A sacristia e a encomenda episcopal portuguesa no período da Reforma Católica. O caso da Sé de Coimbra e o patrocínio do bispo D. Afonso de Castelo Branco

Cátia Cristino Correia Teles e Marques de Sousa Branco

Tese de Doutoramento em História da Arte Moderna

Setembro 2013

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em História da Arte Moderna, realizada sob a orientação científica do Prof. Doutor Carlos Alberto Louzeiro de Moura

Apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, através de fundos nacionais do Ministério da Educação

I

II

DECLARAÇÃO

Declaro que esta Tese é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

A candidata,

______

Cátia Teles e Marques de Sousa Branco

Lisboa, 23 de Setembro de 2013

III

IV

DECLARAÇÃO

Declaro que esta Tese se encontra em condições de ser apreciada pelo júri a designar.

O orientador,

______

Carlos Alberto Louzeiro de Moura

Lisboa, 23 de Setembro de 2013

V

VI

Ao Ricardo

VII

VIII

Agradecimentos

Esta tese não teria sido possível sem o apoio e a contribuição de todos aqueles que, de alguma forma, me ajudaram ao longo do percurso. Gostaria de deixar registado o meu agradecimento em particular:

Ao Prof. Doutor Carlos Moura por ter aceitado orientar esta tese, pelo interesse e acompanhamento da investigação e pela leitura atenta do texto. Ao Instituto de História da Arte (FCSH/UNL) que acolheu este projecto de Doutoramento, em particular à Prof.ª Doutora Raquel Henriques da Silva e à Dr.ª Ana Paula Louro. À Fundação para a Ciência e Tecnologia pela bolsa concedida, que me permitiu desenvolver a investigação a tempo inteiro.

Aos Profs. Doutores Alexandra Curvelo, Rafael Moreira e António Camões Gouveia, pelo encorajamento da proposta de investigação. E ao Prof. Doutor José Pedro Paiva, que generosamente contribuiu para este trabalho com cedência de documentação inédita e indicação de fontes. Ao Prof. Doutor Rui Lobo agradeço as conversas tidas e as sugestões críticas sobre as reconstituições arquitectónicas realizadas.

Deixo também uma palavra de reconhecimento aos técnicos e funcionários das bibliotecas e arquivos portugueses e italianos onde decorreu a investigação, e à Dr.ª Virgínia Gomes, conservadora do Museu Nacional Machado de Castro.

À Giulia Rossi Vairo, pelo generoso acolhimento em Roma.

Pela amizade, apoio e motivação, à Leonor de Oliveira, Alexandra Campos, Pedro Marques, Hugo Xavier, Ana Sofia Morais e Miguel Abrantes. E à minha família, em particular a meus pais e à Cristiana, Karen, Lurdes e Luísa.

Por tudo, ao Ricardo Lucas Branco, meu marido, a quem esta tese é dedicada.

IX

X A sacristia e a encomenda episcopal portuguesa no período da Reforma Católica. O caso da Sé de Coimbra e o patrocínio do bispo D. Afonso de Castelo Branco

Cátia Teles e Marques

PALAVRAS-CHAVE:

Sacristia, patrocínio episcopal, tipologia arquitectónica, Reforma Católica, Carlo Borromeo, constituições sinodais, Sé Velha de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco, Sé de , Sé de Leiria, Sé de Elvas, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra

RESUMO:

A sacristia, como a concebemos hoje, é uma realização da Época Moderna. Para a definição e autonomia deste espaço concorreram factores artísticos, relacionados com a pesquisa arquitectónica e a cultura material, e outros históricos derivados da Reforma Católica, nomeadamente a exortação ao decoro do culto e a normalização da liturgia. Esta tese tem como finalidade principal compreender, primeiro, o processo de configuração da sacristia enquanto tipologia particular da arquitectura religiosa e, depois, a introdução e desenvolvimento de modelos em a partir do período pós-tridentino. Assim, consideram-se as realizações do Renascimento italiano, onde a tipologia encontra a sua génese, e à formação precoce de modelos em Espanha, para melhor situar o caso português. A caracterização geral do universo de sacristias portuguesas abrange obras do século XVI ao XVIII, destacando-se os grandes empreendimentos monástico-conventuais do período filipino, momento em que a tipologia melhor se define em Portugal. Com o objectivo de caracterizar a função do espaço e progressiva atenção que ele mereceu no decurso da Reforma Católica, estudam-se os aspectos relacionados com a liturgia, subjacentes à reflexão sobre a arquitectura religiosa realizada no período pós-tridentino. Neste âmbito, são analisadas as instruções eclesiásticas a respeito da sacristia, nomeadamente as contidas na Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo e na legislação diocesana ibérica. No seguimento desta abordagem, são objecto de estudo mais aprofundado as sacristias das sés de Viseu, Leiria e Elvas, articulando a leitura tipológica e

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artística com o significado mais amplo da encomenda episcopal no contexto da Reforma Católica. O patrocínio das sacristias é, assim, compreendido à luz da acção reformadora dos prelados, quer no domínio disciplinar como no dos empreendimentos arquitectónicos. Assinalam-se, por essa razão, as campanhas de reedificação dos paços episcopais, o provimento das sés e a reforma de igrejas e conventos dos respectivos bispados. Neste particular, destaca-se, especialmente, a figura do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco, pelo interesse assinalável do seu percurso, da correspondência e relações que manteve com a corte papal e das várias obras que patrocinou. Entre estas, conta-se a nova sacristia da Sé de Coimbra, espaço monumental irremediavelmente transfigurado por uma amputação efectuada no primeiro quartel do século XX. No estudo desta sacristia, procura-se entender os motivos da encomenda, descrever o processo de construção e decoração ao tempo do bispo-conde, reconstituindo a sua feição original e respectiva fortuna crítica e patrimonial. Simultaneamente, avaliam-se os modelos de influência do projecto, procurados na arquitectura local e noutras realizações nacionais, sem esquecer a dimensão de novidade que representou ao tempo. Originalidade, desde logo, indiciada pela monumentalidade da empresa e o perfil do seu encomendante, ambos indicadores de grande destaque seja no conjunto das sacristias portuguesas ou no campo do patrocínio episcopal.

XII The Sacristy and the Portuguese Episcopal Commissions during the period of the Catholic Reformation. The case of the Cathedral of Coimbra and the patronage of the bishop D. Afonso de Castelo Branco

Cátia Teles e Marques

KEYWORDS: Sacristy, episcopal patronage, architectural typology, the Catholic Reformation, Carlo Borromeo, synodal constitutions, , D. Afonso de Castelo Branco, Cathedral of Viseu, Cathedral of Leiria, Cathedral of Elvas, Monastery of Santa Cruz of Coimbra

ABSTRACT:

The sacristy, as we understand it today, is a result of the Early Modern period. To the definition and the autonomy of that space, artistic and historical factors concurred, the ones related to architectural research and material culture, the others, namely the exhortation to cult decorum and the normalization of the liturgy, arising from of the Catholic Reformation. The main purpose of this thesis is to assess, firstly, the process through which the sacristy was configured as a particular typology of religious architecture and, secondly, the introduction and the development of models in Portugal, from the post-tridentine period on. To better situate the Portuguese case, focus is placed on the sacristies of the Italian , where the typology’s genesis can be found, and on the precocious formation of models in Spain. The overview of the Portuguese sacristies encompasses the works of the sixteenth to eighteenth centuries, singling out the great monastic-conventual building projects of the Philippine period – moment at which, in Portugal, the typology is best defined. With the purpose of characterizing the function of this space and the growing attention it was granted in the course of the Catholic Reformation, aspects connected to the liturgy were considered, which underlie the reflection upon religious architecture made in the post-tridentine period. In that extent, the ecclesiastical instructions regarding the sacristy, namely the ones included in Carlo Borromeo’s Instructionum Fabricae and in the Iberian diocesan legislation, are object of analysis.

XIII

Pursuing this approach, the sacristies of the Cathedrals of Viseu, Leiria and Elvas merited deeper study, articulating the typological and artistic survey with the wider meaning of the episcopal commission in the context of the Catholic Reformation. Patronage of the sacristies is thus understood in the light of the reformations undertook by the prelates, be it in the realm of discipline or in that of architectural commissions. For that reason, the episcopal palaces’ re- edification campaigns, the provision of the Cathedrals and the reform of the churches and convents of each diocese, are pointed out. In this particular, the figure of the bishop-count D. Afonso de Castelo Branco stands out, for the remarkable interest of his career, the correspondence and relations that he kept with the Papal court, and the several works he was patron of. Among them is the new sacristy of the Cathedral of Coimbra, a monumental space irredeemably transfigured by an amputation performed in the first quarter of the twentieth century. Study of this sacristy aims at understanding the motives for the commission and describing the process of construction and decoration at the time of the bishop- count, reconstituting its original interior design and respective critical and patrimonial fortune. Simultaneously, the models of influence, sought in the local architecture and in other national buildings, are evaluated, while keeping in mind the aspect of novelty that the project possessed at the time. Its originality is hinted at from the outset by the monumentality of the enterprise and by the profile of its commissioner, both indicative of great singularity whether within the group of Portuguese sacristies, or within the scope of episcopal patronage.

XIV

Índice

Agradecimentos ...... VII

Resumo | Abstract ...... IX

Índice ...... XV

Siglas e Abreviaturas ...... XIX

Introdução ...... 1

PARTE I| A sacristia no período da Reforma Católica: tipologia, modelos, instruções e encomenda ...... 17

Capítulo 1| A sacristia na Época Moderna: a consolidação da tipologia e o desenvolvimento de modelos no espaço ibérico ...... 19

» A génese de modelos em Itália ...... 19

» Espanha ...... 26

» Portugal ...... 34

- Um modelo jesuíta? ...... 40

- O modelo do classicismo ...... 51

Capítulo 2| Arquitectura e Reforma Católica. A normalização do espaço da sacristia pela Igreja ...... 81

» Instructionum Fabricae et supellectiles ecclesiasticae de Carlo Borromeo ...... 87

- Contactos do cardeal e arcebispo de Milão com Portugal ...... 91

XV

» A restauração do culto católico e o lugar da sacristia na liturgia ...... 97

» A sacristia na Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo: a exemplaridade do caso do arcebispado de Milão ...... 101

» A sacristia nas Constituições Sinodais e Visitas Pastorais: o caso português e o contexto ibérico ...... 111

- Constituições Sinodais ...... 111

- As Visitas Pastorais e as Fábricas ...... 128

Capítulo 3| As sacristias catedralícias e a encomenda episcopal ...... 145

» A Sé de Viseu e o bispo D. Jorge de Ataíde (1574) ...... 145

» A sacristia da Sé de Leiria e o bispo D. Pedro de Castilho (1583-1597) ...... 155

» A sacristia da Sé de Elvas entre os bispados de D. António e D. Sebastião de Matos de Noronha (1609-1627) ...... 173

PARTE II| A sacristia da Sé de Coimbra e o patrocínio do bispo D. Afonso de Castelo Branco ...... 191

Capítulo 1| Antecedentes: legislação sinodal e sacristia velha ...... 193

Capítulo 2| O bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco ...... 201

» Bispo reformador e «Príncipe da Igreja» ...... 205

- Relações e troca de correspondência com a corte papal ...... 213

» Os empreendimentos do bispo-conde: arquitectura residencial e religiosa em Coimbra...... 228

- Paço episcopal, quinta de São Martinho do Bispo e benfeitorias à cidade .. 228

- Colégios e cenóbios ...... 237

XVI - A refundação e patrocínio do convento de Santa Ana ...... 243

- Apadrinhamento do processo de canonização da Rainha Santa Isabel ...... 254

Capítulo 3| A sacristia nova da Sé de Coimbra ...... 259

» Disposições normativas: a sacristia nas Constituições Sinodais de 1591 ...... 259

» O empreendimento da sacristia da Sé, a fortuna crítica e patrimonial do espaço, e a reconstituição da arquitectura...... 265

- Patrocínio e construção ...... 265

- A campanha de restauro do século XX e a demolição parcial da sacristia .... 269

- Proposta de reconstituição do espaço original ...... 275

» Tipologia e sentido programático ...... 296

» Partido arquitectónico e decorativo. Proposta de atribuição ...... 306

» Provimento e decoração da sacristia ...... 317

» O bom que nela há D. Afonso o deu . O patrocínio da sacristia da Sé de Coimbra: considerações finais ...... 332

Conclusão ...... 343

Fontes e Bibliografia ...... 353

Índice de Figuras e Tabelas ...... 391

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Siglas e Abreviaturas

ANBA | Academia Nacional de Belas Artes AHMC | Arquivo Histórico Municipal de Coimbra AHMOP | Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas ANTT | Arquivo Nacional Torre do Tombo ASE | Arquivo da Sé de Évora ASV | Arquivio Segreto Vaticano AUC | Arquivo da Universidade de Coimbra ARSI | Archivum Romanum Societatis Iesu BA | Biblioteca da Ajuda BACL | Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa BMC | Biblioteca Municipal de Coimbra BnF | Bibliothèque nationale de France BNP | Biblioteca Nacional de Portugal BPMP | Biblioteca Pública Municipal do Porto DGEMN | Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais IMC | Instituto dos Museus e da Conservação MNMC | Museu Nacional Machado de Castro SIPA | Arquivo do Forte de Sacavém – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (IHRU)

CS | Constituições Sinodais atrib. | atribuído cfr. | conforme fl. | fólio i.e. | isto é lv. | livro p. | página publ. | publicado n. | nota n.º inv.º | número de inventário

XIX

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Introdução

Tema e estado da arte

A sacristia constituiu um espaço de importante relevância no interior das igrejas na Época Moderna, especialmente a partir do período da Reforma Católica, em que se tornou numa das principais dependências anexas das igrejas, onde decorriam os momentos de preparação e de encerramento do ritual e se guardavam as alfaias e paramentos litúrgicos. Foi sobretudo neste período que alcançou uma autonomia própria, enquanto tipologia independente – embora fundamentada na tradição da Igreja –, com características precisas, nomeadamente quanto à sua disposição e aos seus diferentes componentes, apresentando mesmo uma hierarquia espacial e cerimoniais específicos.

O estudo das sacristias suscita uma ampla gama de questões e várias possibilidades de análise. Em termos formais, o desenvolvimento de soluções espaciais e decorativas para esta divisão participou da semântica própria de cada período artístico. Por essa razão, cabe questionar: o que distingue as sacristias de outros espaços e em que momento se configurou como unidade autónoma? Para perceber a lógica que presidiu à sua concepção, será importante tratar o objecto de estudo na perspectiva da sua individualidade tipológica, considerando o pouco que se conhece a este respeito.

A importância do tema não passou despercebida à historiografia da arte portuguesa, que, de há alguns anos a esta parte, tem salientado a necessidade de uma visão de conjunto. Como se pode verificar, por exemplo pelas palavras de Luís de Moura Sobral: «se aqui e além se encontram análises que incidem sobre um ou outro aspecto do problema, desconheço a existência de estudos

1 globais sobre o tema; tão-pouco, creio, se tratou de elaborar uma tipologia da decoração das sacristias barrocas portuguesas» 1.

Na minha dissertação de Mestrado em História da Arte Moderna, dedicada ao estudo do mobiliário monumental de sacristia 2, realizei uma primeira aproximação a este universo de estudo, avançando dados no sentido de qualificar a sacristia e o seu percurso espacial e decorativo no Portugal Moderno. Este trabalho teve a valia de levantar questões que importa agora esclarecer com maior profundidade num âmbito histórico, artístico e geográfico mais alargado.

Se em Portugal se encontram notáveis exemplos ao nível arquitectónico e decorativo, o alcance e a especificidade destas realizações só podem ser verdadeiramente compreendidos a partir da caracterização da função litúrgica do espaço e da génese e desenvolvimento da tipologia, enquanto resposta às preocupações da Reforma Católica com o decoro do culto. Esta reflexão obriga, necessariamente, a alargar o inquérito além-fronteiras e situar o caso português numa perspectiva comparada, antes de mais com os empreendimentos artísticos italianos e espanhóis. Porém, a averiguação sobre a consolidação tipológica e sobre difusão e adopção de modelos distintos revela-se uma tarefa complexa, desde logo pelas limitações da bibliografia existente sobre a matéria.

Devo sublinhar que o estudo das sacristias, em geral, se encontra numa fase incipiente, mesmo no plano da historiografia internacional. Talvez por ter permanecido uma área de acesso reservado, nunca alcançou protagonismo suficiente que justificasse um interesse generalizado. À parte alguns estudos de caso monográficos ou menções pontuais em histórias gerais sobre obras de maior destaque, são ainda escassos os trabalhos de fundo que incidam na caracterização das origens da sacristia na história da arquitectura religiosa, sua função e identidade. Neste panorama, constitui excepção o recente trabalho de

1 Sobral 1996, 81. 2 Marques 2007.

2 Francisca del Baño Martínez para o caso espanhol 3.

Na ausência de uma discussão sobre o assunto, é um dos meus principais objectivos procurar definir a tipologia e identificar modelos distintos, com vista ao alargamento do tema. Desejando que, no futuro, ele venha a enriquecer-se com novos contributos, condição imprescindível para a valorização, conservação e divulgação deste património ainda tão mal conhecido.

A primeira questão que se coloca, à partida, na visão do processo de definição e desenvolvimento de um determinado espaço prende-se com a distinção entre o que se entende por tipologia e por modelo. A este respeito, são fundamentais as reflexões de Giulio Carlo Argan e de Sandro Benedetti 4. É que «tipologia» ou «tipo» constitui uma categoria de classificação de um espaço arquitectónico (como de qualquer outra obra), a partir dos respectivos atributos funcionais e da sua configuração. Apesar de o âmbito da sua aplicação excluir critérios de ordem estética, e, por essa razão, não servir propósitos de valorização de obras de arte, é um conceito útil para a individuação e caracterização dos objectos na sua especificidade única.

Aliás, como explicou Quatremère de Quincy (1755-1849), no Dictionnaire historique d'architecture (1832) citado por G. C. Argan, a noção de «tipologia» ou «tipo» é precisamente a representação de uma ideia ou de um esquema de um elemento que deve servir de regra ao modelo, e que opera na sua génese. Por seu turno, «modelo» pressupõe a repetição de um formulário preciso e efectivo, considerado perfeito e exemplar. A consolidação da tipologia realiza-se a partir da pesquisa e experimentação e só depois é fixada pela teoria ou pela prática arquitectónica. Neste sentido, o tipo é deduzido de uma série de exemplares, resultado do confronto e sobreposição de todos os edifícios similares que num determinado momento histórico procuraram dar resposta a um conjunto de premissas e exigências ideológicas, religiosas ou práticas. Neste processo,

3 Baño Martínez 2009. 4 Argan 1959 e 1966; Benedetti 1984.

3 eliminam-se as características específicas dos edifícios singulares e conservam-se apenas os elementos que contribuem para a unidade da série. Um esquema nasce, assim, da redução de uma série de variantes formais de uma suposta estrutura comum5.

Além da configuração espacial, devem ainda considerar-se duas outras classes tipológicas: uma relacionada com os grandes elementos construtivos e a outra com elementos menores, ou decorativos. É meu objectivo, justamente, explicar a génese do tipo de sacristia a partir destas três classes: a definição de uma configuração espacial; a identificação de componentes construtivas inerentes às exigências do espaço; e a individuação de peças relacionadas com a identidade tipológica da sala, formando elas próprias tipologias de outras categorias artísticas, como sejam o mobiliário e os lavabos de sacristia. Esta classificação constitui, por isso, um instrumento metodológico indispensável à formação de modelos e de séries, como aqueles que pretendo caracterizar e analisar neste estudo. Metodologia que, justamente, vai de encontro ao contexto histórico-artístico em que se insere este estudo e aos critérios que então se observaram.

O movimento de reforma da Igreja implicou, no seu longo e complexo processo, a renovação da arquitectura religiosa, muito em particular nas décadas que se seguiram ao Concílio de Trento. Embora mais ao nível prático que teórico, foi dada neste período uma especial atenção aos aspectos tipológicos da arquitectura. As séries daí resultantes foram geradas, precisamente, em relação à funcionalidade e à configuração dos edifícios. Como explicou Sandro Benedetti, esta questão tornou-se, aliás, um tema de reflexão e orientação metodológica que veio, em grande medida, substituir a precedente com referente no mundo antigo 6. Uma das finalidades desta tese é compreender em que medida a

5 Alexander Tzonis e Liane Lefaivre (1986, 35), explicam, ainda, o conceito de «tipo» a partir de «genera » ou « genus »: «genus is a good word for expressing the idea of typified, predetermining relations that bind together the members of certain groups». 6 Benedetti 1984, 21.

4 transferência da pesquisa, do domínio estético e formal para o âmbito da função e do significado dos espaços do culto, teve impacte na consolidação da tipologia da sacristia e na difusão de modelos em Portugal.

A questão tipológica não pode, neste sentido, ser desligada da relação entre arquitectura e liturgia. Relação que, aliás, tem vindo a merecer, nos últimos anos, o interesse da História da Arte, com a publicação de estudos de relevo para a Época Moderna, retomando assim o trabalho pioneiro de historiadores como James Ackerman, Aurora Scotti e Sandro Benedetti 7. Reflexos desse interesse progressivo, ainda que assimétrico, em Portugal afloram nos trabalhos de Paulo Varela Gomes sobre o uso da planta centralizada (1998) e sobre os coros nas sés portuguesas (2001 e 2009); de Rui Lobo quanto às tipologias da arquitectura colegial coimbrã e jesuíta, em que se integra o estudo das respectivas igrejas; e de Ricardo Lucas Branco (2008) sobre o «classicismo tridentino» e a introdução da planta contra-reformista itálica no planeamento das igrejas conventuais do período filipino.

No contexto português, a renovação da arquitectura religiosa foi um foco importante das preocupações régias e das ordens religiosas, mas não só. Pela sua dimensão e precocidade, os grandes empreendimentos conventuais e colegiais que se foram avolumando ao longo do século XVI, por iniciativa e patrocínio régio – favorecendo quer as antigas, como as congregações mais recentes – encontram-se melhor estudados. Tal não quer dizer que, na esfera diocesana, não tenha havido importantes campanhas de obras, motivadas pelas reformas introduzidas por via legislativa e pela prática das visitações pastorais. O alcance da reforma arquitectónica promovida pelos bispos portugueses, no exercício do seu múnus, encontra-se, porém, largamente por esclarecer. Na justa apreciação de Miguel Soromenho, «os contornos exactos da encomenda arquitectónica nas dioceses portuguesas são um assunto ainda arredado do interesse

7 Sobre a revalorização desta área de estudo, veja-se a Introdução de Jörg Stabenow ao livro de actas Lo spazio e il culto. Relazioni tra edificio ecclesiale e uso liturgico dal XV al XVI secolo (2006), como os estudos nele reunidos.

5 historiográfico, mas passou por ali o maior esforço de renovação edílica local» 8.

Por isso, no decurso da investigação que realizei, a sacristia catedralícia e a encomenda episcopal acabaram por se revelar o universo de estudo mais promissor. Esta circunscrição da abordagem permitiu avaliar com maior propriedade a consolidação da tipologia em Portugal, cruzando a sua análise com as questões de fundo associadas à restauração do culto, à fixação de instruções sobre o espaço na legislação sinodal e à encomenda e patrocínio dos prelados. A individualização da acção episcopal nas decisões sobre a conformação das igrejas aos critérios reformistas obrigou, por sua vez, a uma tentativa de caracterização da orgânica das estruturas administrativas relacionadas com a esfera temporal da gestão diocesana, nomeadamente as ligadas à prática das visitações e às Fábricas eclesiais.

Como se administrava o património edificado diocesano nos séculos XVI e XVII em Portugal? Que razões motivavam novas e grandes campanhas de obras (fossem arquitectónicas ou decorativas) nas sés e em igrejas da sua jurisdição? De que forma se processavam estas campanhas? Sobre quem recaía a responsabilidade da sua iniciativa, gestão e financiamento – sobre o cabido ou sobre os bispos? A resposta cabal a estas questões, que apenas pude aflorar nesta tese, permitirá no futuro distinguir, em definitivo, os diferentes níveis de actuação no âmbito dos bens imóveis das dioceses, nomeadamente diferenciar o grau de autonomia das Fábricas eclesiais das acções individuais de patrocínio e mecenato dos bispos portugueses (as quais procurei aqui identificar e caracterizar).

A dimensão da encomenda episcopal traduz, além disso, uma perspectiva bastante significativa, alargando a abordagem à acção de alguns dos principais agentes da Reforma, quer na perspectiva da actividade reformadora empreendida, como nas dimensões dos códigos sociais e da cultura material da época que, em maior ou menor medida, puderam partilhar. A validade das

8 Soromenho 2009, 66.

6 questões sobre o patrocínio no campo da História da Arte e da Arquitectura é bem explicada por Sabine Frommel:

«ainsi la combinaison d’une analyse stylistique et d’une réflexion sur le patronage peut nous aider à comprendre combien certaines formes sont ancrées dans les convenances sociales, tandis que d’autres évoluent de manière autonome; l’étude des fonctions éclaire le rôle de l’édifice dans la vie sociale, et celle de la théorie permet de saisir jusqu’à quel point la pratique se conforme aux concepts esthétiques, règles et postulats, mais aussi où et pourquoi elle s’en écarte»9.

Tendo presente esta premissa, o estudo da figura de D. Afonso de Castelo Branco, bispo de Coimbra entre 1585 e 1615, revelou-se particularmente aliciante. Tanto pelo positivo interesse do seu percurso e acção reformadora enquanto prelado, como pela correspondência e relações que manteve com a corte papal, e o volume de obras que patrocinou. Entre estas, conta-se a nova sacristia da Sé de Coimbra, espaço monumental irremediavelmente transfigurado por uma larga amputação efectuada no primeiro quartel do século XX.

Deve-se a António Filipe Pimentel o primeiro estudo sobre o bispo-conde e as suas empresas artísticas, que teve o mérito de recuperar do esquecimento uma das mais interessantes personalidades do Portugal filipino. Desde então, só no domínio da História da Igreja têm surgido novas abordagens, nomeadamente de José Pedro Paiva, com importantes resultados sobre a acção do bispo-conde no âmbito religioso. No campo da História da Arte, o interesse pelas realizações artísticas de D. Afonso não têm conhecido o merecido desenvolvimento; para não falar do significado da obra da sacristia, que, em virtude da sua redução e transformação, tem permanecido até hoje na total obscuridade. No prosseguimento do trabalho de investigação, tornou-se evidente a importância deste estudo de caso, ao qual acabei por dedicar maior atenção do que

9 Frommel 2002, 11.

7 inicialmente previsto, convertendo-o em objecto de uma análise monográfica na segunda parte do presente estudo.

A problemática subjacente a esta tese é, por isso, dupla. Por um lado, pretende-se definir como primeiro objecto de análise a génese da tipologia da sacristia e o desenvolvimento de modelos espaciais e decorativos em Portugal, relacionando o surgimento da sua identidade com as funções a que foi destinada e os critérios da Reforma Católica para a arquitectura eclesial. Procurou-se, assim, entender o impacte das orientações pós-tridentinas na dinâmica subjacente à formulação da tipologia, derivada das preocupações com o decoro do ritual por parte dos encomendantes. Em segundo lugar, a análise foca-se mais aprofundadamente nas sacristias das sés portuguesas construídas no período, seleccionadas do universo mais amplo de exemplares, e na relação destes espaços com a acção dos bispos que presidiram à sua construção e decoração.

Âmbito cronológico e geográfico

Embora definida, com a feição que hoje lhe atribuímos, pelos ensaios, realizações e cultura material do Quattrocento italiano, a tipologia da sacristia só se consolida verdadeiramente em Portugal a partir do último quartel do século XVI, associada ao contexto pós-tridentino, à cultura dos encomendantes e ao amadurecimento do classicismo na arquitectura. Neste sentido, o âmbito cronológico deste estudo decorre, sensivelmente, entre os anos de 1564 e de 1630. A data inicial coincide com o início do período pós-tridentino (o Concílio de Trento foi encerrado em 1563) e, em Portugal, com os primeiros planos para as casas da Companhia de Jesus, reveladores do debate desenvolvido, nessa época, sobre a adequação da arquitectura eclesial aos propósitos da Reforma. O extremo final foi escolhido em virtude da estagnação dos empreendimentos arquitectónicos em curso ou de novas fundações no território português, motivada pelo adensamento da crise política e financeira que acabou por precipitar as Guerras da Restauração uma década depois. Factor histórico que

8 viria a determinar a periferização de Portugal no campo da arquitectura, situação que perdurou até ao final de Seiscentos, dominada por uma maior austeridade e pelos valores vernaculares.

As balizas cronológicas não são, porém, inteiramente rígidas, pois em alguns momentos revelou-se indispensável recuar até ao século XV e ao início do XVI (sobretudo para os casos italiano e espanhol), enquanto noutros se avançou até Setecentos. A fim de reflectir sobre a introdução da tipologia de sacristia em Portugal e sobre os seus protótipos e de construir uma genealogia do espaço, foi, também, necessário considerar as realizações do início de Quinhentos até à formação de modelos particulares sob as directrizes pós-tridentinas. No limite oposto, a análise de exemplares do período do Barroco tem o objectivo de avaliar a fortuna dos modelos inaugurados e experimentados no período filipino.

A questão subjacente à definição de uma tipologia espacial vinculada à tradição arquitectónica eclesial – cujas directrizes relacionadas com o decoro e a liturgia restaurada atravessam as fronteiras políticas – obriga a deslocar o olhar dos empreendimentos portugueses para um horizonte mais alargado, de forma a melhor os compreender e classificar. Daí que o âmbito geográfico tenha compreendido, à partida, um inquérito internacional no sentido de averiguar como se materializou a tipologia em Itália e em Espanha. Itália pela relevância incontornável das pesquisas e realizações da arquitectura clássica, e Espanha, por razões de proximidade geográfica e estreitamento das relações com Portugal, sobretudo no período da União Dual. Tendo como tema central o universo das sacristias portuguesas, a finalidade deste inquérito foi a de estabelecer, tanto quanto possível, uma perspectiva comparada, não só em termos tipológicos e formais, como ao nível da normalização funcional do espaço por via de instruções dimanadas da Igreja. A comparação com os casos italiano e espanhol procurou, por conseguinte, uma mais adequada e eficiente leitura sobre o caso português e a individuação da sua especificidade.

9 Dado o número quase infindável de edifícios, o inquérito teve necessariamente de se centrar nos exemplares mais significativos, os que melhor caracterizam o percurso da tipologia e desenvolvimento de modelos particulares; tendo sido, por exigência do tema da tese, mais direccionado para o caso português. Os critérios geográficos foram, no entanto, limitados ao reino, ficando excluídos da investigação os territórios de Além-Mar, cujo contexto particular suscitava outra ordem de questões que não cabia neste estudo. Pelo que, as referências ao «espaço português» estão condicionadas, à partida, por esta premissa.

Relativamente aos casos portugueses tratados, assinalam-se, em particular, as sacristias das casas jesuítas e de alguns dos principais conventos e mosteiros nacionais, destacando-se, com maior desenvolvimento, os exemplos das sés de Viseu, Leiria e Elvas. Por sua vez, a sacristia da Sé de Coimbra constitui o principal estudo de caso, pela importância do empreendimento no universo das sacristias portuguesas e pelo interesse assinalável do percurso biográfico do seu patrocinador, o bispo D. Afonso de Castelo Branco.

Questões metodológicas e fontes

A investigação iniciou-se pela organização do universo de estudo, realizada a partir da identificação e selecção das sacristias de maior relevo, privilegiando os seguintes indicadores: características tipológicas significativas (espaciais e decorativas), data do projecto e período de construção, e aspectos pertinentes relacionados com a encomenda e o projecto. Em paralelo, procedi ao levantamento da bibliografia relacionada com os exemplares em questão – e os temas mais amplos da História da Arte, com vista à sua contextualização – e à pesquisa documental em arquivos e bibliotecas.

A pesquisa arquivística foi evidentemente selectiva e sobretudo direccionada aos casos que mais me interessava estudar. No entanto, a tarefa

10 não se revelou fácil, dadas as flagrantes lacunas com que me deparei sobre processos de encomenda, cadernos de obras, contratos, correspondência ou outra documentação que pudesse contribuir para acrescentar novos dados ao estudo – quanto mais pensar em desenhos e projectos (desafortunadamente raros nos nossos arquivos)! Nos restantes casos, servi-me de documentação já publicada, dizendo, desde já, que para um número razoável de edifícios possuo poucos dados inéditos sobre aspectos relacionados com instruções, processos de obra ou autorias.

Entretanto, procurei reunir um corpus devidamente estruturado, alicerçado numa ampla base de dados de imagens, compilada para o efeito e em fichas de inventário, onde fui sistematizando a informação reunida – cronologia pormenorizada, dados documentais, descrição, fontes impressas e gráficas, além da bibliografia. Tendo por base estas ferramentas foi, então, possível reflectir sobre a evolução formal da sacristia, identificar protótipos, particularizar e classificar modelos arquitectónicos e dispositivos decorativos. Os resultados da investigação conduziram, então, a alguns reajustamentos ao plano inicialmente proposto. A lista de exemplares do estudo foi sendo complementada e rectificada, atendendo ao maior protagonismo que coube às sacristias das sés construídas no período pós-tridentino e, em particular, à sacristia da Sé de Coimbra.

Em simultâneo, a investigação foi acompanhada, como não podia deixar de ser, pela leitura dos estudos de História Religiosa, um domínio que tem conhecido notável incremento nos últimos anos. E pela pesquisa de fontes impressas do foro eclesiástico – cerimoniais, manuais de visitações, regimentos e constituições sinodais. Estes documentos foram essenciais para fundamentar o estudo da tipologia em termos da sua função e normalização progressiva, como ainda das suas componentes materiais e dos comportamentos e rituais que lhe foram atribuídos.

A sacristia tornou-se, como outros tópicos relativos aos edifícios do culto,

11 alvo de regulamentação específica pelas dioceses ao longo do século XVI, e especialmente a partir do último quartel da centúria. Sobre isto é fundamental conhecer a Instructionum Fabricae, et Supellectilis Ecclesiasticae (1577), redigida por Carlo Borromeo para a arquidiocese de Milão, com um capítulo dedicado à sacristia, obra e autor a quem prestarei especial atenção. De forma semelhante, as disposições contidas nos instrumentos legislativos diocesanos promulgados noutras regiões do mundo católico visavam o mesmo objectivo de regulamentação do decoro do culto e da arquitectura. Daí a obrigatoriedade da análise atenta destas instruções publicadas entre 1520 e 1640 – em particular das portuguesas, confrontadas, sempre que necessário, com o texto de Borromeo e as publicações congéneres espanholas – com vista à identificação dos principais valores associados à sacristia, nas suas diferentes vertentes. Neste levantamento, consideraram-se, ainda, as preocupações gerais com as condições em que se celebrava o ritual, reflectidas nas considerações sobre a disposição das igrejas; e os aspectos decorrentes da prática das visitações, da gestão das Fábricas e da contratação de obras.

Adicionalmente, não deixei de atender ao campo da literatura da época, de características e géneros diversos (crónicas, biografias, relações e descrições), como fonte para a caracterização original dos exemplares estudados e o estudo do perfil dos encomendantes e patrocinadores. No que se refere ao bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco, utilizei ainda documentação manuscrita, alguma da qual inédita, conservada nos arquivos da Torre do Tombo, da Universidade de Coimbra e no Arquivio Segreto Vaticano. O percurso biográfico dos bispos, com as reformas que empreenderam, a cultura material expressa nos seus modelos de actuação, na dotação das suas sés, nas formas de habitar os paços e nas obras que promoveram, são indicadores da maior importância histórica. É por eles que chegamos ao entendimento da extensão e limites da acção episcopal na renovação da arquitectura local, enquanto encomendas mais ou menos informadas. Por outro lado, o nível das descrições coevas sobre as sacristias

12 revela dados sobre a recepção e impacte dos empreendimentos no período subsequente à sua construção.

No que respeita, mais em particular, ao caso da sacristia da Sé de Coimbra, a investigação foi alargada à área dos estudos do património e do restauro de monumentos em Portugal, com dois objectivos essenciais: compreender e caracterizar a intervenção destrutiva levada a cabo no início do século XX, e reunir elementos que eventualmente acrescentassem conhecimento sobre o espaço na sua condição original. Com esta sondagem pretendia também identificar eventuais documentos gráficos e fotografias que ilustrassem o espaço, tentativa que se revelou pouco frutuosa. Mesmo assim, foi possível elaborar uma proposta de reconstituição da planta e dos alçados originais (realizada em CorelDRAW ™), com base na análise da área conservada e de dois levantamentos planimétricos inéditos, anteriores à obra de restauro; e na interpretação das informações documentais e bibliográficas reunidas. A metodologia da reconstituição em desenho revelou-se recurso muito útil para redescobrir este espaço na sua integridade monumental e examiná-lo de forma mais aprofundada, de acordo com as questões surgidas da progressão do trabalho.

Estrutura da tese

A presente tese encontra-se organizada em duas partes, tratando a primeira da sacristia no período da Reforma Católica: tipologia, modelos, instruções e encomenda. O capítulo inicial considera a génese da tipologia no Renascimento italiano e o desenvolvimento de modelos em Espanha e Portugal na Época Moderna, a fim de isolar constantes e caracterizar as particularidades de cada caso, com particular enfoque no português. Nesta análise, privilegiam-se os parâmetros relativos à localização, configuração espacial, integração dos elementos funcionais do espaço e dispositivos decorativos utilizados num conjunto seleccionados de exemplares. No que respeita ao nosso país, avaliam- se as primeiras realizações de Quinhentos e o aparecimento definitivo de

13 soluções particulares e de modelos de sacristia no final da centúria. Especialmente as construídas nas primeiras casas jesuítas e nos grandes empreendimentos monástico-conventuais do período filipino (dos quais se destaca a sacristia do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra). A validação do modelo ao modo clássico será, depois, procurada nas realizações do período barroco que o recuperaram.

A par das questões formais decorrentes da caracterização tipológica, dei atenção, no capítulo 2, aos aspectos da liturgia e à reflexão sobre a arquitectura eclesial no período pós-tridentino, com a finalidade de enquadrar a progressiva atenção à normalização do espaço da sacristia. Neste âmbito, são objecto de análise a Instructionum Fabricae e as instruções do foro eclesiástico acerca da sacristia, contidas não só no livro de Carlo Borromeo como na legislação sinodal portuguesa e espanhola. A preocupação com o decoro dos locais do culto, conducente à reforma do edificado, é tratada, igualmente, pelo lado da sua aplicação prática e da gestão dos assuntos temporais, mediante a aproximação ao tema das visitações pastorais e das fábricas eclesiais no contexto ibérico.

No terceiro e último capítulo da parte 1, estudam-se as sacristias das sés de Viseu, de Leiria e de Elvas, articulando a leitura tipológica, formal e artística da arquitectura e decoração das salas com o significado mais amplo da sua encomenda. Sem perder de vista o conjunto das reformas empreendidas pelos bispos que ordenaram a sua construção, quer no plano eclesiástico como no da arquitectura das dioceses e dotação das respectivas sés.

A segunda parte é, fundamentalmente, dedicada à sacristia da Sé de Coimbra e ao patrocínio do seu bispo-conde, D. Afonso de Castelo Branco. No capítulo 1, foi abordada com brevidade a situação anterior ao seu bispado, aflorando as primeiras reformas do século XVI – nomeadamente as instruções gerais relativas ao espaço da sacristia constantes nos instrumentos legais diocesanos –, e a existência de uma sala primitiva que antecedeu a nova obra de D. Afonso.

14 O capítulo 2 é inteiramente consagrado à biografia do patrocinador, D. Afonso de Castelo Branco, caracterizando o seu percurso até à tomada de posse do bispado de Coimbra e a actividade reformadora na diocese que o ocupou até ao final da sua vida. Procurou-se compreender a sua personalidade e o modelo de bispo que encarnou, por via da problematização dos dados e das fontes disponíveis. Dei particular enfoque às relações políticas que manteve com as cortes régia e papal e aos códigos sociais e culturais de que participou, traduzidos nas práticas de aquisição de bens e de patrocínio artístico. O seu envolvimento nas obras de renovação ou de fundação de novos edifícios na cidade coimbrã é, igualmente, objecto de estudo, especialmente aquelas de que foi principal mecenas.

Finalmente, ficou reservado para a sacristia nova da Sé de Coimbra o último capítulo da tese. Interessou-me explicar o porquê da construção deste espaço, à luz das preocupações com o decoro da liturgia e da normalização da arquitectura eclesial, intentada nas novas constituições sinodais mandadas publicar por D. Afonso. Procurei descrever o processo de construção e de decoração da sala ao tempo do bispo-conde, reconstituindo a sua feição original e respectiva fortuna crítica e patrimonial até ao início do século XX, momento em que se optou pela sua demolição quase integral. A importância e o significado desta obra são entendidos por aquilo que no projecto se combina, isto é, as funções litúrgicas e de representação. Além da avaliação dos modelos que terão servido o planeamento geral da construção e a configuração do interior, procurados na arquitectura local e noutras realizações nacionais, sem esquecer a novidade que representou ao tempo. Originalidade, desde logo, indiciada pela monumentalidade da empresa e o perfil do seu encomendante, ambos indicadores de grande destaque seja no conjunto das sacristias portuguesas ou no âmbito do patrocínio episcopal.

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Feita a introdução a este trabalho, gostaria, ainda, de clarificar alguns aspectos formais sobre a apresentação da tese. As notas de rodapé e a bibliografia seguem o sistema «autor-data» do Chicago Manual of Style , adoptado pelo Instituto de História da Arte (FCSH/NOVA). Para facilitar a leitura das fontes, usei o seguinte critério de transcrição paleográfica e de citação das fontes impressas: actualização da ortografia e desdobramento das abreviaturas (quando inequívocas); respeito da pontuação original e das maiúsculas conforme o original (excepto nos nomes próprios); omissão da linha finda.

A não constituição de um volume independente de anexos foi uma opção consciente, que justifico pelo facto de o corpus documental reunido não formar um conjunto homogéneo relacionado com os edifícios estudados. Por outro lado, os dados documentais e as fontes são citados amiúde ao longo do texto, tornando, a meu ver, desnecessária a sua colecção num volume autónomo. Do mesmo modo, optei por inserir as imagens no texto, tomando por princípio o valor da imagem como documento fundamental no âmbito científico da História da Arte. Dado o volume dos casos tratados, julgo que a ilustração dos mesmos no corpo do texto torna a leitura das conclusões mais imediata.

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parte I

A sacristia no período da Reforma Católica: Tipologia, modelos, instruções e encomenda

capítulo 1 A sacristia na Época Moderna: a consolidação da tipologia e o desenvolvimento de modelos no espaço ibérico

» A génese de modelos em Itália

Foi no Renascimento italiano que assumiu particular relevância a concepção da sacristia, da sua estrutura arquitectónica e dos seus atributos. As realizações empreendidas distinguiram-na como espaço autónomo e coerente e um dos principais anexos das igrejas. Em algumas ocasiões, a sacristia foi mesmo lugar da pesquisa de novas soluções espaciais segundo o sistema clássico sobre o qual se vinha teorizando, impulsionada pelo mecenato particular e pela actividade dos grandes vultos da arquitectura italiana. Alguns destes espaços tornaram-se verdadeiros arquétipos e modelos cuja influência operou muito além da própria tipologia da sacristia.

Tal foi o caso da emblemática Sacristia Velha de San Lorenzo em Florença, integrada no projecto de reconstrução da basílica ideado por Filippo Brunelleschi. Patrocinado pelos Medici, a família de ricos banqueiros da cidade, o plano da sala considerou uma dupla função: capela funerária da família e sacristia. A combinação dos dois usos favorecia os intuitos de Giovanni e Cosimo de’ Medici, pois, ao subordinar a intenção privada ao papel maior de serviço de apoio ao culto, podia adoptar para a capela da família um espaço de maior monumentalidade que, de outra forma, não seria aceite pelas corporações da república florentina. Pela razão de, em Florença, o interior de uma igreja ser

19 considerado espaço «público» e como tal ser governado por regras estritas, umas legisladas outras tradicionais, todas codificadas pela prática social 10 .

Nem o arquitecto ou os encomendantes se conformaram com o tipo de sacristia tradicional, exemplificado nas basílicas de Santa Croce e de Santa Trinita (ambas integrando também capelas familiares, dos Rinuccini (1363-66) e dos Strozzi (1418-23), respectivamente), cuja espacialidade em termos arquitectónicos era essencialmente neutra. Neste sentido, a resposta de Brunelleschi foi totalmente inovadora, abrindo caminho a outras realizações.

A sacristia enforma uma sala cúbica, coberta por cúpula e estruturada por pilastras coríntias. O mobiliário foi disposto ao longo das paredes, libertando o espaço para a circulação, e, ao centro, foi colocada uma mesa, encobrindo o

1| Basílica de San Lorenzo, Florença. 2| Basílica de San Lorenzo, Florença. Sacristia Velha (F. Brunelleschi, 1421-29; Lavabo da Sacristia Velha (Andrea del patrocínio de Giovanni di Bicci de’ Medici) Verrocchio, 1421-29) © Courtauld Institute of Art

10 Sobre a sacristia velha de San Lorenzo, segui os estudos de Christoph Luitpold Frommel (2007, 16-18) e de Marvin Trachtenberg (1995).

20 túmulo de Giovanni de’ Medici. O lavabo, ele próprio uma peça de extraordinária concepção escultórica executada por Andrea del Verrocchio, foi colocado numa das divisões contíguas. O ponto dominante da sala, para o qual foi propositadamente orientada, é o alçado tripartido da capela, tratado à semelhança de uma fachada, com um arco triunfal ao centro, ladeado por dois panos de parede rematados pela cimalha geral. Este representa, na verdade, o conceito embrionário da tripartição da área do altar segundo o sistema clássico que iria, daí em diante, ser glosado em igrejas, capelas e sacristias.

Parafraseano Arnaldo Bruschi, «questo schema e questo programma si concretizzano in un organismo di estrema semplicità e chiarezza» 11 . E talvez por essa razão o conceito e o tema propostos tenham exercido tamanha influência na arquitectura renascentista, com inúmeras variantes e interpretações locais, algumas mesmo repetidas pelo próprio Brunelleschi noutros edifícios da sua autoria 12 . Mas, além das consequências da proposta formal, importa sublinhar a importância da sacristia de San Lorenzo enquanto obra-chave na configuração da identidade tipológica da sacristia, fixando um modelo de organização funcional claro e eficaz.

Pelo contrário, outras invenções renascentistas resultaram menos eficientes, apesar do notável alcance dos projectos ao nível do desenvolvimento do sistema clássico. Refiro-me às sacristias de Santa Maria presso San Satiro em Milão e de Santo Spirito em Florença, respectivamente delineadas por Donato Bramante e Giuliano da Sangallo. A arqueologia que então se fazia e a pesquisa dos modelos clássicos antigos inspiraram o recurso à planta octogonal, encontrada nos panteões e baptistérios da Antiguidade Tardia, para projectar as sacristias.

Ambas são, na realidade, exercícios de estilo mais orientados pela pesquisa formal em torno do clássico do que pela resposta às necessidades

11 Bruschi 1994, 124 12 Bruschi 1994, 139. Marvin Trachtenberg (1995, 33-34) lista 35 edifícios directamente influenciados pela Sagrestia Vecchia ao longo de cerca de um século.

21 práticas de uma sacristia. Tanto que a planta centralizada (circular ou octogonal) não veio a ter grande aplicação ao longo da Época Moderna. Deve referir-se, contudo, que a sacristia, apesar de ser uma divisão com tradição recuada na história da arquitectura eclesial, não dispunha de uma estrutura pré- determinada por razões do culto como sucedia com as próprias igrejas, e muito menos de um leque de referentes consagrados pelo uso. Por esta razão, prestava-se mais à experimentação.

3| Santa Maria presso San Satiro, 4| Basílica de Santa Maria del Milão. Sacristia (Donato Santo Spirito, Florença. Sacristia Bramante, 1476-82; (Giuliano da Sangallo, 1489-96; encomenda do duque Galleazo encomenda de Lorenzo de’ Maria Sforza). Medici).

Os primeiros ensaios planimétricos e espaciais do Renascimento fizeram, assim, surgir novos tipos construtivos que foram, posteriormente, adoptados na configuração de sacristias em Itália, como noutras regiões europeias. A espacialidade cúbica e centralizada deu, mais tarde, lugar a interiores de planta rectangular, dimensões generosas e cobertura abobadada, organizados em eixo para um retábulo, tal como uma igreja, e com grandes paramenteiros dispostos a todo o comprimento dos alçados laterais.

22 A consolidação da tipologia resultou, por isso, da experimentação de modelos por via da prática construtiva, dando resposta a razões particulares dos encomendantes e às preocupações crescentes da Igreja com a liturgia e a adequada guarda dos objectos litúrgicos (questão a que voltarei no capítulo 2). Daí que, embora reconhecida como um dos anexos próprios das igrejas, a sacristia não tenha sido objecto de desenvolvimento pela tratadística da arquitectura quinhentista. Assinalam-se apenas breves observações em algumas obras, sobretudo incidindo na questão da sua localização e na relação com o presbitério.

Sebastiano Serlio, por exemplo, alude ao problema da colocação da sacristia em igrejas de planta centralizada. Para esta divisão, bem como o campanário e outros aposentos destinados ao clero, não interferir na dinâmica harmoniosa do espaço, sugere a construção de uma torre anexa que servisse todas as funções:

«Although this temple has no campanile, sacristy or rooms for clergy, a campanile could easily be built as an element which would be a fine accomplishment. Under this should be the sacristy with the priests’ living quarters around. These are to be so close to the temple that the clergy could go by a covered way from one to the other» 13 .

Já no caso das igrejas de planta em cruz latina, esta questão era mais facilmente solucionada com a disposição de duas sacristias a ladear a capela- mor 14 . Esta proposta veio a ser retomada por Pietro Cataneo, em I quattro primi libri di Architettura (1554) : «le sagrestie con il loro campanili si faranno sopra le spalle o da uno, o pur di ambe due lati del cappellone (...) Et in tale principal tempio oltre alla principale si potranno fare piu tribune con tre o cinque navate e con due sagrestie»15 . Elas surgem representadas nos planos propostos por Cataneo, com planta rectangular, octogonal ou circular. Nas igrejas de plano

13 Serlio 1996b (1548), lv. V 398. 14 Serlio 1996b (1548), lv. V 420 e 424. 15 Cataneo 1554, 36.

23 centralizado, a sacristia é integrada por Cataneo no interior do templo, ocupando uma das capelas 16 .

Mais tarde, Andrea Palladio, no livro IV do seu tratado publicado em 1570, caracterizou a função da sala, sem avançar com recomendações à sua construção: «Si aggiunge alle nostre Chiese un luogo separato dal rimanente del Tempio che chiamamo Sacrestia, dove si servano le vesti sacerdotali, i vasi, e i libri sacri, e l’altre cose necessarie al culto Divino, e dove si apparano i sacerdoti»17 .

Ou seja, a principal preocupação dos tratadistas em relação à sacristia foi a de resolver a incorporação de uma divisão anexa, sem comprometer a harmonia do plano das igrejas. Não há referências aos atributos do seu espaço ou à sua organização mais adequada. É interessante, porém, a referência a duas sacristias, indício das prerrogativas eclesiásticas que aconselhavam o seu uso nas principais igrejas: uma reservada às funções quotidianas e outra ao Capítulo e à arrecadação do tesouro e das relíquias. Por outro lado, a breve referência de Palladio parece mostrar já a clara identificação do uso da sala, indiciando a provável influência da reflexão reformista em torno da arquitectura eclesial.

No período que se seguiu ao Concílio de Trento, a tipologia encontrava-se definitivamente normalizada com a especialização do espaço e dos seus atributos. A construção dessa identidade resultou não só das propostas formais anteriores e da fixação dos elementos particulares que a constituíam, como foi favorecida pela renovada preocupação com o decoro do culto por parte da Igreja. Pelo que, o movimento da Reforma Católica determinou também para a sacristia disposições mais correspondentes às exigências da liturgia restaurada. A partir dos últimos decénios de Quinhentos, prevaleceram sobre o espaço critérios mais funcionais difundidos por instruções produzidas não por arquitectos, mas por agentes oficiais da Igreja.

16 Cataneo 1554, 41. 17 Palladio 1945 (1570), lv. IV fl.10.

24 Tendo este quadro ideológico como pano de fundo, a partir do final do século XVI e ao longo da centúria seguinte, muitas sacristias foram renovadas na sua configuração arquitectónica, como também na sua localização, não só para facilitar o acesso à capela-mor, como para dignificar o lugar onde se guardavam os objectos do culto. A par desta renovação construtiva, também a produção de mobiliário alcançou notável atenção, renovando-se não só os cadeirais do coro, como o mobiliário de sacristia, as caixas de órgão e os confessionários 18 . Os lavabos alcançaram maior monumentalidade e a capela ou altar passou a ser o foco dominante da sala.

Os modelos ensaiados em Itália ao longo do Quattrocento foram, paulatinamente, sendo introduzidos na Península Ibérica na centúria seguinte: em Espanha a partir de 1520 e em Portugal no último quartel do século XVI. Tal discrepância cronológica teve que ver com razões de âmbitos distintos e, em última análise, com as dinâmicas inerentes ao contexto artístico de cada país. Mas, se por um lado os ecos das propostas formais renascentistas tardaram, por outro o processo de Reforma foi acompanhado de perto no espaço ibérico, onde se comungou das mesmas preocupações ao nível do decoro do culto e se legislou nesse sentido, como adiante mostrarei. Em todo caso, de uma maneira geral, nos dois países houve lugar ao surgimento de modelos particulares que se tornaram arquétipos da identidade da sacristia, sobre os quais se reflectirá de seguida.

18 Giordano 2009, 109-111.

25 » Espanha

Em Espanha, a pesquisa e desenvolvimento de modelos acabados de sacristias recua à década de 1520. As sacristias quinhentistas espanholas constituem um conjunto notável, delimitado por características comuns, sempre relacionadas com a identificação dos usos e funções concretas que se foram definindo para este espaço, com particular clareza, ao longo da centúria. Outra constante é a utilização do formulário da arquitectura clássica, a partir do qual se definiram, desde cedo, diferentes tipos de sacristia, perfeitamente planificados desde a raiz.

6| Igreja de Santiago de Orihuela, cúpula da sacristia (atrib. Jerónimo Quijano, act. 1524-63). » 5| Catedral de Murcia, sacristia (Jacobo Florentín – arquitectura e mobiliário, 1522-48).

Entre as primeiras realizações conta-se a da sacristia da catedral de Murcia, sala de planta quadrada coberta por cúpula. Projectada por Jacobo Florentín, este exemplar denuncia a influência do meio artístico florentino, do qual provinha. Essa ascendência verifica-se não só no projecto, como na decoração arquitectónica renascentista dos portais e da cúpula, delineada esta por cercaduras de frutos que recordam os tondi das oficinas Della Robbia. Da mesma forma a sacristia da igreja de Santiago de Orihuela, de plano octogonal,

26 parece reflectir a congénere milanesa projectada por Bramante para a igreja de Santa Maria presso San Sátiro.

7| Catedral de Sevilla, sacristia (atr. Diego Riaño / Diego de Siloe, 1535-43).

8| Catedral de Sigüenza, sacristia (Alonso de Covarrubias, 1532).

Na catedral de Sevilha, elegeu-se a planta centralizada cruciforme para erguer uma das sacristias espanholas mais interessantes em termos espaciais e decorativos, que se completou em 1543. A historiografia, que se divide na sua atribuição entre Diego Riaño e Diego de Siloe, considera-a uma obra-prima da arquitectura, cuja originalidade construtiva e perfeição das proporções a tornam apenas comparável à própria catedral de Granada 19 .

19 Gómez Moreno; Chueca Goitia 1953, 244; Ceballos 1980, 652. A planta centralizada foi, posteriormente, usada nas sacristias da catedral de Guadix e no Mosteiro de Sobrado na Galiza.

27 Apesar da qualidade destes projectos, o modelo que teve maior fortuna em Espanha foi outro e radica naquela que, a diversos títulos, constituiu uma obra exemplar: a sacristia maior da catedral de Sigüenza, também conhecida por Sacristia de las Cabezas. Alonso de Covarrubias foi o arquitecto responsável pelo projecto, delineado em 1532 e completado vinte anos depois 20 . O processo de concepção do espaço foi semelhante ao empreendido pelos arquitectos italianos do Renascimento, com a contaminação das soluções usadas em capelas-panteão. Neste particular, Georges Kubler compara a sacristia da catedral siguentina ao interior do Tempio Malatestiano de Rímini, ideado em 1450 por Alberti 21 , mas a referência mais próxima à proposta de Covarrubias deve ser procurada na sua intervenção anterior na capela dos Reis Novos de Toledo.

Em termos formais, a Sacristia de las Cabezas inaugura o modelo que serviu de inspiração a outros espaços congéneres até ao século XVIII e que respeitou a seguinte configuração: sala ampla ou mesmo monumental, planta rectangular, cobertura em abóbada de berço, e alçados laterais articulados por pilastras e arcossólios. Estes recessos serviram para encaixar os arcazes, libertando o espaço para a circulação de uma forma económica e cómoda – solução que me parece ter origem nas edículas tumulares, de raiz medieval, como as que Covarrubias realizou para a capela toledana.

Nas palavras de Fernando Chueca Goitia, na sacristia de Sigüenza «se formula – creemos que por primeira vez – la solución más caraterística de las sacristías españolas desde el Renacimiento, solución que se sigue desde entonces en muchas excelentes: la del Salvador, de Úbeda, y la de la catedral de Jaén, ambas de Vandelvira, entre las mejores renacentistas»22 .

20 A obra foi dirigida por Nicolás de Durango, discípulo de Covarrubias, e Francisco de Baeza. Martín de Vandoma sucedeu-lhes e foi o responsável por toda a decoração pétrea, portas e mobiliário. Chueca Goitia 1953, 150. 21 Kubler 1957, 161. 22 Chueca Goitia 1953, 150.

28 A tipologia arquitectónica da sacristia foi amadurecendo na segunda metade de Quinhentos, segundo este modelo particular nacional. Adoptada nos projectos das sacristias das catedrais de Almería (Juan de Orea, c. 1550-1573), de Jaén (Andrés de Vandelvira, 1548-77), de Toledo (Nicolás de Vergara, 1578 - plano) e de Pamplona (Juan de Villarreal, 1572), esta tipologia encontra, igualmente, representação noutras realizações notáveis ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, como as das igrejas de Salvador de Úbeda, do mosteiro de San Esteban em Salamanca (Juan Moreno, 1626-44) ou da Cartuxa de Granada (atrib. Francisco Hurtado, 1725-47).

As sacristias de Úbeda e de Jaén são ambas da autoria do arquitecto Andrés de Vandelvira (1509-75). Na primeira, destaca-se o programa decorativo excepcional, onde se conjuga a representação escultórica de doze sibilas, atlantes, cariátides e medalhões com figuras da Antiguidade Clássica. Este programa erudito tem sido alvo de numerosos estudos incidindo no seu significado iconográfico e iconológico, relacionado com a cristianização da iconografia pagã da Antiguidade. Como explica Alfonso Rodríguez Ceballos, a propósito desta sacristia, «el intento de conciliar ciencia pagana y revelación cristiana fue la meta más importante de las diversas teologías platónicas de la época» 23 .

Ao contrário da sacristia de Salvador de Úbeda, a da catedral de Jaén obedece a uma composição puramente arquitectónica, mas nem por isso menos interessante, sendo considerada «seguramente la más inspirada de su autor y una de las más conseguidas de todo el Renacimiento español» 24 . A sala apresenta dimensões monumentais (12m x 22m) e alçados de desenho orientalizante – com a sobreposição das arcadas a lembrar a mesquita de

23 Ceballos 1980, 653. 24 Ceballos 1980, 653.

29 Córdova – reinterpretado pela linguagem clássica, que lhe conferem um lugar único na história da arquitectura espanhola 25 .

9| Igreja de San Salvador de Úbeda, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1536 plano; 1540-59 construção).

10| Igreja de San Salvador de Úbeda, pormenor da decoração escultórica da sacristia.

» 11| Catedral de Jaén, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1548-77).

Os primeiros modelos de sacristia em Espanha, como se viu, constituem espaços acabados, onde se enquadram com harmonia os vários elementos associados às diferentes funções da sala. A introdução do formulário «ao romano» e a intervenção de alguns dos melhores arquitectos do período, conhecedores das realizações transalpinas, teve seguramente um peso determinante na definição precoce da tipologia da sacristia em contexto ibérico

25 Chueca Goitia 1953, 263.

30 e na criação de um protótipo nacional, cuja utilização se repercutiu até Setecentos.

Sublinhe-se que este modelo não foi, apesar de tudo, o único utilizado, convivendo, paralelamente, com outros tipos de planta, nomeadamente a longitudinal com cobertura em abóbada de berço, mas sem a sucessão de arcossólios para encastrar o mobiliário. Tal sucedeu, por exemplo, nas importantes e monumentais sacristias dos mosteiros reais do Escorial (1563-87) e de Guadalupe (N. Vergara, 1595-97 - plano; 1638-47 - construção). Existiu, de facto, uma constante que prevaleceu na concepção das sacristias em Espanha ao longo da Época Moderna. Ela destaca-se de um universo muito extenso de empreendimentos e de um contexto artístico complexo, marcado por particularidades regionais. Citam-se, aqui, apenas alguns dos casos mais representativos para ilustrar a génese da identidade deste espaço, potenciada pela introdução precoce do sistema clássico da arquitectura.

Na formação da tipologia de sacristia em Espanha, deve, porém, assinalar-se ainda um outro importante factor, que se relaciona com o conhecimento, desde cedo, de tipos particulares de mobiliário para a arrecadação dos ornamentos e das alfaias litúrgicas – os arcazes e os armários. Fenómeno não pouco relevante, considerando que os próprios móveis determinaram a concepção das plantas e alçados desde o início e contribuíram significativamente para a geração de um modelo específico espanhol de sacristia. Tal como os tipos e a linguagem da arquitectura, também o mobiliário deverá ter resultado da introdução das tipologias italianas de armários e credenze desenvolvidas a partir do Quattrocento 26 , como aliás se verificou em Murcia, cujos arcazes foram desenhados pelo mestre toscano Jacobo Florentín 27 .

É também interessante que tenha sido no espaço das catedrais que a sacristia surgiu, inicialmente, na sua forma mais acabada e monumental. Tal

26 Eberlein 1927; Sordelli 1967; Gherardini 1970. 27 Chueca Goitia 1953, 227.

31 como em Portugal, também em Espanha a sacristia, como a conhecemos hoje, foi praticamente inexistente no período medieval, embora certos estudos registem algumas sobrevivências na orientação e estrutura do espaço dadas pelo Renascimento 28 . O impulso construtivo de espaços adequados e monumentais é relacionado, por Ricardo Fernández, não só com a necessidade de guardar os ornamentos litúrgicos que se iam acumulando, como com o aumento e importância dos cabidos. Factor que determinou, igualmente, a construção dos coros nas catedrais espanholas pela mesma época. Em determinada altura, as sacristias maiores ficaram reservadas aos cónegos, e destinaram-se para os beneficiados, capelães e clérigos a sacristia secundária ou outra sala disponível nas sés 29 .

Está ainda por esclarecer a exacta medida do patrocínio episcopal para as sacristias das sés espanholas e do seu papel ou dos cabidos como encomendantes na definição dos projectos. A qualidade exemplar dos valores construtivos e decorativos destes exemplares tem sido, sobretudo, estudada segundo uma perspectiva formal enquadrada no percurso individual dos arquitectos e mestres que as realizaram. Francisca del Baño Martínez, autora de uma monografia sobre as sacristias catedralícias no período moderno, avança com a tese de que a edificação de sacristias em contexto catedralício espanhol foi, em parte, impulsionada pelo patrocínio dos respectivos bispos, citando os casos de Diego Ramírez Sedeño de Fuenleal (1561-1573) e de Antonio Zapata y Cisneros (1596-1600) para a Sé de Pamplona, de Carlos Muñoz Serrano para a de Barbastro (1596-1603), e de Juan Arauz Dias (1624-35) para a de Guadix 30 . Em alguns casos, como os das catedrais de Siguënza e Sevilha, sabe-se mesmo que a

28 Carrero Santamaría 2005. Baño Martínez 2009, 39-40, 42. 29 Fernández Gracia 1999, 350 30 A autora menciona, ainda, a acção de membros destacados dos cabidos nos períodos de sede vacante, comparando com o caso português (Sé do Porto), embora sobretudo para o período barroco. Baño Martínez 2009, 94-97. Sobre o patrocínio da sacristia quinhentista da catedral de Pamplona, veja-se García Gaínza 1999.

32 elaboração dos programas iconográficos contou com a colaboração de membros destacados do cabido 31 .

Progressivamente, a partir do segundo quartel do século XVI, a sacristia catedralícia deixou, assim, de ser um mero de depósito dos objectos relacionados com os ofícios divinos para se transformar numa tipologia de âmbito mais alargado e com a sua identidade perfeitamente definida. Acabando por se converter num dos anexos mais amplos e relevantes no conjunto das sés, promovida por projectos de grande fôlego arquitectónico e decorativo, como também pela importância e esplendor que a liturgia foi adquirindo ao longo da Época Moderna.

31 Herrera Casado 1985, 17-20; Baño Martínez 2009, 102.

33 » Portugal

O percurso da sacristia em Portugal representa uma realidade bem distinta das anteriores. A existência de salas com características monumentais, de aportação italiana, só tem verdadeira expressão a partir do último quartel de Quinhentos, altura em que se formula um modelo acabado que irá perdurar até Setecentos. Mas, os primeiros ensaios em torno deste espaço recuam ao início do século XVI, concretizados em empreendimentos ainda muito distantes dos italianos e dos espanhóis, mas que atestam a preocupação com o decoro do ritual católico e, consequentemente, com a conservação dos objectos a ele associados.

O período manuelino na arquitectura portuguesa constitui, por isso, o momento em que se começa a dar maior importância à sacristia, individualizada como anexo necessário para apoio ao culto nas igrejas. Destacam-se as realizações integradas em alguns dos principais complexos monásticos que beneficiaram do patrocínio régio, nomeadamente as sacristias do Mosteiro de Alcobaça, dos mosteiros jerónimos da Pena em Sintra e de Santa Maria de Belém em Lisboa e do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra 32 .

Eco das preocupações emergentes com a reforma da Igreja e com o decoro da liturgia, a sacristia é, a partir desta época, identificada como o local apropriado para a guarda dos ornamentos, alfaias e tesouro das igrejas e para a paramentação dos celebrantes. Por essa razão, foram construídas na proximidade das ábsides das igrejas, normalmente com acesso directo a estas. Tal opção não era arbitrária, resultando na fixação dos usos da tradição e respondendo ao objectivo uso do espaço, funcionando na dependência do serviço ao altar-mor.

32 Destes quatro exemplares, subsistem apenas as sacristias dos cenóbios jerónimos. A cisterciense ruiu com o Terramoto de 1755 e a crúzia deu lugar a uma nova construção, como se verá adiante.

34

13| Convento da Pena, Sintra. Sacristia (c. 1503- 13, patrocínio do rei D. Manuel). © Postal antigo

12| Mosteiro de Alcobaça, portal da sacristia (João de Castilho, patrocínio do rei D. Manuel). © J. M. dos Santos Simões / Fundação Calouste Gulbenkian

« 14| Mosteiro de Santa Maria de Belém, sacristia (João de Castilho, 1517-20; patrocínio do rei D. Manuel). © Publ. in Moreira 1991, 37.

Ao nível formal, trata-se de espaços de planta rectangular, de dimensões suficientes e com coberturas em abóbada de nervuras à maneira da época. Distantes das realizações do Quattrocento italiano, onde a sacristia surge como tipologia acabada a partir das realizações de Filippo Brunelleschi e de Donato Bramante, as sacristias manuelinas não apresentam, ainda, uma estrutura ou atributos que as identifiquem na sua função. Algumas atenções particulares, como a dada aos portais escultóricos de Alcobaça ou dos Jerónimos, são, porém, indicativas da importância crescente que as sacristias vinham adquirindo.

35 De todos os exemplares manuelinos, o caso mais singular é representado pelo mosteiro hieronimita de Belém. Projectada pelo arquitecto João de Castilho e construída pelo mestre Fernando de la Fremosa em 1517, a sacristia configura planta quadrada e cobertura abobadada em leque, irradiando a partir da coluna colocada no centro da sala 33 . Este elemento é particularmente notável, quer pela decoração renascentista esculpida que ostenta, como pela sua função primitiva de lavabo. Caso isolado na arquitectura portuguesa deste período, a sacristia dos Jerónimos tira partido da sua espacialidade ampla e centralizada, que lhe permite a distribuição livre do mobiliário e de outras peças em redor dos alçados e facilitar a circulação em torno do elemento-chave da sala – o lavabo.

Após o interlúdio manuelino, o percurso até à definição acabada da tipologia de sacristia e à constituição de modelos, demorou ainda algumas décadas. O inquérito não é, à partida, fácil, mas se atentarmos nas principais realizações construtivas de Quinhentos, onde surgem os mais relevantes desenvolvimentos na arquitectura eclesial, tal percurso principia a desenhar-se com maior clareza.

Novas propostas de concepção espacial surgem no colégio da Graça em Coimbra e no convento de São Gonçalo em Amarante, cujas igrejas reflectem, simultaneamente, a pesquisa de esquemas planimétricos adequados ao culto que se principiava a restaurar – a igreja de nave única cripto-colateral – e a experimentação de formulários ao modo clássico 34 . E, além da novidade apresentada nas igrejas, ambos os projectos dos complexos colegial e conventual consideraram, desde o início, a introdução de sacristias, com ligação directa à capela-mor e ao claustro.

A configuração da sacristia do colégio da Graça corresponde, no essencial,

33 Sob a direcção de João de Castilho, esta sacristia foi executada em 1517 por Fernando de la Fremosa e dez operários. Pereira 1995b, 64-66. Cabe aqui, ainda, referir a sua localização no claustro, com uma porta no interior e pequeno corredor que dão acesso ao transepto norte da igreja. 34 Moreira 1995, 339-40; Lobo 2006, 175-88; Branco 2008, 33.

36 ao risco dado pelo arquitecto Diogo de Castilho em 1544 35 . É uma sala de dimensão expressiva e em tudo semelhante à sala do capítulo que lhe é contígua: planta rectangular e cobertura em abóbada de berço ritmada por cinco arcos torais, todavia, sem outros elementos particulares que, na altura da construção, a identificassem na sua função. Por sua vez, em São Gonçalo de Amarante 36 é difícil determinar a feição original da sacristia, uma vez que o espaço foi sujeito a alterações posteriores 37 . Mas, é importante deixar nota do enobrecimento do lavabo, integrado num nicho de estrutura clássica. Este pequeno mas significativo facto artístico, datado de 1554, denuncia, pois, o conhecimento e a especialização de uma das principais peças da sacristia, à qual se deu, desde logo, a importância que viria a ter décadas mais tarde.

No âmbito das catedrais portuguesas, apesar de se ter valorizado a existência de uma divisão para a arrecadação dos objectos do culto e a preparação dos celebrantes, não se conhecem exemplares de particular relevo até ao último quartel de Quinhentos. No início do século XVI, sabe-se que se construíram novas sacristias nas sés de Braga e de Coimbra, sob os respectivos bispados de D. Diogo de Sousa (1502-32) e D. Jorge de Almeida (1483-1543). Mas, tal como as salas do tesouro medievais, eram espaços incaracterísticos, sem traços que as distinguissem de outras divisões. Se a identificação da necessidade e utilidade da sacristia, como anexo das igrejas relacionado com as questões do decoro e do culto, começa a emergir lentamente no contexto português a partir do início de Quinhentos, a definição acabada da tipologia e dos seus diferentes modelos tardaram, pois, a surgir.

35 Veja-se a propósito da autoria da sacristia da Graça, a nota documental e as considerações feitas adiante, pp. 296-97, n. 193. 36 Convento fundado em 1540 por D. João III e D. Catarina e começado a construir em 1543, segundo projecto do arquitecto romanizado Frei Julião Romero. 37 A sacristia é precedida de ante-sacristia, onde se encontra o lavabo de 1554. No portal da sacristia, inscreve-se a data de 1597, o que faz pensar que terá sido sujeita a alargamento e divisão nesta altura. Posteriormente, na primeira metade do século XVIII, uma campanha decorativa, que incluiu mobiliário, , talha e pintura, conferiu-lhe a feição actual. Sobre o arquitecto Frei Julião Romero, veja-se Moreira 1995, 339-40.

37 Neste domínio, o caso das sés joaninas de Leiria (1551), Miranda (1552) e Portalegre (1556) é particularmente ilustrativo. Enquanto edifícios construídos de raiz, sem constrangimentos determinados por pré-existências ou limitações ao nível da disposição planimétrica das dependências das igrejas, podia supor-se que os planos das catedrais joaninas tivessem avançado no sentido da definição da identidade tipológica da sacristia, mas tal não sucedeu. Apesar de as considerarem nos projectos, as salas não apresentam atributos que demonstrem ter havido reflexão no sentido de dar resposta às necessidades específicas do espaço. Foi por essa razão que vieram, posteriormente, a ser introduzidas importantes alterações na arquitectura interior da sacristia da catedral de Leiria, como se terá oportunidade de esclarecer no capítulo a ela dedicado.

As razões desta indefinição deverão, quanto a mim, ser atribuídas ao facto de a diferenciação do espaço estar intrinsecamente relacionada com a especialização dos elementos que o compunham. Refiro-me, em particular, às tipologias de mobiliário monumental inerentes à sacristia, ao lavabo, e ao altar ou capela. Em meados do século XVI, nenhuma destas peças se encontrava definitivamente fixada no espaço português, como se pode comprovar, por exemplo, com o inventário da sacristia da Sé de Évora realizado em 1541. Nele se refere, além de um «retábulo de pau cerrado em que está o lenho da vera cruz com outras relíquias», mobiliário acumulado e distribuído, aparentemente de forma gratuita, na sala: duas arcas grandes, dois arquibancos, uma mesa de bordo velha e dois armários 38 . Ou seja, tipos de móveis comuns a outras áreas das igrejas e não específicos da sacristia.

As tipologias de mobiliário, concebidas e amadurecidas ao longo do século XV em Itália, demoraram a ser introduzidas em Portugal, o que só deve

38 ASE, CEC 2-V – Inventário 1º da Prata, Ornamentos, Liuros da See […] 1541 , fl.s 8-45v. Na primeira arca, feita de bordo e com as armas do arcebispo D. Luís, guardavam-se as peças de prata; na segunda estavam castiçais quebrados e pedaços de cobre. Ambos os arquibancos tinham suas fechaduras, um para conservar a cera e o outro os paramentos. Os armários eram feitos de pinho da Flandres com barras de cedro e de bordo, respectivamente. Não se dá indicação da sua função, mas supõe-se que neles se arrecadariam os cerca de sessenta volumes litúrgicos inventariados, além dos ornamentos e alfaias de serviço regular.

38 ter ocorrido no último quartel de Quinhentos. Este factor foi, de facto, determinante para a concepção desta sala em particular, dado que, quer os planos arquitectónicos, quer os projectos de interiores não podiam ser formulados sem dispor das peças essenciais que viriam a definir a tipologia. A maturação desta dependeu, pois, da definição a priori dos vários elementos que a deviam integrar (e não só o mobiliário, como o lavabo, o altar e a exposição de iconografia) e da organização mais adequada do espaço para o cumprimento da sua função.

Frequentemente, essa identidade acabou por ser recriada a partir das campanhas de dotação e ornamentação de salas pré-existentes, reestruturando o seu funcionamento e leitura, sobretudo ao longo dos séculos XVII e XVIII. Mas, para entender o desenvolvimento dessa identidade, importa atentar em dois modelos distintos de sacristia: um radicado nos projectos das casas jesuítas e o outro na matriz do classicismo proposta nos grandes empreendimentos monásticos e conventuais do período filipino.

39 Um modelo jesuíta?

A respeito das casas jesuítas, devem salientar-se os projectos das primeiras fundações em Portugal, que foram a casa professa de Lisboa e os colégios de Évora e Coimbra, bem como o da capital.

Localizada no lado do Evangelho, com acesso pelo transepto, a sacristia da igreja da casa professa de São Roque (cujo plano data de 1565/1567-68) apresentava, originalmente, uma ambiência despojada, de acordo com o espírito que caracterizou a primeira fase da arquitectura da Companhia. A sala, de planta rectangular e cobertura em abóbada de caixotões, constituía um espaço essencialmente funcional, complementado por uma pequena divisão destinada ao lavabo, com serventia localizada num dos topos.

No início do século XVII, beneficiou de uma campanha decorativa, que lhe conferiu maior graça e dignidade, como veio a salientar Baltasar Teles alguns anos depois. O autor notou «é mui engraçada, e está hoje mui ornada»39 , aludindo à nova decoração que havia renovado a leitura do espaço. O programa considerou a repavimentação com pedras coloridas, o revestimento total das paredes por azulejo de ponta de diamante, e o provimento de mobiliário adequado às diferentes funções de arrumo. De linhas sóbrias e elegantes e decorado com folheados de ébano e jacarandá e finos embutidos de marfim, os arcazes de São Roque «quando se fizeram não tinham outros em Lisboa que lhe fizessem vantagem» 40 . Sobre eles, no alçado, foi disposto o conhecido ciclo de

39 Teles 1645-47, II: 126. 40 História dos Mosteiros 1950-72 (1705), I: 277. Segundo Nuno Vassalo e Silva (2006, 194), com base no inventário da igreja, o mobiliário já estaria concluído em 1604, embora se devesse esclarecer se seriam móveis anteriores à campanha de renovação ou seriam já os actuais, uma vez que a tipologia decorativa do mobiliário de embutidos de marfim respeita uma cronologia mais tardia. A este propósito veja-se Smith 1962, 7-8 e Marques 2007b. Por sua vez, a produção dos foi datada de cerca de 1596, por Santos Simões (1969, 89). O ciclo de pintura exposto no alçado dos arcazes é atribuído por Vítor Serrão (1993, 26) a André Reinoso, situando a data da sua conclusão em 1619. No que se refere à pintura mural que decora os caixotões da abóbada com ornamentos de brutesco e emblemas das litanias marianas, esta terá sido executada em 1694 (Serrão 1993, 24 e 29 n. 15).

40 15| Casa professa de São Roque, Lisboa. Aspecto geral da sacristia. © O Púlpito e a Imagem. Os Jesuítas e a arte , 23. Lisboa: Museu de São Roque, 1996. pintura dedicado à vida de São Francisco Xavier, da autoria de André Reinoso (1619).

Parte da ornamentação do espaço terá sido objecto de patrocínios particulares, conhecendo-se o caso de D. Jerónimo de Gouveia ( † 1631), bispo de Ceuta entre 1601 e 1602, que custeou o pavimento onde se fez sepultar 41 . A campanha decorativa, apesar da sua qualidade, não foi, porém, suficiente para fazer equivaler a sacristia à importância da igreja. Pelo menos, essa foi a opinião do cronista da História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa : «posto seja inferior na grandeza à que pedia a igreja não deixa mais de ser mui bem ornada»42 . Mais tarde, as paredes laterais deram lugar à exposição de outros dois ciclos pictóricos. O revestimento total dos alçados laterais por pintura tornou esta sacristia única no género em Portugal, embora desvirtuando, em parte, o programa decorativo do período filipino43 .

41 História dos Mosteiros 1950-72 (1705), I 277 42 História dos Mosteiros 1950-72 (1705), I 277. 43 Ciclo da «Paixão de Cristo» (André Gonçalves, 1761) e ciclo da vida de Santo Inácio de Loiola (Domingos da Cunha, o Cabrinha , 1635 – colocado depois de 1761). Sobre os ciclos de pintura da

41 Por sua vez, a igreja do colégio do Espírito Santo de Évora teve início em 1566 44 , mas foi no triénio de 1596-98 que se construiu a sacristia definitiva no tardoz da capela-mor. A nova sala substituiu a primitiva de cerca de 1575 45 , que ocupa o espaço contíguo à capela-mor do lado da Epístola, orientada a eixo das capelas cripto-colaterais. Transformada em ante-câmara, ela apresenta os alçados laterais estruturados por três edículas separadas por pilastras à maneira hispânica – um dos raros casos em que se poderá, eventualmente, falar da influência deste modelo em Portugal.

16| Igreja do colégio do Espírito Santo de Évora (Manuel Pires, 1566-74; patrocínio do cardeal D. Henrique), planta. © SIPA DES.0000952

Inversamente, a nova sacristia apresenta os alçados lisos e chãos, apenas rasgados pelas diversas serventias, aspecto que, manifestamente, centralizava o espaço no plano de circulação entre a igreja e as dependências do colégio. Não é seguro que a retro-sacristia tenha integrado o plano de 1566 ou resultado de uma adição posterior. Em qualquer caso, parece ter relação com o projecto primitivo do colégio de Santo Antão-o-Novo em Lisboa, riscado por Baltazar Álvares cerca de 1579.

sacristia de São Roque e o conceito de «sacristia pinacoteca» a ela associado, veja-se Serrão 1993, Sobral 1996, Marques 2007a. 44 Sobre a igreja e o colégio do Espírito Santo de Évora veja-se o estudo mais recente: Lobo 2009. 45 Espanca 1959, 30. A sacristia primitiva foi, depois, redecorada no período barroco e transformada num santuário de relíquias, onde se expunham 108 relicários de variadas formas.

42 Este projecto, recentemente identificado por Rui Lobo na Biblioteca Nacional de França 46 , previa uma sacristia no tardoz da capela-mor, com a mesma disposição planimétrica, ou seja: planta rectangular e vãos de circulação dispostos ao centro dos topos dando acesso a corredores laterais que desembocavam nos extremos do transepto, além de uma porta de acesso ao pátio posterior. Contudo, a sacristia de Santo Antão só se viria a edificar em 1696, altura em que os padres do colégio entregam o seu risco e orientação ao arquitecto João Antunes.

Apesar de ampla, o aspecto geral da sacristia jesuíta de Évora corresponde ao estilo despojado que marcou a arquitectura funcional da Companhia. Só a decoração altera esse sentido marcadamente austero, com a disposição dos dois arcazes monumentais ao longo dos alçados laterais; a aplicação do revestimento de azulejos ponta de diamante, desde o alçado dos paramenteiros até à cimalha; e o programa complexo de pintura mural que reveste a abóbada e ambos os tímpanos. As três campanhas devem datar, aproximadamente, do mesmo período da construção da sala.

No que se refere aos azulejos, o padrão partilha as mesmas características formais do que foi aplicado na sacristia de São Roque. João Miguel dos Santos Simões, atribuiu-os às oficinas de Sevilha e situou a encomenda de ambos os revestimentos no ano de 1596. O padrão de ponta de diamante, pelo seu acentuado valor ornamental, tornou-se muito popular e vulgarizou-se em Portugal durante o primeiro quartel do século XVII 47 .

O brilho e o colorido cerâmicos contrastam sobriamente com uniformidade do volume paralelepipédico do paramenteiro, apenas quebrada pelo jogo entre os dois diferentes tons das madeiras exóticas e o ritmo das pilastras quarteladas e dos almofadados. A tipologia do arcaz é invulgar, não tendo gavetões mas apenas módulos de armários. São ainda rematados por um

46 Lobo 2008. 47 Simões 1969, 89.

43 alçado que segue o mesmo formulário decorativo, o que faz pensar se não estaria para ali pensado um ciclo de pintura como sucedeu em São Roque.

De grande efeito decorativo, a pintura mural, datada por uma inscrição de 1599, compreende doze episódios da vida de Santo Inácio de Loiola ilustrados na abóbada e três cenas relativas à história da fundação da Companhia de Jesus representadas nos tímpanos 48 . A composição da cobertura é particularmente interessante pela simulação e intercalação, através dos emolduramentos em estuque relevado, dos doze caixotões que enquadram os painéis figurativos com outros de cariz geométrico onde se multiplicam composições de brutesco.

