramentas de redes sociais cada vez mais sofisticadas, está no centro desse processo quase generalizado no universo independente.

— Entrar em contato com músicos, produtores, radialistas de lá e mandar sua música era algo impensável — avalia Marcelo Frota, que em 2009 fez uma série de shows do Momo nos Estados Unidos a partir do convite para tocar no Chicago World Music Festival. — Imagina quando você ia conseguir falar com um cara como David Byrne, que recentemente pôs duas faixas do Momo numa playlist de sons indicados por ele.

Myspace apresenta as bandas

Uma facilidade que funciona em duas mãos. A proliferação de gravadoras pequenas na última década — somadas às redes sociais e aos blogs em que circulam músicas, vídeos e informações sobre os artistas (produzidas pelos próprios e por fãs, críticos e jornalistas) — permite que os selos alcancem os músicos brasileiros. Foi o que aconteceu com a banda baiana Dois em Um, que teve seu disco de estreia lançado em 2009 por um selo americano, o Souvenir Records.

— Antes, as coisas funcionavam muito pela multinacional daqui, que se articulava com sua matriz para viabilizar a entrada de um artista em outro país — acredita o guitarrista Luisão Pereira, do Dois

56 em Um. — No nosso caso, eles olharam nosso Myspace, gostaram, mandaram uma mensagem manifestando o interesse e apresentando a gravadora. Luisão identifica outro fator que ajuda a explicar o movimento:

— Agora a rapaziada está muito mais ligada em para onde está indo. Até alguns anos, não se tinha dimensão exata do terreno em que se estava pisando. Hoje todos os festivais estão na internet, com registros em vídeo. Há ferramentas que mapeiam onde nossas músicas estão sendo ouvidas. Temos entidades como a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), que conversa com esses festivais. E como as pessoas vão mais, você sempre pode se informar sobre um lugar com um músico amigo que esteve lá.

Os músicos notam também que a circulação de informação tornou mais aberta a visão sobre a música brasileira. Do Clube-da-Esquina-new-folk de Momo ao indie experimental de Cassim & Barbária, da nova MPB de Tulipa Ruiz ao rap de Emicida, a expectativa de selos e festivais estrangeiros sobre o Brasil vai muito além da ideia de batucada e bossa nova. Olhando por outro ângulo, cantar em português também não representa uma barreira automática.

Às vezes, a abertura chega a surpreender os próprios artistas. Foi o que aconteceu com a vocalista do Luisa Mandou um Beijo, Flávia Muniz, que lançará pelo selo espanhol Elephant seu primeiro disco solo, assinado com sua banda, O Olho Mágico.

— Achei curioso um selo com perfil mais pop, mais indie, ter se interessado por um trabalho com uma cara de música brasileira, mais acústico, com elementos de samba, maculelê, com jeito de roça, de índio — afirma a compositora, que define o projeto como “pós-tropicalismo eletroacústico”.

Com o Luisa, Flávia já tinha visto sua música circular. O primeiro disco da banda foi lançado na Inglaterra pelo selo Action Pop! e teve faixas em coletâneas que saíram em Cingapura, Japão, Itália e Alemanha. Para esses artistas, a satisfação pela circulação de sua música é maior que o retorno financeiro, quase sempre nulo. Há casos como a pioneira banda Autoramas — que conseguiu criar ao longo da última década uma estrutura para viabilizar turnês regulares pela América Latina — e Cansei de Ser Sexy, que, baseada na Europa, construiu um trabalho consistente e se tornou a maior banda brasileira em termos de visibilidade no exterior. Mas Rodrigo Lariú, proprietário do selo midsummer madness, chama a atenção para a dificuldade de fazer seu trabalho efetivamente circular no exterior.

— Tocar num evento como o South by Southwest, o maior festival independente do mundo, dá mais resultado no Brasil do que lá fora. É bacana aqui ter algo assim no currículo — diz. — O Cansei de Ser Sexy funcionou porque foi para lá apoiado por sua gravadora, mandou um produtor que fez um milhão de contatos antes de a banda ir, preparando o terreno. Um apoio lá, de alguém que possa garantir uma estrutura mínima, é fundamental para que se consiga firmar um trabalho fora do Brasil. Não é só tocar uma vez lá e esperar que vão adorar você e chamá-lo sempre. Mas está realmente mais fácil, pela moeda forte, pela internet e até porque antes uma banda nova que queria emplacar tinha a necessidade de lançar um CD e investia todo o seu dinheiro nisso. Hoje ela pode gravar, pôr as músicas na rede e usar o dinheiro para viajar. Luisão resume o espírito: — A turma do barquinho a vela está chegando, conseguindo navegar.

Correio Braziliense Mestre do violão

O amazonense Sebastião Tapajós realiza show no Clube do Choro, acompanhado por jovens violonistas brasilienses

Irlam Rocha Lima

(30/3/2011) Bem antes da guitarrada, o som que na última década projetou nacionalmente vários músicos do Pará, um violonista daquele estado já era cultuado no Brasil e no exterior. Com mais de 50 discos lançados, Sebastião Tapajós é considerado um mestre pelos jovens instrumentistas.

57 Recentemente, de passagem por aquele estado, o violonista argentino Sergio Abalos soube que Tapajós havia voltado a morar em Santarém (cidade a 800 quilômetros de Belém) e foi procurá-lo. O encontro dos dois foi profícuo e resultou no disco Conversa de violões, em fase de mixagem. “O CD, com 12 faixas, trará As quatro estações, de Astor Piazzolla, e também composições minhas e do Sérgio”, anuncia Tapajós com entusiasmo juvenil.

Ele espera lançar Conversa de violões até junho. Um outro álbum que já está pronto é o Suíte das amazonas, que o violonista gravou com o contrabaixista Ney Conceição e o Trio Manari, grupo paraense de percussão. “Nesse projeto, estão reunidos temas instrumentais compostos por mim, pelo Ney e pelos músicos do Manari, que são percussionistas brilhantes”, elogia o mestre.

De hoje a sexta-feira, às 21h, Sebastião Tapajós apresenta-se no Clube do Choro, tendo em sua companhia os violonistas brasilienses Henrique Neto e Rafael dos Anjos, integrantes do grupo Choro Livre. “Tocar no Clube do Choro é sempre prazeroso. Já participei de vários projetos e desta vez estarão comigo no palco dois violonistas talentosos da nova geração de Brasília, que tem se revelado um autêntico celeiro musical”, destaca.

Para compor o roteiro do show, Tapajós escolheu as conhecidas Os três violeiros, Flor para nossa senhora, Rio abaixo e Luar joá. “Vou mostrar, também, algumas inéditas, entre elas, Manhã no Ver o Peso (que fez inspirada no famoso mercado de Belém) e Primavera. Com essa música, presto homenagem a uma grande amiga, a escritora mineira Vera Brant, que mora em Brasília há muitos anos”, revela.

Tecnobrega Compreensivo, o violonista vê o tecnobrega, ritmo paraense que tem Gaby Amarantos, a “Beyoncé do Pará”, na condição de estrela mais reluzente, como um fenômeno regional. “Não é um tipo de música que me atrai, mas tenho respeito por quem faz. Até porque tornou-se popularíssimo e vem chamando a atenção da mídia nacional para Belém, onde surgiu e se propaga.”

Quanto a guitarrada, ele vê como um movimento, “que embora tenha chamado atenção, sendo, inclusive, objeto de estudo por parte de pesquisadores ligados à música, tem limitações. É um som com influência do Caribe, de características simples, em que o músico improvisa em cima de dois tons”. Tapajós gostaria mesmo “é que o trabalho de artistas da minha terra, como Paulo André Barata, Nilson Chaves e Vital Lima, fosse melhor avaliado e tivesse divulgação maior”.

"Tocar no Clube do Choro é sempre prazeroso. Já participei de vários projetos e, desta vez, estarão comigo no palco dois violonistas talentosos da nova geração de Brasília, que tem se revelado um autêntico celeiro musical” . Sebastião Tapajós, violonista.

Estado de Minas Encontro de família

Clara Becker dedica disco e DVD às canções de Gonzagão e de Gonzaguinha. Letras buscam conexão com o Brasil real

Ailton Magioli

(30/3/2011) Filha de dois ícones dos palcos brasileiros – Cacilda Becker e –, Clara Becker, de 47 anos, bem que tentou o teatro. “Mas não curti”, conta ela. Na inauguração do Teatro Ziembinski, de propriedade do pai, no Rio de Janeiro, chegou a participar das montagens de O protocolo e Desencantos, ambas de Machado de Assis. “O trabalho de ator é diferente. Tem de sair de si para entrar em outra pessoa”, explica, ao justificar a opção pela música.

Clara chega ao segundo trabalho solo com o disco-show Dois maior de grande, que acaba de ganhar edição em DVD gravada ao vivo no Teatro Coliseu, em Santos. A intérprete de voz grave e doce promove o encontro dos repertórios de com o do filho, Gonzaguinha. “Achei bonita a reunião dos dois, apesar de serem autores de obras distintas”, diz Clara, comemorando a oportunidade de falar de um Brasil “de chão, pó, poeira”.

58 Com roteiro e direção da própria intérprete, em parceria com Rejane Machado, o DVD conta com arranjos e direção musical do competente Leandro Braga. João Cristal (piano), Kiko Horta (acordeom), Jamil Joanes (contrabaixo), Felipe Poli (violão) e Pretinho da Serrinha (percussão) formam a banda. A turnê já passou por Belo Horizonte.

Letra

Clara admite que o teatro acabou ajudando-a como cantora – até os arranjos caminham para ela exaltar a letra das canções. “Eu me jogo na emoção. Mesmo”, confessa ela, que abre o DVD com Gonzaguinha (De volta ao começo, Com a perna no mundo, Questão de fé, Sanfona de prata) para chegar a Gonzagão (Estrada de Canindé e Sabiá, parcerias com e Zé Dantas, respectivamente).

“Quem me levou a Gonzagão foi o Gonzaguinha”, justifica ela, cuja interpretação é fortemente teatral. “Eles tiveram muitas divergências em vida”, recorda, referindo-se ao autor de Asa branca, que não aprovava a consagrada veia de protesto do filho. “Mas como música é música, sempre há o entrelaçamento”, acrescenta Clara, ressaltando o orgulho que Gonzaguinha sempre teve do pai.

Densidade

Um dos momentos mais fortes do DVD é Assum preto. Clara Becker conta que fez questão de levar a letra de Humberto Teixeira mais adiante, para destacar a densidade dos versos, com acentuada marca nordestina. Criada praticamente na coxia, aos poucos ela foi se voltando para a música. Passou a frequentar aulas de violão, percepção e de teoria musical no famoso Centro Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical (Cigam), no Rio de Janeiro. “A gente está sempre estudando”, revela.

A ideia de gravar o DVD no Coliseu de Santos veio do desejo de coroar o sucesso do projeto, além de cantar no palco em que a mãe, Cacilda Becker, representou várias vezes. “Ele esteve ameaçado de se transformar em estacionamento”, lamenta Clara. Mesmo com o fim da temporada do show Dois maior de grande, ela pretende prosseguir com os shows, à medida que surgirem convites.

“Mas, a princípio, já tenho novas ideias”, anuncia ela. Paixão, Sangrando, Eu apenas queria que você soubesse, Achados e perdidos, Coisa mais maior de grande, Da vida, É e A felicidade bate à sua porta, de Gonzaguinha; Xamego, Olha pro céu, Vida de viajante e Asa branca, de Gonzagão e parceiros, completam o repertório do DVD. Nos extras, ela e Daniel Gonzaga – filho de Gonzaguinha – cantam Lindo lago do amor.

