MUSEU MUNICIPAL FICHA TÉCNICA

VÍDEO E MULTIMÉDIA CONSÓRCIO Glorybox, Lda. CONCEÇÃO, IDEIA E GUIÕES Paulo Celso Fernandes Monteiro Eon, Indústrias Criativas, Lda. Sérgio Pereira MUSEOLOGIA RECOLHA DE IMAGENS Glorybox, Lda. Sérgio Pereira Eon, Indústrias Criativas, Lda. Bruno Baessa ARQUITETURA E MUSEOGRAFIA José Pereira Spaceworkers Paulo Celso Monteiro Paulo Passos MONTAGEM E EDIÇÃO Gisela Patronilo Sérgio Pereira António Lopes SONORIZAÇÃO DESIGN GRÁFICO Bruno Baessa Paulo Passos Sérgio Pereira INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS BANDA SONORA ORIGINAL Pedro Sobral de Carvalho Dreamsfall - Chasing The Wind Matt Aune (Romantic Cinematic Pack) - Paulo Celso Fernandes Monteiro Dreamscape Lara Bacelar Movie Theme - End Credits, New Beginning, João Luís Inês Vaz Passage to Other Worlds, The Odyssey. António Lima Carlos Alves PÓS- PRODUÇÃO Maria Lucinda Tavares Santos Sérgio Pereira Maria Manuela de Bastos T. Ribeiro REALIZAÇÃO Pedro Ribeiro Sérgio Pereira Sérgio Rodrigues APLICAÇÕES MULTIMÉDIA PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS Eon, Indústrias Criativas, Lda. FOTOGRÁFICOS Glorybox, Lda. Paulo Celso Monteiro M&A Digital, Lda. Pedro Sobral de Carvalho João Cosme AGRADECIMENTOS Alicia Ameijenda, Carmen Manzano, MONTAGEM Jorge Fonseca, Sérgio Gomes MUSEU MUNICIPAL Glorybox, Lda. DE SEVER DO VOUGA (Arqueologia e Património - Ricardo Eon, Indústrias Criativas, Lda. Teixeira & Vítor Fonseca); Andreia PROMOTOR RECOLHA DOCUMENTAL E OBJETOS Fonseca (Vougapark); Catarina Câmara Municipal de Sever do Vouga Pedro Sobral de Carvalho Martins Gonçalves; Centro Regional COORDENAÇÃO GERAL Fátima Beja e Costa das Beiras/ Universidade Católica de António José Martins Coutinho Paulo Celso Fernandes Monteiro Viseu; Cooperativa Agrícola de Sanfins; Direção Regional de Cultura, Museu COORDENAÇÃO TÉCNICA CONSULTORIA de Aveiro; EDP; Elisabete Henriques; José Manuel Almeida e Costa Raquel Vilaça Evasion Time – Desafio, Aventura Raul Alberto Conceição Duarte Sérgio Rodrigues e Formação; Fausto Macedo Silva; Graciela Henriques Bastos Figueiredo ILUSTRAÇÕES Felismina Coutinho; Liga dos Amigos Fernando Marques de Sá Marinheiro [Rodo] Luís Tacklim do Folharido e Braçal; Márcio Martins; [Vitrinas] Paulo Passos Maria Fernanda Vidal; Museu D. Diogo de Sousa; Museu de Jazigos Minerais CONSERVAÇÃO E RESTAURO DO ESPÓLIO Portugueses /LNEG - Laboratório Vera Moreira Caetano Nacional de Energia e Geologia, I.P; Toni RÉPLICAS DO TORQUES DA MALHADA Martins de Lemos; União de Freguesia Archeofactu de Silva Escura e Dornelas. MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 4 UM MUSEU PARA SE VER

ANTÓNIO JOSÉ MARTINS COUTINHO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SEVER DO VOUGA

Sever do Vouga que te acolhe!

Que diz este Povo que de ti fez sua casa? Desde o Paleolítico inferior Que és terra acolhedora e farta, (com as recentes descobertas na praia Agora este museu que inaugu- de natureza caprichosa, desenhada nos do Rodo, no , fru- ramos é a casa das nossas memórias, da socalcos e terras de cultivo, recortados to das escavações arqueológicas, nas nossa história, dos Severenses. É um pelas florestas, rios e quedas de água… obras da Barragem de Ribeiradio/ Er- sonho concretizado. Uma viagem pela Que por tudo isto, desde tem- mida), passando pelo Neolítico, Idade Alma de um Povo! pos áureos, encantaste o homem que do Bronze e do Ferro, Romanização, O presente catálogo vem dar por estas terras vagueou… Idade Medieval, vindo até à contempo- fundamento documental ao espólio Até que um dia, reza a lenda, raneidade, com a Industrialização e to- existente no Museu e presta-se a ser uma linda moura que se penteava nas das as manifestações de Fé e Tradição, um referencial de consulta do patrimó- margens do rio Vouga, ao ver refletida este espaço cultural e museológico é nio concelhio. a sua linda imagem, dizia para todos de facto, um Museu de território que Por todas estas razões, é para o que ia SE VER no Vouga!”… a esta len- fala da Alma do Povo! Município de Sever do Vouga e Seve- da, podemos juntar outras mais que Nele, é tangido subtilmente e renses, motivo de grande orgulho e de fazem parte da história e da cultura de modo atrativo, as heranças patrimo- satisfação, tornando-se num espaço de popular deste concelho. niais e culturais mais paradigmáticas do convergência de todos os patrimónios Este território encaixado entre concelho, não podendo, todavia, com- do concelho de Sever do Vouga! a Serra e o Mar, tem agora mais um portar em simultâneo e de modo expo- Deixo assim aqui expresso o espaço cultural que fala de longas via- sitivo, todas! Ciclicamente, através das meu convite a todos os severenses e vi- gens e feitos dos seus antepassados mais exposições temporárias e dos serviços sitantes, a participarem connosco, nesta remotos. Desde sempre, este território educativos, serão oportunamente, te- viagem à história e à Alma do Povo des- encantou e cativou o homem, existindo mas a aflorar e a oferecer a todos os te concelho (lindo) de Se Ver: Sever do registos patrimoniais da sua presença. que o visitarem. Vouga!

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 5 6 UM MUSEU PARA CONTAR!

PAULO CELSO MONTEIRO GLORYBOX

Um Museu Municipal não se faz todos os dias e em Sever do Vouga a criação deste Museu foi, desde logo, um marco na história de como uma comunidade se relaciona com as suas memórias e passado. Por isso este museu não é um Deste modo, a narrativa mu- espaço onde se colocam umas peças seográfica que apresentamos propõe dentro de umas vitrinas, num ambien- um modelo de conteúdos que se baseia te austero, com conteúdos feitos por na interdisciplinaridade, nos conteú- O Museu Municipal de Sever alguns e só para alguns. Hoje, todos dos, no design museográfico, na tecno- do Vouga conta uma história de uma sabemos que os museus mudaram. logia e no diálogo com o público ativo, comunidade através dos conteúdos Democratizaram-se, tornaram-se es- potencial e virtual. apresentados, da museografia e dos paços informais, próximos do público, Procuramos na construção objetos expostos, mas também pro- fontes de conhecimento e pontos de desta identidade, um paradigma que porciona o diálogo inter-geracional, encontro de toda uma comunidade. inclui uma coleção composta por ob- uma educação não formal e um conhe- Atualmente, um Museu é um local jetos com as suas características técni- cimento de episódios desconhecidos. É que disponibiliza informação, que cria cas, sociais, económicas e patrimoniais, a história do Homem, mas também das experiências e envolve, que educa, de- ao qual se adicionam emoções, valores, transformações que ele produziu no bate e possibilita encontros. Assim, o processos de identificação comuni- território, no modo em que o mutou e Museu Municipal de Sever do Vouga tária, visões e sobretudo interações e usou-o no seu caminho evolutivo. é produto de uma nova estratégia mu- inovações com os diversos públicos. Ao longo de 15 mil anos, ca- seológica e museográfica, centrando- Inovar não se faz por decreto çamos, pescamos, criamos os nossos -se nos objetos que expõem, usa novas ou copiando, mas conjugando novas objetos, construímos os nossos lugares ferramentas, metodologias e estraté- disciplinas, cruzando saberes, metodo- sagrados, demos sepultura aos nossos gias que se centram na interpretação logias, usando novas técnicas de comu- entes queridos, domesticamos animais, dos mesmos e colocam o visitante no nicação sem nunca perdermos o nosso trabalhamos a terra, criamos tecno- centro das atenções. foco com o público que visita a nossa logias e mudamos este território. São Os museus não são peças, mas exposição. Foi isso que fizemos no Mu- estas vivências e ensinamentos que a pessoas. Sem elas, não teríamos ob- seu Municipal de Sever. Aproveitando nossa viagem pela História nos conta. jetos para mostrarmos, nem histórias novos suportes como a ilustração, com É neste caminho pelo tempo que con- para contar. As pessoas são por tudo conteúdos científicos adaptados ao tinuamos hoje, mas que só o fazemos isto a nossa maior preocupação no Mu- grande público, com tecnologias que porque temos um passado que não es- seu Municipal de Sever do Vouga. São permitem contextualizar e preservar as quecemos e um futuro que desejamos o centro da nossa exposição! memórias de uma comunidade. construir.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 7 8 UM MUSEU PARA DESCOBRIR

