Figura controversa, nacionalista con- victo, primeiro, mas breve, secretário- geral do Movimento Popular para a Lib- ertação de (MPLA), importante poeta da angolani- dade, de seu nome completo Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu no Kikuvo, Porto Am- boim, no Kuanza Sul, a 19 de Março de 1928, para morrer muito longe em so- frido exílio vivido durante sete anos em Pequim, a 13 de Junho de 1973. Viriato Abandonada pelo pai, a família em que cresceu Viriato da Cruz vivia em situa- ção apertada, mas que não impediu os seus estudos no Liceu Nacional Salva- dor Correia de Sá (de- pois da independên- cia renascido com da Cruz o nome do herói da revolta Bailundo de 1902 Mutu Ya Kevela) inaugurado ainda em 1919 para, depois de 1942, se instalar majestoso em enorme edifício com torre, dois de- morados claustros e uma inconfundível fachada amarela decorada com um grande planisfério. Um renovado liceu que Viriato da Cruz não chegou a con- hecer, estudando com sucesso nas suas velhas instala- ções provisórias da Avenida do Hospital, reunindo centenas de alunos maioritari- amente brancos, alguns mestiços e muito poucos negros. Nunca viria a sa- ber, e talvez mesmo estranhasse, que a Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em lusofonias o nacionalista nº 11 | 02 de Setembro de 2013

Este suplemento é parte integrante e do Jornal Tribuna de Macau e não poeta angolano pode ser vendido separadamente que morreu COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa em Pequim TEXTOS: • O Movimento dos Novos Intelectuais de Angola • Acção Política: do Partido Comunista de Angola ao MPLA • Contradições, Dissidência e Exílio em Pequim • A Poesia de Viriato da Cruz: a descoberta da Angolanidade • Viriato da Cruz, Poemas

Dia 09 de Setembro: A China e Moçambique: uma relação emergente

APOIO: vivido durante sete anos em Pequim, a 13 de Junho de 1973. Abandonada pelo pai, a família em que Viriato da Cruz: cresceu Viriato da Cruz vivia em situação apertada, mas que não impediu os seus estudos no Liceu Na- cional Salvador Correia de Sá (depois da indepen- o nacionalista dência renascido com o nome do herói da revolta Bailundo de 1902 Mutu Ya Kevela) inaugurado ainda em 1919 para, depois de 1942, se instalar majes- e poeta angolano toso em enorme edifício com torre, dois demora- dos claustros e uma inconfundível fachada amarela que morreu decorada com um grande planisfério. Um renovado liceu que Viriato da Cruz não chegou a conhecer, estudando com sucesso nas suas velhas instalações em Pequim provisórias da Avenida do Hospital, reunindo cen- tenas de alunos maioritariamente brancos, alguns mestiços e muito poucos negros. Nunca viria a sa- ber, e talvez mesmo estranhasse, que a Associação Ivo Carneiro de Sousa dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em Portugal instituiu há poucos anos um prémio lite- rário com o seu nome. Mais do que justo ou não ô anto igura controversa, nacionalista convicto, primei- fosse Viriato da Cruz uma das figuras mais tutela- S S Fro, mas breve, secretário-geral do Movimento res dos caminhos que, desde o final da década de Lá vai o sô Santo... Popular de Libertação de Angola (MPLA), importan- 1940, convidaram a percorrer as raízes culturais de Bengala na mão te poeta da angolanidade, de seu nome completo Angola, depois propondo mesmo uma literatura ge- Grande corrente de ouro, que sai da lapela Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu no Ki- nuinamente angolana que rapidamente alimentou Ao bolso... que não tem um tostão. kuvo, Porto Amboim, no Kuanza Sul, a 19 de Março o protesto político, preparando a demorada luta de Quando sô Santo passa de 1928, para morrer muito longe em sofrido exílio libertação nacional. Gente e mais gente vem à janela: - “Bom dia, padrinho...” - “Olá!...” - “Beçá cumpadre...” - “Como está?...” - “Bom-om di-ia sô Saaanto!...” ovimento dos ovos ntelectuais de ngola - “Olá, Povo!...” O M N I A Mas por que é saudado em coro? Porque tem muitos afilhados? Porque tem corrente de ouro ngola entrou na década de dos, conseguiam por vezes editar jovens intelectuais que, principal- A enfeitar sua pobreza?... Aquarenta do século passado um jornal ou boletim em que se mente de e recém saídos Não me responde, avó Naxa? com um modelo de sistema co- começavam a descobrir alguns dos seus liceus e colégios, viria a - “Sô Santo teve riqueza... lonial que o poder do regime de textos pensando a condição de desaguar turbulenta, em 1948, no Dono de musseques e mais musseques... Salazar queria mais do que es- Angola, as suas culturas, o seu desafio lançado por Viriato da Cruz Padrinho de moleques e mais moleques... tável e duradouro, assentando futuro. Algumas destas associa- “Vamos descobrir Angola” a partir Macho de amantes e mais amantes, economicamente nas produções ções e clubes tinham sobretudo da sua mobilizadora presença na Beça-nganas bonitas Que cantam pelas rebitas: do café e do algodão que, mobi- em Luanda os seus próprios sa- Anangola (em kimbundu, filhos de “Muari-ngana Santo dim-dom lizando abundante mão-de-obra lões que, juntamente com outros Ana Angola, mas formalizada pru- ualó banda ó calaçala dim-dom angolana, quase servil e pro- espaços populares ou simples- dentemente como Associação dos chaluto mu muzumbo dim-dom...” fundamente explorada, tinham mente quintais, foram sendo fes- Naturais de Angola). Dois anos de- Sô Santo... reordenado os espaços políticos tivamente agitados desde 1947 pois, bem mais organizadamente, Banquetes p´ra gentes desconhecidas e administrativos em favor da pela música singular dos N’Gola os jovens Viriato da Cruz, António Noivado da filha durando semanas urbanização das grande cidades Ritmos. Criado naquele ano pelo Jacinto, Mário António e vários ou- Kitoto e batuque pró povo cá fora Champanha, ngaieta tocando lá dentro... portuárias e encruzilhadas nas grande Liceu Vieira Dias, Domin- tros, congraçados por uma mesma Garganta cansado: principais redes viárias e ferro- gos Van-Dúnem, Mário da Silva necessidade de renovação cultural “coma e arrebenta viárias que asseguravam o escoa- Araújo, Manuel dos Passos e Nino e literária, fundaram o Movimento e o que sobra vai no mar...” mento da crescente colonização Ndongo, o grupo juntava as violas dos Novos Intelectuais de Angola Hum-hum e produção agrícolas. O interior às percussões para cantar música que, logo em 1950, publica a Anto- Mas deixa... do país tenderia a fechar-se, a kimbundu inspirada tanto nos la- logia dos Novos Poetas de Angola. Quando Sô Santo morrer, isolar-se e a permitir o controlo mentos fúnebres das bessanganas A seguir, o movimento foi respon- Vamos chamar um Kimbanda Para ngombo nos dizer quase total de enormes explo- quanto nos ritmos da semba que sável pela publicação da revista Se a sua grande desgraça rações rurais por companhias e se dança com esse quase erótico Mensagem, cujo primeiro número, Foi desamparo de Sandu proprietários privados. As cida- choque de barrigas. Anunciando em 1951, reuniu textos e poemas Ou se é já própria da Raça...” des viam-se obrigadas a ganhar o que haveria de vir depois, qua- de Mário António, , Lá vai... progressivamente mais burocra- se todos os músicos dos N’Gola Viriato da Cruz, Alda Lara, Antó- descendo a calçada cia, administrações e funcioná- Ritmos eram militantes naciona- nio Jacinto e Mário Pinto de Andra- A mesma calçada que outrora subias rios. Não se podendo recrutar listas, pelo que Liceu e Amadeu de. Em 1952, ainda foi publicado Cigarro apagado Bengala na mão... completamente entre os colonos foram presos em 1959 e enviados um grosso volume associando os ... Se ele é o símbolo da Raça vindos da metrópole, geralmen- para o campo do Tarrafal, em números 2 a 4, mas o governo- Ou a vingança de Sandu... te camponeses pouco alfabeti- Cabo Verde. -geral colonial de Angola rapida- zados transformados em Angola A palavra que circulava em mente proibiu a nova mensagem. em ricos proprietários fundiários festas, músicas, danças, escassas Na revista foram publicados al- VEJA NO YOUTUBE: ou zelosos capatazes, a adminis- conferências e ainda menos au- guns dos mais conhecidos poemas • FAUSTO tração colonial foi recorrendo a torizados debates foi discutindo de Viriato da Cruz, como Makèzú http://www.youtube.com/watch?v=0bakjzhUqfA escassos candidatos locais, o que cada vez mais temas que se que- ou Mamã Negra. O movimento foi gerando mais algumas esco- riam verdadeiramente angolanos, ainda enviou uma carta formal às • SÉRGIO GODINHO http://www.youtube.com/watch?v=ohtCKeNuiI8 las e oportunidades de educação buscando uma renovação cultural Nações Unidas reivindicando para formal entre os jovens urbanos e social que se encontra já, exem- Angola o estatuto de protectora- • RUI MINGAS da maioria negra e das minorias plarmente, em escritos como o do sob supervisão do organismo http://www.youtube.com/Watch?v=rhVwhAQeowk mestiças. Foram também surgin- texto de opinião que, intitulado internacional, mas ninguém ligou. • TERESA SALGUEIRO do algumas associações, clubes “Marcha para o Exterior”, Agosti- Mais escutadas foram em Lisboa as http://www.youtube.com/watch?v=lTWbw7Fn6jo recreativos e espaços de convívio nho Neto publicou no jornal O Fa- cartas com informações do novo que, mais ou menos formaliza- rolim, em 1946. Uma agitação de Movimento enviadas por Viriato da