Partilhando algumas características com a de São Roque ao nível da organização do espaço, a construção da sacristia do colégio de Jesus de Coimbra estaria concluída em 1640 (também a data de abertura da igreja ao culto), conforme se pode apurar pelo relatório sobre as obras do colégio enviado para Roma no início desse ano 49 . Inicialmente, de acordo com o segundo projecto geral do colégio de 1568-69, estava previsto ocupar uma das divisões que enquadravam a capela-mor, como sucedia com a sacristia primitiva do Espírito Santo. Mas, a localização da sacristia acabou por ser transferida para a zona central do quarto pátio de serviço – que deveria flanquear a igreja a poente e que não se concretizou – e a sua área foi significativamente aumentada.

O facto é que a disposição geral, pensada originalmente para o complexo colegial (e não só para a sacristia), sofreu ajustamentos com o andamento dos trabalhos. Em última análise, estes acertos, como esclarece Rui Lobo, comprovam «a flexibilidade das soluções construídas dos estabelecimentos jesuítas, atendendo a soluções concretas de implantação, orientação e

48 As cenas representadas nos tímpanos são as seguintes: «Concessão da Regra à Companhia de Jesus pelo papa Paulo III», «Recepção da outorga papal da fundação da Companhia de Jesus por parte do rei D. João III», «Recepção dos primeiros Jesuítas em Évora pelo cardeal D. Henrique». Sobre a pintura mural desta sacristia veja-se Machado 2003 e Afonso 2009, 896-900. 49 Carta ânua do colégio de Coimbra. Coimbra, 1 de Janeiro de 1640. ARSI, Lusitania 55, fls. 113- 114. Publ. in Martins 1994, II 27-30.

44 disposição funcional, e perante o carácter programático (e aparentemente rígido) da arquitectura jesuítica – estruturada, regrada e funcional» 50 .

A partir da carta ânua de 1640 é possível reconstituir a configuração original da sala, uma vez que descreve o ponto de situação dos trabalhos e as obras de melhoramento recentemente empreendidas. Até essa data, «a sacristia que leva 70 palmos de comprimento e 32 de largura estava só em paredes toscas, cobriu-se por cima, e lajeou-se no pavimento da mesma maneira, que a

17| Igreja do colégio de Jesus, 18| Igreja do colégio de Jesus, Coimbra. Pormenor Coimbra. Reconstituição do plano do levantamento arquitectónico de Guilherme da igreja com base no projecto de Elsden, desenho de Joaquim de Oliveira, 1772. 1568-69 da BnF. © MNMC DA117 © Lobo 1999, 37 fig. 27

50 Lobo 1999, 14. A planta primitiva do colégio foi realizada em 1548. O segundo projecto, que data de 1568-69, foi identificado pelo mesmo autor na BnF. Idem, 18 fig. 3.

45 igreja»51 . De cobertura abobadada em berço, o espaço divide-se em altura em dois registos demarcados pelo friso e pela cimalha real. A circulação fazia-se por três portas – a da entrada principal de ligação à igreja, no alçado nascente; no topo sul, um acesso a um pequeno pátio «em que se traça fazer cisterna»; e, no topo oposto, a serventia para a casa dos lavatórios. Esta última divisão, como em São Roque, constituía um anexo onde se dispunham «dois lavabos de pedra, entre três janelas, que estão sobre outro pátio maior» do colégio. Actualmente, este espaço encontra-se tripartido, com um lavatório de grandes dimensões ao centro. Segundo a mesma descrição, a sacristia era iluminada por três vãos em cada topo – um óculo nos tímpanos e duas janelas no primeiro nível ladeando as portas – o que veio a ser alterado nas obras do final de Setecentos.

A característica mais curiosa encontra-se, porém, na distribuição de quatro grandes recessos semicirculares no alçado nascente, dois de cada lado da porta principal. Inicialmente, os dos extremos eram resguardados por cortinas e serviam de oratórios, destinados à introspecção dos celebrantes após o culto: «nos dois últimos nichos se puseram cortinas dentro das quais se encerrarão os Padres a ter recolhimento depois da missa diante das imagens devotas que para isso se puseram». Trata-se de um dispositivo pouco comum em Portugal, que não teria consequência conhecidas, mas que está relacionado com algumas das instruções dadas para as sacristias, nomeadamente as formuladas por Carlo Borromeo, como se terá oportunidade de esclarecer no capítulo dedicado à sua Instructionum Fabricae 52 .

Por sua vez, os dois nichos centrais eram preenchidos pelos armários dos cálices, «com repartimentos para os missais, da mesma obra, que a dos caixões». Parte de uma mesma campanha de mobiliário, um grande arcaz «de cor de pau

51 Carta ânua do colégio de Coimbra. Coimbra, 1 de Janeiro de 1640. ARSI, Lusitania 55, fls. 113- 114. Publ. Martins 1994, II 29. As citações seguintes referem-se ao mesmo documento. 52 Mais tarde, os oratórios foram substituídos por novos armários. Também o arcaz é resultado de uma campanha de cerca de 1700. Aliás, a sacristia deve ter sofrido alterações, ao longo do século XVIII, considerando que a distribuição das janelas e de alguns vãos não coincide com a descrita na carta ânua de 1640.

46 preto» ocupava a todo o comprimento a parede poente. Além destes armários e móvel paramenteiro, existiam ainda dois amituários, «nos dois espaços, entre as janelas e porta do primeiro topo».

Complementava a decoração um silhar de azulejos, ao nível dos arcazes, e nos níveis superiores dispunham-se ciclos de pintura 53 : o primeiro dedicado à vida de São Francisco Xavier e colocado sobre o paramenteiro com os painéis encostados à parede; e o segundo à vida de Santo Inácio exposto «entre as duas

19 e 20| Colégio de Jesus em Coimbra, sacristia (concluída em 1640) © Fotos da autora

53 O ciclo das quinze pinturas sobre a vida de Santo Inácio está atribuído a Domingos da Cunha, o Cabrinha e colaboradores, e as cinco telas dedicadas a São Francisco Xavier ao pintor jesuíta Manuel Henriques. Cfr. Craveiro 2011a.

47 cornijas que cingem toda a casa, vai em roda a vida de N. S. Padre em painéis grandes dourados, que fazem muito principal ornato a toda a Sacristia». E tal como na sacristia da capital, expunha-se uma imagem de Cristo na Cruz sob um dossel: «mais alto, e no meio da distância entre o pavimento, e o tecto, debaixo de um dossel está um formoso crucifixo, a que responde um painel do Descendimento».

A tipologia da sacristia concretizou-se em dois tempos nas igrejas jesuítas portuguesas. Na sua origem, foi pensada como espaço essencialmente funcional e austero, de planta rectangular, cobertura abobadada, por vezes, com a sala dos lavabos anexa. O carácter utilitário da sala é sublinhado pela abertura de diversas portas, que facilitavam a circulação e o acesso à igreja e a outras dependências das casas e colégios.

Num segundo momento, que pode ser situado nas vésperas imediatas do século XVII, passou a ser alvo de maior atenção, beneficiando de importantes campanhas de valorização que consideraram mobiliário para arrecadação das alfaias e ornamentos – peças simultaneamente utilitárias e de aparato –, e a decoração do espaço com revestimentos azulejares e ciclos pictóricos. Observa- se, nestas salas, uma grande exaltação da imagem, patente nos programas iconográficos solenes sobre as vidas de Santo Inácio de Loiola e de São Francisco Xavier, celebrando a sua hagiografia exemplar. Nos casos da casa professa lisboeta e do colégio eborense, o sentido programático dos ciclos de pintura antecipou mesmo a canonização de ambos os santos, que só viria a ocorrer em 1622. As sacristias transfiguraram-se, desta forma, não só em espaços privilegiados para a exposição de imagens, como em capelas comemorativas da história fundacional da Companhia de Jesus.

Considerando a coordenação centralizada de Roma dos processos construtivos das casas jesuítas, importa colocar a questão: existiram normas para as sacristias dimanadas de Roma? Pela leitura global que me foi possível fazer

48 dos estudos sobre a arte de encomenda jesuíta e da análise dos projectos e das plantas das igrejas, não parece ter havido qualquer normalização, fosse a respeito da localização ou de aspectos formais, para as sacristias. São, de facto, muitas as variantes, o que revela a diversidade de soluções.

Por outro lado, também nas igrejas jesuítas italianas, a sacristia só alcançou maior relevo artístico no final de Quinhentos. Veja-se o caso paradigmático da casa-mãe da Companhia em Roma: a igreja do Gesù (1568) que, ao nível da concepção espacial da igreja, se tornou o primeiro referencial para as igrejas da congregação 54 . A sacristia do Gesù, ao contrário do que se poderia supor, não foi objecto de particular atenção por Giacomo Barozzi da Vignola e Giacomo della Porta, autores do projecto original. Um recente estudo de Gauvin Alexander Bailey explica que a sua construção só teve início em 1599, sob encomenda de Odoardo Farnese ao arquitecto Girolamo Rainaldi, na mesma altura em que se erguia a nova casa professa. Concluída em 1610, rapidamente se tornou um repositório de pintura e de outras obras de arte 55 , à semelhança do que sucedeu em Portugal no mesmo período.

No caso particular da Companhia de Jesus, podemos, então, falar de um modelo? Particularizar um modelo de sacristia jesuíta implicaria identificar orientações precisas e a normalização de constantes formais que tivessem predominado sobre um conjunto apreciável de edifícios. Ora, o espaço da sacristia não parece ter ocupado um lugar de relevo principal nas preocupações

54 Modelo, todavia, agindo mais no plano simbólico que no material. A discussão crítica sobre o «mito» da igreja do Gesù e sobre os conceitos de «noster modus» e de «estilo jesuíta», que tem vindo a ser desenvolvida pela historiografia da arte desde a década de 1960 – nomeadamente por Yvan Christ, Paulo F. Santos, Rudolf Wittkower, James Ackerman, Sandro Benedetti (1984), Richard Bösel, Luciano Patetta, Stefano della Torre e Richard Schofield –, é bem estudada por Gauvin Alexander Bailey (1999). 55 Algumas destas obras eram provenientes da igreja e foram depositadas na sacristia aquando da redecoração da nave e presbitério, conforme noticia uma nota documental do ARSI: «La sacrestia è stata fatta dal Signor Cardinale Odoardo Farnese, li armaij però di noce sono costati 2800 scudi in circa di diverse limosina. Il crocifisso, ch’è in Sacrestia, stava prima esposto in Chiesa nell’altare , adesso di S. Ignazio, ed ora di gran divozione a tutto il popolo. Li quadri, che stanno alli lati de medesimo crocifisso de Nostri Santi sono quei, che stavano al Corno destro, et sinistro dell’Altare Maggiore, avvanti che fussero canonizzati per moltissimi voti celebri». ARSI, FG 545, 4b. Cit. in Bailey 2003, 221 n. 256.

49 da Companhia de Jesus relativas à construção das suas casas e igrejas, provavelmente entendida, nos primeiros tempos, estritamente como um anexo funcional. Formularam-se alguns princípios a cumprir, mas vocacionados principalmente para a regulamentação dos comportamentos 56 . Foi, por isso, a partir do início do século XVII, que alcançou maior proeminência, usufruindo de programas decorativos e iconográficos que não resultaram propriamente de um «estilo jesuíta», mas que participaram das tendências artísticas dos diferentes contextos cronológicos e geográficos em que foram empreendidos.

As sacristias jesuítas portuguesas do período filipino partilham algumas características comuns, é certo. Mas tal foi ocasionado pela simultaneidade das fábricas e, sobretudo, pela divulgação de soluções decorativas, que começavam a estruturar a tipologia num espaço coerente e acabado, dando resposta às preocupações com o decoro e magnificência da liturgia que dimanava ainda das orientações pós-tridentinas no seio da Igreja.

56 Sobre estes aspectos regulamentares veja-se Martins 1994, I 987-88.

50 O modelo do classicismo

O primeiro caso conhecido de configuração acabada da tipologia, em Portugal, encontra-se no Convento de Cristo. Considerada uma obra original e sem precedentes 57 , a sacristia nova de Tomar constitui, na sua estrutura, o protótipo de organização do espaço que irá prevalecer na concepção das sacristias monumentais portuguesas até ao século XVIII.

Sabe-se muito pouco acerca da sua construção, mas a data de conclusão pode ser situada antes de 1590, a partir da descrição que dela fez Frei Jerónimo Román (1536-1597). O cronista espanhol esteve Tomar uma primeira vez nas Cortes de 1581, onde presenciou a aclamação de Filipe II como rei. A partir de 1586 fixou-se em Portugal, visitando de novo o Convento de Cristo numa viagem por Tomar, Alcobaça e Coimbra, realizada em 1588 e 1589 58 .

No relato que redigiu sobre a Ordem de Cristo e o convento, os traços gerais dados sobre a sacristia correspondem ao espaço que hoje se conhece:

«Es la sacristía nueva toda de cantaría y de obra dórica y jónica con ventanas puestas en sus compartimentos muy proporcionados. Los cuales tienen grandes y ricas vidrieras de imaginaria y figuras de labores y colores que hermosean y dan gracia a toda la pieza. Tiene por las dos bandas a lo largo sus cajones excelentemente labrados»59 .

Deste espaço, importa, sobretudo, reter o sentido de monumentalização e a conformação tipológica da sacristia. De planta rectangular e cobertura em abóbada de berço de caixotões, a nova sacristia de Tomar apresenta os alçados

57 Soromenho 1995, 382. 58 Fonseca e Pimenta 2008, 8 n. 9. 59 Román 2008, 83. Jana 1990, 302. As atribuições dividem-se entre Francisco Lopes (Moreira 1995, 355) e Filipe Terzi. Não há dados suficientemente conclusivos para uma atribuição segura, apenas para a definição da data limite da sua construção, situada no final da década de 1580. Além de ter sido admirada por Frei Jerónimo Román cerca de 1589, há referência documental a trabalhos na «sacristia nova» ao tempo do priorado de 1583-85: «[Frei Rafael] com muito exemplo de paciência mandou cobrir a sacristia nova com madeira e telhados e mudou armários e forrou e os degraus de bordos». ANTT, Convento de Cristo , lv. 34, fl. 47v. Publ. Jana 1990, 302. As notas de pagamentos posteriores, divulgadas por Ernesto Jana (1990) e Carlos Ruão (2006, II 153), referem-se necessariamente a trabalhos de provimento e decoração da sala.

51 divididos em dois registos, sobrepondo as ordens dórica e jónica. Apesar de despojada do mobiliário e pinturas que compunham o interior, a arquitectura exprime por si a funcionalidade da sala, sendo possível reconstituí-la sem dificuldade. Os topos, com algumas diferenças de desenho entre eles, receberam de uma banda dois lavabos e da outra uma pequena capela e nichos para exposição de imagens, com os vãos de iluminação distribuídos pelo segundo nível e tímpanos. A distribuição da capela e do lavabo nos extremos opostos introduzia uma dinâmica espacial que repartia dois dos principais rituais operados na sacristia: a preparação espiritual dos celebrantes junto a um altar ou imagem sagrada e a ablução simbólica das mãos que iriam ministrar a comunhão.

21 e 22| Convento de Cristo, sacristia (c. 1580-89) © Fotos da autora

Todo o mobiliário se integrava nas paredes: os vãos elegantemente emoldurados serviam de armários embutidos dotados de prateleiras e nos grandes arcos dos alçados laterais encastravam-se os arcazes (desaparecidos),

52 tratando-se, possivelmente, de uma adaptação do modelo espanhol, que facilitava a organização do espaço.

A decoração arquitectónica é singular: pilastras em estípide, hermes, tabelas, aletas, mísulas, frontões e cartelas em rollwerk , de belo desenho salientado pela policromia dourada, numa recreação com o cânone clássico atestada ainda pela subversão da hierarquia das ordens: dórico-jónico-dórico. As pinturas dos caixotões do tecto, com grotescos no mesmo tom dourado sobre negro, e dos arcos laterais complementam o ar de requinte desta sacristia tão particular.

23| Convento de Cristo, Tomar. Pormenor da planta do Convento de Cristo em Tomar, levantada pelo arquitecto Manuel Tomás de Sousa Pontes e copiada por Carlos Augusto Lopes, século XIX .

Contíguas à sacristia, duas divisões complementam a sua função: a sala do tesouro e a sala de passagem 60 . Com acesso apenas a partir da sacristia, a sala do tesouro é um espaço abobadado e sem vãos que substituiu a casa forte mandada fazer por D. Manuel no cubelo da muralha. Por sua vez a sala de

60 Teixeira 1927, 71. Voltarei à sacristia do Convento de Cristo adiante, vejam-se as pp. 303-04, 309.

53 passagem era a antiga sacristia manuelina, onde se instalou um lavabo em 1625. Este espaço funciona como ante-sacristia, uma espécie de ante-câmara. A separação da sacristia e de um vestíbulo anexo, com ou sem lavabo, foi, aliás, uma solução não rara, estabelecendo hierarquias na leitura e vivência das dependências clericais.

O mosteiro de São Vicente de Fora, casa dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho na capital, foi reedificado sob o patrocínio de Filipe II, que entregou o risco do plano definitivo ao arquitecto régio Baltazar Álvares. O projecto, datado de 1590, previu, desde o início, a localização da sacristia entre os dois grandes claustros, com a serventia aberta a eixo do transepto da igreja 61 .

24| Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. Pormenor da planta geral. © SIPA DES.00305667

A monumentalidade da fábrica de São Vicente ocasionou o prolongamento dos trabalhos até ao século XVIII, de forma que o arranque dos alicerces da sacristia apenas teve lugar por volta de 1688 e a conclusão arrastou-

61 As plantas originais de 1590 encontram-se na ANBA.

54 se até 1716 62 . Luís Nunes Tinoco foi o responsável pela direcção da construção, na qualidade de arquitecto das obras do mosteiro desde 1690. A Tinoco deverá atribuir-se, igualmente, o cariz luxuoso e festivo da decoração arquitectónica, levando ao limite as potencialidades decorativas dos embutidos pétreos polícromos com o revestimento integral dos alçados no sentido da quase desmaterialização da arquitectura 63 .

Se nos abstrairmos do filtro ornamental, apercebemo-nos da estrutura original que corresponde, no essencial da planta e dos alçados, ao que foi definido por Álvares. A sala, à qual se acede por uma das extremidades, configura um espaço rectangular orientado para a capela no topo, ladeada por duas capelas mais pequenas. Apenas uma pequena alteração foi introduzida, transformando as capelas numa área delimitada e não compartimentada e avançado o altar para a face do arco central. Os arcos mais pequenos dão acesso a esta área, onde se dispuseram os lavabos e um amituário.

Os alçados laterais são ritmados por quatro vãos iluminantes, que conferem grande luminosidade à sala, e por pilastras duplas, entre as quais se dispõe um nicho para exposição de imaginária. É interessante verificar que esta estrutura repete, em escala miniatural, o desenho do alçado da nave da igreja, articulado por capelas (em vez das janelas) e por pares de pilastras monumentais, entre as quais se abrem vãos de acesso às capelas mais pequenas (em vez dos nichos para escultura). Se o projecto primitivo supunha apenas um arcaz, cujo volume ficou registado na planta de Álvares, na altura da construção decidiu-se reservar ambos os lados da sacristia para os paramenteiros, os quais são previstos pelo próprio desenho arquitectónico. Este diálogo, pensado entre o mobiliário monumental de sacristia e a arquitectura, revela-se na observação das

62 Soromenho e Saldanha 1994, 211-12. 63 Na decoração do espaço, terá colaborado o escultor Claude Laprade e o pintor André Gonçalves (a quem se atribui a pintura do retábulo «Nossa Senhora com o Menino e Santos»). Cfr. Soromenho e Saldanha 1994, 214-215.

55 pilastras dos alçados laterais, cuja base assenta justamente nos arcazes, substituída por um plinto canónico nas paredes dos topos.

No que se refere à cobertura, o tecto pintado que hoje se pode admirar é uma solução remediada pós-Terramoto, já que a estrutura dos alçados e o espaço «morto» sobre o tecto apontam para uma cobertura em berço de volta perfeita, plenamente justificada num projecto desta envergadura. Tal dedução vem a ser confirmada pela descrição dos danos provocados no mosteiro pelo sismo, feita numa crónica manuscrita de 1761, que nos relata ter a sacristia sofrido com a queda do zimbório, provocando o desabamento da abóbada e a destruição dos arcazes 64 . A abóbada teria, certamente, uma configuração semelhante à da igreja, estruturada por arcos torais e, quem sabe, decorada por caixotões.

25| Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. Aspecto geral da sacristia (plano de Baltazar Álvares, 1590; construção orientada por Luís Nunes Tinoco, 1688-1716) © Foto da autora

64 ANTT, Manuscritos da Livraria , nº 468, fl. 16. Neste sentido, quer a cobertura quer os paramenteiros da sacristia de São Vicente são obra da segunda metade do século XVIII. Agradeço ao Prof. Doutor Carlos Moura, meu orientador, a indicação desta referência documental.

56 Deve mencionar-se um exemplo contemporâneo que, ao nível da planimetria e distribuição dos elementos funcionais, se assemelha a São Vicente. Embora respeitando um partido de grande austeridade formal na arquitectura dos interiores, em harmonia com os votos de pobreza da ordem religiosa a que se destinava, o projecto de Frei Giovanni V. Casale ( † 1593) foi, em 1590, o eleito pelo arcebispo D. Teotónio de Bragança para a Cartuxa de Scala Coeli que fundou em Évora. O plano original considera, igualmente, uma sacristia de dimensões generosas (16,8 x 7,35 m), planta rectangular, com capela no topo ladeada de duas pequenas divisões e paramenteiros ao longo dos alçados laterais, quase exactamente como veio a ser erguida na contiguidade da capela-mor. Independentemente da linguagem absolutamente despida, caiada de branco, sem recurso a qualquer elemento arquitectónico relevante, a composição do espaço, como a de São Vicente, corresponde já em pleno à tipologia acabada da sacristia pós-tridentina.

26| Convento da Cartuxa de Scala Coeli , Évora (Giovanni Vincenzo Casale, 1587; patrocínio do arcebispo D. Teotónio de Bragança e régio). Pormenor do projecto definitivo original (Casale, 1590). © Biblioteca Nacional España, Album de Fra Giovanni Casale , Dib/16/49/55

57 A mesma solução ao nível da organização do espaço foi glosada por Baltazar Álvares no plano que idealizou para o mosteiro de São Bento da Saúde em 1598. Como é sabido, o mosteiro beneditino da capital foi aproveitado para a instalação da Câmara dos Pares e dos Deputados (actual Assembleia da República), condenando ao desaparecimento não só a igreja, como a maioria das dependências conventuais. E, por esta razão, também a sacristia desapareceu. No entanto, um desenho conservado pelo Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas ilustra o levantamento planimétrico do complexo edificado como se encontrava no século XIX, e no qual se pode identificar claramente a sacristia (mesmo apesar da lacuna material do documento nesta zona do desenho).

27| Mosteiro de São Bento da Saúde em Lisboa (Baltazar Álvares, 1598; patrocínio régio e dos marqueses de Castelo Rodrigo). Pormenor da ala sul da planta geral do edificado, século XIX. © AHMOP, DR 68 10 D II

A sacristia ocupava toda a ala noroeste do claustro sul, o que constituía uma área bastante ampla. Originalmente, a ligação à igreja far-se-ia, como em São Vicente, pelo transepto, embora tenha acabado por conduzir à capela-mor, em virtude de se ter abreviado o plano monumental da igreja, que previa uma nave de cinco capelas (e não apenas as quatro construídas). Na verdade, a planta

58 da sacristia de São Bento da Saúde reproduz quase integralmente a do mosteiro crúzio da capital: planta rectangular orientada a eixo da capela e entrada pelo extremo oposto; alçados dos topos tripartidos; e os laterais ritmados por pilastras entre as quais se abriam quatro janelas de cada lado. Também da mesma forma que em São Vicente, a zona da capela definia um espaço individualizado pela tripartição do acesso.

A descrição feita pelo autor da História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa confirma estes aspectos e revela outros acerca do interior, como se pode ler de seguida:

«tem a sacristia comprimento, largura, e altura com mui boa proporção, ficando a cada lado de seu comprimento quatro janelas grandes guarnecidas de boa pedraria, das quais só as que ficam no lado esquerdo de quem entra na sacristia lhe comunicam claridade, sendo as outras fingidas, e sobre as ditas janelas corre por todos os lados da sacristia uma cimalha de pedraria por cima da qual se começa a levantar o tecto que é todo de painéis em quadro, divididos com molduras de pedraria, obra mui vistosa.

Ao arco que dissemos ter lugar entrando na sacristia corresponde outro no fim dela, e neste arco em que se termina o comprimento da sacristia tem lugar uma capela tão alta e larga como a mesma sacristia, com retábulo ainda que antigo muito bom, que com sua altura vai buscar o tecto da capella, em cujo altar se vê hum frontal de pedra obrado em Itália com grande perfeição. Por baixo das quatro janelas que dissemos ter em cada lado da sacristia corre para baixo um azulejo. Os caixões desta sacristia não estão ainda feitos, mas os que servem por entretanto são ornados com umas perfeitíssimas pedras de mármore» 65 .

65 História dos Mosteiros , I 28.

59 Ambas as sacristias projectadas por Baltazar Álvares na década de 1590, para os mosteiros de Lisboa, só viriam a materializar-se mais tarde, embora os planos testemunhem uma nova concepção espacial que não só consolidou definitivamente a tipologia da sacristia, como gerou um modelo que iria polarizar uma série de espaços nele radicados até ao século XVIII.

Outro exemplar paradigmático encontra-se na sacristia do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, porventura um dos espaços mais extraordinários da arquitectura portuguesa do período filipino. Ao contrário do que sucedeu com as fábricas dos referidos mosteiros lisboetas, a sacristia nova de Santa Cruz é uma obra isolada de beneficiação do cenóbio e, talvez por este motivo, veio a ser concluída no mesmo contexto em que foi planeada.

Empreendido no priorado de D. António da Cruz (1621-24), o projecto visou substituir a sacristia manuelina realizada em 1513 pelo mestre Boitaca, e que fora alargada em 1590 66 , por uma sala monumental. A razão que terá despoletado a sua concepção três décadas apenas após as obras de alargamento prende-se, quanto a mim, com a conclusão da sacristia da Sé de Coimbra patrocinada pelo bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco, que constitui o principal caso de estudo da presente tese (Parte 2). O alcance do projecto catedralício ensombrava a sacristia atamancada dos crúzios, incitando-os à construção ex novo de um espaço que se adequasse de modo mais exemplar às funções litúrgicas e de representação no alinhamento do espírito pós-tridentino.

A sala compreende uma área muito ampla (14,5m x 9m x 14m), dividida em três tramos por pilastras dóricas monumentais que suportam o entablamento misulado de grande efeito decorativo. O abobadamento de caixotões octogonais perfeitamente lançado, cujo desenho se repete na

66 O contrato para a obra da sacristia encontra-se transcrito em Artistas de Coimbra 1923, 154. As descrições de 1541 de D. Veríssimo ( Descripcam e debuxo 1957 (1541), 7-8), e de 1590 de Frei Jerónimo Román (Correia 1930, 16-17) ilustram bem como era a sacristia manuelina antes de ser aumentada na década de 1590. Sobre esta obra dá-nos nota os papéis manuscritos de D. José de Cristo. BPMP, Ms. 86, fls. 52-52v. Publ. Carvalho 1932, 25-26 e Correia 1946 (1935), 248.

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28| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, 29| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, sacristia pormenor da planta geral. (atrib. Baltazar Álvares – traça, c. 1620-22; © SIPA DES.00049361 construção orientada por Manuel João, 1622-24) © Foto da autora

composição decorativa do piso pétreo, mantém a divisão tripartida a partir dos vigorosos torais que prolongam as pilastras almofadadas. Nas paredes dos topos, dispõem-se quatro sumptuosos portais no nível térreo e duas grandes janelas termais nos tímpanos. São elas que conferem a este interior a «formosa impressão de luz» a que se referiu Albrecht Haupt, depois filtrada para as divisões adjacentes pelas quatro janelas interiores colocadas sobre os portais.

Prevalece um grande sentido de unidade na concepção do volume interno do espaço, conferida pelo planeamento cuidado, revelador do completo domínio do sistema clássico da arquitectura e do conhecimento pleno da tipologia da sacristia. Essa unidade do projecto descobre-se, também, na determinação precisa dos lugares para exposição de imaginária – em nichos abertos nas pilastras – e consideração a priori do mobiliário monumental como

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30| Mosteiro de Santa Cruz, pormenor do arcaz da sacristia (1624). © Foto da autora « 31| Mosteiro de Santa Cruz, armário dos amitos (1624). © Foto da autora

parte integrante da arquitectura interior: o arcaz de catorze metros que ocupa a todo o comprimento o alçado lateral e sobre o qual descansam as bases das pilastras (como sucede em São Vicente de Fora); e os dois armários que, originalmente, preenchiam dois dos portais.

A campanha de mobiliário teve lugar logo em 1624 67 , ano em que se concluíram os trabalhos de construção. Talvez tenha sido também nessa ocasião se aplicaram os azulejos de padrão, provenientes das oficinas de Lisboa, para revestir integralmente as paredes. Quer uns, quer outros, de qualidade superior de execução. Embora não se tenha disposto um altar na sala, o conjunto do Calvário, exposto na parede sul, sacralizava condignamente o espaço. A sua disposição sobre o arcaz não era fortuita, dado que era sobre este móvel que os

67 Datação baseada no relato de D. Nicolau de Santa Maria: «Apenas o novo prior D. Sebastião da Graça tomou posse do seu cargo em 1624, a primeira coisa que fez foi aperfeiçoar a sacristia nova, com caixões para os ornamentos, e vestiário para se revestirem os sacerdotes, os quais tinham de cumprimento 72 palmos, e de largura seis e meio, e de altura cinco. Os caixões eram de pau preto marchetados de marfim, com argolas e fechaduras de bronze dourado». Santa Maria 1668, II 409. Sobre o mobiliário da sacristia de Santa Cruz de Coimbra, erradamente atribuído a Samuel Tibau por Robert Smith (1962), veja-se o meu estudo: Marques 2007b.

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32| Mosteiro de Santa Cruz, lavabo (atrib. Pedro Nunes Tinoco, oficinas de Lisboa, década de 1620) © Foto da autora « 33| Mosteiro de Santa Cruz, casa do oratório. © Foto da autora

celebrantes se paramentavam e proferiam as orações rituais de preparação para o ofício divino 68 .

O plano da sacristia considerou, igualmente, diversas serventias para as divisões com as quais confinava – capela-mor, sala do capítulo, casa do oratório com acesso ao coro, e casa do lavabo –, tornando a sala uma plataforma de circulação entre as principais áreas rituais do mosteiro. Na dependência directa da sacristia, estavam as casas do oratório e do lavabo resultantes de adições ao projecto, como se pode verificar pela diferença no desenho muito inferior ao da sala principal (nomeadamente, das abóbadas mal lançadas e descentradas).

O primeiro compartimento com capela ao fundo, destinava-se à preparação espiritual dos sacerdotes e à guarda dos pontificais e das peças mais

68 «Crucifixo vivo do tamanho, e grandeza de um homem perfeito, imagem mui bem acabada, perfeita, que fez um grande imaginário; aos lados da qual ficam duas imagens sobre suas peanhas, da Virgem Senhora Nossa; e de São João Evangelista, assim como se costumam pintar ao pé da Cruz. O crucifixo está debaixo de um rico dossel franjado de ouro, e fica bem no meio da Sacristia, e dos caixões, e vestiário onde se revestem os Sacerdotes para ir dizer Missa». Santa Maria 1668, II 97. A colocação de um crucifixo sob um dossel parece ter sido um dispositivo comum na época, que encontrámos também nas sacristias jesuítas de São Roque e de Jesus.

63 ricas de ouro e prata da igreja 69 , pelo que originalmente estaria também provido de mobiliário. Nos móveis da sacristia, guardavam-se, por sua vez, as alfaias e paramentos de uso corrente. A casa do lavabo, que dá acesso a um pátio exterior, é dominada pelo lavatório monumental, de pedra não proveniente da região de Coimbra. Esta peça será, provavelmente, o resultado da traça de Pedro Nunes Tinoco e uma obra das oficinas de Lisboa.

Ao nível formal, gostaria de destacar ainda um aspecto intrigante da decoração da sala, que sublinha o seu carácter extraordinário. Os quatro portais são rematados por frontões curvos interrompidos, ao centro dos quais figuram mascarões irrompendo entre volutas e enrolamentos vegetalistas. Os quatro mascarões foram representados com grande expressividade, sublinhada pelo desenho vigoroso e execução segura da escultura em alto-relevo. Todos figuram rostos de homens distintos, individualizados por traços próprios que alcançam um nível fantasioso, quase caricatural, na hipervalorização de alguns traços fisionómicos – como o sobrolho e a boca – para enfatizar as respectivas expressões faciais, reveladoras de emoções fortes.

Numa primeira aproximação poderia atribuir-se esta iconografia à influência de gravuras de ornamentos – e o mosteiro possuía diferentes colecções destas na sua livraria 70 – mas, um segundo olhar mais atento percebe que tal individualização não é despropositada, muito pelo contrário. Nela reside

69 Santa Maria 1668, II 97 70 Para avaliar a importância do catálogo da livraria do mosteiro de Santa Cruz deve consultar-se Carvalho 1921. Sobre a utilização de gravuras nas obras do mosteiro veja-se Dias 1982. Marie- Therèse Mandroux-França (1983) localizou na BPMP uma das pastas de gravuras da livraria do mosteiro de Santa Cruz, com 146 estampas de Hans Vredeman de Vries (1560 e 1563), Antonio Labacco (1557), Benedetto Battini (1553) e Jacques Floris (1564 e 1567). As fontes iconográficas mais directas, porém, seriam outras, como, por exemplo, as séries de estampas de mascarões publicadas na Flandres e em Itália, de que são exemplo a Pourtraicture ingenieuse de plusieurs facons de Masques , com gravuras de Frans Huys sobre os desenhos de Cornelis Floris (Antuérpia, 1555); e o conjunto de 24 gravuras dos modelos de Cornelis Floris e Giulio Romano, dadas à estampa em 1560 por René Boyvin. Além destas duas, uma terceira série mais tardia, datada de 1590-1605, poderia ter, igualmente servido de inspiração aos mascarões de Santa Cruz. Trata-se das gravuras de Aloisio Giovannoli sobre os desenhos de Cornelis Floris e Miguel Ângelo. Veja-se Miller 1999.

64 a chave de uma leitura iconográfica particular, que tem passado despercebida à historiografia da arte portuguesa: a teoria dos quatro humores.

Com origem na Antiguidade, esta teoria funcionou como a principal explicação para as doenças do corpo ao longo de séculos, sendo a boa saúde entendida como o resultado do equilíbrio ideal entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra. O domínio de um dos humores sobre os restantes caracterizava os indivíduos em quatro personalidades diferenciadas: sanguíneo, colérico, fleumático e melancólico. Todas se relacionavam com as etapas da vida do homem, os ciclos da Natureza, os elementos e as cores, plasmados nos atributos específicos da figuração iconográfica 71 .

A representação alegórica da teoria humoral afigura-se rara, se não mesmo única, no contexto da arquitectura portuguesa da Época Moderna. Na verdade, nem em Itália se mostra um recurso corrente, mesmo considerando o gosto maneirista por este tipo de figurações. Existe, porém, um edifício, onde os mascarões utilizados aludem aos humores de forma notável. Trata-se do Palazzo Doria Tursi, mandado erguer por Nicolò Grimaldi, banqueiro de Filipe II, na Strada Nuova de Génova (actual Via Garibaldi).

Ora, no primeiro piso da fachada deste palácio, os frontões das janelas são formados por mascarões entre volutas, que, segundo a interpretação de Piera Ciliberto, correspondem justamente à teoria humoral. A mesma autora, especializada no estudo desta iconografia em particular, destaca a raridade do

71 Cesare Ripa fixou a iconografia da teoria dos humores, agrupando os quatro na categoria Complessioni , na sua célebre e influente obra Iconologia , publicada em Roma pela primeira vez em 1593. Ripa 1992, 61-64. As características fisionómicas dos quatro humores são as seguintes: a) humor melancólico , semblante triste, olhos vazios e boca arqueada para baixo, sobre a qual se dispõe uma faixa que completa a cartela rollwerk em que o mascarão se enquadra («averà cinta la bocca da una benda»); b) humor fleumático , olhar impassível e penetrante, encoberto pelo sobrolho e por um pano atado à cabeça que cai sobre a testa («testa china, la quale sai cinta d’un panno negro, che gli cupra quasi gl’occhi»); c) humor colérico , olhar altivo e desafiador («sguardo fiero»), boca entreaberta deixando ver dois dentes, como um leão (seu atributo, «un feroce Leone») mostrando animosidade («con protezza di voler combattere»); d) humor sanguíneo , rosto sorridente com ramagens coroando a cabeça, em substituição das guirlandas de flores referidas por Ripa («giovane allegro, ridente, com una ghirlanda di varij fiori in capo»).

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34-37| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, mascarões dos portais da sacristia (1622-24). Teoria dos humores: melancólico , fleumático , colérico e sanguíneo . © Fotos da autora

38-41| Palazzo Doria-Tursi, Génova, mascarões das janelas do 1º piso (Taddeo Carlone, 1575; encomenda de Nicolò Grimaldi). Teoria dos humores: melancólico , fleumático , colérico e sanguíneo . © Fotos da autora

66 conjunto e a influência que o dispositivo decorativo exerceu na região, embora sem a carga alegórica original 72 . Como chegou este modelo do Maneirismo genovês, de importação lombarda, a Coimbra? A resposta a tal questão deve ser vista à luz da encomenda e da possível autoria do projecto.

Os trabalhos de construção da sacristia terão tido início em 1621, altura em que se procedeu à controversa demolição da sala primitiva, que, segundo o parecer dos «arquitectos», colocava em risco a estabilidade estrutural da capela- mor, com a qual confinava. Nicolau de Santa Maria atribuiu ao empenho do prior geral a concretização do empreendimento, ordenando a demolição definitiva:

«Foi de espírito generoso, como mostrou na obra da Sacristia nova do mosteiro de Santa Cruz, que empreendeu e levou ao fim, contra o parecer dos arquitectos, que diziam se derrubasse a sacristia velha, a que estava encostada à capela mor da igreja, que havia de cair a capela: porém o prior geral lhes tirou este receio com boas e evidentes razões, e a experiência mostrou que os arquitectos se enganavam, porque derrubada sacristia velha, ficou a capela mor em pé, sem render por parte alguma»73 .

Nesta época, as obras do mosteiro resultavam, habitualmente, da iniciativa colectiva: propostas pelo prior geral, elas eram votadas nas reuniões do capítulo. Todavia, as actas, cujos originais tive oportunidade de consultar 74 , não registam qualquer decisão a respeito da nova sacristia, a não ser que o mosteiro ficasse desobrigado das obras ordenadas pelos visitadores, face aos gastos com a nova sacristia que se estava a construir 75 . Sabe-se também que um dos principais

72 Ciliberto 2003. As esculturas, executadas cerca de 1575, estão atribuídas a Taddeo Carlone, escultor activo em Génova desde 1571 até ao final da sua carreira, trabalhando para a aristocracia local e, através desta, para a nobreza espanhola. Este estudo resultou da tese de Paola Ciliberto apresentada à Universita degli Studi di Genova, em 1999/2000, e intitulada I quattro temperamenti: raffigurazioni e modelli . 73 Santa Maria 1668, II 378. 74 ANTT, Fundo do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra , lv. 95 e mç. de livros 8. 75 «Os padres visitadores deste mosteiro de Santa Cruz na visitação do meio do triénio houveram por desobrigado ao padre geral das obras que lhe estavam mandadas fazer na visitação passada

67 dinamizadores deste empreendimento, além do prior geral D. António da Cruz, foi o cónego D. Pedro, camarário do mosteiro, a quem devia caber a responsabilidade da gestão das obras.

«Correu com ele D. Pedro Camerareo homem notável em obras e de muito talento o qual fez quase todas as boas que há nesta casa, com muita satisfação de todos por lhe luzir muito o dinheiro nas mãos, e fazer com pouco o que outros não fazem com muito»76 .

Assim, no mês de Julho de 1622 77 a nova sacristia começou a erguer-se, ficando finalmente concluída por volta de 1624. O seu risco anda tradicionalmente atribuído a Pedro Nunes Tinoco, em virtude de o seu nome surgir referido num manuscrito da autoria de D. José de Cristo, datado de 1623- 33. O cronista testemunha na primeira pessoa: «eu vi um grande mestre de Lisboa que veio para fazer a sacristia nova a quem chamam o Tinoco»78 . Ora, subscrevendo a opinião de Miguel Soromenho, a intervenção deste arquitecto só pode ser situada numa direcção circunstancial da construção, considerando o catálogo das suas obras de nível e alcance muito inferiores a esta 79 .

por respeito da muita despesa que se faz e há-de fazer na obra da sacristia e pera lembrança me pediram a mim Dom Cristóvão secretário fizesse esta, [E F] no demais se guarde e cumpra a carta da visitação passada [a S] tudo fiz por assim mo mandarem e por certeza se assinaram aqui todos três em os 24 de Outubro 622 Dom Cristóvão secretário o fiz» [assinam: D. Lourenço do Espírito Santo visitador; D. Pantaleão da Cruz visitador; D. Ambrósio dos Reis definidor] ANTT, Fundo do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra , mç. de livros 8, Autos do Capítulo privado que se celebrou no mosteiro de Santa Cruz em o meio do triénio do R. mo P. e Geral Dom António da Cruz em o qual ele presidiu, com o P. e substituto Dom Francisco das Neves, e Pes Colegas Dom Cristóvão de S. João, e Dom Bartolomeu da Visitação, e Pes Visitadores Dom Lourenço do Espírito Santo Dom Pantaleão da Cruz, e Dom Ambrósio dos Reis todos definidores em os 21 dias do mês de Novembro de 1622 anos, fl. 4v (inédito). 76 BPMP, Ms. 86, I, fl. 51v. 77 BPMP, Ms. 86, 52v. Transcr. em Carvalho 1932, 26 e Correia 1946 (1935), 248. 78 BPMP, Ms. 86, 51. Transcr. em Carvalho 1932, 23 e Correia 1946 (1935), 251. 79 Soromenho 1995, 390-91. À época em que se deslocou a Coimbra, Pedro Nunes Tinoco havia traçado a igreja do mosteiro de Santa Clara de Lisboa (1613), o mosteiro de Santa Marta de Lisboa (1616-36), a capela-mor do convento do Salvador em Lisboa (1616-17), e a sepultura de D. Brites Brandoa no mosteiro de Santo António da Lourinhã (1618-19). Serrão 1977.

68 O mesmo cronista, aliás, refere noutro ponto do seu texto, que a sacristia foi feita «por traço de um mestre de Lisboa que a isso veio», devendo tratar-se seguramente de outro arquitecto cujo nome não identifica. Os planos teriam, necessariamente, de ser anteriores à ida de Pedro Nunes a Coimbra, ocorrida já por altura da construção e em contexto de outro encargo que lhe foi incumbido, o de dar opinião sobre o orçamento e traças de uma provisão sobre as pontes e caminhos da cidade 80 . Quando muito, Tinoco terá levado planos de pormenor ao mosteiro e se a ele se pode atribuir algum risco na sacristia de Santa Cruz será o do lavabo, de desenho serôdio e pouco elegante, mais conforme ao tipo de arquitectura que realizou.

Ainda não foi notado, porém, o significado da intervenção de um arquitecto régio nesta obra em particular. Tal não sucedeu, por exemplo, com a capela de São Teotónio acrescentada à sala do capítulo em 1582, que foi entregue ao mestre Tomé Velho, e cujo arco foi construído de novo em 1627-30. Ora, a vinda de um arquitecto oficial da Coroa 81 coloca a obra da sacristia na esfera do patrocínio régio. Patrocínio este que deve ser compreendido no prolongamento da iniciativa de refundação do mosteiro crúzio da capital. Os cónegos terão apelado ao rei que atendesse à beneficiação do mosteiro de Santa Cruz, provavelmente invocando a sua importância na história da fundação do Reino de Portugal 82 . E o mecenato régio materializou-se com o encargo de um dos arquitectos oficiais na elaboração do projecto. Os planos foram remetidos, então, de Lisboa trazidos em mão por Tinoco. Por esta razão, a concepção da sacristia sai fora do âmbito estrito da encomenda do mosteiro e do círculo artístico de Coimbra.

80 Viterbo 1988, III 121-22. 81 Pedro Nunes Tinoco ocupou um dos três lugares de aprendiz na Aula do Paço da Ribeira em 1604; em 1620, assumiu o cargo de arquitecto do Priorado do Crato e, quatro anos depois substituiu Baltazar Álvares no cargo de arquitecto do mosteiro de São Vicente de Fora. 82 A emergência da individualização dos monumentos ligados à identidade nacional é estudada num interessante artigo de Paulo Varela Gomes (2007c), que a situa na transição do século XVI para o XVII, nomeadamente com a publicação das obras Diálogos de vária história (Pedro de Mariz, 1594) e Monarquia Lusitana (Frei Bernardo de Brito e Frei António Brandão, 1597-1632), nas quais se lista o mosteiro de Santa Cruz entre os «monumentos pátrios» ( Idem , 321-22).

69 E a pergunta impõe-se: quem terá sido afinal o autor do projecto? O responsável pela elaboração do plano definitivo de São Vicente de Fora foi, como recordei atrás, Baltazar Álvares, arquitecto régio que, até à sua morte, se ocupou da fábrica do mosteiro crúzio de Lisboa. Faz, por isso, todo o sentido admitir que tenha dado também a traça para a obra de Santa Cruz, casa-mãe dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, sendo aliás dos poucos arquitectos portugueses nessa época, se não o único, capaz de a conceber.

Além disso, Baltazar não era estranho a Coimbra, estando-lhe atribuídas a autoria projectual do colégio de São Bento (1576) e da igreja jesuíta das Onze Mil Virgens (1598) 83 . Aliás, o desenho do remate da fachada desta última foi já equiparado por Paulo Varela Gomes ao mesmo partido ornamental da sacristia crúzia 84 . Em 1622, apenas a dois anos de falecer, Álvares estaria sobrecarregado com as imensas responsabilidades que acumulava e cansado para empreender a viagem até às margens do Mondego 85 . Pelo que poderá ter sido Pedro Nunes, que aliás o veio a substituir no cargo de mestre das obras de São Vicente, quem entregou o plano e orientou pontualmente a construção.

Álvares foi, da sua geração, o nosso melhor intérprete do classicismo, cuja lição aprendeu na sua estadia em Itália realizada entre 1575 e 1578 86 . Nessa viagem terá passado por Génova, maior porto de entrada na península itálica, onde colheu alguns dos principais modelos que iriam ter influência determinante

83 A primeira atribuição feita com base documental (Kubler 1988, 137) e a segunda consensualmente proposta e aceite pela historiografia (Santos 1970; Correia 1986; Martins 1994; Soromenho 1995; Branco 2008). 84 «O remate da igreja jesuíta, o arco triunfal das festas de 1622 e a sacristia nova de Santa Cruz partilharão o mesmo partido ornamental e mesmo projectista, ainda por identificar». Gomes 2007c, 321. Apesar de concluído mais tarde, no remate do frontispício encontramos glosados dois motivos decorativos da sacristia: a voluta de acanto e as carrancas, embora estas com outro valor iconológico. Como nota o mesmo autor, o desenho da fachada da igreja jesuíta de Coimbra deve datar da década de 1620, tendo sido até provavelmente a inspiração do arco triunfal que se ergueu em frente ao colégio por ocasião das festas de canonização de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier. Idem , 319-21. 85 Terá sido, talvez, até pela razão da sua morte que o acabamento da fachada exterior é tão desordenado e as casas do lavabo e do tesouro seguiram um projecto distinto do da sala principal. 86 Moreira 1986, 150.

70 nas obras que projectou. Como já foi assinalado, existem semelhanças indiscutíveis entre as fachadas da igreja vicentina e da Villa Cambiaso (Galeazzo Alessi, 1548) 87 . A comprovar-se, de facto, a sua passagem pela cidade da Ligúria, o arquitecto português não teria deixado de conhecer a Strada Nuova e de admirar o Palazzo Doria Tursi, decorado com os tais mascarões nos frontões das janelas do primeiro piso, que poderão mesmo ter sido o modelo para os usados nos portais da sacristia de Santa Cruz de Coimbra, dada a manifesta proximidade formal entre as duas soluções. Um indício de que o uso das carrancas e da citação da teoria humoral terá sido uma opção pessoal do arquitecto é o facto de os cronistas crúzios, nas descrições do remate dos portais, não fazerem referência ao seu significado iconológico.

Acresce ainda a semelhança da ambiência interior da sacristia crúzia com a da Sala Regia do Palácio Apostólico, em Roma – encomendada em 1538 pelo papa Paulo III a Antonio da Sangallo, o Novo (1485-1546) e concluída em 1573 –, que Álvares também pode ter conhecido. A Sala Regia é um espaço magnífico, coberto por uma sumptuosa abóbada de caixotões geométricos estucada por Perino del Vaga (cujo desenho também se reflecte na decoração do piso) e

42| Palácio Apostólico em Roma, Sala Regia (Antonio da Sangallo, 1538-73; patrocínio do papa Paulo III). © Victor Boswel / National Geographic

87 Branco 2008, 110.

71 iluminado por grandes janelas termais nos topos, tal como na sacristia de Santa Cruz. Esta câmara tinha, originalmente, funções de representação oficial, funcionando como a principal sala de audiências do papa. Seria, à época, uma das mais sumptuosas salas de recepção da Europa, na apreciação de Christoph Frommel, respondendo à crescente necessidade de apresentação pública dos pontífices em cenários adequados à dimensão do seu poder 88 .

Embora a sacristia de Santa Cruz fizesse parte dos espaços de clausura do mosteiro, logo interdita à entrada de leigos, ela era um dos pontos principais do circuito da visita oficial orientada pelos cónegos aos altos dignitários que se deslocavam a Santa Cruz. O que se devia à relação que mantinha, desde o início do século XVI, com a capela das relíquias, prosseguida com a construção anexa da casa do oratório. Daí que, em parte, a nova sacristia pudesse ter sido considerada como espaço de representação oficial, com uma dimensão de recepção pública, fazendo sentido, também por essa razão, o aparato e a monumentalidade que presidiram ao seu planeamento e construção.

Por tudo isto, não colhe a atribuição da sacristia de Santa Cruz a Pedro Nunes Tinoco, até porque nunca revelou particular erudição no campo da arquitectura clássica em nenhuma das suas obras conhecidas 89 . É certo que a singularidade da obra beneficiou do melhor desempenho dos mestres canteiros de Coimbra, constituindo o ponto alto de um percurso que, desde as capelas das igrejas do convento de São Domingos e do colégio de São Bento à sacristia da Sé,

88 Frommel 2007, 143. 89 A intuição perspicaz de Albrecht Haupt e Walter Crum Watson levou-os a concluir que a sacristia teria sido ideada «por um mestre português, seguidor dos Álvares» (Haupt 1985, 216) e que «the architect of this sacristy has followed much more closely the good Italian forms introduced by Terzi» (Watson 1908, 258). No entanto, desde a revelação da informação documental por Joaquim Teixeira de Carvalho (1932, 23), a atribuição da sacristia a Pedro Nunes Tinoco tem vindo a ser sistematicamente repetida pela historiografia da arte. A crítica a esta atribuição só surgiu com Miguel Soromenho (1995, 390-91), o qual é de opinião que a autoria de Tinoco deve «ser revista e enquadrada num apoio circunstancial à obra que ali decorria».

72 valorizou o potencial decorativo da pedra esculpida em ornamento. Mas, tal não é suficiente para justificar a exemplaridade deste espaço 90 .

Neste sentido, a sua autoria só pode estar relacionada com um arquitecto que tivesse um conhecimento actualizado dos modelos italianos e o domínio pleno do sistema e linguagem clássica, ao ponto de poder jogar com o cânone para dar solução a problemas de planeamento. Tal como, a título de exemplo, se verifica no remate abreviado das pilastras, uma invenzione tipicamente maneirista que permitiu a dupla serventia para a capela-mor e para a sala do capítulo num dos cantos da sacristia.

Por todos os motivos, a sacristia do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra revela-se como um espaço extraordinário, que se destaca do conjunto das sacristias portuguesas, tendo merecido desde a altura da sua conclusão o interesse elogioso de quantos por ali foram passando. E a este propósito, Frei Nicolau de Santa Maria, para dar relevo à monumentalidade da empresa crúzia, cita a impressão positiva que levou o italiano Giovanni Battista Maria Pallotta (1594-1668) – colector apostólico em Portugal entre Junho de 1624 e Junho de 1626 – depois da sua passagem pelo mosteiro:

«diremos como Historiador as cousas por maior, ainda que com esta breve relação se diminua a fama deste edifício, que por parecer dos que tem visto, e considerado tudo o bom da Europa, é o mais perfeito neste género de Sacristia, como vindo-a ver a Coimbra o Eminentíssimo Cardeal Palloto, sendo Colector deste Reino o afirmou» 91 .

Ao nível da organização planimétrica e multiplicação das suas divisões a sacristia de Santa Cruz representa um caso único, sem consequências, mas nela se pode reconhecer, como nos restantes exemplares do modelo do classicismo

90 Maria de Lurdes Craveiro (2002 e 2011c), embora corrobore a opinião de M. Soromenho, destaca a possibilidade do protagonismo no desenho do mestre Manuel João († 1628), que era mestre das obras da cidade de Coimbra (apontado em 1619) e que correu com a obra da sacristia crúzia – o que parece muito pouco provável em face das razões já aduzidas. 91 Santa Maria 1668, II 96.

73 atrás apresentados, o pleno amadurecimento da tipologia, que veio a ter eco nas realizações materializadas no período do Barroco.

Embora as consequências da influência deste modelo se façam notar ainda no período Pós-Restauração, com as sacristias da Sé e do convento de São Domingos de Lisboa (atrib. Marcos de Magalhães, 1649 e 1664), foi sobretudo no final de Seiscentos que se retomou o partido do classicismo. Como bem estudou Kubler, após o abrandamento dos grandes programas e da actividade construtiva impulsionada nas primeiras décadas da União Dual, as guerras da Restauração significaram, praticamente, o domínio da austeridade sobre os ciclos construtivos da arquitectura religiosa e civil.

Só a partir de 1680 se regressou a formulários mais inventivos, proporcionados por uma situação política mais estável e por circunstâncias económicas mais favoráveis ao patrocínio e ao mecenato arquitectónico. Nos reinados de D. Pedro II e D. João V ergueram-se, então, três das mais solenes sacristias portuguesas: a do colégio jesuíta de Santo Antão-o-Novo, a da Sé de Braga (patrocinada pelo arcebispo D. João de Sousa) e a do Convento de Mafra. Nestes três exemplares regista-se a ascendência do modelo clássico experimentado nos cenóbios do período filipino, que deve ter relação directa com o facto de a fábrica da sacristia de São Vicente de Fora estar em curso nesse preciso momento (1688-1716).

Assim, na transição do século XVII para o XVIII, tiveram lugar as notáveis realizações do Colégio de Santo Antão-o-Novo e da Sé de Braga, ambas da autoria do arquitecto João Antunes 92 . Os dois projectos, que datam de 1696 e 1698, respectivamente, aproximam-se no tratamento dos alçados de cantaria, divididos por pilastras monumentais (coríntias em Santo Antão e compósitas na Sé bracarense) de fuste estriado sustentando entablamentos hiper-balançados

92 Carvalho 1964 e Smith 1970.

74 onde descarregam as abóbadas de caixotões. Comparativamente, a organização do espaço é sensivelmente a mesma: capelas nos topos; disposição dos arcazes a todo o corrimento dos alçados laterais; integração das peças utilitárias (armários embutidos e lavabos) nos paramentos murários dos extremos; iluminação feita por janelas numa das paredes laterais e por óculo nos topos.

43| Sé de Braga, sacristia (João Antunes, 44| Colégio de Santo Antão-o-Novo, sacristia (João 1698; patrocínio do arcebispo D. João de Antunes, 1696; patrocínio – legado de D. Filipa de Sousa). Sá, condessa de Linhares). © Publ. O limiar do Barroco , coord. Carlos © Foto da autora Moura. vol. 8 da História da Arte em Portugal , 49. Lisboa: Publicações Alfa, 1993.

No colégio jesuíta, a maior sacristia do País é ainda valorizada pela policromia dos mármores que acentuam os elementos arquitectónicos do espaço, bem como pelo piso de motivos geométricos e composições vegetalistas. Refira-se que as tabelas do registo inferior dos alçados laterais, entre as pilastras, constituem não só o embasamento dos mesmos (como sucede nas sacristias de São Vicente de Fora, de Santa Cruz e, depois, da Sé de Braga e da Basílica de Mafra), como o próprio “espaldar” dos arcazes, albergando pintura, de mão certamente italiana, com os passos da vida da Virgem 93 . A configuração do muro

93 Paralelamente, as grandes telas que retratam Santo Inácio de Loyola preenchem os retábulos pétreos das capelas. Estes retábulos, bem como os sumptuosos lavabos (de formas bem distintas das dos lavatórios da Sé, em granito pintado), denotam um desenho mais tardio, possivelmente das décadas de 1740-50, com recurso a grinaldas e festões, que é atribuído, por Aires de

75 acima deste nível considerou a exposição de escultura em nichos, enquanto na Sé de Braga, o espaço é reservado a pintura.

Ainda sobre a sala do colégio lisboeta (actualmente, capela do Hospital de São José), é significativa a consideração feita, em carta ânua da Companhia de Jesus (1724-1733), sobre os trabalhos da mesma que merecem notados encómios: «Iniciada há trinta e três anos, a sacristia da nova igreja, atingiu a sua perfeição e pode muito bem ser considerada como a primeira e a mais importante, não só pelos materiais utilizados como pelas proporções e amplidão de espaço»94 .

Por sua vez, a sacristia do Convento de Mafra (1730-37) encontra disposição claramente idêntica à da sacristia vicentina, com capela no topo enquadrada por vãos de acesso a pequenas dependências. Na sala contígua, situam-se os dois lavabos, peças de traço vigoroso e ostensivo, que traduzem, no seu gigantismo, a retórica teatral do Barroco. O desenho da arquitectura da sacristia enquadra-se no classicismo de influência romana que orientou toda a concepção do monumento. E o seu planeamento submete-se à disposição planimétrica do esquema geral do edifício, que a situa orientada para a capela- mor mas apartada desta, definindo uma ala de um dos claustros tal como em São Vicente e em São Bento da Saúde.

O sentido de adequação da sacristia aos propósitos funcionais da tipologia foi, aliás, uma das preocupações do rei D. João V, o mecenas do complexo mafrense, que procurou manter-se actualizado através de vários pedidos urgentes de informação detalhada remetidos a Roma, no início de 1730, acerca das:

Carvalho, a João Frederico Ludovice, artista responsável pelo sacrário da igreja. Todavia, o carácter festivo e feminil da ornamentação cria algumas reservas quanto a esta atribuição, em face do estilo desse arquitecto que se funda no Alto Barroco romano e num discurso muito mais intelectualizado do classicismo. Carvalho 1964, 21. 94 ARSI, Lusitania, Litterae Annuae (Quadrimestrales) - 54, fls. 250v-252. Martins 1994, I 425.

76 «sacristias mais modernas e de melhores acomodações, como são as das Igreja Nova, de Santo Inácio, Santo André de Monte Cavalo [i.e. Santo Andrea al Quirinale], Santa Maria Maior etc. e feitas estas, se irá seguindo a mesma Comissão por todas as mais de Roma […] Procura-se com toda a pressa uma planta alçado dos lados, e alçado dos topos das sacristias mais modernas e de melhores cómodos [...] não só pelo que pertence a guardar todos os paramentos, livros, peças preciosas, móveis da igreja, como castiçais cruzes cera etc. mas também pelo que respeita ao uso dos sacerdotes que houverem de revestir-se para celebrarem missa, como são confessionários, altar para rezarem, genuflexórios, lavatórios para antes da missa e depois da missa, sendo diversos» 95 .

45 | Convento de Mafra, sacristia (João Frederico Ludovice, 1730-37; patrocínio do rei D. João V). © www.palaciomafra.pt

Meses mais tarde, encomendava-se também mobiliário para a sacristia segundo os modelos italianos, em particular os do Vaticano. Pese embora toda esta busca pelas «sacristias mais modernas» romanas, o certo é que o modelo da

95 Carta de José Correia de Abreu endereçada ao embaixador português em Roma, Frei José Maria da Fonseca e Évora, datada de 19 de Janeiro de 1730. Publ. Carvalho 1962, II 402-03. Sobre a encomenda joanina veja-se Pimentel 2002 (1992).

77 sala principal da sacristia de Mafra, bem como dos arcazes que a mobilam 96 , é o português. De facto, não se verifica qualquer influência dos exemplares mencionados na correspondência de José Correia Abreu, oficial da corte, para o embaixador em Roma. Pelo contrário, a ascendência da planta e dos alçados da sacristia do mosteiro de São Vicente de Fora é bastante evidente – também ela, em determinado momento, objecto do patrocínio de D. João V, como indicia o baixo-relevo com o seu busto sobre o portal. É interessante que, na procura de entre os exemplares mais conseguidos e notáveis, a escolha do tipo adequado de sacristia tenha recaído justamente no modelo do classicismo inaugurado em Portugal no início do período filipino.

Deste percurso pelas sacristias portuguesas, constata-se que, de uma maneira geral, a tipologia só alcançou plena identidade no período pós- tridentino e, sobretudo, nas primeiras décadas da União Ibérica. Inicialmente, a arquitectura foi concebida de maneira autónoma da disposição funcional, esta conseguida pela introdução a posteriori das peças ligadas ao serviço da sala combinadas com programas decorativos que conferiram unidade e luzimento aos interiores. Assim, paulatinamente, se foram experimentando diferentes disposições até chegar a modelos acabados, caracterizados pela orientação da sala para uma capela ou altar; pelo amadurecimento dos tipos específicos de móveis e sua distribuição ao longo dos alçados laterais (arcazes) ou encastramento em vãos (armários); pela integração do lavabo em áreas definidas (no espaço da sacristia ou em divisões anexas); e pela exposição de iconografia.

96 Realizados por Félix Vicente de Almeida, mestre entalhador da Casa Real, os arcazes da sacristia da Basílica de Mafra diferem da tipologia italiana, na medida em que esta privilegiou os paramenteiros de dois corpos (arcazes de gavetões com grandes armários desenvolvidos no alçado superior), como aliás se refere na carta enviada para Roma: «Mandará V. Rma fazer um caixão de ornamentos com os seus armários em cima para os vasos sacros, semelhantes em tudo, e por tudo ao que costumava mandar fazer o papa Bento XIII para as sacristias e capelas secretas do palácio». Carta de José Correia de Abreu endereçada ao embaixador português em Roma, Frei José Maria da Fonseca e Évora, datada de 20 de Junho de 1730. Publ. Carvalho 1962, II 409.

78 A identidade da sacristia acabou por se definir numa destas soluções, a partir dos elementos ornamentais apostos sobre a arquitectura, segundo programas mais ou menos coerentes enquadrados na tradição portuguesa de decoração de interiores até Setecentos. Guarnecendo uma arquitectura, frequentemente, pobre e chã, o mobiliário, a talha, o azulejo e a pintura funcionaram como agentes promotores de espaços cromaticamente vibrantes e formalmente agitados, sobredimensionando alçados lisos e estáticos. Como tive oportunidade de demonstrar noutra ocasião 97 , esta solução foi, aliás, a que teve mais fortuna no nosso País ao longo dos séculos XVII e XVIII, permitindo a remodelação e actualização de salas pré-existentes de acordo com o gosto e os dispositivos decorativos vigentes em cada época.

O modelo do classicismo foi, porém, aquele onde melhor se concretizou a tipologia, com projectos de arquitectura que consideraram, previamente, todos os atributos e elementos relacionados com a sacristia. Recordando Robert Smith, «a fórmula, que repete em miniatura o esquema da nave das principais igrejas da época, encontra-se, esplendidamente desenvolvida, em toda uma série de sacristias imponentes» 98 .

A nova concepção espacial, que se aproxima dos arquétipos renascentistas italianos, só foi possível com a especialização dos diferentes componentes – tipologias de mobiliário, lavabo, capela – tardiamente introduzidos e fixados em Portugal, ao contrário do que sucedeu em Itália e Espanha, como se viu. Cada elemento agia, assim, como um módulo específico enquadrado nos projectos concebidos segundo o sistema clássico da arquitectura. Evidentemente, tais realizações beneficiaram da introdução e desenvolvimento do classicismo e da criatividade de alguns dos seus principais agentes.

97 Marques 2007a. 98 Smith 1970, 8-10.

79 Paralelamente, o lugar de importância que a sacristia encontrou na Época Moderna foi, decisivamente, impulsionado pelo longo processo da Reforma Católica. A restauração do culto e a exortação ao decoro na liturgia determinaram a sua valorização como um dos principais anexos das igrejas, decorrendo desta reflexão a responsabilização do clero em assegurar o cumprimento das orientações agora em vigor. Sobretudo, através da normalização de regras, ainda que sintéticas, quanto à arquitectura eclesial nos instrumentos legais das dioceses, como da fiscalização obrigatória das condições em que se celebrava em qualquer oratório, capela ou igreja dos bispados. Em Portugal este factor foi determinante para a consciencialização da necessidade de sacristias adequadas à importância das igrejas que serviam, nomeadamente as catedrais. E porque estas questões são centrais para o entendimento da encomenda da arquitectura religiosa, elas serão objecto de desenvolvimento aprofundado nos capítulos seguintes.

80 capítulo 2 Arquitectura e Reforma Católica. A normalização do espaço da sacristia pela Igreja

O Concílio de Trento (1545-1563), episódio central no movimento da Reforma Católica, tem sido considerado um marco de mudança no âmbito disciplinar da arquitectura. Embora a orientação fundamental do concílio tenha visado as questões dogmáticas da fé e os aspectos disciplinares do clero, também se consideraram as matérias relacionadas com a arte ao serviço do culto. Nomeadamente, em resposta à polémica desencadeada pela crítica protestante, o uso imagem surgiu reforçado de Trento como instrumento de persuasão e exegese da fé apostólica romana. Tal debate motivou o bem conhecido decreto tridentino que veio a originar, posteriormente, uma série de textos sobre o tema em Itália e na Flandres.

Ao contrário do que sucedeu com as artes figurativas, a literatura artística sobre a arquitectura religiosa não teve, porém, particular desenvolvimento. O que em parte se relaciona com a inexistência de questões polémicas que obrigassem ao debate e a fundamentação adequada por parte da Igreja Católica. Pelo que as instruções conciliares a respeito da arquitectura foram essencialmente genéricas, limitando-se, por exemplo, a recomendar a existência de baptistérios nas igrejas paroquiais, o cuidado particular com o altar-mor e a dignidade na exposição da Sagrada Eucaristia 99 .

Não obstante a falta de teorização, o período pós-conciliar caracterizou- se por uma reflexão de fundo, operada no meio eclesiástico, que transferiu o enfoque essencial da arquitectura para a «radicalização» do seu sentido

99 Scotti 1972, 57.

81 religioso 100 . Ou seja, a arquitectura passou a estar ao serviço do culto e a ser pensada para a participação devota dos fiéis, orientada por um código unívoco de leitura que determinou os repertórios construtivos.

A afirmação da posição doutrinal da Igreja, amadurecida ao longo do período tridentino, deu fôlego a um conjunto de novas exigências litúrgicas e funcionais que tiveram impacte directo na arquitectura eclesial. Assim, a valorização do culto eucarístico e da prédica determinou a preocupação fundamental com a visibilidade do altar-mor e a unidade do espaço interno da igreja. Tal preocupação conduziu não só a alterações significativas nos edifícios existentes – como a eliminação dos coros baixos e da tumulária nas naves e a introdução dos púlpitos –, como à pesquisa das mais adequadas soluções espaciais para as igrejas que se faziam de novo.

Este processo compreendeu, igualmente, a redefinição dos espaços litúrgicos, dos percursos, de recíprocas relações hierárquicas, com fim ao decoro do culto e à elevação moral dos fiéis. Como salienta Stefano della Torre, a reflexão sobre estas matérias efectuou-se, sobretudo, no período pós-conciliar e foi sistematizada e fixada, em particular, pelos instrumentos legislativos resultantes dos sucessivos concílios provinciais, sínodos diocesanos e visitas pastorais realizados nos países católicos 101 . Inspirados nos princípios tridentinos de decoro do ritual litúrgico e de austeridade moral, as arquidioceses e os bispados foram responsáveis pela elaboração de normas particulares à arquitectura, que visaram a reforma e uniformização das igrejas da sua jurisdição.

Tratou-se, pois, de uma alteração fundamental no domínio das responsabilidades do clero secular, que devia agora ter em maior atenção os edifícios do culto. Tal viria a concretizar-se através da realização regular (tanto quanto possível) das visitações pastorais, em parte com vista à fiscalização do

100 Ceballos 1980, 635. 101 Della Torre 1997a, 409.

82 estado de conservação das construções e à determinação dos programas de obras a serem realizados. Uma política de controlo, desde muito cedo, praticada pelas ordens religiosas, que exercitavam uma forte influência sobre as imposições arquitectónicas das suas igrejas, e que agora se alargava (ou se pretendia alargar) à esfera secular 102 .

Ao nível formal, a expressão austera e racional, frequentemente associada à arquitectura da Reforma e atribuída ao espírito tridentino, teve também na sua origem razões pragmáticas. Razões condicionadas por uma intervenção reformadora, dirigida em diversas frentes e pelo enorme esforço económico exigido pela renovação dos edifícios. A par desta «tendência pauperística e desadornada», não deixaram de se realizar encomendas no sentido da magnificência. Aparentemente fora de tempo, a grandeza e sumptuosidade de uma obra ao serviço do culto divino emparelhava, na verdade, com o ideal tridentino da Igreja Triunfante, na mesma medida que a vertente modesta exaltava o da Igreja Militante. Sucedeu, por vezes, conviverem no mesmo edifício as duas modalidades expressivas, estabelecendo leituras hierarquizadas das diferentes partes das igrejas. Sobretudo, além do regresso a uma singeleza consentânea com os valores originais do Cristianismo, o que efectivamente se procurou foi o controlo de abusos e do desvio dos réditos destinados à gestão das dioceses e à prática da caridade para empresas artísticas promovidas pelo alto-clero, com vista à glorificação do seu estatuto pessoal, mais do que em benefício do culto e do ornato das suas igrejas 103 .

A arquitectura da Reforma Católica – especialmente no período pós- tridentino – constitui um campo plural de estudo, pela variedade de tendências e de soluções que compreendeu. Conviveram, em paralelo, o classicismo maduro que, como explicou Manfredo Tafuri, ensaiou o objecto arquitectónico como discurso autónomo, válido em si mesmo e independente do sistema de

102 Ackerman 1977b, 151-52. 103 Della Torre 1997a e 1997b.

83 significados; o classicismo tridentino, que adoptou o sistema clássico e cristianizou as ordens; e o sintetismo, corrente identificada e valorizada por Sandro Benedetti, que se caracterizou por uma arquitectura marcada pela tal austeridade funcional e racional e que foi regulamentada para viabilizar a concretização dos planos, ou por se adequar à função de determinados edifícios ou à ideologia de pobreza das instituições, como sucedeu no caso dos colégios da Companhia de Jesus e dos conventos dos Carmelitas Descalços.

Neste quadro, incluem-se ainda outras realizações ligadas às tradições construtivas vernaculares, fundamentadas no saber empírico consolidado pela prática dos mestres construtores locais. Esta expressão, com pouca ou nenhuma relação com o partido do classicismo, teve particular relevância no espaço português, como demonstrou George Kubler a partir da introdução do conceito operativo de «estilo chão». Como sintetizou o mesmo autor:

«tanto o Maneirismo como a Arte Tridentina significam a inclusão de aspectos opostos: ornamentação excessiva e simplicidade austera; excesso emocional e disciplina rigorosa; uniformidade e variedade; liberdade e obediência – mas as realidades da tradição regional e as necessidades locais são obscurecidas pela rigidez classificante destas noções de estilo, que procuram transcender simultaneamente o regionalismo e as exigências de cada momento histórico» 104 .

Neste sentido, e sobretudo para o período em questão, importa atender não só às questões formais e estéticas propostas por artistas e arquitectos, como às razões concretas e funcionais a que os seus projectos procuraram dar resposta, ao debate sobre o sentido da arquitectura eclesial e o papel dos comitentes na discussão do programa 105 . A reorientação da historiografia segundo esta metodologia interpretativa, proposta e defendida por alguns dos mais conceituados historiadores da arquitectura, é fundamental para

104 Kubler 1988, 59. 105 Ackerman 1977b, 152 e 162.

84 caracterizar e compreender a realidade complexa do período pós-Trento. E só a partir deste denominador comum se podem enquadrar e valorizar as diversas manifestações e soluções arquitectónicas. Como explica Della Torre, o enfoque deve centrar-se, pois, na Reforma Católica, mas «una riforma cattolica opera di una pluralità di soggeti e tendenze, e non riducibile all’opera e all’influenza dei soli indiscussi protagonisti» 106 .

Um excelente exemplo desta diversidade encontra-se na pesquisa do tipo ideal de planta de igreja desenvolvida na segunda metade do século XVI. A sua concepção resultou do debate coevo sobre as necessidades da liturgia, mas o seu protótipo encontra-se em propostas planimétricas ensaiadas desde o final do século XV. Surgiram, em simultâneo, modelos que cristalizaram essa solução agora perfeitamente adequada ao culto restaurado. Embora de modo menos sistemático e sem efeitos tão plurais, além dos planos das igrejas propriamente ditas, foram também considerados os seus anexos, em que a sacristia se incluiu, desejavelmente integrados de forma funcional e clara.

Um exemplo notável do Quattrocento no tocante à articulação dos espaços, que ilustra singularmente o início da renovação litúrgica no plano das igrejas e se tornou arquétipo desta solução ideal, foi há alguns anos atrás identificado por James Ackerman. Trata-se da planta de uma igreja de Florença, já desaparecida, atribuída a Giuliano da Sangallo e datável de 1480-90, caracterizada por nave única ladeada por capelas cripto-colaterais, cujos passadiços desembocam nas sacristias que flanqueiam a capela-mor. Este dispositivo foi, como se sabe, muito seguido nas igrejas do final do século XVI, permitindo o acesso às capelas da nave directamente da sacristia sem distrair a assembleia dos fiéis da celebração principal 107 . Por outro lado, a discrição das entradas e saídas da sacristia assegurava maior dignidade ao culto, sem vulgarizar a preparação e encerramento das cerimónias.

106 Della Torre 1997a, 420. 107 Ackerman 1977a, 148-50.

85 Também em Portugal se chegou ao espaço unificado, mas por outra via, indo buscar os referentes às realizações do período tardo-medieval e joanino. Em particular às igrejas de São Francisco de Évora, de Vilar de Frades, do colégio da Graça de Coimbra ou do convento de São Gonçalo em Amarante. Experiências espaciais que influenciaram, anos depois, os projectos das primeiras igrejas jesuítas, e de outras (re)fundações conventuais. Todavia, raramente os planos concretizaram a solução ideal que dispunha dos corredores dos lados da ábside para as sacristias ou como acesso a uma retro-sacristia, apresentando, por isso, casos excepcionais os das igrejas do Espírito Santo ou de Santo Antão-o-Novo e do convento de Jesus em Lisboa. Por outro lado, o mesmo tipo de planta foi, simultaneamente, usado em edifícios do classicismo ou do designado «estilo chão». Opostos nos partidos formais, o seu sentido original e o seu significado cultural são produto da mesma reflexão doutrinal sobre a arquitectura eclesial por parte dos encomendantes e dos agentes da Igreja.

Se esse debate foi mais fértil no seio das ordens religiosas – algumas destas aliás tendo desempenhado um importante protagonismo no impulso na Reforma da Igreja – o seu eco propagou-se nas altas instâncias do clero secular, por via dos seus representantes mais esclarecidos e cultos. A nomeação de antístites e de arcebispos tornou-se mais selectiva, escolhidos entre aqueles que tinham melhor formação e preparação para ocupar os cargos 108 . Os mais comprometidos com a Reforma empenharam-se, pois, na introdução dos decretos tridentinos, na reestruturação das dioceses, no controlo pastoral do clero e das populações e também no melhoramento das condições do culto nas igrejas. Foram diversas as frentes de acção, e daquela que interessa a este estudo chegou-nos o testemunho da reflexão procedida por via dos instrumentos legislativos publicados para o governo dos bispados, onde se forneceram instruções quanto à arquitectura e ornamentação dos espaços de devoção.

108 Dias 1960, I 75-76; Paiva 2000d, 228; Palomo 2006, 33-34.

86 » Instructionum Fabricae et supellectiles ecclesiasticae de Carlo Borromeo

Um dos principais intérpretes da discussão sobre o decoro das igrejas foi o arcebispo de Milão, Carlo Borromeo (1538-84), autor da célebre obra Instructionum Fabricae et supellectiles ecclesiasticae . A Instructionum Fabricae é, sobretudo, um manual ou um guia para a gestão das dioceses e paróquias. Redigido em latim e publicado, pela primeira vez em 1577, viria a ter uma larga divulgação no mundo católico. A estrutura analítica e racional com a sistematização e compartimentação da informação, a abordagem do geral para o mais minucioso particular, o recurso a um preceituário pragmático, prescindindo de fundamentação histórica e simbólica (que, no entanto, lhe está subjacente) apontam justamente para uma função de orientação do clero. Refira-se, ainda, a reduzida dimensão material do livro, medindo 7,8 x 14,1 cm, com 222 páginas e uma folha de escala (44,7 x 11,5 cm). Era um tipo de edição que hoje designamos muito apropriadamente «livro de bolso» e que, à época, deve ter sido pensada justamente com esse intuito: um livro útil e de fácil manuseio, que se podia trazer sempre à mão para consulta das instruções sobre a fábrica eclesial e os ornamentos necessários ao decoro das igrejas.

O primeiro a reconhecer a importância da obra de Carlo Borromeo no campo artístico foi Anthony Blunt. No seu entender, a Instructionum Fabricae foi o primeiro e o único tratado a aplicar os preceitos tridentinos ao campo da arquitectura 109 . No entanto, a classificação de «tratado», atribuída pelo historiador britânico e geralmente aceite, tem vindo a ser criticada, desde a década de 1970, pela historiografia da arquitectura.

Os tratados caracterizam-se, como se sabe, pela abordagem essencialmente teórica sobre princípios abstractos e modelos mentais, sem

109 Blunt 1940.

87

47| Retrato de Carlo Borromeo 46| Carlo Borromeo, Instructionum (1538-1584), cardeal e arcebispo Fabricae et supellectiles de Milão, por Giovanni Battista ecclesiasticae libri II , folha de rosto Crespi († 1632). da primeira edição (1577). © Pinacoteca Ambrosiana, Milão

48| Folha de escala em cúbitos, integrada na edição princeps da Instructionum Fabricae.

terem necessariamente relação directa com situações reais. Se Carlo Borromeo por um lado individualizou o campo da arquitectura eclesiástica, fundamentado na história da antiga Igreja Romana, por outro refutou quaisquer dissertações e referências à tratadística e à arquitectura clássica do seu tempo. Os aspectos formais e a referência às ordens da arquitectura resumem-se a uma aceitação de compromisso, tolerando-se o uso do sistema clássico em caso de necessidade para garantir a solidez da construção. Só nesse caso se podia fazer, então, obra dórica, jónica ou coríntia. A Instructionum não fixa tão pouco uma norma geral para os edifícios. Embora advogue a preferência pela planimetria latina, não determina um tipo de igreja ideal, favorecendo assim o emprego de uma diversidade de respostas em termos de articulação do espaço e beneficiando a

88 tradição e as tipologias regionais.

A questão formal dos edifícios foi, deste modo, neutralizada e relegada para os especialistas – os arquitectos –, aos quais se dava margem criativa para a escolha do partido arquitectónico e dos materiais a utilizar. Fazia-se apenas duas ressalvas: a consideração pelos usos e os costumes de cada lugar; e a erradicação no exterior das igrejas de ornamentação figurativa, à excepção da fachada, desde que com um discurso iconologicamente significativo. O arcebispo de Milão não negou a dimensão disciplinar do debate arquitectónico, remetendo-a para o foro das competências dos arquitectos. No entanto, como explicou Sandro Benedetti, a reorientação do fim prioritário da arquitectura religiosa, entendida principalmente como instrumento de exaltação da glória de Deus, alterou as questões disciplinares inerentes à pesquisa arquitectónica, posicionando-as num plano já não fechado em si próprio. O tópico central deixou de, por conseguinte, de ser a lição antiga, para dar lugar à estruturação prática e eficaz das exigências construtivas, funcionais e simbólicas 110 .

De acordo com Liliana Grassi, estender a Reforma Católica ao campo da arquitectura, «costruire in modo cultualmente aderente ai decreti di Trento significava seguire norme precise» 111 . Numa atitude intencionalmente aclássica, Borromeo prestou atenção, sobretudo, às questões racionais e funcionais da fábrica eclesial alheias a problemas de estilo: qualificou a visibilidade, a hierarquia dos elementos, o mobiliário, as medidas, as dimensões das partes e todos os pequenos e singulares aspectos relacionados com os edifícios do culto. Ou seja, através da Instructionum Fabricae , ele informava e definia o programa exacto da obra, só depois complementado pelo parecer de um arquitecto ao nível formal, fixando através desta dinâmica a práxis para a criação da obra nova, na qual é retirado ao operador conceptual o papel de teorizador 112 .

Pelas razões apresentadas, a Instructionum Fabricae não é,

110 Benedetti 1984, 110. 111 Grassi 1985, 6. 112 Benedetti 1984.

89 efectivamente, um tratado – classificação incorrecta e inoperativa –, mas sim, como se começou por dizer, um manual de instruções práticas, que subordina a arquitectura à teologia e à liturgia tridentinas. A plena eficiência litúrgica exigia o cumprimento do decoro, cujos parâmetros são estabelecidos por Borromeo. O conceito de «decoro» não oferece uma leitura precisa e unívoca, mas articula-se com as noções de conveniência, ornamento, limpeza e manutenção, provimento, simplicidade e beleza. A partir da atenção meticulosa dada aos aspectos de funcionalidade, de segurança, de conservação e de solidez procurava-se, pois, garantir a adequação dos edifícios à boa realização do culto e a sua durabilidade 113 .

Considerando a especificidade do texto, da sua organização e tipo de instruções, conclui-se que o principal destinatário de Instructionum Fabricae foi o clero. A sua primeira finalidade era estabelecer um ponto de referência para a realização da visitação pastoral diocesana, uma normativa comum sobre as questões temporais dos edifícios sacros destinada a visitadores e párocos. A racionalidade da gestão dos variadíssimos elementos das igrejas, por vezes explicitando aspectos de tecnologia construtiva, fazia deste livrinho um excelente instrumento de esclarecimento e de apoio às Fábricas paroquiais e aos responsáveis pela fiscalização das igrejas e capelas.

Acrescente-se que, na prática, Carlo Borromeo empreendeu a reforma de algumas estruturas administrativas da arquidiocese de Milão. Designadamente ao definir regras para a descrição, catalogação e classificação dos edifícios sacros nas visitações e instituir uma chancelaria própria para a recolha desses dados. Essas regras foram dadas à estampa num panfleto intitulado Regulae servandae in uniuscuiusque Ecclesiae descriptione, ad Reverendissimum Archiepiscopum quam primum transmittenda (1577). Nele, o arcebispo fornecia indicações quanto ao significado da planta das igrejas, à sua forma e dimensão, aos anexos (que existisse ao menos sacristia, campanário, casa do cabido), à forma, medida

113 Gatti Perer 1995, 31.

90 e número dos altares. Este formulário tornava-se um instrumento eficiente para a realização de um censo completo de toda a diocese e para um controlo contínuo à distância 114 . A efectivação de tal controlo sobre os edifícios do culto foi, além disso, concentrada na figura do «Praefectus Fabricae », intendente responsável por todas as intervenções arquitectónicas da arquidiocese de Milão, um cargo criado talvez por influência do «Consiliarius Aedificiorum » jesuíta e do modelo organizativo da Companhia 115 .