PEDRO SOBRAL DE CARVALHO EON

Por tudo isto, quisemos fazer tória do Homem para se entrar numa o Museu Municipal de Sever do Vou- nova etapa do museu onde se fala da Um dos principais desafios que se coloca ga a pensar em todos vós, os que aqui identidade de Sever, das suas gentes e quando se idealiza um espaço expositivo vivem, os que vêm de fora, os mais dos modos de vida. Assim, podemos ab- é a definição de critérios que nos permi- pequenos, os mais idosos, os que têm sorver muita informação sobre as dife- tam estruturar o discurso museográfico. menos estudos, os mais conhecedores, rentes atividades económicas que têm Assim, o primeiro passo é saber enfim, todos. moldado este território, como a agri- por que se elegem determinados temas O museu inicia com a apresen- cultura e os seus característicos espi- ou peças e não outros que podem ser tação do território de Sever do Vouga, gueiros, a produção de leite, a chegada igualmente importantes. Podemos di- os seus aspetos naturais e humanos. do comboio, da iluminação pública, etc. zer, por exemplo, que se mostram as É a sala de visitas, o primeiro impacto. Utiliza-se uma museografia apelativa peças mais significativas... mas para Um espaço cuidado com uma instala- onde as peças fazem parte de um todo, quem? É por isso crucial ter em con- ção cénica numa das paredes e onde em perfeita união com o design exposi- ta os diversos públicos alvo. Sabemos se pode assistir a um filme em grande tivo, aliado às soluções multimédia, com que, por exemplo, para um público mais formato. o recurso a uma mesa interativa. “científico”, no caso concreto arqueó- Daqui, entra-se no corredor Quase no final, surge um dos logos, pode haver um interesse redo- do Tempo, tendo-se privilegiado uma temas mais queridos do museu: as minas brado na magnífica “ponta azilense” evolução cronológica da passagem do do Braçal/Malhada. Criou-se o ambien- proveniente do sítio do Rôdo, recen- Homem por Sever do Vouga, desde as te das minas, colocaram-se as vitrinas temente descoberto, ou no vaso “tron- origens à Idade Média. Recorrendo a encastradas nas entivações das paredes, cocónico” do Castêlo de Cedrim. Mas, um ambiente gráfico cativante, onde a em madeira, as fotos da época que fa- para a maioria dos visitantes “azilense” e ilustração é um elemento importante, lam por si, das pessoas e do seu sofri- “troncocónico” são apenas palavras de conta-se a história do Homem e mos- mento. Um filme passa ao fundo desta difícil pronunciação. É, por isso, que se tram-se algumas das mais significativas sala onde podemos ver e ouvir alguns deve descodificar todo este conjunto de peças que marcaram os diferentes pe- depoimentos de algumas pessoas que informação e torná-la acessível a todos. ríodos. ainda lá trabalharam, as suas memórias e Claro que também é muito importante Entra-se, de seguida, num as emoções que sentem quando recor- não descuidarmos o aspeto científico, espaço dedicado à fé, numa sinfonia dam esses momentos. mas, “os mais entendidos” não preci- de imagens de alminhas e igrejas que Por último, passamos por uma sam necessariamente de aprender nos proliferam no concelho. Este é o mo- área dedicada a um dos ícones de Sever espaços museológicos, pelos menos os mento em que se percebe o abandono do Vouga: o mirtilo! Sublinha-se a cor, conceitos. progressivo dos conteúdos sobre a his- a textura e a luz.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 9 TE RRI TÓ RIO