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lusofonias II Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS Cruz às reunioes que, na Casa dos Estudantes do os rumos futuros da literatura angolana, ensi- tória política e cultural, convém continuar a Império e, depois, no Centro de Estudos Africanos nando a mobilizar a festa e a revolta popular, prolongar até 1963 com a edição em italiano associavam, entre vários outros, Agostinho Neto, a música e a dança, línguas e dialectos locais, da referencial colectânea de poemas de Agos- Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Humberto mais os quotidianos de opressão e as promes- tinho Neto conhecida como “Sagrada Família” Machado, José Tenreiro, Vasco Cabral e Mário de sas de libertação nacional. Convém, por isso, e, mais ainda, até se chegar em 1965 à célebre Andrade. Mobilizados por este exemplo dos que, prolongar este movimento intelectual que en- e muito embaraçosa atribuição pela Sociedade em Luanda, queriam descobrir a verdadeira Angola contra em Cultura, o jornal da Sociedade Cul- Portuguesa de Escritores do Grande Prémio de e fundar uma genuína poesia angolana, iniciaram tural de Angola, fundada ainda em 1942, uma Novelística a Luuanda, livro editado em 1964, também os estudantes africanos por Lisboa a pro- nova série de treze números que, entre 1957 da consagrada autoria de José Luandino Vieira dução literária que os Cadernos da Casa do Impé- e 1961, difundem um novo modernismo literá- quando este se encontrava preso também no rio divulgaram publicamente a partir de 1951. rio multiplicado por muitos poemas e ensaios Tarrafal por alegadas “actividades terroristas”. Figura fundamental desta geração que al- originais inspirados na redescoberta das raízes O que suscitaria amplos protestos em Portugal guma investigação académica designa precisa- culturais angolanas, na miséria dos musseques e em muitos círculos internacionais, elevando mente como a da Mensagem, Viriato da Cruz ou na exploração de pobres trabalhadores ru- Luandino e Neto ao estatuto de mais conheci- vai marcar com a sua obra muitos intelectuais rais e dos operários industriais de Luanda. Um dos escritores angolanos e referências do movi- de Angola, abrindo os caminhos possíveis para movimento importante que, combinando his- mento de emancipação nacional.

