Jornal Da Casa / Casa Do Brasil
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# 32 – dezembro 2013 Boca no trombone A bênção, poeta Testemunha Toquinho: “Quando comecei a trabalhar com Vinicius, em junho de 1970, ele ainda evitava viajar de avião. De repente, estava a bordo de um navio junto com Vinicius de Moraes, um ser humano grandioso de quem eu só conhecia o que ele tinha escrito e cantado por aí. Sei que na primeira noite no navio eu passei muito mal, no meu quarto, enjoado, com tudo a balançar por todos os lados. E Vinicius sentado a uma escrivaninha, segurando o copo para que ele este ano em que se comemora o não caísse, conversando naturalmente, sem centenário do nascimento de Vinicius se alterar. Ficou lá ao meu lado, como um de Moraes, CasaDoBrasil decidiu pai, ou melhor, como alguém com pretensões N de se fazer amigo. Nossa relação começou homenageá-lo através do Ciclo Cultural “Vivendo Vinicius: Poetinha Poetão”, assim, e logo de cara eu passei a vê-lo um revisitando e descobrindo, para velhas e pouco como irmão, porque ele não sabia ser novas gerações, uma pequena parte da velho, o que na realidade ele não era”. monumental obra do “único poeta que viveu como poeta”, tal como algum dia disse “Jamais enxerguei Vinicius como um pai de Drummond. postura paternal e protetora. Mesmo porque ele não agia assim nem com os próprios Assim, começamos assistindo a “Uma noite filhos. A feição de pai surgia por sua grande com Orfeu”, exibindo e comentando os filmes sabedoria de vida. E, ao mesmo tempo, baseados na peça escrita em 1954 (ver quando se via diante de um pescador, por JornalDaCasa #22), continuamos batendo exemplo, me falava cheio de emoção: „Não um papo sobre “Os sonetos de Vinicius” e sei absolutamente nada da vida perto de seu modo de enxergar o sentimento amoroso, uma pessoa assim‟”. capaz de congregar em si o instante e o infinito (ver JornalDaCasa #25), nos “É que ele carregava o tempo inteiro o garoto embarcamos numa “Maratona de leitura” de que ele era, o jovem disposto e disponível à alguns de seus mais queridos e sentidos vida; que arriscava nas coisas, que chegava poemas, para a qual os alunos também tarde para acordar cedo, e acordava cedo; escreveram suas próprias poesias (ver que ficava como um Buda, sentado na capota JornalDaCasa #28), e assistimos a “Vinicius”, do carro do Bardotti, em Firenze, dando um filme com a essência criativa do artista e voltas pela mesma praça, depois de algumas filósofo do cotidiano, com raras imagens de garrafas de vinho no jantar; que bebia até arquivo, entrevistas e interpretação de muitos mais tarde sem problemas de ressaca no dia de seus clássicos (ver JornalDaCasa #29). seguinte. Muito mais resistente que eu nesse aspecto. Mas, por mais controvertido que E para encerrar o Ciclo, o professor Álvaro pareça, foi ele quem me ensinou a ser Tabárez não só ofereceu uma palestra sobre profissional, a cumprir horários, a observar “Vinicius & Toquinho”, mas cantou –e fez compromissos, a respeitar as pessoas. Isso cantar a todos os que acompanhamos– as reflete as contradições desse grande poeta. eternas músicas dessa parceria maravilhosa. „O cotidiano é a ferrugem da vida‟, ele dizia”. JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira Web: www.casadobrasil.com.uy | Twitter: @casadobrasiluy | Mail: [email protected] # 32 – dezembro 2013 Cantos com encanto Museu Afro Brasil mostra riqueza da cultura negra As peças que integram a exposição permanente do museu estão distribuídas em seis núcleos. O primeiro é dedicado aos povos africanos e reúne uma bela coleção de máscaras rituais e representações do continente produzidas por artistas europeus entre os séculos 15 e 19. O segundo trata do período da escravidão e busca ressaltar os conhecimentos trazidos pelos africanos que contribuíram para o desenvolvimento econômico do Brasil. Esta seção reúne diversos objetos históricos, como moinhos utilizados nas fazendas e engenhos de açúcar, além de contar a história da Brasil é um país negro. De acordo com resistência ao cativeiro no país. O terceiro e o o Censo de 2010, nada menos que 97 quarto núcleos são dedicados ao mundo O milhões de pessoas se declaram religioso: o primeiro mostra como muitas pretas ou pardas (contra 91 milhões que se festas populares do país nasceram da declaram brancas), o que faz do Brasil a apropriação que os negros fizeram do segunda nação com a maior população catolicismo; o segundo trata das religiões afrodescendente do mundo (e a maior fora afro-brasileiras, e traz uma bela coleção de da África), só perdendo para a Nigéria, que figuras de orixás e objetos rituais. Por fim, o tem mais de 170 milhões de habitantes, 95% quarto e o quinto núcleos prestam deles negros. Apesar desses números, a homenagem aos negros brasileiros maior cidade do país só ganhou seu primeiro propriamente ditos, reunindo relatos e museu totalmente dedicado à cultura negra biografias de importantes personagens em 2004. A espera, no entanto, valeu a pena. afrodescendentes da história do país e obras O Museu Afro Brasil, em São Paulo, logo se de arte produzidas por negros e mulatos. tornou uma referência internacional de preservação e pesquisa da cultura trazida da Além da exposição permanente, o Museu Afro África por mais de 4 milhões de escravos e Brasil organiza inúmeras mostras reinventada pelos seus milhões de temporárias dedicadas à cultura negra e às descendentes, que hoje formam a maior artes em geral no Brasil, e conta com uma parte da população do país. biblioteca com mais de 11 mil publicações. O museu funciona de terça-feira a domingo, das Instalado no Pavilhão Padre Manuel da 10h às 17h, e a entrada é gratuita. Nóbrega, um espaço de 11 mil m2, dentro do Parque do Ibirapuera (entrada pelo portão 10), o museu conta com um acervo de mais de 6 mil obras, das quais 3.440 se encontram atualmente em exibição. Essa grande coleção é formada por pinturas, esculturas, gravuras, objetos rituais, roupas, peças de artesanato, objetos históricos, livros, fotografias, vídeos, documentos e muitos outros itens que contam a história da formação e do desenvolvimento da cultura negra no Brasil. # 32 – dezembro 2013 Estilos musicais Samba: a música brasileira em sua essência medicina Noel Rosa (ver JornalDaCasa #9) e o ex-estudante de direito Ary Barroso, que redimensionam o estilo através de obras memoráveis. Com a explosão da era do rádio a partir dos anos 30, o samba ganha enorme difusão através de cantores como Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Mário Reis, Carmen Miranda –que consegue projetá-lo internacionalmente a partir do cinema– e mais adiante Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, entre outros. Novas adesões como a do refinado baiano Dorival Caymmi (ver JornalDaCasa #24), além das harmonias elaboradas de Custódio ênero básico da Música Popular Mesquita, o molejo de Pedro Caetano, o Brasileira, o samba tem origem afro- figurino tropicalista de Assis Valente (ver baiana de tempero carioca. Ele nasceu G JornalDaCasa #15), a sobriedade de Sinval nas casas das "tias" baianas da Praça Onze, Silva, o populismo luxuoso de Herivelto no centro do Rio de Janeiro (com extensão à Martins e o sotaque interiorano arrastado de chamada "pequena África", da Pedra do Sal à Ataulfo Alves conduzem o samba para outros Cidade Nova), descendente do lundu (ver caminhos já ao sabor da indústria musical. A JornalDaCasa #19), nas festas dos terreiros ideologia do Estado Novo de Getúlio Vargas entre umbigadas (semba) e pernadas de contamina o cenário e do malandro capoeira, marcado no pandeiro, prato-e-faca convertido (O Bonde São Januário, de Ataulfo e na palma da mão. Embora antes de Pelo e Wilson Batista) se chega ao samba- Telefone, assinada por Ernesto dos Santos, o exaltação cujo carro-chefe, Aquarela do Donga (com Mauro de Almeida) em 1917, Brasil, de Ary Barroso (ver JornalDaCasa #8), outras gravações tenham sido registradas torna-se o primeiro hino brasileiro no exterior. como samba, foi esta que fundou o gênero – apesar da autoria discutida e da proximidade Empurrada pela especulação imobiliária, a com o aparentado maxixe. Também nesse Pequena África já se espalha por diversos estilo ambíguo são as principais composições morros e primitivas favelas de onde brotam de José Barbosa da Silva, o Sinhô, novos bambas como Cartola (ver autointitulado "o rei do samba", que junto JornalDaCasa #12), Carlos Cachaça e com Heitor dos Prazeres, Caninha e outros posteriormente Nelson Cavaquinho (ver pioneiros estabelecem os primeiros JornalDaCasa #28) e Geraldo Pereira, na fundamentos do setor, que ganharia uma Mangueira, Paulo da Portela, Alcides feição mais definitiva com a chamada "turma Malandro Histórico, Manacé e Chico Santana, do Estácio". na Portela, Molequinho e Aniceto do Império Serrano, entre inúmeros outros. O samba Formada por Alcebíades Barcellos, o Bide, ganha status de identidade nacional através Armando Marçal, Newton Bastos e Ismael do reconhecimento de intelectuais como Villa- Silva e mais os malandros/sambistas Baiaco, Lobos, que organiza uma histórica gravação Brancura, Mano Edgar, Mano Rubem (uma com o maestro erudito americano Leopold brodagem bem anterior aos manos do hip Stokowski no navio Uruguai, em 1940, de hop), essa corrente injeta uma cadência mais que participam Cartola, Donga, João da picotada no samba e tem o endosso de filhos Baiana, Pixinguinha e Zé da Zilda. da classe média como o ex-estudante de # 32 – dezembro 2013 Depois da fundação da Deixa Falar por Elza Soares, Miltinho, Luis Bandeira, Ed Ismael Silva em 1928 (ver JornalDaCasa Lincoln, Luis Antonio, Djalma Ferreira e #16), a partir da reunião de blocos do vários. Dissidências internas na bossa Estácio, o fenômeno das escolas de samba geraram os afro-sambas de Baden Powell e toma conta do cenário. E propulsiona Vinicius de Moraes.