10 TERRITÓRIO

TE PEDRO RIBEIRO

Segundo a classificação cli- mática de Köppen, o clima no Baixo Vouga é classificado como temperado (mesotérmico) húmido, com o verão e o inverno bem definidos e em que a estação seca é pouco quente e ocorre no verão. A temperatura média do ar, RRI nos meses mais frios, está compreendi- Entre 2001 e 2011, todas as da entre -3ºC e 14ºC e, nos meses mais freguesias sofreram um decréscimo de O concelho de Sever do Vouga lo- quentes, é superior a 10ºC. população, à exceção de Sever do Vou- caliza-se no limite oriental do distrito Composto por sete freguesias ga, que registou um ligeiro aumento. de Aveiro e confronta, a norte, com o (União de Freguesias de Cedrim e Para- Apesar de não se tratar de um conce- município de Vale de Cambra; a oeste, dela, Couto de Esteves, Pessegueiro do lho com uma vasta área geográfica, os com os de Oliveira de Azeméis e Alber- Vouga, , Sever do Vou- aglomerados populacionais distribuem- garia-a-Velha; a sul, com o de Águeda, ga, União de Freguesias de Silva Escura -se de modo disperso pelo território. concelhos todos pertencentes ao mes- e Dornelas, ), o concelho ocupa Os maiores aglomerados situam-se nas mo distrito; a este, com o de Oliveira uma área de 130 km2, sendo a vila de freguesias de Sever do Vouga (2777 TÓ de Frades, pertencente ao distrito de Sever do Vouga a sede do município. Ta- habitantes, em 2011) e de Silva Escura/ Viseu. Beneficia da proximidade de al- lhadas é a freguesia com maior área Dornelas (2318 habitantes, em 2011), guns centros urbanos importantes, tais (28,64 km2), enquanto Sever do Vouga enquanto Couto de Esteves apresenta como Aveiro, Porto, Viseu e Coimbra, é a de menor dimensão (11,58 km2). o menor número de habitantes das sete e de dois dos principais eixos rodoviários No censo de 2011 do Instituto freguesias (890 habitantes, em 2011). portugueses: a A1 e a A25. Nacional de Estatística, o concelho de Relativamente à área do Baixo Do ponto de vista administra- Sever do Vouga registava 12356 habi- Vouga, evidencia-se um claro contraste tivo e relativamente ao nível II da No- tantes, o que representa um decréscimo entre os concelhos mais próximos do menclatura das Unidades Territoriais na população residente de 6,3% relati- litoral, mais densamente povoados, e (NUT), o município situa-se na Região vamente a 2001 e uma média densida- os concelhos mais interiores. Em 2011, RIO Centro. Na delimitação de nível III da de populacional de 95,1 hab./km2. Com salientam-se Ílhavo (525 hab./Km2) e NUT, integra-se no conjunto de muni- efeito, tem-se verificado, neste territó- Aveiro (397 hab./Km2), por oposição a cípios que fazem parte do Baixo Vouga, rio, uma progressiva perda de população Sever do Vouga (95 hab./Km2). Tam- juntamente com Aveiro, Ílhavo, Vagos, desde a década de 50 do século XX até bém ao nível da variação da população Águeda, Oliveira do Bairro, Estarreja, aos nossos dias. Após 1960, a redução é possível verificar a dicotomia litoral/ Ovar, Murtosa, Albergaria-a-Velha e populacional é muito acentuada na fai- interior. Nos últimos anos, o decrésci- Anadia. A Sub-Região do Baixo Vouga xa etária dos 0 aos 24 anos. Por outro mo populacional ocorreu nos municí- é paisagisticamente marcada pela bacia lado, a população com mais de 64 anos pios mais interiores (Sever do Vouga, do Vouga e pela Ria de Aveiro, elemen- aumentou consideravelmente, condu- Águeda e Anadia), enquanto Aveiro, tos importantes na construção da iden- zindo a um acelerado envelhecimento Ílhavo, Murtosa, Ovar e Vagos regista- tidade territorial. populacional. ram acréscimos.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 11 12 Em 2011, cerca de 49% da po- pulação ativa do concelho trabalhava no setor dos serviços (terciário) e apenas 4,2% no setor primário (agricultura, silvicultura e pescas), contra 70,2%, em 1960. Face a 2001, assistiu-se a uma Rio que dá, parcialmente, evolução significativa do setor terciário, um caráter meramente de subsistên- nome ao concelho, o Vouga nasce na a par da perda de importância do setor cia. O fruto impulsionou a agricultura serra da Lapa, a cerca de 930 m de al- agrícola, tendência que também se ve- (exportação de 80% da produção para titude, trilha um percurso de 148 km e rificou a nível nacional. mercados internacionais), a gastrono- desagua na zona lagunar de Aveiro. No O setor secundário (indústria e mia (licor e compota de mirtilo, doçaria, início do seu curso, é um rio de planal- construção) passou de 53% para 46,5% sopas) e o turismo (Feira do Mirtilo), to, de caráter torrencial, enquanto na da população ativa, entre 2001 e 2011. tendo concedido a Sever do Vouga o parte média, entre São Pedro do Sul Apesar desta diminuição, continua a título de “Capital do Mirtilo”. Os pro- e Angeja, entra numa zona de relevo ser patente a tradição industrial da re- dutos tradicionalmente locais, como a mais acentuado, de vales encaixados. gião, se compararmos a estrutura da vitela e a lampreia, continuam a ocupar Na secção inferior, é um rio de planície economia do concelho com a nacional. um lugar de destaque no património e desagua na Ria de Aveiro pelo canal Na economia portuguesa, em 2011, os gastronómico. do Espinheiro, constituindo o principal serviços tinham um peso maior (70%) De cunho geomorfológico e curso de água que alimenta a Ria. e o setor secundário e a agricultura um cultural típico de uma região do interior, A serra do Arestal, situada na peso menor (26,5% e 3,1%, respetiva- o território de Sever do Vouga situa-se margem direita do Vouga, tem cerca de mente). As seis zonas industriais (Talha- na transição entre as áreas planas do 20 km de extensão e uma altitude má- das, Irijó, Padrões, Cedrim, Dornelas e litoral e o interior montanhoso. A pai- xima de 830 m. Orientada no sentido Gândara) indicam que o setor secun- sagem é indelevelmente marcada pelas NE-SW, é considerada um contrafor- dário tem tido grande influência no serras do Arestal (a norte) e de Talha- te da serra da Arada e, conjuntamente desenvolvimento económico e social de das (a sul) e também pelo rio Vouga, com esta e com a serra da Freita, for- Sever do Vouga. cujo percurso, no concelho, se estende mam o maciço da Gralheira. Em ter- A agricultura, afetada pelo au- por 19 km. O Homem teve um papel mos geológicos, a serra é constituída, mento da emigração e pelo domínio preponderante na definição destas pai- maioritariamente por xistos, quartzitos crescente da floresta, foi potenciada, sagens. Socalcos, muros de suporte de e granitos e o subsolo rico em cobre, na década de 90, pela introdução bem- terras, açudes e levadas são alguns dos chumbo, estanho e volfrâmio. Entre os -sucedida da cultura do mirtilo, espécie elementos da paisagem humanizada rios Vouga e Alfusqueiro, encontramos que se tornou imagem de marca do mais comuns no vale do Vouga. Se o uma elevação conhecida como serra concelho. A substituição de culturas relevo acidentado sobressai na paisa- das Talhadas (681 m) que, de acor- tradicionais pelo mirtilo acabou por gem, a elevada densidade hidrográfica é do com Girão (1922), deve incluir-se alterar um pouco o espaço dedicado uma característica marcante. Os prin- na Serra do Caramulo, embora este ao setor primário, composto, predo- cipais cursos de água que atravessam enquadramento não seja consensual. minantemente, por explorações de o concelho são o rio Alfusqueiro, o rio Com uma orientação NE-SW, a serra minifúndio, associado à utilização de Fílveda, o rio Vouga e os seus afluentes: das Talhadas é constituída, maioritaria- técnicas agrícolas tradicionais e com Teixeira, Lordelo, Gresso, Mau e Bom. mente, por granitos e xistos.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 13 14 MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 15 Nestas serras, o aproveitamen- internacional levou, porém, ao aban- (Quercus pyrenaica) e o castanheiro to de recursos minerais metálicos tem dono da exploração do minério, em (Castanea sativa) perduram apenas em estado presente ao longo dos tempos 1958, e ao definitivo encerramento do áreas reliquiais. Foram várias as razões e remonta, pelo menos, ao período complexo mineiro, em 1972. As minas para a progressiva diminuição dos bos- dos romanos, de acordo com os vestí- de cobre e chumbo do Vale do Vouga, ques caducifólios na paisagem do NW gios encontrados. O complexo minei- vulgarmente conhecidas por "Minas das peninsular e para o aumento das mono- ro do Braçal, localizado nas freguesias Talhadas", tinham a maioria das conces- culturas referidas. de Sever do Vouga e de Silva Escura/ sões implantadas na freguesia de Talha- Num contexto ibérico e oci- Dornelas, nas margens do rio Mau, das e laboraram entre 1889 e 1931. dental mediterrânico, após a última fase obteve concessão para exploração em Atualmente, a paisagem flo- glaciar, o clima tornou-se progressiva- 1836. As minas de chumbo do Braçal restal em Sever do Vouga é dominada mente mais ameno, com característi- (mais antiga concessão mineira portu- por monoculturas de pinheiro bravo cas de temperado ou mesmo um pouco guesa), da Malhada e do Coval da Mó (Pinus pinaster) e, principalmente, de quente; consequentemente, nos últi- constituíram um dos mais importantes eucalipto (Eucalyptus globulus). Espé- mos 10000 anos (Holoceno), os bos- centros mineiros do norte do país. A cies nativas como o carvalho-alvarinho ques temperados da Europa começa- desvalorização do chumbo no mercado (Quercus robur), o carvalho-negral ram a recuperar. Na Península Ibérica,