Folha de S. Paulo Bloco do Eu Sozinho

Músico ligado a projetos coletivos como Mulheres q Dizem Sim, +2 e Orquestra Imperial, o carioca Domenico Lancellotti se lança em carreira solo com o álbum "Cine Privê"

MARCUS PRETO

(30/3/2011) Como legítimo artista independente desta geração, em que a música só se constrói em esquemas colaborativos, Domenico Lancellotti -ou simplesmente Domenico, como ele costuma assinar- ergueu sua história trabalhando em grupo. Em grupo de quatro, na seminal Mulheres q Dizem Sim, banda formada ainda nos anos 1990 com os músicos Pedro Sá, Mauricio Pacheco e Palito. Em grupo de três, no +2, projeto que dividiu com Kassin e Moreno Veloso. E até em grupos de 20, na big band tropicalista Orquestra Imperial, ainda na ativa. Só agora, aos 38 anos, parte para o risco, para a solidão de ver apenas seu nome assinado em uma capa de disco. Lança na próxima semana "Cine Privê" -álbum que já contém, no título, esse conceito de individualidade.

59 O trabalho lhe custou três anos e foi feito entre as últimas apresentações do +2, que se dissolve depois de uma década, os bem-sucedidos bailes da Orquestra e as turnês de Adriana Calcanhotto, de quem é baterista. A demora, diz, se deve menos ao trabalho paralelo e mais à procura de um tema que amarrasse as canções. "Fiz várias até ter as que entrariam no disco", conta. "Queria que ele tivesse uma unidade de LP: com lado A e lado B bem definidos. Ou como um roteiro de cinema mesmo, já que construo sons pensando em imagens." No texto de apresentação do álbum, o músico e artista plástico Romulo Fróes indica relações entre o som e as imagens que Domenico constrói, "a trilha sonora de um filme que não existe". Domenico também já atuou no campo das artes plásticas. Foi assistente do carioca Luiz Zerbini. Por isso, prefere manter os "defeitos de fabricação" no álbum. "De um tempo pra cá, a manipulação de computador mata a música. A tendência é neguinho consertar tudo. Não gosto", diz. "No futuro, pretendo ser lembrado como "o baterista que errava"."

AMIGOS Filho do compositor Ivor Lancellotti -autor de "Abandono", clássico gravado por Roberto Carlos- Domenico cresceu ouvindo os , canções e boleros que seu pai gostava. "Rock não entrava em casa de jeito nenhum." Até que foi à escola. "Fiz só até a oitava série, mas foi tempo suficiente pra conhecer meus amigos", diz. Entre eles estão o guitarrista Pedro Sá e Moreno Veloso. "Pedro me apresentou o rock, Jimi Hendrix. Moreno mostrou uma MPB que não tocava em casa. A primeira vez que ouvi o "Racional" [do Tim Maia] foi na casa do Moreno. Caetano tinha o LP. Minha vida inteira mudou." Vieram as bandas. Ainda que pouco lembrada hoje, a Mulheres q Dizem Sim acabaria por influenciar de forma decisiva artistas importantes na virada da década, como Los Hermanos. Com um único álbum lançado, em 1996, a banda apontava para a cena roqueira carioca o caminho da fusão de gêneros que depois se tornaria regra no mercado. "Nossa geração era assim de uma forma orgânica", diz. "Nunca ninguém pensou que estava misturando nada. Fazia espontaneamente, sem embasamento teórico." O +2 seguiu essa trilha, evidenciando ainda o compositor Moreno e o produtor Kassin, um dos mais atuantes no mercado hoje. E a Orquestra Imperial foi a principal responsável por trazer os bailes de gafieira, gênero considerado antiquado naquele 2002 de sua estreia, para a Zona Sul do Rio -e depois para São Paulo. Agora é com ele. Só.

Folha de S. Paulo Depois de 20 anos no rap, Criolo lança primeiro álbum de canções

(30/3/2011) Trabalho traz composições autorais em que samba, bolero, reggae, soul e rap se misturam Figura importante no universo do hip-hop paulistano, artista foi um dos criadores das Rinhas de MC's

Ele vive, atua e cria no plano da inconsciência. E ninguém que se proíba tirar os pés do chão da vida real será capaz de entrar em contato com a melhor parte do que ele faz, do que tem a dizer. É isso que repetem os amigos de Kleber Gomes, 35 -o Criolo. E não é preciso mais do que uma conversa de 15 minutos com ele para também concordar. Ou menos: basta ouvir sua música. Figura influente no universo hip-hop há mais de 20 anos (assinava Criolo Doido), ele lança agora "Nó na Orelha", primeiro trabalho que dedica ao gênero "canção". "A construção das músicas funciona da mesma forma: as letras têm que dar uma sarrafada na cabeça de quem ouve", diz. "Uma música pode derrubar uma nação. E levantar outra." Produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, o álbum é feito dessas sarrafadas certeiras. Em cada uma delas, Criolo se expõe absurdamente. Transborda. Quem está conectado vai junto. "Nunca vi um show do cara em que alguém não saísse chorando, completamente tomado por ele", diz Ganja. Criolo faz canções -transitando entre o samba, o soul, o reggae e o brega- há mais de dez anos. E sua ideia inicial era não colocar nenhum rap no disco. Mas os produtores não deixaram.

60 "A gente falou que ele tinha que fazer justamente essa interseção, porque a força do passado dele no rap é absurda", diz Ganja. "Era muito importante para que as pessoas entendessem quem era ele, de onde ele veio."

CAFÉ FILOSÓFICO Ele veio da periferia de São Paulo. Nasceu em Santo Amaro, mas passou toda a infância e adolescência no Grajaú, onde vive até hoje. O pai era metalúrgico. A mãe, a benzedeira do bairro. Quando foi matricular o filho no segundo grau, ela pediu: "Será que posso me matricular também?" Cursaram na mesma turma, mãe e filho, os três anos escolares. "Aí é que acontece a mágica da vida: enxergar a pessoa sem o personagem mãe", diz Criolo. "E você vê o quanto essa pessoa escolheu dar alguns punhados de anos e dedicação a você, danadinho. É deslumbrante." Conta que a mãe foi muito além dele nos estudos. Formou-se em filosofia, com pós-graduação em línguas, literatura e semiótica. Recentemente, ela implantou um café filosófico no Grajaú. Ele abandonou, para nunca mais voltar, as faculdades de artes e pedagogia. Corria atrás do dinheiro, como vendedor nas Lojas Americanas, nas lojas de calçados DIC ou na rua, vendendo cocada e roupas de porta em porta. A carreira de MC começou quando ainda era uma criança de 12 anos. Chegou a lançar um álbum de rap -que, num presságio do que viria, já tinha uma canção. E, mais importante que tudo isso, foi um dos criadores (junto com DJ Dan Dan) das Rinhas de MC's, batalha periódica em que os mestres de cerimônias rimam de improviso, o chamado "freestyle". Antes de pensar em gravar "Nó na Orelha", Criolo já havia dado por encerrada sua carreira de MC. "Tipo semancol, sabe? Ciclos se abrem e se fecham e a gente tem que se dar conta disso", diz, com voz doce e olhos molhados. Quase chora algumas vezes. Sorri quando comenta que algumas composições suas estarão em próximos discos alheios: da cantora Marcia Castro, do produtor Gui Amabis (cantada por Céu), do coletivo 3 na Massa. Os limites já não existem. "Quando você conhece só a pracinha, vai só até a pracinha. Mas quando descobre o cinema, cara, é uma loucura. Não dá mais pra voltar. Você já virou outra pessoa."

(MARCUS PRETO)

O Globo Domenico, o diretor

Em seu primeiro disco solo, músico faz a trilha de um filme construído em sua mente

Leonardo Lichote

Caminhando pelo Centro do Rio, Domenico Lancellotti viu na placa que anunciava os serviços do estabelecimento — que ele descreve como “um hotelzinho bem fuleiro” — aquelas duas palavras: “Cine privê”. Foi dali que elas saltaram para o nome de seu CD de estreia solo — antes, ele havia lançado o quase solo “Sincerely hot”, assinado por Domenico+ 2, como parte do projeto que ele tinha com Kassin e Moreno Veloso, trio que lançou três álbuns festejados pela música brasileira na última década.

— Fiquei com aquela expressão na cabeça, achei graça e pensei que seria perfeita para batizar o disco (lançado pela gravadora Coqueiro Verde) — conta o compositor e baterista. — “Cine privê”... Porque o cinema é a vida, a vida de cada um é um filme... “Cine privê” parte dessa compreensão de que o cinema é a vida para traçar a trilha sonora de um filme imaginado. Ao longo das dez faixas do CD, Domenico lança mão da gramática clássica das trilhas sonoras, da construção de paisagens e climas em favor de uma imagem — no caso, uma imagem inexistente, mas muitas vezes quase concreta, como o Rio dos anos 1970 de “Hugo Carvana”, o quintal bucólico de “Os pinguinhos” a praia com os barcos balançando sustentados por cordas rangendo em “Fortaleza”.

— Sigo um raciocínio que já estava presente no CD com o Domenico +2, de pensar a música sempre relacionada a uma imagem. Ouvi e ouço muito trilha de cinema, gosto daquela coisa da música que se repete num outro momento de um outro jeito, da instrumentação usada... E com o +2,

61 fiz meu primeiro trabalho pensado realmente para a imagem, com a trilha sonora de “Ímã”, do Grupo Corpo — afirma. — Mas a relação com a imagem vem muito do fato de eu ter vindo das artes plásticas, fui assistente de Luiz Zerbini por anos. Chamei o Romulo Fróes (compositor e artista plástico, assistente de Nuno Ramos) para assinar o texto sobre o disco, me identifico muito com ele nesse sentido.

Olhar de artista plástico

É com o olhar do artista plástico que Domenico descreve o filme do qual “Cine privê” seria a trilha (ele chegou realmente a pensar em fazê-lo, mas desistiu): — Seria um filme de arte, sem narrativa. Mais um clima, uma cor.

A conversa com Domenico sobre o disco — em meio a livros, LPs e à vista cinematográfica que ele tem da janela de sua casa, em Santa Teresa — cruza com naturalidade referências nos mais variados campos da arte. Sem afetação, o músico rima Tarkovski (a capa sem contraste, monocromática) e Maiakovski (como um dos poetas que formaram sua relação com a palavra, com a forma como faz suas letras, marcada tanto pela relação com a imagem como por uma doce filosofia) entre influências presentes no disco. Ele cita ainda o homenageado Hugo Carvana, o baixista Jamil Joanes (ele pediu que Pedro Sá copiasse o estilo do músico numa faixa), Rimbaud, o grupo alemão Can (referência central no arranjo da canção-título), o jazzman Ornette Coleman, Marcos Valle, João Cabral, o baterista Mamão (do Azimuth) e seu estilo de fazer “música de baterista”.

Ao lado da relação com a imagem e das referências cruzadas de músicapoesia- cinemaar tes- plásticas, o termo “música de baterista” é uma das chaves para entender as tramas construídas por Domenico em suas canções — atentas à conversa dos ritmos, aos timbres, às melodias da percussão. Mas não é tudo. Afinal, nele não cabem o lirismo de “Su di te” (puro romantismo de cinema italiano) ou a melodia etérea de “Fortaleza”.

— Tenho um lado melódico que vem do meu pai (o compositor Ivor Lancellotti), da origem italiana da família — avalia Domenico. — O disco tem umas coisas também como “Sua beleza”, que é música de baterista com trombonista (Marlon Sette, seu parceiro na música). Escolhi marcar isso fazendo só com bateria, percussão, trombone e baixo, sem harmonia. Gosto de ouvir coisas sem harmonia.

Marlon é um dos velhos amigos, próximos ao longo da fase +2, que Domenico traz para o disco — com lançamento marcado para o próximo dia 5, no Solar de Botafogo. Estão no CD ainda Pedro Sá, Alberto Continentino, Adriana Calcanhotto (baterista da cantora hoje, ele trabalhou com ela também com o +2), (parceiro em “Receita”), além de Kassin e Moreno.

— É um disco marcado pela amizade. Como gravei ao longo de três anos, no Monoaural (estúdio de Kassin e Berna Ceppas), isso ficou mais claro. Porque o estúdio fica na Gávea, e às vezes encontrava alguém por ali, passando de bicicleta, e lembrava de chamar para participar do disco.

Há também participações internacionais. O tecladista americano Money Mark (frequente colaborador dos Beastie Boys) está na tropical “5 sentidos” e em “Fortaleza”. A dupla On Fillmore, também americana, ajuda a construir o clima de “Os pinguinhos”, canção que Domenico assina em parceria com o português Tomás Ferreira — também artista plástico.