Como sucede com esta pequena publicação, o contexto operativo da Instructionum Fabricae pertence também ao foro eclesiástico, embora se lhe possa atribuir um papel na fixação das directivas práticas da arquitectura e artes litúrgicas que presidiram aos séculos seguintes 116 . Assumindo orientações inteiramente pragmáticas, sem atenção alguma a considerações ou definições de estilo, elas devem ser comparadas com normas análogas de outras províncias e dioceses europeias, ditadas por ocasião de sínodos, concílios provinciais ou visitas apostólicas. Neste âmbito, as instruções de Carlo Borromeo constituíram, todavia, o caso mais exemplar, e será importante questionar até que ponto estenderam a sua influência à aplicação da Reforma em Portugal, no campo artístico e no debate sobre a arquitectura eclesial.

Contactos do cardeal e arcebispo de Milão com Portugal

As relações entre Portugal e Carlo Borromeo não se encontram totalmente esclarecidas. Existem, no entanto, dados que apontam para o desenvolvimento de contactos regulares, quanto mais não fosse no quadro das relações oficiais portuguesas da coroa e do alto clero. A correspondência conhecida recua, pelo menos, à década de 1550, quando o italiano foi nomeado prior comendatário do mosteiro crúzio de Refóios de Basto, substituindo o

114 Scotti 1972, 58 e 66. 115 Scotti 1972, 66; Benedetti, 1984, 124; Mazzotta 1984, 176. 116 Marcora 1985, 207.

91 cardeal D. Henrique. A sua administração fez-se, como era hábito nestes casos, por procuração, recaída no Dr. Domingues de Torres. Quatro anos depois acabou por renunciar ao priorado em Frei Julião de Alva, capelão-mor de D. Sebastião e confessor de D. Catarina, mais tarde bispo de Portalegre 117 .

As relações com os Crúzios não cessaram com a renúncia ao priorado. Borromeo terá mantido, ao longo da década seguinte, correspondência com os priores de Santa Cruz de Coimbra, além de uma pensão que lhe era paga pelas rendas do mosteiro do Pombeiro 118 . Facto que pode ter que ver, ainda, com a sua nomeação para o cargo de Protector dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, que o ocupou na defesa dos interesses da ordem junto da corte papal. A anuição ao protectorado seria, aliás, alvo de agradecimento por parte da rainha D. Catarina, que, em 1564, lhe escreve com essa intenção 119 .

Nos anos de 1560 e 1561, período coincidente com a sua indigitação para a função de pronotário apostólico pelo papa Pio IV, seu tio, Carlo Borromeo foi responsável pela correspondência oficial com o núncio papal em Portugal, então em Lisboa para tratar das questões do Concílio de Trento; bem como com o rei D. Sebastião, a regente D. Catarina e o cardeal D. Infante 120 . O conhecimento da situação política e religiosa portuguesa e a relação oficial estabelecida desde os anos de 1550 com as esferas do poder em Portugal (continuada enquanto

117 Mártires 1960, III 65. 118 Witte 1966, 123. O ASV guarda registo de correspondência trocada entre C. Borromeu e o prior de Santa Cruz, datada de 1561, versando a questão dos cristãos-novos. ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo, Lv. 220 – Carte diverse (1561-1768). 119 Carta de D. Catarina a Carlo Borromeo. Lisboa 8 de Outubro de 1564. Biblioteca Ambrosiana (Milão), F 104 inf, fl. 419-20v. Cfr. Witte 1966, 12. Fr. Timóteo dos Mártires, autor da Crónica de Santa Cruz , fala da protecção de Borromeo em termos bastantes elucidativos sobre a boa relação com os Crúzios: «A este Santo Cardeal temos grandes obrigações, pelos muitos favores, e boas obras que em sua vida nos fez». Mártires 1960 (1684), I 150. 120 Essa correspondência encontra-se arquivada no ASV, Fondo Segreteria di Stato – Nunziature Diverse / Avvisi Nunziature Diverse , Lv. 107 Reg. Lett. Della Segreteria al nunzio di Spagna e Portogallo (1560-1561). O núncio em representação papal em Lisboa entre 1560 e 1561 era Prospero Santa Croce (1514-1589), bispo de Cisamo. Castro 1939, II 349-50.

92 ministro das relações externas de Pio V 121 ) terão determinado mais adiante a sua designação para Cardeal Protector de Portugal. Cargo que ocupou entre 1565 e 1572 e que o responsabilizava pela apresentação dos candidatos às cadeiras prelatícias e aos principais benefícios à nomeação do papa em consistório 122 .

O protectorado de Portugal coincidiu com a tomada de posse do arcebispado de Milão e o início das importantes reformas que Carlo Borromeo ali empreendeu, cujo eco se sentiu por toda a Europa católica. O seu espírito reformador foi influenciado significativamente pelo contacto em Trento com o arcebispo primaz de Braga, D. Frei Bartolomeu dos Mártires (como tem sido salientado pela historiografia nacional e internacional), mas também pelas informações que foi recolhendo sobre as reformas empreendidas noutros Estados. Tal foi o caso, por exemplo, do interesse manifestado ao cardeal D. Henrique em ter uma cópia das Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa, pedindo-lhe um exemplar das mesmas na carta em que lhe enviou as actas do sínodo provincial de Milão de 1566. Borromeo fez o pedido, explicando que se as tivesse em seu poder, nelas poderia certamente encontrar um modelo de vida cristã e de santidade para aplicar em Milão 123 .

Após a tomada de posse do arcebispado, em 1566, Borromeo foi tomando pulso às necessidades de reforma da arquidiocese, sobretudo a partir das visitas pastorais que realizou de forma regular em todo o território 124 . Foi no seguimento desse périplo – o qual lhe garantiu um conhecimento profundo em primeira mão das características e faltas das inúmeras paróquias do extenso arcebispado – que o cardeal Borromeo empreendeu a tarefa minuciosa de compilar a Instructionum Fabricae, et supellectilis ecclesiasticae .

121 C. F. de Witte (1966) confirma a existência de 36 cartas oficiais de Carlo Borromeo dirigidas à Coroa de Portugal do período de 7/1564 a 7/1565, assinadas na qualidade de ministro das relações externas de Pio IV. 122 Witte 1966, 116 n. 4. 123 Carta do cardeal Carlo Borromeo ao cardeal D. Henrique, 27 de Agosto de 1567. Biblioteca Ambrosiana (Milão), R. Sup, fl. 43-43v. Cfr. Witte 1966, 142. 124 Para se avaliar a extensão de tal empresa, refira-se que o bispado de Milão compreendia mais de 2.200 igrejas e cerca de 3.330 membros do clero. Borromeo 1997, 59.

93 É ainda difícil avaliar a verdadeira extensão da influência da obra do bispo milanês na arquitectura e na arte religiosas portuguesas. A sua obra, em circulação noutros países europeus, certamente terá alcançado Portugal, não só em consequência das relações oficiais do alto clero e de corte portugueses com o autor, como da divulgação que mereceu o próprio texto. Fosse na sua versão original de 1577, ou em edições posteriores que, a partir de 1582, a integraram nas actas do concílio regional de Milão – Acta Ecclesiae Mediolanensis tribus partibus distincta. Quibus concilia provincialia, conciones synodales, synodi diocesanea, instructiones, litterae pastorales, edicta, regulae confratriarum, formulae, et alia denique continentur, quae Carolus S. R. E. Cardinalis tit. S. Parxedis, Archiepiscopus egit (1.ª edição, 1582) 125 .

A compilação dos instrumentos legislativos do arcebispado de Milão teve, pela sua exemplaridade modelar na sistematização e normalização da aplicação da Reforma, uma difusão alargada pelo mundo católico, pelo que a Instructionum beneficiou também dessa disseminação. Neste particular, é necessário recordar, ainda, que o Ducado de Milão se encontrava, desde 1535, sob o domínio dos Habsburgo, facto que certamente contribuiu para a circulação da obra de Borromeo na Península Ibérica, como de resto no mundo hispânico 126 .

Actualmente, em Portugal, elencam-se um exemplar da edição original de Instructionum Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae (Milão 1577) e uma reedição de 1747 (Milão) na Biblioteca Nacional de Portugal 127 . Também as Acta Ecclesiae Mediolanensis se encontram catalogadas na mesma biblioteca, com um exemplar da primeira impressão (Milão, 1583) e o outro de 1683 (Lyon), ambos

125 Barocchi 1962, 403. 126 Gerlero 1985, XXII. A edição das Actas de 1582 circulou amplamente em Espanha, sabendo-se, por exemplo, que para Toledo seguiram 10 exemplares e para Leão mais de 100. Cfr. Borromeo 1997, 43. Sobre a influência de Carlo Borromeo na Península Ibérica, mas sobretudo em Espanha, veja-se Hernandez 1986. 127 BNP, cotas R. 1731 P. e S.C. 4618 P.

94 com indicações de posse 128 . Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra existem outros três exemplares das Actas: dois da edição de 1683 e o terceiro de 1754, que pertencia ao Colégio Real de São Pedro 129 . Na Colecção Pombalina da Biblioteca Nacional conserva-se, ainda, uma tradução setecentista do livro II da Instructionum Fabricae intitulada «Ordem que se deve guardar na limpeza das cousas pertencentes ao culto divino, dada por S. Carlos Borromeu» 130 .

Para avaliar a recepção das Instruções do cardeal italiano no período imediato à sua edição, interessam ao presente estudo especialmente as primeiras edições. Se a edição princeps de 1577 não tem referências ao seu historial, a Acta Ecclesiae Mediolanensis de 1583, à guarda da BNP, está registada como tendo pertencido à Cartuxa de Scala Coeli , cuja rica livraria foi doada pelo arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança (1530-1602). Também o bispo D. Jorge de Ataíde, muito devoto de Carlo Borromeo, teve em sua posse um exemplar das Actas, que lhe foram remetidas pelo cardeal Federico Borromeo, sobrinho de Carlo e também ele arcebispo de Milão 131 . Não será descabido aceitar que o próprio Carlo Borromeo tivesse expedido cópias, quer da Instructionum Fabricae, quer das Acta Ecclesiae , aos seus contactos em Portugal, considerando que, em 1567, ele mesmo havia enviado ao cardeal infante D. Henrique um exemplar das actas do primeiro sínodo que promovera na arquidiocese.

Que o texto do arcebispo de Milão foi conhecido em Portugal, não há qualquer dúvida, chegando mesmo a influenciar directamente a legislação sinodal portuguesa, como se verá adiante. No entanto, se foi considerado, desde

128 BNP, cotas R. 5428 A.; R. 2688-2689 A. A edição de 1683, publicada em dois volumes, apresenta marca de posse referente ao P. e José Caetano Mesquita e Quadros, canonista, presbítero e vigário da Igreja do Salvador de Lisboa e prior da colegiada de S. Lourenço de Lisboa e missionário apostólico, com a data de 1779. 129 BGUC, cotas R-57-16 e 17; 1-11-11-296 e 297 (Biblioteca Joanina); S.P.-M-15-13 e S.P.-M-15- 14. 130 BNP, PBA 67 - Miscelânea de apontamentos curiosos, fls. 188-197. 131 Carta do cardeal Federico Borromeo a D. Jorge de Ataíde, remetendo os livros da vida do bispo de Novara e as Acta Mediolanensis Ecclesie ultimamente impressas. Milão, 18 de Janeiro de 1601. BNP, PBA 648, fl. 687.

95 o início, como autoridade no debate sobre a arquitectura religiosa, isso já é mais difícil de avaliar com os dados disponíveis. O que se pode concluir é que a atitude reformadora e as ideias sobre o decoro, exemplarmente representadas na obra de Carlo Borromeo, participavam de um espírito que se estava a generalizar pela Europa Católica, e a que Portugal não foi alheio, bem pelo contrário. Por isso, em vez da noção de influência (entendida como atitude passiva), se deva colocar a questão numa perspectiva mais alargada de contactos e de paralelismos entre experiências e realizações que comungaram, afinal, das mesmas preocupações a respeito da restauração do culto católico.

96 » A restauração do culto católico e o lugar da sacristia na liturgia

O conceito de «restauração do culto católico» foi proposto por Enrico Cattaneo 132 , em substituição do de reforma do culto. No seu entender, não se tratava de reconstruir a Igreja, como de fazer ressurgir, por meio da referida restauração, uma sociedade profundamente cristã. Este conceito torna-se, por isso, mais adequado para traduzir o sentido da recuperação das origens e da tradição da Igreja Católica que esteve na base das orientações tridentinas para o culto.

O debate sobre o culto teve lugar sobretudo no terceiro período do concílio de Trento. Cattaneo explica que as questões levantadas não foram definitivamente resolvidas, em virtude de os membros conciliares estarem mais preocupados com os problemas teológicos e disciplinares, e de grande parte dos bispos não estar preparada para se confrontar com os temas de uma verdadeira pastoral sacramental. Pelo que parte da regulamentação foi adiada para o período pós-conciliar, instituindo-se a Sacra Congregação Romana dos Ritos, em 1588, para esse efeito. A criação deste organismo serviu, simultaneamente, para tratar do culto divino como das causas dos santos, reafirmando, no quadro da organização do poder pontifício, a autoridade do papa nestas matérias 133 .

Uma das primeiras e mais importantes medidas implementadas após o encerramento do Concílio de Trento foi a publicação do Missal Romano, mandado reformar pelo papa Pio IV e dado à estampa por iniciativa de Pio V 134 . Com o propósito de uniformização da liturgia no mundo católico e elegendo o rito romano como modelo, o «novo» missal difundiu-se globalmente, quer na sua versão autorizada quer em traduções para as línguas nacionais, simplificadas

132 Cattaneo 1986. 133 Palomo 2006, 104. 134 Bula Quo primum tempore de 14 de Julho de 1570. Marques 2000, 429. A autoridade do Missal Romano foi confirmada por Gregório XIII e, em 1602, introduziram-se algumas reformas sob o pontificado de Clemente VIII.

97 e glosadas, ajustando as explicações às necessidades de cada província ou diocese. Refira-se que o facto de não haver uma imposição, mas sim uma recomendação e exortação ao uso do Missal Romano, permitiu a prossecução de rituais tão antigos como o da diocese Braga – justificado pela tradição de séculos – e do uso e costume das ordens religiosas que continuavam a «organizar entre nós breviários e livros litúrgicos para os usos de cada uma»135 .

Interessa, para o presente estudo, atentar na norma geral para as celebrações difundida pelo missal reformado, em particular na consideração do espaço da sacristia como lugar deputado para a preparação conveniente do ministro para a celebração dos ofícios divinos. O cerimonial romano recomendava, então, que o sacerdote se preparasse para os ofícios na sacristia: «vayase al lugar aparejado en la sacristia, o en otra parte donde estan los ornamentos, y las demas cosas necessarias para celebrar»136 . Não é manifesta e evidente a obrigatoriedade de cumprimento do ritual no espaço da sacristia. É dada margem de actuação, de acordo com os condicionamentos das igrejas, desde que a preparação fosse realizada em local reservado, na sacristia ou noutro espaço onde se arrecadassem as alfaias e paramentos. Mas, a referência à sacristia determinava-a consensualmente como o local mais apropriado para o efeito, residindo neste princípio a noção de «decoro» tão cara à Reforma.

A importância dada às cerimónias requeria, assim, que a sua preparação se efectuasse num lugar pré-determinado e consagrado, procurando-se controlar irregularidades, como a realização da paramentação em lugares da igreja públicos e acessíveis ao olhar dos fiéis. Em 1612, chegou-se mesmo a proibir a paramentação no altar, reservando esse direito em exclusivo para os bispos. Outras determinações foram decretadas ao longo dos anos, como a que, em 1614, define que a sacristia seja um lugar de oração. Mas, só em 1659, se obriga

135 Marques 2000, 431. 136 Ceremonial de los Officios 1591, fl. 29 v.

98 definitivamente a utilização da sacristia para a paramentação, por Decreto da Sacra Congregação de Ritos, sob o pontificado de Alexandre VII.

O ritual romano recomendava, pois, a preparação das cerimónias seguindo passos particulares: o celebrante devia encaminhar-se para a sacristia, tomar o missal e seleccionar a missa, registando o que havia de dizer; após o que lavava as mãos e dispunha as alfaias da eucaristia (cálice e pátena) e se revestia sobre o bufete ou o arcaz, onde deveria ter os paramentos preparados de antemão. O acto da paramentação era envolvido de grande sacralidade, constituindo em parte o investimento sagrado do celebrante no papel de representante de Cristo e era nesse sentido que, para cada paramento, havia uma oração específica a proferir. João Campelo de Macedo (†1666), tesoureiro- mor da Capela Real de Portugal ao tempo de D. João IV, viria a ilustrar bem o significado e importância da preparação do sacerdote no cerimonial publicado em 1657:

«Depois do Sacerdote ter o corpo ornado, no exterior com as vestes sagradas, e muito mais estando vestido no interior com muitos hábitos de virtudes, representando a pessoa do Senhor oferecido na Cruz ao Padre Eterno por nossa salvação, que isto diz Lactancio Firmiano significa a saída do Sacerdote para o Altar»137 .

Era este sentido profundo que obrigava a uma necessária reverência no espaço da sacristia, preceituando-se a observância do silêncio em qualquer situação, embora fosse mais vincada na presença do celebrante aquando da preparação da liturgia. Como se verá adiante, as orientações a respeito da sacristia, a definição da sua função enquadrada no ritual litúrgico e a normalização do seu funcionamento virão a reflectir-se também nas legislações sinodais publicadas em Portugal no período pós-tridentino.

A sacristia definia-se, pois, como o espaço vocacionado para a vivência do sagrado, no qual se realizava a preparação para os ofícios divinos. E as fórmulas

137 Macedo 1734 (1657), 134.

99 celebrativas, definitivamente fixadas no Missal de Pio V, condicionaram não só a distribuição dos elementos que a compunham como também a disposição dos ministros e dos seus ajudantes dentro do seu próprio espaço, convertendo-o numa espécie de bastidor da «encenação» litúrgica. Além das cerimónias regulamentadas no calendário, não se pode esquecer toda a liturgia laudativa e sacramental que preenchia o quotidiano das igrejas. Esta multiplicação dos actos rituais tornava as sacristias espaços de permanente circulação, o que exigia a boa organização formal do espaço orientada para a sua adequada função.

Estas foram, pois, algumas das questões que estiveram subjacentes à normalização do espaço da sacristia elaborada pela legislação sinodal, como se verá de seguida.

100 » A sacristia na Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo: a exemplaridade do caso do arcebispado de Milão

No século XVI, a sacristia é uma área com tradição reconhecida na história da Igreja. Carlo Borromeo dedicou-lhe um capítulo inteiro (XXVIII) da Instructionum Fabricae, et Supellectilis Ecclesiasticae . Qualquer igreja, fosse de que tipo fosse, devia dispor de uma sacristia, anexo cuja importância fundamenta com uma referência às origens e tradição da arquitectura cristã: «Así pues en toda iglesia de cualquier género constrúyase una sacristía, que los antiguos alguna vez llaman cámara e igualmente secretario , lugar naturalmente donde se ocultaba el sacro ajuar» 138 . A sacristia deveria ser ampla e proporcional à igreja que servia, considerando o estatuto desta – catedral, colegiada ou paróquia –, o número de ministros e a dimensão do tesouro.

Em igrejas mais ilustres e frequentadas era justificável a construção de duas sacristias: uma destinada ao capítulo e ornamentos do coro, e a outra reservada aos capelães e demais ministros, além dos restantes paramentos e alfaias. Uma divisão funcional que, de resto, remontava ao século V, com a sua localização preferencial próxima da capela-mor. O que não é esquecido por Carlo Borromeo. O arcebispo italiano considerava aconselhável alguma distância entre ambas, de forma a permitir a realização ordenada da procissão do sacerdote e demais ministros da sacristia para o altar «como es de antigua costumbre, con el anuncio del misterio».

O mesmo critério determinava que a entrada da sacristia estivesse voltada «en línea recta no a la capilla mayor (…) sino al lugar público, es decir, al centro de la iglesia». Em igrejas paroquiais e em outras inferiores, a localização da entrada e a distância em relação à capela-mor podiam ajustar-se por questões

138 Borromeo 1985 (1577), 77. Para facilitar a leitura, usei a tradução de Bulmaro Reys Coria, publicada pela Universidade Nacional Autónoma de México, baseada na edição dos tratados de arte dirigida por Paola Barocchi (Borromeo 1962). As citações seguintes referem-se ao mesmo capítulo, pp. 77-82.

101 de comodidade – desvio normativo sempre dependente da autorização do bispo a que aquelas estavam sujeitas. Em qualquer caso, a construção da sacristia devia ser orientada de forma a nunca tapar a iluminação do presbitério.

As páginas seguintes são dedicadas aos aspectos da construção e do provimento da sacristia. É dada importância à questão do controlo de um ambiente seco e ventilado que garantisse a conservação dos ornamentos da igreja guardados no espaço («Del sitio y ventanas de la sacristía»). Nesse sentido, é recomendada a orientação da sala para nascente e sul como a mais favorável para o efeito, na medida em que são os lados que recebem mais luz. Deviam ser rasgadas, pelo menos, duas janelas e, se possível, posicionadas em lados opostos «y sobre todo por el lado derecho y por el izquierdo a fin de que, teniendo por donde salga el aire, su lugar no sea húmedo, ni uliginoso». Também a cobertura abobadada ou artesoada é considerada a melhor para a conservação de um ambiente seco e arejado.

Quanto ao pavimento, Borromeo aconselha o uso da madeira, aplicada de maneira a que não ficasse directamente sobre o piso por razão da humidade. As instruções são, a este respeito, bastante precisas e técnicas:

«Tenga el pavimento no construido con tablas, sino de éste modo: el cual constando por debajo de pequeñas bóvedas, constrúyase todo ampliamente abovedado, algo más alto desde el suelo, donde se puede, a causa de la humedad, para que los indumentos sacros no se pudran o corrompan a causa de la humedad del lugar o del sitio. Para la cual cosa provéase más cautamente que lejos de ahí se aparte la tierra amontonada por fuera junto a la pared, así como las goteras que producen la humedad; además, luego cúbrase el suelo con cascajo y consolídese con ripios y con cal».

A segurança da sacristia é, igualmente, alvo das preocupações do cardeal Borromeo. Para a garantir, era necessário que as janelas fossem protegidas com grades fortes e seguras, ou mesmo grades duplas, e fossem «de obra de vidrio y

102 de red», como as da igreja. As portas deveriam ser sólidas, providas de fechadura firme, tranca e boa chave. A seguir à porta, sugere a colocação de uma guarda mais leve para impedir a entrada e a vista do interior, que por meio de um sistema de pesos se fecharia por si e onde se podia abrir um janelo gradeado para efeitos de comunicação com quem se dirigisse à sacristia. Na prática, a separação entre a área reservada da sacristia e o espaço público da igreja podia ser intermediado por uma ante-sacristia, solução que teve maior aplicação que o duplo sistema de portas proposto por Borromeo.

Seguem-se, então, as instruções relativas aos elementos individuais que integravam a sala: a imagem sagrada e altar, o oratório, a tábua das orações, o lavabo, e as tipologias de mobiliário. A sacristia, sendo um anexo relacionado com a celebração da liturgia, devia expor em lugar destacado uma imagem sagrada ou mesmo um altar (se a dimensão da sala o permitisse) frente ao qual os sacerdotes se pudessem paramentar: «un altar o mesa o armario que presente la forma de altar, preparado con una cruz, cubierto con candelabros y un mantel; ante el cual los sacerdotes que van a celebrar se vistan con los sacros vestidos». Este critério enfatizava a sacralidade do acto da paramentação, estando subjacente a esta instrução uma chamada de atenção aos celebrantes para a importância dos gestos, que não deviam cair na rotina e no esquecimento.

Essa interiorização do papel de representantes de Cristo junto da assembleia dos fiéis requeria, obrigatoriamente, um momento de reflexão e meditação. E é com esse intuito que um outro dispositivo teria de ser considerado nas sacristias – o oratório ou altar. Distinto da peça anterior, o oratório constituiria uma pequena divisão – em lugar decente – dentro da sacristia onde o sacerdote se podia (e devia) recolher interiormente para meditar e orar. O oratório devia considerar um pequeno altar com um crucifixo ou outra imagem santa e um escabelo para se ajoelhar. Se demasiado exígua ou estreita, a sacristia devia, ao menos, considerar um local apropriado para o efeito, onde se colocasse o genuflexório e uma imagem sobre uma peanha. Este espaço teria, no

103 entanto, de ser coberto com tela ou pano, a fim de salvaguardar o seu carácter reservado. Em qualquer dos casos, teria de existir nesse compartimento uma tábua onde estivessem escritas as orações preparatórias para o sacrifício da missa.

Outra peça-chave da sacristia era o lavabo para a ablução ritual das mãos antes e após o ritual litúrgico. Dada a condição técnica deste elemento, as instruções de Carlo Borromeo são particularmente minuciosas, como em relação a outros de igual requisito, informando os leitores acerca da construção da estrutura de alimentação e escoamento da água. O lavabo devia ser construído em pedra sólida, com uma bacia côncava para receber a água saída do reservatório (aquamanil ). O bacio teria um ralo para o escoamento da água direccionada para uma cisterna subterrânea. Borromeo teve em atenção as fábricas de fracos réditos, as quais podiam não suportar os custos da construção de um lavabo. Para estes casos, aconselha pendurar-se na parede um recipiente com uma tampa, de onde a água fluísse de forma suficiente para a ablução, e por baixo uma bacia. Recomenda ainda que o lavabo fosse construído com elegância e integrado (na totalidade ou em parte) num nicho semicircular aberto na parede, de forma a não transtornar a circulação na sacristia. Por fim, uma toalha limpa devia estar disposta num toalheiro («una obra o instrumento torneado») situado na proximidade do lavabo.

Em relação ao mobiliário, Carlo Borromeo distingue cinco tipologias diferentes, que descreve com pormenor, inclusivamente fornecendo as medidas necessárias para a sua concepção adequada. O armário para paramentos e ornamentos seria construído em nogueira e teria dimensões amplas (dois côvados e cinco polegadas de altura, cerca de metro e meio), com gavetas («cajitas movibles») largas e variadas consoante a variedade de cores dos indumentos. É sublinhada a necessidade de se conservarem os paramentos estendidos, bem distribuídos e com ordem. Outros armários, na contiguidade deste, serviriam para arrecadar, de forma simples e cómoda, uns as alfaias do

104 culto – cálices, pátenas, corporais, purificadores, velas, etc. – e outros as peças para lavar. O número de armários deste género devia ser proporcional ao número de ornamentos e alfaias do culto, sendo que todos deviam ser fechados por batentes «confeccionadas pulida y distintamente, con cerrojos y con llaves igualmente distintas».

A segunda tipologia constituía um sistema de roupeiro, com cabides suspensos em correias com polias onde se expunham ou penduravam os paramentos quando necessário. Seguem-se os armários livreiros «con estructura que armonice con los de más arriba prescritos». Seriam três para ordenar, respectivamente, os livros dos salmos e do canto litúrgico; o tombo com os livros de direito, arquivos e escrituras da igreja (na falta de uma sala de arquivo); e, tratando-se de uma igreja paroquial, os livros de registo de baptizados, confirmações, casados e defuntos, bem como a legislação eclesiástica (decretos pontifícios, éditos episcopais, decretos pastorais do bispo, entre outros). No caso de o número de livros não justificar a existência de armários diferenciados, podia ter-se na sacristia apenas um, desde que compartimentado no interior por secções temáticas. Qualquer um dos armários-livreiro seria devidamente cerrado com fechadura, por motivos de segurança.

Nas sacristias mais insignes, reservava-se um armário distinto para os ornamentos ricos. Teria quatro metros e setenta e seis centímetros de altura (sete côvados) e um metro e trinta e seis centímetros de profundidade (dois côvados), sendo a largura definida de acordo com a proporção do espaço. Dividido em dois níveis, o primeiro (com cerca de um metro e trinta centímetros de altura) receberia gavetas e o segundo, mais estreito, funcionava como guarda-roupa onde se penduravam as vestes sacras. Esta tipologia corresponde ao arquétipo de armário que mobilou, de uma maneira geral, as sacristias italianas, sobretudo a partir do século XVII.

Finalmente, o quinto e último tipo de móvel descrito destinava-se a arrecadar os paramentos dos ministros do coro, estando por isso indicado para

105 catedrais e colegiadas. Poderiam ser arcas colocadas na sacristia, e, neste caso, deveriam ser construídas e dispostas de maneira a funcionar como bancos (arquibancos) por ocasião das reuniões capitulares, referência que sugere ser a sacristia também um espaço indicado para funcionar como sala do capítulo.

Além da sacristia, poderia haver, sobretudo em igrejas paroquiais e colegiais, uma divisão bem fechada para arrecadar peças de grande dimensão ou de uso não quotidiano, nomeadamente esquifes, os candelabros maiores de ferro, cenotáfios, vasos para os óleos, varas, escadas, vassouras, enxadas, pás, bases de cruzes, utensílios de limpeza, e outros objectos do género. Deste modo se garantia o decoro devido na igreja e na sacristia, deixando-as visivelmente libertas de elementos inapropriados e de qualquer impedimento 139 .

A Instructionum Fabricae considera, como se viu, capítulos próprios destinados a tipos específicos de igrejas, principalmente os oratórios privados e os conventos femininos, cuja regulamentação carecia de atenção específica que garantisse o controlo apropriado das práticas cultuais em contextos de natureza particular. Nesse sentido, qualquer oratório onde se realizasse o sacrifício da missa, mesmo que pequeno, devia dispor de uma sacristia e para o efeito resume algumas das indicações dadas para as igrejas em geral: «adjunta a la capilla mayor, la cual, donde se puede, mire hacia el mediodia; y sea amplia de acuerdo con la magnitud del oratorio, y provista con el ajuar y las demás cosas que sean necesarias»140 .

No respeitante às casas conventuais femininas, Borromeo, restringe a sacristia ao essencial para a preparação do ministro: seria pequena, com um oratório e um altar destinado à paramentação dos sacerdotes, uma vasilha para a ablução das mãos situada numa parede que não confinasse com o mosteiro e

139 Capítulo XXIX. «Del lugar donde se guardan las andas y las demás cosas de este género». Borromeo 1985 (1577), 82-83. 140 Capítulo XXX. «Del oratorio, donde alguna vez se debe hacerse el sacrificio de la Misa». Borromeo 1985 (1577), 83-84.

106 uma armário. «Y además de esto, nada».

O autor define, também, normas para a protecção da clausura:

«En tal edificación cuídese aquello, que cualquier cosa de la obra, ya sea ventana, ya rueda, u otra, no se haga de tal suerte, de donde pueda verse u oírse al monasterio de las monjas. Y por eso, la pila de agua que se coloca en la sacristía exterior para lavarse las manos, no tenga absolutamente algún tubo o canal, por el cual se acarrea o se vierte allá de otra parte. Y no se haga ningún edificio en la parte superior, a donde de algún modo pueda haber entrada para las monjas mismas» 141 .

No âmbito da Instructionum Fabricae , em termos formais, a sacristia é um dos últimos anexos considerados na análise das igrejas, apenas seguido pelo oratório. Em todo caso, não deixava de constituir uma unidade distinta das anteriores, como a igreja e o mosteiro das monjas, que respeitavam aspectos construtivos e vivências particulares do culto. Nesse sentido, considerando como conjunto os capítulos I a XXIX, o da sacristia ocupa cerca de 7,6% das instruções destinadas às fábricas das igrejas, equivalente, por exemplo, ao capítulo das relíquias ou ao do confessionário, que ocupam na obra sensivelmente o mesmo número de páginas. Muito maior atenção é dada ao baptistério (18%) e às capelas e altares menores (15,4%), em cujos capítulos se escrutinam todos os aspectos e pormenores destas áreas, situadas próximas do topo da hierarquia das partes da arquitectura eclesial. Se se considerar que o culto das relíquias e dos santos, bem como as matérias da confissão resultaram de preocupações expressas no Concílio de Trento, a importância dada por Carlo Borromeo à sacristia a par destas questões deve ser lida não só a partir da associação do espaço ao ritual litúrgico e à garantia do decoro do culto, como às origens primitivas do anexo e à tradição da arquitectura eclesial cristã.

141 Borromeo 1985 (1577), 89-90.

107 A sacristia é, na verdade, uma divisão cuja origem recua à Antiguidade Tardia: as basílicas cristãs dispunham de uma sala, designada secretarium , destinada a funções de audiência do bispo ou de preparação dos actos litúrgicos 142 . Inicialmente, localizavam-se no nártex das basílicas e só partir do século V se aproximam da área da cabeceira das igrejas. São Paulino de Nola (†431), numa carta dirigida a Severo onde descreve a reedificação da Basílica de São Félix em Itália (401-403), menciona dois secretaria adjacentes à ábside, com funções distintas: um servia a preparação do ofício divino, e outro a guarda dos livros litúrgicos 143 – Salmos, Evangelhos, Epístolas e Missal. São Paulino alude ainda a um outro espaço ligado ao secretarium – o salutatorium , onde os fiéis podiam fazer ouvir as suas súplicas ao bispo.

Esta é a primeira referência à localização da sacristia próxima do altar, como conviria à liturgia cristã, mais do que no nártex. A transferência do secretarium para a área da abside sacralizou o espaço e conferiu-lhe a gravidade ritual da abertura e encerramento das celebrações litúrgicas. No século seguinte, o secretarium passou a integrar um dos momentos da liturgia da missa papal, sendo o espaço onde o papa se paramentava com as vestes trazidas de Latrão antes de seguir em cortejo, pela nave, para o altar da celebração 144 .

Ao referir-se aos «antigos» e às designações primitivas de camara e secretarium , Borromeo evoca esta tradição recuperada pela arqueologia cristã empreendida no seu tempo. Desta forma, fundamenta a importância simbólica da sacristia que reside por trás da dimensão funcional do espaço que mais o ocupa.

As Instruções de Borromeo foram, um ano depois, resumidas para integrar o Regimento dos Visitadores Apostólicos, definido no quinto sínodo

142 Zocca 1949, 1601. 143 Righetti 1955, I 442. 144 Coelho 1926-1930, II 72-73.

108 diocesano de Milão realizado em 1578 145 . Com isso se garantia que os oficiais das visitações tomavam em atenção os principais aspectos a registar na inspecção das igrejas, não só materiais como relativos ao cumprimento do ritual particular ao espaço. Neste campo, a sacristia teve especial relevo, listando-se os elementos que devia conter: um armário ou roupeiro; os ornamentos, alfaias e utensílios deviam cumprir com as formas e medidas prescritas no segundo livro da Instructionum fabricae ; o oratório em lugar recolhido para o recolhimento do sacerdote e com respectivas tábuas de orações; as folhas com as orações da paramentação; uma tábua na parede com os gastos das igrejas; o livro de registo das missas; uma guarda antes da porta principal com fecho «automático» e janelo gradeado. Curiosamente, não se fala no lavabo, prescrevendo-se apenas que houvesse uma jarra com uma toalha pendurada para a lavagem das mãos antes e depois da missa. A norma já de si bastante pragmática é reduzida e simplificada aos elementos considerados fundamentais, contornando-se a minúcia e a descrição exaustiva da Instructionum com a referência à obra, para a qual se remetia em caso de necessidade.

Em nenhum caso, a Instructionum Fabricae considera a propósito da sacristia quaisquer questões formais ou estéticas, como sejam as relativas à planimetria, proporções ou partido decorativo. As recomendações limitam-se aos aspectos essenciais e úteis para orientação dos bispos e oficiais nas visitações pastorais das dioceses e das próprias fábricas paroquias. Os problemas associados à materialização do projecto, à forma e ao plano, à disposição e organização do espaço e à sua decoração eram deixados ao critério dos mestres- de-obras e oficiais mecânicos e, quando financeiramente possível, aos arquitectos e artistas contratados para as empresas de maior alcance artístico. Naturalmente, sempre sob a orientação dos encomendantes e/ou dos responsáveis das fábricas, devidamente informados dos aspectos funcionais explanados no texto do arcebispo de Milão, e mesmo até da dimensão simbólica

145 Acta Ecclesiae Mediolanensis II, Decreta generalia Visitatoris Apostolici in Synodo Dioecesana Mediolanensi quinta [1578], col. 1185. Cfr. Barochi 1962, LXXX-LXXI n. 89.

109 do espaço, a da sua sacralidade, cuja leitura se encontra subentendida.

O centro das preocupações de Carlo Borromeo sobre a sacristia, como de resto para a generalidade das áreas eclesiais, era garantir a eficácia da liturgia, sendo fundamental para o cumprimento desse objectivo centrar-se na economia dos espaços relacionada com a sua finalidade funcional: o culto e o decoro.

110 » A sacristia nas Constituições Sinodais e Visitas Pastorais: o caso português e o contexto ibérico

Constituições Sinodais

O destino e a função da Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo e das Acta Ecclesiae Mediolanensis foi o mesmo das predicativas divulgadas nas constituições sinodais portuguesas publicadas após o Concílio de Trento. Estas tiveram por base os decretos conciliares publicados no nosso país logo em 1564, por iniciativa do cardeal D. Henrique e do arcebispo de Braga, D. Frei Bartolomeu dos Mártires. Se exceptuarmos as referências às imagens e relíquias sagradas, os decretos tridentinos são, como se viu atrás, omissos nas questões da arquitectura. Pelo que, nas constituições sinodais, tal como na obra de Carlo Borromeo, se considerou a integração de instruções gerais que normalizassem o ritual católico recém-restaurado, bem como os seus objectos e os seus edifícios. Não só nas sés e paróquias, como ainda nos mosteiros e abadias da visitação diocesana.

A consideração dos aspectos materiais relacionados com a ordenação das igrejas fundamentou-se nas preocupações com a liturgia celebrativa, o zelo pelas alfaias e paramentos, e a identificação de usos sagrados, por oposição aos profanos, que normalizavam a utilização dos espaços. Nestes instrumentos jurídico-pastorais, como explica José Pedro Paiva, existe «uma tendência clara para sacralizar cada vez mais os locais e objectos de culto, estabelecendo uma ligação entre espaços e comportamentos sagrados e profanos» 146 . Tendência que se verifica, igualmente, na atenção dada aos anexos das igrejas. Muito em particular à sacristia, para a qual se vão identificando, paulatinamente, os elementos estruturadores da sua utilização e vivência.

146 Paiva 2000b, 14.

111 Inicialmente, nas constituições sinodais portuguesas, a principal função atribuída a esta sala foi a da guarda dos ornamentos, combinada com questões de limpeza e conservação dos objectos do culto litúrgico. Preocupação, na verdade, temporã, recuando ao segundo quartel de Quinhentos, com as Constituições de Évora (1534), Lisboa (1537) e Braga (1538), onde se reprova a «com quanta negligência e descuido se trata as vestimentas: ornamentos: e livros das igrejas que servem ao culto divino»147 . Inicialmente, as medidas promulgadas para controlar a manutenção dos ornamentos diziam respeito à limpeza regular das alfaias e paramentos e, só depois, à disposição de mobiliário para a sua guarda:

«uma arca boa grande e bem fechada e limpa ou duas se uma não bastar: ou armários da mesma maneira (…) E recolherão todas as vestimentas: cálices e galhetas: missais e castiçais: nas arcas ou armários que para isso hão-de estar ordenados na sacristia ou igreja: tudo bem concertado e a bom recado»148 .

Estas directrizes repetem-se nas constituições dos vários bispados, segundo as mesmas fórmulas, ao longo de quase todo século XVI. Na verdade, só a partir de 1585, com a ordenação das constituições do Porto e de Coimbra, se introduzem outras considerações sobre o decoro do culto.

Uma outra matéria, sobre a qual também desde cedo surgem disposições, refere-se à preparação para a celebração eucarística, necessariamente realizada em ambiente reservado e de silêncio para a adequada predisposição do espírito. O silêncio introspectivo é favorecido e determinado

147 CS Lisboa 1537, 69v. De acordo com Silva Dias, as CS publicadas nas primeiras décadas do século XVI reflectem as orientações no sentido da Reforma da Igreja preconizadas no V Concílio de Latrão (1512-17): «Merecem especial destaque em todas elas, como reveladoras de uma tendência, os preceitos ordenados à morigeração da clerezia, à residência dos priores nos benefícios, ao respeito dos lugares sagrados e à intensificação do culto. A publicação das Constituições é um indício seguro de que as mentalidades começavam a mudar ». Dias 1960, 73 (sublinhado meu). 148 CS Braga 1538, 53 e 54; CS Porto 1541, 74 e 75v.

112 pela mesma fórmula normativa que se renova nas constituições de Coimbra (1548), Lamego (1563), Goa (1568) e Porto (1585).

«E como quer que a sacristia seja deputada para os sacerdotes que hão- de celebrar e limpar suas consciências. Mandamos que os clérigos e pessoas que nela estiverem, assi na nossa Sé como nas outras: estejam em silêncio e com toda a honestidade: e não falem mais que o necessário com voz honesta e baixa» 149 .

Também nas de Miranda (1565), Leiria (1601), Viseu (1617) e Braga (1639) é dada a mesma orientação, mas noutros termos. A sacristia passa, então, a ser um espaço regulado em termos comportamentais e rituais, proibindo-se expressamente práticas profanas ou de natureza inapropriada: «E não farão nela juramentos por nenhuma coisa que seja». Neste sentido, o acesso tornava-se restrito, com o encerramento das suas portas aos leigos: «E não consentirá entrar algum leigo dentro da dita sacristia, salvo levando algum recado: o qual dado logo se sairá. Ou havendo de ministrar alguma coisa que então poderá nela estar enquanto for necessário» 150 .

Por seu turno, a preocupação com a harmonização do calendário litúrgico e com o cumprimento das missas e obrigações determinou uma solução prática: a disposição em lugar conveniente, normalmente na sacristia, da chamada «tábua das obrigações», onde se listavam as missas, capelas perpétuas e aniversários que cada igreja estava obrigada a celebrar: «E nas ditas Igrejas haverá uma tábua que estará pendurada na Sacristia, ou em outro lugar conveniente, em que estejam escritas de boa letra as missas de obrigação que há na dita Igreja, ou mosteiro, e assim alguns aniversários, ou encarregos, se os aí houver» 151 .

149 CS Coimbra 1548, 52-52v. 150 CS Coimbra 1548, 52-52v. 151 CS Porto 1585, 76v.

113 A natureza das instruções sinodais foi-se tornando, progressivamente, mais complexa a partir do último quartel de Quinhentos. A preocupação com os actos rituais de preparação do celebrante para o sacrifício da Missa foi alargada à paramentação e às orações que deviam ser rezadas nesse processo. Neste sentido, os caixões ou arcazes aparecem como o lugar na sacristia onde se devia realizar o revestimento dos sacerdotes, por razões bastante práticas, já que a profundidade do seu tampo permitia estender e dispor os paramentos de forma organizada. Os móveis deviam ser de boa madeira e bem lavrados, a fim de neles se guardarem os ornamentos e se despirem e vestirem sobre eles os que houvessem de dizer a missa 152 . O acto da paramentação devia obrigatoriamente ser acompanhado pelas orações associadas a cada peça de vestuário, acentuando o sentido de meditação e de interiorização. A fim de ajudar o cumprimento desse ritual, realizado antes e após a missa, é sugerida a exposição das orações em «tábuas» colocadas na sacristia e explicado o significado profundo do acto da paramentação, especialmente nas Constituições do Porto de 1585:

«E terá o sacerdote antes da missa recolhimentos para considerar que quando celebra, representa a pessoa de Jesus Cristo nosso Senhor, e oferece diante da divina majestade de Deus a seu filho misteriosamente, como ele se ofereceu invisível na árvore da vera Cruz, e que o há-de receber, e depois de celebrar terá estas, e outras semelhantes considerações: porque é cousa digna de grande repreensão ir a celebrar nos desassossegos, e inquietações do mundo, e logo sem mais consideração, tornar-se a elas.

E para ajudar em alguma parte a dispor os sacerdotes para tão alto mistério, mandamos que em todas as Igrejas matrizes haja uma folha, que mandamos imprimirem que estejam as orações ordenadas para antes, e depois da missa, e para dizer o sacerdote revestindo-se, a qual

152 CS Coimbra 1591, CS Lamego 1639.

114 estará na sacristia, ou lugar, onde costuma revestir-se posta em uma tábua, de modo que a possam ver, e ler facilmente os que houverem de celebrar» 153 .

A individualização de elementos tão particulares à sacristia como o lavabo, o estrado e o espelho, em reforço do cuidado com a paramentação, só ocorre, porém, nos instrumentos sinodais publicados a partir do segundo quartel de Seiscentos. A ablução das mãos foi, geralmente, um gesto sugerido pela ordenação de uma toalha de linho de duas varas para o efeito, mencionada desde as constituições da diocese coimbrã de 1521. Mas, de resto, não se fazia menção ao lavabo ou lavatório.

Este só surge referido nas constituições de Seiscentos, facto que não tem necessariamente que ver com a inexistência dos representativos lavabos de pedra nas sacristias portuguesas ao longo do século XVI. Simplesmente não seriam dados como peças determinantes e obrigatórias, podendo talvez ser substituídos por um jarro e uma bacia de água às mãos, tendo em conta os custos avultados da construção de um lavabo de pedra (que pressupunha um sistema de alimentação e de escoamento de água).

De modo que as Constituições da Guarda de 1621 são, efectivamente, as primeiras a fazerem referência ao «lavatório», seguidas pelas de Portalegre (1632), Elvas (1635) e de Lamego (1639). Desejavelmente, agora deviam ser «lavatórios de pedra, ou de estanho, para os padres lavarem as mãos, antes de dizerem missa, com toalhas para limpar as mãos, tantas que se possam pôr duas cada semana»154 .

Em complemento do mobiliário, surgiram também indicações relativas a outras peças adicionais: o estrado de madeira colocado junto aos arcazes por razões de conforto e «um espelho em lugar conveniente, para que nele se

153 CS Porto 1585, 75. 154 CS Portalegre 1632, 174v.

115 possam ver os sacerdotes se saiam compostos ao Altar» 155 . A disposição de um espelho pendurado garantiria, por princípio, a correcção e dignidade da apresentação dos celebrantes perante a assembleia dos fiéis, porque «a tão alto ministério, e sacrifício, não só se requere a limpeza espiritual para se celebrar com a decência devida, se não também a corporal de mãos, rosto, e roupas sacerdotais» 156 . A gravidade que devia caracterizar a saída da sacristia para o altar foi mesmo sublinhada nas Constituições de Leiria e de Lamego, as quais instruem os sacerdotes a deixarem a sala «com muita gravidade, e modéstia, com os olhos baixos», «com a decência, autoridade, e compostura, que convém, a dizer Missa» 157 .

Em face do exposto, constata-se, de uma maneira geral nas Constituições Sinodais portuguesas de 1521 a 1640, a prevalência de formulários repetitivos quanto ao espaço da sacristia, limitados a características muito estritas, e de resto pouco estruturados e dispersos. A identidade da sala evolui, no quadro da legislação diocesana, de forma muito lenta, mas em virtude, sempre, da necessidade de garantir o decoro e dignidade do culto e da generalização do Missal Romano. (Ver Tabelas 1 e 2)

Neste particular, a função do espaço é determinada e condicionada especificamente pela sua relação com as celebrações realizadas na igreja. Quaisquer aspectos formais e tipológicos são secundarizados, não havendo instruções relativas a plantas e localizações preferenciais, disposição e organização do espaço ou eleição de partidos decorativos. Refira-se, aliás, que de todas as constituições diocesanas, do início do século XVI ao XVIII, apenas as ordenadas para o bispado de Coimbra (1591) revelam apreensão com a inexistência da própria sacristia: «não havendo Sacristia, se mandará fazer

155 CS Elvas 1635, 92v. 156 CS Elvas 1635, 92v. 157 CS Leiria 1601, 49; CS Lamego, 1639, 303.

116 Aspectos materiais 1ª referência Referências seguintes

Limpeza e conservação Coimbra 1521 Évora 1534, Lisboa 1537, Braga 1538, Porto dos ornamentos 1541, Coimbra 1548, Algarve 1554, Angra 1560, Lamego 1563, Miranda 1565, Goa 1568, Porto 1585, Viseu 1617, Guarda 1621, Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639, Braga 1639

Referência à sacristia Évora 1534 Lisboa 1537, Braga 1538, Porto 1541, Coimbra 1548, Algarve 1554, Viseu 1556, Angra 1560, Lamego 1563, Évora 1565, Miranda 1565, Goa 1568, Porto 1585, Funchal 1585, Coimbra 1591, Leiria 1601, Viseu 1617, Guarda 1621, Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639, Braga 1639

Mobiliário (arcas e/ou Évora 1534 Lisboa 1537, Braga 1538, Porto 1541, Coimbra armários) 1548, Algarve 1554, Viseu 1556, Angra 1560, Lamego 1563, Évora 1565, Miranda 1565, Goa 1568, Porto 1585, Funchal 1585, Coimbra 1591, Leiria 1601, Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639, Braga 1639

Toalha para ablução das Évora 1534 Lisboa 1537, Braga 1538, Porto 1541, Coimbra mãos (de duas varas de 1548, Viseu 1556, Lamego 1563, Évora 1565, linho, estopa ou olanda) Miranda 1565, Goa 1568, Porto 1585, Funchal 1585, Coimbra 1591, Guarda 1621, Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639

Mobiliário (caixões) Coimbra 1591 Viseu 1617, Guarda 1621, Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639, Braga 1639

Mobiliário (armário Guarda 1621 embutido)

Aspectos construtivos Guarda 1621 da sacristia

Lavabo Guarda 1621 Portalegre 1632, Elvas 1635, Lamego 1639

Espelho Guarda 1621 Elvas 1635, Lamego 1639

Estrado junto aos Guarda 1621 Lamego 1639 arcazes

Portas seguras Guarda 1621 Portalegre 1632

Casa de serviço Guarda 1621 Portalegre 1632

Tabela 1| Constituições Sinodais portuguesas, de 1521 a 1639: Referências aos aspectos materiais e aos elementos das sacristias.

117 Aspectos do ritual 1ª referência Referências seguintes

Regulação de Coimbra 1548 Lamego 1563, Miranda 1565, Goa 1568, Porto comportamentos: 1585, Coimbra 1591, Viseu 1617, Braga 1639 silêncio e controlo de entradas

Paramentação sobre o Coimbra 1591 Lamego 1639 arcaz

Tábua das missas e Lamego 1563 Évora 1565, Goa 1568, Porto 1585, Funchal obrigações 1585, Coimbra 1591, Elvas 1635, Lamego 1639, Braga 1639

Tábua de orações Porto 1585 Coimbra 1591, Leiria 1601, Viseu 1617, Guarda 1621, Portalegre 1632, Lamego 1639, Braga 1639

Saída da sacristia para o Coimbra 1591 Leiria 1601, Lamego 1639 altar

Visitação da sacristia Coimbra 1591 Guarda 1621, Portalegre 1632

Tabela 2| Constituições Sinodais portuguesas, de 1521 a 1639: referências aos aspectos do ritual relacionado com o espaço da sacristia. logo»158 . No entanto, ao considerar a sacristia e seu provimento, o nível de detalhe foi reduzido ao essencial e não se procedeu a uma enumeração exaustiva. Decisão que é justificada no próprio texto das constituições, relegando para os visitadores a atenção ao restante 159 .

As instruções são, por isso, muito gerais funcionando como ponto de referência para os responsáveis das Fábricas. A formação da tipologia da sacristia, em Portugal, está longe de se encontrar na legislação sinodal, que mais parece constituir a formalização sintética de uma identidade alcançada por protótipos e modelos experimentados e alcançados pela via da arquitectura.

Neste contexto, existe porém um caso de excepção. Trata-se das Constituições do Bispado da Guarda, ordenadas em 1621, em que o ponto dedicado às sacristias, enquadrado no capítulo «Da Edificação, e Reparação das

158 CS Coimbra 1591, 110v. 159 CS Coimbra 1591, 104v.

118 Igrejas, Ermidas, e Mosteiros», constitui o texto mais completo a respeito da tipologia no universo das constituições sinodais portuguesas. Não só se determina ali a existência de sacristias, como se tecem considerações sobre a sua localização e orientação, além da respectiva construção, iluminação, mobiliário e portas.

Assim, recomendavam, especificamente para as igrejas conventuais, que houvesse «Sacristias capazes, segundo o número dos Ministros, e qualidade das Igrejas », ou seja, a dimensão e proporção do espaço seria determinada não só pelo número de celebrantes dos ofícios divinos, como pelo estatuto hierárquico das igrejas. Deviam ser edificadas «de maneira, que não tirem a luz à Capela mor, ou Igreja, ou em distância do Altar mor, que se possa ir delas para ele processionalmente» 160 , justificando-se assim a proximidade e a relação com o presbitério.

Encomendava-se, igualmente, às Fábricas que fizessem as sacristias «de abóbada, ou forradas, e outro sim lajeadas, ou ladrilhadas, e caiadas, como das Igrejas, e Capelas fica dito», mostrando preocupações práticas com a edificação do espaço que não devia desmerecer a das próprias igrejas. Impunha-se ainda que estivessem orientadas a nascente ou poente, de forma a facultar a luz necessária a um ambiente seco, que contribuísse para a conservação dos paramentos e alfaias. «Frestas de grades de ferro fortes, e seguras» e «boas portas com fechaduras, e chaves» eram outros cuidados a ter em conta, dada a necessidade de segurança do tesouro ali arrecadado.

Nas Constituições da Guarda, mencionam-se ainda duas tipologias distintas de mobiliário: os caixões (arcazes) «bastantes, bem lavrados, de boa madeira, com fechaduras, e chaves, em que estejam os Ornamentos, e livros pertencentes ao Ofício Divino de cada Igreja»; e o armário embutido «com fechadura, e chave, feito na parede, forrado de madeira, em que estarão os

160 CS Guarda 1686 (1621), 369. As citações seguintes referem-se à mesma obra, pp. 369-370.

119 Cálices da Igreja, e em que se recolherão os Cofres dos Corporais, e caixas das Hóstias».

Menciona-se, também, e pela primeira vez, o anexo complementar à sacristia, uma sala destinada a arrecadar peças do serviço das igrejas: «Nas Igrejas, que para isso tiverem possibilidade, haverá uma casa acomodada junto à Sacristia, ou ao Baptistério, com porta, fechadura, e chave: a qual estará sempre fechada, e nela se guardarão as cousas de madeira, e ferro, e outras do serviço da Igreja».

A proximidade do texto sinodal da Guarda à Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo é bastante evidente. Como vimos, o arcebispo milanês prescreveu similarmente preceitos quanto à localização e orientação da sacristia, à sua relação com a capela-mor, ao cuidado com a luz e conservação dos ornamentos contra a humidade e a aspectos construtivos do interior. Indicações que coincidem, por vezes textualmente, com as que encontramos nas Constituições da Guarda, até mesmo na definição de um anexo para a guarda de objectos de maior dimensão ou de serventia inferior da igreja, libertando a sacristia para a sua justa função.

Esta ocorrência, isolada nos textos sinodais, resulta seguramente da influência da obra de Borromeo, usada como ponto de partida para uma versão simplificada e resumida, mas igualmente incisiva nas questões práticas seleccionadas. As Constituições Sinodais do Bispado da Guarda foram revistas, terminadas e publicadas em 1621 pelo bispo D. Francisco de Castro, mas a compilação das mesmas havia resultado do sínodo realizado a 29 de Junho de 1614 presidido pelo seu antecessor, D. Afonso Furtado de Mendonça.

O prólogo relata que, para o efeito, D. Afonso «com muito zelo, e vigilante cuidado, não perdoando ao trabalho pessoal, com assistência, e conselho de pessoas de grandes letras, e prudência, ordenou, e fez de novo estas Constituições (…) depois vistas, e examinadas em uma junta para isso ordenada,

120

49| Annales Ecclesiastici , Cesare 50 | Constituições Sinodais do Bispado da Baronio, tomo III, 1592. Guarda , 1621.

51| Portada das Constituições 52| Constituições Sinodais do Bispado de Sinodais do Bispado de Viseu , 1617. Portalegre , 1635.

121 de procuradores do Cabido, e Clero, pessoas de muita experiência» 161 . De facto, neste particular, já foi anotado o conselho para a estruturação da obra de D. Francisco Suárez (1548-1617), teólogo jesuíta espanhol, conhecido ao tempo por «Doctor eximius et pius» 162 .

A escolha da data para a realização do sínodo não foi ao acaso, sabendo- se corresponder o dia 29 de Junho ao dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (como aliás se refere no Prólogo) colocando as Constituições no alinhamento das origens do Cristianismo e sob o patrocínio de figuras chave da fundação da Igreja. Daí, os mesmos apóstolos surgirem na gravura de pendor erudito que compõe a folha de rosto da publicação. Um recurso iconográfico também presente nas Constituições de Viseu de 1617, onde se representam São Teotónio – patrono da diocese que fora prior da Sé e um dos fundadores do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra – e São Carlos Borromeu, figura tutelar da Reforma Católica e recentemente canonizado em 1610.

Nas Constituições da Guarda, São Pedro e São Paulo figuram com os seus atributos sobre pedestais, num enquadramento arquitectónico clássico pontuado nos extremos por duplas pilastras coríntias e no topo por urnas. O entablamento é interrompido por dois anjos tenentes que sustentam uma cartela onde figura a Virgem e o Menino sobre uma nuvem e o crescente lunar. Em baixo, outra cartela com as armas de D. Francisco de Castro.

Apesar de o tipo de enquadramento da folha de rosto das Constituições da Guarda ser um recurso comum a algumas outras publicações de nível equivalente, não deixa de ser interessante notar a semelhança com a portada dos Annales Ecclesiastici de Cesare Baronio, cuja composição formal e elementos iconográficos – salvo pequenas diferenças e a substituição da representação da «Igreja Triunfante» pelo brasão do bispo – parecem ter inspirado a das Constituições Sinodais da Guarda, e estas depois as de Portalegre.

161 «Prologo», CS Guarda 1686 (1621), 2. 162 Vasconcelos 1911, 18.

122 Estas Constituições consideram-se, bem como as de Viseu (1617), «um texto exemplar das políticas de reforma católica, são modelos de erudição, inauguram uma nova estrutura dispositiva das matérias e serviram de paradigma à de Lisboa de 1646, do Algarve de 1674, de Lamego de 1683 e às do Porto de 1690» 163 . Nomeadamente, nas questões relativas às matérias da arquitectura e do provimento das igrejas. O capítulo da sacristia ilustra a tendência geral que se vinha desenhando nos instrumentos sinodais publicados desde encerramento do Concílio de Trento e que aqui encontrou a sua melhor tradução textual.

Além da preocupação com as imagens e as relíquias – assinalada pela historiografia portuguesa desde o estudo de Flávio Gonçalves 164 –, regista-se uma progressiva atenção em torno de aspectos gerais da arquitectura eclesial, como também de questões contratuais que englobam qualquer obra das fábricas. O que não é imediatamente evidente a partir da leitura das orientações para o espaço da sacristia (que, como afirmei, são na generalidade abreviadas e dispersas), mas que se torna claro a partir da análise da geral estrutura das igrejas. Para as quais são dadas indicações sobre elementos-chave do culto (tais como, o local do Santíssimo Sacramento, baptistério, capela-mor, altares, púlpito, adro, confessionários, sinos, …)165 . Esta mudança sensível deriva seguramente da posição tridentina a respeito da arte: uma «arte ao serviço da Igreja», objectivando a reforma, assegurando o decoro do culto e fortalecimento da comunidade cristã. Tal predisposição tinha consequências directas na orientação do controlo pastoral exigido aos bispos a seguir a Trento, realizado por meio das visitações às quais se dará atenção no capítulo seguinte.

Uma outra questão inaugurada pelas Constituições Sinodais da Guarda decorre da orientação das contratações, a fim de prevenir gastos extraordinários e assegurar o cumprimento dos planos construtivos e da execução das imagens.

163 Paiva 2000b, 15. 164 Gonçalves 1990 (1960). Para uma problematização mais actualizada e desenvolvida sobre a questão da imaginária e dos relicários, veja-se a tese de Doutoramento de Carlos Moura (2006, 127-43). 165 Branco 2008, I 23-26; II 1-6.

123 Medidas que procuravam evitar desvios, falhas ou erros no cumprimento das determinações colocadas pelos visitadores quanto aos reparos necessários nas igrejas, mas também garantir a optimização dos recursos e a eficácia dos prazos de execução. Este parece ser o resultado do conhecimento pessoal, por parte de bispos e dos seus visitadores, do contexto, condições e necessidades dos territórios diocesanos, muitas vezes expresso nos prólogos das Constituições, onde os prelados observam com frequência terem as constituições resultado das visitas realizadas.

A rubrica associada ao projecto e contratação da obra das Constituições da Guarda reflecte o que havia já sido expresso no «Regimento do Executor das Visitações», do bispado de Viseu, em 1614 166 , embora com um desenvolvimento muito mais alargado, dando origem a um capítulo independente intitulado «Como se arrematarão as Obras das Igrejas, e a que Oficiais». Este capítulo constitui um documento importante sobre a fixação das práticas associadas à encomenda de obras pelo clero, fossem elas de arquitectura, escultura, pintura ou carpintaria. E que acabaria por influenciar capítulos ou parágrafos do mesmo âmbito nos textos sinodais posteriores 167 .

Assim, para que qualquer «obra de consideração de carpintaria, ou pedraria, retábulos, e pinturas» se fizesse «com a perfeição que convém», ordenava-se que dela se desse conhecimento ao provisor do bispo e mandava-se que «primeiro se façam traças pelos melhores arquitectos, e oficiais das ditas obras, com as condições de contratos com que se hão de fazer»168 . Feito o risco, a obra seria divulgada através de «escritos nos lugares públicos» previamente seleccionados e andariam em pregão. Os oficiais interessados na empreitada apresentariam as suas propostas. A obra deveria ser depois adjudicada àqueles que melhor e mais barato a fizessem, pelos «Párocos das Igrejas, e os Fabricários delas, e as mais pessoas que tocarem as ditas obras». Far-se-ia, em seguida, uma

166 Ver adiante, pp. 131-32. 167 CS Portalegre 1632, CS Elvas 1635, CS Lamego 1639. 168 CS Guarda 1686 (1621), 373. As citações que se seguem referem-se à mesma obra e página.

124 escritura de obrigação com os oficiais responsáveis pela execução e seus fiadores «por auto de fora, feito por Notário Apostólico, ou Escrivão de nosso Auditório Eclesiástico».

O texto defende a especialização profissional, proibindo terminantemente que se arrematassem as empresas a alguém que não fosse do ofício a que a obra dizia respeito ou que fosse trespassada pelos oficiais contratados «porque de semelhantes contratos, e arrematações, se seguem grandes danos, e prejuízo às Igrejas, e não se fazem as obras, como convém». Interditava-se, igualmente, a contratação de oficiais que não tivessem licença expressa do Provisor para trabalhar nas obras da diocese, quer fossem de arquitectura, pintura, ou de ouro, ou prata. Por fim, concluída a obra, só se lhes pagaria se os mesmos tivessem «acabado perfeitamente as ditas obras, conforme à traça, e condições dos contratos».

Trata-se, certamente, da formalização de uma prática costumada na contratação de obras. Em todo o caso, a fonte desta normalização resulta, de novo, de outros textos do foro eclesiástico, em particular dos publicados em Espanha. A título de exemplo, pude verificar que as Constitvciones synodales, Del Obispado de Osma , feitas e ordenadas em 1584, contêm um capítulo bastante desenvolvido e pormenorizado sobre as obras nas igrejas e sua contratação - «de ecclesijs edificandis».

À semelhança do que sucede entre o texto da Instructionum Fabricae e as instruções sinodais da Guarda para a sacristia, também se assinalam coincidências com as fórmulas normativas do instrumento diocesano de Osma, trinta anos anterior, a respeito da organização da fábrica das igrejas 169 . Tal não será por acaso, parecendo demonstrar que estas publicações circulavam entre as fronteiras eclesiásticas e as nacionais, servindo de matriz para a redacção de pontos particulares, considerados importantes para a gestão das dioceses.

169 Sobre a relação entre as Constituições Sinodais espanholas e a construção (licenciamentos, visitações, formas arquitectónicas, especialização profissional,…), veja-se o estudo de caso sobre a Andaluzia (Pomar Rodil e Recio Mir 2005).

125 Neste caso concreto, as Constituições de Osma devem ter circulado mesmo em território português, já que o exemplar disponível na Biblioteca Nacional de Portugal pertencia à biblioteca de D. Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora. O que não surpreende, tendo em consideração o contexto de União Ibérica e o estreitamento das relações entre fronteiras. Recorde-se, ainda, que a ordenação destes textos legislativos contava, normalmente, com um grupo de consultores especializados nas diferentes matérias do Direito Canónico e da Teologia. No caso da Guarda, sabe-se até da participação de Francisco Suárez, que deveria ter conhecimento dos textos sinodais mais representativos publicados em Espanha, de onde viera para leccionar na Universidade de Coimbra.

De uma maneira geral, a legislação sinodal espanhola parece ter-se desenvolvido de forma semelhante à portuguesa, com instruções gerais a respeito do espaço da sacristia que se vão tornando progressivamente mais atentas às questões materiais do culto a partir do Concílio de Trento. Regulam-se os mesmos comportamentos (silêncio, gravidade, decoro, reserva do espaço ao clero e práticas sagradas, limpeza) e elementos do espaço (toalhas para ablução das mãos, tábua das missas, mobiliário, iluminação, altar, tábua das orações, segurança – janelas e portas) 170 . Como sucedeu em Portugal, algumas constituições sinodais destacam-se pela erudição e influência de textos representativos como o de Carlo Borromeo 171 , mas, na globalidade, as instruções caracterizam-se pela referência sintética e dispersão ao longo do texto sinodal.

Neste contexto, merece também referência uma obra especialmente votada à construção das igrejas, que, embora tardia, reflecte as preocupações em torno da normalização da arquitectura eclesial da diocese de Valência, na

170 Para avaliar alguns exemplos acerca da caracterização das sacristias nas constituições sinodais e outros textos regulamentares espanhóis veja-se Baño Martínez 2009, 51-81. 171 Dentre as que tive oportunidade de consultar para o período em estudo, destacam-se, pelo desenvolvimento e aparente influência de Carlo Borromeo, as Constitvciones Synodales del Obispado de Cadiz , publicadas em 1594. Francisca del Baño Martínez (2006, 32) inclui ainda as Constituições dos bispados de Teruel, Barbastro e Málaga. Todavia, trata-se de textos mais tardios, publicados nas décadas de 1660 e 1670.

126 linha da Instructionum Fabricae . Intitulada Las advertências para los edificios y fábricas de los templos: y para diversas cosas de las que en ellos sirven al culto divino y a otros ministerios 172 , ela recolhe os decretos promulgados pelo arcebispo de Valência, D. Isidoro de Aliaga, no sínodo promovido em 1631.

Referem-se os preceitos que deviam orientar a construção de uma igreja, de acordo com as determinações doutrinais e as especificidades da diocese valenciana. Os princípios são, como no texto do arcebispo milanês, essencialmente práticos, fornecendo um arquétipo eclesial que remonta ao modelo romano mais divulgado de Quinhentos. No que se refere à sacristia, a relação entre as duas obras é bastante evidente, como notou Francisca del Baño Martínez, nomeadamente no cuidado expresso com a necessidade de construir sacristias espaçosas e adequadas à igreja que serviam, as alfaiais e ornamentos que deviam conter, e ainda indicações acerca da forma e disposição das janelas, pavimento, cobertura, porta, entre outros 173 .

A evolução da legislação sinodal em contexto ibérico parece, assim, ter sofrido um impulso significativo no período pós-tridentino, reforçando tendências afloradas pela Igreja desde, pelo menos, o início do século XVI. Instruções avulsas e pontuais destinadas, em particular, ao clero e aos bens eclesiásticos, foram-se adensando, completando e estruturando em códigos normativos mais ricos e organizados, abrangendo outras medidas visando a dignificação e uniformização do espaço reservado ao culto. Codificadas as regras, era, então, necessário controlar a sua aplicação de forma organizada e sob a tutela do múnus episcopal. Como se verá de seguida, as visitações pastorais foram o instrumento adequado ao exercício desse controlo, quer sobre a conduta do clero e dos fiéis, como sobre as condições dos edifícios do culto, centro da vida espiritual das comunidades.

172 Aliaga, Isidoro. 1995 (1631). Las advertências para los edificios y fábricas de los templos del Sínodo del Arzobispo de Valencia Isidoro Aliaga en 1631 . Ed. e transcr. Fernando Pingarrón Seco. Valência: Asociación Cultural “La Seu”. Cit. Baño Martínez 2009. 173 Baño Martínez 2006, 31-32, 106.

127 As Visitas Pastorais e as Fábricas «De entre os cuidados pastorais, tem lugar principal o de visitar a diocese. A visita é como que a alma do governo episcopal (…). O verdadeiro bispo, quando sai a visitar as paróquias da sua diocese, é como o Sol quando sai a iluminar as terras, realizando os três actos hierárquicos, que vêm a ser: purificar, iluminar e aperfeiçoar» 174 .

Assim aconselhava Frei Bartolomeu dos Mártires, no Stimulus Pastorum , de acordo com o espírito reformador que orientou a promulgação dos decretos do Concílio Tridentino. Como se veio a verificar, estes impuseram a realização das visitas pastorais às dioceses como uma das principais obrigações dos prelados, estabelecendo um regime anual, ou bianual no caso de a extensão do território o justificar. No âmbito da Reforma Católica, as visitações pastorais constituíram, pois, um importante instrumento de controlo episcopal sobre o território, sobre o clero e sobre as populações.

A regulamentação dos diferentes procedimentos das visitas foi contemplada em capítulos próprios das Constituições Sinodais e dos Regimentos dos Auditórios Eclesiásticos. Redigiram-se, inclusivamente, manuais com essa única finalidade, como o de Mateus Soares publicado em 1602 e intitulado Prática, e ordem para os visitadores dos bispados, na qual se decidem muitas questões, assim em causas civis, como criminais, pertencentes aos Advogados, no foro eclesiástico e secular . De uma maneira geral, as constituições sinodais portuguesas desde o final do Concílio de Trento até 1640 detiveram-se, sobretudo, na regulamentação do processo e do ritual das visitações e no controlo pastoral do clero e dos fiéis. Mas, além das matérias deste foro, as visitações deviam assegurar o decoro do culto, indissociável do estado de conservação das igrejas, capelas, ermidas ou oratórios privados; da capacidade dos edifícios para acolher o número de fregueses; da guarda das relíquias sagradas; da adequação das imagens votivas; e do provimento das alfaias e

174 Mártires 1981, 169.

128 paramentos necessários.

Os instrumentos legais publicados pelas arquidioceses e dioceses observaram, em maior ou menor medida, instruções para guiar os visitadores na consideração das questões materiais relacionadas com o culto, as quais incluíram, por vezes, o espaço da sacristia. A designada visita «do temporal das igrejas» devia atender com especial atenção áreas muito particulares. Sempre, em primeiro lugar, a visita do Santíssimo Sacramento e respectivo sacrário, à qual se seguia a inspecção dos Santos Óleos e da pia baptismal (se tinha dimensão adequada e se se encontrava devidamente localizada e reservada). Geralmente, de seguida, deviam fiscalizar-se as relíquias e imagens e os altares. Outros guias de visitação, mais completos, chamam a atenção para a necessidade de verificar o estado geral de conservação das igrejas e de áreas específicas, nomeadamente a sacristia, a torre sineira, os púlpitos e o coro – elementos-chave para o cumprimento da liturgia restaurada –, bem como o adro e cemitério e as portas para segurança do edifício.

Ordenadas pelo bispo D. Afonso de Castelo Branco, as Constituições Sinodais de Coimbra, de 1591, são consideradas das mais completas no que se refere ao capítulo das visitações, sendo bastante pormenorizadas quanto à forma de preparar e realizar as vistorias pastorais175 . De facto, são as que deram maior espaço à descrição da «visita do temporal». No capítulo «Das visitações e visitadores», referem-se a verificação do estado de conservação dos edifícios do culto, se estão abrigados contra as intempéries, forrados e fechados com boas portas; se têm sinos ou campanário, coro (nas colegiadas), púlpito, pia baptismal fechada e, finalmente, «sacristia capaz com seus caixões pera os ornamentos, em a qual se possam bem vestir os Sacerdotes» 176 . A referência à sacristia no capítulo das visitações só voltaria a surgir nas Constituições Sinodais da Guarda (1621), como espaço onde se deviam dispor os ornamentos para fiscalização dos

175 Bethencourt 1987, 99. 176 CS Coimbra 1591, 174-175v.

129 visitadores, e nas de Portalegre (1632), segundo uma fórmula semelhante à de Coimbra: «E na visitação de cada Igreja verá particularmente (…) se tem sacristia, e caixões acomodados para os ornamentos» 177 .

Além dos elementos listados no instrumento sinodal ordenado pelo bispo-conde de Coimbra, consideram-se, ainda, as sepulturas no interior das igrejas. Nos casos em que impedissem uma boa visão do altar, deveriam ser retiradas, «conforme ao motu proprio de Pio V». Não sabemos se esta norma teve efeitos concretos em Portugal, mas um caso paradigmático da sua aplicação verificou-se, por exemplo, na arquidiocese de Milão, onde se mandaram retirar importantes túmulos das igrejas sob a autoridade do cardeal Carlos Borromeo 178 . A área de entrada e recepção das igrejas foi também alvo de regulamentação, provendo-se que o «pátio ou alpendre», diante das portas principais, deveria ser suficiente de acordo com o número de fregueses e os adros obrigatoriamente sagrados e capazes de assegurar o sepultamento.

Já o Regimento do Auditório Eclesiástico de Coimbra, reformado ao tempo de D. Afonso de Castelo Branco, não foi considerado instrumento adequado para a normalização destas questões, ao contrário do que sucedeu, designadamente, na arquidiocese de Évora. Os Regimentos de Évora, publicados a mando de D. Teotónio de Bragança, recomendam a visitação do Santíssimo Sacramento, dos santos óleos e pia baptismal, relíquias, retábulos, imagens pintadas e de vulto (se estas «estão na forma que o sagrado Concílio Tridentino encomenda»), e caixas de prata nos sacrários. Todas as igrejas, ermidas e oratórios deviam ser visitados, e neles «notar mui particularmente seus adros, edifícios, e ornamentos, oficinas necessárias, e as mais comodidades que lhe convém» 179 . Elencam-se todas as alfaias e ornamentos considerados obrigatórios para o serviço do culto, e determina-se que todos os bens móveis deviam ser

177 CS Portalegre 1632, 217v. 178 Alexander 2007, 149-152. Também as Constituições Sinodais do Bispado de Cadiz, publicadas em 1594, reflectem esta preocupação. 179 Regimentos do Auditório 1598, 63v e 65.

130 inventariados a fim de não se perderem. Na posse deste inventário, do livro das visitações e de um rol de todas as peças do tesouro, o visitador procederia então à visita da sacristia. Apesar da preocupação com a decência da liturgia, o desenvolvimento das questões ditas «temporais» é estreito.

O manual de Mateus Soares, onde se alude às «doutíssimas» Constituições de D. Afonso de Castelo Branco, também não avança além do essencial sobre «como se deve visitar o corporal da igreja», dando apenas indicações gerais sobre a inspecção e provimento dos edifícios a cargo do prelado ou do visitador responsável 180 :

«Deve o Prelado, ou seu visitador ver a igreja por dentro, e a redor, e ver a disposição dela, e as faltas que tem em seus edifícios, e achando que tem necessidade de alguns reparos lhos mandará fazer.

(…) Proverá o Bispo ou seu visitador na guarda, e conservação, repairo, e corregimento altares imagens: pedras, dará livros, e mais cousas de prata, metal, e nos mais ornamentos necessários ao culto divino, e assim no repairo das capelas, coro, e sacristia da dita igreja, e sendo o visitador, e não o próprio Prelado, fará sumário destas cousas, e dará informação ao Prelado pera ele prover» 181 .

Assim, na impossibilidade de o bispo proceder com a obrigação das visitas, nomearia os seus delegados para o efeito. Geralmente, o corpo responsável pelas visitações nas dioceses não ia além do bispo, provisor e vigário-geral 182 . Neste âmbito administrativo, o caso de Viseu é mais completo, contemplando a figura do executor das visitações, cujo campo de actuação foi regulado pelo Regimento do Auditório Eclesiástico do Bispado de Viseu (1614):

180 Na segunda metade do século XVII será publicado um outro manual de visitações, da autoria de Lucas de Andrade, bastante mais minucioso na enumeração dos aspectos a inspeccionar nas visitas. Andrade 1673. 181 Soares 1602, 30 e 31v. 182 Paiva 2000c, 197

131 «Ao Executor pertence correr com as obras das Igrejas deste Bispado, que por nossa ordem, ou de nossos visitadores se mandarem fazer, e saber se os oficiais, que as têm à sua conta, as fazem, e vão com elas por diante, conforme à traça, e forma de seus contratos; pera o que os poderá compelir, como for justiça, até que com efeito cumpram o que contrataram» 183 .

A prática das visitações e a organização dos seus mecanismos de funcionamento nas dioceses portuguesas apresenta semelhanças com o caso espanhol, muito em particular na regulação dos aspectos ligados à construção e conservação das igrejas. Como em Portugal, na ausência do bispo, a visitação decorria sob a autoridade de visitador nomeado para o efeito coadjuvado pelo executor das visitações. Este configurava um dos agentes de controlo dos bispos, atendendo às necessidades materiais das igrejas sob a sua jurisdição. A normalização da actividade do executor – divulgada, a título de exemplo, nas Constituições de Granada (1573), Cadiz (1594) e Sevilha (1609) – elucidava as suas áreas de intervenção: correr com as obras e conservação das igrejas e proceder ao controlo da economia das paróquias, em termos que coincidem com os dos instrumentos diocesanos portugueses 184 .

O procedimento das visitações envolvia a redacção de relatórios pormenorizados e a ordenação de medidas de alteração do que fosse considerado necessário. As obras e consertos nos edifícios de culto foram, por isso, um ponto frequente nos relatórios das visitas, no sentido de providenciar o decoro necessário à dignidade do culto e serviço adequado à comunidade dos fiéis. Nos livros das actas, assentavam-se as alterações a efectuar e penas por incumprimento, bem como as directrizes que a Fábrica deveria considerar ao contratar a obra, referindo-se dimensões, materiais e disposição formal. Nestas

183 Regimento do Auditório 1614, 60. 184 Pomar Rodil e Recio Mir 2005, 891-94.

132 relações, também se consideraram, quando necessário, os altares e retábulos, relicários, pinturas e esculturas, alfaias e paramentos.

Ainda está por realizar um estudo exaustivo desta documentação, ou da parte que dela sobreviveu dispersa por arquivos nacionais, regionais e paroquiais 185 . A historiografia recente tem vindo a chamar a atenção para o profundo desconhecimento, em termos globais, do caso português no respeitante à intensa prática das visitas no Portugal moderno. Os resultados das investigações realizadas são ainda parcelares, embora as relações documentais já publicadas permitam perceber o potencial destas fontes. Sobretudo para a avaliação do alcance da implementação de alterações na arquitectura e arte religiosa no seguimento das reformas pós-tridentinas, em geral, e para a história e cronologia de edifícios em particular.

Interessaria sobretudo, no âmbito do presente estudo, perceber, ainda que de forma embrionária e pontual, a consideração da sacristia no enquadramento da prática das visitações. Mas, os elementos disponíveis são bastante reduzidos e insuficientes, pelo que não é possível avançar além de algumas breves considerações.

Um caso de particular interesse diz respeito à diocese de Viseu e à actuação reformadora do bispo D. Jorge de Ataíde. Além das reformas espirituais e regulamentares da diocese de Viseu – recebidas com resistência por parte do Cabido – D. Jorge foi um visitador diligente da sua diocese, estimando-se que nela tenha realizado seis visitas em dez anos, número apreciável mesmo em contexto pós-tridentino 186 . Segundo João Rocha Nunes, as visitações conduzidas por Ataíde atenderam às obras de conservação e reconstrução das igrejas e capelas, principalmente quando em mau estado, e ao provimento de imagens e dos ornamentos necessários ao culto.

185 Estima-se que o acervo documental relativo às actas de visitações estará bastante incompleto. José Pedro Paiva fala mesmo na «decomposição e desaparecimento da maior parte do gigantesco espólio documental». Paiva 2000a, 250. 186 Nunes 2010, 311.

133 As obras ficavam a cargo das fábricas paroquiais e/ou dos seus administradores, mas seguiam determinações impostas pelos visitadores, que chegavam mesmo a fornecer plantas para o efeito. São raríssimos os desenhos conhecidos, sobretudo os das encomendas consequentes das visitas pastorais. Estes documentos contêm um valor muito significativo para o estudo dos edifícios em causa, como para o conhecimento da aplicação da Reforma Católica operada ao nível da arquitectura religiosa. Outro estudo que, de resto, importa fazer, no futuro, alargando o inquérito aos restantes arquivos paroquiais e às actas das visitações.

Neste sentido, sublinha-se aqui a importância do desenho publicado por João Rocha Nunes, ilustrando o papel de D. Jorge de Ataíde na reforma de um número considerável de igrejas matrizes, com o intuito de as uniformizar na dignidade e capacidade suficientes para acolher os fiéis. A elaboração das traças é atribuída por este historiador ao próprio bispo 187 . Seguramente, o bispo terá tido um papel determinante no que se haveria de fazer em cada caso concreto. Mas, os planos foram executados, como tudo leva a crer, por um mestre de obras que Ataíde teria ao seu serviço. Assim aconteceu, por exemplo, no arcebispado de Milão, onde os projectos arquitectónicos de renovação das igrejas paroquiais, directamente ligados às visitas pastorais (sobretudo sob o governo de Carlo Borromeo 188 ), foram elaborados pelos arquitectos do arcebispo e cardeal italiano. Este desenho é, por isso, prova da mesma prática em Portugal, empreendida por um antístite informado, metódico e sistemático na reforma do seu bispado.

187 Nunes 2010, 282. Outro exemplo da mesma prática encontra-se nas visitas de 1576 e 1577 às igrejas matrizes de Fornos de Algodres e de São João da Fresta, respectivamente. O autor relaciona também a necessidade de reformar as matrizes com o crescimento populacional da região, no século XVI, ficando as igrejas obsoletas em termos de capacidade e condições para acolher os fiéis. 188 Sobre esta questão veja-se Mazzotta 2008, onde se publicam os desenhos e plantas que integram os núcleos documentais Visite Pastorali e Spedizioni diverse do Archivio Storico Diocesano di Milano.

134 Tratava-se de remodelar a antiga e pequena igreja matriz de Ferreira de Aves, mantendo elementos da arquitectura original românica. O levantamento planimétrico, incluído na acta da visitação, constitui um desenho técnico bem executado, evidenciando os elementos estruturais mais marcantes – como os vãos de circulação e de iluminação, os altares e pias de água benta – e recurso a legendagem para a boa condução da obra, sobretudo com indicação de medidas. No que se refere à sacristia, as anotações determinam que fosse dividida em duas, com uma área exclusiva para o cabido, e providenciam as medidas da sala e das portas:

53| Igreja de Ferreira de Aves , traça ordenada por 54| Igreja matriz de Ferreira de Aves , D. Jorge de Ataíde, na visitação realizada em 1573. Sátão, planta actual (1950). © Arquivo Paroquial de Ferreira de Aves, Livro de © SIPA DES.00009327 visitas de Ferreira de Aves , visita de 1573. In Nunes 2010, 282.