16 a propagação dos carvalhos (Quercus vigor, reconvertendo a área de pasta- Sever do Vouga integra, nos spp.), principalmente caducifólios, terá gens e incultos para terrenos de povoa- seus limites, 706 ha de área classificada tido início entre os 10000 e os 13000 mento florestal, sobretudo pinhal. que correspondem a 25% do SIC Rio anos atrás (Costa Tenório et al., 2001). Segundo Goes (1977), as pri- Vouga e, apesar de se observar a expan- Se, inicialmente, a ação do Homem so- meiras introduções de eucaliptos em são de duas espécies de acácias invaso- bre o meio não causou grandes danos começam em 1829, enquanto ras nas suas margens, a mimosa (Acacia ao coberto vegetal, ao dedicar-se às os primeiros repovoamentos em grande dealbata) e a austrália (Acacia melano- práticas agro-pastoris, os processos de escala datam de 1875. De acordo com xylon), podemos encontrar uma galeria desflorestação aumentaram, sentindo- o autor, os propósitos para a introdução ripícola bem preservada que proporcio- -se um maior impacte desde há cerca dos eucaliptos teriam sido [I] ornamen- na habitats para a ocorrência de muitas de 3000 anos (Van Der Knaap & Van tais, [II] sanear terrenos alagadiços e espécies consideradas prioritárias e de Leeuwen, 1994). [III] produzir material lenhoso para usar uma importante diversidade faunís- Na Idade Média, a agricultura, principalmente como combustível. Em tica. A vegetação ribeirinha contribui a pastorícia, a carvoaria e a construção 1953, com a implantação da fábrica de de forma marcante para a estabilidade naval reduziram os bosques caducifólios pasta de papel de Cacia e, sobretudo, morfológica e ecológica dos cursos de a pequenas manchas, sendo parcial- após a década de 1970, procedeu-se à água, refletindo-se na manutenção da mente substituídos pelo pinheiro bravo. extensa reflorestação comEucalyptus qualidade da água. O aumento da população, as crescen- globulus, substituindo, principalmente, O rio Vouga é um curso de tes necessidades de madeira e lenhas, áreas de pinheiro bravo. água relevante para a conservação de a ausência de replantação, o avanço Em síntese, a exploração dos espécies piscícolas migradoras, como das arroteias sobre espaços que antes sistemas agro-silvo-pastoris no con- o sável (Alosa alosa) e a savelha (Alosa tinham arvoredos e o desleixo foram celho de Sever do Vouga favoreceu a fallax), e ainda um dos poucos locais de causas apontadas por diversos autores uniformização do coberto vegetal e a ocorrência confirmada da lampreia-de- para o progressivo desaparecimento localização de espécies nativas como os -riacho (Lampetra planeri). Juntamente dos bosques e o aumento dos incultos, carvalhos e os castanheiros em refúgios, com muitas das linhas de água do con- nos séculos XVIII e XIX em Portugal. O maioritariamente junto às margens dos celho, possibilitam a presença de outras pinheiro bravo foi usado para a reflores- cursos de água, onde se observam tam- espécies com estatuto de proteção, tais tação, particularmente a partir do sécu- bém amieiros (Alnus glutinosa), salguei- como a boga (Chondrostoma polylepis), lo XIX, com o objetivo de incrementar a ros (Salix atrocinerea, Salix salviifolia), o bordalo (Rutilus alburnoides), o ruiva- produtividade da floresta e proteger as freixos (Fraxinus angustifolia) e ulmei- co (Rutilus macrolepidotus), a lampreia bacias hidrográficas. ros (Ulmus minor), formando bosques (Petromyzon marinus), bem como de Se, na primeira metade do sé- (galerias) ripícolas que, no caso do rio répteis e anfíbios que só existem na culo XX, o forte crescimento demográ- Vouga, determinaram a sua classifica- Península Ibérica, como é o caso do fico e o grande impulso da economia ção como Sítio de Importância Comu- lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), agrária conduziram à sistemática uti- nitária. da rã-castanha (Rana iberica), do sa- lização do fogo para regeneração dos A Rede Natura 2000, uma po-parteiro (Alytes obstetricans), do pastos, degradando os espaços flores- rede europeia de áreas de interesse para tritão-de-ventre-laranja (Triturus bos- tais de montanha, na segunda metade a conservação, é o principal instrumento cai) e da singular salamandra-lusitânica desse século, o despovoamento rural e para assegurar a proteção, a longo prazo, (Chioglossa lusitanica). Nas áreas húmi- o drástico abandono das terras conduzi- das espécies e dos habitats mais amea- das adjacentes ao rio, surgem espécies ram a uma acumulação de combustível çados na União Europeia. Neste âm- de mamíferos como a lontra (Lutra lu- nas florestas, que favoreceu o aumen- bito, parte do rio Vouga foi classificado tra) e a menos conhecida toupeira-de- to significativo do número de fogos e como Zona Especial de Conservação ou -água (Galemys pyrenaicus). Já algumas da superfície ardida. Paralelamente ao Sítio de Interesse Comunitário (SIC), espécies de morcegos, únicos mamíferos declínio da população e das atividades mais concretamente o curso do rio que com voo ativo, escolhem como locais de agrícolas, várias medidas políticas para abrange os municípios de Sever do Vou- abrigo os moinhos abandonados da bacia promover a florestação entraram em ga, Águeda e Albergaria-a-Velha. do Vouga. Tipicamente ribeirinhas, aves

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 17 18 como o guarda-rios (Alcedo atthis), a rhinum longipedicellatum. Interessantes alvéola cinzenta (Motacilla cinerea) e o por terem uma distribuição restrita no melro-d’água (Cinclus cinclus) depen- nosso país são também o feto-do-bo- dem dos rios para se alimentarem e tão (Woodwardia radicans), a carnívora reproduzirem. pinguícola (Pinguicula lusitanica), o Naturalmente que, num con- hipericão-do-gerês (Hypericum andro- celho com 130 km2 de área e com uma saemum) e o selo-de-salomão (Polygo- grande heterogeneidade de fatores am- natum odoratum). bientais, muito mais biodiversidade pode As potencialidades naturais que ser encontrada. Afloramentos rochosos, este território encerra constituem fa- bosques mistos, corredores ripícolas e tores de desenvolvimento por promo- jardins, constituem exemplos de im- verem a procura de atividades ligadas portantes locais de abrigo, reprodução e ao lazer, ao turismo de natureza, des- alimentação para aves residentes e mi- portivo, científico e cultural. Destaca- gradoras. Só na área das minas do Braçal -se também o vasto e rico património foram registadas mais de 30 espécies. da região, patente nos monumentos, Relativamente às plantas, ape- nas manifestações religiosas (festas e sar da uniformidade do coberto arbóreo romarias), nas feiras, nos diversos tipos e da expansão de algumas invasoras, de artesanato, na gastronomia típica e observam-se ainda espécies com esta- em outras práticas culturais. Moinhos, tuto de proteção, tais como o narciso levadas, pisões, pontes ferroviárias e martelinho (Narcissus cyclamineus), o rodoviárias, pontões, poldras, muros, azevinho (Ilex aquifolium) e a gilbardeira açudes, túneis, locais de culto, pelouri- (Ruscus aculeatus), endemismos ibéri- nhos, cruzeiros, minas antigas e peque- cos, entre os quais a paradísea (Para- nas embarcações (bateiras), merecem disea lusitanica) e o tojo-gatunho (Ulex um olhar atento de quem percorre os micranthus), e mesmo endemismos percursos pedestres do concelho ou de lusitanos como, por exemplo, Anar- quem visita Sever do Vouga.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Costa Tenório, M., Morla, C. & Sainz Ollero, H. (Ed.s). (2001). Los bosques ibéricos - Una interpretación geobotánica. Editorial Planeta. Barcelona.

Girão, A. A. (1922). A bacia do Vouga. Coimbra : Imp. da Universidade. Goes, E. (1977). Os eucaliptos (Ecologia, Cultura, Produções e Rentabilidade). Portucel. Centro de Produção Florestal. Lisboa.

Van Der Knaap, W. & Van Leeuwen, J. (1994). Holocene vegetation, human impact, and climatic change in the Serra da Estrela, Portugal. Dissertaciones Botanicae, 234: 497-535.

Vitorino, F. (2000). Agricultura e mineração. Uma coexistência difícil. As minas do Vale do Vouga e as comunidades do Vale do Rio Águeda, 1889-1924, Gestão e Desenvolvimento, 9: 255-299.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 19 ORI GE NS

20 ORIGENS

ORI PEDRO SOBRAL DE CARVALHO

AS PRIMEIRAS COMUNIDADES

Os mais antigos vestígios da presença feito a partir de peles de animais, terão humana no vale do rio Vouga remontam sido fundamentais para a superação do ao chamado Paleolítico Inferior, isto é, a intenso frio que se fazia sentir na épo- um período que deverá rondar os 250 / ca. A presença de vestígios do Paleolí- GE 300 mil anos. Estes vestígios consistem tico Superior ao longo dos vales sugere em utensílios feitos a partir de pedra las- que o Homem os utilizava como “vias” cada. Nesta época, os nossos antepassa- de circulação, que permitiam ligar, por dos, ainda muito diferentes do Homem exemplo, os territórios do interior aos atual (Homo sapiens sapiens), talhavam do litoral. frequentemente seixos rolados de Os trabalhos arqueológicos efe- quartzito para fabricar ferramentas, que tuados no âmbito do aproveitamento NEOLÍTICO: tinham funções muito diversificadas. hidroeléctrico de Ribeiradio – Ermida, APROPRIAÇÃO Como ainda não praticavam a agricul- permitiram a identificação dos mais an- DO TERRITÓRIO tura, é provável que estas ferramentas tigos vestígios do Homem na região e, NS fossem usadas para desenterrar raízes concretamente, no concelho de Sever As comunidades humanas do neolítico ou tubérculos de plantas comestíveis e, do Vouga. que viveram no território de Sever do sobretudo, para desmanchar animais já Há mais de 10.000 anos, o sí- Vouga são ainda muito mal conheci- mortos para serem consumidos. tio do Rôdo foi frequentado por grupos das. De facto, do longo período gene- Num momento bastante mais humanos que viviam da caça, da pesca ricamente englobado pelos finais do vi recente, entre cerca de 14.000 e e da recoleção de plantas silvestres. As milénio a.C. e os princípios do iii milénio 10.000 anos (Paleolítico Superior), escavações arqueológicas realizadas no aC, apenas possuímos vestígios da sua encontramos novos testemunhos da sítio do Rôdo permitiram identificar fase final que se deverá situar entre os presença do Homem na região, desta utensílios de pedra lascada e algumas 4.500 e os 3.700 a.C. Os sinais des- vez atribuídos ao Homo sapiens sapiens. lareiras, que terão servido para cozinhar se passado são-nos transmitidos pelos Aparentemente, as comunidades hu- ou aquecer o Homem. É muito prová- imponentes sepulcros megalíticos, os manas desta fase terão frequentado, vel que tenham sido também construí- dólmens ou antas, edificados sobretudo pelo menos, as zonas ribeirinhas. Aqui das cabanas, mas delas não há grandes nos planaltos da Serra do Arestal e das não só tinham acesso à água, como po- evidências. Estes grupos humanos es- Talhadas. diam pescar, caçar, recolher alimentos colheram este local para permanecer As comunidades humanas des- vegetais e obter diversas rochas e mine- algum tempo devido, possivelmente, te período seriam formadas por peque- rais para produzir utensílios. Por vezes, à presença da água, à abundância de nos grupos de agricultores e pastores estas comunidades construíam cabanas rochas e minerais para o fabrico de que completavam a sua economia com e faziam lareiras nestes locais, onde ten- utensílios e à existência de recursos ali- a caça e a recoleção de frutos depen- diam a permanecer algum tempo. As mentares (mamíferos, peixe e produtos dendo, deste modo, do que o território cabanas e as lareiras, a par do vestuário vegetais). lhes proporcionava.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 21 22 DÓLMENS E MENIRES: MARCAS DE IDENTIDADE

No concelho de Sever do Vouga são co- AS IDADES DO BRONZE nhecidos quase meia centena de monu- E DO FERRO: O INÍCIO mentos funerários pré-históricos. DAS HOSTILIDADES Embora não haja datações absolutas que atestem com exatidão Embora a agricultura continuasse a ser a as cronologias destes monumentos, A METALURGIA base de sustento destas populações, as- podemos adiantar que os mais antigos E O INÍCIO DE UMA siste-se a uma crescente especialização dólmens terão sido edificados há cerca NOVA ERA artesanal em que a produção do bronze de 6500 anos. (estanho + cobre) virá a criar uma dife- A principal característica des- O domínio gradual da metalurgia acar- renciação social do trabalho. O artesão te fenómeno é, no entanto, a enorme retou impactos sócioeconómicos que coabitava junto dos seus, mas a sua ca- variedade de soluções arquitetónicas viriam a transformar substancialmente o pacidade técnica tornava-o um indiví- destes sepulcros. Temos um primeiro modo de vida das comunidades humanas. duo especial, trazendo-lhe prestígio. momento, provavelmente datado dos Dos inícios da era dos metais, do Com a passagem da Idade do finais do v milénio / inícios do iv milénio Calcolítico ou Idade do Cobre (iii milé- Bronze para a Idade do Ferro, aumen- a.C., marcado por dólmens de câmaras nio a.C.), não existem vestígios conhe- tam as desigualdades, denunciadas simples, de corredores indiferenciados cidos no concelho de Sever do Vouga, numa hierarquização social atestada e com corredores bem demarcados. mas já dos períodos subsequentes, Ida- nos bens de prestígio, dos quais o tor- Estamos certos que, a dado momento, des do Bronze (ii/i milénio a.C.) e do Fer- ques da Malhada é um bom exemplo. terão coexistido, assim, várias arquite- ro (finais doi milénio a.C.) conhecemos Desenvolvem-se muralhas nos povoa- turas num mesmo espaço. algumas manifestações. dos que refletem uma instabilidade só- As principais necrópoles deste Agora, interessava essencial- cio-política resultante dos crescentes concelho encontram-se na Serra das mente controlar as vias por onde circu- conflitos regionais. Talhadas e na Serra do Arestal, onde lavam os bens e as matérias-primas que A morte era agora encarada de podemos igualmente observar um raro iam e vinham de longe. Implantaram- modo diferente, havendo rituais muito menir, o Menir dos Lameirinhos, junto -se, assim, nos finais da Idade do Bron- diversos que compreendiam a inumação à capela de S. Tiago do Arestal. ze, povoados amuralhados no cume dos individual, como aconteceu na Sepultu- Todos estes monumentos eram montes como o Castêlo de Cedrim, o ra do Rei, e a incineração, já nos finais locais essenciais na coesão social, onde Cabeço do Aro ou o Castro de Parada. da Idade do Bronze, há cerca de 3000 as comunidades ainda errantes de pas- O território de Sever do Vouga anos. As grandes construções megalíti- tores e agricultores, encontravam um parece ter beneficiado da proximidade cas deram lugar a pequenos montículos elemento aglutinador: a fé numa vida ao litoral onde se desenvolviam popula- nada monumentais que hoje passam além da morte. ções de origem fenícia. despercebidos na paisagem.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 23 24 A ARTE RUPESTRE: O IMAGINÁRIO GRAVADO

LARA BACELAR ALVES

Entre o iv e o ii milénio a.C., a arte fixa- -se na paisagem, ocupando o espaço vi- vido, no quotidiano, pelas comunidades humanas. Porém, também surge en- clausurada no interior de monumentos funerários que eram visitados, apenas por alguns, em ocasiões especiais. Sever do Vouga guarda notáveis exemplares quer da arte pública – gra- vuras ao ar livre –, quer dessa arte pri- vada e mais intimista – arte megalítica – datadas do período Neolítico. Nessa época, as comunidades pré-históricas desta região adotaram uma linguagem simbólica abstrata que era partilhada por outras ao longo da fachada Atlânti- ca europeia. Embora não possamos de- cifrar as mensagens transmitidas pelas coreografias de círculos, covinhas, espi- rais, linhas quebradas ou sinuosas grava- das nas rochas, é de crer que serviriam como um meio de comunicação não só entre os diferentes grupos humanos, mas também talvez entre o universo da realidade visível e mundos imaginários. Contadas de geração em gera- ção, e ainda conhecidas por muitos, len- das antigas relatam histórias de mouras encantadas -seres sobrenaturais que ‘vi- viam’ no interior dos penedos gravados. Estas lendas transportam para o presen- te a memória e relevância destes lugares para as comunidades que herdaram este mesmo território e que também nele gravaram sinais em pedras para delimi- tar o seu termo.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 25 26 MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 27 28 ROMA, AQUI TÃO PERTO

JOÃO L. INÊS VAZ

Os primeiros contactos entre os Ro- A ocupação do território que As vias que atravessavam o atual manos invasores e os habitantes do se deu a seguir levou à manutenção ou concelho e que ligavam à grande espi- território de Sever terão ocorrido por abandono dos castros existentes – Ce- nha dorsal atlântica que era a via Olisipo altura das campanhas de Décimo Júnio drim, Rocas, Cabeço do Aro (Espi- (Lisboa) – Bracara Augusta (Braga), es- Bruto na Península Ibérica. Nomeado nheiro), Outeiro (Serra do Arestal), coavam o chumbo, a prata, o estanho e pro-cônsul para a província da Lusitâ- Cabreia (Vila Fria), Quinta da Gân- o cobre que eram explorados nas minas nia em 138 aC, logo a seguir à morte dara (Silva Escura) e Pisões/Levada do Braçal, Malhada e Talhadas. Nestas de Viriato, o general romano lançou- (Amiais) – e à adaptação aos novos minas apareceram lucernas, baldes, uma -se à conquista dos Calaicos seguindo, hábitos e nova cultura introduzidos taça de sigillata (cerâmica fina da época) certamente, uma via atlântica passan- pelos Romanos, tanto na arquitetura e outros objetos que, com as vias, cons- do muito próximo do atual concelho ou como na agricultura ou no planea- tituem os vestígios mais importantes e atravessando-o mesmo. mento do espaço. visíveis de há dois mil anos.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 29 30 SEVER DO VOUGA: TEMPOS MEDIEVOS

ANTÓNIO LIMA

A construção da identidade de Sever do Vouga é um processo de longa duração que se inicia na Idade Média durante a “Reconquista”. A região foi disputada pelo poder civil (terras de Santa Maria, Lafões e Vouga), monástico (entre os A criação da villa Severi e seu poderosos mosteiros medievais de Va- mosteiro, na sequência da integração cariça e Lorvão) e diocesano. destas terras nos domínios da monar- Embora todos os lugares que quia asturiana em finais do século ix, hoje constituem sede de freguesia já constituiu um passo decisivo na cons- se encontrem referenciados nos sé- trução dessa identidade. Quando as No século xiii, uma vez ultra- culos x a xiii, houve, ao longo dos últi- circunstâncias políticas o exigiram, a passada a instabilidade e consolidado mos séculos, frequentes alterações na partir da reconquista cristã de Coimbra o poder da monarquia portuguesa, configuração, na integração adminis- em 1064, o centro de poder ter-se-á o exercício do poder judicial e admi- trativa e até na sua designação. Entre transferido para uma fortificação vi- nistrativo regressa a uma sede civil e as que se revelaram mais estáveis desde zinha da villa, fortificação essa que as aquela que era então chamada “aldeia a sua formação, provavelmente ainda inquirições régias do século xiii ainda de Sever” passou a ser a sede do “julga- no século xii, contam-se Santa Maria recordam vivamente: o “Crasto que do de Sever de par do Vouga”, do qual a de Sever, Santa Maria de Pessegueiro chamam de pena de Sever” que então vila e o município atuais são herdeiros e São João de Silva Escura. ainda era “del Rey”. diretos.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 31 32 MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 33 34 FÉ

CARLOS ALVES

A FÉ

Monumentos de fé, assim são as igre- “Ó VÓS QUE IDES PASSANDO LEMVRAIVOS jas, as capelas, os cruzeiros e as almi- DE NOS QUE ISTAMOS PENANDO” nhas que proliferam pelo concelho de Sever do Vouga. A força da sua reli- ALMINHAS giosidade manifesta-se na simplicidade das linhas que definem a arquitetura da Este é o apelo que surge nas Alminhas igreja matriz de Sever do Vouga ou na da Cruz, em Rocas do Vouga dirigido, exuberância decorativa da fachada da essencialmente, a todos os caminhan- igreja de Cedrim. Por outro lado, as tes, viajantes ou residentes para reza- capelas, isoladas ou anexas às casas se- rem pelas almas do purgatório. Assim CRUZ-DE- nhoriais, são o convite à vivência da fé se definem as centenas de alminhas -HOMEM-MORTO de uma forma mais íntima, sem, con- que proliferam por Sever do Vouga: tudo, deixar de apostar na sua decora- monumentos de dimensões variáveis As cruzes de homem-morto são mo- ção arquitetónica. que apelam ao culto das almas, difun- numentos à memória de homens e Os cruzeiros ornamentam os dido no séc. xvi. mulheres que no cumprimento das adros e praças do concelho, e recor- As primeiras alminhas do con- suas tarefas diárias faleceram num de- dam os passos da Paixão de Cristo re- celho de Sever do Vouga remontam ao terminado local. presentada, principalmente, na deco- século xviii, generalizando-se, poste- Geralmente confundidas com ração do cruzeiro de Silva Escura. riormente, nos séculos xix e xx. Loca- as alminhas, as cruzes de homem-mor- A relação das gentes de Sever lizadas no curso de caminhos e encru- to, ao invés de apresentarem um nicho com a morte ficou exposta nas almi- zilhadas, as alminhas são geralmente perfeitamente definido onde surgem nhas que proliferam nos caminhos e em pedra de formato retangular ou as representações iconográficas do encruzilhadas do concelho, incitando à semicircular. A parte inferior apre- purgatório, tem gravado em epígra- oração das almas do purgatório. Estas senta normalmente um nicho onde fe o nome do falecido e a data da sua manifestações de arte são uma profis- se encontra uma pintura ou escultura morte. Uma vez mais, a fé e a vontade são de fé, renovada em cada esquina, alusiva ao culto das almas do purgatório de perpetuar, no tempo e no espaço, em cada pedra, em cada imagem que e a superior um remate de uma cruz. a memória daqueles que partiram foi, anunciam a crença do povo de Sever É recorrente, ainda, surgirem gravados e é, um dos traços característicos das do Vouga. os instrumentos da paixão de Cristo. gentes de Sever do Vouga.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 35 ME MÓ RIA