Acção Política: do Partido Comunista de Angola ao MPLA

egressemos a Viriato da Cruz. tanto do mais amplo MOVIMENTO do Partido Comunista Brasileiro, da Cruz consegue encontrar em RNos princípios de 1950, trans- POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE AN- mas rejeitados pelo português Conacry interesse da embaixa- fere-se para o Sul de Angola, na GOLA.”. Texto muito discutido, PCP. Nos finais de 1955, Viriato da da República Popular da China Huíla, encontrando emprego como geralmente convocado para situar da Cruz passou por Lisboa para pelo MPLA, integrando no final de administrativo na fábrica Singer. em 1956 a formalização do MPLA, contactar outros nacionalistas Agosto a delegação do movimento Não fica por muito tempo, retor- mas que convém ser lido mais ri- angolanos, sobretudo estudan- que, juntamente com represen- nando a Luanda como contabilista gorosamente como documento tes, depois viajando para Paris tantes do PAIGC, visitam Pequim, para acompanhar a impressão do importante no processo de fun- onde recrutou militantes para o recebendo os primeiros apoios primeiro volume da Mensagem. dação do MPLA, fundindo muitos PCA “depois de se ter certificado financeiros para a luta de liber- Proíbida a revista e pressionado grupos (MIA, PLUAA, MINA, o pró- que nós não éramos membros do tação nacional. À semelhança de cada vez mais pela repressão do prio PCA), militâncias, personali- PCP”, como recordava Lúcio Lara, Amílcar Cabral, também Viriato da regime colonial, Viriato da Cruz dades e ideias que efectivamente mais tarde dirigente importante Cruz se interessou pela revolução decide passar à acção política, se devem situar neste período. do MPLA. Em rigor, Viriato da Cruz chinesa, pela liderança do Partido transformando as aspirações in- Perseguido pela PIDE no con- nutria as mais sérias dúvidas so- Comunista, pelas ideias de Mao e, telectuais em organização revolu- texto geral do sério aumento da bre as posições do PCP em relação sobretudo, por um processo re- cionária. Com o seu companheiro repressão que acompanhou as à luta de libertação nas colónias volucionário que tinha assentado (e também contabilista) António eleições legislativas de 1957 e as portuguesas, tendo sido mesmo numa ampla mobilização do cam- Jacinto, Ilídio Machado, os escri- presidenciais de 1958 que, em An- o único membro do PCA que se pesinato, o que parecia iluminar tores Domingos Van-Dúnem, Aris- gola, mobilizaram muitos demo- opôs a qualquer colaboração com as condições requeridas para o de- tides Van-Dúnem e Mário António cratas e nacionalistas em torno os comunistas portugueses que, senvolvimento das lutas de liber- fundam, em 1955, o Partido Co- de Humberto Delgado, Viriato da nos anos seguintes, passaram a tação nas colónias portuguesas de munista de Angola (PCA). Cruz abandona o país em Novem- apoiar mais mobilizadamente os África, especialmente em Angola, Em 1956, seguindo uma narrati- bro de 1957, passa por Lisboa, movimentos nacionalistas, pelo Moçambique e Guiné-Bissau. va tão heróica quanto romântica, acolhido por Amílcar Cabral, mas menos desde 1962 quando con- hospedado no Hotel Magestic, em perseguido pela PIDE junta-se em correram para a fuga das prisões Luanda, Viriato da Cruz redigiu Paris a Mário Pinto de Andrade, portuguesas para Marrocos de ao longo de duas semanas o texto provavelmente a sua mais impor- Agostinho Neto, encarcerado que, mais tarde, seria em grande tante influência política e inte- em 1960, e de Vasco Cabral parte adoptado como manifesto lectual, Guilherme Espírito Santo, (1926-2005), resistente político do MPLA. O manuscrito Aquino de Bragança e Marcelino guineense, militante original agitava as ideias que se dos Santos colaborando na cria- do PCP e futuro diri- seguem: “o colonialismo inocu- ção do MAC (Movimento Anti-Co- gente do PAIGC. lou, pois, em todo o organismo lonial). Desenvolve então agita- Em 1960, Vi- de Angola, o micróbio da ruína, da actividade política e cultural, riato da Cruz en- do ódio, do atraso, da miséria, apresentando ao II Congresso dos contrava-se em do obscurantismo, da reacção. O Escritores e Artistas Negros, reali- Conacry onde se caminho em que nos vêm obrigan- zado em Roma, em Abril de 1959, alberga a direc- do a seguir é, portanto, absolu- uma comunicação original sobre ção do MPLA, tamente contrário aos supremos A responsabilidade do intelectual recebendo o interesses do povo angolano: aos negro, texto generosamente in- cargo de se- da nossa sobrevivência, da nos- fluenciado pelos ideários da ne- cretário-geral sa liberdade, do rápido e livre gritude que se espalhavam pela quando o mo- progresso económico, da nossa variada intelectualidade também vimento tinha felicidade, de pão, terra, paz e africana instalada em Paris. Mário Pinto de cultura para todos. (...) Porém, o Nesta altura, o Partido Comu- Andrade como colonialismo português não cairá nista de Angola tinha praticamen- presidente, o sem luta. Deste modo, só há um te sido suspenso, subsumindo-se reverendo Do- caminho para o povo angolano se como outros grupos nacionalistas mingos da Silva libertar: o da luta revolucioná- nesse projecto histórico em an- como vice-presi- ria. Esta luta, no entanto, só al- damento que Viriato da Cruz ha- dente, Manuel de cançará a vitória através de uma via já crismado como MPLA. Com Lima como secre- frente única de todas as forças efeito, a recepção à criação do tário para a defesa, anti-imperialistas de Angola, sem PCA foi extremamente crítica en- mais os dirigentes que ligar às cores políticas, à situação tres os meios nacionalistas de An- eram, na altura, Ma- social dos indivíduos, às crenças gola, mas também entre os comu- tias Miguéis e os médicos religiosas e às tendências filosó- nistas portugueses: os estatutos Eduardo Macedo dos Santos ficas dos indivíduos, através por- do PCA haviam sido copiados dos e Hugo de Menezes. Viriato

lusofonias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 III Contradições, A Poesia de Viriato da Cruz: Dissidência a descoberta e Exílio em Pequim da Angolanidade