135 «A sacristia da casa que há-de servir para cabido tem de vão 16 palmos e ambas de duas o que tiver a capela de comprido que são 38 com a grossura da parede que fica entre ambas. (…) as portas do cabido e sacristia mudará o pedreiro como estão na traça e estes portais terão três palmos e meio de largo e nove de alto».

O projecto da sacristia dizia unica e exclusivamente respeito ao espaço, não havendo, além disso, notas ou indicações na planta relativas à disposição de mobiliário, lavabo ou altar. O desígnio fundamental era dotar a igreja de uma sala compartimentada que servisse as funções de apoio ao culto. O desenho propõe uma sacristia dividida em duas, com acesso directo para a capela-mor e para o exterior, além de duas janelas; e indica a localização da «campanária», dado que o tanger dos sinos era uma das funções do sacristão. Inicialmente pensada para ocupar o lado da Epístola junto à capela-mor, veio, no entanto, a ser construída do lado oposto com algumas alterações, como ilustra a planta actual da igreja.

A preocupação com a edificação e reparação das sacristias, bem como com o mobiliário para a guarda das vestes e dos livros litúrgicos, não seria nova no domínio das visitas pastorais. Há indícios que a recuam, pelo menos, ao final de Quatrocentos. Assim o testemunham, por exemplo, as actas das visitações da ordem militar de Santiago da Espada, onde se descrevem as sacristias e o seu estado de conservação, a necessidade de as (re)construir ou reparar para adequada arrecadação das alfaias e ornamentos. Foi o que sucedeu, por exemplo, na visitação de 1482 à igreja de Mértola, onde se ordenou a sua construção: «Mandamos ao dito Comendador que mande fazer uma Sacristia em uma parte da dita igreja em lugar que seja honesto na qual mandara pôr uns armários para se vestirem os clérigos e para terem os livros guardados» 189 .

Neste sentido, o que se veio a alterar significativamente com o Concílio Tridentino foi a regulamentação dos instrumentos de controlo e a introdução da

189 Visitação à igreja de Mértola realizada em 1482. Publ. em As Comendas 1996, 43.

136 prática regular e sistemática da visita pastoral nas dioceses, orientada para a uniformização do culto e da liturgia 190 . No que respeita à arquitectura eclesial, estima-se que os efeitos práticos desta mudança tenham considerado uma maior preocupação com o estado de conservação e limpeza das igrejas (e ornamentos), e com o reordenamento dos espaços sagrados e de apoio ao culto, entre os quais se destacava a sacristia.

No entanto, as reformas determinadas pelos visitadores nem sempre foram cumpridas no tempo estipulado, chegando a levar anos até serem concluídas. O processo de reforma do edificado terá sido moroso, em parte motivado pela resistência dos responsáveis pelas obras, como também pelo investimento avultado que estas acarretavam, especialmente tratando-se de fábricas com réditos limitados e de populações pobres. O costume e a tradição em Portugal caracterizavam-se pela distribuição das responsabilidades entre a Fábrica e os fiéis. A primeira custeava as obras da capela-mor até metade do cruzeiro e os fregueses a outra metade do cruzeiro e a área da nave.

Os instrumentos legais diocesanos limitam o regulamento quanto ao financiamento de obras à igreja propriamente dita, ficando por esclarecer ipsis verbis sobre quem recaía a responsabilidade quanto a outras construções anexas, como por exemplo, o campanário ou a sacristia. Parte-se, por isso, do princípio que isso ficaria a cargo da Fábrica, dado que eram áreas de acesso reservado. Dedução confirmada pelo esclarecimento que Mateus Soares redigiu quanto ao que se entendia por «fábrica»:

«se entende fábrica tudo aquilo que toca ao corporal inteiro da Igreja, como é, se houver mester forrada ou telhada, reparar as paredes, fazer e abrir frestas e portas, e pôr vidraças, fazer coro ou repará-lo, de alguma cousa, fazer grades, ou sacristias, e tudo o mais que pertence a todo o corpo, da Igreja, porque isto se chama fábrica, e desta porção deputada

190 Palomo 2006, 36; Paiva 2000a, 251.

137 para a fábrica, se não gastará em ornamentos da Igreja» 191 .

Os tópicos sobre a organização das visitas e gestão das fábricas são também importantes, na medida em que reflectem os procedimentos instituídos pelo topo da hierarquia eclesial. As preocupações manifestadas nas visitas diocesanas decorrem de questões também colocadas nas próprias sés. Estas eram, aliás, os primeiros edifícios a serem visitados pelos prelados, que depois efectuavam a ronda pelas paróquias e colegiadas das dioceses, como ainda pelos conventos, mosteiros ou abadias abrangidas pela sua jurisdição.

A conservação e manutenção do edificado, bem como a gestão de obras de ampliação das catedrais, determinadas pelas visitas pastorais do bispo ou dos vedores por ele nomeados, ou resultantes da avaliação das necessidades pelo cabido, ficava geralmente a cargo da Fábrica da Sé. Esta instituição jurídica diocesana dispunha, normalmente, de rendas próprias para aplicar nas obras e na aquisição de peças e bens de consumo destinados ao culto (como cera, incenso e azeite). Por outro lado, não competia à Fábrica encomendar ornamentos novos, mas sim aos prelados, como explica Mateus Soares: «os frutos e réditos se devem gastar na fábrica, e não nos ornamentos, porque pertence ao Prelado dá-los, e não se pode gastar a dita porção da fábrica deles» 192 . As informações de que dispomos sobre o financiamento e a organização jurídico-administrativa das dioceses são, contudo, muito limitadas. Sabe-se pouco sobre a gestão dos rendimentos e despesas da Fábrica das sés ou das Mesas Episcopais 193 .

E esta matéria revela-se, de facto, de grande importância, ao considerarmos as questões relacionadas com campanhas de obras nas sés e as práticas de encomenda e patrocínio. Quem financiava as grandes obras, a Fábrica ou os prelados? Que papel tinham os bispos ou o cabido, enquanto encomendantes, na elaboração dos projectos? Como funcionava a estrutura

191 Soares 1602, 33v. 192 Soares 1602, 35v. 193 Sobre o estado da questão, veja-se Paiva 2001, 245-46.

138 orgânica da Fábrica? E qual o seu nível de autonomia, por relação com o cabido ou o antístite? Na impossibilidade de responder a estas questões de forma exaustiva e rigorosa, farei apenas uma breve aproximação ao tema a fim de enquadrar, ainda que de forma embrionária, o processo da encomenda episcopal.

A título ilustrativo, uma das poucas obras conhecidas que regulamenta a actividade da Fábrica intitula-se Visitação geral do estado espiritual da Sé de Coimbra , tiradas das visitações dos prelados, costumes e obrigações e da casa . Organizada pelo bispo D. João Soares, em 1556, contém um capítulo dedicado ao «Obreiro e Escrivão» 194 . Eleito pelo cabido entre as dignidades, cónegos e meios- cónegos, o obreiro ou fabriqueiro tinha à sua responsabilidade as rendas da Fábrica, provenientes da conesia da obra, de penas aplicadas em favor da mesma, de legados, esmolas e peditórios. Dessas rendas tinha autonomia para gastar e adjudicar obras até três mil reis ou fazer pagamentos até 200 reis; acima desses valores teria de solicitar autorização ao cabido. Recomendava-se também que, na eleição do obreiro, se atendesse à sua condição financeira – preferencialmente devia ser abastado, a fim de poder financiar obras a título de empréstimo à Fábrica, para evitar delongas.

O obreiro devia inventariar e garantir a conservação dos materiais da obra («madeira, pedra, e telha, e todas as mais coisas») em lugar apropriado, que seriam utilizados nos consertos de «tudo o que for necessário para não chover na Sé, coro, cabido, cartório, e assim mandar consertar qualquer coisa que quebrar no coro». A Fábrica financiava, além do mais, as necessidades do Tesouro (o que incluía a sacristia), cujos gastos eram registados no livro da obra com a assinatura do tesoureiro e sub-tesoureiro. Estes livros de receita e despesa tinham início em Julho de um ano, terminavam em Junho do seguinte. Todos e quaisquer recebimentos e gastos deveriam ser, obrigatoriamente, testemunhados pelo escrivão e assentados nestes livros.

194 Visitação Geral 1935 (1556), 68-71.

139 Embora a Visitação Espiritual não avance além destas informações, admite-se que o obreiro fosse, de facto, o responsável administrativo das obras na catedral, tomando a seu cargo não só o orçamento e a gestão económica das mesmas como a fiscalização dos trabalhos executados pelo mestre das obras da Sé. Seria também um cargo de mediação, fazendo executar o que era determinado pelos visitadores e relatando, aos seus superiores, o andamento dos assuntos. Sob a sua autoridade estaria o mestre das obras da Sé, que dirigia o estaleiro, coordenando os trabalhos de construção desempenhados por outros oficiais. O nível do seu desempenho e grau de autonomia era muito variável, consoante quem era nomeado para o cargo e que responsabilidade lhe era atribuída, o que dependia das necessidades dos momentos particulares da história das catedrais.

Supõe-se que épocas de grandes obras exigissem um oficial à altura do encargo; noutras fases de menor actividade construtiva, um mestre pedreiro seria suficiente para cumprir os trabalhos de manutenção e conservação dos edifícios. Por outro lado, em contexto de novas campanhas, o mestre podia ser escolhido, através de nomeação directa ou por concurso, para coordenar uma obra traçada por outro mestre ou por um arquitecto. Nem sempre lhe era exigida essa competência. A título de exemplo, conhecem-se, para Coimbra ao longo do século XVI e primeiro quartel do seguinte, mestres das obras da Sé de qualidade muito díspar. Assim, sucederam a João de Ruão, arquitecto cujas realizações atingiram níveis de excepcional valor artístico, mestres com obra de cariz mais regional, como o foram Gaspar da Fonseca, João Fernandes (pedreiro), Francisco Fernandes, Manuel João ou Isidro Manuel 195 .

E quem nomeava o mestre das obras? Não há dados concludentes sobre esta matéria para o caso português. Sabe-se, por exemplo, que, em Espanha, era designado exclusivamente pelo cabido, sem intervenção do bispo. Um

195 Sobre as nomeações dos mestres das obras da Sé de Coimbra, vejam-se: Dias 2002, 359-60; Craveiro 2002, I: 486, Livro dos Acordos , 27-28: 131, 160-61; Artistas de Coimbra 1923,115.

140 interessante estudo de Alfonso Rodríguez Ceballos explica que o mestre tinha acesso a instâncias superiores unicamente quando se colocavam problemas de traças e desenhos ou dificuldades técnicas. Tinha obrigação de assistir todas as manhãs à reunião dos trabalhadores, pedir conta do trabalho do dia anterior e acordar com o aparelhador o que se fazia nesse dia. Além de visitar a obra uma vez pela manhã e outra à tarde. Ao contrário do que se podia esperar, não recrutava oficiais, nem fixava os seus salários, tarefas que cabiam ao fabriqueiro. Podia apenas designar o aparelhador, pessoa e cargo que dependiam da sua confiança pessoal. O seu salário era estipulado e pago quadrimestralmente pelo cabido.

Embora tratando-se de um estudo relativo à Espanha, suponho que a estrutura da Fábrica e a organização do trabalho dos mestres das dioceses

Bispo e Cabido Autoridade suprema e independente O bispo só intervinha pessoalmente em casos excepcionais. De ordinário, a responsabilidade pertencia ao cabido que decidia nas reuniões por votação maioritária.

Fábrica Comissões gerais Instituição jurídica Comité permanente da Fábrica 1. Obreiro ou fabriqueiro Comissões eventuais e parciais 2. Vedores ou visitadores Consultas sem poder decisório. Podiam servir de ponte de informação do cabido para o bispo. 1. Receptor ou colector (rendas) 1. Mestre mor 2. Contador 2. Aparelhador (contas, registos, gastos, actas) 3. Capataz 3. Mordomo (pagamentos de 4. Oficiais, despesas e servidores, etc. salários) (assalariados semanais) 4. Procurador

Diagrama 1| Orgânica administrativa das fábricas das catedrais espanholas. Esquema elaborado com base no estudo de Alfonso Rodríguez G. de Ceballos (1989).

141 portuguesas não devia distar muito deste modelo. Sendo admissível que a estrutura castelhana tenha sido administrativamente mais complexa, como se depreende do diagrama da página anterior. Esta estrutura orgânica poderá, todavia, servir como proposta de aproximação para o espaço português.

O que importa reter da sua ponderação é que o aparelho administrativo das dioceses em geral, e das sés em particular, dispunha de um órgão específico para lidar com as questões do temporal, ou seja, obras e aquisição de materiais. No entanto, creio que nem tudo o que se construía nas catedrais passava necessariamente pela Fábrica. No que se refere ao campo da arquitectura e construção eclesial, devem distinguir-se dois níveis de actuação, relacionando-se o primeiro com a conservação geral e manutenção do edificado ou obras de pouca monta. Não exigindo processos contratuais complexos, ficavam a cargo da Fábrica e eram executadas pelos mestres de obras ao serviço da Sé.

O segundo reporta-se a empreendimentos de vulto, desde a fundação das catedrais ao patrocínio de capelas particulares, às obras de beneficiação ou construção de anexos de dimensão apreciável, como podiam ser as sacristias. No primeiro caso, erguer uma catedral de raiz – como sucedeu com Portalegre, Miranda, Leiria – ao longo de Quinhentos –, exigia grandes cabedais e o patrocínio régio. Nestes casos, e porque as dioceses eram pobres, atribuíram-se réditos maiores às respectivas fábricas, mas foram ainda necessárias dotações anuais concedidas pelos monarcas. O patrocínio régio caracterizou-se, também, pela nomeação dos arquitectos e engenheiros oficiais da Coroa para a elaboração das traças e supervisão dos trabalhos. Já no caso da Sé de Elvas, fundada numa igreja pré-existente, para a qual eram apenas necessárias obras de alargamento, estas foram projectadas por um arquitecto da região. O encaminhamento das empreitadas correu, depois, sob a responsabilidade dos respectivos prelados (por vezes, contribuindo para as obras) e dos obreiros.

No caso de obras de benfeitoria, de construção ou remodelação de capelas ou de outros espaços de valor simbólico, elas podiam resultar de

142 patrocínios particulares, muito especialmente dos próprios bispos que com iniciativas desta natureza visavam proclamar a sua liberalidade. Dispondo das suas rendas, alguns prelados portugueses destacaram-se pelo valor artístico dos seus empreendimentos, distinguindo-os, em última análise, como encomendantes informados. Com base nos casos que serão tratados nos capítulos seguintes, penso poder afirmar que, tratando-se de obras exclusivas do patrocínio episcopal, estas não teriam qualquer relação com a Fábrica. Era o bispo que determinava o que se iria construir, de que forma e por que arquitectos ou oficiais. Neste sentido, toda a burocracia relacionada com a obra, como contratos, notas de encomenda e livros de contas, estaria a cargo dos oficiais da Mesa Episcopal.

Quando uma obra decorria sob o mecenato de um antístite, este, normalmente, fazia timbrar as suas armas para a memória futura do respectivo patrocínio, como sucedeu nas sacristias das sés de Viseu, de Elvas e de Coimbra. Porém, o facto de não se verificar um investimento directo dos prelados ou não se identificar o brasão episcopal, não quer dizer, por si só, que não pudessem ter tido um papel relevante na orientação da Fábrica e na programação da empreitada, como acredito que tenha sucedido, por exemplo, na sacristia da catedral de Leiria. O cenário é vasto e complexo e abre-se a múltiplas variantes de actuação, como veremos.

143 144 capítulo 3

As sacristias catedralícias e a encomenda episcopal

» A Sé de Viseu e o bispo D. Jorge de Ataíde (1574)

A sacristia da Sé de Viseu foi mandada construir por D. Jorge de Ataíde (1535-1611). Filho mais novo dos primeiros condes da Castanheira, D. Jorge formou-se em Cânones e nos Sagrados Ritos na Universidade de Coimbra. Não ocupando nenhum cargo episcopal na altura, a sua erudição terá concorrido para a possibilidade de participar como legado na última fase do Concílio Tridentino entre 1562 e 1563. Partiu depois para Roma, onde foi encarregado pelo papa Pio IV da reforma do Missal e do Breviário Romano, incumbência que o ocupou durante alguns meses, regressando a Portugal por ocasião da morte de seu pai, D. António de Ataíde.

No ano em que tomou posse do bispado de Viseu (1569), D. Sebastião nomeou-o ainda visitador dos mosteiros de Lorvão e de Celas, em Coimbra. Enquanto antístite, entre 1569 e 1578, D. Jorge de Ataíde desempenhou um papel importante na reforma da diocese, orientando o seu governo segundo os princípios da Reforma Católica e regulando as suas acções pessoais segundo o modelo do bispo «Pastor da Igreja» – zeloso na instituição das reformas, rigoroso na disciplina, esmoler e austero.

Cumprindo a determinação tridentina de residência obrigatória no bispado, tomou por habitação oficial o paço da quinta do Fontelo, largamente reformada pelo anterior bispo D. Miguel da Silva 196 . Neste paço, preocupou-se com a construção do dormitório destinado a si e aos familiares da sua casa, organizado em celas e corredores, à semelhança de uma casa conventual. As

196 Sobre as obras e o patrocínio do bispo D. Miguel da Silva, vejam-se os estudos de Rafael Moreira (1988 e 1995, 333-40).

145 fontes biográficas, nomeadamente a Vida redigida pelo seu sobrinho D. António de Ataíde, aludem à ordenação da casa e outras dependências, citando a regulação do funcionamento do refeitório, a instituição de portarias e de um estudo, onde realizava audiências:

«a primeira obra que fez em Fontelo fizeram uns dormitórios fechados, em que cada capelão e cada pajem tinha sua cela, e ele fez para si duas celas, uma em que dormia, outra em que orava do tamanho de cada uma das outras; fez mais o tinelo [refeitório] em que comia com seus criados como sempre costumou . e um estudo em que dava audiências e se juntavam os oficiais do bispado para as cousas tocantes ao governo dele, ordenou portarias em modo de clausura, e não saía por elas criado algum sem licença sua expressa: […] serviam-nos à mesa o mesmo bispo e os seus capelães, cada um sua semana, e iam a mesa também por semanas os sobrinhos que se criavam para clérigos, e os estudantes, que assim chamavam aos pajens naquela casa»197 .

A organização e provimento da sua casa espelhavam, assim, a austeridade e rigor de um bispo exemplar. Os oficiais, pagens e criados seriam alvo de cuidadoso escrutínio, a maioria trajando vestes clericais enquanto ao seu serviço. As fontes relatam que

«escolhia sempre pessoas das mais eminentes para os ofícios do governo», «vedor, camareiro, secretário, pela maior parte sempre foram sacerdotes, e de qualquer modo sempre eles e os pagens todos andaram com vestido clerical. tesoureiro e estribeiro teve alguma vez seculares . nenhum criado casado pousou de suas portas adentro em tempo algum» 198 .

197 BA, 51-IX-9, fl. 275. 198 BA, 51-IX-9, fls. 275 e 274.

146 A regra e disciplina severas com que orientava o seu viver, foram também impostas aos seus criados, com quem tomava as refeições diariamente e a quem, por vezes, ele próprio servia.

D. Jorge de Ataíde «sustentava casa que nem excedia nem declinava os termos da autoridade» 199 , do que se infere que o provimento da sua residência se limitava ao essencial para o cumprimento do seu cargo eclesiástico. Absteve- se, por isso, do luxo e de bens sumptuários para ornar o paço: «em seu serviço não usou prata, nem tapeçaria, como licitamente pudera conforme a sua dignidade, qualidade e ofícios»200 ; «da cama, trajo e mesa temos dito . nunca ornou com tapeçaria nem outras colgaduras as suas casas, as portas e os bofetes se cobriam com uns panos verdes» 201 .

Um pequeno episódio ocorrido em Madrid com o sobrinho D. António de Ataíde, e por este narrado, é bastante revelador da sua mentalidade:

«lembra-me que um dia falando eu com ele em Madrid sobre certo prelado que vivia com sobeja ostentação de que eu me escandalizava, me repreendeu santamente e me disse; que a igreja de Deus se repartia a da terra militante e a da glória triunfante, e que nos prelados se representavam ambas estas igrejas, que aquele que eu culpara representava com muita virtude a igreja triunfante, e ele com muitas imperfeições a igreja militante»202 .

Estes aspectos servem para caracterizar o perfil reformador de D. Jorge de Ataíde, profundamente influenciado por figuras tão exemplares como D. Fr. Bartolomeu dos Mártires e Carlo Borromeo. Mártires estivera na mesma ocasião em Trento, enquanto arcebispo primaz de Braga, sendo ali responsável pela elaboração do Índex. Além de Frei Bartolomeu ser seu superior hierárquico depois de assumir a prelazia de Viseu, D. Jorge terá encontrado inspiração no

199 BA, 51-IX-9, fl. 275. 200 BNP, COD. 13117, fl. 92. 201 BA, 51-IX-9, fl. 274. 202 BA, 51-IX-9, fl. 274.

147 modelo de virtude exemplar personificado pelo autor do Stimulus Pastorum . A amizade e admiração que lhe dedicou levariam, inclusivamente, a que se ocupasse da construção do túmulo do arcebispo na igreja de Santa Cruz do Convento de São Domingos em Viana do Castelo. É-lhe, igualmente, atribuída uma grande devoção por Carlo Borromeo, com quem terá, muito possivelmente, contactado em Itália. Disso nos dá conta a Vida do Bispo Capelão Mor D. Jorge de Ataíde composta por Thomé Álvares , ao informar que andava com uma medalha ao peito com o retrato do cardeal e arcebispo de Milão 203 .

Não promoveu mais do que um sínodo, com o objectivo de taxar o cabido, nem alterou as constituições sinodais, como se poderia esperar, uma vez que as últimas publicadas eram anteriores ao Concílio de Trento. As constituições do bispado de Viseu só viriam a ser reformadas no Sínodo de 1614 por iniciativa do bispo D. João Manuel. Não obstante, D. Jorge implementou diversas reformas espirituais e regulamentares na diocese, acção que complementou com o favorecimento da publicação de obras tão fundamentais quanto o Missal Romano e um manual de confessores. Para o efeito, introduziu a imprensa na cidade, mandando chamar o impressor Manuel João, que teve aí oficina tipográfica activa ao serviço do prelado, pelo menos, entre 1569 e 1572 204 . Desta forma, favorecia a divulgação de livros essenciais à restauração do culto católico, matéria que lhe era particularmente cara e na qual investiu continuamente, como nos explica um dos seus biógrafos:

«Da Igreja Romana, seus ritos e cerimónias, foi único zelador, e com dispêndio de sua fazenda mandava vir de Roma todos os livros, que

203 BNP, COD. 13117, fl. 94. 204 Entre as obras publicadas pelo impressor Manuel João, contam-se justamente o Missal Romano ( Ordo missae secundum ritum Sanctae Romanae Ecclesiae / authore R.P.D. Ioãne Burcardo Argentinensi decretorum doctorem & capelle Su[m]mi Pontificis ceremoniarum magistro . [Viseu]: per Emanuelem Ioannis, 1569) e o manual de confessores ( Compendio e sumario de confessores... tirado de toda a substancia do Manual, copilado & abreuiado por hum religioso frade Menor da ordem de S. Francisco da prouincia da Piedade. Acrece[n]tarã se lhe em os lugares cõuenie[n]tes as causas mais comu[n]as [sic] que se ordenarão em o sancto Concil. Tride[n]ti . Viseu: per Manuel Ioam, 1569). Ambos podem ser consultados na BNP, além de outras duas publicações do mesmo impressor.

148 novamente saíam, que delas tratassem, ou de cantoria, e lhe dava pena não ver todas as Igrejas confirmadas nestes particulares com a Romana sua cabeça»205 .

Foi um visitador diligente da sua diocese, preocupando-se com a reforma das igrejas nela existentes. Como procurei demonstrar no capítulo sobre esta matéria, o cuidado com o decoro e a dignidade do culto estendiam-se necessariamente aos edifícios e sua decoração, questões a que Ataíde foi sensível e que procurou fazer cumprir de forma metódica e eficiente.

D. Jorge empreendeu algumas obras da sua própria iniciativa e patrocínio, de acordo com os deveres atribuídos ao exercício do múnus episcopal, que levou a cabo gerindo a comedida renda anual do bispado de 10.550 cruzados. Destes réditos, segundo D. António de Ataíde, o bispo «pagava de pensão um conto e 500 mil reis e de ordinárias sabidas 194 mil reis ficavam forros pera o bispo 2.526 mil reis» 206 . Pouco mais de seis mil cruzados, uma verba curta para gerir anualmente. Além das intervenções no paço do Fontelo, sabe-se que mandou construir de raiz a casa e igreja da Misericórdia em frente à Sé, que mais tarde viria a ser substituída por outro edifício. O risco que forneceu aos irmãos em 1574 para a edificação da Misericórdia considerava a igreja ao centro, ladeada pelos seus anexos: de um lado a sacristia, botica e casas de assistência; do outro a casa do despacho e fábrica 207 .

Na catedral, a única iniciativa material por ele empreendida parece ter sido, muito significativamente, a sacristia. A consideração deste espaço pelo bispo deverá ser relacionada com uma das medidas principais, do ponto de vista que interessa a este estudo, por si implementada. Refiro-me à introdução do rito romano, na reformação do qual colaborara em Roma ao serviço de Pio IV. Com efeito, o Missal Romano fora autorizado e recomendado pela constituição apostólica Quo Primum Tempore promulgada a 14 de Julho de 1570 pelo papa

205 BNP, COD. 13117, fl. 92v-93. D. Jorge de Ataíde legou a sua livraria à Cartuxa de Laveiras. 206 BA, 51-IX-9, fl. 275. 207 Aragão 1928, 75.

149 Pio V, determinando que a paramentação se efectuasse num local específico para o efeito, ou seja, a sacristia.

A formação de D. Jorge nas questões dos ritos sagrados e a sua participação na reforma do missal terão, pois, fundamentado a sua preocupação com a dignidade e decoro das cerimónias litúrgicas, cuja preparação supunha

55| Sé de Viseu, planta. © SIPA DES.00041648

56| Sé de Viseu, corte no eixo do transepto com a sacristia à esquerda. © SIPA DES.00041656

150 uma série de etapas, gestos e orações que exigiam um lugar adequado. Sobretudo na Sé, onde parece não ter existido à época uma sala destinada para essa finalidade.

As informações disponíveis sobre o assunto são, infelizmente, escassas. Augusto Pinho Leal fixa a existência de três sacristias primitivas: duas a ladear a capela-mor, funcionando nas capelas absidiais de São Pedro e São João Baptista, e uma terceira junto à actual Capela do Espírito Santo 208 . Independentemente da fidelidade desta notícia, suponho que D. Jorge tivesse encontrado na catedral de Viseu, à semelhança do que sucedia noutros lugares, situações como a realização da paramentação em capelas próximas do altar e o arrumo das alfaias e ornamentos em capelas e corredores dispersos pela igreja. Circunstância que não contribuía para o desejado decoro do ritual. Terá sido com este propósito que mandou, então, construir a chamada sacristia grande ou do Cabido, como testemunha uma inscrição sobre a porta de entrada, que identifica o patrocinador e a data de construção: «GEORGIUS D ’ATTAIDE EPIS.VISEN F .C. M.DLXXIIII ». Também as fontes documentais confirmam ter feito «a sacristia da Sé, e corredor que dela vai para o coro, e que atravessa para o altar-mor» 209 .

A sacristia situa-se no topo do braço norte do transepto, à qual se acede a partir de dois corredores que desembocam nos extremos da sala. Um deles fazendo ligação à cabeceira (capela de São João Baptista) e ao transepto, pelo lado do Evangelho, o outro dando passagem para a escada de acesso ao coro alto. Os eixos de circulação assim dispostos tornavam a sacristia uma plataforma de circulação funcional, servindo a dupla função de preparação dos celebrantes para o culto e de revestimento dos clérigos para a celebração da missa cantada no coro-alto, localizado no nível superior do primeiro tramo da catedral. Desta forma, impedia-se que o acto da paramentação se fizesse no espaço público, aos

208 Leal 1990 (1890), col. 1583a. 209 Pereira 1955 (1630), 485. Facto documentado ainda pelo manuscrito da Biblioteca da Ajuda, na parte completada por ordem de D. Jerónimo de Ataíde, marquês de Colares, após 1640. BA, 51-IX-9, fl. 301.

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57| Sé de Viseu, muro exterior da sacristia. © SIPA FOTO.00084586 » 58| Sé de Viseu, escadaria de acesso ao coro-alto. ©SIPA FOTO. 00084214 olhos dos fiéis, e organizavam-se de forma ordenada os percursos processionais em direcção ao altar e ao coro.

De planta rectangular e cobertura de madeira, a sacristia de D. Jorge de Ataíde constitui em termos formais um projecto relativamente simples, na fronteira da formulação definitiva da identidade tipológica do espaço. A peça que domina este interior é o lavabo de granito de três bicas, colocado no eixo central do topo oeste, entre dois vãos de circulação. Monumental para a escala da sala, o seu desenho é, todavia, rudimentar. Por sobre o lavabo rasga-se um óculo cego, reproduzindo simetricamente a disposição da parede oposta, dominada pelos três vãos iluminantes voltados a nascente. Não é possível perceber se a organização das aberturas é a primitiva, com uma janela de sacada entre duas de peitoril, uma vez que a sacristia foi objecto de remodelações posteriores. Em todo o caso, a janela de sacada representa uma opção rara nas sacristias portuguesas, aqui aplicada em virtude do grande desnível em altura da fachada posterior da Sé, elevada sobre o grande maciço granítico, ficando a sala a um nível muito superior do da rua.

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59| Sé de Viseu, sacristia (1574). Patrocinada pelo bispo D. Jorge de Ataíde. © SIPA FOTO.01001871

No que se refere ao provimento do espaço, só o lavabo é original, tendo o mobiliário e a decoração resultado de uma intervenção no bispado de D. João Manuel (1673-1684) 210 . Além de um armário embutido, a sacristia dispõe de um paramenteiro a todo o comprimento do alçado lateral, que corresponde à tipologia do arcaz-contador de Estilo Nacional largamente produzido no Norte do País e que deve ter substituído o mobiliário primitivo de Quinhentos. Sobre o móvel, ao centro da parede, rasga-se um nicho de pilastras jónicas e frontão triangular onde se guarda a imagem do «Senhor atado à coluna» que sacraliza o espaço. A arquitectura chã foi tornada alegre pelo revestimento integral das paredes por azulejos de padrão e pela pintura decorativa de brutesco do tecto de madeira apainelada, onde se representaram ao centro as armas de fé do bispo fundador, D. Jorge de Ataíde.

210 A redecoração da sacristia no tempo de D. João de Melo foi noticiada pelo próprio bispo numa Instrução e Relação da Catedral da cidade de Viseu e mais igrejas para a Sagrada Congregação, datada de 20 de Outubro de 1675. «Tem [a catedral] sacristia antiga que mandamos reformar com caixões de preço, azulejos, pintar e dourar o texto e fazer mais duas casa para o tesouro; há nela ornamentos precioso e de novo mandamos fazer dossel de tela, dalmáticas, alcatifas, vestimentas e frontais com que fica decentemente ornada». Alves 1995, 88.

153 Ainda a respeito das obras iniciais, Ataíde mandou acrescentar sobre a sacristia uma sala para os aposentos do sacristão, à qual se subia por umas escadas em caracol interna situada por trás do lavabo 211 . Outro acrescento seria um pequeno espaço, com ingresso pela porta do lado direito do lavatório, para arrumo das peças mais volumosas, de modo a evitar a obstrução das áreas de circulação. A construção de diferentes anexos da sacristia foi uma solução relativamente comum na Época Moderna, o que demonstra a consideração deste espaço como unidade com a sua lógica e funcionamento autónomos, embora sempre vinculado ao culto celebrado na igreja que servia.

O bispado de D. Jorge de Ataíde ficou também marcado pela trasladação das ossadas de antigos prelados de Viseu para as áreas da capela-mor e da capela do Espírito Santo, e pela dotação de alfaias para o serviço litúrgico: «fizera muita obra de prata e sobre dourada para o serviço da mesma Sé, em que entrava a cruz grande, que vai nas procissões de Corpus, que dizem tem mais de quatro arrobas»212 . Em 1578, resignou ao bispado de Viseu, recusando mais tarde as dignidades de arcebispo de Santiago de Compostela, Braga, Lisboa e Évora oferecidas por Filipe II, de quem foi capelão-mor e conselheiro de Estado em Madrid.

211 Aragão 1928, 490. Esta sala foi demolida nas campanhas de restauro da DGEMN. 212 BA, 51-IX-9, fl. 301.

154 » A sacristia da Sé de Leiria e o bispo D. Pedro de Castilho (1583-97)

D. Pedro de Castilho, filho do arquitecto Diogo de Castilho e de D. Isabel de Ilharco, alcançou uma ascensão social notável através da carreira eclesiástica. Formado pela Universidade de Coimbra em Artes, ingressou posteriormente nos estudos de Teologia e Cânones que concluiu em 1572. Foi prior da igreja de São Salvador de Ílhavo e beneficiado da igreja de Santo André de Celorico de Basto, tendo sido depois nomeado deputado do Santo Ofício em Coimbra e visitador da mesma diocese em 1575. Três anos volvidos, D. Sebastião escolheu-o para o governo do bispado de Angra, do qual tomou posse em 1579, nas vésperas da invasão de Portugal por Filipe II.

Na qualidade de bispo de Angra tomou o partido dos Habsburgo, não obstante a rebelião levantada no arquipélago contra a União Ibérica e em favor de D. António Prior do Crato. A fidelidade à causa filipina garantiu-lhe, evidentemente, a progressão na carreira e a transferência para a diocese de Leiria em 1583, mas não só. O desempenho seguro que foi demonstrando influiu na escolha que sobre ele recaiu para ocupar diferentes cargos da confiança directa do poder régio, numa conjuntura de marcada «episcopalização do governo» 213 . D. Pedro de Castilho foi presidente da Mesa da Consciência e Ordens, inquisidor-geral (1604) e, ainda por duas vezes, vice-rei de Portugal (1605-08; 1612-14). A sua ascensão nem sempre foi bem aceite, muito em particular a atribuição do alto cargo governativo do Reino que provocou melindres em alguns círculos da corte, em virtude não de pertencer à nobreza titular 214 .

As responsabilidades na corte de Lisboa impediram-no de observar o dever de residência no bispado, mas nem por isso deixou de prosseguir no seu

213 Conceito proposto por José Pedro Paiva para explicar a frequente presença de bispos em lugares de chefia do governo no período filipino. Paiva 2006, 187. 214 Veiga 1982.

155 papel vigilante na reforma da diocese de Leiria à luz do concílio tridentino. Usando da experiência adquirida em Angra, visitava-o anualmente no período de cerca de dois meses entre as quadras da Quaresma e do Pentecostes 215 . Uma das suas principais medidas foi a ordenar novas Constituições Sinodais. O primeiro prelado de Leiria, D. Frei Brás de Braga, ao organizar a recém-instituída diocese, procedera à necessária actividade legisladora: estabeleceu estatutos para a Sé entre 1548 e 1552 e promulgou constituições cerca de 1549-1550 216 . Ao tempo de D. Pedro, encontravam-se já bastante desactualizadas, justificando-se a elaboração de umas novas, que foram aprovadas no sínodo de 25 de Março de 1598 e dadas à estampa em 1601.

60| Retrato de D. Pedro de Castilho, 61| Constituições Sinodais do óleo sobre tela, assinado Stanislau, séc. Bispado de Leiria, 1601, portada. XVIII. Museu de Angra do Heroísmo (inv. SCAH 740)

As instruções sinodais davam agora espaço à visitação pastoral, na qual assumia particular relevo a fiscalização material das igrejas com a «visitação dos Altares, Relíquias, e Imagens, e dos ornamentos, e porta da Igreja». Os

215 «Foi presidente do paço, e vinha, enquanto o foi, residir no bispado, no advento e quaresma, e visitava o bispado até ao Espírito Santo». O Couseiro 1868, 225. 216 Pericão e Faria 1991, 421.

156 visitadores ficavam encarregues da vigilância do decoro das igrejas da diocese, cabendo-lhes o conhecimento necessário dos critérios que deviam dirigir a visita, pelo que o texto sinodal se resume ao estritamente necessário. A este propósito, no título «Das Igrejas, Ermidas, Oratórios, Hospitais, Albergarias, Confrarias: e da prata, ornamentos, e bens delas», determinava-se a respeito da sacristia: «Haverá sacristia com seus caixões, ou armários para os ornamentos: e assim haverá todas as mais cousas que nos parecerem necessárias, ou a nossos Visitadores, posto que aqui não sejam declaradas» 217 . Tal como as Constituições, a sacristia era um espaço em falta na Sé de Leiria e cuja necessidade veio a ser suprida com a continuação das grandes obras da catedral no decurso do bispado de D. Pedro de Castilho.

A construção da nova Sé tivera início em 1559, catorze anos após a elevação de Leiria a diocese, oficializada pela bula papal Pro excellenti apostolicae sedis de 22 de Maio de 1545. O documento emanado de Roma fixava na igreja de Nossa Senhora da Pena a sede do bispado, recomendando que se procedesse à sua ampliação e se lhe desse a forma de catedral. Poucos meses depois da promulgação do decreto de fundação do bispado, concluiu-se ser necessária a construção de um edifício de raiz, ideia patrocinada por D. João III e por D. Frei Brás de Braga. Com este objectivo, foram estipuladas rendas na ordem de 200 mil reis para a Fábrica, apartadas da Mesa Episcopal 218 .

Apesar do empenho do antístite jerónimo, a empresa tardou em arrancar e só em 1551 o monarca remeteu os planos para a nova catedral através do seu arquitecto Afonso Álvares 219 . Porém, o começo das obras teve de esperar por D. Frei Gaspar do Casal, segundo bispo de Leiria: o lançamento da primeira pedra foi celebrado em 1559, a capela-mor sagrada dez anos depois e, finalmente, a abertura ao culto efectivou-se em 1573, estando a nave concluída no essencial.

217 CS Leiria 1601, 79. 218 Matos 1957. 219 Viterbo 1988, II 20-21. Cartas de Frei Brás 1937, 191.

157 Nesta data, faltava ainda a sacristia e outras dependências funcionais, que, a título provisório, estariam distribuídas pelas capelas colaterais.

Coube, assim, a D. Pedro de Castilho, quarto bispo de Leiria, a conclusão das obras, entre as quais se incluiu a da sacristia. Além desta grande empresa construtiva, Castilho preocupou-se com a dotação da catedral, encomendando o retábulo-mor e a pia baptismal. Na sua ausência em Lisboa, ocupado com a gestão dos cargos oficiais do Reino, as empreitadas prosseguiam com a orientação do obreiro da Sé. Em 1587, era responsável por esta função o cónego Francisco Antunes, que nesse ano solicitou o indispensável apoio régio. E a 14 de Agosto do mesmo, Filipe II acedeu ao requerimento, promulgando um alvará destinado a prover todo o material e os oficiais necessários para a edificação da Sé de Leiria 220 .

Tratando-se de uma fundação régia, o edifício da Sé manteve-se sob a protecção dos monarcas portugueses, que atribuíram verbas para a construção e destacaram os arquitectos e engenheiros oficiais da Coroa para orientar os trabalhos, entre os quais Afonso Álvares, Leonardo Turriano e, provavelmente, também Baltazar Álvares. Depois do empenho de D. João III, D. Sebastião estabeleceu uma dotação anual de 300 mil reis para a construção, determinando que o mais que se gastasse ficava por conta do bispo 221 . Desta forma se envolviam e responsabilizavam os prelados na empresa, que era, na prática, administrada pela Fábrica.

A Fábrica da catedral de Leiria tinha obrigação de «fabricar a Sé, de ornamentos e tudo o mais que for necessário». Era gerida pelo fabriqueiro – pago anualmente em oito mil reis e trinta alqueires de trigo –, coadjuvado por um procurador das causas e um escrivão 222 . A sua administração teria alguma autonomia – admitindo mesmo, ao tempo do bispo Castilho, a correspondência

220 ANTT, Chancelaria de D. Filipe I – Privilégios, liv. 1, fl. 173-173v, Alvará. Publ. in Viterbo 1988, II 20-21. 221 O Couseiro 1868, 221. Saraiva 1929, 85. 222 O Couseiro 1868, 208-09.

158 directa com o rei. Mas, seria sempre uma autonomia relativa, na medida em que estava sujeita ao poder episcopal, a quem cabia a superintendência dos principais assuntos relativos à catedral. D. Pedro preocupou-se, aliás, com a organização deste corpo administrativo, ordenando fazer-se, em 1594, um tombo da fazenda da Mesa Episcopal e da Fábrica, para o registo completo das receitas e despesas 223 .

Lamentavelmente, esta documentação parece ter-se perdido na totalidade, no decorrer das Invasões Francesas 224 . De forma que a fonte principal para o seu estudo e o da diocese de Leiria tem sido um manuscrito datado de meados do século XVII, conhecido por O Couseiro , que descreve as memórias do bispado a partir dos documentos dos arquivos da catedral que o autor consultou, entre os quais os do tombo da Fábrica. Pela leitura do texto ficamos a conhecer algumas das iniciativas empreendidas pelo bispo Castilho.

Além da campanha de obras da Sé, D. Pedro parece ter remodelado a residência episcopal de Leiria, como nos informa o autor anónimo: «reduziu a melhor ordem os paços episcopais e os acrescentou e reformou e fez a varanda da cerca» 225 . A que o italiano Gianbattista Confalonieri, secretário do legado papal, acrescenta depois da sua visita em 1594, no relato da viagem: «as casas do bispo estão longe da igreja, e são cómodas, e em particular a varanda nobre». 226 E pouco mais se sabe deste edifício, dada a sua reconstrução integral no período de vacância de 1647 a 1670 por D. Diogo de Sousa 227 .

Na continuação da reforma dos edifícios de culto da diocese, o bispo Castilho mandou ainda demolir a antiga igreja de Santo Estevão e reerguê-la de novo sob a invocação de Nossa Senhora da Apresentação, mais tarde incendiada e destruída pelas tropas napoleónicas, em 1810. Afortunadamente, nem todos os edifícios do seu patrocínio desapareceram, tendo sobrevivido o santuário de

223 O Couseiro 1868, 228. BNP, COD. 153, fl. 12. 224 Cristino 1999. 225 O Couseiro 1868, 228. 226 Por terras de Portugal 2002, 278. 227 Zúquete 1950, 40.

159 Nossa Senhora da Encarnação, sobre o qual se impõe um estudo monográfico ainda por fazer.

A sua génese recua a 1588, quando se regista o milagre que terá motivado a construção da capela, em lugar da ermida original fundada no monte do Grilo por D. Frei Brás de Braga. Segundo O Couseiro , foi D. Pedro de Castilho quem ordenou o novo projecto, concorrendo com várias esmolas para a obra, que, em 1593, decorria sob a direcção do mestre de obras Pedro Moreira 228 . O santuário é um edifício de grande interesse pela positiva qualidade da arquitectura clássica em que foi modelado. Não existem ainda dados sobre a autoria do risco, mas o carácter erudito do desenho e actualizado da tipologia apontam para um arquitecto de nomeada, conhecedor da tratadística e dos modelos italianos.

62| Santuário de Nossa Senhora da Encarnação de Leiria (1588, patrocínio do bispo D. Pedro de Castilho). © Foto da autora

É particularmente notável o desenho da fachada da capela e da galilé, que, segundo Miguel Soromenho, denunciam respectivamente a influência do Escorial e da arquitectura do Norte de Itália. O corpo porticado que envolve a igreja, embora tenha sido considerado inédito em contexto português por

228 O Couseiro 1868, 77. Zúquete 1945, 170. Gomes 1996, 253.

160 Georges Kubler (1988), funciona como um dispositivo de circulação pensado para acolher os peregrinos, que foi replicado na região, em épocas posteriores, como testemunha o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré 229 .

O nível elevado do projecto arquitectónico do santuário e da sua execução revelam as qualidades de D. Pedro de Castilho enquanto bispo reformador e comitente informado. O antístite, perante a repercussão do acontecido, tomou a seu cargo o controlo da crescente devoção popular a Nossa Senhora da Encarnação, empreendendo a construção de uma nova capela que oficializava o culto, logo dois meses após o milagre 230 . O plano revela o adequado ajustamento ao propósito do acolhimento dos fiéis em peregrinação, com o recurso ao dispositivo da galeria porticada e às proporções amplas do interior da nave única. Com este gesto, D. Pedro acolhia oficialmente a devoção popular, proporcionando condições condignas às suas manifestações, conforme pertencia às obrigações do múnus episcopal após Trento.

Foi, igualmente, com este espírito que fez terminar a Sé de Leiria, com a construção do claustro, de varandas e do adro, que custaram à Fábrica 5.103 cruzados (ou seja, 2.041.516 reis) 231 . Como mencionei atrás, os réditos da Fábrica rondavam os 200 mil reis anuais, verba suficiente se considerarmos que a obra se prolongou pelas duas décadas da prelatura de D. Pedro. No entanto, as rendas fabriqueiras não se destinavam apenas à catedral, mas também à gerência e conservação de várias outras igrejas do bispado 232 . O que nos leva a concluir que a empreitada terá exigido outros recursos, como a mercê concedida pelo alvará

229 Soromenho 2009, 69. 230 O milagre de cura de uma mulher paralítica, que voltou a andar 28 anos depois, ocorreu a 11 de Julho de 1588 e a primeira pedra da nova capela foi lançada 24 de Setembro, ou seja, pouco mais de dois meses depois. 231 Segundo O Couseiro (1868, 227), nas obras do adro, parte do claustro e varandas, gastaram-se 5.000 cruzados e 41.516 reis. 232 As responsabilidades da Fábrica da Sé de Leiria distribuíam-se pela manutenção das igrejas de São Pedro, São Tiago e Nossa Senhora da Pena (além de gastos com hóstias, vinho, cera e azeite); capelas-mor, sacristias e ornamentos das igrejas paroquiais do Souto, Colmeias, Vermoil, São Simão, Espites (e respectivas casas dos curas); capela-mor e sacristia das igrejas paroquiais da Batalha, Cortes, Amor. O Couseiro (1868, 208).

161 de Filipe II e, muito provavelmente, o patrocínio pessoal do bispo D. Pedro de Castilho.

A construção do «tabuleiro» da Sé, acabada em 1604, obrigou à aquisição de casas e quintais e «muito trabalho para se pôr este tabuleiro raso (…) e se gastaram dezoito meses». Embora não sejam referidos nas constituições de Leiria, o adro e a pia baptismal – que D. Pedro de Castilho também encomendou para a pequena capela localizada imediatamente à esquerda de quem entra na igreja – constituíam elementos centrais da arquitectura eclesial valorizados pela Reforma Católica.

O primeiro marcava a entrada no edifício sagrado e servia os enterramentos; e a segunda destinava-se ao sacramento de integração dos fiéis na comunidade católica. Segundo o costume e a tradição, explicada em constituições de outros bispados, o adro devia ser «distinto, e demarcado», «sagrado e capaz das sepulturas dos defuntos, segundo a grandeza da freguesia». Por sua vez, a pia baptismal devia ser grande e estar em «Capelas fechadas, e podendo ser fora do corpo das Igrejas»233 . E foi exactamente desta forma que se materializaram em Leiria, quer o adro quer a capela baptismal, mostrando a atenção e conhecimento do bispo D. Pedro de Castilho em relação aos predicados das diferentes partes constituintes das igrejas. Um traço da sua personalidade também reflectido na sacristia como se verá de seguida.

Quanto ao claustro terminado em 1597, nele se distribuíam as várias dependências da orgânica administrativa da Sé e outras divisões funcionais. Eram elas, a sacristia, as casas do cabido, casa do cartório e contadoria, a casa dos despejos (provida de armários e necessárias), a casa da fábrica e os cartórios, e os poços. Em termos formais, a edificação do claustro terá cumprido o plano original. Como demonstrou Cátia Santos, o delineamento da quadra obedeceu ao cuidado de harmonizar as suas proporções com as do edifício da igreja: «o

233 O adro surge referido, pela primeira vez, nas CS do Porto (1585, 89v) e depois nas de Coimbra (1591, 175). A referência à pia baptismal é retirada das CS Coimbra 1591, 174v.

162 claustro foi projectado com o sentido de manter a obra unitária, com um desenho de grande clareza, simplicidade e cuidado de proporção»234 . Sem deixar de manter a coerência do projecto de 1551, alguns elementos foram sendo redesenhados no decorrer dos trabalhos, como as abóbadas de berço de caixotões e os emolduramentos das duas capelas das galerias, denunciando a modernização do edifício no sentido de um classicismo mais amadurecido.

63| Sé de Leiria, planta. © SIPA DES.02000236

A sacristia reflecte bem estas actualizações, possibilitadas pela dilatação da cronologia da construção. Ela é uma das principais divisões do claustro, compreendendo cerca de metade da área coberta da ala direita. Tal como as proporções e desenho dos alçados exteriores do claustro, também as características formais da sacristia correspondem, em parte, ao plano original. A sacristia da Sé de Leiria foi inicialmente concebida para comungar da espacialidade neutra, sem elementos distintivos da sua tipologia, das congéneres joaninas de Portalegre e de Miranda. Não fosse as alterações introduzidas, aquando da sua construção no bispado de D. Pedro de Castilho.

234 Santos 2009, 83.

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64| Sé de Leiria, claustro. © SIPA FOTO.00799745 « 65| Sé de Leiria, alçado exterior do transepto e da ala direita do claustro. As duas janelas do piso inferior correspondem à sacristia. © SIPA FOTO.00795755

A sala define um espaço estreito e comprido, iluminado por duas janelas rasgadas na fachada voltada a sul. Em termos planimétricos, resulta, com clareza, do necessário ajustamento à organização prevista para as dependências do claustro. A quadra da Sé de Leiria, como qualquer outra, configura um complexo edificado unitário, incorporando as diferentes salas de forma homogénea e integrada, como se pode observar nos alçados exteriores. Neste sentido, as diversas dependências foram conformadas em função da unidade, não se destacando, naquele que parece ter sido o plano primitivo, orientações individualizadas que dessem resposta às exigências funcionais das divisões, muito em especial da sacristia.

Um elemento que vem ao encontro do aspecto arcaizante do projecto, refere-se à cobertura de três tramos em abóbada de cruzaria de nervuras que foi usada na sacristia. Nas décadas de 1580 e 1590, esperar-se-ia uma abóbada de berço ou de caixotões, como as que cobrem os corredores do claustro ou a capela-mor da igreja. Facto que demonstra ter a sacristia seguido, estruturalmente, o plano primitivo (com o mesmo sistema de cobertura de tipo medieval usado nas naves da Sé), e que deverá ter sido uma das primeiras salas

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67| Sé de Leiria, aspecto geral da sacristia. © SIPA FOTO.00799701

» 66| Sé de Leiria, alçado do lavabo da sacristia. © SIPA FOTO.00799715 erguidas na quadra, anterior, portanto, ao abobadamento das galerias exteriores.

A experimentação e divulgação de modelos de sacristia em território nacional, a par da necessidade imposta pelo culto restaurado e pelo aumento dos ornamentos e alfaias, faziam deste exemplar de Leiria um espaço já ultrapassado no momento em que estava a ser edificado. Pelo que terá, desde logo, obrigado a actualizações do projecto, que a adaptaram aos critérios vigentes na época. Refiro-me, especialmente, à abertura dos recessos em cada um dos topos, destinados a receber o altar, de um lado, e o lavabo do outro.

Com este recurso, a sacristia da catedral leiriense assumia uma das características dominantes da tipologia: a marcação de um eixo principal atravessando longitudinalmente a sala e ligando dois dos elementos centrais da função e leitura identitária da sacristia – o altar e o lavabo. Traço identitário, refira-se, inaugurado em Portugal nas sacristias do Convento de Cristo e da Sé de Coimbra, sensivelmente contemporâneas.

Que se trata de componentes introduzidas a posteriori , percebe-se na observação do desenho dos arcos. O formulário utilizado destaca-se

165 significativamente da ambiência geral da sala, contrastando particularmente com a linguagem presente na abóbada. Duas pilastras suportando um entablamento dórico enquadram cada arco, decorado no intradorso por caixotões e tabelas. O vocabulário é o do classicismo pleno e encontra paralelo noutros elementos na Sé, como as arcadas dos absidíolos, atribuídos à intervenção, plausível mas ainda não documentada, do arquitecto Baltazar Álvares 235 .

As tabelas em rollwerk , enquadradas por pilastras, frontão e aletas, partilham o mesmo vocabulário dos arcos que rematam. Nelas, inscrevem-se duas inscrições epigráficas alusivas aos livros bíblicos. A título de exemplo, o provérbio colocado sobre o altar, citando as sentenças de Salomão sobre a vida, recorda:

VT POSSIS BENE VIVERE DISCE MORI / QVI CVSTODIT OS SVVM , CVSTODIT ANIMAM SVAM :

QVI AVTEM INCONSIDERATVS EST AD LOQVENDVM SENTIET MALA / PROVERB ., CAP . 13.

PARA QUE POSSAS BEM VIVER , APRENDE A MORRER / AQUELE QUE VIGIA A SUA BOCA , 236 GUARDA A SUA VIDA ; O QUE É IMPONDERADO NO FALAR , BUSCA A SUA RUÍNA .

Estas frases recordavam aos ministros a importância do seu papel junto da assembleia dos fiéis, que devia ser exemplar, à imagem de Cristo que representavam nas celebrações litúrgicas. O recurso a mnemónicas na sacristia é justificável pelo facto de se tratar de um espaço dedicado à oração e introspecção dos sacerdotes antes da celebração. Actuavam como um instrumento mais directo, mas de valor didascálico semelhante ao da representação das imagens e histórias sagradas, visando, pois, reforçar a importância e significado do culto, do qual os celebrantes eram principais agentes.

Sobre o altar original, pouco se pode avançar, dado que sofreu alterações significativas no século XVIII, com o alargamento em profundidade da capela.

235 Branco 2008, 113. 236 «Provérbios» 13, 3. in Nova Bíblia 1998, 1011. A inscrição sobre o lavatório diz: VT POSSIS BENE MORI , BENE VIVE / LEVIT AMARE VT LACHRIME LAVARENT DELICTVM, TV SIMILITER LACHRIMIS DILVC CVLPAM ; NON INVENIO QVID DIXERIT SED QVOD FLEVIT / AM . LC ..

166 Embora hoje ali se exponha uma imagem de Cristo na Cruz, no primeiro quartel de Setecentos teria um retábulo pintado, como se pode deduzir da leitura da descrição de 1721: «Tem esta sacristia uma capelinha de abobada com um painel em o altar com as imagens de Cristo e Madalena e S. João, nas ilhargas dous painéis mais pequenos admirável pintura» 237 .

No topo oposto, conserva-se ainda o lavabo original, integrado na parede também de cantaria. O lavatório é, sem dúvida, a peça mais notável da sacristia, pelo desenho erudito e pelo requinte da combinação de tonalidades dos calcários. A composição recorda as gravuras de modelos de lareiras e de portas que circularam avulso ou nos tratados de arquitectura, fazendo uso de tabelas, aletas, volutas, pináculos e cartelas.

À excepção das carrancas das torneiras, o vocabulário é essencialmente o arquitectónico, o que lhe confere uma sóbria monumentalidade salientada pelos valores cromáticos das variantes calcárias dominantes do lioz, encarnadão, azul de Sintra, pontuadas pelos embutidos em brecha e negro. As características dos materiais, oriundos de pedreiras da região de Lisboa e do Sul do País, apontam para uma encomenda realizada na capital. E o nível do traçado supõe a atribuição do risco a um arquitecto experimentado. Quem sabe se o próprio Baltazar Álvares, que parece ter participado nas obras de conclusão da Sé, na continuidade do seu tio Afonso 238 .

O jogo de cores e o vocabulário decorativo remetem para um partido estético desenvolvido em Lisboa nas décadas de 1570 a 1590, que teve o seu mais alto expoente na arquitectura interior da capela-panteão da infanta D. Maria na igreja de Nossa Senhora da Luz, projectada pelo arquitecto régio Jerónimo de Ruão (c. 1530-1601).

237 BNP, COD. 153, fl. 2. 238 Baltazar Álvares, no âmbito da sua actividade como arquitecto régio, foi também responsável por traçar retábulos, como o do transepto da igreja do mosteiro da Batalha (hoje nas Trinas do Rato) e o da igreja de São Julião de Setúbal (Serrão 1989, 75), bem como dar o risco para obras de ourivesaria tão representativas como o cofre do Convento de Cristo. Cfr. Branco 2008, 66-67 e 77.

167

68| Sé de Leiria, pormenor do lavabo da sacristia, c. 1590-1600. © SIPA FOTO.00799704

« 69| Sé de Leiria, lavabo da sacristia, c. 1590- 1600. © SIPA FOTO.00799702

70| Igreja de Nossa Senhora da Penha de 71| Sé de Lisboa, lavabo da sacristia, c. França (Lisboa), sacristia, c. 1650-60. 1650. © Foto da autora © Foto da autora

168 Por este motivo, e considerando o conjunto das obras na Sé leiriense, julgo que o lavabo será obra anterior ao século XVII, datável da década de 1590. Ele é, seguramente, um dos mais notáveis exemplares da tipologia de lavatório de sacristia, inaugurando, com o da catedral de Coimbra (1598), um modelo atribuível às oficinas da região de Lisboa e que teve continuidade ao longo de Seiscentos. Contam-se entre os exemplos posteriores, na capital, o da igreja da Penha de França, o do convento de Jesus ou o da Sé. Neste último em particular, constata-se a influência directa do lavabo de Leiria, embora materializado numa versão tosca e ingénua.

A organização do espaço foi completada com a distribuição do mobiliário pelos alçados laterais. O arcaz, de um lado, e o armário embutido, do outro, apesar de andarem cronologicamente ligados ao bispado de D. Dinis de Melo e Castro (1628-36) 239 , são obra já da segunda metade do século XVIII, pelas suas características formais. Nomeadamente, o desenho do alçado em arcatura, das tabelas, pilastras e florões que decoram os móveis, denunciam o formulário que vigorou no mobiliário português no período pós-Terramoto.

Os arcazes das sacristias do mosteiro de Santa Maria de Alcobaça e da igreja de Santo António em Lisboa são bons exemplos dessa tendência, que o mobiliário de Leiria reproduz numa versão simplificada 240 . O que parece ter sucedido foi que, nessa época, se substituíram os móveis originais mandados executar em Seiscentos, mantendo a estrutura similar, assim descrita num manuscrito datado de 1721: «dentro nesta [sacristia] à mão esquerda é toda de Caixões de madeira preta do Brasil de embutido, com dezoito gavetas, três armários, um com o meio, e dois nos fins, sete painéis de pinturas admiráveis; três espelhos» 241 .

Esta descrição confirma que o arcaz original, fabricado com madeiras nobres e decorado com embutidos, estava organizado em seis módulos de três

239 Saraiva 1929, 82. Zúquete 1945, 116. 240 Marques 2007a, II 68-70. 241 BNP, COD. 153, fl. 2.

169 gavetões, intercalados por três módulos de portas (como o móvel actual). No alçado, expunham-se sete pinturas, segundo a fórmula tornada relativamente comum a partir do início do século XVII, além de três espelhos. Há notícia de o bispo Melo e Castro ter despendido 147.440 reis nuns «armários com gavetas de pau santo, bronzeadas, na sacristia» 242 , obra que corresponderá ao amituário original e que fez parte da campanha empreendida na Sé por este prelado, compreendendo a feitura de retábulos, grades da capela-mor e a aquisição de paramentos e de vasos litúrgicos. Se esta obra se limitou ao armário dos amitos para complementar um arcaz já existente, não o posso dizer com segurança. Embora seja admissível D. Pedro de Castilho ter instruído a Fábrica no sentido de se executar um móvel condigno para conservar os vários ornamentos que legou à Sé 243 .

Neste sentido, parte-se do princípio que a disposição do mobiliário datará, pelo menos, das décadas de 1620 e 1630, com o arcaz no alçado norte e a abertura do vão para o armário dos amitos ao centro do alçado oposto. Edificada sensivelmente entre 1583 e 1597 (data de conclusão do claustro), a sacristia continuaria a ser provida e decorada nas décadas seguintes, com a execução do mobiliário, a pintura a fresco da cobertura, a decoração polícroma dos arcos e o revestimento azulejar.

Embora seja incerta a cronologia da pintura afrescada da abóbada, é verosímil que tenha sido, também, executada no primeiro terço de Seiscentos 244 . O programa pictórico segue o formulário decorativo de brutesco, com símbolos

242 Em 1626, D. Francisco de Meneses (1625-27) mandou fazer «caixões para os ornamentos» (em pinho), mas este móvel devia estar destinado a outra área da Sé, possivelmente, a capela de Nossa Senhora da Pena, que mandou reformar. O Couseiro 1868, 242-43. 243 Segundo O Couseiro (1868, 229), o bispo deixou à Sé de Leiria quatro vestimentas ricas (uma de âmbar, uma de brocado de alcachofras, uma de cetim encarnado, e outra de chamalote rosa e ouro), entre outras de damasco de diferentes cores e frontais do mesmo tecido, além de alvas, sobrepelizes e rochetes. Entre as alfaias, legou umas galhetas pequenas, um jarro e prato de água às mãos em prata; duas sacras em caixilho de pau preto, uma caldeirinha de água benta e dois castiçais em bronze e um cálice de prata dourada, além de onze «quadros» colocados na sala do cabido. 244 Vítor Serrão, no estudo sobre a pintura da Sé de Leiria (2005, 180), faz referência ao fresco da sacristia, datando-o do largo século XVII, sem precisar uma cronologia mais circunscrita.

170 associados à Igreja ao centro de composições de enrolamentos fitomórficos e putti que preenchem os panos da abóbada de nervuras. Os tons rosa, azul e dourado da pintura jogam com as cores das cantarias do lavabo, uniformizando a ambiência da sacristia com graciosidade. A pintura fingida das próprias nervuras procura harmonizar o luxo do cromatismo pétreo do lavabo com o abobadamento, fazendo parecer que este era feito do mesmo material calcário.

72| Sé de Leiria, pormenor da pintura de brutesco que decora o intradorso das capelas da 73| Sé de Leiria, abóbada da sacristia, fresco, século sacristia. XVII. © SIPA FOTO.00799710 © A catedral de Leiria 2005

Esta campanha deve ter considerado, igualmente, a decoração polícroma dos arcos, cujos pormenores arquitectónicos foram sublinhados a ouro e os painéis dos intradorsos ornados de brutesco, nas tonalidades de dourado para os motivos e azul para as cercaduras. Esta unidade parece apontar para um mesmo programa decorativo, ideado no bispado de D. Pedro de Castilho ou, quando muito, nas décadas imediatamente a seguir. Tal conclusão só poderá, todavia, ser confirmada na eventualidade de surgir nova documentação. Em todo o caso, a decoração afrescada de brutesco correspondeu a um gosto típico português, com raízes no século XVI e que se prolongou pelas duas centúrias seguintes. Por vezes, as campanhas de decoração dos interiores portugueses juntavam os frescos e os revestimentos cerâmicos nos mesmos programas, o que constituía uma solução eficaz e económica para a recriação e nobilitação dos espaços. Mas,

171 no caso da sacristia de Leiria, o silhar de azulejos de padrão de maçaroca que reveste todo o perímetro da sala será mais tardio, embora pelo enquadramento do friso se confirme que, na altura em que foi aplicado, a organização da sala e a distribuição dos vãos eram como as vemos na actualidade.

Face ao exposto, conclui-se que a sacristia da Sé de Leiria partiu, originalmente, do projecto primitivo alinhado com as directrizes de meados de Quinhentos para as catedrais joaninas, sem traços distintivos que orientassem a construção do espaço para a sua função e tipologia formal. O adiamento dos trabalhos do claustro proporcionou, assim, a actualização do plano com a abertura dos dois recessos para acolher o altar e o lavabo. A introdução destes elementos correspondia, afinal, à divulgação das características tipológicas da sacristia por via das instruções sinodais em território português, mas sobretudo pela mão dos agentes responsáveis pela sua materialização: o encomendante e o arquitecto.

De facto, o bispo D. Pedro de Castilho terá desempenhado, pela sua experiência e cultura informada, um papel importante na definição dos princípios que nortearam a reformulação do espaço, não só em termos estruturais como decorativos. A responsabilidade dos cargos oficiais em Lisboa, longe de o terem distanciado dos assuntos da diocese, tê-lo-ão mantido a par das mais recentes iniciativas edificatórias do Reino, permitindo-lhe decidir de modo esclarecido e patrocinar alterações fundamentais ao projecto primitivo, postas depois em prática pela Fábrica da Sé e pelo arquitecto encarregue das obras. A cultura actualizada do prelado manifesta-se numa dupla vertente: a artística, com a promoção da modernização da linguagem formal do edifício e a encomenda de obras de carácter extraordinário em Lisboa, de que é exemplo o lavabo; e a litúrgica, manifesta na adaptação da sala primitiva aos propósitos renovados do culto reformado e na orientação da arquitectura ao serviço do culto.

172 » A sacristia da Sé de Elvas entre os bispados de D. António e D. Sebastião de Matos de Noronha (1609-1627)

Elvas foi elevada a diocese em 1570, na sequência do processo iniciado pelo cardeal D. Henrique em 1555, com vista à reorganização do território da arquidiocese de Évora e que veio a resolver-se com a promulgação da bula Super Cunctas de Pio V a 9 de Junho de 1570. A igreja de Nossa Senhora da Praça (actual igreja de Nossa Senhora da Assunção) foi escolhida para catedral e o decreto pontifício determinava que se ampliassem «os seus edifícios, dando-lhes a forma de igreja catedral» e se mandasse «construir e edificar o paço episcopal» 245 .

D. António Mendes de Carvalho (1571-1591) foi então nomeado primeiro bispo de Elvas. Formado na Universidade de Paris e depois professor de Gramática no Colégio das Artes de Coimbra, sobre ele recaiu uma empresa complexa, a da organização administrativa da nova diocese portuguesa. No contexto dessa incumbência, houve que constituir o cabido e convocar um sínodo para a aprovação das Constituições Sinodais (1572), tomando-se sem demora as do Arcebispado de Évora, que acabaram por reger a diocese até 1634. D. Mendes de Carvalho ficou recordado pelo zelo que dedicou ao ofício pastoral, assistindo no coro, visitando, pregando, ministrando o Santíssimo Sacramento e levando-o aos enfermos.

Cumprindo os deveres inerentes ao cargo e atento às obrigações que dele faziam parte, procurou dar resposta às necessidades da diocese. A fim de criar na cidade os aposentos adequados à residência dos bispos, tornada obrigatória pelo Concílio de Trento, a construção do paço episcopal foi uma das preocupações do primeiro bispo de Elvas. Terá despendido nela a quantia de 16 mil cruzados. António Gonçalves de Novais descreve a grande modéstia e frugalidade por que

245 Cabeças 2004, 242.

173 o bispo pautava a sua vida, a par da liberalidade com que investiu nas obras da diocese, nomeadamente as do paço:

«Fez as casas Episcopais que lhe custaram mais de dezasseis mil cruzados, em mui bom sítio, com alegres vistas, com pátios, torres, e varandas de pedra mármore, com tão formosos, e alterosos aposentos, que com verdade se pode afirmar que poucos Paços dos Prelados de Portugal fazem vantagem aos dos Bispos de Elvas»246 .

74| Brasão de D. António 75| Retrato de D. António Mendes de Carvalho, primeiro Mendes de Carvalho, gravura. bispo de Elvas, gravura. Pormenor da folha de rosto das © Novais 1635, 8. Primeiras Constituições Sinodais do Bispado de Elvas , 1635.

Na Sé, D. António Mendes de Carvalho concentrou-se no provimento das alfaias e ornamentos necessários ao culto e na dotação da capela-mor, para a qual encomendou a Luis de Morales um ciclo de pintura para o novo retábulo mor (1576-79). Contudo, as obras de vulto que transformariam a igreja matriz manuelina, do arquitecto Francisco de Arruda, na catedral de Elvas só vieram a concretizar-se no bispado de D. António de Matos de Noronha (1591-1610).

Em 1591, quando foi apontado para bispo por Filipe II, D. António de Noronha encontrava-se a residir em Madrid. Depois de se doutorar em Direito Canónico na Universidade de Salamanca, ocupara a função de inquisidor em Córdova e Toledo e fora visitador do Paular de Segóvia. Além do percurso em

246 Novais 1635, 9v.

174 Espanha, o apoio à causa filipina garantiu-lhe a confiança do monarca, que o favoreceu na ascensão da carreira em Portugal, não só com a atribuição do bispado de Elvas, como na nomeação para membro do Conselho d’El-Rei e para o cargo de inquisidor-geral (1593-1599).

76| Brasão de D. António de 77| Retrato de D. António Matos Matos de Noronha, segundo de Noronha, gravura. Pormenor bispo de Elvas, gravura. da folha de rosto das Primeiras © in Novais 1635, 10v. Constituições Sinodais do Bispado de Elvas , 1635.

D. António de Matos de Noronha fez a sua entrada em Elvas a 3 de Junho de 1592, «com grande pompa, coches, andas, cadeiras de mão, e muita gente de cavalo». Terá sido das mais aparatosas apresentações oficiais de prelados da época, na qual se destacou o traje do novo bispo («todo o seu vestido, e trato era de Cardeal») e o seu coche «todo de carmesim vermelho, e as guarnições, e pregaria de prata sobredourada», aparelhado com «quatro cavalos rosilhos mui fermosos, e gordos, e adornados de vermelho com seus diamantes na testa»247 .

O desempenho do cargo de inquisidor-geral acabou, todavia, por manter D. António afastado da diocese. Após a tomada de posse, parece que só se deslocava a Elvas por ocasião da Semana Santa, período que aproveitava para realizar as visitas pastorais. O breve de Clemente VIII que ordenava o regresso dos bispos que estivessem fora das suas dioceses às suas funções terá motivado a resignação do prelado ao cargo de inquisidor-mor, voltando a Elvas em

247 BNP, COD. 10868, fl. 56.

175 definitivo cerca de 1599. A partir deste ano, D. António de Matos de Noronha entregou-se finalmente às suas obrigações episcopais, ocupando-se muito particularmente da renovação da Sé, quer na sua dimensão material, dotando-a de novas alfaias e ornamentos e das obras necessárias, como na dimensão cultual tomando providências no sentido de aperfeiçoar o culto e as celebrações litúrgicas.

A acção do segundo bispo de Elvas é descrita por Novais, que destaca justamente as obras na Sé e a importância que atribuía à música sacra para a liturgia:

«E, como se viu desobrigado do ofício [de inquisidor-geral], tratou do benefício com grande cuidado, cumprindo em tudo com as obrigações de bom Prelado, sendo mui zeloso do Culto Divino, fazendo ornamentos, Capela de Canto de Órgão, com muitos instrumentos Músicos, e boas vozes, a que deu salários competentes: Mandou fazer de novo a capela mor da Sé, acrescentando-a, azulejando as paredes, pintando, e dourando a abóbada; acrescentou as rendas da fábrica, comprando-lhe mais mil cruzados de juro no Almoxarifado desta Cidade. Nestas obras, e em outras semelhantes de piedade, e bom governo gastou o restante da sua vida»248 .

A atenção com o esplendor do culto obrigaria então ao alargamento da capela-mor para receber o cadeiral do coro canonical. D. António de Matos de Noronha instituiu ainda uma capela de canto, para a qual adquiriu livros de cantochão e de canto de órgão e dotou de Constituições e Regimento do Coro (1607) para a regulação do seu funcionamento, além de reformar o órgão (1602).

A campanha de obras foi ideada ainda antes do seu regresso a Elvas e considerou não só o aumento da capela-mor, mas também a edificação de uma capela para custodiar condignamente o Santíssimo Sacramento; a criação da casa do cabido, necessária para as reuniões diocesanas; e, finalmente, a substituição

248 Novais 1635, 12-12v.

176 da sacristia primitiva por uma maior e mais adequada à guarda do tesouro da Sé e às funções de preparação dos sacerdotes para a celebração. O projecto procurava não só acomodar o edifício manuelino às funções de catedral, como responder aos requisitos que agora se impunham. Considerando a atenção que, no período pós-tridentino, foi prestada ao decoro das celebrações, a Sé de Elvas renovava-se a fim de cumprir o calendário litúrgico e o cerimonial da forma mais completa.

D. António de Matos de Noronha não viveu o suficiente para ver concluídas todas as obras que pensou, tendo falecido em 1610. Ao seu tempo, só a capela-mor ficou concluída, embora se tenha iniciado as restantes mediante a abertura das respectivas fundações em 1609. O projecto seria, no entanto, continuado nas duas décadas seguintes com o apadrinhamento dos sucessores D. Rui Pires da Veiga (1612-16) e a D. Frei Lourenço de Távora (1617-25), prosseguindo o seu curso sob a responsabilidade e empenho da Fábrica da Sé, embora com a necessária aprovação destes prelados.

Sucedeu-lhes, por fim, D. Sebastião de Matos de Noronha, que, nos dez anos em que esteve à frente da diocese de Elvas (1626-36), não só fez concluir as obras em curso como empreendeu novas campanhas de decoração da Sé. Nascido em Madrid, D. Sebastião doutorara-se em Cânones em Coimbra e havia iniciado a sua carreira no Santo Ofício da Inquisição. Era considerado «bem afecto ao serviço de Sua Majestade», beneficiando assim do favor da corte de Madrid e do Conselho de Portugal na sua promoção ao bispado de Elvas (1626) e ao arcebispado de Braga (1636) 249 .

O seu espírito reformador é aduzido pela iniciativa de dispor, em ambas as dioceses, de novas Constituições Sinodais 250 . As de Elvas foram aprovadas no sínodo realizado a 8 de Maio de 1633 e publicadas dois anos depois, respondendo às necessidades particulares do respectivo bispado, que D.

249 Paiva 2006, 441. 250 As Constituições Sinodais do Arcebispado de Braga, embora ordenadas por D. Sebastião de Matos de Noronha, só viriam a ser publicadas em 1697 por D. João de Sousa.

177 Sebastião passara a conhecer no exercício das Visitas Pastorais. A conclusão das obras da Sé, além do paço episcopal, fazia parte do seu múnus, mas também pode ser entendido como o cumprimento de um legado familiar, considerando que D. Sebastião era sobrinho de D. António de Matos de Noronha, o iniciador da empresa. O quinto bispo de Elvas deixaria, ainda, registo para memória futura, fazendo representar o seu nome e armas nas composições decorativas com que beneficiou a igreja: o conjunto azulejar da sacristia e as pinturas da abóbada da nave da igreja.

79| Sé de Elvas, sacristia. Um dos quatro painéis brasonados com as armas de D. Sebastião Matos de Noronha que integram o revestimento azulejar. © SIPA FOTO.00907181 » 78| Primeiras Constituições Sinodais do Bispado de Elvas (1635). Ao centro, o retrato e o brasão de D. Sebastião de Matos de Noronha, quinto bispo de Elvas.

A transformação da igreja em catedral contemplou diversas áreas e campanhas distribuídas ao longo de mais de três décadas, cumprindo um desígnio que participava, simultaneamente, da promoção da matriz e da cidade a sede episcopal e das prerrogativas tridentinas a respeito do culto. Após um primeiro bispado ocupado na organização administrativa da diocese, a materialização desse desígnio foi delineada por D. António de Matos de Noronha

178 e cumprida ao longo dos bispados seguintes. O alargamento do edifício não era, à partida, tarefa simples, tendo sido necessário o encerramento de uma rua e a aquisição de terrenos contíguos, que confinavam com um convento. Deve ter sido estabelecido um plano geral e depois feitos projectos independentes para cada área pelo arquitecto nomeado para o efeito. O empreendimento envolveu uma série de outros artistas e oficiais, contratados para cada uma das diferentes campanhas construtivas e artísticas.

O sentido integrado da obra arquitectónica e decorativa é, além disso, confirmado pelo próprio financiamento, maioritariamente custeado pela Fábrica da Sé. O bispado tinha uma renda anual de dez mil cruzados, mas os réditos da Fábrica somavam uma verba independente de dois mil e quinhentos cruzados, destinada a pagar as obras, os salários dos músicos e a cera, sendo administrada pelos próprios bispos, como se infere da leitura da Relação do Bispado de Elvas :

«O Bispado vale de renda dez mil cruzados uns anos por outros, além do que é o Bispo administrador in solidum de dois mil, e quinhentos cruzados que a fábrica tem de renda, que ainda que se gastam nas obras da Sé, partidos dos Cantores, e cera, se podem reputar por renda do Bispado, pois (não a tendo a fábrica) era o Bispo obrigado a estes custos, como são os mais dos Bispados antigos deste Reino» 251 .

Pelo que é dado entender, a Fábrica da Sé de Elvas encontrava-se sob a responsabilidade directa dos prelados, constituindo uma verba independente que garantia a sua aplicação na gestão das despesas com a igreja e o enriquecimento da matriz com as alfaias, ornamentos e obras necessárias à boa realização dos ofícios litúrgicos. Os bispos de Elvas eram, desta forma, compelidos ao patrocínio das obras da Sé.

A campanha de alargamento da Sé de Elvas apresenta-se relativamente bem documentada. É interessante verificar o funcionamento organizado da Fábrica da catedral, procedendo sempre primeiro ao contrato com os

251 Novais 1635, 6v.

179 intervenientes, aos quais se pediam as traças e modelos das obras, fossem elas de arquitectura ou de pintura. Os planos eram, obrigatoriamente, aprovados pelo bispo em função e a obra, depois de apregoada, decorria sob o controlo do fabriqueiro e dos mestres responsáveis. É, por essa razão, um bom exemplo da consolidação dos métodos de encomenda e da organização hierarquizada do trabalho. Experiência que acabaria por se fixar legalmente nas Constituições Sinodais de Elvas (1635), determinando a obrigação de bem planear as obras, com execução prévia de traças, contratação formal de mestres e licença e vistoria do bispo, tudo no capítulo intitulado «Do modo de Edificar e reparar as Igrejas»:

«Costumam muitas vezes as obras das Igrejas, Mosteiros, Ermidas, e Capelas (depois de se haver gastado grande quantidade de dinheiro nelas) sair mui diferentemente do que se pretendeu em grande dano, e prejuízo das fábricas, e bens das Igrejas, ou das pessoas que por sua devoção as mandam fazer, por se não haver considerado primeiro a traça que se havia de tomar , ou por não haver sabido contratar com os mestres das obras em benefício das Igrejas. S.S.A. ordenamos e mandamos [que não se façam obras sem licença por escrito ou depois de acabadas de edificar se celebre missa sem serem visitadas pelo bispo ou visitadores]» 252 .

Foi de acordo com estes princípios e determinações que se procedeu quando das realizações da sacristia.

A igreja de Nossa Senhora da Praça tinha, originalmente, uma sacristia, fabricada em 1547 253 , mas considerada insuficiente à luz do novo estatuto do edifício. A construção de uma nova sala explica-se, assim, pela necessidade de acrescentar na Sé um espaço mais amplo e condigno para a guarda do tesouro e

252 CS Elvas 1635, 82v. 253 Borges 2008, 102.

180 paramentação de um número maior de celebrantes, de acordo com o ritual celebrado numa catedral.

Em 1609 deu-se, então, início à obra da sacristia com o arranque dos alicerces. A 17 de Novembro de 1610 faleceu D. António Matos de Noronha contando 79 anos. A morte do bispo não fez, porém, suspender os trabalhos que prosseguiram sob a vistoria de um «fabriqueiro», o cónego Gil Fernandes, para isso nomeado e pago anualmente com trinta mil reis 254 . A construção e o provimento da sacristia prolongaram-se por vinte anos, até à sua conclusão ao tempo de D. Sebastião Matos de Noronha.

No entanto, o grosso da construção apresentava-se concluído e pronto para utilização cerca de 1615. Esta dedução é feita com base no Livro de receita da Fábrica da Sé (de Elvas) anos 1598 a 1638 , à guarda da Biblioteca Municipal de Elvas e estudado por Mário Henriques Cabeças 255 . E, sobretudo, nas notas documentais relativas à aquisição de duzentas lajes para a construção da abobada, ao cabouqueiro de Vila Viçosa Pero Pinto, no valor de 400 mil reis pagos a 13 de Setembro de 1611, sugerindo que por essa data se começava a cobrir a sala. Quatro anos depois, decorriam trabalhos de acabamentos, nomeadamente de pintura mural e de colocação de vidraças, facto que comprova estar o edifício definitivamente acabado nessa altura.

O projecto foi entregue a Pero Vaz Pereira, arquitecto que, desde 1598, vinha dando riscos para as obras da catedral. Sala de planta rectangular, paredes altas e cobertura abobadada em berço, a sacristia dispõe-se no prolongamento do transepto e capela do Santíssimo do lado do Evangelho, ligada à igreja por um corredor com entrada no absidíolo, que desemboca ao centro da parede nascente.

Outra porta no interior da sala dava acesso à chamada «casa dos despejos», construída na mesma altura como área complementar da sacristia.

254 Santa Clara 1889, 153. 255 Cabeças 2004 e 2011.

181

80| Sé de Elvas, planta. © SIPA DES.00052076

81| Sé de Elvas, sacristia. © SIPA FOTO.00907166

Tratava-se de um anexo destinado a arrumar peças de grande dimensão ou utilitárias, a fim de libertar os espaços do culto de objectos inconvenientes. Um recurso, como se viu atrás, considerado por Carlo Borromeo na Instructionum Fabricae (cap. XXIX) e, em contexto português, assinalado nas constituições sinodais dos bispados da Guarda (1621) e de Portalegre (1632).

No plano altimétrico, a sacristia é dividida em dois registos rematados pela cimalha real. Esta é lançada por pilastras em estuque muito sintéticas que ritmam o nível superior, dividido em painéis. No topo norte, ao centro do

182 primeiro registo, rasga-se um arcossólio onde se integram um arcaz, funcionando como altar, e um políptico setecentista representando o Calvário e os emblemas da Paixão de Cristo. O sentido devocional deste alçado é, além disso, complementado pela exposição de um Cristo na Cruz no tímpano. O segundo registo é sensivelmente mais avançado que o inferior e suportado por seis mísulas monumentais. Trata-se de uma solução de articulação dos volumes invulgar no interior de uma sacristia.

Este corpo avançado corresponde ao corredor que faz a comunicação interna entre a casa do cabido e a catedral. Com base neste dado, suponho que se trataria originalmente de um balcão com guarda (e talvez também gelosias), dispositivo que encontra paralelo, por exemplo, na varanda do coro da igreja do convento do Sacramento em Alcântara e no retro-coro da igreja de Nossa Senhora da Luz em Carnide (em cuja parede fundeira se abria a «varanda dos enfermos») – ambas suportadas por enormes mísulas, ainda hoje visíveis. Não é aqui possível avaliar o período exacto da construção do balcão da sacristia da Sé de Elvas, mas em todo o caso as tabelas entre-mísulas devem ser de época posterior, considerando que obliteraram a cercadura original que rematava o limite superior do revestimento azulejar de 1627. Actualmente, o balcão da sacristia da Sé de Elvas sustenta uma parede falsa que oculta o antigo espaço de circulação. Isso pode ser constatado na observação atenta da abertura do pseudo-nicho no tímpano, onde se distingue a profundidade da parede original no mesmo plano da do primeiro nível.