36 OS SÉCULOS ME DA MEMÓRIA

A pesca e o transporte de mer- cadorias pelo Vouga eram também atividades das populações ribeirinhas, enquanto nas áreas mais elevadas apro- veitavam-se os recursos florestais. Nos primeiros tempos, a Coo- Era uma vida de trabalho, em perativa só separava a nata do leite. MÓ A VIDA NO CAMPO que os escassos meios disponíveis leva- Esta era transportada em latas, por ram muitas pessoas a procurarem novos mulheres para ser vendida aos indus- O respeito e amor pela terra fez com meios de vida em outras paragens. Mas triais, Martins e Rebelo, de Vale de que esta comunidade criasse uma rela- esses novos tempos deram também ori- Cambra, e a Custódio Pereira Dias, de ção de simbiose, aproveitando os seus gem a um novo patamar na produção Catives (Couto de Esteves) onde era recursos através de atividades como: a agrícola em que os velhos saberes são usada no fabrico da Manteiga “Beleza”. agricultura, silvicultura, criação de ani- otimizados em novas industrias agroali- Mais tarde adquiriu um pipo e um ma- mais, entre outras. mentares como os lacticínios, as massas laxador e passou a fabricar a sua própria Dedicados aos ciclos da terra, alimentícias entre outras. manteiga, da marca “Delícia”. os Severenses dedicavam-se ao cultivo A identidade de outrora mu- Grande parte da produção de RIA dos cereais, com particular destaque do dou e desses tempos já restam muitas manteiga era vendida para a região de milho, vinha e leguminosas. Em cam- memórias e algumas fotografias. Lisboa, sendo as caixas transportadas à pos retalhados pelas encostas deste cabeça por mulheres, para a estação de concelho, construíram varias unidades caminho-de-ferro de Paradela. de apoio que ainda hoje são a marca da LATICÍNIOS Em 1962 formou-se a União paisagem. Espigueiros, eiras e moinhos de Cooperativas da Laticínios de Entre são uma constante nestes horizontes O Visconde de Nandufe António Cae- Douro e Vouga, composta pela Coope- e ocupavam um papel preponderante tano Rodrigues Viana comprou em rativa Agrícola de Laticínios de Sanfins, no ciclo do milho. Se nas primeiras se 1893 uma desnatadeira centrífuga em a Cooperativa Agrícola de Laticínios do guardavam e secavam as maçarocas e França, que instalou em Sanfins, fun- Vale do Vouga e a Cooperativa Agrícola o grão, nas segundas transformava-se o dando a primeira fábrica de laticínios do de Laticínios de Arouca. cereal em farinha. As elevadas linhas de país, que funcionou até Março de 1924. Em 1967 inicia-se o fabrico de água e um relevo acentuado levaram o Surgiu então a Cooperativa queijo e a recolha total do leite, bem Homem a construir neste território de Agrícola de Laticínios que sofreu vá- como o processo de arrefecimento e Sever do Vouga um impressionante nú- rias privações financeiras e ataques dos pasteurização. mero destes moinhos de água, que ainda industriais de laticínios. De Março de A extinção dos Grémios da La- hoje não possuem paralelo na região. 1924 a Fevereiro de 1937, funcionou voura, em 1977, levou a que a “Coope- A criação de animais tinha tam- como Sociedade Industrial, até que em rativa Agrícola de Sanfins, SCRL” to- bém um papel preponderante com ove- 1937, por Alvará foi oficialmente criada masse conta das instalações e da parte lhas, cabras e vacas a serem uma das prin- como Cooperativa, sendo a mais antiga comercial, até aí exercida pelo Grémio cipais fontes de riqueza destas gentes. do país. da Lavoura de Sever do Vouga.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 37 38 Com a abertura de novas vias e o aumento do tráfego automóvel esta ligação começou a entrar em decadên- ILUMINAÇÃO PÚBLICA cia e a perder passageiros e mercado- rias. Nos inícios da década de 70, do A primeira notícia da iluminação A LINHA DO VALLE século XX, existiam 6 ligações diárias elétrica do concelho data de 1919 e DO VOUGA entre Espinho e Aveiro e as viagens a autorização para instalar uma rede mais rápidas entre estes dois destinos em baixa tensão deve-se a João Mar- Datam de 1877, os primeiros projetos demoravam cerca de 3h30min. tins Pereira Amaral em 1923. Todavia, para uma linha ferroviária nesta região A 25 de agosto de 1972 fez-se a Câmara não acedeu à solicitação e que unisse o litoral ao interior passando a última viagem em comboio a vapor na só em 1926 se concretizou a rede de por Sever do Vouga. Após alguns anos linha do Vouga, pois o troço entre Ser- energia elétrica na vila, sujeita a uma de discussões e atrasos este projeto ini- nada do Vouga e Viseu acabou sendo remodelação em 1934. O fornecimen- ciou-se com a assinatura do contrato a 5 encerrado por causa dos incêndios que to fazia-se a partir da hidroelétrica de de fevereiro de 1907. estas locomotivas provocavam nas flo- Sever do Vouga, instalada na Ribeira de Construída pela Compagnie restas circundantes. Contudo, em 1975 Sever, na Arrota, propriedade de João Française pour la Construction et Ex- a linha foi novamente reativada e pas- Martins Pereira Amaral. Tratava-se de ploitation des Chemins de Fer à l'Étran- sou a usar material circulante a gasóleo uma central hidroelétrica que possuía ger, esta linha, que ligava Espinho a (automotoras). A 1 de Janeiro de 1990 uma reserva térmica com a potência Viseu, de tipologia estreita (1 metro de deu-se a ultima viagem de automotora máxima de 15 KW. distância entre os dois carris (bitola), foi entre Sernada e Viseu. Em 1926 surge então a primei- aberta faseadamente. A 5 de Maio de ra iluminação pública, em Sever, com 1913 entrou ao serviço a ligação Serna- apenas 10 lâmpadas. Posteriormente, da - Rio Mau e em 4 de Novembro a PONTE DO POÇO em 1928, a Sociedade Industrial do etapa entre Rio Mau a Ribeiradio, ten- DE S. TIAGO Vouga instala no Rio Vouga, em Pesse- do ficado totalmente operacional a 5 de gueiro do Vouga, uma central hidroe- Fevereiro de 1914. Sendo o projeto da autoria do Eng. létrica com uma potência máxima de A construção desta linha per- Paul Sejourné, a direção da sua cons- 602 KW. mitiu uma nova condição para a circu- trução coube ao Eng. François Mercier A eletrificação do concelho lação de pessoas e mercadorias no Vale tendo sido construída com a finalidade concretiza-se a partir do contrato com do Vouga, feito até então com grande de servir de passagem aos comboios a União Elétrica Portuguesa em 1948 dificuldade por via fluvial. da linha do Vouga. Na sua edificação e durante a década de 1950 estendeu- A 7 de Julho de 1923, naciona- usou-se alvenaria emparelhada e ado- -se às várias freguesias do concelho por lizou-se a Compagnie Française pour la taram-se os vãos de grandes dimen- decisão da Câmara Municipal. Construction et Exploitation des Che- sões, o maior deles com 70 metros. Contudo, em Sever do Vouga, mins de Fer à l'Étrangere a 1 de abril de A sua altura é de 28 metros, o que faz a Companhia Mineira e Metalúrgica do 1924 esta linha passou a ser gerida pela dela a mais alta ponte construída em Braçal e a Sociedade Industrial do Vou- Companhia Portuguesa para a Cons- Pedra do país. ga, construíram as suas próprias centrais trução e Exploração de Caminhos-de- Foi edificada, dentro do prazo elétricas para a execução das suas ativi- -Ferro. previsto ficando concluída em 1913, dades produtivas. A primeira, instalou A 1 de janeiro de 1947, a linha mas mesmo assim importa referir que três hidroelétricas duas nas Minas do do Vouga muda novamente de mãos e se demorou mais tempo a aprovar o Braçal e uma nas Talhadas, enquanto a passa a ser explorada pela Companhia projeto desta ponte do que a concluir segunda implementou uma central no dos Caminhos-de-Ferro Portugueses. a sua construção. rio Vouga, junto a .