ítima das suas contradições, da repressão colonial, pessoais ortodoxias, sínicos equí- m 1962, durante um período intenso de de- ções que inviabilizariam qualquer transformação Vvocos e quase religiosas fidelidades a um marxismo constantemente procurado na sua Ebates importantes sobre a necessidade impe- revolucionária de sentido socialista. Convidado a impossível pureza original, Viriato da Cruz publicou apenas poemas dispersos nas décadas riosa de desenvolver a luta armada de libertação rever o seu informe, recusou-se. de 1940 e 1950, antologiados em 1961 no livro Poemas. A somar a muitos outros textos nacional, Viriato da Cruz incompatibiliza-se ra- dispersos que importaria recolher, estudar e publicar. O seu interesse pela literatura e, dicalmente com a maioria da direcção do MPLA em especial, pela renovação da poesia angolana revelou-se cedo quando, em 1946, com e, mais do que profundamente, com Agostinho dezoito anos, publicou no jornal “Farolim” um ensaio sobre as tendências literárias con- Neto a quem parece ter acusado de se movimen- temporâneas. Neste mesmo ano, em Setembro, escreve um estudo sobre “A arte antiga e tar como um “agente português”, argumentando a arte moderna”, dissertando sobre temas estéticos, revisitando o tradicional debate en- com a sua fantástica fuga para Marrocos com o tre o fundo e a forma, avaliando a evolução da arte e da literatura no mundo. Na década apoio de um PCP de que mais do que desconfiava. de 1950, Viriato da Cruz abraça militante uma poesia em que aproveita as sugestões do Expulso do MPLA em 1963, a dissidência de Viria- modernismo, temas coloridos em verso livre, para exornar a negritude, os trabalhadores to da Cruz tem sido normalmente lida como um oprimidos, frequentando tipos sociais como os contratados, os moleques, os serviçais, os reflexo das contradições entre a RPC e a URSS. anciãos, revisitando tradições, raízes e consagrando a sabedoria popular angolana. Trata-se provavelmente de uma interpretação Escrevendo poesia em qualificado português, mas devidamente colorido com expres- apressada e anacrónica porque estranha ao pre- sões dialectais e dizeres acrioulados, Viriato da Cruz mergulha fundo à procura das raí- ciso tempo histórico: nem Viriato da Cruz possuía zes da angolanidade libertadora de um povo oprimido e colonizado. Uma libertação que na altura conhecimento e adesão suficientes ao encontra em tipos populares como esse Benjamim “barbado, sujo, e descalço,/ como um maoismo, nem o MPLA mobilizava ainda os apoios mona-ngamba” que só consegue conquistar a sua amada no baile do Sô Januário quando, soviéticos e dos Estados socialistas da Europa do liberto dos símbolos europeus, da carta perfumada aos presentes em joalharia, dança com Leste que se consolidaram nos finais da década ela uma vertiginosa rumba bem africana (Aí Benjamim!). de 1960: as primeiras armas que chegaram ao Os seus poemas recordam também em nostalgia os valores africanos tradicionais dis- movimento foram algumas pistolas oferecidas solvidos pelo colonialismo, mas também pela civilização contemporânea, urbana e indus- em 1961 pela Checoslováquia que davam mal trial, como se descobre nos versos de Makèzú: “Todo esse povo / Pegô um costume novo / para a defesa de alguns dirigentes quanto mais Qui diz qué civrização: / Come só pão com chouriço / Ou toma café com pão… (…) Pruqué para iniciar qualquer luta armada séria. qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // – É pruquê nossas raiz / Tem força do makèzú!…” Seja como for, saído do MPLA que ajudara a Os poemas de Viriato da Cruz animaram festas, convívios, tertúlias, encheram a Men- fundar juntamente com outros dirigentes como sagem para se consagrarem depois em música e canto ou não fosse o seu «Namoro», musi- Matias Miguéis e José Miguel, Viriato da Cruz se- cado por Fausto e com interpretação original de Sérgio Godinho, um dos grandes clássicos gue para a FNLA de Holden Roberto (1923-2007), da Música Popular Portuguesa devidamente encruzilhado em lusofonias. Vale tanto a pena logo suscitando as preocupações dos vigilantes ouvir Viriato da Cruz na inconfundível voz de Rui Mingas como voltar a resgatar a sua obra agentes da CIA que rapidamente informam Wa- que precisa urgentemente de ser reunida, revisitada, revivificada. É que, em rigor, as shington do perigo de uma radicalização do mo- boas obras têm um valor intrínseco independente dos muitos ou poucos sarilhos em que vimento. Preocupações excessivas já que Viriato se foi envolvendo o seu autor. Infelizmente, Viriato da Cruz foi acantonado a um certo da Cruz depressa viria a abandonar a FNLA. Ao mesmo tempo, como as suas cartas de ostracismo em que predominam fantasmas e contradições do passado, pecados vetustos, Em 1966, recebe um convite para se insta- Pequim para Monique Chajmowiez sugerem, afinal. Mas no processo de construção da Nação Angolana para que ele também contribui lar em Pequim que aceita. Abre-se o contradi- envolveu-se (mal) ainda mais profundamen- fica bem ter uma figura maldita que Viriato da Cruz certamente não se importaria de ser: tório período dos sete últimos anos da vida de te nas contradições dramáticas da Revolução “em nós outros, teus filhos,/ gerando, formando, anunciando -/ o dia da humanidade/ O Viriato da Cruz que permanece ainda envolto Cultural, tomando partido por fracções e ensi- DIA DA HUMANIDADE!...” em complicado mistério, pese embora a publi- nando o que foi entendendo ser a sua rigorosa cação, em 2004, em Luanda, pela editora Chá fidelidade ao marxismo original, sobrando em de Caxinde, da sua correspondência com Moni- especulação filosófica o que minguava em ra- que Chajmowiez em livro intitulado Cartas de zoabilidade e compreensão da diversidade de Pequim. Acolhido fraternalmente, desdobrando- sociedades e culturas. -se em elogios ao Presidente , Viria- Não se documenta, porém, com completo ri- to da Cruz vai testemunhar e mesmo apoiar com gor documental o seu definitivo afastamento da entusiasmo o debutar da Revolução Cultural que radicalização das teses maoistas deste período, haveria, afinal, de destruir parte importante dos mas encontra-se na sua correspondência um sen- dirigentes e intelectuais do Partido Comunista timento de exílio e isolamento, um desejo re- Chinês responsáveis pela Revolução e pela cons- corrente de deixar a China que foi sendo sempre trução da República Popular. Aceita, de seguida, contrariado pelas autoridades. Passou, por isso, colaborar na divisão da Organização dos Escrito- a ser mais controlado e vigiado, chegou até a ser res Afro-Asiáticos que, com sede no Cairo, era convocado pela polícia, levando-o, por receio, a acusado do seu alinhamento soviético, recrian- destruir muitos dos seus documentos e arquivos do-se movimento similar com sedes em Pequim privados. A sua mulher, Maria Eugénia, decide e Colombo. Nos finais de 1966, Viriato da Cruz é mesmo derrubar ostensivamente, em 1971, uma convidado em nome da nova organização a reali- estátua de Mao no grande hall do Hotel da Ami- zar um périplo por várias capitais africanas para zade, em Pequim, convencida de que a radical recolher apoios e estudar as condições políticas manifestação conduziria à expulsão de toda a fa- dos respectivos países. mília da China. Regressado a Pequim por Fevereiro de 1967, Enganou-se. Viriato da Cruz, a sua esposa e o intelectual angolano escreve a pedido dos diri- filha seguem para os arrabaldes da capital, pas- gentes chineses um relatório em que não conse- sando verdadeiramente a viver de esmolas, es- guiu comprovar poderem as sociedades africanas quecidos mesmo pelos dirigentes africanos que mobilizar as condições objectivas para realiza- passavam por Pequim, abandonados a uma vida rem revoluções socialistas, incluindo as nações mais do que miserável. Morre em 1973, isolado e mais progressistas, como o Mali, a Guiné-Conacry esquecido, de síncope cardíaca segundo as fon- e o Gana. Pelo contrário, o relatório de Viriato tes oficiais. Ficou, felizmente, para sempre a sua Hugo de Menezes, Lúcio Lara e Viriato da Cruz da Cruz acusava as elites corruptas africanas, poesia que, nos princípios de 1960, chegou a con- numa conferência de Solidariedade com os Povos Afro-Asiáticos criticava as massas ignorantes e destacava o pre- siderar arte menor face à superior elevação da domínio de economias rudimentares como condi- política. lusofonias IV Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS A Poesia de Viriato da Cruz: Viriato da Cruz, a descoberta da Angolanidade Poemas