Trilha de andanças De alguma forma, as músicas funcionam também como trilha sonora de andanças de Domenico: — “Fortaleza” foi composta em Fortaleza. Pensei como é engraçado ter uma cidade com esse nome, de frente para o mar, que é a verdadeira fortaleza. “Zona portuária” eu fiz em Belém, com aquelas cores do mercado Ver-o-Peso (a música, sem letra, está na trilha de “Ímã”) — lembra. — “Pedra e areia” nasceu quando passei em frente a uma loja de materiais de construção e vi escrito: “Pedra e areia”.

Comecei a pensar nessas duas palavras e fiz a letra.

Os versos que aproximam poesia concreta — sem trocadilho — e Dorival Caymmi seriam, talvez, a escolha perfeita para a subida dos créditos finais do filme que Domenico traça ao longo de “Cine privê”: “Pedra/ Areia/ Pedra/ Areia/ Pedra vira areia/ Nas ondas do mar.”

62 LIVROS E LITERATURA

Correio Braziliense Mudança radical no Prêmio Jabuti

Nahima Maciel

(24/3/2011) A 53ª edição do Prêmio Jabuti não terá mais concorrentes a segundo e terceiro lugar nas categorias contempladas. Além disso, passam de 21 para 29 o número de categorias a serem premiadas. As mudanças — as maiores já feitas desde a criação do prêmio em 1959 — foram anunciadas pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) como forma de aumentar o prestígio do prêmio e atender a reivindicações do mercado.

No ano passado, uma polêmica rondou a premiação e tirou o brilho da festa de entrega. Além dos melhores nas categorias, o Jabuti escolhe também o Livro do Ano, prêmio mais cobiçado por conta de seu valor em dinheiro. Enquanto os primeiros lugares de cada categoria ganham R$ 3 mil, o vencedor do Livro do Ano fica com R$ 30 mil. Mas a estrutura apresentava distorções que fizeram editores trocar farpas em público. Em 2010, o vencedor em Literatura de Ficção foi Se eu fechar os olhos agora (Record), de Edney Silvestre, e com seu Leite derramado (Companhia das Letras), ficaram em segundo lugar.

No entanto, Chico levou o prêmio Livro do Ano. Sérgio Machado, presidente da Record, e Luiz Schwarcz, diretor da Companhia, se desentenderam e sugeriram mudanças no regulamento do Jabuti. O excesso de categorias — 21 na época — e a possibilidade de conceder ao segundo lugar o prêmio mais importante eram as maiores críticas. “Com as mudanças a gente deixa de premiar 60 ganhadores e passa a premiar 29, isso deixa o prêmio com mais prestígio. E acabamos com essa dúvida quanto ao segundo lugar virar o Livro do Ano”, acredita Karine Pansa, presidente da CBL. “O aumento das categorias foi feito com o objetivo de cobrir todos os segmentos. O mercado está crescendo.”

Para Sérgio Machado, da Record, o novo regulamento resolve a ambuguidade do prêmio. “Meu protesto deu o efeito desejado”, diz. “O prêmio tinha um erro de concepção que era o segundo lugar ganhar. Para mim o que interessava foi corrigido.” José Rezende Jr., autor de Eu perguntei ao velho se ele queria morrer, eleito melhor na categoria contos no ano passado, encara as polêmicas como lamentáveis. Para ele, as discussões em torno do regulamento ofuscaram o prêmio. “Eles (a CBL) mudaram em função da polêmica. Eu, pessoalmente, não me senti prejudicado pelo que aconteceu. O Jabuti é um selo de qualidade, não sei por que o valor é tão baixo, se comparado com outros prêmios, mas considero um carimbo bacana para meu trabalho.”

Já Ronaldo Costa Fernandes, que em 1998 foi finalista do Jabuti e em 2010 ganhou o prêmio de Melhor Livro de Poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL), com A máquina das mãos, gostou das mudanças, mas ainda vê problemas na regulamentação da CBL. “O Jabuti não pode pulverizar tanto. À medida que você horizontaliza e cria mais categorias, você desprestigia as outras categorias. Daqui a pouco vai ter prêmio para gráfica e livro-simpatia”, avalia.

Correio Braziliense Concreto maranhense

A trajetória poética de Vicente Sá recebe homenagem hoje, no T-Bone, com apresentações de músicos da cidade

Felipe Moraes

(24/3/2011) A capa do sétimo livro de Vicente Sá, maranhense de Pedreiras que veio para a capital em 1968, parece anunciar um compêndio de memórias, reproduções de diários velhos ou ainda um relato confessional dos primeiros anos da infância. A montagem fotográfica da página que envolve os textos mostra um retrato de família desgastado pelo tempo — Sá é o bebê, ao centro. Mas não há

63 nada de antigo nisso tudo. O engenho da loucura, “80% de coisas novas e 20% de coisas mais antigas”, tem cheiro de novo, e é escrito por um sujeito que, aos 53 anos, não gosta de ser chamado de “senhor”. Ele amadureceu a sua escrita ao lado de outros poetas de DNA brasiliense — como Nicolas Behr — e músicos dos tempos de Concertos Cabeças — Liga Tripa, Renato Matos, Rênio Quintas e outros. E, em 2011, tem muito o que celebrar. Hoje, às 19h, no T-Bone (312 Norte), o autor vibra, ao lado de amigos artistas, 35 anos de carreira, em evento de entrada gratuita.

Apesar da proximidade com músicos e da experiência como letrista — que já rendeu parcerias com muita gente, de Aloisio Brandão a Lucina —, Vicente diz que não canta e que “não sabe tocar nem campainha”. Porém aprecia os versos que fluem como frases comandadas por melodias. “O livro (que será vendido a R$ 20) tem pouca influência da música. Mas acho que cada poesia tem a sua marcação, o seu ritmo. E cada uma é diferente da outra. Não têm a mesma batida.Mas tem que descobrir um novo jeito para ele caminhar, um novo ritmo”, acredita o escritor, também roteirista de documentários e porta-voz do movimento Viva Arte.

Ele avisa, já nas primeiras páginas, que seus versos não querem se desgarrar dos olhos do leitor. “Sorria / Você está sendo / Transformado em poesia”, escreve em A câmera do poeta. Vicente conta que a poesia é uma espécie de “loucura boa, que produz coisas, que produz rapadura, carinho”. E que deve ser “pra cima” — a despeito dos “momentos down de todo poeta”. “Depende muito do estado de espírito. Mas acredito que a maioria dos artistas tem uma visão positiva. A poesia também é conhecimento: das relações humanas, inclusive até do incompreensível, das sensações, dos palpites. E é um pouco menos rígida do que a religião. Quando você conhece como funciona a humanidade, mesmo por meio do saber poético, você tem a esperança de que o mundo não vai acabar”, destaca.

A herança criativa vem de uma época em que a poesia ainda germinava nas fendas do concreto federal. Anos 1970 e 1980, da geração do mimeógrafo, de cordelistas que lançavam livros a toda hora, “lançavam no sentido de lançar mesmo, para as pessoas”, ri. Para ele, uma gênese influenciada pela amizade entre melodia e verso, de Tom Jobim e , quando hospedados no Catetinho para compor uma sinfonia à cidade. Vicente não canta, mas versa como se soubesse — desde o primeiro cordel, O romance de Maricota e um tal Ronaldo.

Poesias

Amor enrolado

Nós dois Dois nós Nos dois

A janela

A janela é para se olhar e sonhar e a porta, talvez por isso, seja o risco. Só não deve acontecer é da janela estar fechada e a porta encadeada

Mas não esquenta não, fogão fica fria, geladeira

Quando não der mais pé a gente foge pela chaminé

64 O Globo Fernando Pessoa: genial, vaidoso e sem imaginação

Pernambucano traça perfil do poeta e descobre 55 novos heterônimos

Leticia Lins

CAVALCANTI: obra custou mais de uma década de pesquisa

Correspondente • RECIFE

(24/3/2011) Com apenas 3 anos, Fernando Pessoa já juntava letras que via em jornais e revistas. Aos 4, escrevia frases inteiras. Ainda bastante jovem lia um livro por dia. Aos 18, prometia dobrar essa quantidade: “um de poesia ou literatura, outro de ciências ou filosofia”. Foi um escriba compulsivo e ao longo de sua vida — entre 1888 e 1935 — encheu aproximadamente 30 mil papéis, o equivalente a 60 livros de cerca de 500 páginas. Diluiu o excesso de verbo em uma multidão de “autores” e chegou a usar 202 nomes diferentes, sendo 127 heterônimos, embora se acreditasse até agora que esses somavam “apenas” 72, sendo Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis os mais conhecidos.

A revelação dos novos heterônimos já seria uma novidade sobre um autor tão estudado. Mas há outra ainda maior e mais inesperada: o poeta não tinha imaginação. Quem garante é o pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, que lança hoje, no Centro Cultural dos Correios, o livro “Fernando Pessoa — Quase uma autobiografia” (Editora Record). O lançamento acontecerá na abertura da mostra “Fernando Pessoa — Plural como o universo”.

Transcrição do mundo ao redor

FERNANDO PESSOA: biografia é a primeira escrita no Brasil

Com quase 700 páginas, esta é a primeira biografia sobre o poeta português escrita por um brasileiro, a quarta do mundo e talvez a mais completa. Pessoa já conta com pelo menos seis mil livros sobre sua obra, mas só dispunha, até o momento, de três biografias, escritas em Portugual, Espanha e França, entre 1950 e 1996. Cavalcanti — um dos mais conceituados advogados de Pernambuco, membro da Academia Pernambucana de Letras — passou quase uma década pesquisando o poeta que passou a admirar desde bem jovem, aos16 anos.

A principal novidade do livro é a apresentação dos 55 heterônimos ainda desconhecidos de Pessoa. Mas entre algumas outras curiosidades está a afirmação de que um dos autores mais celebrados da língua portuguesa não tinha imaginação.

A prova, segundo Cavalcanti, que chegou a entrevistar pessoas que conviveram com o autor, é que tudo o que o poeta registrou em prosa e verso não passou de uma transcrição do mundo a seu redor:

— Percebi que tudo o que ele escrevia era sobre ele mesmo, os amigos, as angústias, as inquietações literárias. Saía recolhendo datas, personagens e fatos até para compor as biografias dos

65 seus heterônimos. Então comecei a pesquisar e tudo se encaixou. O que se pensa que é imaginação, não é, tudo está ali, ao lado dele. No poema “A tabacaria”, por exemplo, há cinco personagens que realmente existiram.

Cavalcanti traça um perfil fascinante do homem. Seus anseios, sua vaidade, seu misticismo (dizia se comunicar com espíritos), o sacrifício em nome da estética (usava óculos com grau aquém do que precisava para evitar o efeito “fundo de garrafa”), a solidão interior, seu cotidiano quase banal.

— Era uma vida limitada. Não cometeu nenhuma vilania, mas também nenhum ato de heroísmo. Era um anônimo, que se esforçava por ser ainda mais discreto.

A vida afetiva também não foi emocionante. Há comentários sobre casos amorosos e visitas frequentes a bordéis, mas Cavalcanti descobriu um amante meio apático, que falava mal das mulheres, e com traços que ressaltavam a homossexualidade, embora não haja indícios de que tenha se relacionado sexualmente com homens.

— Essa tendência (homossexual) atravessa os heterônimos, sobretudo Álvaro de Campos, que era assumidamente gay. Acredito que se ele vivesse nos dias de hoje talvez se assumisse — supõe Cavalcanti.

Ele lembra ainda que mesmo vivendo uma relação amorosa com Ophelia Queirós, que foi sua grande paixão, o poeta não chegou a ter relações sexuais com ela. O pernambucano não tem provas, mas registra uma versão pessoal para o retraimento sexual do poeta:

— Ele tinha um amigo, Antônio Botto, que era homossexual assumido, apesar de casado. Ele contava ter ficado assustado com o tamanho do pênis de Pessoa, que seria muito pequeno. Não tenho como provar, mas minha explicação é que por isso o poeta não tinha coragem de se expor perante as mulheres.