No topo oposto, orientado a sul, abre-se uma porta de acesso ao pátio exterior da cisterna (datável de c. 1612-13 256 ) e distribuem-se três janelas gradeadas – duas no segundo registo e a terceira no tímpano –, que são as que, hoje, iluminam a sala. Originalmente, os três vãos do alçado poente não estariam entaipados: um providenciava iluminação natural directa e os outros abriam para um espaço interior da casa do cabido contígua à sacristia. Fotografias antigas, do

256 Cabeças 2004, 258.

183 82| Sé de Elvas, exterior da sacristia (à direita) e casa do cabido (ao fundo), em 1968. © SIPA FOTO.00166285 pano murário exterior da sacristia, ainda mostram a marcação do emolduramento em cantaria de uma dessas janelas do alçado poente. Não há dúvida que, no início, seriam quatro vãos iluminantes rasgados para o exterior, como se comprova também pelo pagamento de quatro grades de ferro para as quatro janelas da sacristia 257 . A distribuição original dos vãos iluminantes nas paredes sul e poente, e o seu rasgamento em capialço, proporcionava uma boa exposição solar, favorável a um ambiente seco, facto que, a ter sido considerado como creio, determinou a orientação da planta paralela à cabeceira.

Os alçados laterais serviram para a distribuição de vãos de circulação, do lavabo e do mobiliário: a todo o comprimento da parede poente, dispôs-se um arcaz, e a do nascente compreendeu a abertura de vãos para armários embutidos, ladeando a porta de circulação para a capela-mor. O mobiliário actual corresponde a uma intervenção de cerca de 1650, identificada pelo escudo de armas do bispo D. Manuel da Cunha (1634-1658) exibido no corpo central do arcaz. Executado em pau-santo e com elegantes ferragens douradas, o paramenteiro é um móvel de linhas sóbrias, organizado em módulos intercalados

257 Cabeças 2004, 249.

184 de gavetões e porta, separados por pilastras. O remate superior, estreito e ritmado por tabelas e pináculos, assume um toque de refinamento, como transição harmoniosa entre o tampo do arcaz e a parede. Por sua vez, os armários, ladeando a porta principal na parede nascente, conjugam diferentes módulos, correspondendo a uma tipologia comum na época.

Apesar de os armários e paramenteiro terem sido objecto de uma campanha posterior (eventualmente de remodelação), é certo que a organização do espaço actual corresponde ao plano inicial ou, pelo menos, à disposição pensada em 1627, ano em que foi aplicado o revestimento azulejar. De facto, a ordenação do ciclo azulejar resulta de uma intenção decorativa específica para este espaço, idêntica à que hoje se pode admirar. Tal facto é particularmente notório na observação das barras que enquadram os painéis e que acompanham o desenho dos vãos e os limites dos móveis.

Obra do patrocínio de D. Sebastião de Matos de Noronha, a encomenda dos azulejos da sacristia, no valor de 502.144 réis, fez parte de uma mais ampla que abarcou o corredor de acesso, como ainda os revestimentos cerâmicos destinados ao paço episcopal de Elvas 258 . Os azulejos da sacristia conjugam um padrão de tapete envolvido por barra e frisos e quatro painéis brasonados com as armas do encomendante e a legenda: « D. SEBASTIÃO DE MATTOS DE NORONHA

QUINTO BISPO D ’ELVAS – EXPENSIS ECCLESIAE ». Completava-se então, com esta obra, o programa decorativo da sala, que, além do ciclo azulejar, integrava um piso de pedra axadrezado a azul e branco e pintura mural na cobertura e nos tímpanos.

Desafortunadamente perdida, a pintura da sacristia representava uma encomenda importante do terceiro bispo de Elvas, D. Rui Pires da Veiga. Veio recentemente a lume o contrato efectuado com os artistas responsáveis pela obra, permitindo esclarecer a natureza do projecto pictórico e o nível da sua

258 Meco 2008, 132.

185 execução 259 . Datada de 24 de Fevereiro de 1615, a escritura de obrigação entre o bispo e o pintor régio Simão Rodrigues para a pintura da sacristia e da capela do Santíssimo Sacramento impunha que fosse o pintor a executar a obra, «por suas próprias mãos», acompanhado de Domingos Vieira Serrão, não se limitando apenas à autoria do projecto.

Para a sacristia, tomou-se por modelo o programa pictórico do Hospital Real de Todos os Santos em Lisboa. A decoração circunscrevia-se à área da cobertura e dos tímpanos, ou seja, «da cornija para cima e a mesma cornija ornará no modo que mais convenha». Os tímpanos seriam pintados «de ornamentos que parecer e convém para que a dita sacristia fique formosa e bem ornada e faça correspondência à pintura do tecto». A abobada seria, então, repartida em nove painéis, «no modo e maneira que mais convenha para ornato e boa pintura da dita sacristia».

Antes do início da empreitada, o programa ficava sujeito à aprovação do bispo, que escolheria um de entre vários modelos a propor por Simão Rodrigues. Pelo contrato, estipulava-se ainda que a obra «de pintura e ouro» se faria pelo preço de 400 mil reis e deveria estar concluída no prazo de apenas três meses, ou seja, em Maio de 1615. E, de facto, cumpriu-se o prazo de execução e os artistas foram pagos em mil e cem cruzados (440 mil reis), só pela obra da sacristia, dado que se desistira da pintura da capela do Santíssimo. Numa campanha que parece ter sido mais complexa do que inicialmente se previa: «a capela nova do Santíssimo Sacramento a qual capela não se pintou por parecer

259 «E quanto à sacristia se pintará na conformidade da pintura que está feita no hospital de Todos os Santos da cidade de Lisboa e terá a abóbada da dita sacristia nove painéis repartidos no modo e maneira que mais convenha para ornato e boa pintura da dita sacristia e na parede da fresta se pintarão os ornamentos que parecer e convém para que a dita sacristia fique formosa e bem ornada e faça correspondência à pintura do tecto a qual pintura fará da cornija para cima e a mesma cornija ornará no modo que mais convenha e na sua parede fronteira da dita fresta se pintará e ornará o que também convier a boa proporção (…) para a qual pintura toda se trarão modelos que verá o senhor bispo e desses colherá os que lhe parecer mais convém para a perfeição da dita obra (…). E será o dito Simão Rodrigues fazer per suas próprias mãos e trará por adindo e companheiro para ele a Domingos Vieira Serrão pintor por que ambos e nenhum outro farão a dita obra (…).». Arquivo Distrital de Portalegre, Cartórios Notariais de Elvas, lv. 35, fls. 34v-36. Leitura de João Miguel Simões e Patrícia Monteiro, publ. em Serrão 2006, 107 n. 50.

186 que convinha pintar-se a sacristia pelo modo que agora está e tudo o que se havia de dar aos ditos pintores por a dita sacristia e capela se deu somente pela sacristia» 260 .

Uma vez que o próprio Hospital Real, modelo da obra, desapareceu com o Terramoto de 1755, não é possível reconstituir o programa pictórico. Presume- se que o ciclo de frescos da sacristia, da autoria de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, seguisse os formulários em voga na época, nomeadamente composições de brutesco como as que decoram as abóbadas nervadas da nave da igreja, cujo programa estabelecido por Domingos Vieira Serrão em 1631 viria a ser executado por Lourenço Eanes e Mateus Carvalho entre 1633 e 1634. Eventualmente, o brutesco terá sido conjugado com figurações votivas, à maneira do que se pode admirar, por exemplo, na abóbada da sacristia do colégio jesuíta do Espírito Santo (1599). É o que se pode inferir da menção expressa à divisão da abóbada em nove painéis.

83| Sé de Elvas, alçado poente da sacristia. Exibem-se, ao centro do arcaz, as armas do bispo D. Manuel da Cunha (1634-58) que patrocinou a remodelação do mobiliário. © SIPA FOTO.00907180

260 Biblioteca Municipal de Elvas, Livro de receita da Fábrica da Sé (de Elvas) anos de 1598 a 1638 , n.º 6682 F.G., fls. 118v-119. Publ.em Cabeças 2004, 251-52. Nesse ano, pagar-se-iam também as vidraças das janelas no valor de 63.240 reis.

187 O efeito da geometria simples do piso axadrezado a azul e branco, articulado com o padrão mais complexo do revestimento cerâmico no primeiro nível das paredes e os intricados dos brutescos afrescados e dourados na cobertura, enriquecia as linhas depuradas da arquitectura criando ao mesmo tempo uma ambiência de esplendor. Os valores ricos do cromatismo e os diferentes recursos ornamentais, articulados em sucessivos níveis de leitura do espaço em altura, transformavam o espaço numa sala de aparato.

É interessante constatar que cada um dos três bispos – D. António de Matos de Noronha, D. Rui Pires da Veiga e D. Sebastião de Matos de Noronha – tomou à sua responsabilidade campanhas distintas de provimento e decoração da sacristia. Reconhecendo no espaço uma dignidade própria que funcionava, simultaneamente, de forma independente e em correlação com o espaço da catedral. Completada e ornada em 1627, a sacristia passava a dispor de um programa unitário e actualizado segundo os mais modernos dispositivos decorativos da época em Portugal, comum aliás a outras congéneres.

Compreende-se, por essa razão, que tenha sido objecto de admiração, descrita, logo em 1635, como «uma das mais formosas casas, que deste género pode haver, mui capaz, alta, alegre, com muitas vidraças, e correspondências; as paredes de azulejo, e abobada dourada, e pintada de excelente pintura de mão de grandes pintores»261 . Anos depois, na sequência da visita do príncipe Cosme de Médicis a Portugal (1669), relata-se a visita do príncipe à catedral, onde pôde admirar «a sacristia, incrustada igualmente de majólicas a certa proporcionada altura e no tecto pintado a fresco» 262 . Ambas as descrições destacam o brilho da decoração, enaltecendo muito em particular o efeito dos revestimentos cerâmico e de pintura mural que enriqueciam notavelmente a austeridade da arquitectura interior proposta por Pero Vaz Pereira, então arquitecto e escultor do duque de Bragança.

261 Novais 1635, 6-6v. 262 Espanca 1952, 51.

188

84| Sé de Elvas, exterior dos corpos anexos do lado poente. Ao centro da imagem, a porta de acesso para o pátio da cisterna e, em segundo plano, a sacristia.

O arquitecto, que trabalhara nas fábricas da Sé e do paço episcopal de Portalegre e participara na campanha de alargamento do paço ducal de Vila Viçosa, dispunha de consistente formação teórica, adquirida provavelmente em Roma, onde residira, sendo autor de uma obra de matemática que dedicou ao duque de Bragança 263 . Era, na altura, o melhor arquitecto da região, logo chamado no início dos trabalhos da catedral de Elvas, em 1598, para «ver e traçar a obra da Sé» 264 . Em 1609 regressou à cidade para executar a planta e perfil das novas sacristia, capela do Santíssimo, casa do Cabido e casa dos despejos.

O risco de Pero Vaz para a sacristia aproxima-se mais da «obra lisa ou chã» do que do classicismo em que parece ter-se filiado na sua viagem a Itália. Esse aspecto austero reflecte-se de novo no exterior, caracterizado pela volumetria sóbria e desornamentada, marcada unicamente pelos cunhais rematados por pináculos e pelos emolduramentos rectilínios dos vãos. É possível que, como avança Mário Henriques Cabeças, o carácter despojado do projecto arquitectónico tenha obedecido a critérios económicos, considerando as várias

263 Sobre o arquitecto Pero Vaz Pereira vejam-se os estudos de Manuel Inácio Pestana (1993) e de Mário Henriques Cabeças (2004). 264 Biblioteca Municipal de Elvas, Livro de receita da Fábrica da Sé (de Elvas) anos de 1598 a 1638 , n.º 6682 F.G., fls. 118v-119. Publ. em Cabeças 2004, 245.

189 obras que decorriam em simultâneo no quadro da campanha geral de transformação da igreja matriz na nova catedral de Elvas 265 .

O sentido geral do projecto consistia em dotar a Sé, de maneira diligente, das casas necessárias ao seu bom funcionamento. Os indicadores da necessidade objectiva terão, por isso, prevalecido sobre os de outra ordem, depois suprida pelas artes decorativas. No geral, o projecto da sacristia da Sé de Elvas avança no sentido da consolidação da tipologia e enquadra-se no grupo de exemplares mais relevantes da época, fazendo uso dos formulários decorativos mais actualizados do País. Respondendo, ainda, de forma criativa e menos dispendiosa aos requisitos estéticos e de aparato exigidos para um tipo de sala que ia ganhando importância crescente no contexto da arquitectura eclesial.

265 Cabeças 2004, 256.

190

PARTE II

A SACRISTIA DA SÉ DE COIMBRA E O PATROCÍNIO DO BISPO D. AFONSO DE CASTELO BRANCO

capítulo 1 Antecedentes: legislação sinodal e sacristia velha

Em termos estatutários, na diocese de Coimbra, a sacristia só parece ganhar identidade como espaço autónomo a partir de meados do século XVI, quando é considerada nas Constituições Sinodais de 1548. Apesar de, nas constituições de 1521, ser dada atenção à conservação e limpeza dos ornamentos, não há menção de um espaço específico para a sua guarda referindo-se única e exclusivamente a existência de arcas, que por vezes se arrecadavam em casa de fregueses da confiança dos priores 1.

Neste contexto, destaca-se a acção do bispo D. Frei João Soares (1545- 1572). Eremita de Santo Agostinho professo em Salamanca e pregador em Braga, Lisboa e Coimbra, Frei João Soares foi ainda confessor de D. João III e mestre do príncipe D. João. As suas qualidades de oratória e o seu espírito reformador seriam reconhecidos em Trento, onde tomou parte da terceira sessão do concílio de 1561 a 1563 2. Após o regresso de Itália, ordenou a reconstrução da capela de São Martinho de Tours na Sé de Coimbra para receber o Santíssimo Sacramento, com a instalação do extraordinário retábulo de João de Ruão. Concluída cerca de 1566, a capela dos Doze Apóstolos constitui um gesto bem significativo das reformas operadas no concílio visando a uniformização litúrgica e o reforço do culto da Eucaristia e da adoração do Santíssimo Sacramento. E, como afirma Pedro Dias, «se outros méritos não tivesse, esta obra seria, pelo menos, o

1 CS Coimbra 1919 (1521), 46-48. 2«Com os mais prelados no tempo que se concluiu, onde fez muitas pregações, e satisfez a fama que dele havia de singular pregador, e em todos os autos e disputas, mostrou ser mui douto e mui visto nas matérias de que se tratava, do qual pois este prelado se achou presente». Nogueira 1942, 184.

193 panfleto maior da Contra-Reforma, no campo artístico português»3.

Ao nível da actividade jurídico-pastoral, D. Frei João Soares, ainda antes da sua participação em Trento, fez renovar os instrumentos de regulamentação da diocese, o que testemunha o seu papel actualizado enquanto agente da Reforma. Neste sentido, em 1548, poucos anos após entrar como bispo na diocese – na qual fora cónego ao tempo de D. Jorge de Almeida – reuniu sínodo e fez publicar as novas Constituições Sinodais. Nestas, identifica-se a sacristia como sala «deputada para os sacerdotes que hão-de celebrar e limpar suas consciências», onde se devia guardar silêncio e impedir a entrada de leigos, tarefa da qual ficava responsável o tesoureiro. Igrejas e mosteiros da jurisdição episcopal ficavam obrigados, no prazo de quatro meses após a publicação das constituições, a guardar em arcas e armários na sacristia, ou na sua falta noutro espaço para isso deputado, os «ornamentos, livros e coisas que são ordenadas para o culto divino, bem concertadas limpas e guardadas» 4.

A sacristia definia-se, assim, como divisão destinada à preparação da celebração litúrgica e à arrecadação dos objectos sagrados, tais como «vestimentas, cálices, missais, e todos os outros ornamentos». As peças que devia compreender referiam-se ao mobiliário de conter – arcas e armários – e a «uma toalha lavada de linho ou estopa, de duas varas em comprido em que os sacerdotes e ministros limpem as mãos», consagrando como obrigatória a ablução das mãos antes e após os ofícios divinos.

Em 1556, mandou dar à estampa a Visitação geral do estado espiritual desta Sé de Coimbra, juntamente com os estatutos antigos de 1454 e bula dos dias do ano. Este livro, elaborado para orientação dos cónegos na gestão das responsabilidades litúrgicas e temporais da catedral, configurava uma «compilação das leis e costumes de observância obrigatória na Sé de Coimbra»5.

3 Dias 1995, 67 e 69. 4CS Coimbra 1548, fl. 52-52v e 63v. 5 Prefácio de António Madahil à Visitação geral 1935 (1556).

194 Por comparação com as outras dignidades da catedral, o capítulo dedicado ao Tesoureiro é particularmente desenvolvido. Nele se compendiam as aptidões requeridas pela função, os funcionários sob a sua supervisão – subtesoureiro, sineiro e relojoeiro – e um extenso rol de obrigações, sobretudo relacionadas com o cuidado e disposição com os paramentos e alfaias, a ornamentação dos altares e coro, a iluminação da igreja e o tanger dos sinos. Há também diversas indicações associadas à preparação e organização de determinadas celebrações litúrgicas – procissões, dias solenes, etc. – e ressaltam algumas recomendações sobre espaços da Sé, como o claustro e fonte, coruchéu, coro e sacristia. Com a leitura deste capítulo, apercebemo-nos da dimensão «doméstica» da vida de uma Sé no século XVI, ilustrando-se bem o sem número de tarefas e cuidados que deviam ocupar os dias e o ano.

No que respeita à sacristia, é aqui designada por «tesouro» e as prescrições concernem o silêncio a guardar e a entrada de pessoas autorizadas (de que se excluem liminarmente as mulheres). Quando ocupado por «pessoas que não tiverem que fazer nele [tesouro], com palavras corteses fará despejar o dito tesouro para se revestirem os que disso tiverem necessidade» 6, ou seja, a paramentação era função prioritária do espaço. Diversas rubricas, onde se discrimina o cuidado com o conteúdo do tesouro, apontam para a responsabilização directa do tesoureiro no que tocava à conservação e guarda dos objectos – qualquer roubo, extravio ou estrago seria pago pelo tutelar do cargo:

«continuamente o Tesoureiro trará na Sé pessoas de confiança que olhem pelas coisas dela, e guardará todos os ornamentos, assim de ouro como de prata, e de seda, e quaisquer pedras preciosas, relíquias de santos, e os livros e tudo o mais que houver na Sé, de sorte que nada se furte e faltando qualquer coisa o Tesoureiro o pagará à sua custa.

6 Visitação geral 1935 (1556), 57.

195 Furtando-se [...] quaisquer outros ornamentos grandes ou pequenos, ou se se perderem ou furtarem, o Tesoureiro pagará tudo à sua custa, e danando-se os ornamentos por sua culpa ou descuido, e rompendo-se os livros pagará de sua casa todo o dano que se fizer»7.

O reforço do zelo com o tesouro poderá ter relação com um roubo de prata ocorrido na Sé em 1528 8, embora nesta data estivesse já, muito provavelmente, construída uma sacristia junto do transepto. Nesta sala, guardar- se-iam sobretudo as alfaias e paramentos destinados aos celebrantes e ao culto, já que temos notícia por um inventário de 1546 de outra parte dos objectos se arrecadar em duas arcas pequenas e três grandes na área do ante-coro, provavelmente os paramentos dos cónegos e dos clérigos 9.

Esta sacristia, depois apelidada de «velha», preencheu o espaço que ficara vazio entre a nave da Epístola e a ala norte do claustro duocentista 10 . A sua situação ocupando no ângulo externo entre a nave e o transepto não era original nas catedrais portuguesas, conhecendo-se ainda hoje o exemplo da Sé de Lisboa, onde a sacristia medieval tinha a mesma localização, mas do lado do Evangelho. Ao caso da Sé de Coimbra aplica-se, em certa medida, a tradição da arquitectura cristã, onde o coro localizado nos primeiros tramos da nave encerrava uma área exclusiva ao clero – a igreja «de dentro» (capela-mor e transepto), por oposição à igreja «de fora» de acesso público dos fiéis 11 . Neste contexto, a abertura da sacristia para o transepto permitia a circulação para os dois espaços de celebração – capela-mor e coro baixo – de forma discreta, velada ao olhar dos fiéis; situação mais difícil de conter no caso da Sé de Lisboa, onde a construção

7 Visitação geral 1935 (1556), 47. 8A notícia do «furto grande da prata que naquele tempo se fizera na Sé de Coimbra» provocou alarme na Sé Primaz de Braga, impelindo o arcebispo D. Diogo de Sousa (1505-1532) a ordenar a construção de uma sacristia segura, inteiramente de pedraria e portas forradas de ferro. Oliveira 2004, 33-36. 9 ANTT, Sé de Coimbra , 2.ª Incorp., mç. 97, n.º 4709-B – Inventário da Biblioteca e do Tesouro da Sé de Coimbra , 1546. Transcr. in Costa 1983. 10 Vasconcelos 1992 (1930), I 140. 11 Gomes 2001.

196 do coro na capela-mor e do deambulatório ditavam eixos de circulação mais alargada no espaço da igreja.

A sacristia primitiva da Sé de Coimbra subsiste e a ela se acede por uma pequena porta fronteira à da sacristia nova. É um espaço estreito e alto, com abóbada de cruzaria e mísulas características da arquitectura do período manuelino. Estruturado em dois tramos, as suas paredes são lisas e sólidas, excepção feita ao alçado norte onde se rasgam dois arcos estruturais de volta perfeita encimados por óculos adventícios abertos para a nave da igreja. Nos arcossólios ter-se-ão encaixado, muito provavelmente, os caixões para a guarda dos paramentos e alfaias, que ali existiam em 1580 12 . Há notícia de, neste ano, estar também provida de lavabo, pelo pagamento a um oficial do seu arranjo 13 .

Dadas as características do espaço, a construção desta sacristia primitiva é seguramente atribuível ao bispado de D. Jorge de Almeida (1483-1543), prelado que se mostrou «esmoler, caritativo, solícito e vigilante pastor» e «mui amigo desta Igreja que a ornou dourou e galanteou toda», segundo a apreciação do cónego e cartulário Pedro Álvares Nogueira (†1597) 14 . Em termos materiais e artísticos, são bem conhecidas as obras marcantes com que D. Jorge dotou a Sé: a Porta Especiosa; os retábulos da capela-mor e da capela de São Pedro, onde se fez sepultar; as duas pias baptismais; e a decoração dos alçados da nave com azulejos hispano-mouriscos encomendados em Sevilha.

Além do mais, o tesouro catedralício foi largamente enriquecido com duas doações registadas nos anos de 1522 e 1523 15 . Destes documentos avulta

12 Sabemos existirem, pelo menos em 1580, caixões na sacristia, ano em que o obreiro da Sé regista o pagamento de 280 reis a Henrique Fernandes pelo forro dos mesmos, entre outros trabalhos: «Item Pagou a Anrriqs frz de três dias e meio que andou em forrar os Caixões da sacristia e no concerto de dois sinos na torre a quatro vinténs por dia soma duzentos e oitenta reis». O forro foi feito com folhas de Flandres, que custaram 120 reis, «para os ratos não entrarem neles». AUC, LRDOS, Lv. 102 (1580-1581), fl. 10v (inédito). 13 «Item Pagou a um oficial que andou concertando o lavatório da sacristia». Idem, fl. 15v (inédito). 14 Nogueira 1942, 179. 15 ANTT, Livro das Calendas de Coimbra , fls. 101v-105v. Publ. Costa 1983, 217-223.

197 uma longa lista de espécimes: os mais diversos paramentos nos melhores tecidos; sapatos; panos de raz, tapeçarias e alcatifas, tapetes e cobertores; diferentes alfaias preciosas, entre as quais uma mitra rica, uma cruz de coral, um cálice e pátena de prata, um anel de ouro, esmeraldas, rubis e safira; e mais prata e somas de dinheiro; tudo arrecadado em cofres, caixas e arcas. A riqueza

85| Sé Velha de Coimbra, sacristia 86| Sé Velha de Coimbra, sacristia primitiva. primitiva. © Foto da autora © Foto da autora

87| Sé Velha, localização da 88| Sé Velha de Coimbra, arco de sacristia primitiva na planta de acesso mandado construir por D. Guilherme Elsden. Afonso de Castelo Branco aquando da © MNMC, DA118 transformação da sacristia velha em espaço de circulação de acesso ao coro. © SIPA FOTO.00095633

198 da doação tem também alcance pela proveniência das peças: Arras, Flandres, Tornai, Paris, Holanda, Rodes, Levante e Índia. Em números, só metade das peças foram avaliadas, à época, em cerca de um milhão e meio de reis!

A preocupação de D. Jorge com os aspectos materiais do culto é bem ilustrada numa carta dirigida a D. João III a 16 de Novembro de 1538 16 . Inicialmente, o bispo solicitara ao rei que mandasse «trazer de Castela alguns ornamentos para esta Sé», obtendo como resposta a sugestão de, em vez disso, se dar esmola num dos colégios da cidade, domínio central da política régia em Coimbra. D. Jorge dá a entender ter «mais inclinação aos ornamentos», conseguindo finalmente a mercê de D. João III que lhe «dobrou o gosto de reparar esta casa que acerca de ornamentos está em mais necessidade do que foi dito a Vossa Alteza». O cuidadoso interesse com o provimento de alfaias sagradas que servissem condignamente a Sé, tão falta deles como sublinha o bispo ao rei, ter-se-á reflectido inevitavelmente na necessidade de uma sacristia para arrecadação das peças e preparação das celebrações litúrgicas. Esta última função, aliás, fora até aí suprida pelo sacrarium medieval situado na ábside. Como bem observou António de Vasconcelos, os arcos das paredes laterais da capela-mor serviam para

«colocar as credências, onde se disporiam os utensílios litúrgicos, necessários nos pontificais. Do lado do Evangelho, no arco mais chegado ao altar, havia e há um armário, cavado profundamente na parede, com duas portas de ferro fechando a meio, de cujos gonzos ainda hoje restam vestígios. Dividido horizontalmente por uma tábua, colocada a meia altura do vão, era este o sacrarium , também chamado repositorium , onditorium , etc.» 17 .

Elemento importante a considerar em estudos futuros sobre a história da arquitectura da Sé e da prelatura de D. Jorge de Almeida, a sacristia acabaria por

16 Documentos de D. João III 1937, I 227-228. 17 Vasconcelos 1992 (1930), I 135-136.

199 ser considerada «mui pequena» ainda no decorrer do século XVI. Pelo que o bispo D. Afonso de Castelo Branco veio a ordenar a sua transformação em corredor de circulação privada de acesso aos coros baixo e alto pelos cónegos vindos do claustro 18 . A sala primitiva foi, então, substituída pela construção de raiz de uma nova sacristia por detrás da capela-mor, obra promovida e patrocinada por este bispo-conde.

18 «Havendo nesta Sé uma Sacristia mui pequena [D. Afonso de Castelo Branco] a mandou desfazer para os Cónegos irem por ela para o Coro, e fez a que agora tem a Sé». BNP, COD. 147, fl. 207. Na sacristia velha podem observar-se umas entregas de pedra que poderão ter servido à construção de uma escada de madeira. Sobre a porta terá mandado colocar um painel de madeira com as suas armas esculpidas em baixo-relevo e pintadas.

200 capítulo 2 O bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco

A sacristia nova da Sé de Coimbra representa um dos muitos empreendimentos que o bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco (1522-1615) patrocinou ao longo dos trinta anos em que esteve à frente da diocese. Dado que o significado desta obra passa, em grande medida, pela figura do seu encomendante, importa conhecer um pouco mais de perto a sua personalidade.

Afonso nasceu em 1522, neto dos primeiros condes de Vila Nova, D. Martinho de Castelo Branco e D. Mécia de Noronha, em resultado da união natural de D. António de Castelo Branco, deão da Sé de Lisboa, com Guiomar Dias. Nada se sabe dos primeiros anos de vida e da sua educação, até ingressar nos estudos da Universidade de Coimbra, onde se formou primeiro em Humanidades, tendo obtido depois os graus de Mestre em Artes (1557) e de Doutor em Teologia (1565).

As circunstâncias do seu nascimento não obstaram ao prosseguimento de uma carreira fulgurante, sendo distinguido sucessivamente com cargos eclesiásticos e oficiais do Reino 19 : arcediago de Penela e do Bago da diocese de Coimbra; deputado da Mesa da Consciência e Ordens (1572); comissário-geral da Bula da Cruzada; esmoler e capelão de D. Sebastião (1577); esmoler-mor, conselheiro e deão da capela de D. Henrique; bispo do Algarve (1581-1585) e de Coimbra (1585-1615); e vice-rei de Portugal (1603-1604). De todos eles, o ofício que lhe deu maior notoriedade foi o de bispo-conde de Coimbra, pelo qual veio a ser recordado.

Coimbra era bispado principal de Portugal, situando-se, em importância,

19 Sobre a carreira eclesiástica e a ascensão na hierarquia da Igreja no Portugal Moderno, veja-se Paiva 2000d e 2006.

201 logo a seguir aos arcebispados de Braga, Lisboa e Évora. Consideradas «muito pingues e opulentas», as rendas do bispo de Coimbra foram avaliadas, em 1545, em 6.200.000 reis (cerca de 15.500 cruzados), mais do que se podia contentar o arcebispo de Braga na mesma altura. Vinte anos depois, o valor ascendeu aos 22 mil cruzados e, em 1632, quase duplicou, situando-se os rendimentos em 42.500 cruzados – valor acima do que dispunham, nessa data, os arcebispos de Lisboa e Évora 20 . No período afonsino, as rendas da Mesa Episcopal já deviam rondar essa verba, se não fossem mesmo superiores (na ordem de 50 mil cruzados), a ajuizar por relatos e memórias sobre o seu bispado 21 .

Dispondo de uma das maiores rendas episcopais do País, D. Afonso pôde investir no patrocínio de um importante programa de obras de arquitectura e de arte em Coimbra, que o distinguiram, à época, como prelado liberal e magnificente. A sua memória foi aclamada e enaltecida em variadas publicações e crónicas da Época Moderna, além de ter merecido uma biografia redigida por João de Almeida Soares e intitulada Vida, e morte, de Dom Afonso Castelbranco Bispo de Coimbra Conde de Arganil, Senhor de Coja, e Alcaide mor de Arouca, Vizo Rei deste Reino dito Portugal 22 . Não chegou, contudo, a ser publicada, talvez em virtude das circunstâncias da crise política que, na altura em que foi escrita (c. 1635), antecipavam o movimento da Restauração, considerando o partido que, em vida, o bispo-conde havia tomado em favor dos Habsburgo.

João Soares descreve D. Afonso como um homem «de proporção composta, não muito alto, encorpado, o rosto autorizado, os olhos pequenos a testa grande, algum tanto calvo, não muito alvo, mas muito gracioso, as mãos pequenas mas mais largas que todas». Por sua vez, António Coelho Gasco retratou-o como tendo sido «em extremo gracioso na conversação, e mui avisado, e galante, de grande casa de família, e de nobilíssima condição, e

20 Almeida 1968, II 96-99. 21 BACL, Ms. 194 V, 66-67. 22 BACL, Ms. 194 V.

202

90| Assinatura do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco. © ANTT

» 89| Retrato do D. Afonso de Castelo Branco. Pintor desconhecido, óleo sobre tela, séc. XVII. © Museu da Misericórdia de Coimbra / Foto da autora

Cortesão em grande maneira. Era um homem alto, magro, e direito, de cor morena, tinha um formoso sinal na face, que muito o formoseava»23 . Estes retratos literários apresentam D. Afonso em «cores» mais vivas do que as pinturas seiscentistas que o figuram 24 . Personalidade forte, o bispo de Coimbra e conde de Arganil marcou a história da cidade, desde o momento em que fez a sua entrada solene, a 25 de Agosto de 1585. Começando pela introdução do primeiro coche até às variadíssimas realizações artísticas, empreendimentos construtivos e reformas urbanas que apadrinhou.

Participando dos códigos culturais actualizados do seu tempo – para o que certamente contribuiu a sua experiência na corte –, que soube conjugar com os valores e princípios da Reforma Católica, D. Afonso de Castelo Branco foi um comitente esclarecido e interessado. Possuidor de uma importante livraria, procurou mantê-la em dia com as mais recentes publicações. Este perfil cedo se revelou, como parece mostrar a ode que lhe dedicou António Ferreira (1528-69),

23 BACL, Ms. 194 V. e Gasco 1807. 24 Constam duas cópias do retrato de D. Afonso de Castelo Branco no Museu da Misericórdia de Coimbra e no Arquivo da Universidade de Coimbra.

203 um dos melhores representantes do espírito classicista e humanista entre os poetas quinhentistas portugueses 25 . Nesta ode horaciana, em que o autor exalta a primazia do saber sobre as virtualidades do poder e da riqueza, ressurgem os traços de erudição e de liberalidade que marcaram o temperamento de D. Afonso:

«(…) Não descansa, não mora Santa felicidade Em torres, em tesouros, em grandezas, Errada vaidade! Isso bens são de fora, Nosso só é o saber, que tanto prezas.

Tudo al são pobrezas Num ânimo contente, Que mil mundos despreza, e só deseja Deixar à sua gente Por honra e por riquezas Saber, e vida livre de ódio, e inveja (…)»26 .

25 Sobre António Ferreira, veja-se Saraiva e Lopes 1996, 256-71. 26 Ferreira 1598, 34-35.

204 » Bispo Reformador e «Príncipe da Igreja»

D. Afonso de Castelo Branco desenvolveu os seus estudos e iniciou a sua carreira eclesiástica em pleno contexto da Reforma Católica. O seu percurso académico na Universidade de Coimbra – onde também chegou a leccionar – tê- lo-á distinguido, fazendo-o merecer o favorecimento de D. Sebastião para os cargos de deputado da Mesa da Consciência e Ordens (1572), de comissário- geral da bula da Cruzada e, já em 1577, seu esmoler. O cardeal-rei D. Henrique designou-o, posteriormente, para o cargo de esmoler-mor do Reino e deão da sua capela, tendo-o mantido próximo como seu conselheiro.

Após a integração da Coroa portuguesa na monarquia dos Áustrias, da qual foi apoiante absoluto, D. Afonso de Castelo Branco ascendeu a bispo. A sua indigitação é reflexo significativo do favor de Filipe II pelo apoio prestado no processo de sucessão dinástica e união ibérica, sendo bem demonstrativas deste favor as palavras do duque de Alba dirigidas ao monarca a 5 de Agosto de 1580: «Con D. Alonso de Castilblanco, su casa y familia terné la cuenta que V.M. manda para hacer por él todo lo que yo pudiere , y lo mismo con la persona del obispo Piñeiro y el marqués de Villareal»27 . O múnus episcopal resultou, assim, directamente do benefício régio e, poucas semanas depois da missiva, acabou por surgir oportunidade favorável com o falecimento de D. Jerónimo de Osório e consequente vagamento da cátedra episcopal do Algarve, da qual D. Afonso tomou posse a 6 de Maio de 1581. Quatro anos depois, foi promovido a bispo de Coimbra, cuja diocese dispunha das melhores rendas do País como se viu.

No contexto pós-tridentino, o ideal superior de bispo era o do pastor da Igreja, caracterizado pelo cumprimento da obrigatoriedade de residência na diocese de que era titular; pela austeridade e disciplina no modo de vida e na

27 Cópia da carta original do duque de Alba ao rei. Cascais, 5 de Agosto de 1580. Coleccion de Documentos 1860, XXXII 364.

205 administração da sua casa e governo da diocese; pela atenção e caridade aos mais necessitados; pela visitação regular de toda a região; e pelo exercício da pregação, celebração e administração dos sacramentos.

Enquanto prelado, D. Afonso não descurou as suas obrigações, antes pelo contrário, foi piedoso e liberal nas esmolas que distribuiu por pobres, viúvas, órfãs, fidalgos na penúria e prisioneiros. Revelou atenção zelosa na reforma da sua diocese, promovendo concílios sinodais, procedendo a visitações ao cabido e à diocese, reformando o clero e a legislação diocesana, com a publicação de novas Constituições Sinodais (1591) e de novo Regimento dos oficiais do Auditório Eclesiástico do Bispado de Coimbra (1592), de acordo com os decretos de Trento conforme sublinha: «Conformando-nos em tudo com os Sagrados Cânones e Concílio Tridentino, e com os mais aprovados e melhores estilos de todas as Províncias e Bispados deste Reino» 28 . Destes instrumentos legislativos saiu reforçada a autoridade episcopal, que ocasionou algumas contendas com o cabido, mas acabariam afinal por servir a administração do bispado de Coimbra até ao século XX. Entre as publicações que reviu e mandou imprimir, encontra-se ainda o Baptistério, cerimonial dos Sacramentos da Santa Madre Igreja de Roma: conforme ao Catecismo Romano , com duas edições – uma publicada em Lisboa em 1589 e a segunda em Coimbra em 1613.

A dimensão apostólica exigida aos prelados logo na primeira sessão (1545-47) do concílio tridentino 29 , cumpriu-a diligentemente, tomando sobre si o dever da pregação e da difusão da Palavra junto dos fiéis, pois como advogava Frei Bartolomeu dos Mártires «o empenho da pregação deve ocupar o primeiro lugar nas preocupações pastorais» 30 . Além de pregar regularmente na Sé e no colégio da Companhia de Jesus, fazia-o anualmente nas festas de Nossa Senhora

28 Questão a que se refere no «Prólogo» do Regimento dos oficiais 1592. 29 Determina-se que «todos os bispos, arcebispos, primazes e todos os mais prelados das igrejas, estejam obrigados a pregar por si mesmos o Evangelho de Jesus Cristo, não estando legitimamente impedidos». Paiva 2009, 21. 30 Mártires 1981, 159.

206 e noutros eventos solenes, como os autos de fé 31 . Foram os discursos destes últimos eventos, aliás, os que almejaram publicação e difusão, tendo sido dada à estampa em Roma, por exemplo, a sua Pregação no auto de fé de 26 de Novembro de 1589, e em Coimbra, o Sermão proferido no recebimento das relíquias em Santa Cruz a 29 de Outubro de 1595, que foi integrado no relato das celebrações e procissão 32 .

A ortodoxia das referências teológicas e dos temas da parenética produzida por D. Afonso revelam a interiorização sólida das orientações doutrinais pós-Trento. E a importância que atribuía à evangelização dos membros da sua diocese e aos seus agentes é aquilatada pelo controlo que intentou sobre a actividade dos pregadores em Coimbra. Ora, justamente, a sua provisão de 15 de Novembro de 1592 determina que nenhum sacerdote pudesse pregar sem primeiro o fazer diante do bispo ou cabido 33 .

Além dos decretos emanados de Trento, as normas de conduta e deveres associados ao múnus episcopal foram também tratadas pela produção literária da Época Moderna. De uma maneira geral, os modelos de comportamento e de sociabilidade adequados ao desempenho de um cargo foram sistematizados pela tratadística do Renascimento, fixando valores, regras e parâmetros baseados na tradição e nos bons exemplos do passado. Tal como para a política e sociedade temporal, onde representam expoentes literários Il Principe (Niccòlo Maquiavel, 1513) e Il libro del cortegiano (Baldassare Castiglione, 1515-19), também para as dignidades eclesiásticas se destinaram tratados como o De Cardinalatu (Paolo Cortese, 1510) ou o De officio episcopi (Gasparo Contarini, 1517). No período tridentino e pós-tridentino, acrescentaram-se diversos outros títulos, dentre os

31 BACL, Ms. 194 V, 70. Paiva 2009, 23. 32 Rodrigues 1996. Relacam do solenne 1596. No ASV, encontra-se este sermão em manuscrito, entre seis pregações em autos-de-fé em Coimbra, datados de 9/11/1586, 3/7/1588, 26/11/1589, 19/5/1591, 27/6/1593, 8/19/1595. ASV, Segretaria di Stato – Portogallo, 223 – Carte diverse (1588-1789). 33 Provisão do Bispo 1592. Já nas Constituições Sinodais de Coimbra de 1548 ordenadas por D. João Soares, se proibia a circulação de pregadores sem autorização do bispo e sem exame. Paiva 2009, 11.

207 quais se destacou, em contexto ibérico, o Stimulus Pastorum de Frei Bartolomeu dos Mártires (Roma, 1572)34 .

A maioria destas obras foi difundida em manuscritos alguns anos antes de serem impressas, e talvez D. Afonso de Castelo Branco possuísse algumas delas na sua livraria, a qual, refira-se, teve intenção de doar ao colégio jesuíta de Coimbra 35 . Em particular, interessa-nos o De officio viri boni et probi episcopi de Gasparo Contarini (1483-1542), cujo modelo de bispo proposto parece retratar o bispo-conde de Coimbra. É possível que o De officio episcopi , entre outros textos deste autor, tivesse circulado nos círculos restritos do alto clero português, como parece comprovar o exemplar das obras completas deste autor, dado à estampa em Paris em 1571, doado pelo arcebispo D. Teotónio de Bragança à Cartuxa de Scala Coeli em Évora 36 .

Embora não seja conhecida a lista de volumes que compunham a biblioteca de D. Afonso, João de Almeida Soares, seu biógrafo, descreveu-a como das melhores à época: «um espelho de sábios, e tesouro de todas as ciências […] foi das melhores, que na nossa Atenas de Espanha se viram»37 . Considerando a crescente importância dos manuais de conduta disciplinar e ética como instrumentos para a educação social das elites na Época Moderna, e dada a importância assinalada da livraria de D. Afonso, é muito possível que considerasse igualmente algumas destas obras .

Quanto ao De officio episcopi , além de inaugurar a codificação tratadística sobre o papel dos bispos, tem o particular interesse de ter sido redigido por um

34 Sobre este assunto veja-se Palomo 2006, 33; e Dias 1960, I 67-92 para a história da reforma da vida diocesana e da literatura a ela associada. Frei Brás de Braga esteve presente no Concílio de Trento (1561-63), e a sua participação foi decisiva para a definição dos tópicos que deveriam orientar a reforma do clero. A reflexão e estudo do arcebispo de Braga sobre o modelo de bispo deu origem ao Stimulus Pastorum , obra que levou em manuscrito para Itália e entregou pessoalmente a Carlo Borromeo, o qual a fez publicar por duas vezes em Itália. 35 Documentos para a história 1899, 280-282 36 Exemplar da BNP, com a cota R. 3308 A.. 37 BACL, Ms. 194 V, fls. 31-33.

208 homem laico, sem experiência pastoral. O seu tratado reflecte as expectativas de um secular instruído e devoto quanto à hierarquia eclesiástica nas vésperas da Reforma da Igreja. A sua erudição e experiência política, como embaixador de Veneza junto do imperador Carlos V (1520-25), valeram-lhe posteriormente o favor do papa Paulo III, que o nomeou cardeal em 1535 e lhe delegou, dois anos depois, a chefia da comissão que delineou o Concílio de Trento. Contarini acabou por protagonizar um influente papel no impulso da Reforma Católica e as ideias que havia exposto no seu tratado, redigido meses antes da afixação das teses de Martinho Lutero em Wittenberg, reflectiam justamente as inquietações e movimentações no sentido de uma mudança.

Em De officio episcopi , o absentismo da diocese e os excessos no luxo e ostentação são já condenados, assim como o não cumprimento de outros deveres como a dotação de hospitais e a prática da pregação, negligenciadas pelos bispos do Renascimento. Além de salientar as boas virtudes que devem caracterizar um prelado, Contarini considera as obrigações quanto à justiça e caridade, a frugalidade pessoal, e a atenção às necessidades dos diferentes grupos (sociais) de fiéis. Como sublinha John Patrick Donnelly, «Contarini’s treatise as a whole suggests a life style for a bishop which did not differ too much from that of a devout country gentleman who had to look after his estates, servants and peasants»38 .

O ideal de bispo de Contarini parece, pois, corresponder ao modelo do «Príncipe da Igreja», embora subtraia e condene os excessos decorrentes do desempenho dos antístites que concebiam o seu cargo mais como uma dignidade secular do que como uma dignidade eclesiástica, e que viviam como a nobreza, mantendo a sua corte particular e o seu patrocínio pessoal 39 . Exortação à moderação dos modos de vida do alto-clero que era já decorrente do espírito reformador manifestado nos decretos do V Concílio de Latrão (1512-1517).

38 Donnelly 2002, 16. 39 Alexander 2007, 76.

209 Chamando a atenção para as principais virtudes necessárias e introduzindo muitos dos princípios que, mais tarde em Trento serão revistos, a magnificência que Contarini propõe para os prelados é exposta nestes termos:

«Rather I think the magnificence of a bishop relates first to his being very generous toward the needy and his building great hospices in which provision is made for the feeding and health of the poor, especially when they are sick. Secondly, as far as possible he should have splendid and elegant churches, chalices, vestments and the other things that relate to divine worship, without meanwhile neglecting his duty to the poor. A bishop deserves praise for his magnificence in these things» 40 .

Tal como o prelado descrito por Contarini, D. Afonso de Castelo Branco alia às qualidades de um bispo atento às necessidades espirituais da sua diocese e cumpridor das suas obrigações, as qualidades de um regente secular, liberal e magnificente que encontra nas realizações materiais um reflexo do seu bom governo. Não cabe no âmbito deste estudo, analisar em profundidade a miríade de aspectos que caracterizaram D. Afonso enquanto bispo, mas interessa salientar em particular algumas facetas e práticas que o distinguiram, à luz da leitura do tratado do diplomata veneziano.

Por exemplo (e apenas para citar alguns exemplos), a consideração da sua casa como o espelho da sua reputação, exigindo disciplina e austeridade aos seus criados e familiares. Obrigações ou cargos que exigissem a ausência da diocese deveriam ser assumidos com relutância e, assim que terminados, o bispo deveria imediatamente tornar ao seu posto. Assim o fez D. Afonso ao assumir o cargo de vice-rei em 1603. Regressaria a Coimbra apenas ano e meio após a tomada de posse, substituído no exercício do governo do reino pelo bispo D. Pedro de Castilho, na sequência de uma divergência com o Filipe III 41 . Mereceu também

40 Contarini 2002 (1517), 51. 41 Segundo Fernanda Olival (2006, 158), D. Afonso de Castelo Branco opusera-se ao perdão dos cristãos-novos concertado pelo rei e concedido por breve papal publicado em Janeiro de 1605,

210 importância o descanso para alívio das preocupações do ofício e cuidados com a saúde, assinalando algumas actividades respeitáveis que o bispo-conde não abdicou, como se verá: retiro para o campo, prática venatória e de outros prazeres rústicos ou convívio com amigos 42 .

Quanto à gestão dos rendimentos da Mitra, se Frei Bartolomeu dos Mártires advogava a prioridade da caridade em detrimento do adorno das igrejas, cujos gastos condenou 43 , Gasparo Contarini defendia o provimento e o esplendor dos locais de culto se verbas sobrassem da atribuição de esmolas:

«Let him spend first on divine worship what is necessary, let him earmark the rest for the poor. (…) But if such great need does not press upon him, let him worship God with that magnificence which seems appropriate to the custom and dignity of the city. Let him earmark for the poor what is left over; and let him consider himself the steward and protector of the poor rather than their lord; but if anything is still left over, let him turn it all over toward decorating the temple»44 .

Palavras que parecem descrever D. Afonso de Castelo Branco – tão liberal na caridade para com os necessitados como na dotação da igreja catedral e de outras casas religiosas da sua diocese. É esta a imagem de magnificência e generosidade transmitida pelos cronistas que trataram do seu longo governo à frente do bispado de Coimbra, salientando sempre a obra construída sob seu

motivo pelo qual Filipe III o destituiu. D. Afonso parece ter mantido uma posição contraditória a respeito dos judeus e cristãos-novos, manifestando-se oficial e publicamente, nesta e noutras ocasiões, de forma dogmática e severa, afirmando serem os judeus «não somente como errados na fé, mas também como desleais ao bem deste reino e serviço de S. M. e no tempo passado e neste os tenho por mores inimigos de S. M. que os mesmos ingleses». (Carta do bispo conde, de 12 de Agosto de 1592. Cit. Baião 1906, 400 n. 1). Por outro lado, manter-se-ia cordial no trato pessoal com os conversos, chegando mesmo a ser acusado pelo cabido e a ter sobre si suspeições levantadas em 1612 a propósito de supostos favorecimentos aos cristãos-novos da sua diocese (Rodrigues 1979). 42 Contarini 2002 (1517), 95, 69, 93, 127, 91. 43 «É melhor conservar os vasos vivos, do que os de metal. Respondeis: Tive receio que faltasse esplendor ao culto de Deus. Digo-vos: os sacramentos não precisam de oiro, nem agrada pelo oiro o que não se compra com oiro». Mártires 1981, 189. 44 Contarini 2002 (1517), 121.

211 patrocínio como sinal de florescimento da própria cidade.

«Prelado magnífico, e grandioso»; «grande prodígio de liberalidade […], pai, e amparo dos pobres, luz, e mestre de todos, pastor, e Prelado desta Igreja insigne em todas as virtudes, e principalmente na da liberalidade […] grandezas, e magnificências deste ilustre Príncipe»; «um dos grandes Príncipes Eclesiásticos, que em nossa idade floresceram, varão insigne nas letras, e na rara bondade, e nobre edificador» 45 . Estas apreciações valorativas alcançam um acréscimo exponencial na biografia do bispo-conde, da autoria de João de Almeida Soares 46 . A forte carga laudatória que sobressai da leitura da obra, eivada de comparações com a história da Antiguidade Clássica, se por um lado deriva do registo biográfico formal da época, não deixa por outro de revelar a impressão forte com que D. Afonso marcou Coimbra e a sua população:

«Tomou mais criados, que ali se viram nunca a Bispo, mais Capelães, maior estado, mais cavalos, mais cães de caça de que era muito curioso | e em tudo mais avantajado, e como lhe enfadava dinheiro encantado não se contentou com o Paço em que viviam seus antecessores, que realmente não estava já muito decente para tanta renda, e tanta autoridade, mas ele era Príncipe, o ânimo de Príncipe, as obras de Príncipe, e as esmolas de Santo»47 .

A impressão trasladada nos registos biográficos referentes a D. Afonso de Castelo Branco é bem resumida na escolha do título de «príncipe». No «ânimo» dadas as suas origens e hábitos fidalgos, instalando a sua «corte» e introduzindo novas práticas numa Coimbra distante da vida da capital. Nas «obras» promovendo a renovação da arquitectura religiosa da cidade e acudindo a reformas urbanas para melhoramento das condições da população. E, ao mesmo tempo que cultivava uma desusado aparato que pouco se coadunava com o

45 Santa Maria 1668, 552. Mascarenhas 1639, 59. Gasco 1807, 138. 46 BACL, Ms. 194 V. 47 BACL, Ms. 194 V, fl. 66

212 renovado ideal de bispo da Reforma, era um «santo» na continuada prática de doação de esmolas e no espírito reformista que encarnou na liderança da diocese.

Os códigos políticos, culturais e sociais que praticou, além de poderem estar relacionados com a leitura da tratadística que os fixou, terão sobretudo procedido das suas origens familiares nobres e da sua educação na infância e juventude, dos seus estudos na Universidade de Coimbra e da experiência política na corte antes e após a crise dinástica. Uma vida onde se cruzaram múltiplas influências e valores característicos dos meios de elite por onde se moveu e que acabavam por participar de uma mentalidade comum.

Em especial, releva-se a sua experiência na corte, enquanto esmoler-mor do Reino de D. Sebastião e de D. Henrique, onde terá adquirido competências ao nível da gestão das suas redes clientelares e de influências. Como nos revela José Pedro Paiva, o bispo-conde foi «um sábio utilizador de subtis formas de suborno, com o fito de criar condições favoráveis à aceitação das suas pretensões nos palcos onde decisões importantes eram tomadas»48 . E os seus intentos passavam, em grande medida, pelas decisões da Santa Sé. Este tipo de comportamento é ilustrado num exemplo que aqui acrescento: aquando do envio do donativo de cinco mil cruzados ao papa para a guerra contra o Turco, aproveita a mesma missiva, dirigida ao cardeal Aldobrandini, para solicitar a mercê de duas dispensas de parentesco para familiares seus49 .

Relações e troca de presentes com a corte papal

Fiel servidor de Roma, na corte papal eram recebidas notícias de Lisboa a respeito de D. Afonso de Castelo Branco, fazendo constar a opinião de ser «devotissimo della Sede Apostolica, et è molto liberali in opere pie» e «il vescovo

48 Paiva 2005a, 235. 49 Carta do bispo conde D. Afonso de Castelo Branco ao cardeal Aldobrandini, 20 de Abril de 1596. ASV, Segreteria di Stato , Portogallo 6, fl. 146 (inédita).

213 di Coimbra (...) il più ricco Prelato di questo Regno, cosi non si lasci vincer’ di liberalità, et io opera tanto pia et christiana»50 .

As desejadas boas relações com a corte papal em Roma traduziram-se pela troca de insignes presentes entre o bispo conde e os cardeais, como com os próprios pontífices. De facto, a partir de uma carta de D. Afonso recentemente publicada, ficamos a saber que o papa Clemente VIII lhe remeteu, cerca de 1595 através do seu agente em Roma, «uma boceta de Agnus Dei e de Veronicas, cujo retrato me trouxe em pintura». Recebeu, na mesma ocasião, do cardeal Alfonso Gesualdo «uma cruz de ouro com o Santíssimo lenho, relíquias dos gloriosos Apóstolos S. Tiago S. André e do mártir S. Sebastião» e, pela parte do antigo legado papal em Espanha e Portugal, cardeal Alessandrino, um «Agnus Dei do Pontífice Pio V seu tio»51 .

Em retribuição aos objectos votivos e relíquias, D. Afonso de Castelo Branco enviou para Roma bens de luxo, como «pedras de bezoar» e «contas de calambuco» importadas das possessões portuguesas na Índia. As contas eram feitas a partir de uma madeira odorífera asiática 52 , mas as pedras bezoares tinham uma proveniência mais insólita, constituindo cálculos formados no

50 «Degli altri Prelati del Regno, che potriano aiutar, c’è Coimbra, che hà buone entrate, et si mostra devotissimo della Sede Apostolica, et è molto liberali in opere pie, et sempre, che S. S. tà gli mandi un breve amore uole conforme a gli altri, mi persuado, che farà buono effetto. [...]».Carta do colector de Portugal, Fábio Biondi patriarca de Jerusalém, ao cardeal Aldobrandini. Lisboa, 22 de Abril de 1595. ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 10, fl. 76v (inédita). «[…] la somma, che manda il vescovo di Coimbra, acciò come è il più ricco Prelato di questo Regno, cosi non si lasci vincer’ di liberalità, et io opera tanto pia et christiana». Carta do colector de Portugal, Fabio Biondi patriarca de Jerusalém, ao cardeal Aldobrandino. Lisboa, 7/10/1595. ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 10, fl. 223 (inédita). 51 Carta do bispo conde D. Afonso de Castelo Branco ao legado papal Fabio Biondi, Janeiro de 1596. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 33, fl. 132. Publ. em Paiva 2005a, 237-38. Os Agnus Dei referem-se às medalhas grossas, feitas com os restos do círio pascal e do óleo do santo crisma, onde se cunhava a imagem do cordeiro místico. Eram consagradas pelos papas no ano da sua eleição e depois em ciclos de sete e cinco anos. Almeida 1968, II 323 n. 4. 52 Segundo Bluteau (1712-28, II 45-46), Calambuco é uma espécie vegetal oriunda da Ásia, uma madeira «de cheiro muito penetrante; e desta espécie vem muito pouca à Europa, porque tem grande preço em Japão, donde dizem, que vale mais de oitenta mil reis o arrátel. Com este precioso aroma perfumam os Japões as casas, e os vestidos. Usam deles os Chins nos acidentes de Paralisia, e na falta dos espíritos vitais».

214 sistema digestivo de caprinos que se aplicavam como suposto antídoto contra o veneno e a melancolia. Adquiridas pelos Portugueses nas regiões de Ormuz e Malaca, eram ofertas muito apreciadas pelas principais casas europeias do Renascimento, de que é conhecido exemplo, a doação de uma pedra bezoar montada em filigrana de ouro pela rainha D. Catarina ao Imperador Carlos V, seu irmão.

D. Afonso ao escolher estes objectos provenientes de paragens distantes d’além-mar para presentear o pontífice e os cardeais coloca-se ao nível da principal nobreza, revelando participar de um gosto e de uma prática consolidada pela corte portuguesa ao longo do século XVI. É particularmente interessante o facto de não se tratar de uma oferta em nome de um representante oficial da Coroa, mas a título pessoal de um prelado, constituindo a importação de um costume, normalmente associado à esfera das relações políticas seculares, para a esfera das relações entre representantes da Igreja, de resto pouco estudada 53 .

A 24 de Dezembro de 1596, o bispo-conde assina uma carta dirigida ao cardeal Pietro Aldobrandini, anunciando que pelo «Patriarca de Jerusalém mando a V. Ill. ma Sª uma pedra de bazar das melhores, em bondade e quantidade que vieram este ano da Índia . E assim a pode V. Ill. ma s.ª dar seguramente a Sua Santidade seguramente [sic]. Nosso Senhor a Ill ma e R ma Pessoa de V.S. per muitos anos guarde e seu estado prospere» 54 . Esta pedra seria a maior das três que seguiram para Roma dez meses depois, para o patriarca de Jerusalém, Fabio Biondi, a quem D. Afonso pede que as entregue aos respectivos destinatários: «três pedras de Básar mui boas, que somente achei . A maior me fará VIS mercê de dar de minha parte ao Ill. S. cardeal Aldobrandino, que é muito grande e

53 A título de exemplo, veja-se o capítulo da História da Igreja em Portugal de Fortunato de Almeida sobre a troca de presentes entre Portugal e a Santa Sé, no qual não se sai da esfera régia, não se mencionando quaisquer ofertas por parte dos prelados portugueses à cúria romana. Almeida 1968, II 322-327. 54 Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao cardeal Aldobrandino, Coimbra, 24 de Dezembro de 1596. ASV, Segreteria di Stato , Portogallo 6, fl. 265 (inédita).

215 formosa e se pode dar a Sua Santidade. A outra ao Ill S cardeal Gesualdo. E outra ao Ill. cardeal Peravicino» 55 . D. Afonso de Castelo Branco remeteria, noutras ocasiões, para Roma mais de trinta outros bezoares da Índia, os quais eram, aliás, considerados como os de mais elevada qualidade. Disso nos dá nota Confalonieri na obra que redigiu sobre Lisboa: «o bezaar que vem da Índia é de longe melhor do que aquele que trazem do Perú» 56 .

Em Roma, as pedras bezoar não circulariam nos habituais mercados de luxo, mas através de circuitos de elite muito estritos 57 , o que nos faz pensar no valor precioso das ofertas feitas pelo bispo de Coimbra. Nas altas esferas da corte papal, o apreço pelas pedras bezoar, acreditadas como detendo poderes e virtudes particulares, era generalizado. E nem o próprio cardeal Carlo Borromeo, insuspeito pela austeridade e rigor no governo da vida pessoal, escapava à admiração e respeito pelas ditas faculdades terapêuticas deste material. Há mesmo notícia de, em 28 de Junho de 1572, ter Borromeo enviado à sua tia Margherita Trivulzio, esposa do conde Giulio Cesare Borromeo e mãe de Federico Borromeo, a «miracolosa pietra Beezar» que lhe dera o grão-duque de Florença. Estando a tia gravemente doente, Carlo acreditava ser a pedra bezoar «cosa pretiosissima et rimedio eficacíssimo contro diverse sorte di mali, rinchiusa in un bottone d’oro della quale si valerà per servitio del conte, havendo poi cura del rimanente per poter servire a qualche altro bisogno» 58 .

D. Afonso revela, assim, o distinto conhecimento dos artigos mais apreciados e apropriados aos destinatários, sabendo eleger itens exclusivos e

55 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Fabio Biondi, Outubro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , v. 39, fl. 44. Publ. Paiva 2005a, 236. 56 Por terras de Portugal 2002, 220. 57 Paola Venturelli esclareceu recentemente que os Jesuítas importavam este material da Índia e do Perú, tornando-se fornecedores exclusivos de numerosos cardeais em Roma. Venturelli 2005, 130. 58 Venturelli 2005, 130.

216 distintos para as diferentes personalidades que pretendia agraciar 59 . É o que se infere da escolha de «uma peça de calambuco» para presentear Paulo V em 1608, adquirida por 200 cruzados (80 mil reis) e considerada digna do Pontífice 60 , bem como de pequenas contas de calambuco para outros destinatários. Estas foram, então, enviadas ao cardeal Mattei, que não quereria bens de maior riqueza, e ao cardeal Cesare Baronio, que não aceitara os dez mil cruzados do bispo de Coimbra para a edição dos Anais Eclesiásticos 61 . Episódio a que faz referência com um jogo de palavras, não sem alguma ironia: «que já noutro tempo não quis contar dinheiro pode contar nas contas os pater nostres que rezar» 62 . Ou seja, recusando a prévia oferta pecuniária, que aceitasse agora as contas com as quais poderia fazer um terço.

Além destas matérias-primas exóticas, D. Afonso de Castelo Branco remeteu ainda para Roma outros bens preciosos, em particular porcelana importada pelas naus da Índia e «luvas de âmbar» manufacturadas em Lisboa. A utilização de baixelas de porcelana da China foi um hábito introduzido em Roma sensivelmente após o Concílio de Trento, e rapidamente difundido nas décadas seguintes. Sobre esta matéria, é interessante citar aqui um episódio que teve lugar em 1563. Num banquete da corte papal em que participou, D. Frei Bartolomeu dos Mártires sugeriu ao papa Pio IV o uso de baixelas de porcelana, em lugar dos serviços de ouro e de prata utilizados na ocasião. Segundo o arcebispo português, a porcelana adequava-se melhor ao espírito reformista vivido pela Igreja naqueles tempos 63 . Da divulgação dessa prática, são prova as quase três centenas de «porcelanas muito finas» que D. Afonso de Castelo

59 Além dos bens sumptuários, D. Afonso de Castelo Branco remeteu para Roma também iguarias culinárias como barris de lampreias em conserva, presuntos de Lamego e caixas de marmelada. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 31, Tomo 5, fl. 141; vol. 39, fl. 44. (ref.ª José Pedro Paiva) 60 Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao patriarca de Jerusalém, vice-legado no reino de Portugal. Coimbra, 30 de Março de 1608. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 358. (ref.ª José Pedro Paiva). 61 Mascarenhas 1639, 62. 62 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Fabio Biondi, Outubro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fl. 44. Publ. Paiva 2005a, 236. 63 Moreira, Curvelo 1998, 549.

217 Branco adquiriu em Lisboa, através do seu vedor Luis de Lemos, e enviou para Roma, com destino aos cardeais Ginnasio, Arigoni, S. Eusebio, Paravicini, Pamphilj e ao patriarca de Jerusalém.

As denominadas «luvas de âmbar» parecem ter sido, também, um artigo de sucesso com larga aceitação em Roma, já que D. Afonso de Castelo Branco depois de uma primeira remessa, em 1597, de 24 pares destinados aos cardeais Alessandrino, d’Essa (?), a Gregorio Petrocchini da Montelparo e ao cardeal de Cosenza, enviaria noutros anos mais de 180 pares de luvas «mandadas fazer em Lisboa (…) para mandar aos senhores cardeais meus amigos» 64 . À partida, poder- se-ia pensar que fosse a resina fóssil originária da região do Báltico e, nesse sentido, as ditas «luvas de âmbar» se reportassem a acessórios de vestuário tingidos da cor da resina ou decorados com cabochões dessa matéria. Mas, na Época Moderna o termo «âmbar» designava um material distinto, como podemos verificar pela leitura das fontes. Segundo informa Rafael Bluteau, entendia-se por âmbar

«uma espécie de betume brando, pardo, e leve, ou viscosidade marinha, formada da natureza para as delícias do Olfacto, a qual subindo da água, se endurece ao ar, e pelas ondas é lançada às praias. Até agora ninguém soube exactamente o que é. […] Há três castas de âmbar. Âmbar virgem, vulgarmente âmbar gris; este é branco, ou cinzento, mais duro, e melhor, que os outros. […] O âmbar, a que chamam pardo, é mais escuro. O âmbar preto é mais mole, e tem menos virtude» 65 .

Bluteau avança, sem certezas, a possibilidade de se tratar de uma excreção das baleias e, de facto, a sua descrição desta matéria corresponde ao âmbar gris ou cinza, uma concreção naturalmente expelida pelos cachalotes.

Esta substância era valorizada na Época Moderna pela fragância muito

64 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri. Coimbra, 10 de Fevereiro de 1600. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 77. (ref.ª José Pedro Paiva) 65 Bluteau 1712-28, I 324-25.

218 aromática que libertava, conhecendo-se casos da sua aplicação na joalharia feminina ou no interior de gavetas de móveis. É este o caso, por exemplo, de uma indicação dada no Cerimonial de Frei Matias de Santana, que dá preferência ao âmbar para aromatizar os paramentos no interior do mobiliário de sacristia, em detrimento de plantas aromáticas: «Dentro das gavetas não se lançarão ervas cheirosas, nem folhas de rosas, ainda que estejam secas, porque geram bichos; mas sim somente alguns bocados de âmbar, ou cousa semelhante» 66 .

O âmbar gris foi até há poucos anos usado pela indústria dos perfumes, pondo fim a uma tradição que pode ser recuada ao século XVI pela leitura da obra Da grandeza e magnificência da cidade de Lisboa , de Gianbattista Confalonieri. Nela menciona o autor, ao falar das artesanias da cidade, os perfumistas ali residentes, observando que é em Lisboa que «nascem as luvas finas de âmbar branca e negra de cinco, 10 e 15 e mais escudos o par. Por tudo isto é esta cidade cheia de algas, almíscar, e outras coisas tais» 67 . Sendo o âmbar uma substância perfumada associada a um acessório de vestuário, parece possível tratar-se, então, de luvas executadas num tecido embebido numa essência aromática ou decorado com contas desse material.

D. Afonso mantinha-se a par do tráfego das naus da Índia e das mercadorias que aportavam a Lisboa, aproveitando estas ocasiões para adquirir os bens de luxo com que presentava as dignidades eclesiásticas romanas, além de comissionar artigos e obras para a Sé de Coimbra, como se verá adiante. Chegou mesmo a fazer encomendas particulares: em 1597, por exemplo, relata em carta ter pedido «charamelas e alcatifas» a Matias de Albuquerque, vice-rei da Índia (1591-97), aquando do seu regresso à metrópole 68 .

Chegada a mercadoria a Lisboa, as peças eram adquiridas pelos seus agentes e o seu envio para Roma era igualmente organizado por de gente da sua

66 Marques 2007a, I 39. 67 Por terras de Portugal 2002, 220. 68 Carta de D. Afonso de Castelo Branco. Coimbra, 20 de Outubro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 31, Tomo 5, fl. 173. (ref.ª José Pedro Paiva)

219 confiança, já que suspeitava da eficácia das vias de correspondência normais. Desta maneira foram entregues as pedras de bezoar, as contas de calambuco e as luvas de âmbar ao legado papal que se encontrava em Lisboa em 1597, Fabio Biondi, para serem distribuídas pelos cardeais. Quem procedeu à remessa foi Jorge Fernandes, criado do bispo-conde, que acompanhou a legacia até Itália, levando também consigo um escritório da China e um penteador da Índia, além de iguarias para a viagem 69 .

Esta faceta de D. Afonso de Castelo Branco caracteriza o seu gosto actualizado, partilhado pela nobreza portuguesa da época. Dele soube fazer uso, dispondo dos seus rendimentos para a aquisição de objectos preciosos e raros, de modo a favorecer os seus interesses pessoais junto do colégio dos cardeais e do papado. O propósito das doações de D. Afonso de Castelo Branco seria, pois, a consolidação de uma imagem favorável a seu respeito em Roma, em detrimento de outros prelados, como parece transparecer de uma das cartas que acompanhava as ofertas:

«Ao colector que vem me fará VIS mercê de dizer que aqui tem o bispo de Coimbra tão amigo das causas da Santa Sé Apostólica como ele e que o saberá mui bem servir. E pode VIS com muita razão dizer a Sua Santidade e ao Sagrado Colégio que em bom governo convém fazer diferença dos prelados que bem servem a outros que não fazem o mesmo »70 .

Importa esclarecer e salientar a importância dos agentes com quem D. Afonso de Castelo Branco se relacionou e se correspondeu, e a selecção criteriosa dos destinatários das ofertas, começando pelos seus interlocutores

69 Carta de D. Afonso de Castelo Branco. Coimbra, 6 de Janeiro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 44. (ref.ª José Pedro Paiva). Jorge Fernandes iria servir Fabio Biondi, durante a sua estadia em Roma: «o caminho em que com muito gosto acompanhara VIS para o servir nele e ver Roma que na verdade é a corte dos clérigos». Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao patriarca de Jerusalém, vice-legado no reino de Portugal. Coimbra, 6 de Janeiro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 44. (ref.ª José Pedro Paiva) 70 Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao colector de Portugal, Fábio Biondi patriarca de Jerusalém. Outubro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fl. 44. Publ. em Paiva 2005a, 236.

220 mais directos da cidade do Tibre 71 . Giovanni Battista Confalonieri (1561-1648) e Fabio Biondi da Montalto (1533-1618) foram os dois italianos com quem o bispo- conde trocou missivas regularmente a partir da década de 1590, sendo justamente esta a correspondência que tem vindo a ser citada ao longo das páginas anteriores.

Segundo José Pedro Paiva, conhecem-se mais de duas centenas de cartas do bispo-conde, reunidas no Fondo Confalonieri do Arquivio Segreto Vaticano, onde relata assuntos vários relativos à diocese de Coimbra e a Portugal e em que se procura inteirar do andamento das suas questões junto da cúria papal. Transcrito parcelarmente e estudado por José Pedro Paiva, este conjunto epistolar reúne informação fundamental para o estudo da figura de D. Afonso de Castelo Branco, nas suas diferentes dimensões 72 . A correspondência proveniente de Itália complementaria a do lado português, só que parece ter desaparecido, como tanta outra documentação referente ao antístite de Coimbra. Os dados reunidos permitem, apesar de tudo, caracterizar e enquadrar a política e o governo do bispo-conde, cujo raio de acção e relações pessoais se estenderam muito além dos limites geográficos e de superintendência eclesiástica da cidade, chegando às mais altas esferas políticas tanto da corte régia filipina, como da cúria papal.

Fabio Biondi foi nomeado patriarca de Jerusalém em 1588 e por incumbência de Clemente VIII exerceu o cargo de colector e vice-legado apostólico em Portugal, estadeando por terras lusas no período de 1593 a 1596, acompanhado pelo seu secretário Gianbattista Confalonieri. Foi certamente nestas circunstâncias que o bispo-conde os conheceu e com eles manteve contacto assíduo, antes e após o regresso de ambos a Roma em 1597. O bispo-

71 As informações relativas aos cardeais italianos que se seguem foram, na generalidade, coligidas em Miranda 2013 e nas respectivas entradas de Treccani L’enciclopedia italiana . 72 Agradeço penhoradamente ao Prof. Doutor José Pedro Paiva o privilégio da consulta das suas transcrições e notas desta documentação, que muito contribuiu para completar o presente estudo. Todas as citações colhidas nesta compilação, e que se encontram inéditas, têm sido indicadas como «ref.ª José Pedro Paiva».

221 conde chegou, inclusivamente, a recebê-los em Coimbra, aquando da viagem de peregrinação que o patriarca realizou a Santiago de Compostela em 1594. Seria depois a Biondi que D. Afonso de Castelo Branco dirigiria os pedidos de distribuição das ofertas pelos cardeais e aos papas Clemente VIII e Paulo V.

Com Confalonieri estabeleceu uma relação próxima de confiança, tendo-o escolhido para seu agente e encarregado de negócios em Roma 73 . Além de seu interlocutor privilegiado junto dos cardeais, Confalonieri adquiriu livros para enriquecer a biblioteca do antístite português e outros bens, como um retábulo que enviou para Coimbra através do mestre-escola da Sé que regressava nessa ocasião de Roma 74 . D. Afonso de Castelo Branco retribuiu os seus serviços com um ordenado de cem cruzados e soube recompensar a fidelidade do seu agente italiano com outras graças materiais, fazendo remeter ao secretário do patriarca de Jerusalém alguns pares de luvas de âmbar e um penteador da Índia «para se VM lembrar quando se barbear de quão seu servidor sou» 75 .

É possível que também com Michele Bonelli (1541-1598), mais conhecido por cardeal Alessandrino, se tenha relacionado directamente em Lisboa, por ocasião da legacia papal a que este presidiu, em 1571, a Espanha e Portugal, com a distinção de cardeal nipote e uma comitiva em que participava Ippolito Aldobrandini, futuro papa Clemente VIII. Professo dominicano, foi elevado a cardeal por Pio V em 1566, ocupando-se de múltiplas questões na cúria romana (construtivas, jurídicas e teológicas), além das missões diplomáticas como legado

73 Paiva 2005a, 235 n. 30. Além de Confalonieri, D. Afonso mantinha outro agente, Duarte Paulo, a quem pagava trinta mil reis (ou seja, 75 cruzados). Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca de Jerusalém. Coimbra, 6 de Janeiro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 46 (ref.ª José Pedro Paiva). 74 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca de Jerusalém. Coimbra, 15 de Janeiro de 1601. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 85 (ref.ª José Pedro Paiva). 75 Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao patriarca de Jerusalém, Fabio Biondi. Coimbra, 6 de Janeiro de 1597. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 44 (ref.ª José Pedro Paiva). O salário era pago através de um veneziano, que tinha por nome Jeronimo Estella. Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca de Jerusalém. Coimbra, 16 de Março de 1598. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 66 (ref.ª José Pedro Paiva).

222 pontifício nos reinos de França e da Península Ibérica. Alessandrino e D. Afonso de Castelo Branco mantiveram, posteriormente, contacto cordial através de correspondência e troca mútua de presentes 76 .

Os representantes apostólicos que sucederam a Fabio Biondi foram também considerados na sua correspondência e ofertas. Ferdinando Taverna (1558-1619), filho de uma família patrícia milanesa, foi nomeado colector de Portugal em 1596. A partir de 1599 ocupou o lugar de Governador de Roma e, em 1604, foi promovido a cardeal de Santo Eusebio, por influência do cardeal Pietro Aldobrandini. É já na qualidade de cardeal que o bispo-conde o presenteará, tal como a Domenico Ginnasio (1551-1639), elevado ao cardinalato no mesmo consistório que Taverna, e indigitado para o cargo de núncio papal em Espanha de 1600 a 1605.

Pietro Aldobrandini (1571-1621), cardeal nipote de Clemente VIII (1593), assumiu uma posição de grande relevo na gestão dos assuntos da corte papal. Enquanto secretário de Estado manteve-se informado dos assuntos de Portugal, através das cartas enviadas pelo colector Fabio Biondi, que lhe fez as já citadas referências elogiosas sobre D. Afonso de Castelo Branco. O próprio bispo-conde dirigiu-lhe algumas missivas sobre assuntos da gestão da diocese 77 .

O cardeal Montelparo, Gregorio Petrocchini de nome (1535-1612), foi prior geral dos Eremitas de Santo Agostinho entre 1587 e 1591, tendo procedido à visitação dos conventos da ordem em Espanha como comissário apostólico designado por Sisto V. Após o regresso a Roma, em 1589, o mesmo papa elevou- o ao cardinalato. Talvez o bispo-conde tivesse tido contacto com G. Petrocchini por ocasião da sua viagem à Península Ibérica.

Alfonso Gesualdo (1540-1603), nobre napolitano e cardeal desde 1561, foi nomeado Protector de Portugal em 1585 e, um ano antes das ofertas de D.

76 ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fl. 44 (ref.ª José Pedro Paiva). 77 ASV, Segretaria di Stato , Portogallo 6, fls. 146, 161, 256 (inéditas).

223 Afonso de Castelo Branco, foi transferido da diocese de Ostia e Velletri para a arquidiocese de Nápoles. Gianbattista Confalonieri foi seu secretário até esse momento (salvo os períodos em que esteve em Espanha e Portugal, ao serviço dos legados papais), altura em que volta a ser secretário de Fábio Biondi. Há indícios de Afonso Gesualdo se ter correspondido com D. Afonso de Castelo Branco em algumas ocasiões, ao contrário do que sucede com os cardeais Ottaviano Paravicini, Girolamo Mattei, Girolamo Pamphilj e Pompeio Arigoni, cuja relação directa com o bispo-conde ou com os assuntos portugueses carece de outros dados 78 .

Quanto ao designado cardeal de Cosenza, deveria referir-se a Giovanni Evangelista Pallotta (1548-1620), apontado para arcebispo de Cosenza em 1587 e no mesmo ano elevado a cardeal, tendo ocupado os lugares, entre outros, de arcipreste da Basílica de São Pedro e de secretário e sub-deão do Colégio dos Cardeais. Interessaria esclarecer, de facto, de quem se trata, para melhor situar as relações transalpinas de D. Afonso de Castelo Branco, dado que pelas suas próprias palavras era «seu amigo antigo».

Cesare Baronio (1538-1607) recebeu, entre outras importantes dignidades, os títulos de Geral da Congregação dos Oratorianos em 1593 e de cardeal em 1596, tendo sido uma figura próxima de São Filippo Neri e do papa Clemente VIII, de quem foi discípulo e confessor respectivamente. A sua reputada erudição determinou a nomeação, em 1597, para bibliotecário da

78 Ottaviano Paravicini (1552-1611), oratoriano apadrinhado por Cesare Baronio, foi elevado a cardeal em 1591 por Gregório XIV. Por seu turno, Girolamo Mattei (1547-1603), nomeado cardeal em 1586, assumiu em 1591 o cargo de prefeito da importante Sacra Congregatio Cardinalium pro executione et interpretatione concilii Tridentini interpretum , cargo que desempenhou até ao seu falecimento em 1603. Girolamo Pamphilj (1544-1610) integrou, inicialmente, a casa e corte do cardeal Pietro Aldobrandini. cardeal desde 1604, ocupava o cargo de vigário geral de Roma (1605-10) quando D. Afonso de Castelo Branco lhe enviou porcelanas. Pompeio Arigoni (1552-1616) no início de carreira foi sucessivamente defensor das causas de Filipe II de Espanha em Roma, advogado consistorial e auditor do Tribunal Apostolicum Rotae Romanae. Depois de eleito cardeal em 1596, veio a ocupar os cargos de datário da Cúria Apostólica sob Leão XI e Paulo V e de secretário da Suprema Sagrada Congregação da Romana e Universal Inquisição (1605-1616).

224 Santa Igreja Romana. Baronio representou um papel central nos estudos da História da Igreja, onde se serviu da arquitectura como uma das fontes históricas principais para a sua obra monumental, publicada em doze tomos, Annales ecclesiastici a Christo nato ad annum 1198 (1588-1607). Tendo estudado as primitivas igrejas cristãs, da Antiguidade Tardia até ao século XII, soube promover campanhas de salvaguarda e de restauro das basílicas paleocristãs em Roma, cumprindo princípios históricos e filológicos com rigor 79 .

D. Afonso de Castelo Branco não só teve conhecimento do trabalho do cardeal Baronio, como se interessou notoriamente pela obra, manifestando intenção de patrocinar a edição com o envio de dez mil cruzados, que o historiador recusou, agradecendo 80 . Segundo Diogo de Barbosa Machado, o bispo-conde estendeu também o patrocínio literário às obras de D. Frei Diogo Soares de Santa Maria (1551-1614), franciscano que cedo se distinguiu nos estudos de teologia e pregação, partindo para França em 1580, onde foi lente nas Universidades de Paris e Lovaina e onde obteve a confiança do monarca Henrique IV, que o teve por seu pregador e conselheiro, e posteriormente de Luís XIII, no reinado do qual ascendeu a bispo sagiense (1612) 81 .

Quer as obras do historiador italiano quer as do teólogo português se enquadram na cultura pós-tridentina de afirmação da ortodoxia da Igreja Católica e dos fundamentos históricos da instituição, fazendo demonstrar a

79 Sobre a relação de Cesare Baronio com a história, a arquitectura e a arte, destacam-se as obras: Arte e committenza nel Lazio nell' età di Cesare Baronio: atti del convegno internazionale di studi Frosinone, Sora, 16-18 maggio 2007 , a cura di Patrizia Tosini. Roma: Gangemi, 2009; Baronio e l'arte: atti del Convegno internazionale di studi: Sora, 10-13 ottobre 1984 , a cura di Romeo de Maio et al.. Sora: Centro di studi sorani Vincenzo Patriarca, 1985. MARIANI, Gaetano Miarelli. 1989. «Il ‘Cristianesimo Primitivo’ nella Riforma Cattolica e alcune incidenze sui monumenti del passato». L’architettura a Roma e in Italia (1580-1621). Atti del XXIII Congresso di Storia dell’Architectura , a cura di Gianfranco Spagnesi, 133-66. Roma: Centro per la Storia dell’Architectura. Baronio storico e la Controriforma . Atti del Convegno Internazionale di Studi, Sora, 6-10 ottobre 1979, a cura di Romeo De Maio, Luigi Gulia, Aldo Mazzacane, Sora, Centro di Studi Sorani «Vincenzo Patriarca», 1982. 80 A história é narrada por D. Jerónimo de Mascarenhas (1639, 62), na Oração Exortatória e panegírica que proferiu no terceiro dia do sínodo de Coimbra realizado em 1639. 81 Machado 1741, I 700-02. Diogo Barbosa Machado faz ainda referência ao patrocínio das obras de Lippomano, sem esclarecer o nome próprio deste autor.

225 continuidade nunca interrompida entre o Cristianismo primitivo e o Catolicismo moderno. Neste contexto, assume particular relevância para o presente estudo, o olhar de Baronio sobre as origens da Igreja e o destaque particular que dá ao patrocínio da arquitectura eclesial, por ele considerada ao mesmo tempo emblema material do Catolicismo e testemunho tangível da expansão da Ecclesia Dei . Enquanto prevalece na pintura uma dimensão pedagógico-ilustrativa, segundo as orientações da Reforma Católica, a arquitectura potencia a difusão do Evangelho e a propagação da fé, permitindo a reunião e consolidação das comunidades dos fiéis. É por essa razão que, na consideração da encomenda artística, Baronio atribuía a supremacia aos empreendimentos arquitectónicos sobre todos os diferentes tipos de obras comissionadas 82 .

Daqui nasce a valorização da figura do encomendante no seio da Igreja, papel que D. Afonso de Castelo Branco cumpriu sábia e generosamente, patrocinando diferentes obras de arquitectura enquanto bispo do Algarve e de Coimbra, como se verá de seguida. A renovação e construção ex novo dos edifícios eclesiásticos cumpria os desígnios reformistas de consolidação da tradição e da imagem material da Igreja, através não só de uma liturgia agora normalizada, como da regularização e dignificação da arquitectura que a servia. O desempenho da carreira eclesiástica por D. Afonso de Castelo Branco, em particular enquanto prelado, distinguiu-se, pois, por um inteligente governo, que soube gerir e conciliar os requisitos espirituais e dogmáticos decorrentes de Trento, com a liberalidade de um Príncipe da Igreja, patrocinando intervenções nas sés, promovendo obras importantes nos paços episcopais ou nas residências de recreio e favorecendo as casas conventuais.

O impacte do seu patrocínio à época foi relevante, como se deduz das impressões registadas pelos cronistas acima citadas. Sobretudo no âmbito da

82 Sobre os aspectos da encomenda artística na leitura da obra de Cesare Baronio, veja-se em particular Scalla 1985.

226 Reforma Católica, que pugnava pelo ideal do Pastor da Igreja, mais vocacionado para a obra espiritual junto da sua comunidade do que para obras temporais de gestão e provimento material dos bispados, como propunha Frei Brás de Braga.

D. Afonso de Castelo Branco combinou as duas realidades de forma paradigmática, sem colocar em causa o ideal tridentino. Na verdade, em contexto pós-Trento, terão persistido prelaturas à maneira antiga, embora em número mais reduzido e actualizadas de acordo com a nova mentalidade. São significativas, a este propósito, as palavras do bispo D. Jorge de Ataíde citadas num episódio relatado pelo seu sobrinho D. António a que já aludi e que volto agora a citar:

«lembra-me que um dia falando eu com ele [D. Jorge] em Madrid sobre certo prelado que vivia com sobeja ostentação de que eu me escandalizava, me repreendeu santamente e me disse; que a Igreja de Deus se repartia a da terra militante e a da glória triunfante, e que nos prelados se representavam ambas estas igrejas, que aquele que eu culpara representava com muita virtude a igreja triunfante, e ele com muitas imperfeições a igreja militante» 83 .

A «Igreja Triunfante» era marcada pela actuação dos bispos como grandes senhores, onde ecoava o poder temporal através do mecenato e do patrocínio, da diplomacia com os principais agentes políticos seculares e eclesiásticos e da prática dos códigos de sociabilidade associados às altas esferas da corte. A troca de correspondência e a oferta de presentes a dignitários e cardeais da corte papal terão mantido actualizadas estas referências de D. Afonso de Castelo Branco, estimulando o seu patrocínio como reflexo da importância do seu governo.

83 BA, 51-IX-9, fl. 274.

227 » Os empreendimentos do bispo-conde: arquitectura residencial e religiosa em Coimbra

Paço Episcopal, Quinta de São Martinho do Bispo e benfeitorias à cidade

Enquanto bispo do Algarve e de Coimbra, D. Afonso de Castelo investiu na construção de ambos os paços episcopais, dignificando o espaço de residência oficial a que os bispos estavam obrigados por decreto do concílio tridentino. De facto, em Coimbra, terá constituído uma das suas primeiras iniciativas, como nos revela o seu biógrafo: «com toda a brevidade fez logo pôr em efeito o paço» 84 , remodelando-o e ampliando-o com obras que passariam de 80 mil cruzados. Completada cerca de 1592, a empreitada contemplou o provimento de água canalizada, e a regularização da planimetria da residência com a construção do bloco sul, o lançamento da galeria, e a definição da entrada principal pelo portal na fachada nascente. O paço adquiriu uma feição clássica, com as alas organizadas em torno de um pátio central, mais condigna com os preceitos da arquitectura residencial moderna 85 .

O arquitecto italiano Filipe Terzi poderá ter sido o responsável pelo plano geral, tal como pelo projecto e desenho de pormenor da elegante e solene loggia , que lhe é atribuída desde o estudo de Walter Crum Watson (1908). O engenheiro e arquitecto-mor do Reino, que por indicação régia se deslocara à cidade em diversas ocasiões para a orientação de obras, manteria relações próximas com o bispo conde, pois, como foi recentemente sublinhado, no ano de conclusão do paço, em 1592, é a partir desta residência que redige uma missiva a

84 BACL, Ms. 194 V, fl. 66. 85 Sobre o paço episcopal de Coimbra veja-se o estudo recente de Milton Pacheco (2009). Em termos de organização espacial interior do edifício, a empreitada afonsina determinou a «reorganização de todo o conjunto, concentrando no piso nobre as áreas privativas episcopais nas alas norte, poente e parte da nascente, e as de recepção e administração no corpo sul, ficando distribuídas no piso térreo, sob aquelas, as cozinhas, arrecadações, cavalariças, cocheiras e muitas outras» (Pacheco 2009, 297).

228 Filipe III, assinando «em casa do senhor Bispo»86 . É tentador ver a galeria, sobretudo pela sua situação no conjunto do paço ligando os dois corpos do edifício, como resultado de uma ideia geral do plano e não apenas como uma intervenção pontual do arquitecto italiano. Aliás, o recurso ao sistema de dupla galeria aberta na arquitectura residencial, ainda que formando apenas um dos lados, é um recurso de origem claramente italiana, e o seu desenho lembra os paradigmáticos pátios renascentistas do palácio da Cancelleria em Roma e do palácio ducal de Urbino. Terzi, que antes de vir para Portugal fora engenheiro ao serviço do duque de Urbino, conheceria bem estes exemplos 87 .

91 e 92| Paço episcopal de Coimbra, galeria do pátio e portal (atrib. Filipe Terzi / Jerónimo Francisco, c. 1585- 1592; patrocínio de D. Afonso de Castelo Branco) © Fotos da autora

A hipótese de Jerónimo Francisco ter estado à frente do estaleiro não deve, porém, ser descartada. O mestre de obras dos paços e da cidade de Coimbra não só teria maior disponibilidade para a direcção do estaleiro de forma

86 Pacheco 2009, 121. Cf. Viterbo 1988 (1870), III 98. 87 O pátio do palácio ducal de Urbino corresponde à campanha empreendida pelo duque Federico da Montefeltro (entre 1476 e 1482), que a entregou ao seu arquitecto Francesco di Giorgio. Quanto ao cortile do Palazzo della Cancellaria, terá arrancado em 1496 sob direcção de Antonio da Sangallo, o Velho, seguindo o projecto (1489) que Baccio Pontelli terá realizado para o cardeal Raffaele Riario, famoso pelo seu mecenato artístico. Note-se que Pontelli foi assistente de Francisco di Giorgio, entre 1478 e 1482, tendo colaborado na obra do palácio ducal de Urbino. Frommel 2007, 71-73, 91, 95-96.

229 presencial e contínua, como era também o mestre das obras do bispo D. Afonso de Castelo Branco. De facto, em carta para Roma, datada de cerca de 1594-95, D. Afonso refere-se a Jerónimo Francisco «a quem Sua Magestade nomeou por mestre das obras [da cidade] (como o é também das minhas)» 88 . E dele deverá ser o desenho do portal do paço, cujo traço e léxico parecem derivar das propostas desenvolvidas pela tradição local.

Uma vez concluído, o paço episcopal albergou a casa do prelado, constituída por um número apreciável de indivíduos ao seu serviço (cerca de 60), ocupando as diferentes funções e cargos que a vida da residência oficial do bispo-conde exigia. Como a casa de um nobre, os diferentes criados, capelães, familiares e oficiais ocupavam-se das respectivas tarefas básicas de manutenção da casa, dos ofícios litúrgicos da capela, das responsabilidades burocráticas, ou dos assuntos da Mesa Episcopal 89 . A respeito dos interiores, sabe-se que algumas divisões terão recebido pintura mural 90 e devem ter sido decoradas com peças de D. Afonso de Castelo Branco. Não ainda é conhecido o seu inventário de bens, certamente a cargo do seu guarda-roupa Martim de Palma, mas é possível listar alguns, dentre os sumptuários, a partir da relação de objectos que deixou por doação entre vivos às sés do Algarve e de Coimbra (1598) e ao colégio de Jesus (1600), após a sua morte 91 .

Além de um conjunto importante de alfaias, jóias e paramentos litúrgicos, os bens do bispo incluíam várias alcatifas e diversas cortinas com seus setiais; quatro panos, um guarda-pó de veludo e um dossel de tela de ouro, outro dossel de veludo roxo de fundo de ouro; e quinze tapeçarias (representando os temas

88 ASV, Fondo Confalonieri , vol. 35, fls. 81-83. Publ. em Pacheco 2009, 119. Sobre a possibilidade da intervenção de Jerónimo Francisco nas obras do paço, veja-se também Craveiro 2002, 493. 89 Paiva 2005a, 234. 90 «Dei aos pintores que estavam pintando as casas do bispo que eram de Lisboa mil rs para pintarem as armas reais e dourarem», 1598. AUC, LRDOS, Lv. 106, 6v. Publ. Serrão 2005a, 58. 91 Ver Documentos para a história , 1899 e Garcia 1892, 9: 258-63 e 10: 302-05. Outras pratas e jóias deixadas às sés do Algarve e de Coimbra podem ser conhecidas em Gonçalves 1944. A debilitada condição de saúde que o levou a fazer estas doações entre-vivos, determinou, igualmente, a indigitação de um coadjutor em 1600 – D. Frei Ângelo Pereira, bispo da Martíria.

230 da Ressurreição de Cristo, a Sepultura de Cristo, Nossa Senhora, a Caridade, e um ciclo incompleto de onze panos de armar dedicado aos meses do ano). O bispo- conde dispunha, de acordo com os padrões da época para as casas nobres, de valiosos têxteis sumptuários concebidos para efeitos de exposição, no paço e por vezes cedidos para ornato da Sé em dias de festa, a que se somavam diversos paramentos ricos, dentre os quais se destacam os quatro pontificais completos das cores do calendário litúrgico (branco, roxo, carmesim e verde). De mobiliário, apenas se cita uma cadeira de pontifical de brocado, que imagino ter decorado o salão principal do paço episcopal sob um dos dois dosséis «de brocado riquíssimos, bordados com suas insígnias» 92 .

Refira-se ainda o conjunto significativo de instrumentos musicais, composto por «charamelas, frautas, manicórdios, cravisinal e baixões, violas d’arco, e outras mais pequenas, e de todos os mais seus instrumentos músicos com suas cadeiras e caixões e livros de canto e música». Esta relação indica que a casa do bispo era servida de música, quanto mais não fosse, no ofício da missa na sua capela ou oratório. Acerca deste, pode ter-se uma noção dos objectos que o serviam em 1598: as duas tapeçarias de seda e ouro representando a Ressurreição e a Sepultura de Cristo; uma cruz dourada e outra de prata, um gomil e prato de prata dourada, entre outras alfaias.

Por seu turno, na biblioteca ou livraria, actualizada com as mais recentes edições que se iam publicando e que lhe eram remetidas pelos seus agentes em Roma, expunha-se o ciclo de Tobias executado por Mateus Coronado, pintor da sua casa, um conjunto de oito tábuas cobertas por cortinas de tafetá verde armadas em vergas de ferro. D. Afonso de Castelo Branco tinha ainda, entre as suas pinturas, um Apostolado, uma tábua representando Cristo e um retrato de D. João III – todas elas oferecidas ao Colégio de Jesus, juntamente com a sua biblioteca pessoal, as cortinas verdes e o conjunto de panos de armar dedicado aos meses do ano.

92 Gasco 1807, 138.

231 Ainda que parcelares, estas notícias sobre o recheio do paço ao tempo do bispo Castelo Branco contrastam notavelmente com outras casas episcopais sensivelmente contemporâneas, em particular com a de D. Jorge de Ataíde ou de D. Teotónio de Bragança. Ambos descendentes da principal nobreza de corte, quer o bispo de Viseu quer o arcebispo de Évora partilharam com Castelo Branco a cultura erudita, espelhada nas livrarias de que há notícia de terem sido grandes e actualizadas (respectivamente legadas às Cartuxas de Laveiras e de Évora). Todavia, no que respeita ao modo de vida, as fontes descrevem a austeridade como a marca principal das suas casas. Como referi no capítulo dedicado a D. Jorge, o bispo de Viseu, que habitou o paço do Fontelo, «nunca ornou com tapeçaria nem outras colgaduras as suas casas, as portas e os bofetes se cobriam com uns panos verdes» 93 . Quanto a D. Teotónio, na biografia da autoria do seu capelão Nicolau Agostinho relata-se que

«o trato, meneio e serviço da casa do Arcebispo, e sua pessoa, foi sempre tal, que mais parecia um Prior de igreja de pouca renda, que de um Prelado de vinte contos dela. Não havia em sua casa panos de Raz, brocado, nem seda, nem guadamecis dourados, nem outras curiosidades de ostentação. […] só nas paredes, e portas de casa, usava panos de Londres verdes sem guarnição alguma: as cadeiras, mesas, e bofetes eram de pau de nogueira chãs sem curiosidade alguma: o serviço da mesa o mais dele era estanho fino: a cama ordinária sem seda, nem colchas dela: dormia em um estrado de madeira no chão, ou em um catre de pau de nogueira, que também lhe servia nos caminhos, que fazia, tudo bem pobre, para seu estado (...). Não havia em sua casa coxim, almofada de veludo de cores, nem brocado: somente havia duas de veludo preto para algum hóspede de respeito: as do serviço de sua pessoa eram de pano preto, e cordovão, as quais lhe serviam no sitial, em que na Sé se encostava: o qual era de chamalote preto, e assim a quartina dele, e a

93 BA, 51-IX-9, fl. 274.

232 cadeira em que se assentava de pano da mesma cor» 94 .

Esta descrição é particularmente interessante enquanto testemunho de uma prática distinta da do bispo-conde, quanto à forma de habitar o paço episcopal. A casa seria entendida, por D. Teotónio, como reflexo material da missão essencialmente espiritual de um prelado, pelo que, desta forma, reiterava, no modo de habitar o seu paço como em todos os aspectos da sua vida, a modéstia e austeridade que deviam orientar a vida de um homem ao serviço da Igreja 95 .

Por seu turno, no paço de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco não só habitava, praticando diariamente a oração e celebrando missa no seu oratório e o estudo e leitura na sua biblioteca, como recebia em audiência e dava seguimento às obrigações temporais da gestão da diocese. No tempo livre deixado pelo cumprimento dos seus encargos, D. Afonso reunia-se nos seus aposentos com membros do círculo estreito dos seus conhecimentos, com quem conversava e praticava jogos, aliás «jogos lícitos» como faz questão de salientar o seu biógrafo 96 .

O repouso procurava-o nas propriedades da Mitra. Nas breves temporadas passadas nas quintas e coutadas do bispado, D. Afonso praticava a caça e a pesca e contemplava a natureza, encontrando a reconciliação interior necessária ao prosseguimento do seu dever. Os muitos cavalos e cães que possuía sublinham o seu interesse pela actividade venatória, motivo pelo qual o

94 Agostinho 1614, 15v-16v. 95 Modelo de virtude e de austeridade que teria ainda reflexos no período do Barroco, como testemunha a relação da vida do arcebispo de Évora, D. Frei Luís da Silva (1626-1703). Paiva 2001, 249 n. 31. 96 «Uma noite estando jogando com D. Fernão de Mascarenhas (que era Reitor da Universidade) já se entende que jogo lícito». BACL, Ms. 194 V, fl. 89. D. Afonso de Castelo Branco foi criterioso na eleição das suas amizades: D. Fernando Martins Mascarenhas (1548-1628) era considerado um homem de grande cultura e um dos melhores teólogos do seu tempo, estudou Artes, Teologia e Humanidades em Évora e doutorou-se em Teologia na Universidade de Coimbra, da qual foi Reitor entre 1586 e 1594, cargo que abandona para tomar posse do bispado do Algarve. Por contraste, segundo Nicolau Agostinho (1614), D. Teotónio de Bragança nunca jogou jogo algum, não praticava a actividade cinegética nem tinha cães de caça.

233 fez solicitar a Filipe II, logo após tomar posse, renovação do privilégio da coutada de Coja 97 . Mas, foi sobretudo a quinta de São Martinho e, mais tarde na vida, o Couto de Lavos que o bispo-conde elegeu como lugares de descanso.

93| Mapa da região de Coimbra. A: Coimbra. B: Couto de Coja. C: Quinta de São Martinho. D. Couto de Lavos.

São Martinho do Bispo, em particular, era muito vantajosa pela proximidade à cidade, localizando-se a poucos quilómetros na margem sul do Mondego. A quinta foi provida com nova casa, dotada de pátios e cocheiras, e foram feitos arranjos paisagísticos na área circundante, nomeadamente jardins com canteiros, tanques e fontes, orangerie , pomar e horta. O resultado final deve ter constituído motivo de orgulho pessoal, regozijando-se pelas palavras elogiosas que Confalonieri lhe dirigiu acerca daquela: «Diz VM que a quinta de São Martinho é melhor que o jardim do Ilustríssimo patriarca de Jerusalém»!98 .

Confalonieri poderia estar a responder a uma descrição feita pelo bispo- conde a partir de correspondência epistolar, mas de facto conheceu pessoalmente a quinta, onde estadeou por um dia (Domingo, 15 de Maio de

97 Pela primeira vez concedido por D. Manuel a D. Jorge de Almeida em 1525. Paiva 2005, 229-30 e 2006, 119 n. 23. Não deixa de ser interessante registar a proibição feita aos clérigos de se dedicarem por ofício às actividades cinegéticas – a não ser em algumas (e poucas) ocasiões de recreio – nas Constituições Sinodais do Bispado de Coimbra (1591), mandadas publicar por D. Afonso de Castelo Branco. Almeida 1968, II 490-91. 98 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca Jerusalém. Lavos, 13 de Dezembro de 1608. ASV, Fondo Confalonieri , v. 39, fl. 386. Publ. Paiva 2005, 238 n. 46.

234 1614), registando sobre ela uma impressão favorável: «a quinta do bispo, muito bela, com uma alameda comprida arborizada com árvores altíssimas, muita água, fontes, frutas, vinhas, etc.» 99 . D. Afonso manteve-o informado das benfeitorias que ali realizou alguns anos depois, dotando-a de «muitos acrescentos de pomares e ruas e aposentos» 100 .

Em São Martinho, o bispo-conde recebia quem o procurava com a lhaneza própria do bucolismo a que estimulava o lugar, e convidava «vamos a minha horta, vereis famosas plantas» 101 . Se hoje pouco resta das riquezas da quinta, que ainda no século XVII mereceu novas beneficiações e alterações, ao tempo constituiu sinal de notoriedade e admiração, sendo descrita pelas sempre generosas palavras de João de Almeida Soares como

«sumptuosa, e Real, que mais parece habitação de Príncipes, que de criação de Bispos; a galeria das Casas, o aparato delas, a correspondência, os pátios, as cocheiras, os jardins, as fontes, os pomares, laranjais, e outras grandezas inumeráveis, que fora o sítio, e alguma cousa que havia o que ele gastou lhe passou de oitenta, e cinco mil cruzados» 102 .

A renda da Mesa Episcopal, avaliada em cerca de 50 mil cruzados, deu-lhe grande margem para o patrocínio que empreendeu, sendo extensa a lista de benefícios, testemunhando o seu carácter liberal e a forma como entendeu o governo atento da sua diocese. Além do apadrinhamento das casas conventuais, que se terá oportunidade de tratar à frente, salienta-se o interesse que lhe mereceu a cidade e os seus equipamentos urbanos. Em 1591, beneficiou a qualificação urbana com um donativo dado à Câmara, no valor de seis mil cruzados, cujos juros foram destinados, e aplicados até ao século XIX, à pavimentação das ruas e estradas, consertos de canos, fontes e aquedutos,

99 Por terras de Portugal 2002, 278. 100 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca Jerusalém. Lavos, 13 de Dezembro de 1608. ASV, Fondo Confalonieri , v. 39, fl. 386. Publ. Paiva 2005, 238 n. 46. 101 BACL, Ms. 194 V, fl. 95. 102 BACL, Ms. 194 V, fl. 104.

235 abastecimento de água ao colégio de Jesus e levas dos presos 103 . Mandaria, igualmente, construir dois chafarizes para provimento de áreas da cidade sem acesso directo a água potável, um dos quais no adro da Sé. São ainda de referir as estruturas assistenciais que pensou edificar, mas que não passaram da ideia com a sua morte: a construção de um novo edifício para instalação da Misericórdia e a criação de um hospital de passageiros junto ao mosteiro de Santa Clara.

Coimbra foi verdadeira corte de D. Afonso de Castelo Branco, cidade pela qual devia nutrir uma estima especial, talvez desde o tempo que aí residiu enquanto estudante da Universidade. Essa afeição, bem como o estatuto construído ao longo de décadas, levá-lo-iam a recusar a mercê de Filipe III para o lugar de arcebispo de Évora em 1611 104 , preferindo permanecer na sua cátedra de bispo-conde que largaria apenas com a morte, ocorrida em 1615 aos 87 anos. Ao comentar as iniciativas urbanas de D. Afonso, João de Almeida Soares lamenta o seu falecimento, afirmando, na sua ardente eloquência, que se o bispo tivesse tido «de vida mais um, ou quatro anos fora Coimbra nova Roma no Mundo, pois tinha um filho de S. Pedro, que a enobrecia com santuários tão honrados da divindade, que foi invejado das mais Cidades em a ter por Prelado, como as sete por natural a Homero»!

103 Sobre esta doação, veja-se o fundo largamente por estudar: AHMC, Donativo de D. Afonso de Castelo Branco , 1591; com diversos livros de receita e despesa cobrindo um arco temporal de 1591 a 1883. 104 Paiva 2006, 364.

236 Colégios e cenóbios

Após a criação da moderna Rua da Sofia e do impulso construtivo de colégios universitários, nas décadas de 1540 e 1550, incentivado pela transferência da Universidade para Coimbra, por vontade régia de D. João III, outros colégios foram erguidos na Alta ao longo dos séculos XVI e XVII 105 . Ao tempo do bispado de D. Afonso de Castelo Branco, iniciou-se a construção de raiz do colégio crúzio de Santo Agostinho (1593) e da igreja das Onze Mil Virgens (1598) que completava o colégio jesuíta e fundaram-se os colégios de Santo António da Pedreira (1602) e de São José dos Marianos (1606). Coube ao bispo- conde presidir às cerimónias de lançamento das primeiras pedras, com excepção que se saiba do terceiro, instituição capucha. A distinção fazia parte das obrigações do múnus episcopal, mas ao atender às mesmas reconhecia o valor e mérito das instituições, constituindo o acto em si uma forma de patrocínio espiritual.

No caso do Colégio Novo de Santo Agostinho ou da Sapiência, esta fundação consagrou a longa actividade de ensino que os Crúzios desenvolveram ao longo de séculos em Coimbra. Depois das iniciativas quinhentistas dos colégios de Todos-os-Santos e de São Miguel, goradas por D. João III ao entregar os edifícios para a instalação do Colégio das Artes e pelas longas disputas com a Universidade, os Crúzios ficaram sem instalações de ensino e só no final do século arrancariam com o novo edifício. O projecto e as obras foram acompanhados pelo mestre-de-obras Jerónimo Francisco. A intervenção do arquitecto régio italiano Filipe Terzi, tradicionalmente fundamentada nas crónicas da época 106 , parece ter-se limitado a uma eventual assistência consultiva e ao risco do claustro, cuja elegância clássica espelha bem a sua

105 Sobre a Rua da Sofia e seus primeiros colégios, veja-se Lobo 2006. Sobre a história da Universidade e da fundação dos seus colégios, confira-se o trabalho de António de Vasconcelos (1987). 106 «Feita a traça do Colégio pelo famoso Arquitecto Filipe III». Santa Maria 1668, II 377. Sobre a discussão da autoria, vejam-se os estudos recentes Craveiro 2002, 274-283; Soromenho 2009, 59 e 63.

237 assinatura, mas a sua participação é justificável à luz do seu envolvimento no processo de construção de São Vicente de Fora, o mosteiro crúzio de Lisboa. Com implantação eminente no morro da cidade intra-muros virado para o rio, o edifício tem uma feição irregular, talvez motivada pela implementação difícil na orografia e arrastamento das obras.

A relação de D. Afonso com os Crúzios terá sido conduzida sobretudo por obrigações protocolares, mas o bispo-conde não deixou de apoiar um dos mais marcantes eventos da história do mosteiro pós-Trento, abraçando a importância e significado do recebimento das relíquias vindas da Flandres para Santa Cruz, em 1595, em cuja solene procissão e festejos participou com papel de destaque.

O Colégio de Jesus foi o maior e mais importante em Coimbra, formando missionários para a evangelização dos territórios da Expansão portuguesa. Iniciado em 1547, o seu plano viria a sofrer alterações na década de 1560, e a igreja só seria começada em 1598. Consensualmente atribuída a Baltazar Álvares, a igreja representa o expoente máximo da arquitectura tardo-clássica e erudita na cidade, seguindo o modelo de planta contra-reformista de tipo ítalo-jesuítico desenvolvido largamente pelo arquitecto régio 107 . Caberia assim a D. Afonso de Castelo Branco a bênção e colocação da primeira pedra da igreja das Onze Mil Virgens, na qual terá considerado dotar a capela-mor, mas foi impedido pela reserva da abside para o culto solene e patrocínio régio. É o que se depreende da leitura das palavras de João de Almeida Soares, segundo o qual o bispo-conde teria podido dotar a capela-mor «se a não reservaram os Religiosos para S. Majestade», pelo que resignado pôs-lhe «debaixo muitas moedas de Ouro, que deste modo sabia ele enterrar suas riquezas, e deste modo sabia ser avarento»108 .

O prelado manteve relações estreitas até ao final da sua vida com os

107 Sobre o colégio de Jesus em Coimbra veja-se o estudo de Lobo 1999. Sobre a actividade do arquitecto Baltazar Álvares, veja-se Branco 2008. 108 BACL, Ms. 194V, fl. 137.

238 Jesuítas, de quem foi confessor 109 e pregador. Aos Domingos era na igreja do colégio jesuíta onde assistia à missa, por considerar os padres da Companhia melhores pregadores que os cónegos da Sé 110 . Nutriu franca admiração pelo Padre Francisco Suárez (1548-1617), lente da cadeira de Prima na Universidade desde 1597, e conservou, igualmente, particular estima pelo jovem Padre Diogo Seco (1575-1623), que conheceu em 1604, em Lisboa, ao assistir à encenação da tragédia sobre Santo Antão composta por este professor e latinista. O Padre Seco regressou a Coimbra, cidade onde se formara, em 1606, mantendo uma relação próxima com o prelado, assistindo-o na sua última confissão e homenageando-o nas suas exéquias 111 .

Por sua vez, fundada por São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, a Ordem dos Carmelitas Descalços foi uma das primeiras fundações religiosas em Portugal autorizada por Filipe II, logo em 1581, ao padre napolitano Frei Ambrósio Mariano. A Ordem assumiria um governo independente nacional, com a criação da Província de São Filipe em 1611, separada da Província da Andaluzia. Para tal, contribuiu certamente a proliferação de casas carmelitas pelo país, em parte patrocinadas pela fidalguia partidária dos Habsburgo 112 .

A fundação de um colégio carmelita de Teologia em Coimbra foi proposta por Frei António de Évora, nomeado pelo vigário provincial Frei Miguel da Virgem, ao bispo-conde. A Crónica de Carmelitas Descalços atribui a anuência do bispo à santidade de Frei Miguel, mais do que ao apreço que tinha pelo

109 «Gostava muito dos Padres da Companhia, deles era o seu confessor, e enfim eles eram o seu tudo, e fazia mui certa eleição». BACL, Ms. 194 V, fl. 102 110 Paiva 2005a, 247. 111 Andrade 1667. Santos 2001, IV 3543. 112 Após a criação da casa carmelita em Lisboa (convento dos Remédios) favorecida pelo primo do bispo-conde, D. Duarte de Castelo Branco, conde de Sabugal, suceder-se-iam o convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais, patrocinado por D. António de Castro e D. Inês Pimentel, condes de Monsanto (1594); o convento de Alter do Chão por D. Catarina de Bragança (1595), o convento de Nossa Senhora do Carmo, em Figueiró dos Vinhos, por Pêro de Alcáçova de Vasconcelos e Maria de Meneses, senhores de Figueiró e de Pedrógão Grande (a cujo genro Filipe III faria conde de Figueiró) (1598); o convento dos Remédios em Évora (final do século XVI), que seria dotado pelo arcebispo da cidade, D. José de Melo; o convento do Carmo em Aveiro, dotado das casas de D. Brites de Lara, filha do duque de Vila Real e viúva de Pedro de Médicis (1613).

239 Carmelo 113 . Todavia, o apoio de D. Afonso deverá ser enquadrado no espírito reformista que caracterizou a sua prelazia, patrocinando o ramo de uma ordem que nascera após Trento e fora criada no sentido de maior rigor, privilegiando a oração, contemplação e acção apostólica. Mas que também fora apoiada pelo rei Filipe II e legitimada em 1593 pelo papa Clemente VIII. Foi neste contexto que D. Afonso de Castelo Branco não só concedeu licença para a instituição do colégio mariano, como terá atribuído esmolas para a construção 114 .

Em 1606, o ano de início da construção do colégio carmelita em Coimbra coincide com o da edificação do novo convento dos Marianos em Lisboa, e à semelhança deste a construção é austera e segue o modelo de igreja que a ordem implementara como seu. A origem deste plano e fachada reporta ao desenho que Francisco de Mora fizera para o convento dos Remédios em Évora que, por sua vez, repete o formulário do convento da Encarnação de Madrid 115 .

E o que significava o apoio e incentivo da fundação de colégios? Em pleno contexto pós-tridentino, a formação escolar e universitária assumiu importante relevo como medida fundamental na reforma do clero. Como revelou José Pedro Paiva, as preocupações de D. Afonso a este respeito motivaram-no inclusivamente a anexar receitas de igrejas da diocese a colégios da cidade, reconhecendo nestes o papel principal na formação do clero. Nas palavras do próprio bispo-conde:

«considerando nós quanto favor se deve às universidades e colégios onde se criam homens eminentes e as ciências, pelo proveito que a Igreja do Senhor e geralmente a República deles recebe a quantos privilégios e

113 Sacramento 1721, II 435. 114 «Calçando-lha com muitos dobrões, e esmolas pelo tempo diante, que lha pôs em pé». BACL, Ms. 194 V, fl. 137. 115 As igrejas, de plano em cruz latina e com cúpula de meia laranja no cruzeiro, são antecedidas por nártex aberto por três arcos na fachada. A fachada, bem icónica, apresenta os três arcos no primeiro registo, nicho e/ou janela ao centro ladeados por tabelas com as armas da Ordem ou dos patrocinadores, e é rematada por frontão e acrotérios esféricos. Correia 1986, 126-27 e 1991, 62.

240 prerrogativas por este respeito nos sagrados cânones e concílios universais lhe são concedidos»116 .

Estas palavras devem ainda ser entendidas na consideração da sua diocese enquanto capital universitária, formando, a nível nacional, «homens eminentes», fossem eles homens do clero ou laicos. Mesmo na ausência do seminário considerado obrigatório pelos decretos tridentinos, o aumento do número de instituições de ensino supria tal necessidade e consolidava, pois, essa nobre distinção formativa de Coimbra, cidade a que presidia enquanto antístite 117 .

As ordens religiosas que não tinham representação na cidade de Coimbra, fizeram-no a partir do século XVI com a instituição de colégios, pelo que não se registam fundações de casas conventuais ex novo , em particular durante o bispado de D. Afonso de Castelo Branco, que aqui nos interessa. A sua prelatura ficou marcada pela dotação de mosteiros de longa história e tradição na cidade – o mosteiro de São Francisco, o Real Mosteiro de Santa Maria Celas e o convento de Santa Ana das Cónegas de Santo Agostinho –, cujos edifícios careciam das condições necessárias à vida e cumprimento da regra claustral.

Foi assim que, na outra margem do Mondego, afastado da cidade, se refundou o mosteiro de São Francisco. A Ordem franciscana instalara-se em Coimbra em meados do século XIII (c. 1247-48), com casa nas margens do rio junto à ponte. Tal como o mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o edifício sofrera com as flutuações do caudal fluvial, que provocava inundações frequentes. Três séculos e meio depois da fundação original, decide-se recuar o mosteiro franciscano para a falda do Monte da Senhora da Esperança. E em 1609 os

116 AUC, Livro 3º dos Registos de Colação , III/D, 1,4,2,7, fl. 93-94v. Publ. Paiva 2005a, 240. 117 As universidades e os colégios constituíam estruturas alternativas aos seminários, nas cidades em que existiam, daí que a sua fundação tenha sido protelada mesmo em contexto italiano. Borromeo 1997, 74.

241 monges transitam para a nova casa, após os sete anos de construção sob a direcção de Isidro Manuel, que anos mais tarde viria a ser o mestre-de-obras da Sé 118 . O início da obra teve lugar a 2 de Maio de 1602, marcado pela cerimónia de lançamento da primeira pedra, presidida por D. Afonso de Castelo Branco. O mosteiro, que o bispo-conde apoiou também financeiramente 119 , caracteriza-se, sobretudo, por uma arquitectura funcional e austera, que bem traduz o espírito da ordem.

Por seu turno, fundado no princípio do século XIII por D. Sancha e reformado nos reinados de D. Manuel I e D. João III, o Real Mosteiro de Santa Maria de Celas 120 mereceu a atenção de D. Afonso de Castelo Branco. No abadessado de D. Helena de Noronha, o bispo-conde faria a dotação das obras do coro (com a construção do cadeiral em 1594), das hospedarias e do dormitório novo. O mestre Gaspar Fernandes foi o artista responsável pela obra de marcenaria do coro com lugar para 184 religiosas, datada de 1594 e que serviu de modelo ao coro do mosteiro de São Domingos das Donas em Santarém realizado por Bernardo Coelho em 1611 121 . A construção do dormitório novo, composto por 84 celas dispostas aos lados de um corredor central, foi iniciada em 1612 e entregue a um pedreiro local, que a ergueu «com alicerces famosos, e traça mui aparatosa» 122 .

118 Após a morte de Manuel João em 1628, morador em Celas ( Artistas de Coimbra 1923, 115), é nomeado Isidro Manuel como mestre de obras da Sé. Livro dos Acordos 1980, 27-28: 160-61, Craveiro 2002, 540. 119 O biógrafo de D. Afonso de Castelo Branco refere ter o bispo contribuído com esmolas para a construção (BACL, Ms. 194 V, fl. 137), mas o grosso da fábrica foi suportado por um peditório feito em todo o País, como se pode averbar do alvará de 28 de Outubro de 1602, prorrogado por outros, que concedia autorização ao guardião de mandar pedir esmola para a nova construção (Correia e Gonçalves 1947). 120 Andrade 1892. 121 Serrão 1989, 68-69. 122 BACL, Ms. 194 V, fls. 227-229. A iniciativa da obra do dormitório de Celas é confirmada pelo próprio punho do patrocinador, em carta escrita a Gianbattista Confalonieri, datada de 13/8/1613. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fl. 479 (Ref.ª José Pedro Paiva). O bispo informava ter gasto 12 mil cruzados na esmola concedida, valor que o seu biógrafo faz ascender a 30 mil cruzados. Virgílio Correia e Nogueira Gonçalves indicam a soma de 17 mil cruzados para o

242 A refundação e patrocínio do convento de Santa Ana

Em Julho de 1600, D. Afonso de Castelo Branco lançou a primeira pedra do Convento de Santa Ana. Assumindo as suas responsabilidades de acordo com as orientações tridentinas, que pugnavam pela orientação rigorosa da religiosidade feminina, o bispo-conde atendeu às preocupações com a comunidade das Religiosas de Santo Agostinho dos Cónegos Regulares, que após a ruína do seu mosteiro junto ao Mondego tinham sido instaladas por D. João Soares numas «casas do bispado, duas milhas da cidade em um lugar ermo», ou seja, na quinta de São Martinho do Bispo. Em carta dirigida ao papa Clemente VIII, D. Afonso dá conta da sua preocupação com a guarda da clausura, atendendo ao local onde o cenóbio se encontrava: além das religiosas «estarem mal acomodadas e no que convém a sua sustentação mas estão em perigo de perder a clausura e religião e ainda a virtude, e assim por não terem casas convenientes para se guardarem e fecharem como por estarem longe da cidade e longe do povoado» 123 .

Para esta fundação, o bispo-conde solicitou ao pontífice a autorização da dotação do convento pelo seu primo D. Duarte de Castelo Branco com uma renda perpétua de 500 cruzados. D. Duarte, meirinho-mor do reino desde 1558, foi partidário do casamento do cardeal-rei. Todavia, na crise sucessória do Reino, regressado do cativeiro do Norte de África, tomou de imediato o partido da Casa de Áustria, colocando-se ao serviço de Filipe II. Embora inicialmente considerado por D. Cristóvão de Moura pouco «aficionado a Castilla» e «poco inclinado al servicio de V.M. [Filipe II]» 124 , D. Duarte acabaria por desenvolver uma boa relação com o valido do monarca, o que lhe garantiu uma rápida ascensão

dormitório e 6 mil para o coro. O dormitório foi transformado em asilo para cegos e depois em sanatório após a extinção das ordens religiosas (Correia e Gonçalves 1947, 63). 123 ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 9, fls. 197-99 (inédito). 124 Cartas de D. Cristóvão de Moura a Filipe II, 18 de Janeiro e 18 de Fevereiro de 1579. Coleccion de Documentos 1860, VI 70 e 144.

243 política na corte portuguesa 125 . E Filipe II não só reconheceu a fidelidade de D. Duarte, confirmando-o nos cargos de meirinho-mor e vedor da fazenda e atribuindo-lhe o recém-criado título de conde de Sabugal, a 20 de Fevereiro de 1582, como lhe confiou em 1593 um lugar na primeira junta de Governadores do Reino, responsabilidade que cumpriu até 1599.

As relações de D. Afonso de Castelo Branco com D. Duarte seriam próximas. Unidos por laços familiares, ambos desempenharam papéis de relevo e de influência nos reinados de D. Henrique, de Filipe II e de Filipe III. Ao aliar o seu primo à fundação do convento de Santa Ana, o bispo-conde honrava e estreitava essa ligação, ao mesmo tempo que fortalecia os objectivos dinásticos da família a que pertencia, mesmo na condição de filho natural de um cónego. Atento à sua condição nobre, associava-se a um dos principais representantes da sua dinastia, dignificando-o com a dotação plenária de uma casa religiosa da sua fundação pessoal.

Participando dos padrões políticos e sociais do seu tempo e das práticas das grandes casas europeias, este tipo de patrocínio legitimava o poder da Casa de Sabugal e da família Castelo Branco, ao mesmo tempo que atraía para Coimbra, sede da sua cátedra episcopal, o seu mecenato, garantindo a sobrevivência de uma casa religiosa por si refundada. Ficam bem demonstradas estas aspirações sociais, políticas e dinásticas na leitura da carta de D. Afonso a Clemente VIII, onde declara «trespassar, ceder, e doar, o padroado» a seu primo D. Duarte e afirmando expressamente que a distinção de «padroeiro in solidum » do convento de Santa Ana ficava no morgado do condado e Casa de Sabugal.

Os herdeiros do morgado teriam a capela-mor da igreja para seu panteão, entre algumas outras preeminências, após a dotação perpétua dos 500 cruzados de renda e a autorização papal, garantindo, por outro lado, a manutenção do convento. D. Afonso não escolhia mal o padroeiro para a concretização dos seus

125 Labrador Arroyo 2009, 146-47.

244 intentos, pois como discorre na sua missiva, era D. Duarte de Castelo Branco «senhor de casa tão principal e pessoa tão Ilustre nestes Reinos que ele e seus sucessores poderão perpetuamente amparar defender e conservar o dito mosteiro e Religiosas dele e impetrar-lhe do dito Rei e da Santa Sé Apostólica graças e privilégios» 126 .

O início da construção do novo convento teria lugar em 23 de Julho de 1600, com a cerimónia de lançamento da primeira pedra, presidida por D. Afonso de Castelo Branco. Ao tempo em que redige a missiva ao papa, já as obras tinham começado, com o patrocínio do bispo-conde no valor de 25 ou 30 mil cruzados 127 . O prelado descreve, de uma maneira geral, o projecto de «edificar um mosteiro nobre e conveniente junto aos muros da dita cidade em lugar muito decente onde já está começado com fonte de água dentro e grande e cerca em o qual possam sem perigo servir ao Senhor e guardar a clausura» 128 .

Não havendo lugar à construção do convento no interior dos muros da cidade, como seria apropriado (e de acordo com as orientações tridentinas), o local conhecido por Eira das Patas ficava no limite próximo de Coimbra, na colina junto da cerca do colégio de São Bento. O edifício, erguido num período de nove anos, considerava dois claustros (cemiterial e do horto), em torno dos quais se dispunham as dependências conventuais, e dois pátios do recinto das hospedarias 129 .

Seguramente, D. Afonso de Castelo Branco terá estado envolvido na

126 ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 9, fls. 197-99 (inédito). Além da associação ao conde do Sabugal, o convento de Santa Ana recebeu elementos femininos da família do bispo- conde, que alcançaram posições de relevo na hierarquia da clausura. Tal foi o caso de sua irmã D. Jerónima de Meneses e de sua sobrinha D. Maria de Meneses, ambas prioresas da nova casa conventual feminina de Coimbra. Subtraindo-o ao Cónegos Regulares, D. Afonso alcançou entregar o convento de Santa Ana aos Eremitas de Santo Agostinho e fazer eleger para primeira prioresa D. Jerónima, uma das fundadoras do convento de Santa Mónica, em Lisboa, subordinado ao ramo feminino da referida ordem religiosa. 127 ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 9, fls. 198v (inédito). Segundo fontes posteriores, a verba gasta terá ultrapassado os 120 ou 180 mil cruzados. Gasco 1807; BACL, Ms. 194 V. 128 ASV, Fondo Segretaria di Stato , Portogallo 9, fls. 197 (inédito). 129 Sobre a história e património do convento de Santa Ana de Coimbra, veja-se Carvalho 2002 e Ferreira 2006.

245 organização do plano geral e funcional do edifício, que, sobretudo por se tratar de uma casa conventual feminina, deveria, à luz da Reforma Católica, obedecer a requisitos de salvaguarda da clausura muito particulares. E sendo erguido de raiz, requeria cuidado redobrado do bispo fundador. O seu empenho pessoal, o investimento financeiro avultado e o fim a que o destinou engrandeceram a iniciativa aos seus olhos, referindo-se-lhe como o melhor da Península Ibérica: «o mosteiro novo de Santa Ana que é muito grandioso e sumptuoso e por ventura de freiras o melhor que há em Portugal e Castela sendo obra de superrogação e tão exemplar que eu faço não por obrigação mas como bispo cristão» 130 . Em 1610, próximo da conclusão, afirma satisfeito em carta para Roma: «o mosteiro novo está um paraíso» 131 .

Estas impressões de grandeza tiveram eco. Coincidindo aproximadamente com a data de inauguração do mosteiro, em 1611 o prior de Travanca, Amador Vieira, publica um texto onde presta homenagem a D. Afonso de Castelo Branco, referindo que, para atestar a sua liberalidade, «basta a sumptuosa e famosa fábrica do insigne mosteiro de santa Ana, que vossa senhoria com tanto custo, e em tão poucos anos mandou fazer nessa cidade, que compete em grandeza, e magnificência com as mais ilustres obras do mundo»(!) 132 . Por sua vez, António Coelho Gasco (†1666), jurista pela Universidade de Coimbra e genealogista, na obra que dedica a Coimbra, informava mesmo que «edifício não há outro igual, que tenha melhores oficinas, e claustro, porque é de obra Romana, e todo pintado» 133 . João de Almeida Soares dedica também umas linhas ao convento, que enaltece como obra admirável e ilustre, descrevendo as instalações da casa das Eremitas de Santo Agostinho:

130 Carta a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca de Jerusalém. S. Martinho, 18 de Setembro de 1606. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fls. 289 (ref.ª José Pedro Paiva). 131 Carta a Gianbattista Confalonieri, secretário do patriarca de Jerusalém. S. Martinho, 6 de Setembro de 1610. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fls. 416-18 (ref.ª José Pedro Paiva). 132 Vieira 1611. 133 Gasco 1807.

246 «podemos encarecer, ou com verdade dizer a soberania dos dormitórios, que os seculares viram antes delas entradas, a bizarria dos claustros, o concerto, e autoridade do coro, a devoção da Igreja, a repartição das celas, a frescura da cerca, o descobrimento do miradouro, a clausura da roda, o espaço dos pátios, que tudo junto faz emudecer os Homens, e dá boca às pedras, ou ao mesmo edifício, para que diga quem o fez, e seus louvores»134 .

94| Convento de Santa Ana de Coimbra, claustro (1600-09, patrocinado por D. Afonso de Castelo Branco). © SIPA FOTO.00813522

As palavras dos três autores são largamente generosas para um edifício de feição chã. As apreciações coevas revelam sobretudo admiração pela iniciativa e dimensão do empreendimento, concluído em apenas nove anos. Mas, os comentários laudatórios sobre a grandiosidade não podem corresponder a impressões estéticas abalizadas. Se fossem tomadas como medida para avaliar a cultura artística da época em Coimbra, seríamos levados a concluir ter-se generalizado o gosto pela arquitectura «chã», quando outras fábricas revelam o oposto, com o desenvolvimento dos modelos clássicos.

Em termos formais, a fábrica do convento de Santa Ana perpetua a

134 BACL, Ms. 194 V, fl. 107-10 .

247 tradição construtiva vernácula portuguesa, com irrupções do formulário clássico nos claustros e nos portais. Mesmo os claustros, bem lançados, fazem uso da coluna mais sintética – a toscana –, apresentando linhas despojadas, que convinham a uma casa religiosa feminina, sem lugar à ostentação. Os únicos elementos de nobilitação assinaláveis, e para o exterior, são os dois portais que ornamentavam a fachada norte do convento e que davam acesso, um às hospedarias, constituindo o único acesso do convento, e o outro à igreja.

Parece-me provável ter estado na origem desta arquitectura essencialmente funcional e austera uma opção do próprio fundador. Ou seja, o partido «chão» não terá sido uma eventual inevitabilidade condicionada pelo saber dos executantes, mas um ditame definido por um encomendante conhecedor das linhas orientadoras tridentinas para a arquitectura conventual feminina. Orientação que está bem patente na organização pragmática do plano do convento e no distanciamento da pesquisa da arquitectura clássica para a estruturação dos alçados, revelando conhecimento da obra de Carlo Borromeo e mesmo da orgânica construtiva funcional das casas jesuítas 135 .

Concebidos de forma semelhante, os portais são estruturados por colunas coríntias, caneladas e com o primeiro terço decorado, suportando entablamento com friso vegetalista e rematadas por pináculos. O segundo registo repete um formulário semelhante, embora escalonado por tabelas e volutas, voltando a fazer uso do coríntio nas colunas e tendo por remate um frontão ladeado por pináculos. Ao centro das colunas, rasga-se um nicho para exposição de escultura de vulto. A concepção arquitectónica dos portais é artificiosa, representando um desvio normativo do uso das ordens, na sobreposição dos dois registos, ao fazer nascer a segunda ordem de colunas a partir de mísulas sobre o vão.

O propósito da composição foi o de dar lugar à representação escultórica

135 A este propósito, vejam-se as questões ligadas à noção de sintetismo propostas em Benedetti 1984.

248 de carácter festivo e religioso, como se de um retábulo se tratasse, tirando partido dos espaços vazios para a colocação de tabelas figurativas. O clássico é entendido aqui não como sistema, mas como recurso plástico e decorativo, conjugado com a inspiração nas gravuras ornamentais fantasiosas, caras à arte flamenga.

95 e 96| Portais do convento de Santa Ana, actualmente colocados na igreja de São João de Almedina. © Fotos da autora

A linguagem usada para a decoração dos elementos arquitectónicos é o formulário clássico tardo-renascentista coimbrão, aproveitando frisos, plintos, tabelas para a representação de vocabulário ítalo-flamengo concertado com a heráldica do fundador e do padroeiro e com iconografia religiosa. Associam-se, no portal de ingresso no convento 136 : o brasão de armas de D. Duarte Castelo Branco (com um leão figurando no escudo e encimado pela coroa e o elmo referentes ao seu estatuto de conde e cavaleiro); a estátua de Santo Agostinho;

136 Inscrição no portal conventual: «ESTAS ARMAS SÃO DE DOM DUARTE DE CASTELBRANCO CONDE DO SABUGAL MEIRINHO MOR DE PORTUGAL E PADROEIRO DESTE MOSTEIRO COMO O HÃO DE SER OS SEUS SUCESSORES O QUAL PADROADO ESTÁ CONFIRMADO POR S . SANTIDADE DE ORDEM DO BPO CÕNDE E CONSENTIMENTO DAS RELIGIOSAS ».

249 duas mártires representadas em baixo relevo; a pomba do Espírito Santo e o Feixe de Raios no tímpano; e um anjo rematando o conjunto.

Por sua vez, o portal da igreja 137 é tutelado pelo brasão de D. Afonso de Castelo Branco (escudo com o leão, o galero de 10 borlas do bispo de Coimbra e a coroa de conde de Arganil) e pelo conjunto escultórico de Santa Ana, a Virgem e o Menino 138 enquadrado pelas tabelas figurativas em relevo de São Pedro e São Paulo e por Cristo Salvador do Mundo no tímpano, rematado este por uma cruz no topo.

Perante o presente programa iconográfico, dir-se-ia estarmos perante uma composição de feição retórica, um discurso imagético de reforço da ortodoxia do Catolicismo. Os princípios dogmáticos e fundacionais da Igreja são evocados pela representação de São Pedro, São Paulo e Santo Agostinho (sendo o último o santo patrono da ordem e da especial devoção de D. Afonso de Castelo Branco). E, em clara correspondência com os princípios advogados pelo concílio tridentino contra o Protestantismo, resulta a afirmação e valorização do culto do Espírito Santo, dos santos e mártires, dos anjos, alicerçada na ideia de salvação por via de Cristo e da Cruz.

A igreja do novo convento feminino foi concebida no mesmo espírito de observância reformista. A planta de nave única era dividida nas duas áreas «de dentro» e «de fora» e com capela-mor sem demarcação assinalada, ou seja, da mesma altura e largura da nave. Abriam-se duas capelas na igreja «exterior», do lado da Epístola, e nenhuma na igreja «interior», tal como se observou noutras

137 Inscrição no portal da igreja: «ESTAS ARMAS SÃO DE DOM AFONSO DE CASTELBRANCO BISPO DE COIMBRA QUE PRIMEIRO O FOI DO ALGARVE O MANDOU FAZER ESTE MOSTEIRO À SUA CUSTA E DOTANDO -O E LANÇANDO -LHE A PRIMEIRA PEDRA E O ACABOU EM NOVE ANOS E MEIO ». Na face interna das bases das colunas deste portal, podem ler-se outras duas inscrições: « ANNO CO DN MDC . NN . KL .JVL .D.ALPHONSUS DE CASTELBRA . EPS COLIMB . XLII POSUIT ETHOC MONASTERIUM EX SUO OR CONSTRUI FECIT »; «NO ANNO DO S DE M .D OA XXIII DE JUNHO D. AFONSO DE CASTELBRANCO BISPO XLII DE COIMBRA POZ ESTA PEDRA […]». 138 A escultura, datada de c. 1475-1501, foi aproveitada para a composição deste portal, encontrando-se actualmente no MNMC (n.º inv.º E41).

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97 a 99| Coroação da Virgem , Santa Maria Madalena e Santa Catarina . Pinturas do retábulo-mor da igreja do convento de Santa Ana, encomendadas por D. Afonso de Castelo Branco a Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, c. 1611-1620. Actualmente no Museu Nacional Machado de Castro (n. os inv.º P69, P14, P15).

© IMC / José Pessoa, 1995. congéneres conventuais femininas 139 . A capela-mor seria dedicada à Virgem, engrandecida com retábulo pictórico encomendado à parceria de artistas Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, os mesmos a quem D. Afonso de Castelo Branco tinha contratado anteriormente um ciclo de pintura para a sacristia da Sé, como se verá adiante 140 .

Junto à capela-mor, do lado do Evangelho, localizava-se o túmulo do bispo fundador, mandado executar pela madre prioresa do convento, D. Maria de Meneses sua sobrinha, em 1633. A arca tumular paralelepipédica (desaparecida) era suportada pelos quatro leões e coberta pela lápide decorada

139 A arquitectura conventual feminina, não por acaso, vinha-se renovando nessa época, como testemunha série de construções na capital, com os conventos das Flamengas (1585) Albertas (c. 1584), das Inglesinhas (1594), de Santos-o-Novo (1609) e do Sacramento de Alcântara (1612). As igrejas da maioria destes cenóbios cumpriram rigorosamente as instruções reformistas a respeito da separação dos espaços e da abertura de capelas. 140 Do conjunto original, datado de 1611-20, sobreviveram cinco telas conservadas no MNMC. O tema central da composição era a Vida da Virgem (Nascimento da Virgem, Apresentação da Virgem no Templo, Coroação da Virgem ), com uma predela onde figurariam outras Santas ( Santa Catarina , Santa Maria Madalena ). MNMC, nos de inv.º P98, P99, P69, P15, P14.

251

100 a 102| Túmulo do bispo D. Afonso de Castelo Branco (1633; encomenda de D. Maria de Meneses), actualmente no claustro da Sé de Coimbra. © Fotos da autora que hoje se podem admirar no claustro da Sé Velha e que testemunham a boa qualidade da obra. Na capela constava, ainda, uma placa celebrativa com uma elegia dedicada a D. Afonso de Castelo Branco:

«Assim como as Parcas à vida O sepulcro arrebatou-lhe o alto cargo Se o palácio faltou Possuis o reino celeste

Depois completastes os anos Da grande idade de Nestor, Em lugar desta mesquinha mancha Obterás a glória celeste» 141 .

141 Correia e Gonçalves 1947, 19. O túmulo foi trasladado em 1908 para a Sé Velha. Actualmente, o túmulo de D. Afonso de Castelo Branco encontra-se na capela de Santa Catarina do claustro da Sé. Falta-lhe, contudo, a arca tumular propriamente dita, que era suportada pelos quatro leões e coberta pela tampa que ainda se podem admirar no claustro.

252 D. Afonso de Castelo Branco elegeu assim, muito simbolicamente, para lugar do seu descanso eterno a igreja do convento de Santa Ana. Tê-lo-á considerado, sem dúvida, um dos legados mais significativos do seu bispado, cuja iniciativa nascera não só como fruto das suas obrigações enquanto bispo da Reforma, como do seu empenho pessoal. É esta também a leitura que se faz do avultado investimento financeiro realizado – mais de cem mil cruzados na construção e provimento, além da aquisição de juros perpétuos para a sustentação da comunidade – e da sua vontade testamentária deixando por herdeiro o convento 142 . O cuidado posto na reorganização deste convento feminino e no decoro da casa e igreja colocam, por conseguinte, o convento de Santa Ana entre as principais realizações do bispo D. Afonso de Castelo Branco.

142 João de Almeida Soares refere a soma total de 184 mil cruzados custeada por D. Afonso de Castelo Branco para erguer o convento. BACL, Ms. 194 V, 107-10. Em carta de D. Afonso de Castelo Branco ao Rei Filipe III, datada de 8 de Abril de 1609, o bispo-conde indica ter gasto cem mil cruzados. ASV, Fondo Confalonieri, vol. 39, fls. 209 (ref.ª José Pedro Paiva). Sobre as rendas e juros, parte da documentação das Chancelarias Régias de Filipe III e Filipe IV (ANTT) indexada como relativa a D. Afonso de Castelo Branco, refere-se à aquisição de juros, que distribuiu pelo convento de Santa Ana, Misericórdia e Câmara de Coimbra. Não me foi possível localizar o testamento de D. Afonso de Castelo Branco, mas a partir de uma referência documental do Prof. Doutor José Pedro Paiva, sabe-se ter sido o convento de Santa Ana o principal herdeiro do bispo-conde.

253 Apadrinhamento do processo de canonização da Rainha Santa Isabel

Uma outra iniciativa que mereceu o interesse e a devoção pessoal do prelado foi o processo de canonização da rainha D. Isabel de Aragão, apresentado em 1612 por Filipe III ao papa. O desígnio era antigo: em 1516, o rei D. Manuel conseguira a sua beatificação pelo papa Leão X, através do seu embaixador em Roma, D. Miguel da Silva. Todavia, e apesar das posteriores iniciativas de D. João III e de D. Sebastião, só a instâncias da dinastia dos Filipes a causa isabelina alcançou, em 1625, o breve apostólico promulgado por Urbano VIII que concedeu a D. Isabel o estatuto de santa e autorizou e oficializou a sua devoção, desde há muito generalizada pelo culto popular português 143 .

Como salienta Giulia Rossi Vairo, a decisiva instrução do processo de canonização da rainha portuguesa, com origem espanhola, pelos monarcas da casa de Áustria

«assumeva una valenza strategica troppo importante poichè, nella figura di mediatrice della futura santa, intravedeva la possibilità di porre remedio alla mancanza di coesione fra i diversi territori del regno e soprattutto di risolvere la manifesta ostilità del popolo lusitano nei confronti dei reali di Spagna»144 .

Esta leitura parece sair reforçada com a intenção de o cabido conimbricense, em 1612, integrar no calendário das festas o culto a alguns santos de Espanha, como São Diogo 145 . A devoção constituiria, certamente, um caminho de integração e de união não desprezado pelas esferas de poder.

A estes desígnios macro-políticos da união ibérica aliavam-se, em meu entender, outros interesses, de escala regional, representados pelo antístite de

143 A bibliografia sobre a Rainha Santa Isabel é bastante extensa, pelo que remeto apenas para a obra incontornável de António de Vasconcelos (2005 e 2007) e o recente estudo de Giulia Rossi Vairo (2004) sobre as origens do processo de canonização. 144 Vairo 2004, 160. 145 Livro dos Acordos 1972-73, 26: 194.

254 Coimbra, que almejaria fortalecer a fé e devoção do seu povo e consolidar a imagem e o prestígio da cidade no mapa da Europa Católica Reformada. Após a recepção de uma importante colecção de relíquias em 1595 pelo Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra visionava agora a consagração de D. Isabel, rainha que elegera a cidade para seu descanso eterno no mosteiro de Santa Clara por si fundado.

Sem retirar importância a uma provável devoção pessoal, exponenciada pela participação na abertura do túmulo régio onde testemunhou o reivindicado milagre da incorruptibilidade do corpo de D. Isabel de Aragão 146 , os desígnios do bispo-conde estariam concentrados no governo espiritual da sua diocese. É neste contexto que materializa o seu apoio ao processo de canonização, contribuindo com a quantia de trinta mil cruzados que remeteu a Filipe III, após a notícia de um primeiro parecer positivo do papa Urbano VIII. E promovendo em Coimbra obras no sentido da nobilitação do culto da Rainha: uma urna de prata e cristal para a exposição permanente do corpo santo da rainha D. Isabel; e um arco de pedra, com decoração em relevo, no interior da igreja das clarissas – no piso intermédio que mandou construir em virtude da inutilização do piso térreo pelas constantes inundações do Mondego. No total, as obras terão custado ao bispo quinze mil ou vinte e quatro mil cruzados, consoante as fontes 147 .

O arco foi colocado no terceiro toral (a contar da cabeceira) da nave do lado da Epístola, abrindo tanto para a igreja de dentro como para a de fora, de modo que o túmulo de prata e o corpo santo da Rainha pudessem ser vistos tanto pelas clarissas como pelos fiéis. É essa a principal razão de ter sido construído transversalmente à nave lateral e decorado em todos os panos exteriores e interiores, em vez de ter sido rasgado um arco-sólio numa das paredes da igreja.

146 Vasconcelos 2007 (1894). A cerimónia de abertura ocorreu a 26 de Março de 1612. 147 João de Almeida Soares refere ter o bispo-conde despendido, ao todo, 54 mil cruzados (BACL, Ms. 194 V, 124-27). António Coelho Gasco fala em 15 mil cruzados em obras mais 30 mil para a canonização (Gasco 1807, 166).

255

104| Igreja do mosteiro de Santa Clara-a- Nova. Urna de prata e cristal encomendada para resguardar o corpo da Rainha Santa Isabel. (atrib. Domingos Vieira e Miguel Vieira, Lisboa, c. 1613-1614; patrocínio régio e de D. Afonso de Castelo Branco). © Publ. in Borges 1999

103| Igreja do mosteiro de Santa Clara-a- Velha de Coimbra, arco para exposição da urna da Rainha Santa Isabel (c. 1613-15; patrocínio de D. Afonso de Castelo Branco). © Foto da autora

Perfeitamente desenhado à maneira clássica e decorado com um programa ornamental muito elegante e finamente executado, de raiz ítalo- flamenga, o arco marcaria o ponto de observação através de grades para uma capela na igreja interior decorada de azulejo e talha dourada, descrita por João de Almeida Soares. Esta capela, a ter existido, não deixou vestígios 148 . Mas, o belíssimo túmulo de prata e cristal destinado à exposição do corpo da Rainha Santa pode ainda ser admirado (ao longe) na capela-mor da igreja do mosteiro novo de Santa Clara. Peça de ourivesaria monumental que, em conjunto com

148 «Foi que à parte da Epístola, e à direita da Rainha Santa junto às grades das freiras mandou fazer uma capela para pôr o corpo inteiro à vista de todos que se deixasse ver por vidraças, e assim a parte do povo, como a de dentro que responde às freiras grades de altura da capela, de grossura que pedia comprimento de prata lavrada com perfeição, e a caixa onde ela havia de estar de prata, o tecto da capela dourado, e as paredes de azulejo mui perfeito como ainda hoje está tudo, só as grades que por não ter efeito este intento tão santo, com estar tudo acabado, pela morte de D. Afonso se delas o leito de prata em que hoje jaz pela canonização, na era 1625». BACL, Ms. 194 V, 126.

256 umas grades também de prata, terá resultado de risco de arquitecto e execução pelos melhores ourives do Reino. Pelo contrato feito com Domingues e Miguel Vieira para as grades, deduz-se que os ourives seriam os mesmos da arca tumular 149 . Julgo ainda que este Domingos Vieira deve tratar-se do oficial do mesmo nome que, em 1619, ocupava o cargo de Ourives da Prata e Contraste da Cidade de Lisboa 150 .

Realizadas as benfeitorias no mosteiro de Santa Clara, com o patrocínio de D. Afonso de Castelo Branco e o beneplácito régio (pois, de acordo com a escritura conhecida, o contrato foi consertado «por ordem de Sua Magestade e do dito bispo de Coimbra» 151 ), a canonização só se concretizou após a morte tanto do bispo-conde, como de Filipe III. Foram então organizadas, em 1625, celebrações em Roma, Coimbra e Aragão. A dimensão do culto da Rainha Santa ultrapassava assim o território diocesano e o tributo local podia, de acordo com as intenções dos seus promotores, fazer-se condignamente no mosteiro medieval.

149 Contrato da obra das grades de prata para o túmulo da Rainha Santa, entre os ourives da prata Domingues Vieira e Miguel Vieira, e Jerónimo Henriques da Veiga, procurador do bispo D. Afonso de Castelo Branco. Lisboa, 1 de Fevereiro de 1614. ANTT, Cartório Notarial de Lisboa n.º 1, mç. 18, lv. 1, fls. 67v-70. Publ. Borges 1999. Sobre o túmulo de prata, cfr. ainda Silva 2008. 150 Domingues Vieira, Ourives da Prata e Contraste da Cidade de Lisboa, aparece em 1619 associado ao processo de inventário e das avaliações da prata e ouro de D. Filipa de Sá, condessa de Linhares, que deixou os seus bens à igreja do colégio jesuíta de Santo Antão-o-Novo. Documento identificado no decurso da investigação de Doutoramento, que tive oportunidade de analisar e divulgar no IV Congresso de História da Arte Portuguesa (Marques 2012) e cujo estudo mais aprofundado integrará um futuro projecto de investigação. 151 Borges 1999, 168.

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258 capítulo 3

A sacristia nova da Sé de Coimbra

» Disposições normativas: a sacristia nas Constituições Sinodais de 1591

A sacristia da Sé de Coimbra constituiu um das principais realizações do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco. A sua eleição como espaço de patrocínio e dotação da catedral representou, por isso mesmo, um gesto muito significativo no panorama da encomenda arquitectónica em contexto religioso, tratando-se, para mais, de uma iniciativa vinda do clero secular. A sua compreensão passa necessariamente pelo inquérito aos instrumentos legais produzidos durante o seu bispado, nomeadamente aqueles onde são explicitadas as regras quanto à construção e conservação das igrejas e objectos de culto de matrizes, ermidas e mosteiros abrangidas no território diocesano: refiro-me às Constituições Sinodais.

Em 1591, D. Afonso ordenou a publicação das novas Constituições Sinodais do Bispado, revistas e ordenadas em concílio diocesano de acordo com as orientações tridentinas, como referido no «Prólogo» que as antecede. Estavam obrigados a ter as novas constituições os priores, comendatários, reitores, vigários, capelães perpétuos, prioresas e abadessas «da nossa Visitação», e deviam estar disponíveis nas igrejas para consulta pelos beneficiados, pessoas da freguesia ou quaisquer outras que as quisessem ver 152 . Neste sentido, a obra estava direccionada para a maioria do clero secular e regular de Coimbra, além dos oficiais da diocese, constituindo, como as congéneres das restantes dioceses, instrumentos gerais de regulação do culto e

152 CS Coimbra 1591, 219v. As citações seguintes referem-se à mesma obra.

259 dos costumes.

O novo instrumento de orientação ocupa-se também do espaço das sacristias, acrescentando informação às constituições promulgadas por D. Frei João Soares em 1548, à luz da normalização da liturgia veiculada pelo Missal de Pio V. É assim que no Título XVIII, dedicado aos Ofícios Divinos , se integra a sacristia no ritual celebrativo, como lugar de preparação e encerramento dos ofícios litúrgicos, de acordo com o cerimonial romano oficializado pelo referido papa em 1570.

105| Constituições synodaes do 106| Constitvições Synodaes do Bispado de Coimbra , promulgadas por Bispado de Coimbra , promulgadas D. Frei João Soares em 1548. por D. Afonso de Castelo Branco em 1591.

Ao tratar os preceitos de Como se dirão as Missas, e preparação dos Sacerdotes, e silêncio que deve haver na Igreja e Sacristia (Constituição III), assinala-se então que «em tudo o mais assim na preparação antes da Missa, como em ir da Sacristia para o Altar, e no Ministério dela, e tornar à Sacristia, se guarde o Cerimonial Romano» (95v). A mesma constituição identifica a sacristia como um dos locais, não o único, deputado para a preparação dos celebrantes.

260 «Na Sacristia e lugares em que os Sacerdotes se preparam e revestem para dizer Missa, haja uma tábua onde estejam escritas de boa letra e bem legível todas as Orações que se devem dizer ao vestir de cada peça, e as mais lembranças necessárias para sua preparação» (96v). Insistia-se, desta forma, na reverência, decoro e bom cumprimento do cerimonial romano.

Só a propósito da regulamentação das questões relacionadas com os paramentos e alfaias do culto (Constituição IX), se faz referência à necessidade obrigatória da sacristia em todas as igrejas. As igrejas da diocese ficavam por esta constituição obrigadas a terem «Sacristias boas e bem fechadas, com seus armários de boa madeira e bem lavrados onde se guardem os ornamentos, e se revistam os que houverem de dizer Missa» (104-104v). Ou seja, os espaços deveriam ser adequados à função da paramentação, alojando mobiliário de qualidade para a conservação dos ornamentos.

Numa outra constituição, dedicada à Limpeza e renovação dos ornamentos, e cousas necessárias ao serviço das Igrejas (Constituição II, Tít. XXI), reforça-se a preocupação com a guarda dos paramentos nos armários da sacristia, ordenando a sua construção, caso não existisse uma: «e não havendo Sacristia, se mandará fazer logo: e em quanto se não faz, haverá uma Caixa forte bem lavrada, e fechada na Capela Maior onde os ditos ornamentos se guardem». Por detrás desta cláusula residia, uma vez mais, o cuidado com a decência da celebração: «porque convém que os ministérios Santos do Senhor se tratem não somente com pureza interior, mas também com limpeza exterior» (110v).

A directriz sobre o espaço das sacristias é tratada exclusivamente na perspectiva da sua funcionalidade, considerando apenas alguns dos objectos que deviam complementar o espaço. O mobiliário para arrecadação dos paramentos; a tábua das orações para a paramentação; uma toalha de olanda ou linho de duas varas de comprido para a ablução das mãos dos «Sacerdotes e ministros do Altar», sugerindo a existência de um lavabo que não é mencionado; e, ainda,

261 «uma tábua em que estarão escritos os Aniversários, Missas, e Capelas perpétuas e Comemorações que se hão-de fazer por quaisquer pessoas que deixaram seus bens», estando esta única indicação reservada para a Sé e para as «Igrejas Colegiadas que têm Coro e Sacristia» (111, 115v).

Fora deste âmbito, as informações são dispersas e não preconizam uma orientação particular sobre aspectos formais da construção. A preocupação centra-se, sobretudo, no cumprimento do ritual de preparação para a celebração – paramentação, ablução das mãos, orações, silêncio –, e na conservação dos ornamentos litúrgicos, onde a sacristia se define apenas como espaço destinado para o efeito. Não se desenvolvem quaisquer outras instruções que orientassem a sua construção e facilitassem o cumprimento desta obrigação, como noções sobre a localização, planta, dimensão adequada, pisos, cobertura e vãos, e elementos funcionais.

De resto, não se encontram estas disposições para o próprio espaço das igrejas, limitando-se as regras à licença prévia para a construção, obrigatoriamente concedida pelo bispo; à decência dos espaços e ao financiamento das obras, dos ornamentos, retábulos e imagens. A capela-mor e metade do arco do cruzeiro das igrejas e ermidas ficaria a cargo das rendas da Matriz, e a outra metade do cruzeiro e todo o corpo da nave à custa dos fregueses, de acordo com o costume do bispado de Coimbra «e de quase todos os outros deste Reino imemorial» (109v).

As Constituições Sinodais de Coimbra restringem-se, pois, às rubricas principais relacionadas com o culto. Os aspectos de pormenor são relegados para as visitações, recaindo a vistoria destes assuntos sobre a obrigação dos seus oficiais: «E porque se não podem convenientemente declarar as mais cousas miúdas que nas Igrejas para o culto divino são necessárias, e aqui declaramos somente as principais, os nossos Visitadores farão prover em tudo o mais que lhes parecer que convém, para que os templos do Senhor tenham os

262 ornamentos necessários, e os Sacramentos e ofícios divinos se façam, com o decoro devido» (104v).

É nos visitadores que recai a obrigatoriedade da vistoria e ordenação das igrejas e seus ornamentos. Assim, o Título XXVIII Visitações e visitadores reflecte, embora de forma sintética, algumas das principais orientações pós-tridentinas quanto ao decoro das igrejas, à sua adequada função de reunião dos fiéis para a celebração comunitária e participativa da glória de Deus. Neste âmbito, a par da preocupação primeira com a situação e aspecto do sacrário, a conservação das relíquias e a decência das imagens, são assinaladas peças fundamentais e obrigatórias nas colegiadas: o coro para rezar e cantar os ofícios divinos; o púlpito para a prédica eficaz junto dos fiéis; a adequada localização e dimensão das sepulturas no interior das igrejas – caso impedissem a visibilidade as mesmas deveriam ser retiradas (conforme decretado pelo papa Pio V). Dá-se igualmente atenção à pia baptismal, que deveria estar separada do espaço da celebração («em capelas fechadas, e podendo ser fora do corpo das Igrejas»); aos pátios ou alpendres; e, finalmente, à sacristia, devendo esta ser «capaz com seus caixões para os ornamentos, em a qual se possam bem vestir os Sacerdotes» (173, 174- 75v).

O púlpito e o coro com destaque na liturgia; a libertação das naves de qualquer elemento que cortasse a leitura unitária do espaço; a separação do baptistério em relação à igreja; a revalorização do adro para a reunião dos fiéis – estas foram questões centrais no debate sobre a arquitectura religiosa, e em particular após o concílio tridentino, de que as Constituições de Coimbra fazem amiúde referência. E é significativo que a sacristia assuma relevância neste contexto, porque sendo uma sala anexa passa a ter lugar de destaque nas prioridades das fábricas eclesiais, pela sua relação directa com a liturgia.

Embora sintéticas, as referências traduzem uma actualização do entendimento da arquitectura eclesial enquanto edifício funcional, uma

263 consideração objectiva da sua real função – o culto divino – na qual a visibilidade e a hierarquia dos elementos assume importante relevo. Os aspectos formais e estéticos, nesta perspectiva, são secundários e não mereceram, por esse motivo, grande desenvolvimento nas orientações gerais destas Constituições, embora numa passagem curta, mas muito significativa, se revele a preocupação com a beleza dos edifícios, sempre ligada à noção de decoro. Aconselha-se, então, que sendo «cousa muito devida, e necessária que as Igrejas que são casas de orações», os seus edifícios fossem formosos, edificados em lugares decentes, e ornados «de todas as cousas necessárias ao culto divino, que não se possa ver em elas cousa que ofenda ou escandalize, ou falte em alguma das cousas necessárias» (174v).

São breves as noções elencadas na legislação sinodal coimbrã, muito reduzidas pelo alinhamento das constituições, que se pretendeu sucinto no que respeita à normalização da arquitectura religiosa. No entanto, não deixam de atender à reflexão pós-tridentina sobre os edifícios destinados ao culto. Nesta consideração, as Constituições Sinodais de Coimbra, saídas do concílio promovido por D. Afonso de Castelo Branco, pugnam pela conveniência dos lugares e pela adequação e o decoro, a fim de que as igrejas pudessem receber toda a comunidade dos fiéis e servir correctamente o culto divino. Entre os elementos observados, destaca-se de modo evidente a sacristia e o seu lugar no cerimonial romano.

264 » O empreendimento da sacristia da Sé, a fortuna crítica e patrimonial do espaço e a reconstituição da arquitectura

Patrocínio e construção

Nas Constituições Sinodais de 1591, a sacristia assumiu um lugar na hierarquia da arquitectura eclesial, enquanto anexo ligado ao culto, com o seu papel definido na guarda dos paramentos e alfaias e na preparação dos celebrantes para a liturgia. Era o espaço de onde saíam em procissão para celebrar a missa no altar e para onde se encaminhavam no final. A sacristia foi a divisão que D. Afonso de Castelo Branco escolheu para patrocinar na Sé, erguida de raiz em substituição da antiga, construída entre a nave da Epístola e o claustro no bispado de D. Jorge de Almeida. Ora, o bispo-conde não se limitou a um espaço de pequena importância, mandando edificar uma sacristia monumental condigna do tesouro catedralício que deveria arrecadar, das funções de preparação das celebrações litúrgicas e da história e importância de uma das catedrais mais antigas do País, valores que soube reconhecer enquanto comitente esclarecido.

O lugar escolhido foi o tardoz da capela-mor, o único disponível para erguer esta sacristia com uma área de cerca 135 m2. A iniciativa deve ter sido ponderada logo no início da década de 1590, se não antes, e o empreendimento materializado ao longo dos anos seguintes. Certo é que, em 1594, estava concluída ou em vias de conclusão a obra de arquitectura, dado que Gianbattista Confalonieri a pode admirar nesse ano. Confalonieri visitou a sé, ao passar por Coimbra entre 13 e 15 de Maio de 1594 na viagem de regresso da peregrinação a Santiago de Compostela, registando uma brevíssima nota acerca da catedral: «O bispo, de 30 mil escudos de renda; os cónegos de mil e são 32 prebendas. A igreja é pequena mas bela, toda de azulejos, as pilastras e muros, de cinco arcos

265 a cruz; de dois órgãos; uma nobre sacristia nova ; de 10 sinos» 153 .

A informação sobre a encomenda e o processo de construção é, todavia, muito parca e mesmo os Livros de Receita e Despesa da Obra da Sé, que tive oportunidade de estudar atentamente no Arquivo da Universidade de Coimbra 154 , são omissos quanto ao grosso das obras da sacristia. E, apesar de estarem desaparecidos justamente os livros dos anos de 1591 a 1596 que coincidiriam com o grosso da construção, tudo leva a crer que neles não terá sido compendiada a obra.

Veja-se que mesmo no que se refere ao alargamento do coro-alto, subsidiado por D. Afonso de Castelo Branco, apenas os trabalhos com o tecto são registados, dado ter sido a parte da empreitada a cargo do cabido para a qual o bispo emprestou 575 mil reis e se fez pagar em prestações divididas pelos anos de 1604 a 1607 155 . As obras de patrocínio pessoal do prelado deviam ter registo em livros próprios, a cargo do escrivão da sua casa, e perdidos no paço episcopal. Estes livros seriam de importância muito significativa para atestar as razões da sua iniciativa, os intervenientes que encarregou para a sua construção e as encomendas realizadas para a decoração do espaço.

A sacristia terá sido, portanto, uma obra alheia à Fábrica da Sé, que geria o património edificado afecto à catedral e estava a cargo dos cónegos anualmente eleitos para os ofícios de Obreiro e Escrivão das Obras. D. Afonso de Castelo Branco teria os seus próprios agentes e representantes para a administração dos seus assuntos, integrados na orgânica hierárquica da Mesa

153 Por terras de Portugal 2002, 277. 154 Nestes livros registam-se e elencam-se todos os gastos da conesia da Obra da Sé – desde o incenso, a cera e os paramentos quotidianos aos custos com reparações de ourivesaria e aquisições de paramentos ricos, gastos com obras de construção e reparação na Sé, no celeiro, etc.. 155 «Ficam de fora cinquenta mil reis que se deram ao senhor bispo da dívida que se lhe devia que emprestou para o tecto do coro com que se lhe acabou de pagar os quinhentos e setenta e cinco mil reis que se lhe devia». AUC, LDROS, Lv. 118, fl. 45.

266 Episcopal 156 . Pelo que é de supor que a gestão dos empreendimentos que patrocinou tenha recaído em oficiais da sua confiança pessoal, como não poderia deixar de ser sobretudo em face de tão avultados investimentos.

João de Almeida Soares, na biografia que dedicou a D. Afonso de Castelo Branco datada de cerca de 1635, afiança ter este despendido «na Sé pelos mestres que fizeram assim umas como outras obras» a soma de 97 mil cruzados (c. 38,8 milhões de reis) 157 . Mais de 50 mil cruzados foram certamente até 1603, como nos dá a saber o próprio D. Afonso por carta dirigida a Confalonieri em Roma, desabafando sobre má-vontade do cabido, para quem tinha mandado fazer «um coro para eles que está acabado e custa com umas grades de bronze três mil cruzados e vinte e cinco mil reis além dos cinquenta e tantos mil cruzados que tenho dado à Sé» 158 . Nessa data, a sacristia estava já erguida, e considerando que o investimento no coro 159 é descrito em valores concretos, supõe-se que o grosso dos cinquenta mil cruzados a que se refere deverá ter custeado a obra da sacristia, que representou o seu principal investimento na catedral.

As fontes conhecidas assinalam a notabilidade da obra e do encomendante, mas deixam em silêncio o nome do arquitecto e/ou dos mestres que a conceberam e materializaram. Desconhece-se, por isso, o autor do projecto, embora seja possível aventar atribuições como adiante se tratará. O estaleiro e a empreitada construtiva terão decorrido, seguramente, sob a

156 Foi o que sucedeu aquando da encomenda das grades para o túmulo da Rainha Santa, tendo delegado em dois procuradores, um em Coimbra e outro em Lisboa, a realização do contrato com os ourives Domingos e Miguel Vieira. Borges 1999. 157 BACL, Ms. 194 V, 107. 158 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a Gianbattista Confalonieri, 1603. ASV, Fondo Confalonieri , vol. 39, fl. 153. Publ. Paiva 2005, 246. 159 Executado pelo mestre «Ensamblador del Rei» Bernardo Coelho . Livro dos Acordos 1972-73, 26: 136-37; Artistas de Coimbra 1923, 173, 278. Bernardo Coelho, morador em Lisboa, foi chamado a Coimbra em 11 de Agosto de 1600 para tratar com o cabido da Sé do feitio da obra do coro e tecto. Artistas de Coimbra 1923, 173. As dotações na Sé pelo bispo alargaram-se a outras obras não datadas, como o alargamento do adro, canalizações e abertura de um fontanário, além de dispendiosos têxteis e paramentos que adquiriu para serviço do culto.

267 supervisão de um mestre-de-obras da sua confiança, talvez Jerónimo Francisco, que, como se viu, em 1594 era mestre das obras do bispo.

Pelo que pude apurar, o próprio mestre das obras da catedral, na altura o pedreiro João Fernandes 160 , participou na campanha, mas em trabalhos de acabamentos, já coordenados pela Fábrica da Sé. É o que se deduz de uma nota de pagamento de 1596, registada no Livro de Receita e Despesa da Obra da Sé, a João Fernandes e a seu filho pelo caiamento das paredes da sacristia 161 . O registo documental é significativo para confirmar a cronologia da sacristia: a pintura das paredes indica, assim, que nesse ano estava, de facto, erguida na totalidade. Dois anos depois, a porta de entrada é reforçada com chapas e ferrolho pelo carpinteiro António Fernandes e o lavabo era instalado, como aliás documenta a data nele inscrita e uma verba para toalhas de linho destinadas ao «lavatório novo» 162 .

Nos anos seguintes, somam-se pequenos arranjos nos Livros de Despesa da Obra, na sua maioria insignificantes, excepção feita à nota de assentamento de azulejos em Fevereiro de 1600, útil para a sua datação mas omisso sobre a encomenda, manufactura ou custo dos mesmos 163 . Três anos depois, no Outono de 1603 houve arranjos no telhado e das paredes do exterior 164 . Em resumo, pequenos trabalhos de manutenção e decoração, à responsabilidade da conesia da obra, que se foram realizando após a conclusão da obra de arquitectura cerca de 1594.

Após a finalização dos trabalhos, o empreendimento da sacristia da Sé alcançou fama à época, pela sua monumentalidade e riqueza, já que se tratava

160 Pelo cargo de mestre-de-obras da Sé passaram João de Ruão (até 1580), Gaspar da Fonseca (1580-?), João Fernandes (?-1601), Francisco Fernandes (1601-1618). Cfr. Dias 2002, 359-360; Livro dos Acordos 1980, 26: 141-142; Craveiro 2002, I 486. 161 AUC, LRDOS, Lv. 105 (1596-97), fl. 14. 162 AUC, LRDOS, Lv. 106 (1598-99), fls. 8-8v, 5. 163 AUC, LRDOS, Lv. 106 (1599-1600), fl. 14v. 164 Onde andaram os pedreiros Gonçalo Jorge, António Rodrigues, Tomás Carvalho e dois servidores em Setembro e Novembro de 1603. AUC, LRDOS, Lv. 106, fls. 58, 60v.

268 de um anexo até então raramente considerado pelos grandes patrocínios dos bispos portugueses. As fontes coetâneas destacam, assim, a sacristia no conjunto de obras promovidas pelo «notável edificador» D. Afonso de Castelo Branco. João de Almeida Soares e António Coelho Gasco são unânimes em classificá-la como uma das melhores ao tempo 165 . O feito extraordinário é noticiado pelo biógrafo nos seguintes termos:

«Na Sé fez uma sacristia tão realçada, e custosa, que é uma das lustrosas casas que há no Templo de Deus, e em fim obra de D. Afonso a preparação dela não tem preço porque os caixões, os retábulos, os lavatórios, e mais ornato admira os sentidos»166 .

A campanha de restauro do século XX e a demolição parcial da sacristia

Actualmente, resta apenas uma pequena parte do espaço original admirado pelos dois escritores seiscentistas. A campanha de obras iniciada em 1893 e orientada por António Augusto Gonçalves, director arqueológico e artístico do restauro da Sé Velha de Coimbra e do paço episcopal, foi responsável pela grande amputação da sacristia, realizada para pôr a descoberto e valorizar o exterior da cabeceira românica – a única catedralícia sobrevivente em território nacional. O restauro, que pretendia devolver o carácter original e «unidade de estilo» ao edifício românico, obteve o apoio do bispo-conde D. Manuel Correia de Bastos Pina (1872-1913) e da rainha D. Amélia 167 . A obra de redução da sacristia seria uma das últimas empreitadas na Sé dirigidas por António Gonçalves, com o aval e apoio financeiro do Ministério das Obras Públicas e da Comissão dos Monumentos Nacionais, já em contexto republicano.

A leitura dos apontamentos manuscritos de António Augusto Gonçalves

165 «Edificou a famosa Sacristia dela, que por certo se tem que é uma das melhores que há». Gasco 1807, 138. 166 BACL, Ms. 194 V, 107. 167 Sobre o restauro da Sé Velha de Coimbra, veja-se Rosas 1995; Tomé 2006, 31.

269 permite perceber que a intervenção não foi totalmente discricionária e que resultou de reflexão aturada sobre os critérios valorativos na conservação do monumento. À semelhança das restantes intervenções na Sé, a obra da sacristia e da cabeceira terá sido submetida a um júri de especialistas da Comissão dos Monumentos Nacionais 168 . A sua defesa incluiu, além disso, numerosos pareceres de arquitectos e «antiquários» portugueses e outros estrangeiros, dados em resposta a um inquérito formulado para o efeito. O que demonstra ter havido debate sobre a demolição de um espaço, que não sendo primitivo, era considerado «documento duma fase artística que embora nominalmente decadente não deixa de ser importante e valiosa».

107| António Augusto Gonçalves (1848-1932)

168 Nos apontamentos de António Augusto Gonçalves regista-se, para outra intervenção na Sé não identificada, a constituição de um júri formado pelo bispo-conde, Joaquim de Vasconcelos e Ramalho Ortigão, entre outras figuras. BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. Esta informação é atestada pelos livros de Correspondência Recebida da Comissão dos Monumentos Nacionais, onde consta a informação, datada de Fevereiro de 1897, de serem Ramalho Ortigão, Joaquim de Vasconcelos e Ventura Terra vogais da Comissão para as obras da Sé Velha e paço episcopal, que se deslocou a Coimbra para exame das obras e informação acerca da sua continuação. A Ventura Terra, «arquitecto do quadro do serviço das Obras Públicas» incumbia-se ainda a responsabilidade de levantar a planta do paço episcopal, projectar a sua «restauração condigna» e planear o prosseguimento das obras na Sé. ANBA, Expediente , Correspondência Recebida 1882-1911, Cota 3-D-SEC.240, fls. 845, 847, 855, 859. Por sua vez, sabe-se que Ramalho Ortigão, nomeado membro e relator da Comissão dos Monumentos Nacionais em 1890, foi a Coimbra nos anos de 1895 e 1896 para o mesmo efeito. Rosas 1995, 216. Veja-se também Custódio 2008, I 542-45.

270 Esta preocupação de fundamentar a obra de «desobstrução» da cabeceira vinha, certamente, na continuidade do parecer crítico da Comissão quanto ao «plano de restauro» proposto por António Augusto Gonçalves em 1893. O parecer realçara, entre outros aspectos, a necessidade respeitar as construções de outras épocas e o peso da história na continuidade artística do monumento 169 , donde a importância de alicerçar a decisão com base em estudos, que realizou sumariamente, e nos pareceres de especialistas que pediu. Ora, o processo de discussão sobre a conservação da sacristia ou sua demolição parcial realizou-se, segundo António Gonçalves, nos seguintes termos:

«Desde muitos anos está aberto um inquérito. Grande número de forasteiros de cotação sobre a matéria, convidados a pronunciarem-se em favor da conservação da sacristia ou da reaparição da abside, toda, sem discordância, optou pela desobstrução da obra antiga.

(…) É certo que a sacristia é uma obra apreciável, como documento duma fase artística que embora nominalmente decadente não deixa de ser importante e valiosa .

Mas a questão submetida ao juízo insuspeito de forasteiros de autoridade que desde muitos anos tem abordado a Coimbra, como um plebiscito de grave responsabilidade.

Todos os votos, sem discrepância, se pronunciam pela eliminação deste obstáculo, que prejudica um dos mais pitorescos do velho monumento.

E é de notar que é sobre a frontaria principal e a oposta fachada absidial que os artistas românicos de ordinário aplicaram todo o esmero dos seus recursos»170 .

A constatação da monumentalidade da empresa do bispo-conde D.

169 Custódio 2008, I 543. 170 BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. Sé Velha: capítulos já esboçados: Sacristia , fls. 6-7.

271 Afonso de Castelo Branco gerou, certamente, hesitação quanto à sua demolição. António Gonçalves, nas páginas que dedica à sacristia nos seus apontamentos manuscritos, revela mesmo alguma admiração pela obra, apesar de esta corresponder, segundo as suas palavras, a um estilo «decadente», desprezado por oposição ao estilo românico, que caracterizava o monumento primitivo. Não deixando de reconhecer, apesar das suas convicções, tratar-se de uma «obra apreciável», «obra de largos recursos e aparato», «ampla, realçada com estátuas, e de abóbada bem lançada e opulenta».

A intuição do valor artístico inerente e a sua monumentalidade justificavam, pois, a necessidade da abertura de um inquérito e de fundamentar com a razão forte e inabalável da unanimidade de opiniões a supressão da sacristia. A opinião geral foi, então, a de que a prioridade recaia no descobrimento e valorização da cabeceira românica, validando a necessidade de «uma resolução radical como uma amputação cirúrgica talvez dolorosa».

Na cópia de uma carta, pedindo verba para a obra de demolição (orçada em 1:040$800 reis), António Gonçalves reforça a importância da intervenção, apoiando-se justamente nos pareceres «de forasteiros de autoridade»:

«Os arquitectos de Lisboa e Porto, aqui reunidos há pouco, em excursão de estudo, todos, una voce , apoiam estas demolições. E a unanimidade de opiniões de arquitectos e antiquários nacionais e de grande número de estrangeiros, que desde muitos anos venho consultando, mostram o acerto e urgência desta grande e boa obra» 171 .

Na data em que foi redigida, a 1 de Agosto de 1911, os trabalhos ainda não se tinham realizado, o que terá sucedido poucos anos mais tarde, mesmo antes da interrupção da campanha de restauro por falta de financiamento. É o que, aliás, António Gonçalves explica numa outra carta dirigida ao Director dos

171 BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. Carta de António Augusto Gonçalves, destinatário não identificado [possivelmente ao Ministro da Instrução Pública]. Coimbra, 1 Agosto de 1911.

272 Edifícios e Monumentos Nacionais Norte: «[as capelas absidiais] só foram postas a descoberto pouco antes da paralisação dos trabalhos», o que terá ocorrido sensivelmente em 1918 172 .

Se bem que a intenção de António Augusto Gonçalves fosse reduzir a sacristia a cerca de metade da área original, a sala seria contudo circunscrita a pouco mais de 1/7. Escrevia o responsável pelo restauro que «cortada pela linha de penetração da capela-mor com a do apostolado, a área da sacristia ficará reduzida a pouco menos de metade, grandeza mais que suficiente para os usos eclesiásticos» e para reconstituição da fachada oriental da Sé, ou seja da cabeceira, ficando a leitura desta última «perfeitamente compreensível, em todo o efeito das suas linhas gerais, a representação mais característica e tocante deste género de arquitectura» 173 .

A parte remanescente seria, posteriormente, dividida em dois pisos por uma placa de betão, numa campanha posterior à década de 1930 liderada pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, sem intervenção de António Gonçalves. De facto, um memorando de 16 de Julho de 1931 atesta estar a obra de reparação da sacristia incompleta, precisando: «Nunca foi convenientemente acabada. Depois de reduzida às actuais proporções, o resultado é estar incapaz de nela se guardarem as alfaias e pratas que se deterioram com a humidade».

O documento estipulava que se deveria: 1) abrir janelas no piso inferior; 2) construir no plano das janelas do primeiro andar um pavimento em cimento armado para dele fazer espaço de arrecadação; 3) ligar os dois pavimentos com uma escada construída na extremidade da sacristia, dando saída para a Rua do Norte por uma janela recente de que se podia fazer uma porta; 4) dar passagem

172 Carta de António Augusto Gonçalves ao Director dos Edifícios Públicos e Monumentos Nacionais - Norte. Coimbra, 17 de Outubro de 1921. Ministério das Obras Públicas - Porto, Cx 5 - Expediente n° 38, Sé Velha, 4. Publ. Rosas 1995, II 575. Sobre a data de interrupção dos trabalhos ver Rosas 1995, I 241. 173 BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. Sé Velha: capítulos já esboçados: Sacristia , fl. 7.

273 da sacristia para o claustro por uma porta feita em janela 174 .

Embora em 1936 ainda não tivesse arrancado a obra, as directrizes foram cumpridas: a sacristia foi dividida em dois pisos ligados por uma escada; foram rasgadas duas janelas no primeiro piso da fachada norte, tapando uma serventia directa para a rua; executaram-se as passagens no piso superior para a Rua do Norte e claustro. Outras obras foram sendo feitas até à década de 1960, como elenca sumariamente o Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais dedicado à Sé Velha de Coimbra. Assim, até essa data procedeu-se ainda ao revestimento das paredes da sacristia com reprodução dos azulejos originais, ainda existentes nas capelas do alçado sul; e ao restauro das cantarias e de mobiliário 175 .

As duas intervenções, de amputação e de divisão do espaço em altura, limitaram irremediavelmente a leitura e usufruto desta sacristia fino-

108| Sé de Coimbra, fachada exterior da sacristia durante a intervenção da DGEMN, com o rasgamento de uma janela no piso inferior. © SIPA FOTO.00095695

174 SIPA, DSARH-010/079-0132. Memorando do Director dos Monumentos Nacionais do Norte sobre a Sé Velha de Coimbra, 10-11. 175 Freitas 1962, 42.

274 -quinhentista. Não obstante o sucedido, assinalam-se alguns critérios aplicados na reconstituição do alçado norte após a redução do espaço, que souberam preservar, por exemplo, quatro emolduramentos de vãos decorados; manter o alinhamento dos entablamentos em todo o perímetro dos alçados com a reconstituição na parede norte; e conservar a disposição das capelas no alçado sul e o lavabo.

Proposta de reconstituição do espaço original

Os elementos conservados constituem hoje pistas importantes para a reconstituição da sacristia na sua feição original ou, pelo menos, no seu estado prévio à amputação. Juntamente com o estudo e medidas da área salvaguardada, algumas descrições e os levantamentos planimétricos da Sé, antes e após a demolição, contribuem para recriar o espaço e aferir sobre a sua qualidade arquitectónica e modelo tipológico.

Ao contrário do que seria desejável, parece não ter havido preocupação de proceder ao registo visual sistemático, em desenho ou fotografia, das áreas antes da intervenção, pelo que não me foi possível localizar desenhos, alçados ou fotografias do interior da sacristia antes da demolição. António Augusto Gonçalves desenhou alguns esboços de outras áreas da Sé ou de pormenores arquitectónicos, como uma série de capitéis românicos, mas não deixou registo visual da sacristia, limitando-se a algumas brevíssimas notas descritivas do espaço. É neste sentido que foi necessário, como ferramenta de estudo, proceder a uma proposta de reconstituição dos alçados a partir da documentação escrita e gráfica existente, que passo a elencar.

Como se viu atrás, António Gonçalves caracterizou a sacristia como um espaço amplo, decorado com estátuas e coberto por uma abóbada «bem lançada e opulenta». Ele anota o estado de abandono a que havia sido votada há já muito tempo, atribuindo esse facto à trasladação do cabido da Sé para a igreja

275 do colégio de Jesus em 1772, período em que, segundo as suas palavras, «a velha catedral foi inteiramente despojada». Neste contexto, a sacristia não escapara à delapidação patrimonial, muito em particular no que se referia ao espólio que albergava.

No final do século XIX, a sala mandada erguer por D. Afonso de Castelo Branco mantinha-se estruturalmente intacta, mas votada ao esquecimento, com degradação do património integrado. É o que testemunham as apreciações de António Gonçalves, salientando aspectos da decoração ainda in loco , como pintura ornamental a fresco e mobiliário monumental sobre o qual se dispunha um ciclo pictórico de autor que identifica:

«Agora desadornada e nua, [a sacristia] mal poderá recordar o que seria em outros tempos, quando ataviada com pintura a fresco, que cobria a metade superior das paredes; e em baixo, sobre os arcões, a longa série circundante de quadros do pincel de Simão Rodrigues.

Os frescos ainda em partes mal se percebem, deteriorados e gastos, o resto está escondido sob camadas de cal. Respeito aos quadros alguns se pode ver ainda na sala capitular da Sé Nova» 176 .

Estas informações, apesar de longe de completas ou pormenorizadas, configuram particulares importantes que devem ser lidos em consonância com os elementos sobreviventes, os documentos gráficos e os testemunhos escritos. No fundo documental de António Augusto Gonçalves, coligido por António Madahil e à guarda da Biblioteca Municipal de Coimbra, existem duas plantas da Sé e sacristia prévias à demolição, levantadas com precisão (à escala de 1/100 e 1/200). Essas duas plantas, que aqui se divulgam, somam-se ao já conhecido levantamento planimétrico da Sé Velha de Guilherme Elsden, datado de 1772 e conservado no Museu Nacional Machado de Castro (n.º inv.º DA118).

176 BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. Sé Velha: capítulos já esboçados: Sacristia , fls. 1-2.

276

109| Sé de Coimbra, planta 110 e 111| Sé de Coimbra, plantas à escala original de (Guilherme Elsden, 1772). 1/200 e 1/100. MNMC DA118 © BMC, Fundo António Angusto Gonçalves © IMC / MNMC

112| Sé de Coimbra, planta 113 e 114| Sé de Coimbra, plantas do mesmo edifício, ainda com representação dos levantadas pela DGEMN entre 1957 e 1962, onde se acessos originais à sacristia. representa o espaço da sacristia após a demolição. © SIPA DES.00008124 © SIPA DES.00042097 e DES.00132717

277 Os três documentos gráficos constituem os únicos testemunhos visuais da sacristia na sua condição original. Uma outra planta conservada no arquivo da ex-DGEMN representa ainda os corredores de acesso da sacristia à capela-mor e ao transepto, mas obliterando a sala no tardoz da cabeceira. Duas outras, à guarda da mesma instituição e realizadas entre 1957 e 1962, apresentam o espaço da sacristia após a amputação, ou seja, um dos topos com as suas capelas, correspondendo a pouco mais de 1/7 do espaço original como já ficou dito.

A comparação entre o antes e o depois é bastante reveladora. A observação das plantas permite, desde logo, medir o alcance da intervenção de «restauro» e a extensão da área do corte que roubou à sacristia a sua integridade e condição monumental. À excepção da planta setecentista, as restantes constituem levantamentos fidedignos, úteis para o estudo de aspectos de pormenor e dimensões. De resto, as plantas confirmam os testemunhos escritos e esclarecem algumas dúvidas que surgem na leitura das fontes, sobretudo relacionadas com a reconstituição dos alçados. Neste particular, só o estudo in loco da parte remanescente permitiu, então, chegar a conclusões mais seguras quanto à espacialidade e arquitectura da sacristia mandada construir por D. Afonso de Castelo Branco.

Além dos apontamentos de António Augusto Gonçalves e dos levantamentos planimétricos, as principais fontes para a sua reconstituição são uma descrição do primeiro quartel século XVIII contida num manuscrito anónimo intitulado Historia eclesiástica de Coimbra 177 à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, e as apreciações dos estrangeiros Athanasius Raczynski (1788-1874), Albrecht Haupt (1852-1932) e Walter Crum Watson (1870-1934), que puderam visitar a sacristia antes da sua demolição.

O conde Raczynski, no período em que residiu em Portugal como

177 BNP, Cod. 151, 5v-6. A descrição foi publicada em Vasconcelos 1992 (1930), I 468-69.

278 diplomata prussiano (1843-1846), dedicou-se ao estudo crítico da arte portuguesa, materializado nas duas obras Les arts en Portugal (1846) e Dictionnaire historico-artistique du Portugal (1847). Por sua vez, o alemão Haupt e o escocês Watson eram ambos arquitectos, que viajaram por Portugal no final do século XIX e dedicaram estudos à arquitectura portuguesa, publicados sob os títulos Baukunst der Renaissance in Portugal (1890) e (1908).

Os juízos críticos destes autores são dos mais significativos, pois as suas obras constituem, ainda hoje, marcos da historiografia da arte portuguesa, com análises eruditas e criticamente independentes, beneficiando do distanciamento da tradição historiográfica nacional e da utilização de uma metodologia científica de observação, classificação e sistematização ainda não generalizada em Portugal na época. Além disso, a fortuna crítica desta sacristia fino-quinhentista resume-se quase apenas a estes estudos, dado que desde o final da década de 1920 a sua leitura integral ficou comprometida pela amputação do espaço, não suscitando grande interesse. Posteriormente, a sacristia é apenas brevemente mencionada em alguns estudos pontuais sobre a Sé ou sobre o bispo D. Afonso de Castelo Branco, destacando-se os trabalhos de António de Vasconcelos, António Filipe Pimentel, José Pedro Paiva e Maria de Lurdes Craveiro, bem como o Inventário Artístico da Academia Nacional de Belas Artes e o Boletim da DGEMN n.º 109 que a ela aludem 178 .

Raczynski, Haupt e Watson foram, desta forma, os únicos autores a visitá- la na sua condição original e a dedicarem-lhe justa atenção. As suas referências à sacristia revestem-se, assim, do maior interesse. Em particular as de Haupt e Watson, pelos critérios de qualidade artística que os levavam a salientar as obras de arquitectura de que falam, como pelas descrições mais ou menos detalhadas que, neste caso em particular, constituem fontes inestimáveis para a

178 Vasconcelos 1992 (1930), I 190-194, 221; Pimentel 1982, 59-60; Paiva 2005, 228-9; Craveiro 2011b; Correia e Gonçalves 1947; Freitas 1962.

279 reconstituição de espaços, posteriormente adulterados ou desaparecidos, como o que aqui se pretende estudar.

Ao visitar a Sé de Coimbra, nenhum deles deixou de reparar na sacristia e de se surpreender, prestando particular atenção aos aspectos clássicos da sua arquitectura e sabendo, de uma forma ou de outra, contextualizá-la. Na breve apreciação registada por Raczynski, em Les Arts en Portugal (1846-69), o diplomata salienta o valor artístico da abóbada da sacristia e data-a do século XVI, a partir unicamente do seu juízo estético. Curiosamente, para o efeito, recorre à cronologia, não da história da arquitectura, mas à da pintura italiana: «De quelle époque est le toit de la sacristie? Je ne le sais pas au juste; mais je suis porté à croire qu’elle date du temps qui sépare Raphael des Carrache; il est du meilleure goût »179 .

Como se escrevia em 1857 numa crónica de O Instituto dedicada aos Monumentos de Coimbra, «é acertada a conjectura do ilustre escritor prussiano; porque o Bispo D. Afonso de Castelo Branco nasceu muito depois da morte de Rafael, e ainda sobreviveu, seis anos, o Bispo D. Afonso de Castelo Branco a 12 de Maio de 1615, ao último dos Carrache, falecido em 1609» 180 . Por seu turno, Haupt e Watson identificaram a sacristia, e bem, como obra de D. Afonso, o que aliás não apresentava dificuldade, dado ser isso evidenciado pela existência de brasões e inscrições relativas ao bispo-conde.

Apresentadas as fontes para o estudo a que me proponho sobre esta sacristia, é chegado o momento da sua reconstituição e análise arquitectónica, onde procurarei uma aproximação rigorosa, tanto quanto possível, à feição original do espaço.

179 Raczynski 1846-69, 469. 180 Gusmão 1857.

280

115| Sé de Coimbra, aspecto da 116| Sé de Coimbra, abside após a cabeceira antes da demolição da demolição da sacristia e os vestígios sacristia, vendo-se o cunhal desta à do antigo acesso desta à capela-mor. esquerda (anterior a 1918). © SIPA FOTO.00095686 © SIPA FOTO.00095919

117| Sé de Coimbra, durante o 118| Sé de Coimbra, aspecto da restauro do exterior da abside. cabeceira após a demolição da © SIPA FOTO.00095690 sacristia e restauro dos panos murários das capelas absidiais. © SIPA FOTO.00095792

281 Erguida transversalmente no tardoz da cabeceira da Sé, que tapava quase na totalidade, a sacristia estabelecia ligação com o interior da igreja a partir de dois pontos de acesso, situados em cada uma das extremidades do alçado poente da sala. Pelas razões já apresentadas, um deles já não existe e era o que dava ligação directa à capela-mor, através de escadas (que regulavam o desnível entre os dois corpos edificados) e de um pequeno espaço que aproveitava o vazio deixado entre a parede estrutural da sacristia e o absidíolo do lado do Evangelho. Algumas fotografias ilustram esta área, testemunhando as diferentes fases do paramento murário exterior antes e após a amputação da sacristia. A primeira imagem mostra ainda o cunhal da sacristia e sua relação com a abside. Nas restantes imagens, pode observar-se a «ferida» deixada pelas obras de demolição, a fase de reconstituição do muro da abside e o aspecto final após as intervenções, com a parede da sacristia recuada.

O outro ponto de acesso fazia a ligação da sacristia com o transepto do lado da Epístola. A porta alta e esguia, de desenho elegante que hoje ainda podemos admirar, é rematada por um lintel, suportado por mísulas estriadas, sobre o qual se exibe o brasão do bispo D. Afonso, inscrito numa cartela rollwerk e ladeado por volutas. A porta abre para um corredor, em abóbada de canhão e decorado nas paredes por azulejos enxaquetados azuis e brancos, ao fundo do qual se entrava nesta «casa grande toda de abóbada de pedra»181 .

É preciso imaginar o impacte que deveria provocar o jogo de escalas a quem percorria o espaço limitado do «túnel» curvo, contornando a capela do Santíssimo Sacramento, e desembocava na sala amplíssima da sacristia. A sala apresentava uma área considerável, medindo aproximadamente 15m x 9m x 15m. Na análise dos documentos gráficos anteriores à demolição evidencia-se a organização do espaço a eixo, favorecida pela planta rectangular, e a disposição simétrica dos vãos no nível do piso térreo: dois vãos nas extremidades dos

181 BNP, COD. 151, fl. 5v.

282 alçados laterais e três nos dos topos, todos com uma largura equivalente a 1,7m. Como se referiu, na parede contígua à cabeceira da igreja os vãos eram de circulação, enquanto os opostos davam acesso a espaços com uma profundidade de cerca de 1,7m, provavelmente destinados a funções de arrumo. Por sua vez, os topos organizam-se de forma tripartida com a abertura de três nichos.

119| Portal coríntio, gravura do tratado de 120| Sé de Coimbra, portal de arquitectura de Serlio acesso à sacristia localizada no © Serlio 1996 (1547), transepto do lado da Epístola. Lv. IV 347. © Foto da autora

121| Sé de Coimbra, proposta de reconstituição da planta original da sacristia e da sua relação com a cabeceira, com base nas plantas identificadas na BMC. © Desenho da autora

283 Ao nível dos alçados, a sacristia foi dividida em dois níveis, sobrepondo as ordens clássicas. O primeiro nível, delimitado por um entablamento jónico, foi estruturado por pilastras dóricas, mas importando no capitel o equino de óvulos e setas do jónico. As pilastras apresentam valor estrutural sobretudo na composição dos alçados dos topos, no sentido em que organizam o espaço marcando a delimitação dos vãos arquitravados. Dado que as pilastras não têm duplicação no segundo registo, a ordem coríntia é acusada pelo emolduramento dos vãos e cimalha real da sacristia.

Os topos mereceram especial cuidado na composição e desenho, com a disposição dos três vãos à mesma altura, assemelhando-se a um pórtico. Pelo que se pode observar nas plantas e no alçado conservado, os nichos centrais eram distintos em termos decorativos e funcionais, acolhendo o lavabo (alçado sul) e o altar (alçado norte). Enquanto nos laterais o tecto é de caixotões, a cobertura da capela do lavabo recebeu tratamento escultórico – um baixo-relevo representando em perspectiva um óculo abalaustrado, de onde emergem dois anjos ostentando a mitra e o báculo episcopais, circundado de ferroneries e motivos vegetalistas.

Este baixo-relevo deverá datar sensivelmente do final da década de 1650, altura em que se aumentou na profundidade a capela do lavabo e alguns dos restantes nichos 182 . Este trabalho de aprofundamento dos vãos integrou a primeira fase de uma campanha de obras decorrida entre 1657 e 1659, e que visou dotar a sacristia de mobiliário adequado às necessidades da época. Uma nota documental contida no «Livro das visitas dos ornamentos, e desta Sé de Coimbra» regista resumidamente as obras:

«Em 9 de Abril de 1657 se começou a abrir as obras da sacristia que são

182 A observação das plantas da BMC permite destrinçar quais os nichos que terão sido alvo de aprofundamento, tomando como profundidade original a dimensão dos nichos do topo norte. Assim, foram aumentados o nicho do lavabo, um dos nichos laterais do topo sul e os dois do alçado nascente que passaram dos 0,75m de profundidade original para 1,45m, 1,7m e 2,10m (este mais profundo para acolher o lavabo).

284 os 3 vãos para cálices, e missais, e para o lavatório e os das ilhargas o qual lavatório estava aonde estão as grades novas , que custaram cento e vinte e tantos mil reis; neste tempo esteve a sacristia no cemitério da claustra, e a 8 de Setembro do dito ano estavam fechados os vãos da pedraria e se começou outra vez a servir dela; […] estes 3 vãos se abriram ao picão ; obra muito desejada; arrepelada, e ultimamente aplaudida […]». 183

É interessante notar que a obra, embora tida como necessária, foi contestada na época. Em todo o caso, não adulterou a integridade original da

123| Sé de Coimbra, pormenor do entablamento e pilastras do primeiro nível da sacristia. © Foto da autora

122| Sé de Coimbra, primeiro nível do alçado sul da sacristia. © Foto da autora 124| Sé de Coimbra, baixo-relevo da capela « do lavabo.

© Foto da autora

183 AUC, Capítulos de Visita da Cidade de Coimbra, Livro das visitações da Sé (1643-1744), Livro 7, fl. 128 (inédito).

285 sacristia, constituindo a alteração mais sensível (por poder resultar em danos irreparáveis) a remoção do lavabo e posterior recolocação na parede nova com um gradeamento em frente, pelo que me é dado entender da leitura do documento.

Sobre as capelas centrais, no entablamento, dispunham-se duas mísulas com carrancas lançadas a partir de um prolongamento em voluta dos capitéis, o que introduz um desvio ao cânone 184 . Esta interpretação livre da ordem arquitectónica constitui um recurso artificioso e intrigante, sem deixar de respeitar o sistema clássico de suportes que aponta para a existência de um vão no nível superior, muito possivelmente um dos quatro nichos onde se expunham grandes esculturas de vulto representando os quatro Doutores da Igreja.

O segundo registo é rematado pelo entablamento principal, canónico com três faixas e cornija denticulada, como propõe Serlio para as ordens jónica e coríntia. Como referi, não existem duplas pilastras estruturando o nível superior, no prolongamento das capelas, ao contrário do se poderia depreender de uma

126| Sé de Coimbra, pormenor da cimalha real da sacristia. © Foto da autora

» 125| Sé de Coimbra, cimalha real e abóbada da sacristia. © Foto da autora

184 As mísulas do topo norte, que estariam sobre a capela central, foram conservadas aquando da reconstituição do entablamento desse alçado.

286 leitura à letra do texto de Haupt e Watson, que escrevem: «Nos lados mais estreitos, a parede é decorada com pilastras dóricas com azulejos nos interstícios», «The two ends are divided into three tiled panels by Doric columns» 185 . Estas observações referiam-se exclusivamente ao primeiro nível dos alçados de topo, dado que as pilastras não têm prolongamento ou repetição no segundo registo.

Os alçados do segundo nível eram, por isso, lisos, com excepção de quatro vãos ainda existentes onde tem expressão a ordem coríntia. Devedores dos modelos decorativos do Alto Renascimento coimbrão, os quatro emolduramentos ostentam pilastras com pendurados ao longo dos fustes e mascarões nas mísulas, e são rematados por entablamento desenhado correctamente e esculpido no friso. Todas as composições decorativas são distintas entre si. Um dos emolduramentos é particularmente interessante, ao incluir no repertório ornamental os símbolos da Paixão, concebendo pendurados com os elementos do martírio de Cristo (cruz, escada, cravos, martelo,…). Trata- se de uma manifestação muito interessante da cristianização do vocabulário clássico, que tem relação muito significativa com as correntes de pensamento

12 7 e 12 8| Sé de Coimbra, emolduramentos coríntios da sacristia e brasão de armas do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco. © Fotos da autora

185 Haupt 1985, 206; Watson 1908, 251.

287 pós-tridentinas sobre a arquitectura e decoração dos espaços dedicados ao culto.

Dois dos emolduramentos encontram-se, actualmente, voltados para o exterior, enquadrando as janelas. Para quem observa a fachada exterior da sacristia, o segundo nível de janelas tem a posição invertida com a parte decorada voltada para fora. Essa disposição foi estabelecida aquando do restauro do início do século XX, para nobilitar o arranjo exterior da cabeceira 186 .

Segundo as descrições, a sacristia apresentava oito vãos no segundo registo – quatro nichos e quatro janelas de capialço. Restando apenas quatro vãos decorados, subsiste a dúvida se seriam todos da mesma feição ou se os vãos nobilitados se limitavam às janelas ou aos nichos. Na última hipótese, inclino-me para a decoração dos nichos, uma vez que, de acordo com a lógica do espaço, se distribuíam pelos quatro alçados. Nesta linha de dedução, suponho que, ficando os nichos sem função após as obras, os seus emolduramentos terão sido aproveitados para decorar as janelas. De outra forma, a obliteração dos restantes emolduramentos seria puramente arbitrária e ilógica, considerando que a intervenção procurou aproveitar muitos dos elementos arquitectónicos do espaço, como, por exemplo, os entablamentos do topo norte que foram reintegrado no novo alçado não interrompendo a sua continuidade.

Na proposta de reconstituição dos alçados da sacristia, que se apresenta nas figuras 129 a 132, segui então a opção de limitar os emolduramentos decorados aos nichos, abdicando da uniformização inicialmente ponderada para todos os vãos, e de representar as janelas em capialço, com a forma despojada comum da época. Relativamente à distribuição dos vãos no interior, a disposição actual é errónea e constitui um arranjo das obras do início do século XX, após a redução do espaço. Com efeito, só a partir das fontes se pode saber da existência

186 As duas janelas do registo inferior, de emolduramento básico, são adventícias, como vimos, tratando-se de uma obra da DGEMN. Os dois emolduramentos originais voltados para o interior apresentam vestígios de policromia.

288 dos nichos para exposição de imaginária. Materialmente subsistem apenas as mísulas centrais no primeiro entablamento do topo que denunciam a sua existência. O manuscrito anónimo do século XVIII relata a este propósito: «[a sacristia] tem no meio das quatro paredes que a formam metidas em nichos as Imagens dos quatro Doutores da Igreja feitas de pedra e muito avultadas» 187 .

A referência à sua distribuição ao centro do segundo registo dos alçados confirma, assim, a dedução de que a eixo das capelas centrais dos topos, sobre as mísulas do entablamento, arrancava um nicho assente sobre pedestais, como exigia o cânone clássico. A construção destes dispositivos, mais estreitos que as capelas, era suportada pelo prolongamento dos capitéis das pilastras do primeiro nível. Já nos alçados laterais, lisos e sem ordenação por pilastras, os nichos ocupavam o centro do pano de parede, necessariamente assentando sobre mísulas sem relação com o entablamento intermédio, tal como as janelas.

No que se refere aos vãos de iluminação, a descrição mais pormenorizada e verosímil é de novo a do século XVIII, que diz ter a sacristia «na parede da parte do Norte três janelas ou frestas com vidraças, duas nas ilhargas, e uma em cima, e estas são as que lhe comunicam Luz por ser mui pouca a que lhe vem de outras duas janelas que tem na parede da parte do Nascente» 188 . A interpretação deste texto permite perceber que, no tímpano do topo norte, se rasgava uma luneta, hoje desaparecida, mas observada por Watson e descrita como «large semicircular window at the north end» 189 . No alçado norte, além da luneta, abriam-se duas janelas «nas ilhargas», ou seja, ladeando o nicho central e dispostas no alinhamento superior das capelas laterais do primeiro nível. No alçado oriental, situavam-se outras duas que flanqueavam o nicho, da mesma forma que as anteriores. A espacialidade era modelada, sobretudo, pela luz

187 BNP, COD. 151, 5v. Já a descrição de Albrecht Haupt se revela errónea ao afirmar ser o segundo nível dos topos decorado com «quatro nichos com estátuas de religiosos ladeando uma janela» (Haupt 1985, 206), situação impossível dada a distribuição dos vãos de iluminação como de seguida se explicará. Quanto às esculturas, não me foi possível localizá-las. 188 BNP, COD. 151, 6. 189 Watson 1908, 251.

289

129| Corte transversal – alçado sul da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição. © Desenho da autora

130| Corte transversal – alçado norte da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição. © Desenho da autora

290 131| Corte longitudinal – alçado poente da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição. © Desenho da autora

132| Corte longitudinal – alçado nascente da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição. © Desenho da autora

291 proveniente do topo norte – exposição pouco favorável e não recomendada na época, que devia tornar a sacristia fria e húmida. Mas, de facto, a contiguidade das paredes sul e poente com o claustro e a cabeceira da Sé não permitiam outra opção.

De todo o espaço, a abóbada foi o elemento mais valorizado por aqueles que admiraram a sacristia na sua condição original. Raczynski considerou-a «do melhor gosto» e Haupt «magnífica». Na Noticia histórica e descritiva da Sé Velha de Coimbra de Augusto Simões Castro, a abóbada é também, juntamente com o lavabo, um dos principais elementos destacados: «[a sacristia é] casa de boa fábrica, espaçosa, com abóbada de pedra lindamente lavrada, e uma vistosa fonte de mármores» 190 .

As descrições de Haupt e Watson são, neste aspecto, exactas. Ambos os textos confirmam que a abóbada era de caixotões, lançada por um entablamento com friso ornamentado por carrancas, descarregando em oito mísulas nos alçados laterais. Na actualidade, a visita ao que resta não nos permite ter imediatamente a noção da altura da sala e do lançamento da cobertura, uma vez que o tramo preservado foi divido em dois pisos. Mas, se subirmos a escada de acesso ao insuspeito andar superior, a surpresa não poderá ser maior: ali se mantêm intocados o segundo registo do alçado e o segmento da abóbada que confirma as apreciações dos dois estrangeiros.

Haupt, com o seu olhar atento e perspicaz, compara-a à abóbada da abside da igreja de São Domingos, na Rua da Sofia. De facto, o confronto entre a abóbada da sacristia da Sé e as coberturas das capelas do Tesoureiro e de Jesus da igreja dominicana 191 é justificado: caixotões quadrangulares e arcos torais

190 Castro 1881, 29-30. 191 A capela de Nossa Senhora da Assunção, dita do Tesoureiro, foi patrocinada pelo tesoureiro da Sé de Coimbra, Francisco Monteiro para seu jazigo e de seus familiares (contrato de 1558); a capela de Jesus foi encomenda do desembargador António Lourenço e, por sua vez, a capela-mor foi dotada pelo duque de Aveiro como panteão familiar (1567). A primeira e a última encontram- se documentalmente atribuídas a João de Ruão e a Isidro de Almeida, respectivamente, embora a partilha da decoração idêntica faça ponderar uma intervenção de Ruão ou a cópia do seu

292 apresentam decoração semelhante na utilização esculpida e padronizada do vocabulário ítalo-flamengo: cartelas rollwerk , ferroneries , tabelas, molduras, florões e carrancas. Esteticamente pouco separa as capelas da década de 1560 e a sacristia de 1590, no que à cobertura se refere e mesmo ao entablamento que a suporta: observando-se o mesmo friso pontuado por duplas carrancas misuladas no alinhamento dos arcos torais e a cornija denticulada.

A decoração executada pelos canteiros da sacristia é, no entanto, mais fina e sóbria do que a das capelas dominicanas, havendo ainda, em Coimbra, um outro exemplo do qual se aproxima no léxico ornamental aplicado. Trata-se da cobertura abobadada do sub-coro da igreja do colégio do Carmo, concluída em 1597, cujo risco e direcção das obras têm sido atribuídos ao mestre Jerónimo Francisco 192 . Neste espaço, que acolhe a entrada da igreja e suporta o coro-alto, a abóbada abatida de caixotões é lançada por pilastras nos cantos e por mísulas. Estas mísulas repetem o desenho dos capitéis sintéticos, com equino de óvulos e setas, das pilastras. Refira-se que os suportes apilastrados usados nesta área, como de resto na igreja do Carmo, são também muito semelhantes aos aplicados no primeiro registo dos alçados da sacristia da Sé.

No risco da abóbada da sacristia prevaleceram, por isso, os modelos locais, mas é também possível reconhecer a influência e adaptação de uma gravura do tratado de Serlio, sobretudo no vocabulário aplicado nos arcos torais. Além dos princípios de salubridade que a amplitude em altura da abóbada permitia, o partido decorativo dos caixotões enobrecia a sala, recorrendo-se a um modelo celebrizado em São Domingos por João de Ruão, escultor e arquitecto em cujo génio radica boa parte da génese do Renascimento coimbrão.

modelo. Borges 1980; Gonçalves 1984. O contrato de 7/11/1567 dispõe explicitamente: «E o Prior e Padres do dito Mosteiro e convento serão obrigados a mandar acabar a dita capela mor com sua abóbada de pedraria muito bem lavrada conforme traça que Isidro de Almeida fez por mandado de Sua Senhoria» (Artistas de Coimbra 1923, 305-310). Embora a capela-mor tenha desaparecido, a capela do Tesoureiro encontra-se hoje no MNMC e a capela de Jesus mantém-se in situ , transformada em café do centro comercial instalado na antiga igreja. 192 Craveiro 2002; Branco 2008.

293 133| Sé de Coimbra, abóbada de caixotões da sacristia. © Foto da autora

134| Capela do Tesoureiro, proveniente da 135| Igreja do colégio do Carmo, igreja do mosteiro de São Domingos de abóbada do sub-coro. Coimbra e actualmente no Museu Nacional © SIPA FOTO.00039422 Machado de Castro. © IGESPAR

137| Modelo decorativo de Serlio para 136| Igreja do mosteiro de São Domingos, o tecto de madeira de uma biblioteca abóbada da capela de Jesus (in loco ). de um palácio em Veneza. © Foto da autora © Serlio 1996 (1547), Lv. IV 382

294 Modelo este depois perpetuado no interior das igrejas da região envolvente, em que mais directamente se fez sentir a influência recebida da cidade.

A sacristia da Sé de Coimbra foi, assim, pensada como um salão amplo e monumental, arejado e funcional. Organizada a eixo, os topos foram destacados pela abertura de capelas-nicho onde se distribuíram as peças funcionais – altar, lavabo e armários. A concepção do espaço deu, pois, resposta a requisitos impostos pelo encomendante, quanto à funcionalidade, e o resultado foi alcançado a partir dos recursos clássicos da arquitectura.

295 » Tipologia, modelo e sentido programático

Sem arquétipos veiculados pela tratadística de arquitectura em que se inspirar, a tipologia da sacristia foi-se desenvolvendo a partir da experimentação de modelos e das orientações dos encomendantes. Em Portugal, o espaço da Sé de Coimbra constitui um caso muito particular da conciliação das necessidades funcionais que vinham sendo atribuídos ao espaço pela Igreja e a resposta dada pela arquitectura. Ao nível da concepção e escala do espaço, não existiam sequer modelos precedentes na cidade. De uma maneira geral, as igrejas coimbrãs (fossem de colégios, conventos ou paróquias) contemplaram salas de dimensões reduzidas ou de concepção projectual e decorativa básica. E mesmo nas fábricas eclesiais coevas não representaram empreendimentos de relevo artístico de particular nota.

De entre os colégios e mosteiros (re)fundados ou em obras a decorrer na cronologia correspondente ao bispado de D. Afonso de Castelo Branco, apenas o colégio jesuíta recebeu uma sacristia de dimensões amplas, mas de configuração distinta e modesta. Nos restantes, mencionados a propósito do patrocínio do bispo-conde – mosteiro de São Francisco, colégio dos Carmelitas Descalços, convento de Celas –, a sacristia não assumiu expressão significativa ou destaque particular. Nem mesmo no convento de Santa Ana, onde ele tanto se empenhou, constituindo uma pequena sala anexa à igreja, facto que se relaciona com a funcionalidade muito restrita das sacristias nas casas religiosas femininas.

Neste contexto, são excepção os colégios da Graça e do Carmo, na Rua da Sofia, ambos com plantas onde a sacristia representa um espaço expressivo, localizado junto da cabeceira das respectivas igrejas (do lado do Evangelho e com acesso aos claustros), nobilitado pela cobertura abobadada de berço. A sacristia da Graça, do risco de Diogo de Castilho (1548-55) e executada pelos pedreiros Pero Luís e Jerónimo Afonso, é um espaço semelhante ao do capítulo, ambos

296 planeados como salas rectangulares e dotados de abóbada de berço ritmada pelos cinco arcos torais assentes sobre mísulas na cimalha. Ligadas por uma porta e com acesso ao claustro, a sacristia e a sala do capítulo do colégio da Graça pertencem à mesma campanha construtiva patrocinada pelo duque de Bragança, D. João I, que decorreu entre os anos de 1544 e 1547 193 . Os arcos situados ao centro dos alçados laterais, destinados a um altar e outro abrindo para a pequena capela do lavabo, são obra do final de Seiscentos, tal como a janela semicircular do topo e o revestimento azulejar, que procuraram adequar este interior quinhentista aos usos sancionados décadas depois para o espaço.

Quanto à sacristia do colégio do Carmo, resulta do projecto atribuído ao mestre Jerónimo Francisco, datando do último terço do século XVI. Apesar de o colégio ter sido fundado na década de 1540, foi naquele período que se construiu a igreja e se concluiu o claustro, sob o patrocínio de Frei Amador Arrais. O bispo de Portalegre destinou ainda a capela-mor para seu túmulo, dotando-a de um retábulo elaborado pelos ensambladores Domingos e Gaspar Coelho com pinturas de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão. Com ligação directa à capela-mor e ao claustro, a sacristia do Carmo apresenta planimetria rectangular simples e cobertura de abóbada de caixotões, sem uma organização funcional interna definida e sem outros elementos integrados além de um lavabo em cantaria aposto no alçado com as armas do bispo patrocinador, entre os toalheiros ante e post -missam .

Os protótipos colegiais não concretizam, todavia, modelos especificamente adequados à função da sacristia, tanto que os espaços não se distinguem formalmente de outras divisões dos mesmos edifícios, como as salas do capítulo da Graça e a dos actos solenes do Carmo. Os arquétipos devem, por essa razão, ser procurados nas instruções para este tipo de espaço e em outras

193 «El s or Diogo del Castillo dio a estos oficiales [Pero Luís e Jerónimo Afonso] las cimallas de nuestro cabido y sacristía por el precio que las tiñan y esto manda fazer porque el s. or duque de Bragança se las mando fazer a su costa». Arquivo Distrital de Braga, Ms. 1019, fl. 64. Documento revelado por Maria de Lurdes Craveiro (2002, 68-70), que estudou a construção.

297

138| Colégio do Carmo de Coimbra, sacristia (atrib. Jerónimo Francisco, c. 1570-90). © Foto da autora realizações nacionais. E esse inquérito só pode ser efectuado a partir do entendimento dos programas simbólicos e funcionais já definitivamente estabelecidos, como sucede na sacristia nova da Sé de Coimbra.

O projecto obedeceu a um sentido programático unitário, segundo o qual foram pensadas as diversas funções – de representação, preparação espiritual e física dos celebrantes, arrumo de paramentos e alfaias, localização e circulação – e organizadas de forma operacional. Cada uma das peças intrínsecas à identidade simbólica e funcional da sala recebeu o seu lugar previamente estipulado no plano geral. Altar, lavabo, arcazes, armários, pintura e estatuária integraram, assim, unidades próprias particulares, actuando simultaneamente de forma independente e em conjunto com as restantes.

Ao centro do alçado norte, situava-se o altar, elemento principal de sagração do espaço. Este topo constituía, por isso, a área tutelar de contemplação e veneração, servindo não só o acto de interiorização dos

298 celebrantes antes da liturgia, como para celebração de missas privadas 194 . Em correspondência com o altar, na banda oposta, foi colocado o lavabo, destinado à ablução das mãos, um dos gestos rituais que antecediam e finalizavam a celebração No meio do lavabo, estão gravadas as palavras DA DOMINE VIRTVTEM

MANIBVS MEIS . «Dai, Senhor, força às minhas mãos» é o início da prece proferida aquando da purificação das mãos, realizada antes da paramentação, de acordo com o Missal Romano de Pio V. Também no friso do entablamento, que se situava originalmente sobre a capela do altar, se gravou HOC FACITE IN MEAM

COMMEMORATIONEM : «Este é o meu corpo; fazei isto em memória de mim» – uma citação das palavras de Cristo, registadas em Lucas (22:19) e Paulo (1 Cor 11, 24), alusivas à Última Ceia.

Este tipo de registo mnemónico teve também aplicação na sacristia da Sé de Leiria, construída no bispado de D. Pedro de Castilho (1583-1604), sendo assim pouco anterior ou mesmo contemporânea à obra da catedral coimbrã (figs. 66 a 69). Apresentando planta rectangular, proporções mais modestas e cobertura de abobada de cruzaria de nervuras, a sacristia de Leiria organiza-se igualmente a eixo, com o altar e o lavabo inseridos nas capelas que dominam cada um dos topos. Como já tive oportunidade de esclarecer no capítulo sobre este espaço, o desenho destas capelas segue um formulário clássico erudito, distinto do risco da própria sacristia. Sobre os arcos, foram colocadas tabelas que emolduram os registos epigráficos com citação dos livros bíblicos. No exercício da memória e da representação, os sacerdotes investiam-se do sagrado, pelo que a inscrição destas frases decorre do esforço reformador quanto à liturgia católica, e em particular ao dogma da Eucaristia.

194 Conforme se pode aferir de uma nota documental referente à sacristia que nos diz ter «dentro uma Capela em que se diz Missa». BNP, COD. 151, 5v-6. No século XVIII, duas descrições indicam ser o altar dedicado a Nossa Senhora da Piedade, representada em pintura. Não me foi possível apurar de que obra pictórica se travava e a data em que ali foi exposta. É possível que, inicialmente, a capela tivesse apenas um crucifixo, que se sabe ter existido na sacristia em 1607 a partir de uma nota documental: «Cortina # deu a Lucas Domingues por concertar a cortina do crucifixo da sacristia dois tostões – 200 rs.». AUC, LRDOS, Lv. 108, fl. 46.

299 Na sacristia da Sé de Coimbra, ao longo das paredes laterais dispunham- se os arcazes, reservados não só à guarda dos ornamentos estendidos nos seus gavetões como ao próprio acto da paramentação, realizada sobre os tampos dos móveis. O sentido devocional do espaço era complementado pelo conjunto pictórico da autoria de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão exposto sobre estes paramenteiros. Dedicado à Vida de Cristo , o conjunto desenvolvia-se em dois ciclos, muito provavelmente dispostos sobre dois arcazes, que narravam dez episódios do Nascimento e Infância e da Paixão (1. Anunciação, Adoração dos Pastores, Adoração dos Reis Magos, Repouso na Fuga para o Egipto, Apresentação no Templo; 2. Beijo de Judas, Cristo no Horto, Flagelação, Coroação de espinhos, Cristo a caminho do Calvário) (figs. 144 a 153).

O género pictórico narrativo desenvolvido no alçado superior dos móveis paramenteiros conheceu um dos primeiros exemplares nesta sacristia, no qual se filiam os ciclos dos Jerónimos, Alcobaça e de São Roque, também do período filipino. Dispositivo imagético-didáctico relativamente comum nas sacristias portuguesas até ao século XVIII, com ele se privilegiava a iconografia ligada à Vida de Cristo e da Virgem ou a hagiografia das respectivas congregações religiosas para exposição sobre os arcazes.

Sendo o local estipulado para a preparação dos celebrantes, nas sacristias conventuais a imagem exposta exaltava sobretudo a representação dos santos das respectivas ordens. Assim, na sacristia hieronimita o ciclo dos arcazes narra os passos da Vida de São Jerónimo (Simão Rodrigues e colaboradores, princípios do século XVII), na cisterciense reproduzem-se os da Vida de São Bernardo e outros santos e santas da Ordem (Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, 1620) e na jesuíta conta-se a Lenda de São Francisco Xavier (André Reinoso, 1619).

No caso de Coimbra, a iconografia cristológica servia melhor os propósitos da sacristia da catedral, onde além da pintura narrativa, se expunha

300 um crucifixo possivelmente no altar e imagens escultóricas dos quatro Doutores da Igreja nos nichos abertos nos alçados superiores, assegurando a inspiração dogmática da doutrina cristã. Toda a iconografia, intencionalmente adequada, posicionada e comunicante, concorria para consagração da sacristia como espaço de preparação e encerramento da celebração litúrgica, onde os prelados se deviam preparar física e espiritualmente para investirem o importante papel de representantes de Cristo aos olhos dos fiéis.

Além das preocupações com a liturgia tridentina, terão sido determinantes directivas mais pragmáticas que derivam, em particular, das instruções de Carlo Borromeo. Como se viu atrás, o texto do arcebispo milanês considera todos os elementos que deveriam servir a sacristia, em particular os quais uma pequena capela, o lavabo e o mobiliário. A capela deveria estar provida de um altar com uma imagem pia, onde o sacerdote que se preparava para celebrar o sacrifício da missa se podia recolher em meditação e oração. Quanto ao lavabo, além de recomendar a sua construção com elegância, Borromeo adianta também alguns esclarecimentos acerca do seu depósito e abastecimento. A respeito do mobiliário, aconselha que haja «tantos armarios cuantos exija la cantidad del sacro ajuar» 195 .

Estes dispositivos foram considerados na sacristia da Sé de Coimbra e distribuídos segundo uma organização bastante funcional, em que a arrumação de cada elemento era definida por um lugar previamente estabelecido, permitindo que «la sacristía sea claramente libre y vacía tanto de toda cosa indecente como de todo impedimento» como preceituava Borromeo 196 . A sua distribuição não foi, contudo, resultado da leitura da Instructionum Fabricae , uma vez que o seu autor não determinou regras quando à lógica operacional do espaço.

195 Borromeo 1985 (1577), 81. 196 Borromeo 1985 (1577), 82.

301 As suas preocupações recaíram, sobretudo, sobre aspectos relacionados com a boa gestão do espaço, hoje talvez considerados triviais, mas que procuravam garantir a ordem e a dignidade da casa de Deus. A primeira dessas preocupações prendia-se com a salubridade e prevenção contra a humidade e deterioração dos ornamentos, aconselhando a cobertura abobadada ou ao menos artesoada, a iluminação e ventilação com duas ou mais janelas e a orientação do espaço a nascente e a sul sempre que possível. A este respeito, a sacristia da Sé de Coimbra só não cumpre o princípio da orientação, estando voltada a norte e a nascente, dado ser a única praticável pela sua localização no tardoz da cabeceira da igreja.

A localização adoptada era uma das opções tomadas para a tipologia. Nas suas considerações, apesar de não a definir com precisão, Borromeo determinou que fosse «adjunta a la capilla mayor (…) y sea amplia de acuerdo con la magnitud del oratorio», não devendo, contudo, obliterar a luz da capela-mor: «pero constrúyase de tal modo que con la construcción de aquélla no se quite la luz a la misma capilla mayor» 197 . No caso da Sé de Coimbra, o risco de interferir na iluminação natural da capela-mor era nulo, dado que as frestas primitivas se encontravam já tapadas pelo retábulo gótico. Se, de facto, a edificação no tardoz da cabeceira era a única situação possível, considerando as suas dimensões, em termos de circulação tornava-se vantajosa, com um acesso directo à capela-mor pela porta do lado do Evangelho. Não só o celebrante e os cónegos podiam entrar comodamente na capela, sem terem de atravessar o transepto, como a preparação do altar para as missas era facilitada.

O rigor do arcebispo milanês era tal, que incluía a indicação da entrada da sacristia, aconselhando que ficasse situada em linha recta com o «lugar público, ou seja, o centro da igreja», permitindo a realização das entradas e saídas solenes dos celebrantes em procissão, anunciando o mistério de acordo com o

197 Borromeo 1985 (1577), 83 e 77.

302 costume antigo. Assim sucedia na catedral mondeguina. Aquando das celebrações solenes, o clero optava por uma entrada majestosa, em procissão, saindo pela porta principal da sacristia e seguindo pelo transepto, nave da Epístola até ao quarto pilar, que contornava para entrar na nave principal e subir para a capela-mor 198 . Neste aspecto, a ideia de solenidade do percurso entre sacristia e capela-mor era perfeitamente cumprida, sancionando funcionalmente a liturgia restaurada.

A retro-sacristia foi uma solução pouco frequente em Portugal, conhecendo-se, além da da Sé de Coimbra, apenas os exemplos do colégio de Espírito Santo de Évora e do convento de Jesus em Lisboa para o período filipino. O primeiro resultou de uma campanha de obras de 1596-1599, que substituía a sacristia de 1575 provisoriamente funcionando no espaço da actual ante- sacristia, erguendo-se no espaço entre limite do extradorso da cabeceira e o noviciado e com ligação directa à capela-mor 199 . A sacristia de Jesus, por seu turno, foi certamente considerada no projecto primitivo de construção do convento da Ordem Terceira de São Francisco, com início em 1595, havendo aqui um corredor a separá-la da cabeceira da igreja, sendo a ligação entre ambas efectuada por duas galerias que ladeiam a capela-mor. Apesar de mexida com a queda da abóbada original em 1661, que desvirtuou seguramente a proporção da altura da sala (actualmente atarracada como já notava o autor da História dos Mosteiros 200 ), a orgânica planimétrica do espaço não se perdeu, com duas capelas rasgadas em cada topo, destinadas justamente ao altar e ao lavatório.

A localização, as plantas rectangulares e amplas, possibilitando a disposição dos móveis paramenteiros ao longo das paredes sem interferir na circulação, e as coberturas abobadadas, são características comuns às da sacristia de D. Afonso de Castelo Branco, concluída ao tempo em que as outras

198 Nas saídas solenes o percurso era o inverso. Vasconcelos (1992) 1930, 221. 199 Sobre esta sacristia veja-se o capítulo acima, pp. 42-44. 200 Andrade 1946, 55 n. 153. «[…] é de abóbada, e se tivera toda a altura que pede o seu comprimento e largura seria a casa adequada na proporção». História dos Mosteiros 1950, I 17.

303 foram projectadas. No que se refere à altimetria dos topos, com tripartição, esta também se verifica no espaço do convento de Jesus, com uma capela central destacada e ladeada por portas e vãos iluminantes, embora sem a organização modular estruturada pelas ordens arquitectónicas que se detecta em Coimbra.

O traçado dos alçados dos extremos traduz, pois, a nobilitação do eixo principal da sacristia unindo dois dos seus focos principais – o altar e o lavabo – visível igualmente no Convento de Cristo e na Sé de Leiria. Tratando-se de uma solução que se afirmou no âmbito da arquitectura portuguesa a partir do período filipino, ela encontra na sacristia da Sé de Coimbra, notoriamente, uma das suas primeiras e melhores concretizações. Permitindo a distribuição dos elementos utilitários e devocionais pelas capelas, este dispositivo parece reflectir a solução proposta para a sacristia do mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.

Como vimos, o plano definitivo de reconstrução deste mosteiro, realizado por Baltazar Álvares e aprovado em 1590 pelo rei, incluía já a sacristia, bem definida entre os claustros, tal como se viria a construir mais tarde (figs. 24 e 25). Tal como o projecto da sacristia vicentina, a sala da Sé de Coimbra apresenta os topos tripartidos, embora nesta as capelas mantivessem a mesma altura ao nível do primeiro registo, deixando livre o segundo nível para a distribuição dos vãos de iluminação e exposição de imaginária. Este sistema «porticado» era, certamente, mais consonante com o desenho de uma fachada que com o de um interior, o que nos faz questionar a sua matriz, já que se parece revelar como exemplo único.

Outra questão a considerar, na avaliação do sentido programático da sacristia, relaciona-se com a monumentalidade do próprio espaço, absolutamente invulgar na época e que só encontra paralelo no Convento de Cristo em Tomar 201 . Em termos de concepção e organização do espaço, como

201 Sobre a sacristia do Convento de Cristo em Tomar, veja-se o capítulo acima, pp. 51-54

304 também pela sua amplitude, a sacristia nabantina deve ter constituído modelo para a da Sé de Coimbra. Acresce que esta extraordinária sala festiva poderá mesmo ter sido vista por D. Afonso de Castelo Branco, uma vez que ele próprio chegou a ser visitador do convento por determinação régia. Caso contrário, poder-lhe-ia ter sido também dada a conhecer através de notícias de Filipe Terzi, que, na qualidade de engenheiro-mor do Reino, foi responsável pelo aqueduto, pela conclusão do claustro de Diogo de Torralva e outras obras em Tomar.

Face ao programa simbólico e funcional da sacristia e da forma como o mesmo se materializou, recorrendo às determinações pós-tridentinas e aos modelos mais recentes que se vinham projectando a nível nacional, percebe-se, em suma, o significado e importância atribuídos por D. Afonso de Castelo Branco a este projecto de dotação da sua Sé. A opção do bispo-conde pelo patrocínio de um espaço de feição clássica e de proporções grandiosas, tipo aula , insinua, sem dúvida, o conhecimento da sacristia do Convento de Cristo. Ambas são os melhores testemunhos da existência de um debate sobre a tipologia da sacristia ao nível do alto-clero, concretizado com maior ou menor alcance nos empreendimentos que se têm vindo a citar.

Sublinhe-se ainda que a sacristia da Sé de Coimbra, além de única na cidade à época, foi a primeira de expressão monumental a servir uma catedral. Só décadas mais tarde, já em contexto pós-Restauração, se viria a construir uma sala de alcance equivalente na Sé de Lisboa. Pelo que a encomenda de um empreendimento desta dimensão, sobretudo relacionado com um modelo sem tradição arquitectónica no País, demonstrava a actualidade do bispo-conde, bem como a magnificência esperada de um grande patrono.

305 » Partido arquitectónico e decorativo. Proposta de atribuição

Interessa agora atentar nos aspectos formais do desenho arquitectónico, relevantes para situar a obra no ambiente artístico em que foi produzida, considerando constituírem estes a resposta do mestre arquitecto que a desenhou aos requisitos do encomendante. Nas páginas dedicadas à reconstituição da sacristia foram identificados diversos elementos enquadrados na tradição particular de Coimbra, e também se referiu o cumprimento de algumas das normas clássicas da arquitectura, particularmente veiculadas pelo tratado de Sebastiano Serlio, um dos que maior divulgação teve em território nacional 202 . Ora, o partido serliano verifica-se nas opções tomadas quanto às proporções planimétricas, proporções dos alçados e elementos decorativos.

No que se refere à planta original, as medidas de 9m x 15m correspondem ao rácio proporcional de quadrado mais dois terços, isto é 5:3. Em altura, a sacristia media cerca de 14 metros, o que reverte nos alçados laterais para uma proporção aproximada do quadrado (1:1) e nos alçados dos topos para 5:3. É sabido que a tradição construtiva portuguesa perpetuou ao longo dos séculos XVI e XVII os esquemas proporcionais medievais não clássicos, através da cultura prática e empírica dos seus mestres concretizada no que se tem vindo a designar por «estilo chão». Estes esquemas foram sendo modernizados com a aplicação, mais superficial do que conceptual, do vocabulário clássico 203 . Neste sentido, é relevante que na concepção projectual da sacristia da Sé Velha tenham sido aplicadas as proporções euclidianas divulgadas pela tratadística moderna, nomeadamente a de Serlio, o que é indício claro da cultura actualizada do autor do projecto.

Quanto aos elementos compositivos dos alçados – pilastras,

202 Moreira 1995, 351-52. Gomes 2007b, 122. 203 Veja-se a este respeito Pereira 1995a.

306 entablamento intermédio e cimalha real, emolduramentos –, também estes são desenhados com base nas medidas e proporções recomendadas para as ordens clássicas no tratado serliano. Em primeiro lugar, tal como acontece na sacristia do Convento de Cristo, a divisão dos alçados em dois andares respeita proporções distintas, de acordo com as regras de sobreposição das ordens. Assim, o piso superior coríntio é correctamente mais alto que o piso térreo, embora este tenha dimensão mais aproximada à da proporção dórica que à jónica. Esta hesitação entre o dórico e o jónico no primeiro nível da sacristia de Coimbra tem reflexo análogo nos desvios do desenho das pilastras e capitéis. O alinhamento geral destes elementos é dórico, embora o equino de óvulos e setas nos capitéis e as volutas das capelas centrais contrariem o cânone e se relacionem com o lançamento do entablamento jónico. Estrutura que cumpre com o proposto pelo arquitecto bolonhês, nomeadamente quanto à molduração da tripla faixa da arquitrave.

Além destes aspectos estruturais, é ainda de salientar a influência que as gravuras do Livro IV de Serlio terão desempenhado no risco de elementos particulares. Salienta-se, a este propósito, o paralelismo entre a porta de acesso à sacristia localizada no transepto e um arquétipo coríntio da Antiguidade ilustrado pelo arquitecto bolonhês no Livro IV, que a primeira parece reproduzir quase na íntegra (figs. 119-120). Por outro lado, a abóbada, além dos referentes conimbricenses, apresenta semelhanças com um modelo de tecto de caixotões de madeira que Serlio desenhara para a biblioteca de um palácio veneziano, aconselhando-a para a cobertura de espaços não muito altos, por considerar o baixo-relevo ou a decoração planificada mais adequada a salas de pouca altura (figs. 133 e 137). Não obstante as recomendações do mesmo tratado, este modelo foi adaptado à abóbada de pedra da sacristia da Sé de Coimbra, quem sabe se a contar com o douramento dos contornos da ornamentação, que lhe daria maior destaque.

A abóbada de caixotões, sendo o tipo cobertura clássico por excelência,

307 encontrou em Coimbra o seu primeiro ensaio na igreja da Graça, pela mão de Diogo de Castilho. É neste espaço que se filiam as abóbadas da sacristia e da sala dos actos solenes do colégio do Carmo, mantendo ainda no eixo central uma nervura, em vez da fiada de caixotões normalizada pela tratadística. Aspecto que denuncia uma tradição construtiva mais antiga, arreigada aos modelos vernaculares. O mesmo não sucede na igreja do Carmo, onde o desenho das coberturas revela outro amadurecimento. Como já foi dito, acerca da arquitectura da igreja, ela situa-se «na fronteira da compreensão integral do sistema clássico e do correcto uso da ordem enquanto tecnologia geradora de um discurso arquitectónico estruturado, embora revele ainda algumas hesitações no caminho para esse objectivo» 204 .

A lição ensaística do Carmo, sobretudo no que à concepção da igreja diz respeito, veio a reflectir-se em termos formais na sacristia da Sé sensivelmente uma década depois. As considerações críticas que Ricardo Lucas Branco formula sobre a igreja carmelita encontram justa aplicação no caso da sacristia catedralícia, verificando-se a influência do contexto construtivo contemporâneo, sobretudo no planeamento da altimetria. De facto, como a igreja do Carmo, o muro da sacristia regulado pela cimalha real encontra-se já dividido em dois níveis, separados por um entablamento intermédio, sem contudo explorar ainda as possibilidades de articulação entre os diferentes componentes que a compreensão integral do sistema das ordens arquitectónicas permitiria. Na sacristia existe, de facto, sobreposição das ordens – dórico/jónico e coríntio – e respeitam-se as respectivas proporções, quer na altura de cada registo quer no desenho dos elementos, denotando um amadurecimento da estrutura clássica. Mas, mesmo apesar do uso da pilastra como elemento regulador dos módulos do primeiro nível, ela não tem continuidade para o nível superior, deixando a abóbada suspensa e sem uma relação articulada entre os níveis do alçado.

204 Branco 2008, 44.

308 Na sacristia do Convento de Cristo regista-se uma ausência de articulação análoga entre os dois registos dos alçados e a abóbada, pese embora a configuração das pilastras jónicas apostas em relevo sobre o segundo nível dos muros dos topos (figs. 21 e 22). Na verdade, só as pilastras do bem lançado primeiro nível do alçado da capela mantêm uma relação estruturada com o segundo nível, uma vez que na área dos lavabos, deixam pura e simplesmente de existir. O confronto entre estes dois traçados denuncia intervenções distintas ou hesitações no decurso da construção, harmonizadas depois pela decoração festiva e erudita, destacada pelo relevo e policromia, que preenche e recria os planos arquitectónicos, conferindo-lhes uma estrutura fingida. A observação atenta permite, contudo, vislumbrar outras ambiguidades na execução da ornamentação arquitectónica; o que pode ter resultado simplesmente da incompreensão dos oficiais ao interpretá-la, considerando que o risco de base revela elegância compositiva e erudição no domínio do léxico decorativo.

Não cabe nos limites desta tese, nem é esse o seu objectivo, alargar as considerações sobre a evolução e compreensão do sistema clássico, mas são questões importantes não só para a contextualização da obra na história da arquitectura portuguesa como para a formulação de pistas para aventar uma possível autoria. A concepção e decoração da sacristia da Sé de Coimbra demonstram criatividade e conhecimento dos modelos clássicos, não só os consagrados pela tradição do Alto Renascimento coimbrão como os da tratadística. Aos quais o arquitecto ou mestre responsável soube recorrer, para projectar um espaço adequado à função, simultaneamente prática e de representação simbólica, requerida por D. Afonso de Castelo Branco.

O panorama artístico da cidade do Mondego na época filipina é terreno menos estável do que o anterior período joanino, em que o vasto programa construtivo, já bem compendiado e estudado pela historiografia, cumpria um desígnio unitário. Viabilizado por um sólido grupo de artistas e oficiais, liderados por João de Ruão e Diogo de Castilho, com eles se constituiu o designado

309 «Renascimento coimbrão». Nas últimas décadas do século XVI, estão identificados mestres nos cargos periféricos da Universidade ou da Sé, sem destaque no contexto artístico nacional, agora marcado, no campo da arquitectura, pela emergente figura do arquitecto, sobrepondo-se à tradição oficinal e corporativa do mestre pedreiro 205 .

As realizações do ciclo filipino em Coimbra são diversas e contudo significativas, produto da escola local de mestres e oficiais pedreiros bem como da intervenção de arquitectos régios, chamados de Lisboa como consultores e projectistas. Entre estes últimos, estão documentados Filipe Terzi, que intervém no paço do bispo e no colégio agostinho, além de outras obras de engenharia de que foi responsável, e Baltazar Álvares, autor do risco das igrejas dos colégios jesuíta e beneditino. Terzi e Álvares partilhavam uma linguagem depurada do classicismo, como se comprova na igreja das Onze Mil Virgens, na loggia do paço episcopal ou no claustro do colégio crúzio, bem reveladores do entendimento intelectualizado da teoria da arquitectura tardo-clássica distinta do partido decorativo coimbrão representado na sacristia catedralícia.

Um dos oficiais de maior relevo em Coimbra no último quartel do século XVI é Jerónimo Francisco, activo entre 1559 e 1598 e identificado na documentação como pedreiro ou mestre das obras. Ao longo da sua carreira foi assumindo uma posição de respeito no meio coimbrão, quer ao nível profissional como social. Assim, em 1569 representou a Câmara de Coimbra junto do rei, a respeito da obra dos marachões na cidade, tendo sido, além disso, procurador da Casa dos Vinte e Quatro. Poucos anos depois, em 1575, substituiu Diogo de Castilho no cargo oficial de mestre das obras dos paços régios de Coimbra, que viria a acumular, já no período filipino, com os cargos de mestre das obras da

205 Veja-se, a este propósito, o recente estudo de Miguel Soromenho (2009, 89-102), que reflecte sobre as matérias do estatuto do arquitecto e do processo de autonomia da profissão em Portugal ao longo de Quinhentos e Seiscentos.

310 Universidade e da Cidade 206 . Estudado por Maria de Lurdes Craveiro, o catálogo das obras onde Jerónimo Francisco trabalhou inclui os colégios do Espírito Santo (1569-c.1574), do Carmo e de Santo Agostinho (1593-98), nos quais foi mestre de obras, além de intervenções de carácter civil na cidade, como umas casas no Largo da Feira, a ponte de Serpins ou a reparação do chafariz de Sansão.

Jerónimo Francisco foi, sublinhe-se, homem da confiança de D. Afonso de Castelo Branco, que o teve por mestre das suas obras. A longa experiência daquele noutros estaleiros e os cargos oficiais que ocupava terão determinado a escolha do bispo-conde para orientar alguns dos empreendimentos construtivos que patrocinou, entregando-lhe com probabilidade a direcção da construção do paço episcopal e da sacristia da Sé. A confiança de D. Afonso nas capacidades de Jerónimo Francisco é, além disso, atestada pela recomendação pessoal que fez do mestre, em 1591, para elaborar um plano de alteração à obra de alargamento da Casa da Misericórdia de Coimbra que decorria desde 1589 207 .

Está ainda por determinar, de forma conclusiva, o alcance dos projectos cuja traça lhe está documentalmente atribuída. Quer a obra da Misericórdia, quer o dormitório do convento do Carmo em Tentúgal (que riscou em 1585 e cuja construção foi dirigida por Tomé Velho), já não existem hoje para aduzir o nível de Jerónimo Francisco enquanto tracista, a última por ter desaparecido e a primeira por ter sido abandonada em 1605. Pese embora este facto, a suspeita de ser ele o autor e orientador das obras da igreja do colégio do Carmo, na Rua da Sofia, permite uma aproximação quanto às suas capacidades ao nível do projecto e sua condução. Esta atribuição, feita à luz da sua presença como testemunha, em 1574, num contrato envolvendo os colégios carmelita e o do Espírito Santo, é reforçada pela ocupação, em substituição de Diogo de Castilho,

206 Substitui Diogo de Castilho, com o mesmo ordenado de 5 mil reis. Viterbo 1988 (1889), I: 367- 368. Seria substituído no cargo de mestre de obras da cidade, por nomeação camarária, pelo mestre Francisco Fernandes a 24 de Novembro de 1605. Viterbo 1988 (1889), I 328-329. Sobre Jerónimo Francisco, ver Craveiro 2002, 488-97. 207 Craveiro 2002, 491-92.

311 do cargo oficial de mestre das obras dos paços reais de Coimbra a partir do ano seguinte, o qual superintendia a instalação dos colégios universitários.

A igreja do Carmo, como se viu anteriormente, revela o amadurecimento no sentido do classicismo ao nível do planeamento altimétrico, como da concepção das abóbadas de berço de caixotões. O catálogo de desenhos das coberturas é variado, diferenciando cada área da igreja (nave, capela-mor, capelas do transepto, capelas laterais e sub-coro), o que demonstra um conhecimento informado dos modelos clássicos e algum virtuosismo na ordenação da decoração arquitectónica. Esta obra é particularmente significativa para o presente estudo, considerando partilhar algumas características com a sacristia da Sé como tenho vindo a sublinhar, tanto na concepção dos alçados, quanto no risco das pilastras e da abóbada. Considerando que D. Afonso de Castelo Branco tomou Jerónimo Francisco ao seu serviço, é justo considerar que, além da direcção do estaleiro da sacristia, Jerónimo tenha partilhado responsabilidades na concretização do projecto, sobretudo no desenho dos alçados e decoração arquitectónica.

Jerónimo Francisco desempenhou, seguramente, um papel de importância na Coimbra do último quartel do século XVI e são provas da sua habilitação profissional os cargos oficiais que obteve – os mais importantes no plano regional – como a direcção de diferentes estaleiros e no risco de obras como a igreja do colégio do Carmo. No entanto, no que diz respeito à concepção da sacristia da Sé, é preciso notar que se tratava de um modelo formal sem tradição na cidade, ou mesmo à escala nacional. Como encomendante informado, o bispo-conde deve ter discutido o plano com algum dos arquitectos régios e, sobretudo, a orgânica funcional do espaço à luz do debate pós- tridentino sobre a arquitectura e da importância que a sacristia agora se revestia na liturgia.

Filipe Terzi, que interveio no paço episcopal, é um dos possíveis

312 instrutores de um plano adequado às necessidades ditadas pelo bispo e actualizado quanto às mais realizações nacionais. Entre estas, a sacristia do Convento de Cristo em Tomar era certamente o melhor exemplo e terá sido, certamente, tomada por modelo. Sacristia que o engenheiro e arquitecto-mor do reino conhecia bem, dos períodos em que aí trabalhara. Definido o programa do espaço e respectiva planta, D. Afonso de Castelo Branco atribuiria depois a sua materialização à responsabilidade de Jerónimo Francisco.

É, de facto, inegável o peso da tradição local na sacristia da Sé de Coimbra, que se traduz na eleição da pedra de Ançã para a construção e no partido decorativo do vocabulário ítalo-flamengo. Não só vinha sendo a estética praticada e desenvolvida pelos escultores e mestres canteiros desde a década de 1520, como a sua continuidade terá sido favorecida pelo próprio bispo-conde que cultivara esse gosto no período em que viveu na cidade, enquanto estudante e professor na Universidade (nas décadas de 1550 e 1560). Quando a Coimbra tornou como prelado, D. Afonso faria perpetuar nas obras de seu patrocínio o estilo coimbrão, executado de maneira elegante e rica e com poucas actualizações formais. Como conclui Miguel Soromenho, «a propagação do decorativismo maneirista de raiz flamenga encontrou, na prática conservadora destes artífices, um terreno fértil, dando origem a um “estilo” de síntese que se perfilou como alternativa às importações da capital»208 .

O desenvolvimento desta estética no final de Quinhentos, dispondo de um lugar de eleição no repertório decorativo aplicado à arquitectura e arte retabular pétrea da região, teve eco na cultura visual partilhada pelas elites da cidade. É, por isso, interessante atentar nos relatos de procissões, onde se descreve todo o aparato de arquitecturas efémeras construídas para essas ocasiões. Interessa aqui, muito em particular, a procissão de recebimento de relíquias do mosteiro de Santa Cruz realizada em 1595 e o seu relato publicado

208 Soromenho 1995, 382.

313 no ano seguinte, por ter sido contemporânea da obra da sacristia catedralícia 209 . A 29 de Outubro, a procissão partiu da Sé, presidida por D. Afonso de Castelo Branco, com destino ao mosteiro crúzio, efectuando paragens em quatro estâncias – Sé, Misericórdia, Rua de Coruche (actual Rua Visconde da Luz) e terreiro de Santa Cruz.

O autor da descrição deu atenção aos diferentes aspectos decorativos dos «teatros» construídos, andores e relicários. Do texto ressalta não só a aplicação efectiva do vocabulário clássico na arte efémera coimbrã, como a disseminação e vulgarização do léxico arquitectónico clássico na cultura dos homens letrados, elite da qual este «sacerdote canonista», que assina com as iniciais G.D.R. 210 , fazia parte. Assim, vão-se sucedendo expressões deste glossário artístico especializado que caracterizam verbalmente instantâneos visuais dessas construções. Além da designação de elementos estruturais específicos (arcos, pedestais, colunas, capitéis, frisos, arquitraves, cornijas, frontispícios, grades), são designados elementos decorativos (molduras; triângulos, lisonjas, e ovados; laçarias, medalhas, quartões) e mencionadas as diferentes ordens clássicas (dórico, jónico e coríntio). A cultura visual e arquitectónica patente neste relato é ainda aduzida pela correcção do exercício descritivo 211 e pela noção das relações proporcionais associadas à norma clássica da arquitectura (por exemplo, «os frisos e arquitraves, eram de largura competente com suas cornijas»). Em suma, «uma cultura refinada cujos reflexos estão por toda a parte em Coimbra», como afirma Paulo Varela Gomes 212 .

D. Afonso de Castelo Branco, homem ilustre e actualizado em diferentes

209 Relacam do solenne 1596. 210 Nicolau de Santa Maria (1668, II 386) identifica o autor como Gaspar dos Reis, sacerdote canonista natural de Leiria. 211 A título de exemplo: «Esta Charola, era em quadro com suas colunas, cornija, e arquitraves ressalteados, a abóbada era meia laranja, lavrada de amegos ricamente obrados, tinha por remate sete pirâmides, e entre estes remates, das duas partes fronteiras, estavam dous formosos frontispícios com suas molduras, e ali duas medalhas que faziam aquela obra prima e graciosa». Relacam do solenne 1596, 14 212 Gomes 1998, 63.

314 domínios, partilhava deste refinamento cultural, mas sobretudo partilhava o gosto por um estilo decorativo que era signo da refundação cultural da cidade ao tempo do Renascimento e cuja continuação traduzia uma imagem coerente e estável da grandeza de Coimbra. Basta atentar nos portais do paço do bispo e do convento de Santa Ana, no arco tumular da Rainha Santa Isabel e na sacristia da Sé Velha para notarmos a prevalência e celebração de um gosto. Não lhe faltariam outros modelos de referência, que conheceria tanto em Coimbra, como em Lisboa. Poderia optar por afirmar a sua prelatura com uma estética distinta da promovida pelos seus antecessores D. Jorge de Almeida e D. Frei João Soares, que ergueram, na Sé, a Porta Especiosa e a capela do Santíssimo Sacramento. Pelo contrário, deu-lhes continuidade, o que faz de D. Afonso, neste como noutros aspectos, um homem de outro tempo a quem deve ser atribuída a responsabilidade, enquanto encomendante, pela longa duração do vocabulário decorativo do estilo coimbrão.

Nas obras do seu patrocínio, esse partido decorativo sobressai, maioritariamente, em elementos marcantes apostos sobre edifícios de concepção chã com os quais contrastam vivamente, sublinhando o seu papel nobilitante. É de resto, uma característica que perpassa, de uma maneira geral, os exteriores da arquitectura portuguesa da Época Moderna, austeros e pontuados por peças-chave de maior relevo e/ou requinte, como os portais. No caso de Coimbra, o contraste é maior, dada a riqueza decorativa dos portais encomendados por D. Afonso de Castelo Branco para o seu paço e para a igreja de Santa Ana 213 .

O arco tumular destinado ao túmulo de prata e cristal para exposição do

213 Paulo Varela Gomes (1998, 62) vai mais longe, afirmando que «os edifícios patrocinados por D. Afonso de Castelo Branco (…) relevam todos de uma vontade tão determinada de usar rigorosamente as ordens e de tirar o máximo partido volumétrico possível delas, que é tentador detectar essa mesma tendência em Faro [portal da Misericórdia]». A este respeito, julgo que o recurso às ordens foi pensado, pelo bispo-conde, mais como veículo de retórica e celebração, do que na sua dimensão teórico-arquitectónica, tanto que o uso das ordens não foi aplicado com rigor canónico, antes pelo contrário.

315 corpo da Rainha Santa Isabel conserva a dimensão comemorativa de um arco triunfal, perfeitamente desenhado e decorado, atestando a qualidade dos canteiros que o executaram em 1613. Representando também uma tipologia mais próxima do temporal e do uso exterior, transposta para o interior de uma igreja. Subjacente a este requinte decorativo, concentrado em destacados elementos-chave, parece-me residir toda a aura celebrativa da própria acção mecenática do bispo D. Afonso.

No caso particular da sacristia, estamos em presença de uma obra mais voltada para o interior, para a vivência privativa da Sé e para o culto, pelo que o diálogo com o exterior se limita ao cuidado posto em alguns detalhes de cantaria do pano murário (cimalha real rigorosamente desenhada tal como no interior e cunhais rematados por pináculos), que aferia a dimensão e qualidade programática da iniciativa. A dimensão de representatividade traduzida, no interior, pela referência explícita ao seu patrocínio, a partir da repetida exposição do brasão de armas (porta, lavabo e abóbada) 214 , aproxima-se – mais do que de uma desejada recepção temporal imediata – de uma intenção de perenidade da imagem da sua prelazia na história do bispado de Coimbra e da Igreja em Portugal. É, aliás, fortemente afirmativo o gesto reiterado de «assinatura» do bispo, fazendo representar o seu brasão não só nesta como em todas as obras em que interveio na cidade, como sinal categórico da sua liberalidade e retórico do seu poder.

214 Existe ainda o brasão de armas colocado na fachada exterior, onde se regista a data de 1593. Todavia, não se conhece a situação original desta peça e se, efectivamente, se relaciona com a sacristia.

316 » Provimento e decoração da sacristia

O arranjo definitivo da sacristia, ao tempo de D. Afonso de Castelo Branco, considerou o provimento de mobiliário monumental integrado, destinado a servir as necessidades intrínsecas ao espaço, e de dispositivos decorativos que enobrecessem a sala.

O figurino interior da sacristia foi realçado, desde o início, pela aplicação de azulejos e pintura a fresco. No que respeita aos revestimentos cerâmicos, foi utilizado azulejo de padrão polícromo no perímetro do primeiro nível da sala, o qual pode ainda ser observado in loco 215 . O tapete é formado por quatro azulejos que configuram um padrão fitomórfico (colorido em tons de azul, verde, amarelo e ocre), delimitado por cercadura própria, enquadrando-o na arquitectura que reveste.

Conforme a obra de referência Azulejaria em Portugal da autoria de J. M. dos Santos Simões, o revestimento azulejar da sacristia da Sé de Coimbra constitui o primeiro padrão produzido em série em Portugal para o efeito,

139| Sé de Coimbra, pormenor do revestimento de azulejo de tapete e cercadura da sacristia (Lisboa, c. 1590). © Foto da autora

215 Só parte do revestimento azulejar é original, dado que a DGEMN mandou realizar reproduções a fim de completar as áreas em falta.

317 seguindo um esquema usado na azulejaria flamenga 216 . O mesmo autor situa a data de fabrico na década de 1590 – época em que a produção portuguesa se começa a individualizar –, pelo desenho fino e nitidez das cores, distintas do fabrico posterior que fará proliferar este tipo de padrão, de execução menos elegante, nas primeiras décadas do século XVII.

A aplicação destes azulejos, possivelmente encomendados em Lisboa, terá ocorrido antes de 1600, ano em que um oficial é pago por um arranjo no lavabo e assentamento de azulejos, o que confere com a dedução de Santos Simões. Se dos azulejos subsistem fragmentos do revestimento original e uma nota documental relativa à sua aplicação, já a decoração afrescada do nível superior dos alçados laterais só é evocada pelas descrições de António Augusto Gonçalves e Albrecht Haupt, que se lhe referem:

«pintura a fresco, que cobria a metade superior das paredes; e em baixo, sobre os arcões, a longa série circundante de quadros do pincel de Simão Rodrigues (…). Os frescos ainda em partes mal se percebem, deteriorados e gastos, o resto está escondido sob camadas de cal»217 .

«Os lados mais compridos são ornados por sumptuosos armários; por cima deles, nas paredes, pinturas de grutescos, hoje muito apagadas» 218 .

Não se sabe ao certo qual o programa da pintura mural, mas a referência do autor alemão a «grutescos» faz pensar que se trataria dos típicos entrelaçados de folhagens e flores e de figuras antropomórficas, animais e fantásticas, sugeridos pelas mesmas gravuras ornamentais ítalo-flamengas que inspiraram a gramática decorativa do Alto Renascimento Coimbrão. Em todo o caso, é sabido que a decoração do género brutesco teve larga aceitação em

216 Simões 1969, 109. Santos Simões identificou o mesmo padrão aplicado no pavimento na antiga capela do convento de Santa Clara do Funchal. Outro exemplar encontra-se no MNAz, inventariado com o n.º 56 Az e proveniente da Quinta da Bacalhoa. Um gosto português 2012, 110-11. 217 BMC, Fundo António Augusto Gonçalves , Cx. Apontamentos Manuscritos – Sé Velha. António Augusto Gonçalves. Sé Velha: capítulos já esboçados - Sacristia [manuscrito], fl. 2. 218 Haupt 1985, 206. Note-se que um dos vãos do interior ainda apresenta vestígios de cromias.

318 Portugal a partir do século XVI e estudos recentes têm vindo a salientar o papel da pintura a fresco na decoração dos interiores portugueses 219 . O fresco, da mesma maneira que o revestimento azulejar, constituía solução económica para a dinamização do espaço religioso e do áulico e, no caso da sacristia da Sé de Coimbra, permitia preencher e harmonizar uma extensa área lisa dos alçados, apenas pontuada pelos emolduramentos dos nichos e das janelas.

140 e 141| Dois exemplos de gravuras 142| Sé de Elvas, abóbada da nave ornamentais de grutesco: Hans Vredeman de central (programa – Domingos Vieira Vries, Antuérpia, 1555-60; Jacques Androuet Serrão (1631); execução – Lourenço du Cerceau, Petites Arabesques , 1550. Eanes e Mateus Carvalho (1633-34)). © Victoria & Albert Museum (E.1200-1923 e 23089:17)

Neste sentido, a pintura mural da sacristia da Sé de Coimbra deverá ter integrado um projecto original de decoração da sala, da encomenda pessoal do bispo-conde. Quem sabe se se tratariam dos mesmos oficiais lisboetas que, em Setembro de 1598, andavam a trabalhar na decoração do paço episcopal, registados no Livro de Receita e Despesa da Obra da Sé desse ano pela pintura e douramento de umas armas reais, como os «pintores que estavam pintando as casas do bispo que eram de Lisboa» 220 . Não é descabido pensar que a decoração mural de brutesco da sacristia tenha sido considerada e encomendada por volta

219 Sobre o género do brutesco, veja-se Dacos, Serrão 1992. Sobre pintura mural, para o período moderno, vejam-se os trabalhos de Luís Urbano Afonso (2009) e Vítor Serrão (2008a e 2008b). 220 AUC, LRDOS, Lv. 106, fl. 4v. Documento citado em Serrão 2005a.

319 dessa data, tendo em conta que a casa do bispo estava também a ser pintada, provavelmente segundo dispositivos ornamentais semelhantes.

O padrão azulejar e os brutescos contribuíam para o esplendor desta sacristia monumental, jogando com a linguagem clássica da arquitectura, em particular com os valores ornamentais propostos nos emolduramentos dos nichos e na abóbada. A escolha dos sectores a revestir com cada um destes recursos revela a intenção clara de equilibrar a decoração e enriquecer a leitura do espaço. O provimento da sala, com o cromatismo dos azulejos de tapete e dos frescos, complementava e valorizava, assim, um espaço já de si com qualidade – proporcionada esta pelo desenho e ornamentação da arquitectura – participando dos padrões de decoração de interiores portugueses mais actuais à época.

O mesmo receituário decorativo serviria a decoração de sacristias ao longo do século XVII, de que se conhecem os casos significativos (e já assinalados na primeira parte desta tese) nas sacristias das igrejas jesuítas do Espírito Santo de Évora e de São Roque, das catedrais de Elvas, de Leiria e Viseu, e do Convento de Cristo em Tomar. Na maioria destes exemplares, os azulejos de padrão serviram o revestimento parcial ou total dos alçados e a pintura de brutesco foi reservada às coberturas abobadadas. Com maior ou menor erudição, e frequentemente alvo de campanhas de repinte, o formulário do brutesco utilizado na pintura mural é observado em composições intrincadas, limitando a representação de heráldica e de simbólica religiosa às reservas ou explorando os valores didascálicos da imagem com programas iconográficos complexos, como é o caso das abóbadas jesuítas.

A eleição desta gramática decorativa perpetuou-se, em Portugal, ao longo de um arco temporal dilatado, que se estende até ao século XVIII, explorando as valências cenográficas do «Brutesco Nacional», que se constituiu afinal como a reformulação cristianizada e simplificada dos grutescos clássicos e profanos,

320 adequada aos propósitos ornamentais dos interiores religiosos 221 . Formalmente, a pintura de brutesco compacto, reajustada em programas mais decorativos, adequava-se bem à renovação e modernização de sacristias, tal como o azulejo de padrão. Nesta ordem de consideração, a sacristia da Sé de Coimbra parece ter constituído realmente um espaço de excepção, em que a arquitectura e a decoração foram pensadas desde a raiz e concretizadas sob o patrocínio de um só encomendante.

D. Afonso de Castelo Branco não poupou esforços para enobrecer a sua sacristia considerando não só a construção e decoração, como o provimento do espaço com o mobiliário integrado, ou seja, o lavabo para a ablução ritual das mãos e os móveis para arrumo dos paramentos e alfaias litúrgicas.

O lavabo, que ainda se pode admirar no local, é construído em calcário rosa, branco e negro e decorado com as armas e o nome do fundador. A «vistosa fonte de mármores», na apreciação de Augusto Mendes Simões Castro, era alimentada por uma nascente de «água nativa que lhe vem de uma fonte que nasce no Claustro debaixo» 222 . Sobre uma larga taça, ergue-se um alçado dividido por quatro pilastras rosa, intercaladas por almofadas pretas, suportando um frontão interrompido. Em segundo plano, o alçado superior duplica e verticaliza o remate, dando lugar à identificação do patrocinador por uma tabela com a inscrição DÕ AFFONSO BPÕ CÕDE A MANDOU FAZER MDXCVIII e um grande medalhão esculpido com o brasão do bispo-conde, inscrito numa cartela oval em rollwerk alada e rematado por um frontão triangular.

O desenho e composição do lavabo são sóbrios e seguros, com alguns pormenores decorativos, como as carrancas esculpidas no lugar dos ralos da taça, o estriamento ou o vazamento de tabelas nas pilastras, e a aplicação de

221 Serrão 2008a, 89-90. 222 Castro 1881, 30. BNP, COD. 151, fl. 6.

321 volutas no escalonamento dos módulos. A linguagem é a do tardo-clássico, distinta do formulário arquitectónico da sacristia, subsidiário, este último, do Renascimento coimbrão. O modelo, tirado de um qualquer tratado de arquitectura ou livro de gravuras e esculpido com aprumo, tira partido de um padrão de cores que terá continuidade até ao final do XVII.

» 143| Sé de Coimbra, lavabo da sacristia (Lisboa, 1598; encomendado por D. Afonso de Castelo Branco). © Foto da autora

Se a isto acrescentarmos a qualidade da pedra, mais explorada e usada no Sul do País (já que em Coimbra o domínio era quase exclusivo da macia pedra de Ançã), rapidamente se conclui ter sido muito provavelmente uma encomenda às oficinas da região de Lisboa. Esta suspeita acaba por ser confirmada pela correspondência de D. Afonso de Castelo Branco para Roma, escrevendo em carta datada de 23 de Agosto de 1598 que mandara vir de Lisboa um lavatório para a sacristia «da pedra de Nossa Senhora da Luz que é a mais formosa cousa que pode ser», obra custosa na qual despendera mil cruzados 223 .

Originalmente um acessório utilitário nas sacristias, o lavatório de pedra era agora objecto de valor artístico acrescido, traduzido pela qualidade do seu

223 ASV, Fondo Confalonieri , vol. 31, tomo V, fl. 180 (ref.ª José Pedro Paiva).

322 desenho, material, monumentalidade e preço. Tal como o congénere da catedral de Leiria, que datará sensivelmente do mesmo período, o lavabo de Coimbra constitui uma obra de excepção. Servindo a importante função preparatória para da celebração e encerramento da mesma, a sumptuosidade do lavabo marcava e destacava o lugar desse gesto ritual, tornado obrigatório pela liturgia tridentina, e amplificava o seu significado simbólico, ao qual D. Afonso de Castelo Branco vinculou com o seu nome e brasão.

A respeito do mobiliário, nas descrições da sacristia destacam-se dois grandes arcazes dispostos a todo comprimento dos alçados laterais para arrumo dos paramentos e revestimento dos celebrantes 224 . De acordo com António de Vasconcelos, eram construídos em pau-santo e decorados com embutidos de pau-cetim e ferragens de bronze, segundo um modelo riscado por Samuel Tibau em 1634225 . Os arcazes descritos por Vasconcelos corresponderiam, de facto, a mobiliário executado no bispado de D. João Manuel ou a uma remodelação de paramenteiros anteriores? A resposta é difícil, dado que os móveis desapareceram. Mesmo no que toca à tipologia de mobiliário indicada na nota de pagamento ao marceneiro Samuel Tibau – «caixões» –, poderia tratar-se de arcazes ou de armários, já que o vocábulo era à época designação comum às duas tipologias 226 .

Além disso, o mobiliário de sacristia era, não obstante o seu maior ou menor nível artístico, objecto de uso regular, sujeito a reparos frequentes e, por

224 «Tem de uma, e outra parte, ao comprido Caixões em que se Revestem os Sacerdotes para dizerem missa» (BNP, COD. 151, fl. 6). «Os lados mais compridos são ornados por sumptuosos armários» (Haupt 1985, 206). «(…) on the longer sides are presses» (Watson 1908, 251). 225 Vasconcelos 1992 (1930), I 194. 226 O documento diz: «Recebi do Cónego Sebastião Cabral mil reis que me deu do modelo e mostras que fiz per os caixões da sacristia e do tempo que perdi e andei em serviço desta obra e no caso que a faça descontar-se-ão os ditos mil reis hoje 27 de Novembro de 1634 anos e com isto me dei per bem pago / Samuel Tibau». Publ. Artistas de Coimbra 1923, 167-168. O nome de Samuel Tibau encontra-se, igualmente, ligado às obras do retábulo-mor e sacrário da Igreja de S. Domingos de Coimbra (1648-49) e ao coro, capela-mor e retábulos das naves laterais da Sé Velha (1635-1637). Artistas de Coimbra 1923, 104-109; 343. Vasconcelos 1992 (1930), I 199-201.

323 vezes, substituído 227 . Nesse sentido, à falta dos exemplares em questão, não é possível concluir uma classificação definitiva dos arcazes que decoravam e serviam a sacristia. Ainda que, os Livros da Despesa da Conesia da Obra da Sé de Coimbra, que contêm diversas rubricas relacionadas com mobiliário (sobretudo referentes a pequenos arranjos), atestem a existência de caixões na sacristia desde, pelo menos, 1596. Levando em conta outros exemplares coevos, estes arcazes seriam provavelmente móveis de frentes lisas, organizados em módulos de gavetões, divididos por elementos retirados de repertório arquitectónico, como as pilastras ou os quartelões que vemos nos móveis das sacristias dos Jerónimos em Lisboa ou do colégio do Espírito Santo de Évora.

Uma outra nota de Abril de 1605 faz já referência a retábulos sobre os arcazes, o que nos conduz ao ciclo das pinturas de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão 228 . A existência de retábulos sobre caixões confere com a tipologia do arcaz com espaldar de pintura, dispositivo que foi frequente nas sacristias portuguesas a partir, pelo menos, do primeiro quartel do século XVII. Um dos casos paradigmáticos documentados de sacristia com dois arcazes dispostos ao longo das paredes laterais e ciclos de pintura ordenados nos espaldares é o da igreja de São Roque, datado de cerca de 1619 (fig. 15). Ora, os registos dos Livros da Conesia da Obra recuam este tipo de arranjo a 1605, ano em que estariam realizadas na sacristia da Sé de Coimbra as estruturas retabulares para receber as tábuas da dupla de pintores lisboetas.

227 A comprovar as frequentes intervenções no mobiliário da sacristia, os Livros da Despesa da Conesia da Obra da Sé registam entre 1607 e 1635 notas relativas a: mobiliário novo (um caixão novo realizado em 1610 e modelos de caixões por Samuel Tibau em 1634) e consertos no mobiliário, aplicação de ferragens e gualdras em 1607, 1611, 1612, 1619, 1632, 1635. AUC, LRDOS, Lv. 108 fls. 38, 83, 88. Lv. 109, 30v; Lv. 110, 42v. Lv. 112, fl. 1v. Lv. 113, 26v, 27v, 28v, 32v, 33v. Em 1643, no «Livro das visitas dos ornamentos, e desta Sé de Coimbra», dá-se indicação do conserto dos caixões da sacristia com forro de pau santo. AUC, Livro das visitações da Sé (1643- 1744), Lv. 7, fl. 1v. 228 Duas verbas de 500 e 2.580 reis pagavam os trabalhos de limpeza dos retábulos e de isolamento das obras de madeira, encostadas a paredes de cantaria, contra a humidade, através do enchimento com carvão: «# comprou de carvão para se encher detrás dos retábulos dos caixões. Retábulos # Deu a Lucas Domingues de limpar os retábulos da sacristia e o do santíssimo Sacramento quinhentos rs». A.U.C. – LRDOS, Lv. 108 (1604-1605), fl. 14v.

324

144 a 148| Nascimento e Infância de Cristo: ciclo pictórico da sacristia da Sé de Coimbra, encomendado por D. Imagem não disponível Afonso de Castelo Branco. Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, c. 1608. © IMC/MNMC

149 a 153| Paixão de Cristo: ciclo pictórico da sacristia da Sé de Coimbra, encomendado por D. Afonso de Castelo Branco. Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, c. 1608. © IMC/MNMC

325 Nestas estruturas trabalhou Simão da Mota, ensamblador documentado nas obras do coro alto da Sé desde 1603 229 . Mota seria pago, em Junho de 1608, por «consertar os retábulos da sacristia e outras miudezas que tinha feitas na Sé», na mesma altura em que se documenta um pagamento ao pintor Simão Rodrigues referente a «pintar as faltas e limpar o retábulo» na sacristia 230 . Supõe-se, assim, que nesse ano estivesse concluída a obra que configura um dos primeiros exemplos comprovados desse dispositivo decorativo particular das sacristias portuguesas do período filipino. Admitindo que se tratavam de dois arcazes e considerando a largura média das pinturas (1,76m), falamos então de enormes móveis com cerca de nove metros de comprimento cada.

A par dos arcazes, as necessidades de arrecadação das alfaias litúrgicas foram supridas por armários encastrados nos nichos que se distribuem pelas extremidades dos alçados dos topos e o do nascente. Originalmente, estes nichos estariam providos de prateleiras e resguardados por cortinas, como sucedia na sacristia do Convento de Cristo. Posteriormente, foram substituídos por armários embutidos de madeira, certamente respeitando as estruturas complexas dos amituários, com múltiplos módulos: portas para os cálices, contador de amitos e batente com escaninhos no interior para a guarda dos livros.

A existência destes armários ou amituários de madeira data, pelo menos, de meados do século XVII, altura em que se levou a cabo a empreitada de

229 Simão da Mota era mestre ensamblador de Coimbra, tendo trabalhado no coro da Sé, para o qual fez as cadeiras novas, respectivos respaldos e estante nova, consertou as cadeiras antigas, além de ter dado o feitio da fasquia para a grade e portas do coro, portas do órgão e quartéis onde encaixava a caixa do órgão. AUC, LRDOS, Lvs. 106, 108. Deverá ter substituído o mestre ensamblador d’El Rei Bernardo Coelho, responsável pela obra de alargamento do coro de 1600 a 1603. Artistas de Coimbra 1923, 173, 278. Vasconcelos 1992 (1930), I 191-192. Em 1612-13, encontramos Simão da Mota a trabalhar na capela de S. Miguel da Universidade, executando o retábulo riscado por Bernardo Coelho, onde se dispõem pinturas de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão. Artes e ofícios , I 102-05, 108, 110, 112, 129-30. 230 «Sacristia # Deu ao mota de consertar os retábulos da sacristia e outras miudezas que tinha feitas na sé dois mil e seiscentos rs. Pintor # A Simão Roiz de pintar as faltas e limpar o retábulo dois mil rs.». A.U.C. – LRDOS, Lv. 108, fl. 52.

326 alargamento em profundidade de três desses vãos «para cálices, e missais, e para o lavatório», a que se fez referência atrás. Pelo documento desta obra, sabemos que o mobiliário, identificado por «caixões dos vãos e amitos» (expressão que confere com a tipologia de amituário), foi executado por marceneiros e carpinteiros, não identificados, ao longo dos anos de 1657 a 1659 231 . Além destes armários, faz-se ainda menção a «caixões de ornamentos abertos em pau santo e angelim» e douramento das ferragens das gavetas. A alusão a «caixões dos ornamentos», diferenciada de «caixões dos vãos e amitos», corresponde aos arcazes, os quais deverão ter sido, nesta ocasião, alvo de remodelação ou substituição.

Em 1615, falecia D. Afonso de Castelo Branco, deixando a sacristia concluída e enriquecida com algumas peças de vulto para serviço do culto na Sé. João de Almeida Soares informa-nos da lista de doações, entre as quais se contavam novos ornamentos de tela e ouro, dosséis, ciriais, e ainda um conjunto de tapeçarias, usado na decoração da catedral em dias de festa. Segundo o autor, «os soberanos panos» seriam a «segunda parte dos de Tunes». Escreveu o biógrafo que «o bom que nela há D. Afonso o deu». Também António Coelho Gasco, na sua obra sobre Coimbra, elenca as benfeitorias de D. Afonso de Castelo Branco na catedral, destacando a obra da sacristia e o seu provimento «com muita prata, e ouro, como são as vinte e cinco tocheiras que lhe dotou, lavradas nelas suas armas. Dois dosséis de brocado riquíssimos, bordados com suas insígnias, e frontais, e capas de muito valor, e outras de mui notáveis peças» 232 .

Algumas ofertas do bispo-conde à Sé de Coimbra foram feitas em vida, umas com usufruto imediato, e outras herdadas após a sua morte como tive

231 «[…] trabalhando os marceneiros, e carpinteiros nos caixões dos vãos e amitos de 13 de Junho do dito até os acabarem, e o mais, que foi em 24 de março 659. os caixões dos ornamentos se abriram de pau santo e angelim do 1º de Junho 658 até 25 agosto * do dito ano e se dourou toda a ferragem das gavetas e fizeram chaves e fechaduras.». AUC, Capítulos de Visita da Cidade de Coimbra , Livro das visitações da Sé (1643-1744), lv. 7, fl. 128 (inédito). 232 Gasco 1807, 138.

327 oportunidade de dizer aquando das considerações sobre o paço episcopal. D. Afonso de Castelo Branco entendeu seu legado como fruto da sua própria generosidade e desprendimento, indo além dos deveres do múnus episcopal, pelo que fez questão de sublinhar repetidamente: «Que ele de sua própria e livre vontade, e de sua própria liberalidade, além da obrigação que os prelados têm de fabricar e ornamentar a sua sé catedral, como ele fez, dava e doava, e de seu feito deu e doou» 233 . A lista dos bens é, de facto, extensa, reunindo têxteis sumptuários e paramentos, alfaias de prata e joalharia, e instrumentos e livros de música, como se pode avaliar pela tabela em baixo (ver Tabela 3)234 . Só pelo valor de três dos pontificais completos oferecidos, avaliados em mais de 14 mil cruzados, pode fazer-se uma ideia do investimento realizado pelo bispo-conde.

Tecidos e paramentos que mandava buscar a Lisboa, como testemunha a informação que dá de ter aí encomendado sedas para o sepulcro das Endoenças, no valor de quinhentos mil reis – só em tecidos 1.250 cruzados 235 ! Nos instrumentos de doação conhecidos, o bispo-conde determina ainda o uso de algumas peças, preocupando-se particularmente com o provimento da capela- mor, do Santo Sepulcro e da capela do Santíssimo Sacramento. A maioria destes objectos, que enriqueciam o tesouro da catedral seria, então, cuidadosamente arrumada nos arcazes e armários da sacristia para o efeito deputada.

233 Garcia 1892, 9: 258. 234 Além dos instrumentos de doação transcritos em Garcia 1892, acrescentam-se peças de ourivesaria e joalharia a partir dos inventários do tesouro da Sé de Coimbra, dos anos de 1610, 1624, 1635 e 1710. Estes inventários foram consultados por António Nogueira Gonçalves com vista ao estudo das pratas da Sé (Gonçalves 1944). Nesses instrumentos inscreveram-se as peças de ourivesaria identificadas com o bispo-conde Castelo Branco, algumas delas timbradas com as suas armas. Outras tomaram o rumo da Sé do Algarve, primeira catedral episcopal de D. Afonso de Castelo Branco. Não me foi possível localizar os inventários em causa, nem nos fundos do cabido da Sé de Coimbra e da Mitra Episcopal do ANTT, nem nos fundos do AUC. São referidas cópias destes documentos na bibliografia de Ourivesaria dos séculos XVI e XVII. A colecção do Museu Nacional de Machado de Castro Coimbra . [s.l.]: IPM, 1992, p. 370; mas, a partir daí perdeu-se-lhes o rasto. 235 ASV, Fondo Confalonieri, Vol. 35, fl. 60. Carta de D. Afonso de Castelo Branco ao patriarca de Jerusalém. Coimbra, 28 ou 29/2/1597 (Ref.ª José Pedro Paiva).

328 Tabela 3| Bens doados à Sé de Coimbra por D. Afonso de Castelo Branco

Têxteis de Adorno

- Três alcatifas grandes que costumam a servir na capela mor da dita Sé. (a) - Dois panos de ouro e seda que estão no seu oratório, a saber: um da gloriosa ressurreição de Cristo, nosso Redemptor; e outro, da sua gloriosa sepultura. (a) - O pano de ouro e seda do painel da caridade. (a) - Outro painel de pano de ouro e seda de Nossa Senhora. (a) - Quatro 4 panos e um guarda-pó, com que se perfazem 5 panos de veludo e tela de ouro, que se armam na semana santa no santo sepulcro, e assim do dossel do mesmo teor, e assim do dossel de veludo de fundo de ouro, roxo, para se armar no altar da Senhora, e estes panos do Santo Sepulcro, com condição e declaração que nem o cabido nem os prelados os possam nunca em tempo algum emprestar. (a) - Todas as suas cortinas com seus setiais, para que o cabido possa mandar fazer vestimentas, e o que mais lhe parecer para o serviço da Sé. (a) - Mais das alcatifas, que se acharem por seu falecimento de uma ilustríssima senhoria, escolherá o cabido a maior e melhor que lhe parecer para a capela do Santíssimo Sacramento. (a)

Paramentaria - Um pontifical de brocado perfeito com sebastos brancos, manto, dalmáticas, estolas e manípulos com seus cordões, e 11 capas do mesmo teor e um frontal do altar mor, e outro frontal da mesa em que ministram os pontificais, 1 pano de estante, 1 pano de púlpito, 1 gremial, 1 manga da cruz, 2 vestes de livro, e 2 almofadas para os livros, e 1 opa de Nossa Senhora, e tudo isto do mesmo teor de brocado com sebastos brancos de modo que está o dito pontifical perfeito. (a) * Avaliado em mais de três mil cruzados. (c) - Outro pontifical de veludo carmesim com sebastos de tela carmesim, manto, suas dalmáticas, estolas, manípulos, cordões, tudo perfeito, a saber: 10 capas, 1 frontal do altar mor, outro frontal da mesa em que ministram no pontifical, 1 pano de estante, outro pano de púlpito, 1 gremial, 1 manga de cruz, 2 vestes do livro, tudo do teor do dito pontifical. (a) - Outro pontifical de veludo roxo com tela roxa, 1 manto, com suas dalmáticas, e estolas e manípulos e cordões, 5 capas da mesma sorte e teor, 1 frontal do altar mor, 1 pano de estante, outro pano de púlpito, e 2 capas dos missais e 1 manga da cruz, e tudo do mesmo teor do pontifical. (a) * Os pontificais roxo e vermelho valiam 11 mil cruzados. (c) - Outro ornamento de veludo verde e tela branca. Item um manto com suas dalmáticas, estola e manípulo e cordões tudo perfeito, com sebastos de tela branca, 1 frontal do altar mor, 1 pano de estante, outro pano de púlpito, 2 vestes do livro, 1 manga de cruz, e tudo do teor. (a) - Cadeira pontifical de brocado. (a) - Uma capa e vestimenta de gorgorão preta. (a) - Dois frontais um de brocatel, e outro carmesim, com suas vestimentas. (a)

329 - Três capas e vestimentas com suas alvas e pertences de telas carmesim, roxa, e branca. (a) - Quatro véus de cores que servem ao ombro do subdiácono, e 4 para o cálice. (a) - Todas as palas, guardas e corporais. (a)

Ourivesaria - A outra cruz de prata que serve no seu oratório (a) - Galhetas e prato de prata (a) - Duas galhetas de prata chãs com as armas do Bispo que Deus tem nas sapas, e uma salva do mesmo com as mesmas armas. (b) - Um cálice dourado (a) - Outro cálice dourado lavrado do meio para baixo. (b) - Um prato de prata como bandeja todo dourado –, e um gomil de prata todo dourado –, de que ora se serve em seu oratório (…) o prato de prata, de que na doação faz menção, não é o tal prato e galhetas por que servem a seus capelães; mas é este prato todo dourado e ouvado que serve a sua senhoria, quando diz missa no seu oratório. E assim o dito gomil de prata, acima declarado para servir aos domingos e dias santos no altar mor da dita Sé e a cónegos dela, como acima se declara. (a)

- Um prato de prata de água às mãos dourado por partes, no escudo tem as armas do Bispo que Deus tem. (b) - Um gomil de prata todo dourado por partes, com umas bichas tem as armas do Bispo que Deus tem. (b) - Porta-paz de prata branca (a) - Uma porta paz de prata branca com Nossa Senhora da Piedade e no pé tem um escudo das chagas. (b) - Treze tocheiras de prata que ele mandou fazer para o Santo Sepulcro de 5.ª feira das Endoenças, que têm as suas armas. (a) - Treze tocheiras de prata, todas de um feitio, e feição, tem umas armas cada uma com um leão rompante do Bispo dom Afonso de Castel Branco que as deu. (b) - Uma vieira dourada de prata dos Santos Óleos, com três colherinhas pequenas do mesmo. (b) - Um turíbulo dourado a modo de esfera com sua caldeira de prata dentro, e uma trempe por fora em que se põem, tem quatro cadeias de prata, com um remate em cima do mesmo. (b) - Uma palmatória de prata com sua tesoura de espivitar de prata tem no fundo as armas do Bispo que Deus tem. (b) - Quatro castiçais de pivetes pequenos brancos dois redondos, e dous de triângulo. (b) - Dois castiçais pequenos servem dos pivetes. (b) - Dois castiçais de pivetes de pirâmides altos que se parafusam no meio. (b) - Uma caldeirinha de prata com seu isope do mesmo. (b)

330

Joalharia - Um diadema de ouro guarnecida de pedraria miúda de Ceilão, a qual não servirá senão à Senhora nos dias das festas. (a) - Uma diadema toda de ouro esmaltada toda com rubis, e pedrinhas verdes, tem 22 pontas como raios de resplendor. (b) - Um anel de ouro com um jacinto no meio e duas pedras verdes ao redor. (b) - Um anel de ouro esmaltado com uma esmeralda grande. (b) - Um anel grande de prata dourado com cinco pedras feito como uma rosa. (b) - Uma rosa de prata dourada que serve na capa do pontifical. (b) - Uma cruz de ouro com 29 pedras verdes com três pendentes de pérolas, presa em uma cadeia de ouro de três voltas, a cruz tem de uma parte Cristo e de outra uma imagem de Nossa Senhora. (b) - Uma cruz de ouro fino peitoral lisa sem feitio que deu o Senhor Bispo Dom Afonso. (b)

Livros - Breviário grande que lhe dera o cardeal Alberto. (a)

Instrumentos Musicais - Charamelas, frautas, manicórdios, cravisinal e baixões, violas d’arco, e outras mais pequenas, e de todos os mais seus instrumentos músicos com suas cadeiras e caixões e livros de canto e música para o serviço da dita Sé. (a) Referências : (a) Garcia 1892 (b) Gonçalves 1944 (c) Livro dos Acordos 1972-73, 26: 102

331 » O bom que nela há D. Afonso o deu . O patrocínio da sacristia da Sé de Coimbra: considerações finais

A escolha do espaço da sacristia por D. Afonso de Castelo Branco, para dotação da Sé e a sua concretização monumental e conforme às prerrogativas pós-tridentinas, afirmava a grandeza e liberalidade da sua prelazia no contexto da Reforma Católica.

Ao fazê-lo, D. Afonso assumia-se com um dos grandes patrocinadores de arquitectura e arte religiosa em Coimbra, perfil que vinha desenhando já desde o seu bispado no Algarve, onde foi responsável pela construção do paço episcopal e da igreja da Misericórdia de Faro 236 . Considerando que, no período filipino, os grandes empreendimentos de arquitectura se concentraram, sobretudo, na esfera do patrocínio régio, e que a acção da nobreza ou do alto-clero se manifestou pontualmente no favorecimento de uma casa religiosa particular ou na fundação de capelas, o avultado investimento de D. Afonso de Castelo Branco destaca-se, por isso, entre os maiores mecenas ao nível nacional.

Se, como observa Stefano Zen 237 , a encomenda arquitectónica é campo específico dos bispos, a acção dos antístites portugueses contemporâneos do bispo-conde não lhe é comparável no volume e escala de projectos. Exceptuando um D. Teotónio de Bragança, arcebispo que financiou, a título pessoal, o extraordinário e oneroso edifício da Cartuxa de Évora, poucos outros investiram nessa área de forma tão empenhada, pela duração mais curta dos seus bispados, por falta de verbas ou por se aplicarem noutras dimensões do seu magistério. Impõem-se, em todo o caso, estudos que venham a esclarecer melhor o patrocínio episcopal na Época Moderna a fim de avaliar o âmbito e o impacte da

236 Sobre a igreja da Misericórdia, edifício de planta centralizada, veja-se Correia 1986, 122; Gomes 1998, 58-63, Soromenho 2009, 69. 237 Zen 1985. Neste capítulo final, segui algumas conclusões dos estudos seguintes: Chambers 1995, Jestaz 1995, Giordano 2002, Alexander 2007.

332 acção do alto-clero nas dioceses portuguesas ao longo dos séculos XVI e XVII.

Se as iniciativas de D. Afonso Castelo Branco foram favorecidas pelas rendas substantivas do Bispado de Coimbra e pela longa duração do seu governo, o seu perfil parece, contudo, destacar-se no contexto português pela aproximação à noção moderna de patronato, a que não terá sido alheia a sua experiência na corte, ao serviço de D. Sebastião e do cardeal D. Henrique. Nesta noção residia a quase obrigatoriedade da encomenda de grandes obras, considerando o estatuto social, pessoal e familiar e os rendimentos à disposição. Os edifícios deviam ser apropriados ao grau do respectivo patrono, honrar a Deus, trazer glória ao benfeitor e à sua família, além da sua cidade, devendo ainda ser úteis aos cidadãos ou súbditos. Encomendar edifícios magníficos coincidia muitas vezes com o recebimento de um título, ou de uma mercê, e manifestava a legitimidade do estatuto e riqueza do benfeitor. O patrocínio artístico relacionava-se, assim, estreitamente com o poder 238 .

Os conceitos de patrocínio e de mecenato têm encontrado, na historiografia nacional como na internacional, maior desenvolvimento nos estudos sobre as elites laicas. Os prelados constituem uma categoria poucas vezes discutida no âmbito do mecenato cultural 239 . As suas motivações eram distintas das da sociedade secular, que encontrava nos mecanismos de patronato veículos de ascensão política e social, de realização da fama e de constituição de um legado destinado aos seus herdeiros 240 . Se, por um lado, os antístites não podiam ter ou assumir descendência, pelo condicionamento dos seus votos, por outro o seu poder era limitado, dado o carácter provisório dos cargos e a hierarquia rígida das estruturas eclesiásticas. Restava a fama, considerada inapropriada, segundo os ideais tridentinos, para homens que

238 Alexander 2007, 127. 239 Sobre o patrocínio e mecenato empreendido pelo alto-clero em Portugal no dealbar da Época Moderna, vejam-se os estudos de Rafael Moreira dedicados o bispo D. Miguel da Silva (1988 e 1995, 332-40) e ao cardeal Alpedrinha (1995, 311-12). Ao nível internacional, podem consultar-se os trabalhos citados na nota anterior. 240 Chambers 1995, 155.

333 dedicavam a sua vida ao serviço de Deus e da Igreja. Todos estes aspectos contrariavam a lógica de uma eventual ambição de poder pessoal no desempenho de um múnus particular.

O fundamento principal do patrocínio episcopal residia, antes de mais, num forte sentido de cumprimento do que seria esperado de uma pessoa na sua posição e na vontade de demonstrar a sua liberalidade no cargo que fora investido. A encomenda arquitectónica de projectos de grande visibilidade era, por isso, sustentada não só pelo dever decorrente do desempenho do ofício eclesiástico, de que D. Afonso de Castelo Branco estava bem ciente, como ainda pela vontade de fundar testemunhos imortais da grandeza da Igreja Reformada na sede da sua diocese, aos quais o seu nome ficaria associado.

Encomendante notável que foi, a sua actuação não se enquadra na de um amante de arte ou na de um mecenas. Embora tivesse ao seu serviço um mestre de obras e um pintor e apoiasse financeiramente publicações específicas – destacando-se, neste particular a intenção de subsidiar a edição dos Anais Eclesiásticos de Cesare Baronio –, não se lhe conhece, por exemplo, uma colecção ou o apadrinhamento continuado de um artista, arquitecto ou escritor 241 . O seu perfil adequa-se, isso sim, ao do «Príncipe da Igreja», segundo o modelo teorizado por Gasparo Contarini, preocupado com as necessidades da sua diocese e mais atento ao decoro, ao fim prático e simbólico das suas encomendas do que aos valores intrínsecos da arte.

O binómio Igreja Triunfante / Igreja Militante que marcou o contexto pós- tridentino teve, pois, reflexo na actuação do bispo-conde. Ao mandar construir, reformar e prover as residências episcopais (paços e quinta de São Martinho), a Sé e os conventos femininos da cidade, não só cumpria com os desígnios do bispo reformador, como acentuava a carga celebrativa do triunfo do Catolicismo por via da retórica comemorativa dos empreendimentos sob a sua

241 Sobre a distinção entre os conceitos de mecenato e patrocínio, veja-se Burke 2004.

334 responsabilidade. Além destas iniciativas, não quis também de deixar de atender ao pedido de apoio de outras instâncias, contribuindo para as obras já aludidas das Misericórdias de Faro e de Coimbra e para as calçadas e fontes desta última cidade, mercês que traduziam o seu interesse no bem comum e no melhoramento das sedes dos seus bispados.

Como testemunho visível e memória da sua liberalidade, D. Afonso fez timbrar as suas armas naqueles que consideraria os principais marcos do seu último e mais longo bispado: Sé, paço episcopal e convento de Santa Ana. Neste, é ainda particularmente interessante registar, em simultâneo com as preocupações da reforma dos conventos femininos, a revelação de uma aspiração de foro pessoal, ligada à legitimação do seu nome e da família Castelo Branco, criando um legado que concede a seu primo D. Duarte e ao recém-criado morgadio do conde de Sabugal.

Quanto à «obrigação geral que os prelados têm de fabricar e ornamentar a sua sé catedral»242 , tinha D. Afonso de Castelo Branco, ao fim de treze anos à frente do bispado de Coimbra, a consciência de ter cumprido esse dever e até de ter ido além dele na sua larga generosidade. A construção da sacristia constituiu o maior empreendimento do seu patrocínio na catedral, a que se seguiu a ampliação do coro-alto. As restantes obras levadas a cabo na Sé encontram-se menos documentadas, havendo apenas notícias dispersas sobre a ampliação do adro da igreja e a construção de um fontanário no embasamento do adro, onde o bispo-conde fez timbrar as suas armas junto das de D. Jorge de Almeida. Ambos em data incerta.

Em termos simbólicos, enquanto a sacristia e o coro se relacionavam estreitamente com a celebração litúrgica, o adro era o local de reunião dos fiéis prévio ao ingresso na Sé e o espaço reservado aos penitentes. Tratando-se de

242 Instrumento público de pura doação inter vivos entre D. Afonso Castelo Branco e a Sé e cabido de Coimbra. Coimbra, nos aposentos do bispo, 22 de Janeiro de 1602. Publ. em Garcia 1892, 10: 392.

335 uma das três áreas constantes na tradição planimétrica das igrejas, cuja função se manteve sempre fiel a si mesma (pórtico/adro; nave e presbitério), o adro e o pórtico foram valorizados pela literatura pós-tridentina, nomeadamente pelos cardeais Cesare Baronio e Carlo Borromeo, que procuraram demonstrar a continuidade não quebrada entre a Igreja antiga e a moderna 243 . Tratava-se, pois, da renovação do valor simbólico desses espaços, realizada em concordância com as mais recentes teorizações sobre os edifícios do culto.

D. Afonso de Castelo Branco, como sublinhei, mantinha estreito e cordial contacto com a corte papal, através de correspondência e de troca de ofertas, com o intuito não só de favorecer os seus interesses pessoais como de se manter actualizado sobre os mais recentes desenvolvimentos políticos em Roma. Entre as missivas, chegavam-lhe também as últimas publicações, algumas das quais ele requeria expressamente. Se não se pode, actualmente, elaborar considerações aprofundadas sobre a sua livraria, dado não ser ainda conhecido o seu testamento e a relação das obras de que era proprietário, há porém alguns livros relacionados com a arquitectura religiosa que hoje sabemos terem feito parte da sua livraria. Que foi, acrescente-se, classificada pelo seu biógrafo como das melhores existentes ao tempo em Portugal e que o bispo-conde teve intenções de doar ao Colégio de Jesus em Coimbra.

Nas suas cartas para Roma, fala-se, então, além de obras relacionadas com a liturgia (cerimonial, missal, pontifical e breviário), dos volumes da autoria do cardeal Baronio e Borromeo. Pedindo também que Confalonieri lhe envie, sobretudo, livros que sejam «raros e muito conhecidos como os que agora se imprimiram aí em Roma do Templo e das Cidades»244 . D. Afonso referia-se ao recentíssimo tratado do padre Villalpando, de que encomendara um exemplar, enviado em 1606 num navio de Liorne, que acabou por ser tomado pelos

243 Cfr. Mariani 1989; Ostrow 2009. 244 Carta de D. Afonso de Castelo Branco a João Baptista Confalonieri, secretário do patriarca Jerusalém. Lavos, 12 de Dezembro de 1605. ASV, Fondo Confalonieri , Vol. 39, fls. 245-47 (ref.ª José Pedro Paiva).

336 holandeses.

Estes acrescentos à sua biblioteca com as mais recentes publicações são testemunho claro não só da sua cultura generalizada, como do seu interesse pelas matérias associadas à arquitectura religiosa e seu patrocínio, desenvolvidas em contexto pós-tridentino, quer numa perspectiva histórica – Baronio –, no seu enquadramento teórico – Villalpando – ou nos aspectos de gestão e conservação dos edifícios do culto – Borromeo. Tendo, além disso, mantido relações próximas com homens de erudição amplamente reconhecida, como o jesuíta Francisco Suárez 245 . Se por qualquer razão lhe faltassem os recursos para instrução das obras que patrocinou na Sé e na cidade de Coimbra, encontraria certamente por via destes contactos a informação bastante para se inteirar dos assuntos do seu interesse.

D. Afonso de Castelo Branco era, pois, um encomendante suficientemente informado para poder intervir pessoalmente ou através de agentes da sua nomeação no planeamento das obras, estabelecendo os programas que serviriam de base aos projectos. Nomeadamente no da sacristia da Sé de Coimbra, para a qual não existiam modelos além da do Convento de Cristo em Tomar. Ao bispo-conde não só se atribui aqui a iniciativa, como a instrução do projecto e do programa simbólico e funcional 246 , capacitado pela sua cultura actualizada e apoio dos seus consultores, membros do clero e profissionais da arquitectura com quem contactou. Nomeadamente Filipe Terzi que, além da ampla erudição arquitectónica, conhecia bem a sacristia tomarense tomada por arquétipo para a de Coimbra, num programa não necessariamente

245 Note-se que é atribuída a Francisco Suárez a instrução de umas das mais completas Constituições Sinodais publicadas na Época Moderna em Portugal, que são as Constituições do Bispado da Guarda (1621), as quais reflectem muito particularmente a influência da Instructionum Fabricae de Carlo Borromeo e dão justa atenção ao espaço da sacristia e a alguns dos seus aspectos formais (sobre esta matéria, veja-se acima as pp. 118-25). No entanto, a influência do padre jesuíta na sacristia da Sé de Coimbra só se poderia ter verificado no final da obra e não ao nível do projecto, dado que só a partir de 1597 viria leccionar para a cidade. 246 Sobre o debate historiográfico acerca dos projectistas e encomendantes veja-se Castellano 1990.

337 fixo, mas entendido como um diálogo flexível entre o encomendante e o(s) projectista(s), partilhando uma compreensão mútua.

Para a materialização do projecto da sacristia, D. Afonso demonstrou cuidado na eleição e contratação dos seus mestres. Ao nível da arquitectura, a hipótese que proponho considera que tenha recorrido ao engenheiro e arquitecto-mor do Reino, Filipe Terzi, para aconselhamento no plano, pelas razões já apontadas, e que tenha entregue o projecto a Jerónimo Francisco. Além de acumular os cargos oficiais de mestre das obras da Universidade e da Cidade de Coimbra, Jerónimo foi mestre das obras do próprio prelado, assumindo-se, à época, como o oficial mais habilitado da cidade com provas dadas nos empreendimentos que lhe são atribuídos. Na falta de documentação escrita, é necessário direccionar o olhar em exclusivo para os edifícios: a opção pelo partido decorativo coimbrão e as semelhanças que a sacristia partilha com a igreja do Carmo são indício claro de uma mesma filiação projectual e construtiva.

O programa decorativo da sacristia envolveu revestimentos de azulejo de padrão polícromo e de pintura mural de brutesco, mobiliário, imaginária e um ciclo de pintura. Para o efeito, o bispo-conde serviu-se dos recursos locais e, quando a oferta em Coimbra se revelou insuficiente, procedeu a encomendas a Lisboa. Através dos seus legados, D. Afonso mantinha-se a par do que de melhor havia na capital, desde a produção lisboeta de bens artísticos e de luxo aos objectos trazidos na carreira das Índias. Como procuradores privilegiados, os seus legados procediam, em seu nome, às encomendas e contratos, como aconteceu por exemplo com as aquisições das pedras de bezoar e de luvas de âmbar que enviou para Roma, ou com a escritura contratual realizada com os ourives Domingos e Miguel Vieira para o sepulcro da Rainha Santa. O mesmo terá sucedido com a encomenda dos azulejos, que se encontram atribuídos à produção das oficinas da capital.

No que se refere à mão-de-obra local, além de Jerónimo Francisco,

338 trabalharam na sacristia pedreiros e outros oficiais conimbricenses, como o ensamblador Simão da Mota responsável pela execução da estrutura retabular colocada sobre os arcazes. Este mestre ensamblador, morador em Coimbra, encontrava-se a trabalhar no coro da Sé, executando e dando feitio de peças. O projecto do coro foi riscado pelo Bernardo Coelho, chamado de Lisboa em 1600 para o efeito. A partir de 1603 deve ter sido substituído por Mota, que uma década depois voltaria a executar um projecto do mesmo ensamblador régio, desta feita o retábulo da capela de S. Miguel da Universidade, onde se expõem pinturas de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão. Também a estrutura que fez sobre os arcazes se destinava a um ciclo pictórico narrativo da autoria da mesma dupla de pintores.

Simão Rodrigues (c.1560-1629), descrito num alvará de Filipe II como «um dos melhores pintores de imaginária do que há nestes Reinos» 247 , alcançou fama e notoriedade na sua época, tendo-lhe sido entregues um número muito significativo de ciclos de pintura. Nomeadamente em Coimbra, onde está identificado desde 1597, a trabalhar em parceria com Domingos Vieira Serrão (1570-1632) nos retábulos da igreja do Carmo, da igreja do Mosteiro de Santa Cruz (c. 1611), capela de São Miguel da Universidade (c. 1612-13) e, de novo, no mosteiro crúzio em 1620. A sua presença na cidade não passou desapercebida ao bispo-conde, que lhes confiou a execução das pinturas dos arcazes da sacristia e, posteriormente, o retábulo-mor da igreja do convento de Santa Ana. Conhecendo-se no seu catálogo de obras também campanhas de pintura mural, quem sabe se não foram também eles os pintores lisboetas que trabalharam na decoração a fresco do paço episcopal e da sacristia?

D. Afonso de Castelo Branco dispunha, na sua casa, de outros oficiais de pintura, nomeadamente Mateus Coronado, documentado na Sé a executar

247 Serrão 1983, 273. Adriano de Gusmão (1957) e Vítor Serrão (1982, 2000, 2006) revelaram dados sobre Simão Rodrigues (c. 1560-1629) e identificaram a actividade da sua oficina, estilisticamente enquadrada na última geração de pintores maneiristas. Sobre a actividade deste pintor e do seu parceiro, Domingos Vieira Serrão, em Coimbra, veja-se também Dias 1983.

339 pequenos trabalhos como o douramento de varas e a pintura de sacras para a sacristia em 1606 248 . Segundo Vítor Serrão, Coronado deverá ser o autor do mediano ciclo de Tobias encomendado pelo bispo-conde e actualmente exposto no paço da Universidade 249 . No entanto, para a dotação das obras oficiais de seu patrocínio, o bispo-conde optou pelos artistas de nomeada, que eram Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, mais competentes para dignificar o seu propósito, em face da modesta oferta local em matéria de pintura. Este desejo de ajustar a qualidade artística aos seus desígnios confirma, uma vez mais, a ideia de D. Afonso de Castelo Branco como encomendante atento e informado.

A sacristia da Sé de Coimbra foi concebida e edificada como uma sala monumental, onde a matriz clássica e o decorativismo coimbrão se conjugaram para dar resposta formal aos desígnios funcionais e simbólicos requeridos pelo encomendante. O sentido celebrativo do espaço foi, depois, intencionalmente realçado pela aplicação de azulejos e de frescos, inaugurando um dispositivo decorativo que teria larga aplicação nos interiores religiosos ao longo do século XVII. Terá sido, igualmente, nesta sacristia que se estreou a solução do género pictórico narrativo aplicado em ciclos pictóricos expostos nos espaldares dos arcazes, depois usado noutras sacristias. No geral, a arquitectura, as artes integradas e a iconografia contribuíram para a realização da sacristia como uma obra de arte total, essencialmente marcada pelo reconhecimento do sentido devocional acrescido que lhe fora atribuído pela liturgia tridentina. Acima de qualquer dúvida, o sentido programático e o alcance da iniciativa devem-se ao bispo-conde que a patrocinou.

«O bom que nela há D. Afonso o deu»... Palavras que recordam o impacte

248 Em Maio de 1606, mandar-se-iam fazer sacras: «folhas de sacra # comprou sete folhas de sacra e outros papéis para a sacristia que custaram um cruzado – 400rs.»; «Carpinteiro # Gastou o Carpinteiro catorze dias em assentar todos estes papéis nas tábuas com suas molduras e outras que fez para os livros da cantoria em que se montou mil e novecentos e sessenta rs. Pintura # Deu ao Coronado de pintar as molduras mil rs. 39: douramento de varas 3 mil rs. AUC, LRDOS, Livro 108, fls. 38-38V. 249 Serrão 2005a.

340 da obra à época, que como empreendimento raro e magnífico andou sempre associado às memórias históricas que se redigiram sobre D. Afonso de Castelo Branco. Seguramente, ao tempo em que foi concluída provocou uma impressão bastante forte em Coimbra, dado, pouco depois, em Santa Cruz ter sido iniciada a construção de uma sacristia de monumentalidade equivalente, embora mais apurada no sentido do clássico. Walter Crum Watson não poderia ter emitido um juízo mais arguto quando conclui: «Altogether it is very like the sacristy of Santa Cruz built some thirty years later, but plainer» 250 .

250 Watson 1908, 251.

341

342

Conclusão

Embora com origens recuadas na história da arquitectura, a sacristia, como a concebemos hoje, é uma realização da Época Moderna. Para a definição e autonomia deste espaço concorreram factores artísticos, relacionados com a pesquisa arquitectónica e a cultura material, e outros históricos derivados da Reforma Católica, nomeadamente a exortação ao decoro do culto e a normalização da liturgia. As sacristias portuguesas, em particular, constituem um excelente universo de estudo, formado por exemplares de características aproximadas que obedecem aos usos concretos que se foram estabelecendo, com especial clareza, ao longo do século XVI. A finalidade principal desta tese foi, pois, a de compreender, primeiro, o processo de configuração da sacristia enquanto tipologia autónoma e, depois, a introdução e desenvolvimento de modelos particulares em Portugal.

Em termos formais, a tipologia evoluiu das experiências espaciais do Renascimento italiano, que definiram um esquema adequado às funções atribuídas à sala. A formação do tipo considerou, além disso, a integração, de forma lógica e funcional, dos elementos específicos do espaço – mobiliário de conter e lavabo –, também estes conformando tipologias particulares que se foram especializando ao longo dos séculos XV e XVI. Progressivamente, os primeiros modelos de espacialidade cúbica deram lugar a sacristias de planta rectangular, cobertura abobadada e dimensões generosas, seguindo o mesmo dispositivo de distribuição dos diferentes elementos que compunham a sala: dispondo um altar num topo, o mobiliário ao longo dos alçados laterais, e o(s) lavabo(s) em áreas vantajosas à preparação das celebrações e circulação dos

343 vários celebrantes no interior. Ao longo do século XVI e sobretudo a partir do período pós-tridentino, generalizou-se uma maior atenção sobre as sacristias e o sentido de aparato, alcançado por projectos arquitectónicos e decorativos de grande valor artístico.

Outros critérios, do foro construtivo, deram lugar à preocupação com o arejamento e iluminação das sacristias, para favorecer a conservação dos ornamentos e um ambiente acolhedor; como também a segurança e controlo dos acessos, de forma a evitar furtos. Todos estes critérios foram sendo normalizados mais por via da experimentação e daquilo que se foi tornando costume e tradição, do que pela tratadística da arquitectura, a qual abordou a sacristia essencialmente na perspectiva da sua relação planimétrica com a concepção do espaço eclesial. Só nas disposições dos textos legislativos eclesiásticos encontramos instruções acerca das especificidades da sacristia, seja no tocante às suas funções, ao modo como devia ser construída e aos seus componentes particulares, como ao nível dos comportamentos e rituais que se deviam cumprir.

A Instructionum fabricae et supellectiles ecclesiasticae (1577) de Carlo Borromeo é, a todos os títulos, o texto mais exemplar a respeito da normalização da arquitectura religiosa no contexto da Reforma Católica, especificando, de forma muito pragmática e minuciosa, todos os aspectos relacionados com os interiores das igrejas, incluindo um capítulo inteiramente dedicado à sacristia. A obra teve divulgação por toda a Europa Católica – na sua edição autónoma, ou incluída nas Acta Ecclesiae Mediolanensis – e foi conhecida também em Portugal, certamente pela mão dos contactos com quem o cardeal italiano manteve, desde cedo, estreitas relações. A instrução de Borromeo chegou mesmo, mais tarde, a influenciar a legislação sinodal portuguesa, sendo especialmente notória nos termos em que são redigidas as disposições a respeito das igrejas, e também das sacristias, publicadas nas Constituições da Guarda (1621), como procurei demonstrar.

344 Neste quadro, poderá admitir-se a possibilidade de troca de informações sobre as medidas reformadoras entre o clero português e o arcebispado de Milão. Além da conhecida relação de Frei Bartolomeu dos Mártires, Borromeo foi Cardeal Protector dos Crúzios e de Portugal, pelo que tal intercâmbio constitui uma hipótese plausível, que terá, no entanto, de vir a ser esclarecida com maior propriedade, reunindo outros dados. E, neste sentido, perceber até que ponto as matérias da Reforma, em particular as relacionadas com a arte ao serviço do culto, foram discutidas fora do âmbito estrito do Concílio Tridentino, por via epistolar ou pelos contactos dos agentes eclesiásticos que viajavam para fora do País. De facto, esta revela-se uma questão fundamental para explicar a partilha de formulários semelhantes, na criação de regras e de modelos, evidenciada pela leitura dos textos do foro eclesiástico (constituições sinodais e outros) e na constituição da identidade tipológica espacial e decorativa dos diferentes espaços relacionados com o culto, entre os quais o da sacristia.

Seria, pois, importante clarificar se tais contactos incluíram impressões e informações sobre questões relacionadas com a arquitectura e decoração das igrejas, elucidando a origem de determinadas soluções. A este propósito, cabe recordar que, no que toca à designada planta da igreja contra-reformista (nave única de capelas cripto-colaterais), já foi sugerida a ascendência de planos tardo- medievais ibéricos sobre as realizações italianas. Com efeito tem, igualmente, sido debatida a sucessão de planos para a igreja de São Roque, cujo tipo antecedeu, justamente, a igreja do Gesù em Roma, casa-mãe da Companhia de Jesus. A discussão supra-nacional sobre os edifícios destinados ao culto, colocada na esfera eclesiástica, é, de facto, um factor que perturba a habitual leitura unidireccional centro-periferia. Isto quando se trata da arquitectura do período moderno, ao converter Itália no principal centro difusor artístico e as restantes realidades, nacionais ou regionais, como meros receptores passivos.

Em termos formais, a influência da arquitectura italiana, e sobretudo da tratadística, é indiscutível no plano da pesquisa da arquitectura clássica. Foi ela

345 que ditou o partido de algumas das principais iniciativas arquitectónicas em Portugal, agenciadas pelo informado patrocínio régio e pelos mais representativos arquitectos régios da época. Contudo, nos centros regionais que compunham o País, com as suas especificidades particulares, e fora da alçada da encomenda régia a realidade é distinta e está ainda longe de se achar completamente esclarecida. Por outro lado, ao estudar a arquitectura e a arte religiosa do período em análise é indispensável procurar identificar o papel dos agentes da Igreja na definição de programas. Trata-se, afinal, de duas questões distintas. De uma parte, temos a cultura artística dos encomendantes e dos arquitectos e artistas que proporcionaram a introdução e o desenvolvimento de formulários mais actualizados ou que, no sentido inverso, perpetuaram dispositivos formais já estabelecidos. Colocando-se, de outra, a questão das tipologias e dos programas mais adequados à função dos edifícios e das obras de arte ao serviço do culto, uma discussão apartada das matérias propriamente artísticas, mas que, nas circunstâncias da arte pós-tridentina, esteve na base dos projectos empreendidos.

No caso particular das sacristias, não se tratando do espaço principal do culto e sem referentes na tratadística da arquitectura, é mais complicado perceber os mecanismos de divulgação de modelos, dada a escassez de dados conclusivos. Mas, terá sido um percurso onde actuaram, em simultâneo, as duas vias indicadas: uma por meio dos circuitos internos eclesiásticos, orientados para a adequada função da tipologia; e a outra integrando os amplos mecanismos de circulação de formas artísticas, pela mão de agentes informados e encomendantes, além dos arquitectos e artistas.

No que respeita à introdução e desenvolvimento da tipologia fora de Itália, onde se estabeleceu o arquétipo definitivo, vimos como, em Espanha, a ideação de sacristias segundo o novo formulário clássico e os critérios funcionais definidos foi bastante precoce, recuando à década de 1520. A originalidade do caso espanhol radica na criação de um modelo particular, caracterizado pela

346 solução prática de distribuição do mobiliário em arcossólios rasgados nos alçados laterais, à maneira das capelas tumulares tardo-góticas. Este modelo, inaugurado na Sacristia de las Cabezas, em 1532, teve grande fortuna até ao século XVIII, convivendo em paralelo com outras soluções monumentais, produto do maior contacto dos arquitectos com a realidade artística italiana – casos de Siloe e Vandelvira, sobretudo.

Por sua vez, Portugal representa uma realidade distinta. Embora no início de Quinhentos se possa identificar aqui uma progressiva nobilitação do espaço, a maturação da identidade espacial da sacristia ocorreu apenas no último quartel da centúria, coincidindo, ao mesmo tempo, com a difusão das orientações pós- tridentinas sobre a arquitectura eclesial e a consolidação do classicismo como matriz construtiva. Como tive oportunidade de esclarecer, foi nos planos dos novos empreendimentos monástico-conventuais, maioritariamente de iniciativa e patrocínio régio e projectados pelos principais arquitectos da corte, que a sacristia surgiu perfeitamente delineada segundo o sistema clássico, onde cada elemento foi integrado, agindo como módulo, num todo pensado de raiz. A este facto não deve ser alheia a maior atenção dada às tipologias das artes decorativas desenvolvidas especificamente para a sacristia – o mobiliário e os lavabos –, que só nesse período encontram pleno amadurecimento no espaço português, iniciando percursos individuais de grande originalidade no contexto das artes decorativas europeias.

Neste contexto, a sacristia do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra assume um estatuto de indiscutível interesse, considerando que foi uma obra isolada acrescentada ao complexo edificado existente. A iniciativa da sua construção reflecte, justamente, não só a generalização do modelo clássico de sacristia, como de uma ideia de representação e monumentalidade associada ao espaço, de que os crúzios não abdicaram para a casa-mãe. Os limites impostos por uma tese não me permitiram, como inicialmente desejara, alargar-me no estudo deste edifício (cuja história da construção reserva ainda alguns dados de

347 interesse). Julgo, todavia, que as páginas que lhe dedico trouxeram novidade quanto aos seus modelos de influência, de grande erudição e claramente com origem nos exemplos italianos citados, que apontam para a intervenção de Baltazar Álvares no projecto da sala principal, na qualidade de arquitecto régio e arquitecto do mosteiro crúzio de São Vicente de Fora, contrariando a atribuição tradicional dada a Pedro Nunes Tinoco. É uma hipótese que deixo em aberto, para discussão futura.

Ainda que tenha sido o modelo clássico o que melhor traduziu a configuração da sacristia, enquanto unidade espacial com a sua dinâmica própria, a construção de uma genealogia da tipologia não podia deixar de fora outras soluções que conviveram em paralelo e que, na sua raiz, partilham um significado cultural comum. Trata-se de espaços configurando, originalmente, plantas simples, de maior ou menor amplitude, cobertura abobadada e de feição chã. O seu interesse deriva do modo peculiar como, em Portugal, se respondeu, sobretudo a partir do século XVII, à necessidade sentida de nobilitação destas salas, por meio de programas decorativos, conjugando as tipologias monumentais do mobiliário e dos lavabos com revestimentos azulejares e/ou afrescados e ciclos de pintura. Uma solução polivalente, ajustável a diferentes situações, fossem estas a falta de cabedais para a contratação e execução de um projecto arquitectónico de maior exigência; ou a recriação de espaços previamente construídos.

No universo das sacristias catedralícias portuguesas cruzam-se, de modo particularmente interessante, estas questões com outras, ligadas à encomenda episcopal. Na deriva de Trento, a obrigatoriedade de residência dos bispos nas respectivas dioceses traduziu-se – ou pelo menos assim se desejou – num maior comprometimento com as obrigações do seu múnus, das quais fazia parte a visitação pastoral das respectivas sés e dioceses e a gestão dos edifícios da Mitra. Começando pelas campanhas de reedificação e decoração dos paços episcopais, até ao provimento das sés e à reforma da arquitectura eclesial dos bispados,

348 alguns prelados portugueses distinguiram-se notavelmente pela atenção despendida às matérias temporais, ou seja, aquelas relacionadas com a renovação e dotação dos edifícios eclesiásticos, tomando em suas mãos a responsabilidade directa das obras.

É, sem dúvida, um tema que urge aprofundar e sobre a qual se impõem estudos que revelem o modo como os bispos habitaram nas suas residências, as características das suas Casas e a dimensão da encomenda artística e dos empreendimentos que patrocinaram, ultrapassando as limitações que frequentemente surgem, seja pela falta de documentação, desaparecimento ou transformação dos espaços que patrocinaram.

Seguindo o caso do clero regular e em virtude da atenção redobrada com o decoro do culto, na sequência do concílio tridentino, a sacristia foi-se tornando, progressivamente, um espaço de maior relevância e aparato nas sés portuguesas, susceptível do patrocínio e mecenato episcopal. No entanto, ao contrário do que aconteceu em Espanha, só a partir do último quartel do século XVI se começaram a encomendar salas exclusivamente destinadas à preparação das celebrações litúrgicas, equivalente na dimensão e importância à representatividade das catedrais. Mas, não se tratou de um fenómeno imediato ou generalizado, nem tão-pouco teve o alcance artístico das congéneres espanholas revelando, em termos comparativos, uma realidade mais modesta, mesmo no caso das novas sés iniciadas no final do reinado de D. João III. Poder- se-á concluir que a encomenda de sacristias no sector catedralício português beneficiou, sobretudo, da dinâmica construtiva proporcionada por algumas Fábricas – casos das sés de Leiria e de Elvas – ou da iniciativa e liberalidade dos bispos que as patrocinaram a título pessoal – casos das sés de Viseu e de Coimbra.

Se estas quatro obras se enquadram nas políticas reformadoras dos seus principais promotores, cada uma delas resultou de circunstâncias particulares

349 que importa assinalar. Em relação à Sé de Viseu, por exemplo, apesar de a respectiva sacristia se apresentar como um protótipo da tipologia, o seu significado prende-se, sobretudo, com a erudição de D. Jorge de Ataíde em matérias da liturgia, um dos designados pelo papa Pio IV para a reforma do Missal Romano, após a sua participação na terceira sessão do Concílio de Trento. A normalização do ritual, como se viu, teve reflexo na maior importância atribuída ao espaço da sacristia, também expressa nas normativas a respeito dos edifícios do culto integradas nas constituições sinodais e nas instruções para a visitação pastoral, sobretudo a partir do período pós-tridentino.

Essa consciência gradual da importância do espaço e sua adequada conformação tipológica é particularmente testemunhada nas alterações ao projecto joanino da sacristia da Sé de Leiria, sob o bispado de D. Pedro de Castilho. Como procurei explicar, foram abertas capelas a eixo nos topos para albergar o altar e o lavabo monumental, delimitando com solenidade as áreas associadas a dois dos principais momentos da preparação dos celebrantes – a oração e a ablução ritual das mãos. Esta adaptação, a meu ver, estará relacionada com a influência directa de D. Pedro nas matérias da gestão da fábrica, a qual obteve, neste período, um impulso decisivo para a sua conclusão.

O caso de Elvas resulta das obras de adaptação da igreja matriz a catedral e de uma obra que atravessou quatro bispados. D. António de Matos de Noronha foi o principal mentor do projecto, que envolveu a construção das dependências necessárias a uma Sé, incluindo uma nova e mais ampla sacristia, depois beneficiada por D. Rui Pires da Veiga e D. Sebastião de Matos de Noronha com o patrocínio de avultadas campanhas decorativas de pintura mural e revestimento azulejar, que lhe conferiram maior graça.

A sacristia da Sé de Coimbra representou um caso de excepção, notável pela configuração tipológica, monumentalidade do projecto e dispositivo decorativo. Hoje, o seu carácter extraordinário é difícil de avaliar em virtude da

350 destruição parcial do espaço, que comprometeu irremediavelmente a sua leitura. No entanto, com a proposta de reconstituição em desenho da planta e alçados, espero ter contribuído para recuperar do esquecimento esta obra, outrora tão relevante no conjunto das sacristias portuguesas, quer do ponto de vista patrimonial, como no âmbito cultural mais amplo da encomenda episcopal. Formalmente, a sacristia da Sé de Coimbra aproxima-se do modelo do classicismo proposto nas realizações monástico-conventuais, reinterpretado pela tradição coimbrã. Por outro lado, inaugura o dispositivo decorativo que se tornou característico das sacristias portuguesas, conjugando o revestimento azulejar de padrão, a pintura mural decorativa de brutesco, arcazes com ciclos pictóricos narrativos expostos no espaldar, além de um lavabo monumental de excelente desenho. A sua qualidade exemplar viria, três décadas depois, a influenciar decisivamente as intenções dos Cónegos Regrantes quanto ao projecto da nova sacristia do Mosteiro de Santa Cruz.

O sentido programático e alcance artístico da Sé de Coimbra devem-se ao bispo-conde que a patrocinou. D. Afonso de Castelo Branco destacou-se pelo seu percurso de excepção na carreira eclesiástica e nos cargos que assumiu ao serviço dos reis D. Sebastião a Filipe III. Manteve, além disso, contacto estreito com a corte papal, trocando presentes e correspondência com cardeais e pontífices, visando informação sobre os assuntos da Igreja e o favorecimento das suas causas. Foi um bispo reformador e esclarecido, que, sem se afastar das orientações tridentinas, partilhou dos códigos culturais do seu tempo. Esse perfil consciencioso e liberal ecoa nas suas encomendas e patrocínios, mostrando uma coerência exemplar nas obras que promoveu como bispo do Algarve e de Coimbra, preocupando-se com os paços episcopais, as sés, as misericórdias e os conventos femininos. Em particular, o convento de Santa Ana, em cuja igreja D. Afonso se fez sepultar.

Para a materialização dos seus intentos, o bispo-conde mostrou-se atento ao que de melhor se fazia, fazendo as suas encomendas e contratos na região ou,

351 quando necessário, mandando vir mestres e obras de Lisboa. Foi também o que sucedeu na sacristia da Sé de Coimbra. Ao nível do espaço, pareceu-me que o modelo deriva da sacristia do Convento de Cristo de Tomar. Nesse sentido, na instrução do plano poderá ter tido um papel importante o engenheiro-mor do reino Filipe Terzi, que D. Afonso conhecia. Mas, o projecto final e orientação da obra deve ter sido entregue a Jerónimo Francisco, que, além dos cargos oficiais da cidade, era mestre das obras do bispo. Essa dedução é ainda reforçada pelo peso da tradição decorativa coimbrã, bem visível no que resta da abóbada de caixotões. Paralelamente, os trabalhos de cantaria e talha resultaram da mão-de- obra local altamente especializada, enquanto o revestimento azulejar, o lavabo e o ciclo de pintura sobre os arcazes são obra de mestres lisboetas. A arquitectura e decoração da sacristia da Sé de Coimbra configuraram, assim, uma obra unitária e excepcional em Portugal à época, resultando da vontade e empenho do seu patrocinador D. Afonso de Castelo Branco.

Esta tese pretende contribuir, assim, para o estudo dos temas da sacristia e da encomenda e patrocínio episcopal em Portugal no período da Reforma Católica. São assuntos que se abrem a múltiplas possibilidades de análise e em que se cruzam questões de ordem diversa, sejam elas de natureza artística, cultural, social ou institucional. Se, por um lado, o reconhecimento do lugar de importância da sacristia é um dos aspectos mais significativos da arquitectura e arte religiosa do período pós-tridentino, por outro o mecenato do alto-clero constitui, seguramente, um campo de investigação fértil no quadro das práticas de consumo e cultural material das elites portuguesas da época.

352

Fontes e Bibliografia

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Fondo Segreteria di Stato – Nunziature Diverse / Avvisi

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102 – Este he o liuro da obra do anno que começou o primrº dia de Julho do anno de

354 1580 annos, E obreiro os s r Pero brandão, escrivão fr co Vaz Pinto

104A – Livro de receita e despesa da obra da Sé 1589-1591

105: Despesas da obra do anno que começou o primeiro dia de Julho de 1596. Em que obreiro António de Oliveira e escrivão o cónego Brás de Madureira (1596-98)

106: Livro da obra do Anno que começou o primeiro de Julho de 98 – em que é obreiro o senhor Simão de Castro – e escrivão Brás de Madureira e por ele renunciar tresladou este livro o Cónego António Dias da Cunha por mandado do Cabido (1598- 1604)

108: Despesa da conesia da obra do Ano que começou o primeiro dia de Julho de 1604 em que foi obreiro o senhor cónego António de Oliveira e escrivão Simão Pinto (1604-11)

109: Livro de Receita, e despesa do Rendimento da Conesia da obra da Sé de Coimbra, em que foi Obreiro o senhor Fernão Nunes da Costa Conego nela; este ano presente que começou pelo primeiro de Julho deste ano de seiscentos e onze, e acabou por fim de Junho de seiscentos e doze

110: Livro da despeza da obra que começou o primeiro de Julho de 617 e acaba em Julho de 618 .

112: Julho 632 Da obra

113: Livro da despeza da Conezia da obra do ano de 634 para 635 em que é obreiro o D. or António Fernandes de Carvalho e escrivão Jerónimo de Bastos Carneiro (1634-37)

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Reservados - Colecção Pombalina:

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DES.00042097, Planta da Sé Velha de Coimbra, 1957-1962 (IPA.00002673).

DES.00049361, Planta do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (IPA.00004234)

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DES.00132717, Planta da Sé Velha de Coimbra, 1957-1962 (IPA.00002673).

DES.00305667, Planta do mosteiro de São Vicente de Fora (IPA.00006529)

DES.02000236, Planta da Sé de Leiria, desenho de Camilo Korrodi actualizado por Virgolino Ferreira Jorge, 2005 (IPA.00001804).

Planta geral do Convento de Cristo em Tomar, levantada pelo arquitecto Manuel Tomás de Sousa Pontes, século XIX. Cópia de Carlos Augusto Lopes.

FOTO.00084214, Fotografia da escada do coro da Sé de Viseu, s/d.

FOTO.00095686, Fotografia da cabeceira Sé Velha de Coimbra, após a demolição da sacristia.

FOTO.00095690, Fotografia da cabeceira Sé Velha de Coimbra, durante o restauro do exterior da abside.

358 FOTO.00095695, Fotografia da fachada exterior da sacristia da Sé Velha de Coimbra durante a intervenção da DGEMN.

FOTO.00095792, Fotografia da cabeceira Sé Velha de Coimbra, após restauro da abside.

FOTO.00095919, Fotografia da cabeceira Sé Velha de Coimbra, antes da demolição da sacristia, anterior a 1918.

FOTO.00166285, Fotografia do exterior da sacristia e casa do cabido da Sé de Elvas, 1968.

Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (AHMOP)

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391

ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS

1| Basílica de San Lorenzo, Florença. Sacristia Velha (F. Brunelleschi, 1421-29; patrocínio de Giovanni di Bicci de’ Medici) ...... 20

2| Basílica de San Lorenzo, Florença. Lavabo da Sacristia Velha (Andrea del Verrocchio, 1421-29) ...... 20

3| Santa Maria presso San Satiro, Milão. Sacristia (Donato Bramante, 1476-82; encomenda do duque Galleazo Maria Sforza)...... 22

4| Basílica de Santa Maria del Santo Spirito, Florença. Sacristia (Giuliano da Sangallo, 1489- 96; encomenda de Lorenzo de’ Medici)...... 22

5| Catedral de Murcia, sacristia (Jacobo Florentín – arquitectura e mobiliário, 1522-48). . 26

6| Igreja de Santiago de Orihuela, cúpula da sacristia (atrib. Jerónimo Quijano, act. 1524- 63)...... 26

7| Catedral de Sevilla, sacristia (atr. Diego Riaño / Diego de Siloe, 1535-43)...... 27

8| Catedral de Sigüenza, sacristia (Alonso de Covarrubias, 1532)...... 27

9| Igreja de San Salvador de Úbeda, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1536 plano; 1540-59 construção)...... 30

10| Igreja de San Salvador de Úbeda, pormenor da decoração escultórica da sacristia. ... 30

11| Catedral de Jaén, sacristia (Andrés de Vandelvira, 1548-77)...... 30

12| Mosteiro de Alcobaça, portal da sacristia (João de Castilho, patrocínio do rei D. Manuel)...... 35

13| Convento da Pena, Sintra. Sacristia (c. 1503-13, patrocínio do rei D. Manuel)...... 35

14| Mosteiro de Santa Maria de Belém, sacristia (João de Castilho, 1517-20; patrocínio do rei D. Manuel)...... 35

392 15| Casa professa de São Roque, Lisboa. Aspecto geral da sacristia...... 41

16| Igreja do colégio do Espírito Santo de Évora (Manuel Pires, 1566-74; patrocínio do cardeal D. Henrique), planta...... 42

17| Igreja do colégio de Jesus, Coimbra. Reconstituição do plano da igreja com base no projecto de 1568-69 da BnF (Lobo 1999)...... 45

18| Igreja do colégio de Jesus, Coimbra. Pormenor do levantamento arquitectónico de Guilherme Elsden, cópia de Joaquim de Oliveira, 1772...... 45

19 e 20| Colégio de Jesus em Coimbra, sacristia (concluída em 1640) ...... 47

21 e 22| Convento de Cristo, sacristia (c. 1580-89) ...... 52

23| Convento de Cristo, Tomar. Pormenor da planta do Convento de Cristo em Tomar, levantada pelo arquitecto Manuel Tomás de Sousa Pontes e copiada por Carlos Augusto Lopes, século XIX ...... 53

24| Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. Pormenor da planta geral...... 54

25| Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa. Aspecto geral da sacristia (plano de Baltazar Álvares, 1590; construção orientada por Luís Nunes Tinoco, 1688-1716) ...... 56

26| Convento da Cartuxa de Scala Coeli , Évora (Giovanni Vincenzo Casale, 1587; patrocínio do arcebispo D. Teotónio de Bragança e régio). Pormenor do projecto definitivo original (Casale, 1590) ...... 57

27| Mosteiro de São Bento da Saúde em Lisboa (Baltazar Álvares, 1598; patrocínio régio e dos marqueses de Castelo Rodrigo). Pormenor da ala sul da planta geral do edificado, século XIX...... 58

28| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, pormenor da planta geral...... 61

29| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, sacristia (atrib. Baltazar Álvares – traça, c. 1620- 22; construção orientada por Manuel João, 1622-24) ...... 61

30| Mosteiro de Santa Cruz, pormenor do arcaz da sacristia (1624)...... 62

31| Mosteiro de Santa Cruz, armário dos amitos (1624)...... 62

393 32| Mosteiro de Santa Cruz, lavabo (atrib. Pedro Nunes Tinoco, oficinas de Lisboa, década de 1620) ...... 63

33| Mosteiro de Santa Cruz, casa do oratório ...... 63

34-37| Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, mascarões dos portais da sacristia (1622-24). Teoria dos humores: melancólico , fleumático , colérico e sanguíneo ...... 66

38-41| Palazzo Doria-Tursi, Génova, mascarões das janelas do 1º piso (Taddeo Carlone, 1575; encomenda de Nicolò Grimaldi). Teoria dos humores: melancólico , fleumático , colérico e sanguíneo ...... 66

42| Palácio Apostólico em Roma, Sala Regia (Antonio da Sangallo, 1538-73; patrocínio do papa Paulo III)...... 71

43| Sé de Braga, sacristia (João Antunes, 1698; patrocínio do arcebispo D. João de

Sousa) ...... 75

44| Colégio de Santo Antão-o-Novo, sacristia (João Antunes, 1696; patrocínio – legado de D. Filipa de Sá, condessa de Linhares) ...... 75

45 | Convento de Mafra, sacristia (João Frederico Ludovice, 1730-37; patrocínio do rei D. João V) ...... 77

46| Carlo Borromeo, Instructionum Fabricae et supellectiles ecclesiasticae libri II , folha de rosto da primeira edição (1577)...... 88

47| Retrato de Carlo Borromeo (1538-1584), cardeal e arcebispo de Milão, por Giovanni Battista Crespi († 1632) ...... 88

48| Folha de escala em cúbitos, integrada na edição princeps da Instructionum Fabricae 88

49| Annales Ecclesiastici , Cesare Baronio, tomo III, 1592...... 121

50 | Constituições Sinodais do Bispado da Guarda , 1621.Lista de siglas e abreviaturas ... 121

51| Portada das Constituições Sinodais do Bispado de Viseu , 1617...... 121

52| Constituições Sinodais do Bispado de Portalegre , 1635 ...... 121

53| Igreja de Ferreira de Aves, traça ordenada por D. Jorge de Ataíde, na visitação realizada em 1573...... 135

394 54| Igreja matriz de Ferreira de Aves, Sátão, planta actual (1950)...... 135

55| Sé de Viseu, planta ...... 150

56| Sé de Viseu, corte no eixo do transepto com a sacristia à esquerda ...... 150

57| Sé de Viseu, muro exterior da sacristia ...... 152

58| Sé de Viseu, escadaria de acesso ao coro-alto ...... 152

59| Sé de Viseu, sacristia (1574). Patrocinada pelo bispo D. Jorge de Ataíde ...... 153

60| Retrato de D. Pedro de Castilho, óleo sobre tela, assinado Stanislau, séc. XVIII. Museu de Angra do Heroísmo (inv. SCAH 740) ...... 156

61| Constituições Sinodais do Bispado de Leiria, 1601, portada ...... 156

62| Santuário de Nossa Senhora da Encarnação de Leiria (1588, patrocínio do bispo D. Pedro de Castilho) ...... 160

63| Sé de Leiria, planta ...... 163

64| Sé de Leiria, claustro ...... 164

65| Sé de Leiria, alçado exterior do transepto e da ala direita do claustro. As duas janelas do piso inferior correspondem à sacristia ...... 164

66| Sé de Leiria, alçado do lavabo da sacristia ...... 165

67| Sé de Leiria, aspecto geral da sacristia ...... 165

68| Sé de Leiria, pormenor do lavabo da sacristia, c. 1590-1600 ...... 168

69| Sé de Leiria, lavabo da sacristia, c. 1590-1600 ...... 168

70| Igreja de Nossa Senhora da Penha de França (Lisboa), sacristia, c. 1650-60 ...... 168

71| Sé de Lisboa, lavabo da sacristia, c. 1650 ...... 168

72| Sé de Leiria, pormenor da pintura de brutesco que decora o intradorso das capelas da sacristia ...... 171

73| Sé de Leiria, abóbada da sacristia, fresco, século XVII ...... 171

74| Brasão de D. António Mendes de Carvalho, primeiro bispo de Elvas, gravura ...... 174

395 75| Retrato de D. António Mendes de Carvalho, gravura. Pormenor da folha de rosto das Primeiras Constituições Sinodais do Bispado de Elvas , 1635 ...... 174

76| Brasão de D. António de Matos de Noronha, segundo bispo de Elvas, gravura ...... 175

77| Retrato de D. António Matos de Noronha, gravura. Pormenor da folha de rosto das Primeiras Constituições Sinodais do Bispado de Elvas , 1635...... 175

78| Primeiras Constituições Sinodais do Bispado de Elvas (1635). Ao centro, o retrato e o brasão de D. Sebastião de Matos de Noronha, quinto bispo de Elvas ...... 178

79| Sé de Elvas, sacristia. Um dos quatro painéis brasonados com as armas de D. Sebastião Matos de Noronha que integram o revestimento azulejar ...... 178

80| Sé de Elvas, planta ...... 182

81| Sé de Elvas, sacristIa ...... 182

82| Sé de Elvas, exterior da sacristia (à direita) e casa do cabido (ao fundo), em 1968 ...... 184

83| Sé de Elvas, alçado poente da sacristia. Exibem-se, ao centro do arcaz, as armas do bispo D. Manuel da Cunha (1634-58) que patrocinou a remodelação do mobiliário ...... 187

84| Sé de Elvas, exterior dos corpos anexos do lado poente. Ao centro da imagem, a porta de acesso para o pátio da cisterna e, em segundo plano, a sacristia...... 189

85 e 86 | Sé Velha de Coimbra, sacristia primitiva ...... 198

87| Sé Velha, localização da sacristia primitiva na planta de Guilherme Elsden ...... 198

88| Sé Velha de Coimbra, arco de acesso mandado construir por D. Afonso de Castelo Branco aquando da transformação da sacristia velha em espaço de circulação de acesso ao coro ...... 198

89| Retrato do D. Afonso de Castelo Branco. Pintor desconhecido, óleo sobre tela, séc. XVII ...... 203

90| Assinatura do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco ...... 203

91 e 92| Paço episcopal de Coimbra, galeria do pátio e portal (atrib. Filipe Terzi / Jerónimo Francisco, c. 1585-1592; patrocínio de D. Afonso de Castelo Branco) ...... 229

396 93| Mapa da região de Coimbra. A: Coimbra. B: Couto de Coja. C: Quinta de São Martinho. D. Couto de Lavos ...... 234

94| Convento de Santa Ana de Coimbra, claustro (1600-09, patrocinado por D. Afonso de Castelo Branco) ...... 247

95 e 96| Portais do convento de Santa Ana, actualmente colocados na igreja de São João de Almedina ...... 249

97 a 99| Coroação da Virgem , Santa Maria Madalena e Santa Catarina . Pinturas do retábulo-mor da igreja do convento de Santa Ana, encomendadas por D. Afonso de Castelo Branco a Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, c. 1611-1620. Actualmente no Museu Nacional Machado de Castro (n. os inv.º P69, P14, P15)...... 251

100 a 102| Túmulo do bispo D. Afonso de Castelo Branco (1633; encomenda de D. Maria de Meneses), actualmente no claustro da Sé de Coimbra ...... 252

103| Igreja do mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra, arco para exposição da urna da Rainha Santa Isabel (c. 1613-15; patrocínio de D. Afonso de Castelo Branco) ...... 256

104| Igreja do mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Urna de prata e cristal encomendada para resguardar o corpo da Rainha Santa Isabel. (atrib. Domingos Vieira e Miguel Vieira, Lisboa, c. 1613-1614; patrocínio régio e de D. Afonso de Castelo Branco) ...... 256

105| Constituições synodaes do Bispado de Coimbra , promulgadas por D. Frei João Soares em 1548 ...... 260

106| Constitvições Synodaes do Bispado de Coimbra , promulgadas por D. Afonso de Castelo Branco em 1591 ...... 260

107| António Augusto Gonçalves (1848-1932) ...... 270

108| Sé de Coimbra, fachada exterior da sacristia durante a intervenção da DGEMN, com o rasgamento de uma janela no piso inferior ...... 274

109| Sé de Coimbra, planta (Guilherme Elsden, 1772) ...... 277

110 e 111| Sé de Coimbra, plantas à escala original de 1/200 e 1/100 ...... 277

112| Sé de Coimbra, planta ainda com representação dos acessos originais à sacristia ... 277

397 113 e 114| Sé de Coimbra, plantas do mesmo edifício, levantadas pela DGEMN entre 1957 e 1962, onde se representa o espaço da sacristia após a demolição ...... 277

115| Sé de Coimbra, aspecto da cabeceira antes da demolição da sacristia, vendo-se o cunhal desta à esquerda (anterior a 1918) ...... 281

116| Sé de Coimbra, abside após a demolição da sacristia e os vestígios do antigo acesso desta à capela-mor ...... 281

117| Sé de Coimbra, durante o restauro do exterior da abside ...... 281

118| Sé de Coimbra, aspecto da cabeceira após a demolição da sacristia e restauro dos panos murários das capelas absidiais ...... 281

119| Portal coríntio, gravura do tratado de arquitectura de Serlio ...... 283

120| Sé de Coimbra, portal de acesso à sacristia localizada no transepto do lado da Epístola ...... 283

121| Sé de Coimbra, proposta de reconstituição da planta original da sacristia e da sua relação com a cabeceira, com base nas plantas identificadas na BMC...... 283

122| Sé de Coimbra, primeiro nível do alçado sul da sacristia ...... 285

123| Sé de Coimbra, pormenor do entablamento e pilastras do primeiro nível da sacristia ...... 285

124| Sé de Coimbra, baixo-relevo da capela do lavabo ...... 285

125| Sé de Coimbra, cimalha real e abóbada da sacristia ...... 286

126| Sé de Coimbra, pormenor da cimalha real da sacristia ...... 286

127 e 128| Sé de Coimbra, emolduramentos coríntios da sacristia e brasão de armas do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco ...... 287

129| Corte transversal – alçado sul da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição ...... 290

130| Corte transversal – alçado norte da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição ...... 290

398 131| Corte longitudinal – alçado poente da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição ...... 291

132| Corte longitudinal – alçado nascente da sacristia da Sé de Coimbra. Proposta de reconstituição ...... 291

133| Sé de Coimbra, abóbada de caixotões da sacristia ...... 294

134| Capela do Tesoureiro, proveniente da igreja do mosteiro de São Domingos de Coimbra e actualmente no Museu Nacional Machado de Castro ...... 294

135| Igreja do colégio do Carmo, abóbada do sub-coro ...... 294

136| Igreja do mosteiro de São Domingos, abóbada da capela de Jesus ...... 294

137| Modelo decorativo de Serlio para o tecto de madeira de uma biblioteca de um palácio em Veneza...... 294

138| Colégio do Carmo de Coimbra, sacristia (atrib. Jerónimo Francisco, c. 1570-90) ...... 298

139| Sé de Coimbra, pormenor do revestimento de azulejo de tapete e cercadura da sacristia (Lisboa, c. 1590) ...... 317

140 e 141| Dois exemplos de gravuras ornamentais de grutesco: Hans Vredeman de Vries, Antuérpia, 1555-60; Jacques Androuet du Cerceau, Petites Arabesques , 1550 ...... 319

142| Sé de Elvas, abóbada da nave central (programa – Domingos Vieira Serrão (1631); execução – Lourenço Eanes e Mateus Carvalho (1633-34)) ...... 320

143| Sé de Coimbra, lavabo da sacristia (Lisboa, 1598; encomendado por D. Afonso de Castelo Branco) ...... 322

144 a 153| Nascimento e Infância e Paixão de Cristo: ciclos pictóricos da sacristia da Sé de Coimbra, encomendados por D. Afonso de Castelo Branco. Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, c. 1608 ...... 325

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399 Tabela 1| Constituições Sinodais portuguesas, de 1521 a 1639: Referências aos aspectos materiais e aos elementos das sacristias...... 117

Tabela 2| Constituições Sinodais portuguesas, de 1521 a 1639: referências aos aspectos do ritual relacionado com o espaço da sacristia...... 118

Tabela 3| Bens doados à Sé de Coimbra por D. Afonso de Castelo Branco ...... 329

Diagrama 1| Orgânica administrativa das fábricas das catedrais espanholas. Esquema elaborado com base no estudo de Alfonso Rodríguez G. de Ceballos (1989)...... 141

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