ítima das suas contradições, da repressão colonial, pessoais ortodoxias, sínicos equí- Vvocos e quase religiosas fidelidades a um marxismo constantemente procurado na sua impossível pureza original, Viriato da Cruz publicou apenas poemas dispersos nas décadas Namoro de 1940 e 1950, antologiados em 1961 no livro Poemas. A somar a muitos outros textos dispersos que importaria recolher, estudar e publicar. O seu interesse pela literatura e, Mandei-lhe uma carta em papel perfumado em especial, pela renovação da poesia angolana revelou-se cedo quando, em 1946, com e com a letra bonita eu disse ela tinha dezoito anos, publicou no jornal “Farolim” um ensaio sobre as tendências literárias con- um sorrir luminoso tão quente e gaiato temporâneas. Neste mesmo ano, em Setembro, escreve um estudo sobre “A arte antiga e como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas a arte moderna”, dissertando sobre temas estéticos, revisitando o tradicional debate en- espalhando diamantes na fímbria do mar e dando calor ao sumo das mangas. tre o fundo e a forma, avaliando a evolução da arte e da literatura no mundo. Na década Serão de menino sua pele macia - era sumaúma... de 1950, Viriato da Cruz abraça militante uma poesia em que aproveita as sugestões do Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas na noite de breu modernismo, temas coloridos em verso livre, para exornar a negritude, os trabalhadores tão rijo e tão doce - como o maboque... ao quente da voz oprimidos, frequentando tipos sociais como os contratados, os moleques, os serviçais, os Seu seios laranjas - laranjas do Loge de suas avós, anciãos, revisitando tradições, raízes e consagrando a sabedoria popular angolana. seus dentes... - marfim... meninos se encantam Escrevendo poesia em qualificado português, mas devidamente colorido com expres- Mandei-lhe uma carta de contos bantos... sões dialectais e dizeres acrioulados, Viriato da Cruz mergulha fundo à procura das raí- e ela disse que não. “Era uma vez uma corça zes da angolanidade libertadora de um povo oprimido e colonizado. Uma libertação que Mandei-lhe um cartão dona de cabra sem macho... encontra em tipos populares como esse Benjamim “barbado, sujo, e descalço,/ como um que o Maninjo tipografou: ... Matreiro, o cágado lento mona-ngamba” que só consegue conquistar a sua amada no baile do Sô Januário quando, “Por ti sofre o meu coração” tuc... tuc... foi entrando liberto dos símbolos europeus, da carta perfumada aos presentes em joalharia, dança com Num canto - SIM, noutro canto – NÃO para o conselho animal... ela uma vertiginosa rumba bem africana (Aí Benjamim!). E ela o canto do NÃO dobrou. (“- Tão tarde que ele chegou!”) Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete Os seus poemas recordam também em nostalgia os valores africanos tradicionais dis- Abriu a boca e falou – pedindo rogando de joelhos no chão solvidos pelo colonialismo, mas também pela civilização contemporânea, urbana e indus- deu a sentença final: pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia, trial, como se descobre nos versos de Makèzú: “Todo esse povo / Pegô um costume novo / “- Não tenham medo da força! me desse a ventura do seu namoro... Qui diz qué civrização: / Come só pão com chouriço / Ou toma café com pão… (…) Pruqué Se o leão o alheio retém E ela disse que não. qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // – É pruquê nossas raiz / Tem força do makèzú!…” - luta ao Mal! Vitória ao Bem! Levei à avó Chica, quimbanda de fama Os poemas de Viriato da Cruz animaram festas, convívios, tertúlias, encheram a Men- tire-se ao leão, dê-se à corça.” a areia da marca que o seu pé deixou sagem para se consagrarem depois em música e canto ou não fosse o seu «Namoro», musi- Mas quando lá fora para que fizesse um feitiço forte e seguro cado por Fausto e com interpretação original de Sérgio Godinho, um dos grandes clássicos o vento irado nas fresta chora que nela nascesse um amor como o meu... da Música Popular Portuguesa devidamente encruzilhado em lusofonias. Vale tanto a pena e ramos xuaxalha de altas mulembas E o feitiço falhou. ouvir Viriato da Cruz na inconfundível voz de Rui Mingas como voltar a resgatar a sua obra e portas bambas batem em massembas Esperei-a de tarde, à porta da fábrica, que precisa urgentemente de ser reunida, revisitada, revivificada. É que, em rigor, as os meninos se apertam de olhos abertos: ofertei-lhe um colar e um anel e um broche, boas obras têm um valor intrínseco independente dos muitos ou poucos sarilhos em que - Eué paguei-lhe doces na calçada da Missão, - É casumbi... se foi envolvendo o seu autor. Infelizmente, Viriato da Cruz foi acantonado a um certo ficamos num banco do largo da Estátua, E a gente grande – ostracismo em que predominam fantasmas e contradições do passado, pecados vetustos, afaguei-lhe as mãos... bem perto dali afinal. Mas no processo de construção da Nação Angolana para que ele também contribui falei-lhe de amor... e ela disse que não. feijão descascando para o quitande - fica bem ter uma figura maldita que Viriato da Cruz certamente não se importaria de ser: Andei barbado, sujo, e descalço, a gente grande com gosto ri... “em nós outros, teus filhos,/ gerando, formando, anunciando -/ o dia da humanidade/ O como um mona-ngamba. Com gosto ri, porque ela diz DIA DA HUMANIDADE!...” Procuraram por mim que o casumbi males só faz “ - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?” a quem não tem amor, aos mais E perdido me deram no morro da Samba. seres buscam, em negra noite, E para me distrair essa outra voz de casumbi levaram-me ao baile do sô Januário essa outra voz - Felicidade... mas ela lá estava num canto a rir contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário Tocaram uma rumba dancei com ela e num passo maluco voamos na sala qual uma estrela riscando o céu! E a malta gritou: “Aí Benjamim!” Olhei-a nos olhos - sorriu para mim pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Makèsú