Cavalcanti já tem 18 livros publicados (como autor ou coautor), mas “Fernando Pessoa” é sua obra mais ambiciosa. A pesquisa rendeu material, inclusive, para novas publicações: ele já tem três livros planejados sobre o português. ■

O Estado de S. Paulo O voo livre de Angel

Angel Vianna celebra 82 anos de vida e 62 de carreira com ...Qualquer Coisa a Gente Muda Helena Katz

(25/3/2011) Nada mais Angel Vianna do que o nome do espetáculo que estreia hoje, às 21h30 no Sesc Belenzinho, celebrando 62 anos de carreira e 82 de vida, ...Qualquer Coisa, A Gente Muda. Porque Angel foi e continua sendo uma referência do que seja a disponibilidade para uma transformação permanente. Com essa característica singular, tornou-se peça central no desenvolvimento da dança no País. Seu novo espetáculo nasceu do propósito de fazer com que as novas gerações saibam disso. Tudo começou quando Adriana Banana, diretora artística do Fórum Internacional de Dança-FID, transformou Angel Vianna em um dos eixos de sua progamação em 2010, convidando-a para montar novo trabalho. Angel chamou Maria Alice Poppe, com quem já havia dançado Impromptu, criação de Alexandre Franco nascida também por convite de outro Festival, o Panorama de Arte Contemporânea, do Rio, em 2002. Conversaram muito sobre quem iriam convidar para ser o coreógrafo e Maria Alice sugeriu que fosse o carioca João Saldanha. "Angel ficou na dúvida, achou que ele não iria aceitar, liguei e ele disse sim na hora. E desta vez foi bem diferente, porque eu e o Alexandre somos "crias" dela, e o João vem de fora", contou Maria Alice, em entrevista por telefone. João Saldanha disse, na entrevista também por telefone, que recebeu o convite como um desafio para "não cair no mesmo lugar que Angel já havia habitado com Maria Alice". Faltavam apenas 40 dias para a estreia. Os três se reuniram pela primeira vez na casa de Angel, começaram a conversar e João, olhando em volta, reparou na mesa e sugeriu que usassem uma em cena. Angel respondeu que sim, e completou: "Qualquer coisa a gente muda". No mesmo instante, João reconheceu que a

66 futura obra acabava de ser batizada. "Era um bom nome porque tinha tudo a ver com o histórico de desafios constantes da Angel." Foram 35 ensaios até a estreia, "mas pareceu um ano de trabalho, de tão intenso, porque o João sempre trazia questões profundas. Após dois meses, retomamos o trabalho para a estreia no Sesc, no Rio, e pudemos aprofundar o que já estava pronto. E agora, nos ensaios para São Paulo, pudemos ver quanto nós três amadurecemos nesse processo", comenta Maria Alice. João relembra haver logo percebido que seria impossível criar um vocabulário para Angel e decidiu propor o espaço como tema a ser explorado. "Os movimentos de Angel são impregnados pela longa experiência dela e o que conseguimos foi que o centro deixou de ser o mesmo. As pessoas mais velhas, quando se disponibilizam a estar em cena, trazem algo de sua história que fica lá, na pele delas. Angel não se sente velha, mas há um tipo de densidade que só vi no Kazuo Ohno. Me falaram da Renée Gumiel, mas não a vi dançando, infelizmente." O público também tem a experiência do espaço. Os primeiros 150 que chegarem vão explorá-lo guiados por Maria Alice. São oito minutos no palco, até que ele ganhe luminosidade e sonoridade. Quando as cortinas se abrem, Angel está sozinha, sentada no fundo da plateia iluminada. Essa inversão dos lugares de atuação indica o propósito que vai se instaurar. "Há um contexto que é o dela, e que sempre vai trazer o Klauss e o Rainer (João se refere ao ex- marido, Klauss Vianna, e ao filho, Rainer Vianna, ambos falecidos). O que ela fez antes sempre esteve voltado para a violência das suas perdas, para a questão da solidão. Eu quis escapar de qualquer traço deprê, daí a escolha de uma cena simples e justa. Uma na frente da outra, criando uma competição meio fraterna. Mas, claro, aquele espaço fica cheio das projeções dela, que acaba fazendo valer os seus mortos na sua figura de bailarina." Angel, Klauss e Rainer Vianna formam o triunvirato que modificou a pedagogia da dança no Brasil a partir dos anos 70. A escola que Angel fundou em Botafogo, e depois transformou em Faculdade, tornou-se um dos renomados endereços da dança no País. "Angel é uma pessoa que virou instituição e, no Rio existe uma tietagem em torno dela que distorce um pouco o que realmente importa. Felizmente, este trabalho ficou também com um lado bem- humorado, no qual Angel faz valer seu lado bufônico, mesmo sem se desfazer do lugar professoral, que está sempre ali." Maria Alice chama a atenção para importante aspecto simbólico presente no circuito que ?Qualquer Coisa a Gente Muda vem fazendo: "Estreamos em Belo Horizonte, dançamos no Rio e agora estamos em São Paulo. Está faltando Salvador para que se complete o mapa no qual Angel e Klauss atuaram deixando suas marcas em tantas pessoas".Os figurinos são de Marcelo Braga, Adelmo Lapa assina a iluminação. Na trilha sonora, a Ricercata para acordeon e piano e o Cello Concerto, de Gyorgy Ligeti.

O Estado de S. Paulo Um retrato da corte em palavras

A coletânea O Rio de Joaquim Manuel de Macedo traz à tona a vasta, variada e quase desconhecida produção de textos de não ficção que o autor de A Moreninha (1844) publicou em jornais e revistas

Lilia Moritz Schwarcz

(26/3/2011) Joaquim Manuel de Macedo ficou famoso por causa de A Moreninha (1844), romance que virou sinônimo do gênero romântico no Brasil e já fez muitas moçoilas e rapazes barbados chorarem. Dr. Macedinho, como era popularmente conhecido, editaria a obra às próprias custas e não se arrependeria: o livro converteu-se em nosso primeiro best-seller. A despeito do sucesso, o ganha-pão do escritor seria obtido a partir da atividade como jornalista, articulista e cronista. Médico de formação, Macedo enveredaria pela literatura de maneira ampla. Num momento em que parecia natural cruzar a ponte entre jornalismo e literatura, Macedinho sagrou-se personagem descolado no Rio de Janeiro de Pedro II.

E começou cedo: com apenas 24 anos, além de se dedicar ao romance passou às páginas de jornal. Porém, se sua obra ficcional é conhecida, já a produção jornalística permanece pouco divulgada. A desproporção é gritante, uma vez que o escritor publicou durante quatro décadas em vários órgãos cariocas. Apenas no sisudo Jornal do Comércio, reduto conservador dos mais estáveis, Macedo foi presença cativa durante 25 anos, sem interrupção. Suas colunas ocupavam o espaço prestigioso do

67 rodapé da primeira página de domingo; dia em que a circulação duplicava. O fato é que Macedo sagrou-se principal colunista do Rio de Janeiro, esse centro difusor de vogas do Império.

Macedo era mesmo um agitador. Secretário do prestigioso Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por lá ajudou a criar uma tradição para nossas artes, letras e história. Nosso escritor usaria da Instituição, de suas boas relações e da sua literatura ágil para fortalecer seu grupo, empenhado na construção cultural do País. Junto com Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre e Gonçalves Magalhães comporia o grupo forte do Imperador que mostraria como as fronteiras entre ficção e não ficção podiam ser porosas.

Suas atividades não parariam por aí. Macedo dirigiu A Nação e a revista A Guanabara e como jornalista percorreu a via-crúcis de boa parte dos periódicos da Corte: Biblioteca Brasileira, Correio Mercantil, O Globo, Jornal das Famílias, A Manhã, Marmota Fluminense, A Nação, Ostensor Brasileiro, A Reforma, A Rosa Brasileira, Revista Popular, Revista do IHGB, Semana Ilustrada, Minerva Brasiliense.

É em torno dessa produção tão gigantesca como desigual que se debruça Michelle Strzoda em O Rio de Joaquim de Macedo. O texto introdutório, a despeito do amplo apanhado sobre a atividade jornalística e literária à época, acaba não trazendo biografia mais alentada de Macedo, que permitiria entender a atuação alargada do escritor. Além do mais, não ficam claros os parâmetros utilizados na seleção das crônicas. Não se discute o valor documental da obra, mas a inexistência de critérios claros, faz com que o leitor enfrente textos saborosos e outros que, diante da ação impiedosa do tempo, tornam-se cifrados.

Na verdade, o que mais se destaca após a leitura da coletânea é um escritor capaz de discorrer sobre tudo e todos: a cidade e seus personagens, a cultura local, a política e suas falcatruas, os hábitos de leitura, a paisagem tropical idealizada, o cotidiano por vezes tedioso, ou a história dos parcos monumentos locais. Misto de historiador, etnólogo e arauto de curiosidades, Macedo parece mais um recitador da cidade.

Há momentos que irão surpreender o leitor, ao notar que o autor de A Moreninha era capaz de vestir a carapuça de crítico ardido: "Vivemos em uma época de pasmosa esterilidade: quando os anos tiverem passado, os vindouros hão de reunir a história toda da geração atual em duas breves: politicou e negociou".

Intelectual da capital, não poucas vezes Macedo se dirigiu a ela sem concessão: "As nações têm, como os homens, duas vidas muito distintas: a vida pública e a vida privada; a vida do estado e a vida do lar doméstico". Atento aos novos costumes e modas fáceis, Macedo denunciava a proliferação de jornais, em detrimento de livros; ou o excesso de leis: "Tanto na corte como nos municípios do interior o povo, crismou com o nome de imposturas as posturas da câmara". Irônico, ele desfaz das medidas que pretendiam higienizar a cidade, mas sem investir em sua infraestrutura.

Flaneur das ruas do centro carioca, Macedinho brincava com o atraso dos ônibus (que traziam a "tabuleta de oito quando os sinos da igreja marcavam 9 horas da manhã"); com "as desregradas aposentadorias"; com a falta de lisura dos membros da Câmara, definida como "uma noiva sem dote", ou com os atrasos nas obras públicas caracterizados pelo provérbio: "velhos como as obras das Sé".

Desfazia também dos "sofistas que sustentam que a alforria de um escravo é um mal que a eles se faz". Aí estava um Macedo à sua maneira abolicionista, autor de Vítimas e Algozes, que, escrito em 1869, logo criou grande polêmica.

A autora da coletânea acertadamente reproduz na íntegra as Memórias da Rua do Ouvidor. Aqui está o mais importante relato sobre essa rua que virou símbolo de elegância entre os bem nascidos da corte. Era lá que se praticava o ritual do ver e ser visto e Macedo flagra, com um misto de encanto e escárnio, essa nova agenda da corte, que se veste à europeia mesmo enfrentando um calor de 40 graus. Modistas franceses, ourives, floristas, lojas de fazendas, cabeleireiros, perfumarias, ateliês de fotografia, restaurantes, nada escapa ao olhar de Macedo, ele próprio um habitué local.

Mas afora alguns bons exemplos, o grosso das crônicas parece ter perdido seu frescor original. A coletânea terá grande valor para investigadores, mas talvez seja demasiado especializada para o

68 público geral. Conforme brincava Caio Prado Júnior, quando se pretende justificar uma pesquisa, nem sempre o argumento de que ela nunca veio a público é suficiente. Por vezes, é preciso indagar sobre seus limites. Nesse caso, uma seleção mais apurada salvaria a memória desse autor, que bem merece que sua obra de não ficção ganhe novos leitores.

O Estado de S. Paulo Amor,Ofício e morte

Histórias curtas de Miguel Sanches Neto revisitam temas de seus romances

Vinicius Jatobá

(26/3/2011) Escritor de impressionante versatilidade de gêneros, o paranaense Miguel Sanches Neto é o autor mais discreto de sua geração. Provavelmente é o melhor escritor que os leitores jamais ouviram falar: é um autor sério num mundo cuja literatura é marcada por uma distopia crescente. Seus livros trazem uma energia anacrônica: personagens bem construídas, um evidente gosto pela trama, uma preocupação em fazer com que as ações da narrativa não sejam gratuitas. Causa espanto que não seja mais conhecido.