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 39 40 TRANSPORTES; VIAS E TELECOMUNICAÇÕES

Para o transporte de pessoas, merca- PROJETO SHELL dorias e correio foi criado um serviço de diligência, pertença da “Compa- A "Experiência Agrícola de Sever do nhia Industrial Provinciana” fundada Vouga", decorrente do projeto Shell, em 1885, pelo Comendador António ocorreu entre 1958 e 1968 e duran- Martins Henriques, sediada na Grela. te esse período a Shell colocou neste Porém, após a inauguração da linha município o Eng.º Agrónomo Reinaldo de circulação do Vale do Vouga, troço mais se aproximavam. Esta obra deve-se Jorge Vital Rodrigues com o objetivo Sernada-Viseu, aquele transporte caiu ao dinamismo do abade Manuel Antó- de aconselhar os agricultores. Porquê em desuso em 1914. O troço Sernada- nio Dias Santiago, de Pessegueiro, o Sever do Vouga? Precisamente por se -Viseu veio, também, a ser suspenso qual disponibilizou 8000 cruzados. tratar de um concelho muito acidenta- em 1972. Posteriormente, com a cons- do em termos topográficos, com uma trução entre 1872 e 1874 da estrada de propriedade agrícola extremamente acesso a Sever do Vouga esta ponte foi fragmentada e uma população com AS BARCAS DO VOUGA usada para proporcionar uma mais efi- muito baixo nível de escolaridade. caz circulação de pessoas e de mercado- Deste modo, procurava-se in- Considerado porto fluvial, no lugar do rias com a sede do concelho. crementar e realizar extensão agrícola Poço de S. Tiago, embora não tivessem Na década de 30 do século e elevar o nível de conhecimentos dos sido feitas obras para tal, o Rio Vouga XX, esta ponte passou a estar inserida agricultores do concelho. era navegável de Pessegueiro do Vouga na rede nacional de estradas criada pela Releve-se ainda a importância até à Ria de Aveiro, permitindo, assim, Junta Autónoma de Estradas com o deste projeto em iniciativas de caráter desenvolver trocas comerciais. Os bar- nome de EN16. social, de formação profissional e no queiros eram essencialmente de Sóligo apoio aos cuidados maternos. e levavam para Aveiro lenha, carqueja, laranja, etc., trazendo de Aveiro sal, CORREIOS E TELEFONES peixe, tijolo, telha e as novidades. SANTA CASA O transporte da correspondência, que DA MISERICÓRDIA data de 1844, competia a um homem PONTE contratado para o efeito, tendo apenas Deve-se ao Comendador Augusto DE PESSEGUEIRO sido arrematado o transporte das malas Martins Pereira a fundação desta obra DO VOUGA do correio entre a Vila e a estação dos ca- de Assistência Social. Datada de 1950, minhos-de-ferro em Paradela, em 1918. por iniciativa de uma Comissão Insta- Outra ponte de grande valor arquitetó- Quanto às ligações telefónicas ladora, a denominada Casa dos Pobres, nico é a ponte sobre o rio Vouga, que liga em 1931 foi solicitado à administração que tinha como objetivo acabar com a as freguesias de Paradela a Pessegueiro a montagem de uma cabina telefónica mendicidade nas ruas. do Vouga. A travessia e ligação entre as em Rocas. Em 1940, apesar de todos os Depois da construção do Cine duas freguesias fazia-se atravessando o pedidos insistentes, ainda não havia um Alba em 30 de setembro de 1951, Au- rio numa pequena barca poucos metros posto telefónico na Vila. gusto Martins Pereira inaugura a nova a jusante da referida ponte. Fazia-se, Porém, a 14 de junho de 1940 é Casa dos Pobres, o Asilo dos Pobres e quando o rio o permitia. No Inverno, colocado o primeiro telefone público no o Posto Hospitalar, para obviar às con- quando as cheias eram mais frequentes, Concelho de Sever do Vouga, nomea- dições precárias de uma vasta camada a situação complicava-se. Esta ponte damente na freguesia de Pessegueiro do da população do Concelho. foi construída no local onde as margens Vouga.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 41 42 Depois da sua morte procede- O Governo sentiu-se na obri- -se à reestruturação da empresa cons- gação de indemnizar a empresa, autori- tituindo-se uma sociedade com o nome zando a construção de uma linha férrea de Administração das minas do Bra- do sistema americano que ligasse as çal. Dela faziam parte a viúva, D. Sofia explorações do Braçal, Malhada e Coval Fewerheerd e outros herdeiros, man- da Mó, pelo Rio Mau até ao Vouga. A tendo-se a exploração até 1882. MINAS DO BRAÇAL construção da linha teve início em 1864 Os grandes melhoramentos e foram transportados por ela grandes realizados neste complexo, conduziram A segunda fase da exploração de Galena quantidades de minério para dois barcos a Companhia a uma crise financeira, nas Minas do Braçal iniciou-se no se- que a empresa possuía no Vouga tendo, que ameaçava fechar, o que contribuiu gundo quartel do século XIX, através de cada um, a capacidade de transportar 10 para a constituição de uma nova Socie- uma concessão a José Bernardo Miche- toneladas. Daqui seguiam para Aveiro dade em 14 de janeiro de 1882, aprova- lis, por portaria de 6 de agosto de 1836. tendo como destino Inglaterra e Ale- da por alvará de 28 de junho do referido Em 1840 esta licença passa para o ale- manha ano, com capitais luso-germânicos. mão Diederich Mathias Fewerheerd, Estes barcos traziam produtos e Estava criada a Companhia radicado na cidade do Porto, que impul- artigos para consumo e aplicação na ex- Mineira e Metalúrgica do Braçal. Foi sionou a exploração mineira através de ploração mineira, sendo transportadas nomeado seu administrador-delegado técnicos e tecnologia alemã. em vagões para o Braçal puxados por o Dr. António Lopes da Gama. Esta so- Em 1850 foi descoberta a mina duas ou mais juntas de bois. ciedade manteve-se até 1880 e faziam da Malhada e logo de seguida em 1856 Em 1863, a empresa mandou parte dela as três áreas de exploração as minas do Coval da Mó. Pelo seu su- construir uma oficina de fundição no – Braçal, Malhada e Coval da Mó – os cesso, o Governo concedeu a isenção de Braçal, na margem esquerda do Rio escritórios, a oficina de fundição D. impostos durante 10 anos, por portaria Mau, à qual deu o nome de D. Fernan- Fernando, a Serralharia, a Caldeiraria, a de 30 de janeiro de 1854. do, marido da Rainha D. Maria II, deno- Fundição de Ferro e Bronze, a Carpin- As obras em 1851 já tinham mu- minação que foi autorizada em 24 de taria e um laboratório devidamente ape- dado o curso do rio Mau e instalado três maio de 1862. trechado para a avaliação da pureza dos rodas hidráulicas e uma turbina que ser- Esta oficina utilizou o mesmo metais extraídos e da sua composição. viam para a extração de galena, sulfato modelo das fundições de Stolberg, na Em 1904, as minas fecharam de chumbo e pirite de ferro. Prússia. devido à falência do seu proprietário, Em 1862 uma multidão, es- Entretanto, Diederich Mathias voltando a ser reabertas anos mais tar- pecialmente de Ribeira de Fráguas e Fewerheerd morre no Porto em 1874. de, tendo sido encerrada a exploração de Silva Escura, entra pelas instalações Como grande e reconhecido empresá- mineira em a 31 de Dezembro de 1958. mineiras destruindo-as, uma vez que o rio, foi condecorado pelo rei D. Pedro V Contudo, o desmantelamento da mina fumo das fornalhas das minas estava a com o grau de Cavaleiro da Ordem de continuou por vários meses até que na prejudicar as suas vinhas causando gran- Cristo e agraciado pelo Rei D. Luís com década de 60, do século XX, foram dis- des prejuízos à produção agrícola. a Comenda da Conceição. pensados os últimos trabalhadores.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 43 44 MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 45 MIR TI LO

46 MIR MIRTILO TI LO

O mirtilo (Vaccinium corymbosum), também conhecido por arando ou uva- -do-monte, é um pequeno arbusto da família das urzes, do loendro e do me- dronheiro. Cresce espontaneamente nas montanhas e florestas da América do Norte e da Europa (em Portugal, apenas no norte). O fruto é uma baga azul escura e sumarenta, usado, há sé- culos, como alimento devido ao elevado valor nutritivo. O herbalismo do século XVI documentou o uso medicinal da planta no tratamento de pedras na bexi- Introduzido em Portugal na dé- ga, desordens biliares, escorbuto, tosse e cada de 90, em Sever do Vouga, este tuberculose. Atualmente, a investigação fruto possui hoje um papel muito im- no mirtilo (fruto e folha) está direciona- portante na economia local, tendo Se- da para o tratamento de desordens ocu- ver do Vouga adquirido a marca 'Capital lares, vasculares e diabetes mellitus. do Mirtilo'.

MUSEU MUNICIPAL SEVER DO VOUGA 47 SEVER DO VOUGA. 2016