“Kuakié!... Makèzú...” Nem criados, nem pedreiros Qui diz qué civrização: O pregão da avó Ximinha Nem alegres lavadeiras Come só pão com chouriço É mesmo como os seus panos Dessa nova geração Ou toma café com pão... Já não tem a cor berrante Das “venidas de alcatrão” E diz ainda pru cima Que tinha nos outros anos. Ouvem o fraco pregão Avó Xima está velhinha Da velhinha quitandeira. (Hum... mbundu Kene muxima...) Mas de manhã, manhãzinha, “Kuakié!... Makèzú, Makèzú...” Qui o nosso bom makèzú Pede licença ao reumático “Antão, véia, hoje nada?” É pra véios como tu.” E num passo nada prático “Nada, mano Filisberto... “Eles não sabe o que diz... Rasga estradinhas na areia... Hoje os tempo tá mudado...” Pru qué Qui vivi filiz Lá vai para um cajueiro “Mas tá passá gente perto... Hugo de Menezes, Lúcio Lara e Viriato da Cruz E tem cem ano eu e tu?” numa conferência de Solidariedade com os Povos Afro-Asiáticos Que se levanta altaneiro Como é aqui tá fazendo isso?” No cruzeiro dos caminhos “Não sabe?! Todo esse povo “É pruquê nossas raiz Das gentes que vão p´ra Baixa. Pegô num costume novo Tem força do makèzú!...”

lusofonias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 V Mamã negra (canto da esperança) À memória do poeta haitiano Jacques Roumain

Tua presença, minha Mãe - drama vivo duma Raça, rebentem, rebentem, grilhetas da Alma Drama de carne e sangue evade-te, ó Alma, nas asas da Música! Que a Vida escreveu com a pena dos séculos! ...do brilho do Sol, do Sol fecundo Pela tua voz imortal Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais e belo... [dos seringais dos algodoais!... Pelo teu regaço, minha Mãe, Vozes das plantações de Virgínia Outras gentes embaladas dos campos das Carolinas à voz da ternura ninadas Alabama do teu leite alimentadas Cuba de bondade e poesia Brasil... de música ritmo e graça... Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos santos poetas e sábios... [das pampas das minas! Outras gentes... não teus filhos, Vozes de Harlem Hill District South que estes nascendo alimárias vozes das sanzalas! semoventes, coisas várias, Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando mais são filhos da desgraça: [dos vagões! a enxada é o seu brinquedo Vozes chorando na voz de Corrothers: trabalho escravo - folguedo... Lord God, what will have we done - Vozes de toda América! Vozes de toda África! Pelos teus olhos, minha Mãe Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston Vejo oceanos de dor Na bela voz de Guillén... Claridades de sol-posto, paisagens Pelo teu dorso Roxas paisagens Rebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo! Dramas de Cam e Jafé... Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor Mas vejo (Oh! se vejo!...) [amaciando as mais ricas terras do mundo! mas vejo também que a luz roubada aos teus Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos...) [olhos, ora esplende Rebrilhantes dorsos torcidos no “tronco”, pendentes da demoniacamente tentadora - como a Certeza... [forca, caídos por Lynch! cintilantemente firme - como a Esperança... Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!) em nós outros, teus filhos, ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados! gerando, formando, anunciando - Rebrilhantes dorsos... o dia da humanidade brilhem, brilhem, batedores de jazz O DIA DA HUMANIDADE!...