Em menos de uma década, Sanches Neto lançou três romances sólidos e bem estruturados. A saga de imigrantes Um Amor Anarquista parece talhada da melhor tradição realista; e A Primeira Mulher é uma engenhosa tentativa de lidar com os bastidores da política. O divertido Chá das Cinco Com o Vampiro, uma deliciosa sátira ao meio literário, é uma leitura ágil e curiosa. Seu livro mais emotivo é o falso romance Chove na Minha Infância, o primeiro que publicou, no qual explora todos os temas que desenvolveria mais tarde.

Sanches Neto chega agora às livraria com um novo livro, uma coletânea de contos intitulada Então Você Quer Ser Escritor? Como é comum no Brasil, trata-se da reunião de textos dispersos, muitos publicados em outros suportes, o que explica a desigualdade entre as histórias - não apenas em qualidade, o que seria esperado, mas em intenções e desejos. É visível que os contos representam uma espécie de desenvolvimento de preocupações do escritor Sanches Neto ao longo da década, uma vez que alguns se aproximam bastante em tom de Chove na Minha Infância, enquanto outros passam por questões de reconstituição histórica e alguns são mais frios, como a prosa de A Primeira Mulher.

Os temas dos romances estão aqui. O conflito entre o amor idealizado e o amor real; a luta da cultura da província diante de uma cultura da metrópole; a relação entre mestre e aprendiz, que perpassa desde o trabalho da fazenda até algo mais alusivo como o ofício literário; a herança, e o que fazer com a responsabilidade da herança; a dor do luto, e como ocupar a ausência daqueles que partiram. Há três contos brilhantes: O Tamanho do Mundo, O Último Abraço e Jogar Com os Mortos, que lidam com o universo do luto, cada um de forma distinta. Animal Nojento talvez seja um dos contos mais tensos da literatura brasileira. A história que dá título ao livro é uma curiosa exploração entre literatura e sexo, e um raro conto bem realizado que explora o erotismo numa literatura demasiada carochinha como a brasileira.

Correio Braziliense Muito prazer - José Rezende Jr.

Felipe Moraes e Nahima Maciel

“A solidão de Brasília é criativa”

69 (27/3/2011) Foi no jornalismo que José Rezende Jr. soltou a mão. A prática da escrita diária e o contato com histórias de pessoas comuns ajudaram, mas foi preciso um empurrãozinho de para se dedicar de vez à literatura de ficção. Depois de trabalhar nas redações do Correio Braziliense, do Jornal do Brasil e do O Globo, deixou de lado o jornalismo diário para se concentrar na escrita literária. Amor e morte são os temas recorrentes do mineiro cruzeirense que está em Brasília há 24 anos. São as grandes questões existenciais do ser humano e Rezende se sente confortável ao escrever sobre elas. Já renderam dois livros de contos e um de microcontos. Em 2010, Eu perguntei pro velho se ele queria morrer (e outras histórias) ganhou o Prêmio Jabuti na categoria contos. Abaixo, o autor fala sobre Brasília, Cruzeiro, jornalismo e o amor nos tempos modernos.

Moacyr Scliar morreu no fim de fevereiro. Ele tem alguma influência na sua ficção? A gente não era amigo, não. Eu tinha uma profunda inspiração pelo Scliar quando o conheci. Foi por meio da A arte de escrever, uma série que a gente fez no caderno Pensar do Correio, em 1996. Mergulhei muito no universo dele e me assustei com a força da narrativa, com a visceralidade. Ele gostou muito da entrevista, porque fiz umas perguntas que ele considerou muito profundas. Muito do escritor que eu viria a ser veio daquela entrevista, das coisas que ele me disse. Outra coisa é a generosidade dele. Aquela coisa de desmistificar a figura do escritor. Quando fui lançar meu primeiro livro, A mulher-gorila e outros demônios (7Letras), veio aquela insegurança. Cheguei em um ponto em que não tinha mais capacidade de julgar. Então mandei para ele. Pedi que lesse. Ele mandou um e-mail que nunca vou esquecer. Falou coisas que me animaram muito: “Há muito tempo não lia ficção tão poderosa”. Falei, “caramba, acho que sou escritor!”. Eu sou muito tímido, mas resolvi chutar o pau da barraca. Agradeci e pedi que ele fizesse o prefácio para mim. Depois de três dias, ele me mandou. É bacana quando você pega um autor, um grande artista que também é um grande ser humano.

O Cruzeiro é talvez o melhor clube brasileiro em 2011. Está empolgado com as goleadas do time? Eu dei uma desanimada. Acompanho, fico feliz. Mas não vi nenhum jogo ainda da Libertadores. Não vi nem os gols. Cheguei à conclusão de que futebol é uma forma de sofrimento. É a coisa mais irracional que existe, não o futebol em si, mas a relação que a gente tem com o esporte. Essa rivalidade de cruzeirenses e atleticanos, que muitas vezes dá morte. Eu já fiquei bravo, já chorei… Fiz um acordo comigo mesmo de ir aos poucos relaxando. Para não vibrar muito, não ficar muito feliz e não chorar muito numa final. Eu já estava nessa desaceleração com o futebol. Mas, futebol como fenômeno, é um prato cheio para qualquer escritor. Acho que é até pouco explorado aqui. Eu amo o Cruzeiro. Sou cruzeirense, jamais deixarei de ser. Mas resolvi, a bem da minha sanidade, dar uma relaxada.

O futebol deixou de ser algo artesanal para se transformar em um grande negócio e um grande espetáculo? Isso tira sua motivação diante desse esporte? Eu acho que espetáculo é o Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Piazza. Aquela época era espetáculo, sim. Aprendi a ser cruzeirense com o meu pai, vendo esse time. Chorei muito quando o Tostão foi para o Vasco. Naquela época não tinha isso, os jogadores começavam e encerravam a carreira no mesmo clube. Eu não sei te dar a escalação do Cruzeiro de hoje. Talvez eu te dê a escalação dos anos 1970. Mas do último jogo, eu não sei. Porque eles mudam muito de time. Antes se criava uma identidade com o clube, a camisa, o escudo, o hino, a bandeira, mas também com o time. Os jogadores tinham identidade com a torcida. O Tostão era cruzeirense, acredito. O Dirceu, sei que ele continua até hoje. A paixão não era só do torcedor, era também do jogador. Hoje não existe. Hoje ele está aqui, amanhã está lá.

Você é jornalista, mas a sua grande paixão é a literatura. De que maneira uma e outra se entrelaçam quando você está escrevendo? O jornalismo me ajudou e atrapalhou na literatura. De que forma atrapalhou? Eu queria, a certa altura da minha vida, escrever um livro. Mas não trabalhava para isso, para ser de fato um escritor. Quando decidi que queria fazer literatura, era jornalista e não tinha espaço mental para fazer ficção. Chegava em casa cansado. E em que ajudou? Em termos de bagagem. Tendo tido a oportunidade de viajar o mundo, mesmo quando não viajava. Mas o jornalismo que eu gostava de fazer era de contar histórias. Com liberdade de texto, de propor pautas criativas, chamadas pautas invisíveis, aquilo que

70 não é óbvio. Conheci lugares, situações e, sobretudo, pessoas, que talvez eu não conhecesse se não fosse jornalista. Na hora de escrever, recorro a mim mesmo. Mas a minha literatura está muito longe de ser confessional. Eu, Rezende, me anulo. Nesse sentido, o jornalismo ajudou muito. O fato de conhecer diferentes modos de falar, de ver a vida, e principalmente o homem, a mulher do interior, do sertão.

Você gosta de contar histórias de gente. Especialmente histórias de encontros e desencontros. Por que? O amor é algo tortuoso e sofrido sempre? Eu sou uma pessoa totalmente crente no amor, nos encontros, nos relacionamentos. Mas não escrevo sobre mim. Vejo a dificuldade que existe no mundo de as pessoas se encontrarem. Há cada vez mais desencontros do que encontros. Quando escrevo sobre desespero no amor, certamente não escrevo sobre mim, mas sobre essa dificuldade do ser humano. Pode ser que já tenha vivido uma fase de desencontro, de solidão extrema. Posso até voltar a viver (bate na madeira três vezes). Espero que não. Escrevo sobre dois grandes temas: vida e morte e tudo que envolve vida e morte (risos). O que me interessa mesmo são essas grandes aventuras existenciais.

Qual a história de Miguilim, seu cachorro? O cachorro é mesmo o melhor amigo do homem? Eu brinco que somos uma matilha. Eu, Andrea (mulher), Leon, Miguelin e a Flor Bela, que está aqui há um mês. Sou apaixonado por animais, desde criança. Tão apaixonado que sou vegetariano. Há 25 anos não como carne. E não é que eu me preocupe muito com a saúde. Eu sou muito esculhambado. Tomo muita Coca-Cola, como Ruffles, um monte de porcaria. Mas é claro, como arroz integral, soja, vegetais, mas é uma coisa meia boca. Amo tanto os bichos que não me vejo comendo-os. E consegui eliminar o couro da minha vida, também. Tenho profundo amor, mas nunca tive coragem de ter um bicho meu. Amo os bichos. A Andrea sempre quis ter, mas a mãe dela não deixava quando era criança. Agora decidimos ter. E veio o Miguelin. Ele é lhasa apso. A gente estudou anos sobre qual cachorro iríamos ter. Ele não precisa de muita atividade, dorme muito. E depois a gente adotou os dois gatinhos, são vira-latas.

Você é mineiro mas mora em Brasília há muitos anos. É difícil ficar aqui para um mineiro? O que mais gosta e o que mais detesta na cidade? Cheguei aqui em 1987. Eu senti muito vazio, pouca gente. É meio lugar-comum, mas é verdade, isso incomoda a gente. Foi uma fase muito dura, de solidão. Foi triste. Pensei em ir embora. Mas depois que passa um período, consegui sobreviver. Acho que o ser humano se adapta a tudo. Até a Brasília (risos). Você começa a compreender a cidade, a dialogar com ela, a dar desconto. E depois está amando. Acho que a solidão de Brasília é criativa, te leva a mergulhar mais em você mesmo. Não quero voltar para Belo Horizonte. Brasília é a minha cidade, mas não gosto da falta de mistura aqui no Plano Piloto. Você vai nos lugares e encontra pessoas mais ou menos com os mesmos gostos, do mesmo meio social, todo mundo de carro. Acho artificial. É um certo gueto ao contrário. Gueto de prosperidade.

Durante muito tempo um grupo de escritores reclamava que a cidade não conseguia projetar seus talentos literários para fora. No último ano, tivemos cinco nomes da cidade indicados ao Jabuti, um que ganhou o prêmio de poesia da ABL (Ronaldo Costa Fernandes). O que mudou? Eu não sei. Talvez estejamos escrevendo mais e publicando mais. Lembro que havia algumas políticas públicas, dizendo que toda livraria deveria ter uma estante dedicada à literatura brasiliense. Mas acho que as pessoas tinham dificuldade de publicar. Não que hoje seja fácil. Mas na quantidade você começa a encontrar qualidade. Mais gente publicando e se destacando. Antes, acho que não tinha mais do que meia dúzia. Você tem o Nicolas Behr, que já estava aí há muito tempo. Hoje tem projeção. Nunca ganhou prêmio. Mas nunca fez questão disso. Tem o Turiba. Acho que ele ainda continua pouco reconhecido nacionalmente.

Você tem Twitter ou Facebook? Como encara as redes sociais? Sou um cara muito ligado à tecnologia e o que ela tem de bom. Uso a internet como ferramenta para me aproximar das pessoas. Tenho Twitter, Facebook, site. Do ponto de vista de um escritor, a divulgação do trabalho nesses espaços é fantástica. É muito difícil para um escritor que não é do eixo Rio-São Paulo e publica por editoras e tiragens pequenas ser notado pela mídia convencional. Comecei a publicar os microcontos no Terra Magazine e a minha lista de e-mails se ampliou. Você tem que juntar as duas coisas, o meio físico e o meio virtual. Recomendo aos jovens escritores que usem as redes sociais. Não para se tornarem celebridades. Mas para acharem o seu leitor. Que

71 sejam 200, 300 leitores. É preciso ter a dimensão da coisa. Não pode delirar, achar que vai vender livro pra caramba.

Você disse que a literatura perdia cada vez mais espaço nos jornais. Por que acha que isso acontece? Durante muito tempo os jornais foram espaços de reflexão, de pensamento. Acho que se modernizaram muito no mau sentido. O culto a celebridades instantâneas é um modelo que se impôs. Em vez de fazer um contraponto a isso, os jornais se renderam. É a escandalização de tudo, da política. As pessoas precisam ter a dimensão de que a política é uma coisa boa.

Você acha que a literatura é pouco citada nas políticas públicas? O cinema é uma indústria, o teatro, a música envolvem engrenagens com muita gente. A literatura é uma coisa muito pessoal. O escritor se senta e escreve. Não se ganha dinheiro com literatura. Eu posso me dar ao luxo de fazer literatura porque tenho atividades, consigo arrumar tempo e ganhar dinheiro para me manter. Mas muitos não podem. Acho a política de bolsas interessante. Talvez pudessem expandir isso para facilitar o trabalho, dar a qualidade de vida para o escritor que queira tentar viver da literatura.

Folha de S. Paulo Obra de Drummond será editada pela Cia. das Letras

Publicação dos livros começa em 2012, em versão impressa e eletrônica

Poeta mineiro era antes editado pela Record; mudança buscou novo perfil editorial, afirma agente literária

(30/3/2011) Os livros do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) passarão a ser editados pela Companhia das Letras.

O anúncio foi feito na manhã de ontem pela editora. A obra do poeta, fora alguns títulos especiais que saíram pelo Instituto Moreira Salles e pela Cosac Naify, era editada antes pela Record.

Matinas Suzuki Jr., diretor executivo da Companhia das Letras, contou que a editora foi procurada pela família do poeta na semana passada.

"Foi tudo muito rápido. A família nos propôs a mudança", diz ele.

O fator decisivo para a troca de editora teria sido o trabalho que a Companhia das Letras vem realizando com a publicação das obras completas de autores como Vinicius de Moraes (1913-1980), (1912-2001), e Erico Verissimo (1905-1975). A obra de Drummond começa a sair pela Companhia a partir de 2012, data que marca os 25 anos de morte do poeta. O título de estreia ainda não foi definido.

No total, a obra completa do autor é formada por 44 livros: 23 de poesia, 20 de prosa (crônicas e contos) e um infantil. Além da versão impressa, todos serão lançados simultaneamente em formato eletrônico, os e-books.

Os livros também ganharão um novo projeto gráfico e a inclusão de notas, introduções e prefácios especiais.

Segundo Suzuki Jr., o acordo reforça a tendência da editora de se especializar em grandes autores brasileiros.

"Trata-se de uma obra extremamente valiosa, é um dos maiores poetas e cronistas do país. Nosso catálogo nacional fica agora muito forte", diz ele.

DESPEDIDA AMIGÁVEL O contato entre os herdeiros de Drummond (os netos Pedro e Luís Maurício) e a Companhia das Letras foi intermediado pela agente literária Lucia Riff, sócia da Agência Riff.

72 Segundo ela, a Record tinha feito um bom trabalho nos últimos anos e a saída foi "amigável, sem crise". "A família estava satisfeita, mas queria uma mudança de perfil editorial. A Companhia das Letras representa um trabalho editorial mais refinado e tem uma força de venda maior."

ARQUITETURA E DESIGN

ABC (Espanha) Inaugurado oficialmente el primer proyecto en España del arquitecto brasileño

YOLANDA DE LUIS / ABC / AVILÉS

(27/3/2011) Ya es oficial. El Centro Cultural Oscar Niemeyer de Avilés, la primera obra del arquitecto brasileño en España y, según sus propias palabras, la «más importante de Europa», abrió ayer sus puertas. Lo hizo después de que anteanoche Woody Allen pusiera música a una preinauguración para 14.000 personas en la plaza del complejo. Ayer fue el momento de cortar la cinta y todas las intervenciones siguieron un mismo guión al destacar la importancia de la creación y de la cultura como elementos para el desarrollo de las sociedades y poner de manifiesto el papel que jugará el Centro Niemeyer en ese sentido. Ese fue el hilo conductor en sus discursos del ministro de la Presidencia, Ramón Jáuregui; el presidente del Principado, Vicente Álvarez Areces; la alcaldesa de la ciudad, Pilar Varela; el secretario de Estado para Iberoamérica, ; Antonio Garrigues Walker, en nombre de los patronos de la Fundación del Centro Niemeyer; Carlos Oscar Niemeyer, nieto del arquitecto, y la coreógrafa y bailaora María Pagés, que prepara una de las producciones del centro para septiembre de este año. Se trata de una coeografía basada en la obra arquitectónica del genial brasileño. Oscar Niemeyer (103 años) estuvo presente en el acto a través de una carta que leyó su nieto. En ella, expresaba su deseo de que el centro que lleva su nombre «permita un bello diálogo entre diferentes modos de comunicación artística y una interacción entre diversas culturas». Niemeyer ha querido transmitir el agradecimiento por la culminación de su obra proyectada para Avilés, «realizada con el mayor cariño» para España, «una nación amiga que admiro en particular por su extraordinario legado artístico y literario». Por su parte, Ramón Jáuregui expresó su convencimiento de que no ha sido una casualidad que Niemeyer haya elegido Asturias para ubicar esta obra, «porque en ningún otro lugar de Europa está mejor representado que aquí, en este pueblo, por su trabajo, solidaridad y esfuerzo». Para Vicente Álvarez Areces, al margen de un espacio arquitectónico «bellísimo», el Centro Niemeyer es «una manera de situar a Asturias en la vanguardia cultural con la mayor apuesta que se ha hecho en muchísimos años en captar conocimiento». Antonio Garrigues cree que el Niemeyer es «un imposible convertido en realidad» y ha pedido que dé cabida a culturas hasta ahora poco conocidas, pero muy pujantes, como la china, la japonesa o la india.

El nieto de Niemeyer dice que el centro de Avilés “unirá todas las formas de cultura”

Carlos Oscar Niemeyer, el nieto del afamado arquitecto brasileño, aseguró ayer que el centro diseñado por su abuelo para Avilés va a servir «para unir todas las formas de la cultura». Niemeyer ha participado en la ciudad asturiana en el acto de inauguración del complejo cultural, el único que ha firmado en España. El centro cultural inició este viernes los actos de inauguración, con un concierto de la banda de Woody Allen ante unas 10. 000 personas. En el evento oficial de ayer han participado, junto a Niemeyer, el ministro de la Presidencia; Ramón Jáuregui; el Secretario de Iberoamérica, Enrique Iglesias; el patrono de la fundación Centro Niemeyer, Antonio Garrigues, el ministro de la Presidencia, Ramón Jáuregui; el secretario General Iberoamericano, Enrique Iglesias; el presidente del Principado de Asturias, Vicente Alvarez Areces; la alcaldesa de Avilés, Pilar Varela. Niemeyer trasladó a los avilesinos «una alegría muy grande por estar aquí», en representación de su abuelo. En nombre del arquitecto quiso trasladar «su agradecimiento y satisfacción» por ver cómo se ha concluido el trabajo. Areces también ha tenido presentes las palabras de Niemeyer en su discurso

73 y recordó los primeros contactos que mantuvo con el premio Pritzer y Príncipe de Asturias en el año 2006.

POLÍTICAS CULTURAIS

O Estado de S. Paulo ''A lei Rouanet viciou o mercado''

João Bosco Rabello e Julio Maria / BRASÍLIA

(27/3/2011) Em entrevista ao Estado, a ministra da Cultura Ana de Hollanda fala do conteúdo de sua conversa com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Gary Locke, durante a passagem de Obama pelo Brasil. "Eles estão preocupados com a flexibilização dos direitos autorais e de como isso pode levar a uma maior tolerância com a pirataria." Ana respondeu ainda sobre questões referentes a reformas das leis do direito autoral e Rouanet. E deu sua opinião sobre o episódio Maria Bethânia, que teve autorização do MinC para arrecadar R$ 1,3 milhão que serão destinados à criação de um blog de poesia: "Fizeram uma tempestade em copo d"água".

Ana Buarque de Hollanda Ministra da Cultura

-A senhora até agora falou pouco e ouviu muito. Está sendo um começo difícil?

Qualquer anúncio de mudança gera insegurança. Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas. Aí começam a sair versões do que poderia estar certo ou errado. Eu nunca tive uma situação como temos agora, de sentar para responder.

-Qual foi sua primeira impressão ao ler o projeto de lei do ex-ministro Juca Ferreira, que pede mudanças na atual lei dos direitos autorais?

Aquela proposta me assustou um pouco. O direito do autor está previsto na Constituição, é uma cláusula pétrea. Ele tem que ser respeitado. Comentava-se muito no meio cultural que as mudanças estavam deixando o autor em uma situação frágil em vários aspectos.

-Por exemplo?

Quando se falava das cópias de um livro, por exemplo. Se essa obra for editada sem autorização, pela lei vigente, a obra seria recolhida e o infrator pagaria uma multa de, se não me engano, o equivalente a 30 mil cópias. A proposta de reforma já falava em multa de até 30 mil livros. Ou seja, a multa poderia ser de um, dez ou 30 mil. São detalhes que deixam o detentor dos direitos em situação frágil.

-As mudanças da lei propostas por Juca davam ao presidente da República poder para conceder os direitos de obras em casos especiais. A senhora já retirou esse poder do presidente e o repassou ao Judiciário. Qual é o limite da participação do Estado em questões ligadas aos direitos autorais?

Sinto ainda que existe uma interferência muito forte do Estado no projeto de lei e isso, de uma certa forma, vai infringir a Constituição. O direito de associação de artistas é permitido pela lei, é livre. Então o intervencionismo do Estado (na fiscalização do Ecad) é muito complicado. Mas entendo que é necessário haver, sim, uma transparência para os autores sobre seus rendimentos.

-A senhora está dizendo que o Estado vai fiscalizar o Ecad?

74 Eles devem apresentar um balanço público (sobre o que arrecadam em direitos autorais).

-O que a senhora discutiu com o secretário do comércio dos EUA, Gary Locke, durante a visita de Obama ao Brasil?

Ele estava muito preocupado com a questão da liberação dos direitos. De como a flexibilização no direito autoral pode acarretar mais tolerância com a pirataria. Isso não preocupa só os americanos, preocupa nossa indústria cinematográfica, editorial, fonográfica. Estão com medo de que essa produção seja fragilizada. É muito preocupante essa possibilidade de a gente liberar para o mundo nossa produção. Isso pode desestimular os artistas. Por que vão editar obras no Brasil se o Brasil não as protege?

-Foi pensando assim que a senhora mandou retirar o selo do Creative Commons, que propõe maior liberdade nos licenciamentos de obras artísticas, do site do Ministério da Cultura?

Eu achei muito estranha a gritaria que esse caso criou. Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse.

-A decisão da senhora então não foi ideológica?

Não, foi administrativa.

-Então, ideologicamente, o que a senhora pensa dessa nova relação de direitos autorais proposta pelo Creative Commons?

A questão que me preocupa é que a concessão de direitos no Creative é irreversível. Há sempre um prazo para uso de direitos autorais. Eu posso ceder minha obra para tal uso por cinco, dez anos e depois eu posso reaver essa obra. Mas é bom dizer que essa decisão, de usar o Creative Commons, cabe unicamente ao autor.

-Palavras da senhora no discurso de posse: "É importante democratizar tanto a produção quanto o consumo da cultura". A reforma na lei dos direitos autorais e o Creative Commons são em tese democratizantes, no sentido de que garantiriam que a cultura chegaria a mais pessoas. Democratizar está sendo mais difícil do que a senhora imaginou?

A democratização é possível sempre, mas ela tem de prever também o pagamento àqueles que criam. Um autor de um livro que trabalha dez anos com pesquisa vive disso. O direito autoral é o salário dele.

-A internet foi o paraíso para muita gente, já que o preço de um CD se tornou inacessível para muitos. Como fazer com que esse consumo continue sem prejuízo para os autores?

Essa é uma questão, sim, que tem de ser estudada nos próximos passos que vamos dar. Agora há pouco, vi um estudo no Canadá que sugere cobrança dos direitos de provedores. Estamos nesse impasse entre a proibição absoluta - que é quase impossível, já que as pessoas estão baixando - e uma liberação que não prevê o pagamento de direitos.

-Maria Bethânia teve a aprovação do Ministério da Cultura para captar via Lei Rouanet R$ 1,3 milhão para criar um blog de poesia. Qual a opinião da senhora sobre isso?

Isso foi uma tempestade em copo d"água. Projetos assim são aprovados mensalmente. A lei, que tem também modificação pedida no Congresso, prevê essa possibilidade. Não cabe a mim analisar ou interferir em uma questão que é julgada por uma comissão, que antes passa por pareceristas que analisam os preços e se o projeto é cultural ou não. E o mérito não é de qualidade, mas se é cultural ou não é cultural. Se os preços foram aprovados, está ok.

-Ninguém contesta que o projeto de Bethânia seja legal, mas esse dinheiro não deveria ser garantido a artistas com menos recursos?

75 Olha, isso tudo está sendo revisto nessa reforma da lei que está no Congresso. Queremos favorecer mais o Fundo Nacional de Cultura, que poderá facilitar essa divisão melhor e que atenderia aos produtores que normalmente não atraem o patrocínio das empresas privadas. As empresas querem associar seus nomes a artistas consagrados, faz parte das leis de mercado.

-E assim os departamentos de marketing acabam definindo a política cultural do País.

Sim, isso. A atual Lei Rouanet tem esse viés, que era necessário ser equilibrado. Chega a ser perigosa porque quase que exclusivamente se faz atividade cultural no País através da Lei Rouanet. Passou a ser imperiosa. Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. Qualquer evento que se faz começa a ficar um megaevento e a ter custos mais altos. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela.

-A senhora, como cantora, tentou emplacar projetos pela Lei Rouanet?

Eu não. Bem, até vi em um jornal que houve um proponente de um projeto meu que não foi aprovado, também porque a Lei Rouanet tem uma série de trâmites complicados. Acho que isso foi no período em que eu estava com o projeto de um disco e aí depois consegui trabalhá-lo de outras formas. Foi um projeto para ser aprovado, era um disco meu, sim, que depois acabei fazendo.

-O grande público, alheio a Creative Commons, Lei Rouanet, direitos autorais, percebe que entra e sai ministério e uma coisa não muda: cinema, shows e teatro são cada vez mais caros. Como se muda isso?

Mas aí você está falando dos grandes, né? A Cinemateca, por exemplo, tem um acervo fantástico que distribui filmes para os pontos de cultura (centros de cultura nas periferias), os cineclubes estão crescendo. Você está falando das grandes estrelas.

-Foi da senhora ou do Planalto a decisão de desistir da contratação do sociólogo Emir Sader para a Casa Rui Barbosa? (Em entrevista, Emir se referiu à ministra como "meio autista")?

Não, eu agi. Levei, conversei com o Palácio, sim, mas deixei claro que a decisão era minha, cabia a mim.

-A senhora fala muito dos pontos de cultura, mas a situação deles é caótica, o dinheiro de alguns nunca chegou...

Já tive encontro com os representantes dos pontos. É assustador, porque são trabalhos em comunidades carentes. O princípio dos pontos é maravilhoso. O governo vai à comunidade e reconhece um trabalho cultural que já está sendo desenvolvido. Fazemos um trabalho para auxiliá- los, ajudamos a se equiparem melhor. Agora, alguns estão sem receber há algum tempo.

-Não chegou o dinheiro de 2010.

Há outros que estão sem receber desde 2008. Alguns com problemas com documentação, mas há uma parte legal. E tem nosso orçamento que está bastante restrito, não só da Cultura, mas houve um corte grande.

-Esse dinheiro chega este ano?

Já está sendo liberado. Vamos quitar com eles essa dívida.

-Como a senhora, uma artista de formação e berço, chega para fazer política em Brasília?

Eu tive várias etapas da minha vida em que já passei por algumas experiências como esta. Estive envolvida na política pública em São Paulo.

76 -Sim, mas Brasília é diferente. A senhora não sente dificuldades no jogo político?

Olha, em Osasco era um microcosmo disso, eu sentia lá também a pressão da sociedade, dos artistas, do executivo querendo fazer uma coisa mega. Eu sei que vou incomodar, você não pode atender a gregos e troianos. Agora, o fato de ser mulher ou ter um jeito delicado no falar não quer dizer que eu seja fraca ou insegura. Não sou nem um pouco insegura.

-A senhora divide assuntos com seu irmão, Chico Buarque?

Eu acho que tudo o que ele não quer é que eu fique falando dos problemas do ministério (risos).

-O Chico não queria que a senhora aceitasse o convite para ministra, certo?

Ele ficou assustado não por ele. Aliás, não só ele. Somos sete irmãos, todos ficaram assustados porque sabiam que o jogo era violento. E confesso que é mais violento do que eu imaginava. Porque esses movimentos organizados agiram com uma agressividade muito grande. E estão agindo ainda.

-A senhora tem amigos na cúpula da música brasileira. Como ministra, está disposta a comprar briga com eles?

Eu acho que eles não vão brigar comigo, não. Como amigos, eu não os perco.

QUEM É ANA DE HOLLANDA Cantora e compositora

Nascida em São Paulo, em 1948, estreou musicalmente em 1964, no palco do Teatro do Colégio Rio Branco, no show Primeira Audição, integrando o grupo vocal Chico Buarque e As Quatro Mais. Já lançou quatro discos.

Estado de Minas Futuro em xeque

PATRIMÔNIO CULTURAL

Preservação não se limita a antigas construções e cidades históricas. Presidente do Iphan alerta sobre a necessidade de adotar políticas que atendam demandas contemporâneas

Walter Sebastião

(28/3/2011) De tudo o que está sendo construído atualmente, o que será preservado daqui a 50 anos? “Está na hora de os brasileiros se fazerem esta pergunta”, afirma o arquiteto mineiro Luiz Fernando de Almeida, de 48 anos, presidente do Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (Iphan) desde 2006. O órgão tem a responsabilidade de proteger, preservar e divulgar os principais cartões- postais do país: Ouro Preto e Congonhas (MG), Corcovado (RJ), Pelourinho (BA) e a arquitetura de Brasília, por exemplo – acervo que orgulha os brasileiros. Tarefa nada simples, sujeita a polêmicas, poucos recursos e cobranças.

Como o tombamento é política da década de 1930, explica Luiz Fernando de Almeida, há bens apropriados pela sociedade que já são parte do imaginário do brasileiro e desfrutam de grande legitimidade junto à população. Ouro Preto é exemplo disso. “Qualquer coisa que ocorre lá, todo mundo – e não só o Iphan – protesta”, observa. Por outro lado, há bens alvo de discórdia. “O tombamento do encontro das águas dos rios Solimões e Negro, em Manaus, patrimônio paisagístico, foi bastante polêmico. Como havia a intenção de construir um porto no local, o processo gerou embate entre os valores simbólico e econômico”, conta.

77 O presidente do Iphan avisa: patrimônio é conceito de valor, está ligado à qualidade de vida. “Pode- se, com políticas patrimoniais, intervir no processo de desqualificação das cidades, o que significa desarticulação da vida urbana, ausência de espaços públicos que congreguem as pessoas”, acrescenta. Reverter isso se dá, primeiramente, como exemplo. Ou seja, mostrando que cidades do período colonial têm qualidade de vida, observa Luiz Fernando. “Depois, a construção do patrimônio do futuro é tema colocado para toda política pública. Se temos de erguer uma ponte, por que ela não pode ter qualidade arquitetônica?”, questiona.

Identidade O especialista lembra que o conceito de patrimônio surgiu na virada do século 19 para o 20, na Europa, regido pelo tema da identidade nacional, procurando proteger a excepcionalidade do artístico ou de bens alusivos a fatos históricos. “Atualmente, o processo está ligado a indicadores de qualidade de vida das comunidades, não se volta apenas para a história e o passado. Patrimônio cultural deixou de se ater às exceções para se tornar política pública”, pondera. “Toda comunidade tem seu patrimônio, ele agrega uma população e cria identidade coletiva compartilhada”.

Esse conceito vem sendo ampliado. “É o modo como a sociedade produz e usufrui de bens culturais. Não é algo estático, mas dinâmico e vem se expandindo”, reforça Luiz Fernando de Almeida. Em análise no conselho do Iphan estão grandes inventários do conhecimento de caráter regional, caso das embarcações tradicionais do litoral brasileiro, da marcha empreendida pelo marechal Rondon ou da rede ferroviária brasileira. “Conhecemos pouco esses bens. As análises vão gerar propostas de proteção que darão origem a novos patrimônios e a novas referências para políticas patrimoniais de estados e municípios”, explica

Na opinião de Luiz Fernando, a política de patrimônio cultural de Minas é bem consolidada. “Mas há desafios a serem enfrentados. É preciso ir um pouco além da onipresença do período colonial, do barroco e do rococó, compreender o patrimônio em dimensão mais ampla, de forma que incorpore todo o território do estado”, defende. Outro desafio: superar a setorialidade. “Patrimônio ambiental não pode ser só ambiental. Ele deve contribuir para o desenvolvimento urbano, industrial e econômico”. Um tema que conquista os holofotes, durante megaobras, são os sítios arqueológicos, lembra o presidente do Iphan.

VERBA Defesa do patrimônio remete à consciência cidadã ou a verbas? “As duas coisas andam juntas. A legitimidade política constrói a legitimidade para se conseguir mais recursos”, responde Luiz Fernando. Ele não esconde um paradoxo: “Todos dizem que o patrimônio cultural é importante, mas, quando se deparam com os recursos disponíveis, notam que são pequenos diante do muito a ser feito”, conclui.

OUTROS

Correio Braziliense Um palácio que respira arte/ Coluna 360 graus por Jane Godoy

(26/3/2011) Desde a visita do presidente americano Barack Obama, — o primeiro a contemplar a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral, emprestada pelo empresário argentino Eduardo Constantini — vivíamos uma ansiosa contagem regressiva para a abertura da exposição de arte no Palácio do Planalto. Mas, finalmente, chegou o dia da inauguração da mostra, com “obras inéditas da arte do século 20, de renomadas pintoras e escultoras brasileiras, muitas das quais tiveram de lutar para serem reconhecidas pelo seu real talento”, conforme explicou a presidente Dilma, na última quarta- feira, depois do empenho em trazê-la da Argentina.

78 Abrir o Palácio do Planalto para o público de Brasília e visitantes é um bom sinal de que a presidente Dilma Rousseff quer mesmo se aproximar do povo, não só por meio de suas aparições em atos públicos, como também por meio de manifestações artísticas. Mais do que democraticamente, o Palácio é aberto humanamente.

No saguão do prédio, todo iluminado e preparado de forma festiva, os 300 convidados esperaram ansiosamente pela chegada de Dilma Rousseff, já que um acontecimento como aquele não foi muito frequente nos anos anteriores.

Ela chegou acompanhada do vice-presidente, Michel Temer, da Ministra de estado da Cultura, Ana de Hollanda, da presidente do Conselho de Curadores da Fundação Armando Álvares Penteado — Faap, realizadora da exposição, além do proprietário da obra.

A ministra Ana de Hollanda foi a primeira a falar. Em seguida, Celita Procópio de Carvalho e, por último, a presidente Dilma, que fez questão de destacar o trabalho das bonequeiras do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, por meio de dona Isabel, ressaltando que “no Brasil não há bonequeiras como as de Minas Gerais”.

Encerrada a cerimônia, todos iniciaram a visita à exposição, na qual o Abaporu encanta e emociona, com as outras obras de mulheres artistas brasileiras.

O Globo Em todas as mídias

Avesso a rotina, Nelson Motta se divide entre livro sobre Glauber Rocha, musical e filme da vida de Tim Maia, seriado na Globo e parcerias com Erasmo

(28/3/2011) Pense numa arte, e o nome dele estará lá. Literatura? Já escreveu vários livros e está terminando mais um — no dia 21 de setembro, início da primavera, lança “A primavera do Dragão”, sobre a juventude de Glauber Rocha. Teatro? Vem aí um musical baseado numa obra sua. Cinema? Será rodado um filme inspirado num best-seller seu. Música? Perdeu a conta das canções que fez, dos artistas que revelou, dos discos que produziu. Não é só: seu talento se espalha pela TV, pelo rádio e pela imprensa — tem um programa em 15 emissoras de rádio e uma coluna toda sexta-feira no GLOBO, mesmo dia em que vai ao ar sua coluna televisiva que encerra o “Jornal da Globo”.

— Isso me lembra de uma amiga baiana. Quando ela me disse que estava namorando, perguntei se era com menino ou menina. Ela, toda dengosa, com aquele sotaque delicioso, respondeu: “Sou multimídia...” — diz, com bom humor, o jornalista, compositor, escritor, roteirista e produtor musical Nelson Motta.

79 No caso dele, ser um artista multimídia e trabalhar tanto está longe de ser um fardo. — Sinto-me como aqueles malabaristas chineses que equilibram vários pratos na vareta, muitas vezes rodando seis deles.

Mas isso não me aflige. Não é esforço, é escolha. Divirto-me trabalhando. Mas só faço o que gosto. E odeio rotina. Por isso fico pulando de galho em galho.

Outro segredo para a produtividade está em trabalhar em casa. E fazer as coisas com antecedência. — Sou indisciplinado e transgressor por natureza, mas tenho que controlar, senão a vida vira um inferno.

Romance de formação

O ano promete ser mesmo movimentado. O livro sobre Glauber Rocha é um romance de formação, com final feliz, já que aborda a vida do cineasta até a criação de “Deus e o diabo na terra do sol” e a consagração internacional do diretor, com a exibição do filme no Festival de Cannes. Será lançado pela Objetiva e virá recheado de fotos.

— Queria mostrar o retrato de um artista quando jovem. Emocionei- me com a precocidade, a vitalidade, o idealismo, a potência, a inocência de Glauber — diz Motta. — Ele tinha 22 anos quando começou a rodar o filme. Levantou dinheiro e fez um épico, levando 500 figurantes para Monte Santo (BA). Vários personagens aparecem nas páginas do livro: João Ubaldo Ribeiro, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Caetano Veloso, Luiz Carlos Barreto.

— Na juventude, esses caras são sensacionais, porque são completamente irresponsáveis. São de uma ambição artística delirante. É uma geração no seu momento de florescer.

No fim de julho, será levado aos palcos seu livro “Vale tudo — O som e a fúria de Tim Maia”. Além de ser transformada em musical, a obra vai dar origem a um filme dirigido por Mauro Lima (de “Meu nome não é Johnny”). As filmagens acontecem ainda este ano.

Em agosto, é a vez de estrear na TV Globo o seriado “O brado retumbante” (título provisório), de Euclydes Marinho, que chamou Nelson Motta, Guilherme Fiuza e Denise Bandeira para escreverem com ele. O seriado fala de um presidente acidental: um político que assume o poder no último ano de mandato, após a morte do presidente e do vice num acidente. Não acontece no passado, nem no futuro, e sim num universo paralelo. Já foram entregues dois dos oito episódios.

— Não é uma paródia, nem é baseado em governo nenhum. Ao mesmo tempo, é baseado em todos. É sobre a vida pública e privada de um presidente ficcional. Tem drama, tem falso documentá- rio, mas é mais para comédia. Vai ser muito divertido.

Não será o único texto de Nelson Motta a chegar à televisão. Seu livro “O canto da sereia — Um noir baiano” vai virar minissérie, escrita por George Moura e Patricia Andrade, com supervisão de Gória Perez. Mais até do que a TV, é o cinema que tem ocupado boa parte das atenções de Motta . Desde que saiu o livro sobre Tim Maia, ele foi procurado por muita gente querendo levá-lo às telas. Preferiu não se envolver com o roteiro, que acabou assinado por Antonia Pellegrino. — Não conseguiria resumir uma história de 400 páginas em 90 minutos — justifica.

80 É diferente do que acontece com o musical, que será dirigido por João Fonseca. Neste caso, ele ficou com a função de escrever. — Aí é diferente, é recriar 20 músicas sensacionais e 20 causos. Vai ser um musicalzão da Broadway, com sete músicos em cena, seis atores e dois Tim Maia. O musical começa com a morte do cantor. É recriado o último show, no Municipal de Niterói, quando ele desaba no palco. Enquanto está caído, numa agonia da morte, vê a si mesmo jovem, cantando, e indaga: — Que porra é essa? Esse cara é muito parecido comigo.

Ao longo do espetáculo, os dois dialogam o tempo todo — ora brigam, ora cantam, ora conversam. O Tim mais velho deve ser interpretado por Serjão Loroza e o mais novo, por Duani (ex-líder do Forróçacana). O próprio Nelson Motta é personagem, assim como Roberto Carlos e Jor.

— Termina num medley fulminante. Aí é bailão — diz. Outro livro de Nelson Motta — o romance policial “Bandidos e mocinha” — também vai ganhar as telas de cinema. A produtora Paula Barreto comprou os direitos da obra. O roteiro está sendo preparado, e Luana Piovani já foi testada para o papel da delegada Marlene. Ele igualmente vendeu os direitos de “Ao som do mar é à luz do céu profundo”, com uma trama que mistura amor, suspense, erotismo e humor no Rio de Janeiro dos anos 1960, para o diretor Roberto Mader ( de “Operação Condor”), que já começou a captar patrocínio.

Cinema na formação

Ainda há mais cinema à vista. O jornalista escreveu junto com Patricia Andrade e Johnny Araújo o primeiro tratamento do filme “Minha hora é agora”, sobre o início romanceado da carreira de Marcelo D2 e Planet Hemp, que vai ser dirigido por Araújo.

A transposição dos livros para o cinema não é planejada. — Quando escrevo, nunca penso em filme. Acho que isso atrapalha. Você não consegue fazer nem literatura nem roteiro de cinema. São linguagens diferentes. O que acontece, diz, é que sua ligação com o cinema se reflete naturalmente em sua escrita. — O cinema influenciou muito minha formação. Nelson Motta não é ator, mas tem sido uma das figuras mais presentes no cinema, de tanto que tem aparecido em documentários. — Fui testemunha ocular de muita coisa e tenho 40 anos de experiência de TV. Devem pensar: “É só botar uma câmera que ele sabe falar.”

Tudo se intensificou com o cinquentenário da Bossa Nova, em 2008 — “foi um aluguel de um ano inteiro” — e depois se espalhou, graças à proliferação atual de filmes sobre música. Mas a ideia é filtrar cada vez mais as participações.

— Senão vira aquele cara com opinião sobre tudo. “Ih, lá vem o Nelson Motta.” E a pior parte é que é absolutamente de graça. Já estou virando ator de documentário, como disse o André Miranda (repórter e crítico de cinema do GLOBO). O André me deu o habeas corpus de que eu precisava.

Ele também é figurinha fácil na TV, em especial no programa “Por toda a minha vida” — já esteve no de Nara Leão, , Raul Seixas, entre outros. No das Frenéticas, haverá o Nelson Motta real e o ficcional — um ator o interpretará.

— Tem uns que não posso não fazer — diz o idealizador e criador das Frenéticas.

Exceção para Roberto Carlos

São tantas as solicitações que ele se vê obrigado também a recusas.

— Há mais de dez anos não faço prefácios, releases, apresentações de músicos. Nem para parceiros, como Lulu Santos e Ed Motta, que eu amo. Se fizer para um, tem que fazer para todos e aí eu não faria outra coisa na vida, ia virar prefaciador profissional. Prefiro fazer uma frase carinhosa. A única exceção é o Rei (Roberto Carlos). Sou o apresentador oficial de todos os discos dele.

Ele também tem deixado de lado a produção de discos. — Já não faço há muito tempo.

81 A exceção foi o da (MTV ao vivo — Eletrodoméstico). Mas era ao vivo, não fiquei em estúdio, que odeio. O que tenho gostado de fazer são produções à distância, como o disco em que Fernanda Takai canta Nara. Eles iam me mandando as músicas em MP3. Faço bem o papel de personal crítico.

Outro exemplo foi “Tangos tropicais”, de Victor Biglione. — Tive a ideia de pegar grandes músicas brasileiras e fazer em tango. Tom Jobim encontra Piazzolla. Idealizei, escolhi o repertório, chamei o Victor, dei palpites no acabamento, mas não fui para estúdio — diz ele, feliz com o resultado, a ponto de sonhar com um Grammy latino.

— Sinto cheiro de gol. Mas a área musical continua na mira. Ele está com duas músicas novas, feitas em parceria com , que vão sair no próximo disco do músico, já gravado, em fase de mixagem. “Venus e marte” e “Sem dizer adeus” têm letra de Motta e melodia de Erasmo.

— No último disco dele, de rock, já tínhamos feito duas músicas. Acertamos a mão, mas eram mais melancólicas, sombrias. O disco atual tem como tema o sexo, e a as canções são animadas.

São tantas as ocupações que ele vai dar uma parada no rádio, onde já trabalha há sete anos. Em seu programa “Sintonia fina”, transmitido em 15 emissoras, ele seleciona uma música diariamente.

— Meu HD está cheio. Tem que ouvir muita coisa ruim até chegar a músicas boas. Será que ainda falta alguma área artística a conquistar?

— Tive uma fantasia de juventude de dirigir no cinema. Mas hoje não teria paciência. Prefiro trabalhar sozinho ou com pouca gente.

Folha de S. Paulo Curador da Bienal anuncia projetos para 2012

Luis Pérez-Oramas apresenta hoje seus assistentes e defende foco latino para a mostra

(25/3/2011) O curador da 30ª Bienal de São Paulo, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, encontra-se hoje com diretores de museus e instituições de arte paulistas para apresentar o projeto inicial da mostra, programada para 2012.

Ele também irá apresentar seus assistentes, o gaúcho André Severo, 37, e o alemão Tobi Maier, 35.

Ontem, Oramas disse que, quando foi convidado para ser o curador, pensou "em ambos na mesma hora". "Conheci Tobi por seu trabalho no espaço Ludlow 38, que dirige em Nova York, e André, em Porto Alegre, como montador e por seu projeto Areal".

O alemão Maier cuida do Ludlow 38, um projeto do Instituto Goethe, em Nova York, desde 2008.

Antes, trabalhou no Kunsthalle de Frankfurt (Alemanha) por dois anos, após ser assistente de Lisette Lagnado na 27ª Bienal de SP (2006).

Já Severo terá na 30ª Bienal sua segundo experiência como curador, após ter realizado, no ano passado, a mostra "Horizonte Expandido", no Santander Cultural de Porto Alegre. Há dez anos ele organiza o Areal, um espaço independente que viabiliza ações artísticas. O time curatorial ainda é composto pela venezuelana Isabela Villanueva, curadora-assistente da Americas Society, de Nova York, que não está em São Paulo.

Entre as propostas para a 30ª Bienal, Oramas destaca que pretende usar um filtro brasileiro e latino- americano para olhar para "a produção contemporânea".

"O mundo global só pode ser percebido de uma perspectiva local", afirma. Aos diretores de museus os curadores também vão explicar que a mostra deverá ser descentralizada do pavilhão da Bienal.

82 "Estamos pensando em vários artistas que criam obras públicas", disse Maier.

Outro aspecto diz respeito ao tempo: "Pensamos num projeto reverso, iniciar a Bienal muito antes da mostra em si, programada para setembro", conta Oramas.

Defendendo que está ainda falando de "ideias em processo", Oramas salientou que a Bienal pretende ter menos artistas que a edição passada (com 159 nomes) e mais obras criadas especialmente para a mostra. (FABIO CYPRIANO)

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