Rimance da menina da roça

A menina da roça acorda à noite está no terreiro ouviu um barulho cosendo a toalhinha na escuridão pró seu enxoval... - “O carro chegou!...” - “ Que céu tão lindo!, Oh... é o pulsar e o encanto da mata!... apressado Ai, tanta beleza do seu coração no cafezal...” (Por que bates tão depressa, coração alucinado? A menina da roça terá poesia Coração alucinado, espera que o dia amanheça) terá poesia nos olhos de mel? - “Já viu a minina?...” A menina da roça “Hem... tem cor marela chega à janela do mburututu...” e na estrada branca - “E não come nem nada...” a vista alonga... - “E os olhos de mel - “É o carro a vir?” tão-se afundar Não... é o bater compassado num lago azul do aço de enxadas que faz sonhar...” dos negros na tonga... Conversam as negras A menina da roça tem é um namoro à boca apertada tem um namoro com um motorista (minha dor, ninguém a saiba – A menina da roça não há peito em que ela caiba) veio à varanda A menina da roça e os olhos erra escuta dorida no verde à toa a triste canção - “Está ele a chegar?!” que vem do rio Ah... são negros pilando Que vem do rio? – Que vem do peito: dendém para azeite baixinho, lá dentro, na grande canoa chora de amor (Prucutum, lá do telheiro, o coração. vai chamar o meu amor) Menina da roça – águas do rio A menina da roça saudades da fonte... desejos de amar. lusofonias VI Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS Economias...Reúne estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos Países de Língua Portuguesa e a sua cooperação com a República Popular da China CHINA | Primeiro Legacy 650 TIMOR-LESTE bem sucedido Avança rede de energia eléctrica primeiro avião a desenvolvimento da rede eléctrica em Ojacto executivo OTimor-Leste está a conhecer um elevado Legacy 650 fabri- progresso, depois de o Governo ter inaugura- cado na China con- do um novo centro de electricidade. A 20 de cluiu com sucesso Agosto, o Presidente da República Taur Matan o voo inaugural, in- Ruak, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, o formou a Empresa secretário de Estado da Electricidade, Januá- Brasileira de Aero- rio Pereira, inauguraram a Central de energia náutica (Embraer), eléctrica de Betano, no distrito de Manufahi. que adiantou que a Com a construção da usina de Betano, na cos- entrega do primeiro ta sul, as duas novas centrais que são a base aparelho está pre- do Projecto Nacional de Electrificação estão vista para o final de já concluídas. A primeira central de Hera, na costa norte de Timor-Leste, está operacional 2013, noticiou o Macauhub. De acordo com este site, este avião há mais de um ano. O objectivo do Projecto Nacional de Electrificação é fornecer uma foi fabricado pela Harbin Embraer Aircraft Industry Co., Ltd (HEAI), transmissão e distribuição fiáveis em todo o território timorense. A preparação e o planea- parceria entre a brasileira Embraer e a Aviation Industry Corporation mento da usina de 130 megawatts, em Betano, começou em 2011. Outros componentes- of China (AVIC). O Legacy 650 entrou em serviço no final de 2010, -chave da rede de 150 megawatts em todo o país incluem a construção de nove sub-es- tem uma autonomia de 7223 quilómetros e capa- tações, que já foram concluídas, e uma rede cidade para voos directos entre Pequim e Dubai de linhas de transmissão e de distribuição. O ou de Hong Kong a Adelaide, na Austrália. Desde trabalho, que prevê mais de 600 quilómetros Fevereiro de 2012, quando a Embraer entregou de linhas de transmissão e 120 quilómetros de o primeiro Legacy 650 na China, a empresa já linhas de distribuição, está concluído em mais recebeu 21 pedidos firmes e mais cinco opções de 90%. Como resultado destas conquistas, 47 para o aparelho no país. Em 2 de Dezembro de sub-distritos de 12 dos 13 distritos de Timor- 2002, a Embraer assinou um acordo de coope- -Leste têm agora acesso permanente à rede ração industrial com a Harbin Aircraft Industry de energia. A chegada aos dois restantes sub- Group., Ltd. (HAIG), subsidiária da China Aviation -distritos - a ilha de Ataúro e um enclave de Industry Corporation II (AVIC II), para estabele- Oecussi – também está planificada. A ilha de cer a parceria Harbin Embraer Aircraft Industry Ataúro através de um cabo submarino e o en- Co, Ltd. (HEAI), com o intuito de produzir o jacto clave de Oecussi por meio de uma nova usina, comercial ERJ 145, tornando-se a primeira uni- cuja construção ainda não começou. dade da Embraer no exterior destinada à mon- SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE tagem de aviões regionais. Em 21 de Junho de 2012, a Embraer e a AVIC (empresa fundada em 6 Criado Dia Nacional do Turismo de Novembro de 2008 através da reestruturação e consolidação AVIC I e AVIC II) chegaram a um governo santomense decidiu institucionalizar o dia Governo de Angola consenso e decidiram também produzir os jactos O24 de Agosto como Dia Nacional do Turismo e con- executivos Legacy 600/650 na China, utilizando a vidou os santomenses a reflectir sob o tema “O estado pretende relançar infra-estrutura, os recursos financeiros e a força actual do turismo em São Tomé e Príncipe: soluções e de trabalho da HEAI. perspectivas”. Segundo dados oficiais, neste momento indústria da madeira o arquipélago, situado em pleno Golfo da Guiné, recebe anualmente 13 mil turistas. Segundo a imprensa local, Ministério da Agricultura de Angola, em apesar das potencialidades turísticas naturais como o Oparceria com o da Indústria, elaborou são as praias ou ainda o acolhimento dos visitantes pela um plano para o relançamento da indústria população local, o principal entrave para o aumento do da madeira a fim de reduzir o actual défice MOÇAMBIQUE fluxo turístico continua a ser o elevado preço das via- de produção, afirmou na passada semana em gens aéreas, para além da escassez de boas instalações Cabinda o ministro Afonso Pedro Canga. Na ONU quer estimular hoteleiras que permitam acolher turistas internacionais abertura do Primeiro Encontro Nacional So- de mais rendimentos. Em 2011, o Governo santomense bre Inventário Florestal, o ministro da Agri- habitação social reduziu o preço dos vistos para 20 euros para ver cres- cultura e do Desenvolvimento Rural disse cer o número de turistas ao arquipélago. Na altura, o que o défice de produção está estimado em Programa das Nações Unidas para os Assen- objectivo era atingir até 2014 uma meta de 25 mil turis- 400 mil metros cúbicos de madeira em toro, O tamentos Humanos, UN-Habitat, anunciou a tas. Em São Tomé e Príncipe o turismo continua a ser um sendo objectivo deste plano reanimar o sec- promoção de um modelo de habitação social para dos sectores que mais contribui para o cofre de Estado, tor de corte e de transformação de madeira, mulheres pobres das zonas rurais de Moçambique. como também para a promoção do emprego. através da criação de oportunidades e incen- A agência apoiou o desenvolvimento de um pro- tivos para empresários florestais. O ministro jecto na província central de Manica e deve vai avançar, ainda este ano, com a construção disse ainda que as províncias do Cuanza Norte, Cabinda Uíge e de 30 casas de baixo custo. Falando à Rádio das Nações Unidas, em Maputo, o coordenador Bengo são os principais fornecedores de madeira pesada, en- do UN-Habitat em Moçambique, Silva Magaia, considerou que a questão da habitação de- quanto as províncias de Huambo e Benguela fornecem madeiras safia as autoridades nacionais. “Como resolver o problema da procura de habitação para as leves. Adiantando que a taxa de desflorestação em Angola é ac- pessoas mais carentes? Atacamos este grupo alvo de mulheres pelas condições sócio-cul- tualmente de 0,2%, “número que embora não preocupante deve turais da zona em que as mulheres ficam: numa situação muito vulnerável, pois não têm merecer a nossa atenção”, Afonso Pedro Canga salientou ser fun- os seus direitos respeitados e, na maior parte das vezes, são elas as verdadeiras chefes de damental que Angola conheça com precisão científica e técnica família”, disse. Dados do UN-Habitat indicam que cerca de oito em cada dez habitantes os recursos florestais, onde se encontram e em que quantidade, das zonas urbanas vivem em assentamentos a fim de ser possível geri-los de uma forma racional. Angola tem informais, as áreas sem arruamentos, aces- uma superfície de floresta natural estimada em 53 milhões de so à água potável, sem ligação a uma via hectares, o que corresponde a cerca de metade (43%) do terri- pública e com terrenos não demarcados. O tório nacional e tem uma capacidade anual de corte estimada responsável do UN-Habitat em Moçambique em 326 mil metros cúbicos de madeira, milhares de toneladas Silva Magaia referiu que “vamos criar um de carvão e lenha. “Angola dispõe ainda de uma área de floresta fundo rotativo. À medida que as pessoas fo- plantada calculada em 148 mil hectares, com um potencial de rem devolvendo o empréstimo, estes valo- exploração anual de 800 mil metros cúbicos de madeira”, refe- res recuperados vão servir para construção riu o ministro. A elaboração do primeiro inventário florestal de de mais casas e de uma forma repetitiva Angola conta com a assistência técnica da FAO, o organismo das alargar ainda a pessoas mais carentes”. Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. Macauhub

lusofonias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 VII Publica textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias “Há dias uma amiga dizia-me que sempre se tinha assumido como negra e se sentia impregnada de toda a herança histórica que deriva dessa condição, que transmitia aos filhos e que incutia na Ideias família diariamente; que sentia orgulho nessa postura, a qual condicionava as suas escolhas e era visível no seu estilo de vida; tudo isto não passaria de uma banal nota de rodapé, não fosse o facto da minha amiga ter uma tez bastante clara e origens africanas e europeias quiçá em igual proporção”

Luísa Fresta*

O peso de ser negro ou reflexões sobre a Negritude No centenário do nascimento de Aimé Césaire - poeta, dramaturgo, ensaísta e ideólogo do conceito da negritude (26/06/1913- 17/04/2008)

ste é um tema que me persegue e me fascina comunicou, satisfeito, no final do exame: “Mi- num discurso informal de fim de tarde, à sombra Edesde sempre. O que é, afinal, “ser negro”? nha senhora, o rapaz está apto!”; ou ainda o de uma cerveja ou de uma água-de-coco. O que nos define como pessoas? A pretensa raça do engenheiro angolano, também negro, que Ser negro significaria, para alguns, reivindicar (hoje, aliás, um conceito fortemente criticado se dirigia, no seu automóvel, a um dos con- uma identidade, exaltar um conjunto de valores do ponto de vista antropológico), a maneira de domínios de Talatona, acompanhado por uma culturais comuns, refutar a ideia da assimilação estar na vida, a cultura, os valores, os relacio- colega de pele clara e foi confundido com “o cultural. Pergunto-me até que ponto hoje em dia namentos, a vivência, o posicionamento social, seu motorista”… este último episódio aconte- tais posicionamentos, mais ou menos radicaliza- a herança histórica? ceu de facto ainda este ano, o que prova que dos, ainda farão sentido, assumidos de uma for- Tenho várias memórias anedóticas a respeito as mentalidades mudam à velocidade do cara- ma diária como o cerne da nossa personalidade. do assunto, que ilustram bem o quão difícil é col e que há ideias pré-concebidas demasiado Este é um exercício de reflexão individual que vos percebermos o que somos, também em termos entranhadas para poderem ser recicladas da proponho, em função, não apenas do que somos, raciais. Há algum tempo, uma amiga angola- noite para o dia. mas da maneira como nos vêm os outros. Como o na de ascendência caucasiana encontrava-se a Há dias uma amiga dizia-me que sempre se fará certamente aquela menina, hoje uma jovem estudar algures na Europa. Um dia, um amigo tinha assumido como negra e se sentia impreg- adulta de mente aberta e saudavelmente toleran- comum, congolês, perguntoume “pela Sara” (as- nada de toda a herança histórica que deriva te, que um dia, ao regressar da escola primária sim se chama ela) e perante a minha hesitação, dessa condição, que transmitia aos filhos e perguntou: “Tio, eu sou preta?” uma vez que conhecia várias “Saras”, explicou- que incutia na família diariamente; que sen- Pessoalmente tive e tenho o imenso privilé- se: “Mas não é a branca, é a outra…”. Este hi- tia orgulho nessa postura, a qual condicionava gio de deslizar por várias culturas e universos, de lariante episódio ficou-me gravado na memória as suas escolhas e era visível no seu estilo de integrar nas minhas práticas diárias culturas dís- como o exemplo acabado de que a generalidade vida; tudo isto não passaria de uma banal nota pares mas não antagónicas, de mergulhar de ca- das pessoas não vê tanto o nosso tom de pele de rodapé, não fosse o facto da minha ami- beça e coração nos ritmos quentes e envolventes como o nosso entorno sócio-cultural. ga ter uma tez bastante clara e origens afri- da música angolana e de outros cantos do nosso Neste caso, a Sara era percebida de acordo canas e europeias quiçá em igual proporção. imenso continente, de apreciar com igual fervor a com a sua própria maneira viver e de sentir, o Curioso também o recente costume, em cer- bossa nova, o jazz e uma infinidade de ritmos ca- que se reflectia na música que ouvia, no tipo de tos círculos dos EUA, que tem levado muitos ribenhos, mas também a música francesa e muitas alimentação e até na maneira de relacionar-se indivíduos afro-descendentes (nomeadamen- outras sonoridades das mais insuspeitáveis latitu- com os outros: descontraída com os da mesma te), os auto designados african-americans, a des. De comer e cozinhar com prazer e devoção faixa etária, respeitosa e até cerimoniosa com procurarem respostas detalhadas para a sua os nosso pratos mais característicos, desde o pirão os mais-velhos. Não querendo ajudar a criar es- origem em termos étnicos e geográficos. O re- de Benguela à moamba de ginguba nortenha, de tereótipos, qualquer um entende que a Sara é sultado destes exames surge sob a forma de me envolver nas areias farinhentas da Baía Azul um produto do seu cocktail genético tanto quan- percentagens e permite aos cidadãos, para e de me mirar no seu imenso mar azul brilhante; to do meio; angolana, de entre as muitas formas além da satisfação pessoal de descobrir par- nunca senti a premência das escolhas, raras vezes de sê-lo, e todas elas válidas, desde o primeiro te da sua história individual e familiar, reen- me senti pressionada e constrangida a deixar-me raio da madrugada até ao final da noite, todos contrar as suas raízes, e até beneficiar de al- etiquetar, em termos culturais, julgo ter tido sem- os dias da sua vida, interpretando de uma forma guns privilégios (mera retratação em termos pre autonomia para assumir plenamente a minha única factores como tradições, língua, religião históricos, poder-se-ia intuir), oferecidos por mestiça liberdade e a minha miscelânea cultural. eque permitem identificá-la num ápice muito universidades, empresas e pelo próprio gover- Apenas, por instantes, porventura eternos, por- para além da cor da pele. Testemunhei outros no, destinados a grupos étnicos discriminados ventura permanentes, sinto o compasso do meu incidentes igualmente marcantes e caricatos a no passado. Curioso ainda o facto de muitos coração e dos meus pés marcarem o ritmo de uma este respeito, que partilho aqui convosco, pos- cidadãos que se assumem como negros, em canção que se me entranha de forma visceral e aí, to que, se alguns deles se fixaram na memória Angola, serem referidos, depreciativamente, os olhares centram-se na minha espontaneidade, durante décadas, devem forçosamente possuir ainda hoje, como “pretos”, ou eufemistica- como para me reavivarem o sentido de pertença e algum valor simbólico; o caso do homem, ne- mente como “pessoas de cor” ou “morenos” me dizerem quem sou. gro, que nos anos oitenta do século passado se em certos meios menos esclarecidos de países apresentou ao exame de condução acompanha- tão diversos como Portugal, Brasil e Venezue- *Gestora, investigadora e ensaísta portuguesa, in: Cultura. do de uma amiga branca, a quem o examinador la, ou simplesmente na linguagem coloquial, Jornal Angolano de Artes e Letras lusofonias VIII Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS