A revista Subtexto nasce como uma provocação. Nossa intenção, ao colocá-la em circulação, é de abrir espaço para os grupos, profissionais e enti- dades que insistem em seguir uma trajetória coletiva de trabalho. Queremos dar voz à diversidade, à efervescência criativa, à dúvida. Queremos falar sobre um teatro que ainda se compromete com a utopia e a transformação, por mais anacrônico que isso possa parecer. Assim também nasceu o Galpão Cine Horto, de um impulso pela renovação. O velho cinema abandonado surgiu, em 1998, como um local perfeito para a busca de respostas a algumas das questões que se apresentavam aos atores do Galpão naquele momento. A intenção era reunir parceiros e criar um espaço para a pesquisa, a investigação e o compartilhamento de experiências. Passados seis anos, é possível contabilizar muitos êxitos e, naturalmente, outros tantos erros, como é de se esperar em uma casa que se abre à expe- rimentação. O Cine Horto cresceu livre de amarras formais e hoje tem algo de camaleônico que prezamos muito. Aqui, exercitamos ao máximo nossa capacidade de reinventar caminhos e de aprender com aquilo que não deu certo. Fazemos da busca do novo uma prática cotidiana e tentamos jogar luz sobre a sombra da acomodação que, sorrateira, sempre insiste em nos rondar. Agora, de um fôlego só, colocamos no ar dois projetos que consideramos plenamente afinados com esse espírito: o Redemoinho – Encontro Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral e esta Revista, que pretende cumprir o papel de divulgar as iniciativas realizadas no Galpão Cine Horto e de todos os seus parceiros. O Redemoinho tem a proposta de reunir pessoas, entidades e grupos espalhados por esse Brasil afora, que têm uma visão semelhante sobre o ofício teatral, carregam o vírus da inquietação, falam mais ou menos a mesma língua, mas raramente se encontram. As dimensões continentais do país se Expediente SUBTEXTO

Subtexto - Revista de Teatro do Galpão Cine Horto - n° 1 ISSN 1807-5959 Conselho Editorial ...... Chico Pelúcio ...... Fernando Mencarelli ...... Júnia Alvarenga ...... Laura Bastos ...... Romulo Avelar Jornalista Responsável ...... Júnia Alvarenga ...... (MTb 5230) Projeto Gráfico ...... Glaura Santos ...... Laura Guimarães Revisão ...... Bento Belisário Fotolitos e Impressão ...... Rona Editora Tiragem 2.000 exemplares

Colaboraram nesta edição Aderbal Freire-Filho, Antônio Grassi, Antônio Rogério Toscano, Barracão Teatro, Chico Pelúcio, Cooperativa Paulista de Teatro, Eduardo Moreira, Fernando Yamamoto, Folias D´Arte, Grupo Tá na Rua, Lindolfo Amaral, Luís Alberto de Abreu, Lúcio Bezerra, Nilde Ferreira, Ói Nóis Aqui Traveiz, Regina Helena Alves da Silva, Reinaldo Maia, Teatro da Vertigem e TUSP.

Fotos Laura Guimarães e Glaura Santos: capa Guto Muniz: páginas 03 (Fachada do Galpão Cine Horto); 05 (4º Festival de Cenas Curtas - cena 5 em 1 ); 06 (Oficinão 1999 - espetáculo CX Postal 1500); 11 (Grupo Imbuaça - espetáculo Antônio, meu santo/ 7ºFIT-BH); 14 e 15 (Teatro da Vertigem espetáculo O livro de Jó/ 7ºFIT-BH); 29 (3º Festival de Cenas Curtas - cena Dissertação sobre o nada); 37 e 46 (2º Festival de Cenas Curtas - cena A pipa); 40 (3º Festival de Cenas Curtas - cena Cubo imagético); 43 (5º Festival Cenas Curtas - cena Assim se fez assim se faz); 50 e 51 (1ºFestival de Cenas Curtas - cena O armário). Cláudio Etges: página 09; Lenise Pinheiro: página 10; Renato Velasco: página 13; Beto Garavello: página 16; João Caldas: pági- nas 18 e 19; Thais Stocklos, da L & T Design: página 20; Fábio Arruda: página 21; Fernando Yamamoto: página 22; Divulgação Cooperativa Paulista de Teatro: página 23; Waldir Lau: página 24; Carlos Roberto, do Jornal Hoje em Dia: 26 e 27 (Grupo Galpão - espetáculo Um Molière Imaginário/ Campanha 20 anos para o Teatro/ Praça do Papa-BH); Pedro Motta: página 28; Arnaldo Pereira: página 32; Divulgação Funarte: página 44.

Galpão Cine Horto Rua Pitangui, 3613 - Horto 31.030-210 - Belo Horizonte - - Brasil Telefone 31-3481.5580 www.grupogalpao.com.br - [email protected]

A revista Subtexto é uma publicação independente. As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Dezembro de 2004. impõem como um grande limite que precisa ser transposto. Romper com o isolamento não é tarefa fácil, sem dúvida. Mas se existe alguma chance de que isso realmente possa vir a acontecer, ela está na proposição de ações mais solidárias. Queremos, com o Redemoinho, "levantar a poeira" de assun- tos que dizem respeito a todos, conhecer soluções encontradas para velhos problemas comuns e discutir possíveis ações conjuntas. Neste sentido, idealizamos também o primeiro número da Subtexto, que servirá de base para as discussões que terão lugar no Redemoinho, embora os dois projetos devam seguir caminhos independentes. As reflexões sobre o fazer teatral e os espaços de criação estão apresentados em artigos espe- ciais de Chico Pelúcio, do Grupo Galpão, Reinaldo Maia, do Folias D’Arte, Aderbal Freire-Filho, do Centro de Construção e Demolição do Espetáculo e Luiz Alberto de Abreu, da Fraternal Companhia de Arte e Malas-artes. Para discutir sobre o estabelecimento de uma rede de parcerias e intercâmbios, temos o artigo da historiadora Regina Helena Alves da Silva, que trata de estratégias de organização em rede nas sociedades contemporâneas. Outro destaque é o artigo do ator Antônio Grassi, atual Presidente da Funarte, que aborda, entre outros assuntos, o esforço para recriar o espaço da cena e da política na construção de políticas públicas para a cultura. Além disso, registramos também a contribuição de vários companheiros de longa data, com suas idéias, suas trajetórias e seu modo de trabalhar: Grupo Galpão, Terreira da Tribo, Folias D’Arte, Imbuaça, Tá Na RuA, Vertigem, Escola Livre de Teatro de Santo André, Barracão Teatro, Associação dos Amigos de Guaramiranga, Casa da Ribeira e Cooperativa Paulista de Teatro. Esperamos que esta revista tenha vida longa e que junto a outras poucas, importantes e valentes publicações, contribua efetivamente para a articu- lação dos artistas, grupos e entidades que encaram o teatro como algo mais do que simples entretenimento. E que você, leitor, esteja sempre por perto. GALPÃO CINE HORTO DITORIAL E 01 02 rir epensar FRATERNAL

Grupo SUMÁRIO COOPERATIVA GALPÃO , acomédiaparaver, ouvir, Luís AlbertodeAbreu,dramaturgo . Umahistóriadedesafios O Espaçoda Paulista deteatro Eduardo daLuzMoreira Agua de CENA Lúcio BezerraeNildeFerreira 23 Reinaldo Maia 32 GUARAMIRANGA PROJETOS TUSP 28 29 Teatro daUSP 45 Galpão CineHorto 37 FOLIAS Teatro da 24 21 22 D’Arte 18 Uns apontamentos VERTIGEM. 10 03 CULTURA 13 Casa deArtista-Natal,RN CASA DARIBEIRA 16 06 20 43 Grupo , globalizaçãoeoquemais... Histórico 08 A Antônio RogérioToscano Grupo PERDIDOS GALPÃO. ESCOLA LIVRE Espaço da 14 11 Tiche Vianna BARRACÃO e incentivoaotrabalhoemgrupo. Galpão TÁ NARUA Histórico Aderbal Freire-Filho e libertária. Tupambaé (terrasagrada)dionisíaca Tribo deAtuadores“ CINE HORTO. ARTE, Onde estamosnessagira? Imbuaça. Fernando Yamamoto Teatro. de Teatro (ELT) deSantoAndré... espaço dapolítica Regina HelenaAlvesdaSilva RODA GIRA Uma sementeparamuitosfrutos TERREIRA Espaço decriação Ói NóisAquiTraveiz”. , giraaroda. da Tribo 20anos. Chico Pelúcio Antonio Grassi Lindolfo Amaral Galpão CINE HORTO. Espaço de criação e incentivo ao trabalho em grupo. Chico Pelúcio

O Grupo Galpão, ao longo de sua existência, sempre desen- volveu outras atividades além dos espetáculos, no intuito de fortalecer seu elo com a comunidade e com outros criadores. A necessidade de sobrevivência artística e organizacional nos levou a diversas experiências de troca, de encontro e de compartilhamento. Ainda no início de nossa trajetória, as oficinas e festivais cumpriram importante papel na formação dos nossos atores, assim como possibilitaram o repasse de nossas experiências a outros artistas. É bom lembrar que o Grupo nasceu de uma oficina com diretores alemães. Assentamos nossas bases de atuação orientados por uma visão coletiva e alternativa que se fortalecia nos anos 80, com o fim do período ditatorial. Participamos ativamente da criação do Movimento Brasileiro de Teatro de Grupos e, da mesma forma, do Movimento de Teatro de Grupo de Minas Gerais. Marcamos presença em diversos festivais, encontros, debates e discussões de projetos e políticas públicas. Concebemos e executamos as duas primeiras edições do Festival Internacional de Teatro de Rua de Belo Horizonte (1990 e 1992), que se transformaram, em 1994, no Festival Internacional de Teatro Palco e Rua - FIT BH - numa parceria mais estreita com a Secretaria Municipal de Cultura. Em 1995, o Galpão se desligou do Festival, por não concordar com algumas propostas que a Secretaria e seus representantes apresentavam para a realização da segunda edição. Abriu-se, desse modo, um vácuo nas relações extra- espetáculos que, de uma forma ou de outra, mantínhamos com a comunidade. Estávamos entrando na era do mercado individualista, das leis de incentivo, dos grandes eventos e do “salve-se-quem-puder”, que foi ganhando força na medida que o poder público brasileiro se retirava de cena, omitindo-se em relação às suas obrigações constitucionais com a cultura. Foi nessa mudança, nesse vácuo que surgiu a possibilidade de ocupação de um cinema antigo, abandonado: o Cine Horto, vizinho à nossa sede. No primeiro momento, não era a reforma física o maior problema, mas sim, como dar vida ao que seria um espaço voltado ao teatro. As diversas experiên- cias fracassadas de centros culturais mumificados não eram animadoras. Pedimos aos proprietários que aguardassem alguns meses enquanto providenciávamos um projeto arquitetônico e alguma parceria para a reforma. Ao mesmo tempo, abrimos uma ampla discussão com vários amigos, professores, atores e diretores, no sentido de elaborar um projeto artístico para o que chamaríamos, posteriormente, de Galpão Cine Horto. Descobrimos nessas reflexões a existência de uma grande lacuna em Belo Horizonte: a carência de opor- tunidades de reciclagem para os artistas de teatro, especialmente os atores. Esse se tornou, então, o nosso primeiro objetivo. O Cine Horto deveria ser um espaço que possibilitasse diversas formas de troca, aprofundamento, pesquisa, formação e fomentação do teatro. Durante quase um ano, realizamos uma série de encontros teóricos e práticos para o amadurecimento artístico de um projeto que batizamos de Oficinão. A proposta era de proporcionar a um grupo de atores já com experiência um mergulho em algum tema específico. A pesquisa teria a duração de um ano e essa vivência resultaria na montagem de um espetáculo. O Oficinão seria, desse modo, a espinha dorsal da Casa, a partir da qual seriam buscadas outras formas de ampliar a experiência rumo à profissionalização dos envolvidos. Incluímos um curso de produção na grade de atividades e incentivamos o envolvimento dos atores com os diversos segmentos da arte teatral, como a iluminação, a cenografia, o figurino, a dramaturgia e, naturalmente, a própria produção. Por trás dessa engrenagem inicial já estava o que hoje norteia todos os nossos projetos: a busca de uma vivência coletiva, de uma ética e de valores próprios do trabalho de grupo, seja na sala de criação, seja nas tarefas organizacionais, seja nas relações com a comunidade. É importante registrar que o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, experiência capitaneada por Aderbal Freire Filho, e a Escola Livre de Santo André, apresentada a nós por Maria Thais, foram fontes inspiradoras e referenciais que muito nos encorajaram em nossa busca. Do Centro de Demolição ficou a lição de ver diversos artistas, coletivamente como num formigueiro, construindo e ampliando o significado do teatro. Com a Escola Livre, aprendemos a importância de ligar a formação com a criação, da perspectiva do professor criador, do ator proponente e do espaço vivo, mutável, que busca, a cada dia, um caminho reinventado. Assim, aventuramo-nos na implantação do Galpão Cine Horto, inaugurado às pressas em março de 1998, diante da ameaça concreta de rompimento do negócio pelos proprietários, que não mais podiam esperar. Por pouco não amargamos a decepção de ver o velho cinema seguir a sina de tantas outras salas de bairro de Belo Horizonte, que acabaram por se tornar igrejas. Encaramos o desafio e abrimos as portas, com a cara, a coragem e quase nenhum dinheiro. Nos seis anos que se seguiram após a inauguração, foram inúmeros os projetos, as conquistas, os encontros, os compartilhamentos, os aprendizados, as mútuas ajudas e, principalmente, os resultados contabilizados em criações INE HORTO teatrais efetivamente levadas ao encontro do público. Ao longo dessa trajetória, buscamos sempre trazer o indivíduo C criador para um ambiente coletivo. Desenvolvemos uma série de projetos com esse propósito e tentamos envolver 04 os alunos em sua realização, cumprindo o papel de elo entre a formação e o mercado de trabalho. Disponibilizamos nossa estrutura (marcenaria, salas de ensaio, teatro, assessoria de imprensa, equipamentos etc.) para a produção de espetáculos de outros grupos. Além disso, sempre que fomos procurados por empresas e outras organizações para algum tipo de assessoria em projetos culturais, procuramos envolver o maior número possível de artistas, numa perspectiva de ampliação de seu mercado de trabalho. Dentre os inúmeros artistas parceiros do Cine Horto, vale citar o encontro, em 1999, com Luiz Alberto de Abreu, que, a convite de Júlio Maciel, veio orientar uma oficina de dramaturgia e o processo colaborativo da montagem do segundo Oficinão. Esse fato, além de permitir o aprofundamento das trocas com a Escola Livre de Santo André, foi gerador de uma oficina permanente de dramaturgia, que produziu quatro textos para as montagens do Oficinão, iniciou um movimento de novos dramaturgos em Belo Horizonte, incentivou a criação de uma oficina de direção com Aderbal Freire-Filho, produziu boas experiências dentro do Festival de Cenas Curtas e provocou a criação do projeto Cena 3 x 4, em parceria com a Maldita Cia. De quebra, a presença de Abreu ainda contaminou, de forma definitiva, a criação do espetáculo Um Trem Chamado Desejo, do Grupo Galpão, cujo texto leva sua assinatura. Nesse emaranhado de encontros e sonhos, muitos amigos, parceiros, criadores, grupos, empresas, vizinhos, deuses e demônios tomaram parte. Foram muitos aqueles que construíram essa pequena história, envolvendo-se com os vários projetos da Casa. E é exatamente sobre parcerias que nós queremos falar um pouco mais. Elas têm se apresentado como um fator importante para nossas atividades. As contribuições decorrentes de somas de esforços possibilitaram não só a execução de várias iniciativas como também revelaram a necessidade de pensar e organizar uma ação deliberada para o fortalecimento desses tipos de associação. Assim, temos procurado abrir a pauta do Cine Horto para grupos de outras cidades, oferecendo, na medida do possível, algum apoio de produção. Num caminho inverso, temos tentado levar nossos trabalhos para outras praças, com o intuito de ampliar nossos limites de atuação. A experiência ao longo desses seis anos foi bastante para comprovar o fato de que a simples existência de uma estrutura física, de pessoal motivado e de um conceito claro de gestão é suficiente para a criação de um terreno propício ao florescimento de parcerias e ao surgimento de articulações coletivas. Nesse sentido, um encontro de espaços culturais de natureza similar, mesmo dentro de nossas limitações, poderá ampliar as possibilidades de atuação, de intercâmbios e de colaboração. E por que não pensar até mesmo em uma representação política? REDEMOINHO O Redemoinho - Encontro Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral - surge com esse espírito agregador. Temos a convicção de que, se os grupos e espaços ligados ao teatro se associarem, disponibi- lizando ao outro sua experiência, sua infra-estrutura, seu material humano, seus contatos locais e, enfim, uma comunicação mais colaborativa, poderemos avançar muito, sem “esperar Godot”. Avançar na articulação das estruturas já existentes, avançar numa participação mais efetiva na formulação de políticas públicas para a cultura e avançar nas possibilidades de encontro do teatro com o público. Pensar nossa existência diante dessa realidade que se altera com incrível velocidade. Na programação da primeira edição do Redemoinho, tentamos imprimir a marca da diversidade, trazendo depoi- mentos sobre trabalhos de diferentes naturezas e origens geográficas. Procuramos mesclar experiências indepen- dentes com iniciativas coletivas e parcerias de grupos com órgãos públicos. Além disso, programamos palestras sobre temas que consideramos importantes para subsidiar as discussões do Encontro. A intenção é de que os temas abordados resultem em uma ação mais ampla, com o estabelecimento de uma rede de cooperação entre os grupos, artistas e entidades participantes e também com o surgimento de circuitos culturais. Talvez se trate aqui de tentar reinventar a roda. Pois então que o seja, já que as nossas engrenagens precisam ser azeitadas de quando em vez, para que se renovem nossas esperanças. O Redemoinho e a Revista de Teatro do Galpão Cine Horto - Subtexto - entram nessa cena utilizando nossa pequena estrutura de organização, com o obje- tivo de provocar mais esse encontro, esse compartilhamento e essa discussão. Esperamos que dêem bons frutos. PROJETOS Galpão Cine Horto

06 OFICINÃO O Oficinão é uma atividade em que o Grupo Galpão e profissionais convidados compartilham suas experiências com atores / alunos, unindo pesquisa e treinamento à criação artística. A cada ano, o Oficinão se propõe a pesquisar um tema específico, resultando na montagem de um espetáculo que fica em cartaz no Galpão Cine Horto, pelo menos, durante dois meses. O Oficinão investe também na profissionalização dos atores, orientando-os a gerirem seus projetos artísticos através de aulas de Produção Cultural e do envolvimento com a criação e a execução de cenário, figurino, maquiagem e iluminação. Edições realizadas: 7 . Artistas envolvidos: 290 . Oficina de Dramaturgia: 22 participantes Oficina de Direção: 17 participantes . Público Total: 23.415

GALPÃO CONVIDA O Galpão Convida promove a troca de informações entre grupos de outros estados e profissionais de Belo Horizonte. Esse projeto possibilita que o público assista a espetáculos que dificilmente viriam para a capital mineira sem o apoio do Galpão Cine Horto. Entre os grupos que já participaram estão os Parlapatões, Patifes e Paspalhões, a Escola Livre de Santo André / SP, a Armazém Cia de Teatro / RJ, a Cia. Teatro Mínimo / RJ, Mostra de Dramaturgia Contemporânea / SP, Gero Camilo / Marat Descarts e Grupo La Mínima / SP. Grupos convidados: 7 . Artistas presentes: 50 . Público Total: 3.313 pessoas

PROJETO SABADÃO O Projeto Sabadão tem a proposta de reunir, uma vez por mês, artistas de destaque da cena teatral brasileira, estudantes e profissionais de teatro para refletirem juntos sobre as artes cênicas. Edições realizadas: 25 . Público: 2. 083 . Palestrantes: 56 artistas CENA 3 x 4 O projeto Cena 3x4 é uma parceria do Galpão Cine Horto com a Maldita Cia. de Teatro e visa aprofundar os estudos sobre o Processo Colaborativo e incentivar a produção artística de grupos já constituídos. Esse Projeto prevê também a formação de novos dramaturgos e diretores e resulta na montagem de quatro espetáculos que são incorporados ao repertório dos grupos participantes. Edições realizadas: 2 . Público Total: 3.850 . Artistas envolvidos: 85 . Apresentações: 23

FESTIVAL DE CENAS CURTAS Aberto a artistas profissionais e amadores, o Festival de Cenas Curtas seleciona 16 propostas, com duração máxima de 15 minutos, que são apresentadas ao público. Cada participante recebe uma verba de auxílio-montagem e o espectador escolhe, através de voto, uma cena por noite. As quatro mais votadas cumprem temporada no Galpão Cine Horto e em Ipatinga/MG, através do projeto Cine Horto - Teatro Itinerante. Festivais já realizados: 5 . Cenas de palco: 72 . Cenas de rua: 12 . Artistas envolvidos: 500 Técnicos envolvidos: 38 . Público Total: 4.446

CURSOS LIVRES Os Cursos Livres funcionam como uma Escola Livre, onde o aluno escolhe o programa que deseja cumprir. Eles estão divididos em dois blocos: “Jogos Teatrais”, destinado às crianças e adolescentes, e “A Arte do Ator”, voltado para adultos. De acordo com o interesse dos alunos, são criados pequenos núcleos de estudos que funcionam como oportunidades de aperfeiçoamento em assuntos como dramaturgia, gênero ou linguagem. Cursos livres realizados: 112 . Alunos: 1500 . Professores: 120 INE HORTO

CONEXÃO GALPÃO C O Conexão Galpão é um projeto educacional que une lazer e informação para alunos das escolas públicas e para 07 a comunidade em geral. Atores recebem as crianças e contam, através do teatro e da exibição de filmes, um pouco da história de Belo Horizonte, do surgimento do cinema e do antigo Cine Horto. O Projeto acontece durante todo o ano letivo. Apresentações: 150 . Escolas estaduais: 41 . Escolas municipais: 63 . Escolas particulares: 18 Creches, instituições ou centros infantis: 15 . Crianças atendidas: 9.403 . Artistas envolvidos: 04

REDEMOINHO - ENCONTRO BRASILEIRO DE ESPAÇOS DE CRIAÇÃO, COMPARTILHAMENTO E PESQUISA TEATRAL O objetivo desse projeto é reunir dirigentes dos principais centros culturais brasileiros e grupos que tenham o mesmo perfil de atuação do Galpão Cine Horto. No primeiro encontro, serão definidas propostas de formação de uma rede de comunicação que permita maior intercâmbio de idéias entre artistas, grupos, espetáculos e oficinas.

CENTRO DE REFERÊNCIA DAS ARTES CÊNICAS Implementação da primeira etapa da montagem de um centro de documentação das artes cênicas no Galpão Cine Horto, a ser aberto ao público em geral. O acervo será composto por livros, diários de montagem de espetáculos, textos teatrais, publicações diversas e documentos gravados em vídeo contendo palestras, debates, demonstrações e aulas abertas.

PARCERIAS Se você deseja obter O Galpão Cine Horto volta-se, nesse momento, para a ampliação de suas parcerias e a expansão de suas ações informações sobre o junto a artistas e ao público em geral. Além de disponibilizar o seu espaço físico e a sua equipe de produção para histórico de cada grupos de teatro, o Galpão Cine Horto investe na realização de oficinas e produções artísticas em outras cidades projeto, acesse o site com o projeto Cine Horto - Teatro Itinerante. www.grupogalpao.com.br 08 PESQUISA E CRIAÇÃO sistematização econsolidaçãodaexperiênciadoteatroderua,desenvolvendodesde1988oProjeto qüência doaprendizadogrupal.ATerreira possibilitouaoÓiNóisAquiTraveiz empreender umapolíticade canto edança,figurinosadereçoscriativoscoloridos.Aformaçãodoatorparaoteatroderuatemsidoconse- qüências, ondesurgemelementoscomomáscarasebonecosdegrandesproporções,pernaspaumúsica, seduzir essepúblicoanônimoepassageiro,oteatroderuarequerumapesquisaestéticalevadaàsúltimasconse- teatro queseassumacomoumconstanterepensardasociedade,motivandoumareleituravidacotidiana.Para suas carênciasculturaiseeconômicasnãotemacessoàssalasdeespetáculos.Paraquearuasejapalcoum Criando umteatropopular, ondearteepolíticasefundem,voltadoparaamaiorparteda população, aquelaquepor trajetória deencenaçõesparateatroruaquevãopercorrerasruas,praças,bairrosevilaspopularesdacidade. A partirde1985,comamontagemdoespetáculo desenvolvido pelaTribo. ta atodososinteressados.Aprocuracrescecadaano,deformaconfirmarnecessidadedestetrabalho teatro eabuscadadescolonizaçãocorporaldoartista/cidadão. E aoficinadeiniciação,quesedesenvolvedurantetodooanoseminterrupções,visandoestimularinteressepelo formas deseabordaroespaçopúblicoafimviabilizarsuatransformaçãoemtrocaeinformação. preocupado noseudesenvolvimentocomocidadão.Aoficinadeteatroruadesenvolveepesquisaasdiversas mento favoreceraemergênciadoartistacompetente,nãoapenasnodesempenhodeseuofício,mastambém posta poraulasdiárias,teóricasepráticas,comduraçãode12meses,buscaatravésdaconstruçãodoconheci- ciação teatral,pesquisadelinguagem,formaçãoetreinamentoatores.Aoficinaparaatores,com- mo, responsávelpelaaberturadaEscoladeTeatro PopulardaTerreira daTribo, queofereceàcidade oficinasdeini- ticipante dacena–eotrabalhoartísticopedagógico,desenvolvidonasuasedejuntoàcomunidadelocal.Esteúlti- cotidiano dacidade-oteatrodevivência,nosentidoexperiênciapartilhada,emqueespectadortorna-separ- tentes são:oteatroderua,nascidodasmanifestaçõespolíticas-linguagempopulareintervençãodiretano estruturas depoder, comencenaçõescaracterizadaspelaousadiaeliberdadecriativa.Assuastrêsprincipaisver- A históriadaTribo sempresepautoupelaafirmaçãodadiferença,independênciaemrelaçãoaomercadoeàs pesquisa emrelaçãoàlinguagemcênicaeaoprocessocriativodoator. e espectadores,transcendendoaclássicadivisãopalco/platéia.Ogrupodesenvolveumtrabalhocontínuode A Tribo deAtuadoresÓiNóisAquiTraveiz surgiu,em1978,comumapropostacentradanocontatodiretoentreatores TERREIRA (terrasagrada)dionisíacaelibertária. Tupambaé Tribo deAtuadores“ÓiNóisAquiTraveiz”. Terreira daTribo deAtuadoresÓiNóisAquiTraveiz, queocupalugardedestaqueentreosespaços culturaisdo Todo oprojetodesenvolvidopeloÓiNóisAquiTraveiz estádiretamenterelacionadocomoseucentrodecriação,a expressão dascontradiçõesdasociedadenaqualestáinserido. diversa daculturadominante,queprovoqueumestranhamentoem relaçãoàpercepçãousualdemundoequeseja talidades, nonívelsocialetambémindividual.Seutrabalhodeinvestigação sobrealinguagemprocuraumalógica Para oÓiNóisteatroéumlugardeinvençãoeexperimentação, ummeiodetransformação,mudançamen- onde cadaumdosatoresécriadoresdoespetáculo. se quercolocarempráticaentreoatoreespectador. OÓiNóisAquiTraveiz trabalhacomaencenaçãocoletiva, espaço teatralémodificadoporcompletodeumespetáculopara outro,emfunçãodomododerelacionamentoque raízes dacenaondetodosestãointegrados.Estapropostadeencenação érealizadanaTerreira daTribo, ondeo Traveiz denominoudeTeatro deVivência, queprivilegiaaaçãocênica,oacontecimentovivido,enosremeteàs entre atoreseespectadoreséapremissadaencenaçãoritualística,oteatrocomocomunhão.ÉqueÓiNóisAqui Com oTeatro deVivência, oÓiNóisdácontinuidadeàinvestigaçãosobreteatroritual.Ocontatodiretoecriativo Um Teatro Popular Teatro Um , criandoumcircuitoregulardeapresentaçõesnosbairrospopulares. da Tribo 20anos. Teon – Morte em Tupi-Guarani, em Morte – Teon Todas asoficinassãooferecidasdeformagratui- o ÓiNóisAquiTraveiz iniciauma Caminho Para Caminho Estado, sendo igualmente apontada como uma referência de âmbito nacional. Na Terreira da Tribo funciona a Escola de Teatro Popular que, além das oficinas, oferece para a cidade inúmeros seminários e ciclos de discussão sobre as artes cênicas, consolidando a idéia de uma aprendizagem solidária. A Terreira da Tribo, criada em 1984, sob o signo do teatro revolucionário de Antonin Artaud, abrigou desde a sua criação diversas manifestações culturais, além de oportunizar às pessoas em geral o contato com o fazer teatral. O nome deste espaço feminino, telúrico e anarquista, vem de terreiro, lugar de encontro do ser humano com o sagrado. Gerida de uma forma libertária pelo Ói Nóis Aqui Traveiz, a Terreira é uma peça fundamental para o desen- volvimento do teatro porto-alegrense. Várias das suas manifestações já foram apropriadas pela cidade, como o teatro de rua, hoje com vários grupos atuando regularmente, e as oficinas populares de teatro, desenvolvidas em diversos bairros de Porto Alegre. A Terreira da Tribo constituiu nesses vinte anos um espaço de possibilidades, talvez uma das características mais significativas do trabalho teatral, que é criar um campo fértil para semear as possibilidades do homem em todos os tempos. FOLIAS D’arte

A Companhia Folias d´Arte foi criada em 1994 com a montagem do espetáculo Verás Que Tudo É Mentira uma adaptação do romance de Théophile Gautier, Capitain Fracassé. O texto con- tava a história de um grupo mambembe, no século XVII, e suas peripécias para continuar exercendo o seu ofício. A ficção não diferia muito da condição de trabalho dos seus realizadores: um grupo de artistas querendo criar as condições para terem um trabalho contínuo, formar um repertório, realizar os treinamento necessários para o desenvolvimento da linguagem teatral, enfim, poderem se dedicar ao ofício e dele poderem sobreviver. Desde o início do coletivo criador da Companhia Folias d´Arte se pesquisou a forma "popular" como meio de comunicação com o seu público. O princípio norteador para essa pesquisa era a vontade de devolver ao Teatro uma função social, de torná-lo necessário para quem o fazia e para o público, de vê-lo como um dos contribuintes para a construção de uma sociedade justa e solidária. Esse princípio tem norteado a escolha de seu repertório e suas ações. O que está em jogo no Brasil, neste quadrante de sua história, para o Teatro é de constituí-lo como uma "instituição", que tem valor em si. Não se deve esquecer que o "bem cultural" é injustamente distribuído no país. É um direito elementar do qual a maioria da população está excluída. A Questão Cultural não é uma questão de Estado e os orçamentos públicos, para a área, são irrisórios e não atendem as necessidades da população. Nos últimos anos, podemos diagnosticar o seu início na era Collor, as instituições culturais públicas foram desativadas em prol de uma política privada, patrocinada pelas leis de incentivo. Política que criou grandes obstáculos para as criações teatrais que visam ter um papel social e que não se sujeitam a ser mera "mercadoria" em oferta na gôndola do entretenimento. A liberdade, pluralidade e diversidade tão necessárias para a existência do teatro encontram-se comprometidas pela ausência do poder público e pela"privatização" do imaginário nacional. Em 1997, a Companhia abre seu espaço cênico, na Santa Cecília, bairro tradicional da capi- tal paulistana, com Happy End, obra de Elizabeth Haupmann e músicas de Bertolt Brecht e Kurt Weil. Depois de muito anos de itinerância conseguia-se uma "trincheira", onde novos projetos poderiam ser desenvolvidos, além da criação teatral. De alguma maneira era a "carta de alforria" necessária para o coletivo criador pôr em prática todas as suas "utopias". A conquista do espaço cênico, projeto de J. C. Serroni, possibilitou, também, a intensificação do diálogo da Companhia com a comunidade, abrindo-o para que as organizações civis o utilizassem para as suas realizações. Passados sete anos, a Companhia estabilizou um repertório, que hoje em dia conta com 12 espetáculos, que envolvem mais de cinqüenta criadores/fazedores de teatro. Conta com um espaço para o aperfeiçoamento de sua formação teórica e prática, Praticável do Folias; tem uma publicação teórica, Caderno do Folias; editou dois livros de ensaios teóricos; participou da edição de O Sarrafo, jornal distribuído gratuitamente na periferia e voltado para a discussão da questão teatral; mantém um coro com os moradores do bairro; realiza um trabalho de circo com crianças; mantém uma oficina de mosaico que faz intervenções nas praças e ruas do bairro. O Galpão do Folias, um espaço público e aberto às lutas culturais e sociais da comunidade, com seu amplo repertório, não estaria aberto se não fosse a conquista da Lei de Fomento ao Teatro, do município de São Paulo, que subsidia a sua manutenção física, pelo "Movimento Arte Contra a Bárbarie", do qual é um dos fundadores. É esse subsídio que possibilitou à Companhia um "respiro" financeiro e que a liberou para dedicar um maior tempo à criação estética e às lutas políticas voltadas para a criação de Políticas Públicas culturais que rompam com o elitismo e exclusão das ações empreendidas historicamente, neste país, pelos ocupantes dos cargos públicos. Lutas que estão integradas no pensamento estético e ético da Companhia, alimentando-a, energizando-a e estimulando os participantes a se aperfeiçoarem para melhor exercerem o ofício teatral. Ética e estética como formadoras da nossa unidade artística e política. IMBUAÇA. Roda gira, gira a roda. Onde estamos nessa gira? Lindolfo Amaral

O ano é 1977. O país vive os primeiros momentos de luta pela “abertura”. As greves do ABC paulista ecoam em todo o Brasil, dando fôlego para que outras categorias comecem a pensar na luta pela redemocratização. Os estudantes das universidades federais dão os primeiros passos objetivando a reabertura da UNE - União Nacional dos Estudantes. O que veio a acontecer em maio de 1979, na cidade de Salvador. As questões culturais não são tratadas em nível ministerial, porém o país é invadido por grandes festivais de arte, como os de Ouro Preto/MG, Campina Grande/PB, São Cristóvão/SE, entre tantos outros. O SNT – Serviço Nacional do Teatro começa a desenvolver uma série de oficinas na área de teatro por todo país. Nomes como Aderbal Júnior e Luiz Carlos Ripper ministram ofici- nas de direção e cenografia, respectivamente, em diversas cidades brasileiras. Aracaju recebe diversos nomes, ajudando a melhorar a qualidade dos espetáculos. Para que se possa ter uma idéia da produção teatral da cidade nos anos setenta, basta observar a quantidade de grupos e de espetáculos produzidos nesse período. Entre eles o Expressionista e o Experimental, ambos vinculados à Universidade Federal de . Foram montados espetácu- los dirigidos por nomes importantes do teatro brasileiro como, Carlos Murtinho, Fernando Teixeira e Aglaé d’Ávila. Já o Grupo Opinião, sob a direção de Vieira Neto, conquista prêmios importantes em festivais competitivos, fora de Sergipe. O Grupo Raízes, sob a direção de Jorge Lins, se especializa em montagens infantis. O GRIFACACA, uma experiência desenvolvida na periferia de Aracaju, sob direção de Severo d’Acelino, consegue circular com os seus espetáculos pelo interior de Sergipe. É neste cenário que vão surgindo novos grupos, entre eles o Imbuaça, cujo nome homenageia o artista popular Mané Imbuaça, um homem que com seu pandeiro nas mãos tirava versos pelas ruas de Aracaju e foi assassinado no início de 1978. Tudo começa com a realização de diversas oficinas ministradas no mês de julho de 1977 pelos pernambucanos Lúcio Lombardi (direção), Gilson Oliveira (interpretação) e José Francisco (corpo). Cerca de 30 (trinta) alunos/atores resolvem criar um grupo de teatro e no início há um grande debate sobre a linha de trabalho que o novo grupo deveria seguir. As influências do movimento estudantil foram muito fortes, alguns integrantes eram uni- versitários e militantes de uma corrente política acadêmica. Mas é um grupo de Salvador, Teatro Livre da , que influencia definitivamente o caminho do Imbuaça. E mais uma vez a importância do Festival de Arte de São Cristóvão, responsável pela vinda da trupe dirigida por João Augusto. O impacto foi tão grande que o ator Benvindo Siqueira veio no mesmo ano a Aracaju para ministrar uma oficina de teatro de rua a convite da SCAS - Sociedade de Cultura Artística de Sergipe. O ator do Imbuaça, Antonio Amaral, participa da oficina e traz a nova proposta cêni- ca para o recém criado grupo. Ele, que era também estudante de letras da UFS, fez a primeira adaptação de um folheto de cordel para o teatro de rua O matuto com o balaio de maxixi de autoria de José Pacheco. Seguindo o trabalho realizado pelo mestre João Augusto, que desenvolveu uma dramaturgia riquíssima. Em 2004, observa-se que Aracaju continua sem um curso de teatro, uma das poucas capitais do Nordeste que não possui um curso permanente de teatro. A produção teatral caiu assustadoramente. O Festival de Arte de São Cristóvão deixou de ser coordenado pela Universidade Federal e hoje o evento é pura decadência, não tem a menor expressão. O Encontro Cultural de Laranjeiras, também criado na década de 70 (1976), destinado ao debate de questões da Cultura Popular e apresentações de grupos folclóricos, é hoje um caldeirão de poluição sonora, cuja programação desafina em relação aos objetivos do evento. Contraditoriamente, hoje todas as esferas institucionais, federal, estadual e municipal, possuem seus órgãos de cul- tura: Ministério, Secretaria de Estado, Fundação. Todos os órgãos têm leis e fundos de promoção cultural. Na prática, só a Lei Federal de Incentivo à Cultura funciona. Graças a ela o grupo conseguiu, pela primeira vez, desenvolver a sua última montagem, Desvalidos, com o patrocínio exclusivo da Petrobras. Convém lembrar que o grupo já teve outros projetos aprovados através da Lei Federal, porém não conseguiu a captação de recursos, um fato comum na

ESQUISA E CRIAÇÃO região. Gravou o seu único CD em 1997, através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Entretanto, nos últimos anos

P esta Lei deixou de funcionar. O que foi que aconteceu ? 12 O Imbuaça continua a sua luta. Hoje possui uma sede, graças a um contrato de comodato assinado entre o grupo e a Prefeitura Municipal de Aracaju, em 1991. Espaço que tem possibilitado o desenvolvimento de uma série de ações, além das montagens e apresentações de seus espetáculos e de outros grupos. Porém são as ações sociais e artís- ticas que têm ocupado os integrantes nesses últimos anos. Tudo começou com uma pequena atividade aos domingos, envolvendo as crianças do bairro Santo Antônio, onde está situada a sede. Surgiu outra idéia: realizar um encontro anual de grupos folclóricos no mês de agosto. Este projeto já está em seu quinto ano. Em 2002, com a celebração dos 25 anos do Imbuaça, diversos grupos mandaram seus representantes para participar de um Fórum Nacional: Tá na Rua/RJ; Vento Forte/SP; Parlapatões/SP; Galpão/MG; Ói nóis/RS; Joana Gajuru/AL; Mamulengo Só-Riso/PE; Alegria, Alegria/RN; LABORARTE/MA além do ator, autor, tradutor e diretor Fernando Peixoto. Durante os debates, Amir Hadad informou da existência de um edital no BNDES, destinado a projetos de inclusão social através das artes. E o Imbuaça inscreveu o Projeto “Mané Preto”, que utiliza o teatro, a dança e a música como meios para discutir com as crianças e adolescentes as questões vivenciadas pelos mesmos. O projeto foi aprovado e desenvolvido em 2003. Este ano, o grupo resolveu continuar as suas ações mesmo sem o patrocínio do BNDES. No entanto, vem recebendo o apoio de outras instituições, como BOVESPA, SESC, Banco do Nordeste, BANESE – Banco do Estado de Sergipe. Agora, com aprovação pelo Ministério da Cultura do Projeto Nosso palco é a rua, que vai funcionar nos próximos dois anos, o Imbuaça dá um importante passo para a criação de uma escola de teatro, abrindo perspectivas de trabalho no campo das artes para os adolescentes do bairro e adjacências. O grupo é formado pelos atores Lindolfo Amaral, Valdice Teles, Isabel Santos, Tonhão, Tete Nahas, além dos atores convidados, Lizete Feitosa, Pierre Feitosa, César Leite, Rita Maia, Anderson Charles, Diane Veloso, Luciano Limma, Dourivaldo Filho, Iradilson Bispo, do educador Manoel Cerqueira e dos assistentes Conceição Santos e Gilvan Lins, que conseguem manter viva a chama desta roda, chamada teatro de rua, graças aos cachês oriundos da venda de seus espetáculos. Atualmente, o Imbuaça mantém em cartaz os espetáculos Teatro chamado Cordel, A Farsa dos Opostos, Antonio, meu santo e Desvalidos. O que se espera é que esta roda possa girar muito, respirar o puro oxigênio e fazer com que outras rodas surjam, contribuindo com a resistência de um teatro inspirado na cultura de um povo que sabe guardar as suas histórias como verdadeiros lampiões acesos em um mar revolto. Grupo TÁ NA RUA ESQUISA E CRIAÇÃO 13P

O Grupo Tá Na RuA, completando 25 anos de existência, atinge a sua maturidade como companhia teatral dedicada à criação, pesquisa e formação em teatro de rua no Brasil, articulando o desenvolvimento de metodologias e técnicas para uma arte de rua contemporânea com a construção de uma linguagem artística eminentemente popular, incorporando as raízes da tradição cultural carioca e brasileira. Sua privilegiada localização geográfica, em meio à efervescência cultural da Lapa, e seu propósito de intervenção pública no espaço urbano conferem ao Instituto Tá Na RuA para as Artes, Educação e Cidadania a dimensão de patrimônio vivo da cultura brasileira, resgatando elementos de nossa tradição cultural, (re)construindo a memória coletiva dos ritos e festas populares, em sintonia com a vida e com a história contemporânea. O Instituto Tá Na RuA vê o teatro como uma pedagogia de ação transformadora: o espectador transformando-se em ator, tomando em suas mãos a configuração e discussão de seu destino. Um teatro popular, com uma linguagem narrativa, dialética, que constrói sua dramaturgia no próprio desenvolvimento da ação/reflexão. O teatro como uma ferramenta eficaz que proporciona aos setores populares a capacidade de apropriar-se de sua auto-expressão, em busca de sua própria identidade cultural, desvinculada da cultura dominante e hegemônica. A Casa do Tá Na RuA abriga, atualmente, a Escola Carioca do Espetáculo Brasileiro, além de servir como espaço de treinamento, ensaios e oficinas, onde é desenvolvida a linguagem popular de Amir Haddad e do Grupo Tá Na RuA. O Grupo Tá Na RuA, cuja trajetória sempre se pautou pela recusa à toda forma de opressão e pela defesa de todas as formas de liberdade, apresenta neste ano de 2004 sua mais recente criação, o espetáculo Dar Não Dói....O Que Dói é Resistir , em que traça um panorama dos acontecimentos políticos, culturais e artísticos da vida brasileira no período da ditadura militar, revisitando este momento da história do Brasil. Teatro da VERTIGEM. Histórico

O primeiro projeto do Teatro da Vertigem teve início em 1991 e tinha como objetivo pesquisar os princípios da Física, encon- trados na Mecânica Clássica, e aplicá-los ao movimento expressivo do ator. As experimentações em torno deste tema, com relações estreitas entre Arte e Ciência, geraram um repertório de treina- mento, que foi demonstrado no 44º Congresso Anual da SBPC, em julho de 92. A fim de concretizar artisticamente suas vivências, o Teatro da Vertigem criou a peça O Paraíso Perdido, que estreou em novembro do mesmo ano, na Igreja Santa Ifigênia, permanecendo oito meses consecutivos em São Paulo. Depois de receber o Prêmio Especial APCA/92 por pesquisa de linguagem e por melhor iluminação além de indicações para o Prêmio SHELL/92, em março de 93 é con- vidado para participar do II Festival de Curitiba. No final do mesmo ano, o Teatro da Vertigem dá início ao seu segundo projeto, O Livro de Jó. Em conseqüência da 14 experiência anterior e buscando novas diretrizes, o núcleo aprofunda a pesquisa da linguagem cênica às possibilidades em espaços não convencionais, intensificando a exploração de objetos e materiais do local escolhido, tanto no trabalho dos atores quanto na iluminação, na cenografia, no figurino e na música. Em 1994, O Livro de Jó recebe o Prêmio Estímulo para espetáculos teatrais em espaços não convencionais pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Sua estréia acontece em 95, no Hospital Umberto Primo e permanece em cartaz por dezoito meses. No mesmo ano participa do IV Festival de Teatro de Curitiba e em 96, o Teatro da Vertigem viaja para representar o Brasil no V Festival de Teatro Ibero-americano de Bogotá, Colômbia e do III Porto Alegre em Cena, meses depois. Recebeu o Prêmio SHELL/95 de melhor espetáculo, direção, ator, figurino e iluminação; Prêmio APCA de melhor espetáculo, direção e iluminação; Prêmio Mambembe de melhores espetáculo, direção e autor e Prêmio APETESP de melhores espetáculo e direção. No ano seguinte, o espetáculo tem temporada de um mês e meio no Hospital São Francisco de Assis, no ; participa do Festival de Artes de Ärhus, na Dinamarca, onde também realiza um workshop demonstrativo do processo de trabalho dentro da Conferência Latino Americana de Teatro. Ainda na Dinamarca, em Holsterbro, o grupo participa de uma Visita de Pesquisa ao Odin Teatret, de Eugenio Barba. Em 98, O Livro de Jó é o primeiro espetáculo brasileiro a representar o Brasil no III Festival Internacional de Teatro Anton Tchekhov, em comemoração ao Centenário do Teatro de Arte de Moscou. No mesmo ano, o grupo inicia os trabalhos de pesquisa do próximo espetáculo, o projeto Apocalipse, e ganha o Prêmio Flávio Rangel, da FUNARTE e o Prêmio de Incentivo pela Secretaria de Estado da Cultura, LINC. Em 99, participa do ciclo de leituras dramáticas da Folha de São Paulo e do VIII Festival Nacional de Teatro de Curitiba. Desenvolve, junto à Oficina Cultural Oswald de Andrade e da Secretaria do Estado da Cultura, o projeto Artista em Residência, que ofereceria dez oficinas integradas ao projeto Apocalipse, nas áreas de dramaturgia, direção, interpretação, iluminação, música, cenografia e produção, abrindo espaço para mais de duzentos interessa- dos no acompanhamento da montagem do espetáculo. Apocalipse 1,11 estreou, oficialmente, dia 14 de janeiro de 2000, no antigo Presídio do Hipódromo, em São Paulo e permaneceu em cartaz até janeiro de 2001. Sua temporada fora interrompida em setembro de 2000 para participar do ACARTE, Festival Internacional de Teatro de Lisboa, Portugal, através da Fundação Calouste Gulbekian e também para o Festival Nacional de Curitiba, no mesmo ano. Em 2002 participa com Apocalipse 1,11 do Festival Internacional de Londrina e realiza viagem ao Festival Internacional Theater der Welt, Alemanha, na cidade de Colônia. No ano seguinte apresenta a Trilogia Bíblica no Festival Internacional de São José do Rio Preto e o espetáculo O Paraíso Perdido no Festival Porto Alegre em Cena. Em seguida viaja com Apocalipse 1,11 para participar do Festival Internacional de Wroclaw, Polônia. Através da premiação da Lei de Fomento à Cultura e a Brasil Telecom, o Teatro da Vertigem celebra seus dez anos de produção artística com a remon- tagem da trilogia bíblica: O Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1,11 durante os meses de dezembro de 2002 e janeiro e fevereiro de 2003. De maio a julho de 2003, dentro do Projeto de Residência Artística do Teatro da Vertigem na Casa Nº1, numa iniciativa inédita de parceria entre o Patrimônio Histórico, a Secretaria Municipal de Cultura e um grupo de teatro, o Teatro da Vertigem apresenta as primeiras atividades abertas ao públi- co em geral; uma programação trimestral com oficinas de interpretação, iluminação, palestras, espetáculos teatrais, música, debates e grupos de estudos, quase todas, com entrada franca. Além dessas atividades, o grupo desenvolve na Casa Nº1 o trabalho de treinamento, estudos, reuniões e preparação do próximo projeto, Expedição BR3: Brasilândia - Brasília - Brasiléia. Dando con- tinuidade à programação, inicia-se a partir de agosto a 2ª edição deste projeto. Em 2004, com o apoio da Lei de Fomento ao Teatro para cidade de São Paulo, o Teatro da Vertigem ini- cia a sua investigação em Brasilândia, bairro da periferia de São Paulo, estabelecendo uma base de trabalho nesta área que serve de apoio às ações desta primeira etapa da nossa pesquisa. Desenvolve, assim, oficinas integradas gratuitas destinadas aos moradores do bairro; além de realizar, através de uma ação continuada, um tra- balho de instrumentalização, dentro do processo das oficinas e, à parte deste percurso, com pes- soas que já vêm mantendo projetos artísticos e sociais na comunidade local reconhecidos por nós e na região como oficineiros/multiplicadores. Em julho deste ano, dando continuidade a sua investi- gação, segue para a segunda etapa da sua pesquisa, viajando por terra para Brasília/DF e Brasiléia/AC, passando por diversas cidades, par- ticipando de encontros , palestras e ministrando oficinas. Em agosto deste ano participa do FIT - Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte, com a Trilogia Bíblica e retoma suas atividades em Brasilândia. A ESCOLA LIVRE de Teatro (ELT) de Santo André1... Antônio Rogério Toscano - Coordenador da ELT

...é um projeto que mantém, desde 19972 , tra- balhos permanentes voltados à formação do ator criador. Note-se: formação; em primeirís- simo plano, ela vem à frente da informação - que transita, livre, mas fora do foco, neste tipo de aprendizagem alternativa. O deslocamento em relação aos eixos convencionais, em que formar assume maior importância do que informar, faz também com que a ELT se carac- terize e prime pela valorização dos processos, mais que dos resultados. Durante o caminho da criação, o interesse pedagógico concentra-se em instilar inquie- tação criativa nos aprendizes/artistas (nunca alunos - aluno, aquele que não tem luz própria), sob condições experimentais, para que floresça então uma arte comprometida, atuante e radicalmente viva - que responda à sensibilidade concreta do mundo que a cerca. A pedagogia livre, aberta e transitiva, em que o poder mágico dos saberes não está dado de antemão a nenhum feiticeiro - ele é criado no dia-a-dia, após as crises cotidianas do trabal- ho com a poesia cênica, quando o jovem artista torna-se tão responsável pelo proces- so quanto seu orientador e a horizontalidade3 desta relação espelha o jogo ancestral vivido entre mestre e discípulo. Composta por núcleos de base (três anos de pesquisa diária, com todas as noites debruçadas sobre a linguagem teatral) e por núcleos de aprimoramento (tais como dra- maturgia, estudos teóricos do teatro contem- porâneo, processos colaborativos, teatro na rua, teatro popular urbano etc. - todos com duração variável e existência paralela em relação aos núcleos de base), a ELT é uma ini- ciativa mantida pelo poder público municipal, que pode, justamente por isso, enfrentar com criatividade searas como as nascidas das diferenças sociais e permitir que todos os confrontos sejam enriquece- dores, do ponto de vista humano. Todas as atividades são oferecidas gratuitamente ao artista-aprendiz, que passa por um profundo processo de transformação artística e pessoal. Situado em um bairro da periferia da cidade de Santo André (como é Santa Terezinha, onde está o Teatro Conchita de Moraes, sua sede, para onde afluem estudantes de toda a Grande São Paulo) este projeto almeja diluir as tradi- cionais fronteiras entre periferia e centro na representação teatral. Crise é uma idéia permanente, que impõe que as relações entre parceiros sejam tomadas como necessidades, em um jogo de interdependência. A dificuldade em verificar o que é, afinal, liberdade em uma Escola Livre, passa da condição de problema à de combustível conceitual, quando levada ao Fórum Permanente4 , em que todos discutem e decidem, juntos, sobre o que virá a seguir. Na ELT, de nada serve a liberdade individualista, já que a liberdade é vista como uma conquista, somente possível após a instauração da identidade coletiva. E é daquilo que a todos os participantes faz idênticos (em suas muitas diferenças) que sobrevive uma Comunidade Livre.

Assim, a trajetória da formação teatral é construída na própria caminhada5 , de acordo com as características das turmas, em seu desenvolvimento. Os profissionais capazes de atender a essas necessidades e de guiar os proces- sos, no trajeto rumo à liberdade, devem ser, portanto, pesquisadores. Pesquisadores são, neste ponto de vista, sujeitos intensamente intrigados com o fenômeno teatral e sempre em busca de uma investigação autoral, que propõem a seus aprendizes não somente soluções, mas principalmente a capacidade de lidar com os problemas e de encontrar respostas próprias para aquilo que se necessita. Unem a prática teatral ao pensamento e, como con- seqüência, permanecem em atividade constante e reconhecida no mercado - não no sentido de reproduzi-lo, mas com o intuito de constituir na ELT outras possibilidades de trabalho, relidas e modificadas. Os processos criativos são filtrados pela experiência (a cena é o juiz do jogo, que define quais são os próximos pas- sos). E sempre são eles que criam, entre si, e de maneira fluida, articulações orgânicas. Os diferentes grupos de tra- balho se contaminam e se influenciam mutuamente e, com isso, formam conexões vivas por onde circulam, livres, as informações. Ou seja, esta criação, sem métodos precedentes e preestabelecidos, deve estar sempre articula- ESQUISA E CRIAÇÃO da por um rigoroso processo de reflexão, que busca permanentemente novos nortes, apropriados para cada nova P etapa. E esses nortes são fixados apenas momentaneamente, e depois remodelados pelo coletivo. 17 A parceria que decorre desta maneira de encarar o processo pedagógico amplificou, na ELT, o compromisso com as formas de experimentação poética coletivas e grupais. O criador vive eternamente a tensão de compartilhar, simultaneamente, da liberdade do ator que busca imprimir sua própria marca de identidade, como também da necessidade de participação afetiva e efetiva em um jogo que o ultrapassa, por ser coletivo e comunitário. Talvez decorra disso o surgimento, na ELT, de desdobramentos oriundos do Processo Colaborativo6 , que relê as formas coletivas do trabalho teatral.

Notas

1. Este texto é uma compilação de idéias desenvolvidas, ao longo dos anos, pelos diferentes coordenadores que estiveram à frente da ELT (Maria Thaís, Tiche Vianna, Lucienne Guedes, Kil Abreu e Antônio Rogério Toscano), em suas propostas de trabalho, e pelos mestres. Atualmente, ministram cursos na ELT os artistas Alexandre Mate, Antonio Araújo, Claudia Schapira, Cuca Bolaffi, Edgar Castro, Francisco Medeiros, Georgette Fadel, Gustavo Kurlat, Juliana Monteiro, Lucienne Guedes, Luis Alberto de Abreu, Luiz Fernando Ramos, Marcelo Milan, Renata Zhaneta, Roberta Estrela D’Alva, Vadim Nikitin e Verônica Nóbili.

2. A data oficial de lançamento do projeto ELT é 1990, sob coordenação de Maria Thaís. Contudo, ao final do primeiro mandato do prefeito Celso Daniel, em 1993, o projeto foi interrompido e a escola foi fechada. A reabertura somente ocorreu em 1997. Desde então o trabalho tem sido contínuo.

3. Esta relação horizontal diz respeito à democratização do saber e não à superficialidade da formação, que se aprofunda de modo vertical.

4. O segundo número da publicação Cadernos da ELT, de 2004, contém uma série de transcrições destes fóruns.

5. Ver a publicação Os caminhos da criação - ELT, 10 anos, de vários autores, 2000.

6. No primeiro número de Cadernos da ELT, Luis Alberto de Abreu estuda alguns aspectos centrais do Processo Colaborativo, diferencian- do-o da criação coletiva. Atualmente, na ELT, um núcleo de aprimoramento dedica-se unicamente ao estudo teórico do Processo Colaborativo. TUSP Teatro da USP

Seguindo as orientações de um congresso da UNE, realizado em 1953, em Goiânia, todos os centros acadêmicos das várias faculdades que integravam a Universidade na época, reuniram-se e enviaram à Reitoria da USP um abaixo-assinado reivindicando a criação do TUSP. Criado em 1955, existiu até a década de 60 como um grupo de teatro universitário que, entre outras atividades, montou os espetáculos A Exceção e a Regra, com direção de Paulo José e Os Fuzis da Senhora Carrar, com direção de Flávio Império. Intimamente ligado ao movimento estudantil, suas atividades se desarticularam, a partir de 1968 , com o endurecimento da repressão. Em 1976, por iniciativa da própria Reitoria, voltou a ser criado, agora como um órgão oficial, com sede própria fora da cidade universitária e sob a direção do crítico e professor Décio de Almeida Prado. Atualmente, o TUSP é um órgão ligado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. Está sediado no histórico prédio do Centro Universitário Maria Antônia, no 18 centro da cidade, antiga sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. No seu espaço cênico não-convencional, versátil e de diferentes configurações, realiza várias atividades, como montagem e apresentação de espetáculos, oficinas, palestras, debates, encontros, etc. Neste espaço, além das produções de seu núcleo artístico, “O GRUPO TUSP” recebe também, em temporadas regulares ou eventuais, outros grupos e companhias que se destacam pelo trabalho de pesquisa e experimentação.

O GRUPO TUSP Criado em 1996, durante os quatro primeiros anos o grupo era alimentado anualmente pelas oficinas livres de teatro do TUSP que tinham então o formato de oficina-montagem. A partir de 2001, quando iniciou-se o projeto de profissionalização deste conjunto artístico, grupo e oficina tornaram-se projetos independentes. Caracterizado, na maior parte de sua criação artística, pela produção de uma dramaturgia própria, seu último trabalho o espetáculo INTERIOR construído a partir de histórias pessoais vividas pelos atores, permaneceu um ano em cartaz em São Paulo, e há mais de um ano, viaja pelo Brasil. Em março de 2005, o GRUPO TUSP estréia seu novo espetáculo SEGREDO. Por sua ampla atuação junto à comunidade universitária e externa e pela repercussão de seu trabalho, recentemente o grupo conquistou uma importante vitória. Numa atitude inédita no teatro brasileiro, a Universidade de São Paulo, criou em seu plano de carreira, a função de ator e abriu 10 vagas para contratação de atores, em regime de CLT, efetivando assim a institucionalização do grupo. Em oito anos de atividades, o GRUPO TUSP montou sete espetáculos, recebeu 16 indicações para premiação e ganhou 11 prêmios. Espetáculos montados pelo GRUPO TUSP, com direção de Abílio Tavares: 1997 . PROVA DE FOGO - De Consuelo de Castro 1998 . JUÍZO FINAL - Comédia Triste - Dramaturgia de Antônio Rogério Toscano 1999 . 2000 “ Uma Fantasia Musical “ - Dramaturgia de Antônio Rogério Toscano 2000 . HORIZONTE - Dramaturgia de Antônio Rogério Toscano 2001 . A FARSA DE INÊS PEREIRA E DO ESCUDEIRO - de Gil Vicente ˆ Adaptação de Décio de Almeida Prado A ARROMBADA . De Antônio Rogério Toscano 2002 . INTERIOR . Dramaturgia de Abílio Tavares

BARRACÃO Teatro. Uma semente para muitos frutos Tiche Vianna

O Barracão Teatro é um espaço de investigação e criação teatral que tem como base de pesquisa a linguagem da máscara, a commedia dell’arte, o palhaço, a improvisação e o ator como veículo da comunicação teatral. Desde sua fundação, em 1998, pelo ator e palhaço Esio Magalhães e pela diretora e pesquisadora Tiche Vianna, este espaço funciona como um centro para estudos, reflexões, treinamentos, orientações e criações de espetáculos, tendo desenvolvido durante estes seis anos, uma série de eventos e parcerias ligadas à pesquisa teatral e à criação de espetáculos, no intuito de ampliar suas fontes de conhecimento, bem como formar público para o teatro. Quando nos aliamos na empreitada de construir um modo de fazer e pensar teatro, queríamos antes de mais nada encontrar um jeito, nosso, de nos colocarmos diante do mundo através da arte com um ponto de vista crítico sobre a realidade atual, na qual estamos inseridos agora e sobre a qual sentimos uma grande necessidade de nos expressar. Quando nos aliamos na empreitada de entrar numa sala de trabalho juntos, queríamos descobrir o que havia em comum sobre as nossas técnicas e sobre os nossos modos de fazer teatro. Precisávamos descobrir como se dava este diálogo na prática de um trabalho cotidiano e como se dava este diálogo na prática de uma criação artística. Quando colocamos diante do espectador o resultado de nossas alianças, descobrimos que nosso diálogo artístico vem da necessidade de deslocarmos o espectador de seu território conhecido e deste modo convidá-lo a uma re-visitação de sua própria vida para potencializá-la. Agua de GUARAMIRANGA Lúcio Bezerra e Nilde Ferreira

Guaramiranga é uma cidade pequenina, abrigo de pouco mais de cinco mil habitantes, instalada no alto da serra do Maciço de Baturité é distante cem quilômetros da capital do Estado do Ceará. Nascida nos tempos da cana e do café, cultiva desde sua origem o gosto pelas artes e pela cultura. Dona de um ecossistema ao mesmo tempo rico e frágil, o município é, atualmente, Área de Proteção Ambiental (APA) e destino turístico de milhares de pessoas que buscam sossego, cultura e contato com a natureza preservada. Com o fim da produção de café, a cidade experimentou mais de duas décadas de estagnação econômica e declínio sociocultural; quando sofreu altos índices de desemprego, analfabetismo e viu ruir boa parte de seu patrimônio arquitetônico - casarões, símbolos da riqueza gerada pela cultura cafeeira local. Nesse contexto, um grupo de artistas e educadores criou, no início da década de noventa, a Agua- Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga, uma ONG cujos objetivos precípuos são a valorização e a promoção das artes e da cultura como vias de desenvolvimento humano. A Agua é um dos principais mecanismos de promoção e difusão cultural em atividade na região, sendo responsável direta por projetos como: Escola de Música de Guaramiranga. Fundada há sete anos, é um conjunto de cursos de formação básica teórica e prática em diversas expressões de grupos musicais. Já formou jovens que hoje já lecionam em outras cidades vizinhas. O Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga é outro projeto que este ano concretizou sua décima primeira edição, sendo o principal evento das artes cênicas na região Nordeste e soma como resultados mais expressivos a participação de mais de duzentas companhias teatrais de todo o Brasil e um público estimado em 60 mil pessoas ao longo de sua vida. O Cidade da Arte é um projeto que trabalha com a arte ESQUISA E CRIAÇÃO como via de desenvolvimento de potenciais humanos, atendendo uma parcela equivalente a 10% da população de P crianças, adolescentes e jovens de Guaramiranga em oficinas permanentes de teatro, dança, música, artes plásticas 21 e construção de instrumentos musicais artesanais. Para agir desta forma, a Agua conta com a parceria e o patrocínio de instituições públicas e empresas privadas, tais como: Instituto Ayrton Senna, Telemar, Governo do Estado do Ceará, Prefeitura Municipal de Guaramiranga, COELCE (Companhia Energética do Estado) e COMDICA. Com essas atividades, a Agua tem contribuído decisivamente no desenvolvimento cultural e econômico de uma cidade e de seu povo, criando uma perspectiva de pólo cultural aglutinador e fomentador de discussões e inter- câmbios que, na última década, conferiram à cidade uma modificação profunda na maneira de ver, sentir e compreen- der a arte por parte de seu povo, vencendo adversidades naturais embutidas na realidade de uma pequena cidade do interior cearense, e transformando-a num exemplo concreto de município que se desenvolve pelo mote da cultura. CASA DA RIBEIRA Casa de Artista - Natal, RN Fernando Yamamoto

O Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare foi fundado em 1993, a partir de um espetáculo criado como atividade extracurricular de uma escola de ensino médio da cidade de Natal. Mesmo sem nenhuma for- mação específica na área teatral (tanto do professor - de literatura - quanto dos alunos), a experiência inicial acabou culminando na criação de um grupo, que poucos anos mais tarde se desligaria da escola e passaria a funcionar de forma independente. Com o tempo, o grupo passou a procurar formação de caráter informal, através de leituras e oficinas com profissionais da área. Hoje, os Clowns comemoram sua primeira década de vida, estabelecidos como um dos principais grupos do teatro norte-riograndense, trazendo em sua bagagem dez anos de intensas atividades, entre espetáculos, oficinas, eventos, etc. Dentre estas atividades, a principal conquista, sem sombra de dúvida, é a construção do Espaço Cultural Casa da Ribeira. Comportando um teatro para 164 pessoas, uma sala de exposições e um café-cultura, a Casa da Ribeira é um dos espaços mais charmosos do país, aliando conforto e modernas condições técnicas para a realização de espetáculos e outros eventos culturais das mais diversas áreas. 22 Em seus poucos mais de três anos de vida, a Casa traz no seu currículo um rol variado de realizações, entre elas: . o estabelecimento de uma prática de temporadas dos espetáculos teatrais e de dança na cidade de Natal, hábito até então inexistente na cidade, por falta de espaço e condições adequadas para tal; . o projeto Cena Contemporânea, único projeto selecionado pelo Programa Petrobras Artes Cênicas de 2002 nas regiões norte/nordeste, que trouxe a Natal seis grupos estáveis de teatro para apresentação de espetáculos de palco e rua, oficinas para profissionais e iniciantes e debates sobre suas histórias e processos de trabalho; . Cosern Musical (2003), projeto pioneiro que ampliou as possibilidades da música potiguar, incentivando as bandas do estado a desenvolverem a concepção cênica dos seus espetáculos, que culminou em doze shows de alta qualidade e que agora se prepara para a sua segunda edição; . colocar a Sala Petrobras - Artes Visuais no circuito das artes visuais contemporâneas, trazendo artistas do cali- bre de Nazareno, Rosana Palazyan, Efrain Almeida, Rochelle Costi, Elder Rocha, entre outros; . proporcionar um episódio marcante na história da arte potiguar quando, ao fechar suas portas no início de 2004 por falta de condições financeiras para sua subsistência, gerar uma iniciativa de empresários da cidade, em con- junto com a Federação do Comércio do RN, que formaram um pool de empresas mantenedoras da Casa e garanti- ram a reabertura do espaço, após grande comoção nos mais diversos segmentos da cidade. Apesar dessa história curta, mas repleta de grande realizações, a administração deste espaço nunca foi fácil. O que nasceu para ser “a Casa dos Clowns” acabou por tornar-se “a casa da cidade de Natal”, e a idéia inicial ganhou outra proporção. Assim, após a inauguração, o grupo acabou dividindo-se de acordo com as inclinações de cada integrante, alguns para a administração do espaço, e outros para o trabalho artístico, fazendo da Casa, hoje, uma instituição independente do grupo, apesar do vínculo afetivo conseqüente da história que Clowns de Shakespeare e Casa da Ribeira trilharam juntos. A partir de 2004 a filosofia da Casa tem sido a de parcerias, tanto com artistas, quanto com empresários, instituições e instâncias governamentais, investindo na formação de público e na ampliação do intercâmbio de experiências entre os artistas potiguares com aqueles do resto do país. COOPERATIVA Paulista de Teatro

Em maio de 1979, alguns artistas que trabalhavam com produção cole- tiva reuniram-se para discutir a necessidade de uma nova forma de organização teatral. Depois de alguns meses de estudos e debates, fundaram, em agosto do mesmo ano, a Cooperativa Paulista de Teatro, nos termos da Lei 5.764/71, que define o cooperativismo no Brasil. Diferentemente do teatro empresarial, onde há a presença de um empresário (produtor) e empregados (equipe técnica e artística), os cooperados trabalham por participação mútua, onde os próprios inte- grantes de uma produção cultural estabelecem os termos que regulam as relações de trabalho e seus resultados. Entre os objetivos e necessidades dos pioneiros da entidade estavam, e permanecem até hoje em nossas bases, a reunião de artistas e técnicos gerando condições para o exercício de suas iniciativas, a produção de espetáculos, a criação de condições de difusão dos trabalhos dos cooperados, os aspectos jurídicos e administrativos, o trabalho pedagó- gico através de cursos e oficinas, a representação política, a realização de mostras e encontros com outros grupos, companhias teatrais e entidades de todo país, entre outros aspectos. Passada uma primeira etapa de legalização e constituição formal da entidade, através de regularização com os 23 órgãos governamentais, a CPT assumiu mais firmemente seu papel de fomentadora de atividades criativas nas artes cênicas. O projeto Cooperativa Viva é um marco no campo pedagógico, que despertou grande interesse junto aos associados, pelo alto nível das oficinas artísticas e técnicas propostas em 1997. Outra referência na história da CPT é realização de duas Mostras Brasileiras de Teatro de Grupo, em 1998 e 1999, com a participação de representantes de todo o país, com espetáculos teatrais e debates sobre a conjuntura do teatro praticado a partir de grupos em todas as regiões do Brasil. Hoje a Cooperativa conta hoje com cerca de 600 núcleos e mais de 3000 associados, representando grande parte da produção artística teatral do Estado de São Paulo. Parlapatões, Cia. São Jorge de Variedades, Pia Fraus, Companhia do Latão, Grupo Sobrevento, XPTO, Cia. Trucks, Vento Forte, Cia. Livre de Teatro, Núcleo Bartolomeu, As Meninas do Conto, Circulo dos Comediantes, Cia. do Feijão e muitos outros estão entre os grupos e companhias associados. Politicamente a Cooperativa participou dos principais movimentos teatrais de São Paulo e do Brasil, como nos vários encontros sobre teatro de grupo no país, na criação e implantação do Conselho Municipal de Cultura em São Paulo em 1992, nas reividicações bem sucedidas por editais públicos para a área teatral e, mais recentemente, na formatação e execução do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (em vigência), assim como na luta pela constituição do Fundo Estadual de Cultura do Estado de São Paulo. Essas ações em várias frentes deixaram suas marcas junto ao público brasileiro, às Secretarias Estaduais e Municipais da Cultura, ao SESC, SESI, FUNARTE, CCBB, MINC e outras instituições de relevância. Em seus 25 anos de existência, ao unir a organização dos procedimentos que envolvem o fazer teatral com o tra- balho criativo dos seus núcleos e associados, a Cooperativa Paulista de Teatro se tornou uma referência para o teatro contemporâneo praticado no Brasil. GRUPO GALPÃO. Histórico

O Grupo Galpão foi criado por cinco atores mineiros em 1982, após uma experiência de trabalho com o diretor George Frosher e o ator Kurt Bildstein, ambos do Teatro Livre de Munique, durante o Festival de Inverno de Diamantina. A opção de trabalhar nas ruas deu origem ao primeiro espetáculo do grupo, E a Noiva Não Quer Casar, uma incursão pela linguagem circense, com destaque para a utilização de pernas-de-pau. Com a segunda montagem, o infantil De Olhos Fechados, começa a se delinear no Grupo a proposta de alternar o trabalho entre o palco e a rua. O espetáculo recebe os mais importantes prêmios do teatro infantil na época. Ó Procê Vê na Ponta do Pé marca o retorno às ruas e o aprofundamento da linguagem clownesca. Com Arlequim Servidor de Tantos Amores, de Goldoni, são introduzidas na pesquisa do Grupo as técnicas da commedia dell’arte e da máscara italiana, que serão apropriadas de forma mais completa pelos atores no trabalho seguinte: A Comédia da Esposa Muda - que Falava Mais do que Pobre na Chuva. Este espetáculo foi apresentado durante sete anos. Em seguida, vieram Triunfo, um Delírio Barroco, fruto de uma experiência junto à Cia. de Dança do Palácio das Artes e Foi por Amor, uma esquete que abordava a realidade brasileira a partir dos crimes passionais cometi- dos à época em Minas. A volta ao palco viria com a marcante montagem de Álbum de Família (1990), de Nelson Rodrigues, com direção de Eid Ribeiro. O ciclo Gabriel Vilela se inicia em 1992, com Romeu e Julieta, numa montagem onde Shakespeare encontra Guimarães Rosa e o universo cultural do sertão mineiro. O espetáculo representa o reconhecimento nacional do Grupo, eleito o melhor espetáculo pelo júri popular do Festival Nacional de Teatro de Curitiba e tendo feito temporada no circuito Rio / São Paulo. Neste mesmo ano o Grupo realiza com enorme sucesso o FIT - Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte e fecha patrocínio com o Banco Credireal por um ano e meio. A parceria com Gabriel se desdobra em A Rua da Amargura, cuja estréia, em 1994, acontece no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Com base no texto O Mártir do Calvário, de Eduardo Garrido (1902), a proposta é um mergulho no universo da interpretação melodramática do circo-teatro. O espetáculo ganha 17 prêmios, incluindo Mambembe, Shell, Molière, Sharp e, novamente, o prêmio do júri popular do Festival de Curitiba. Com os dois trabalhos o Grupo viaja em 1996 por países como Inglaterra, Alemanha, Costa Rica, Colômbia e Uruguai, com grande sucesso de público e de crítica. Ainda neste ano o Galpão procura desvendar suas raízes com Um Molière Imaginário, versão de O Doente Imaginário, última peça escrita por Molière. O espetáculo, com direção de Eduardo Moreira, ator fundador do Galpão, mistura circo, teatro e música, faz estréia na aber- tura do Festival Nacional de Teatro de Curitiba e é agraciado com vários prêmios. Em 1998, na comemoração dos quinze anos de existência, o Grupo amplia seu espaço físico para abrigar novas atividades. Aluga o prédio de um velho cinema desativado, na mesma rua onde se localiza a sua sede, para instalar ali o Galpão Cine Horto, um centro de criação, pesquisa e intercâmbio cultural, voltado para a 25 comunidade. Nesse espaço, que abriga um teatro multifuncional para 200 espectadores e uma sala de cinema, são oferecidos vários cursos e oficinas de teatro, música e dança, destinados a profissionais que desejam se reciclar e também a iniciantes. Em 1999, o Galpão se prepara para mais uma temporada nacional com um novo trabalho, sob o comando de um diretor convidado, segundo a característica do Grupo. Trata-se de Partido, dirigido por Cacá Carvalho. O espetáculo, adaptação da novela O Visconde Partido ao Meio, explora o universo do escritor Ítalo Calvino. Em julho de 2000, inicia-se a parceria com a Petrobras, que investe na manutenção do Grupo e do Galpão Cine Horto. Em julho desse mesmo ano, o Galpão realiza uma bem sucedia temporada em Londres, a convite dos coordenadores do Globe Theatre, apresentando Romeu e Julieta, concebido e dirigido por Gabriel Villela. É a primeira vez que um grupo brasileiro atua no Shakespeare’s Globe, palco onde somente são apresentadas obras de Shakespeare. Retornando ao Brasil, inicia os preparativos para a estréia de Um Trem Chamado Desejo, sob a direção de Chico Pelúcio, integrante do Galpão, espetáculo que recria o difícil dia-a-dia de uma companhia teatral dos primeiros anos do século XX. Em 2002, o Grupo completa 20 anos de existência e realiza diversas turnês, por vários estados brasileiros, apre- sentando seu repertório dos últimos cinco espetáculos. No ano de 2003, sob a direção de Paulo José, o Galpão decide trabalhar em um texto fechado, depois de realizar suas montagens a partir de uma idéia, uma obra literária ou uma peça teatral adaptada livremente. Após um verdadeiro mergulho na dramaturgia mundial para a escolha do texto, surge O Inspetor Geral, espetáculo que dá ênfase ao trabalho dos atores, alternando momentos particulares em cada cena, numa espécie de corte cinematográfico. TROCA FOTO EM AR POR M ALTA

27 Grupo GALPÃO. Uma história de desafios Eduardo da Luz Moreira

O Galpão sempre foi camaleônico. Desde sua for- mação original com cinco atores até a atual, com treze, carregou esta característica de se transformar e de se superar, nunca se fixando em formas rígidas de conduta ou de princípios teatrais. Grupo de atores sem um diretor fixo, coletivo de indiví- duos que guardam uma certa experiência comum, o Galpão se pautou e continua a se pautar por uma necessidade permanente de buscar desafios, novas experiências e superação. Mesmo quando se deparou com o estrondoso sucesso que poderia levar o Grupo a uma espécie de fórmula esperada, que o arrastaria necessariamente à estagnação e à morte, o Grupo teve forças de se auto- superar e, com espírito crítico, repensar caminhos e Atores do Galpão com o refazer rotas. Sem perder de forma alguma aquilo que é o nosso bem mais precioso - a conexão íntima e profunda com diretor e ator Paulo José. um público expressivo que nos acompanha e que nos dá o reconhecimento, que é o alimento essencial do nosso tra- balho, precisamos a cada montagem pensar naquilo que nos falta, naquilo de que carecemos, no que é frágil entre nós. Progressivamente também fomos entendendo o trabalho artístico em grupo como algo capaz de fortalecer e deixar brotar as individualidades, tornar-se heterogêneo e não buscar uma homogeneização. Permitir que cada um tenha seu brilho próprio e que esse brilho possa reluzir no conjunto. Donde o trabalho apontar, na medida do possível, mais para a delicadeza e o estímulo ao ator do que para a rigidez da disciplina e a dureza dos cânones ideológicos que norteiam os agrupamentos fechados, como muito freqüentemente acontece com grupos de teatro. Por isso, muitas vezes é difícil encontrar o caminho a ser seguido. Cada nova opção de montagem é uma espécie de parto, no qual evidentemente é impossível chegar ao consenso. Resta-nos como consolo pensarmos como Nélson Rodrigues que “se a ideologia é o último refúgio do canalha”, também citando o velho Nélson, não há a menor dúvida de que “a unanimidade é burra”. Para o próximo ano faremos uma nova montagem que será nossa terceira parceria com o ator e diretor Paulo José. Terceira porque no decorrer da escolha do Inspetor de Gógol, montamos internamente uma encenação de várias peças curtas e cenas dos mais diferentes autores (de José Ruibal, Prévert e Wedekind até Machado de Assis). Existe novamente uma sombra de Brecht que nos ronda, assim como no processo anterior. Na tentativa de encontrar algo que contemple o melhor possível a cada um e a todos, passamos o ano lendo e discutindo textos de teatro que possam ser interessantes e nos possibilitem dizer algo em cena, o que, aliás, é sempre muito rico e prazeroso sob a direção de Paulo, um homem de teatro que sempre trabalha a partir daquilo que estimula e faz sentido para o ator. O ano de 2004 também nos possibilitou dar seqüência a um grande número de viagens e excursões pelo Brasil afora. Apresentando O Inspetor Geral e Um Molière Imaginário, o Galpão, com uma média anual de pelo menos cem espetáculos em mais de oitenta cidades em todo o Brasil, é, sem dúvida nenhuma, o grupo de teatro que mais cir- cula pelo país, viajando não só pelas capitais de todas as regiões mas também pelo interior dos estados. Uma boa nova também é a conclusão e futuro próximo lançamento do documentário sobre o Galpão realizado por Kika Lopes (figurinista e cenógrafa do Inspetor Geral) e Paulo José. Um projeto acalentado há mais de cinco anos e que conta com algumas centenas de horas de filmagens, nos mais diferentes lugares, desde The Globe em Londres, até as cidades perdidas do interior do Pará e do Maranhão. E assim seguimos. Buscando parcerias, novos encontros que nos surpreendam e nos tirem o tapete. Camaleonicamente, continuamos perseguindo desafios que nos coloquem em risco e que nos dêem forças e estímulos para prosseguir. Uns apontamentos PERDIDOS Aderbal Freire-Filho

Transcrevo as anotações de uma caderneta perdida num festival de teatro. É uma caderneta de capa preta, fechada por um elástico, com pouco uso e tenho alguma dificuldade para copiar o que está escrito, pois são rabiscos quase ilegíveis. Diz o seguinte: “Quando venho a um festival de teatro, vejo que o teatro - isso que confusamente chamamos teatro e que está onde eu poderia encontrar um sentido no que faço, contra aquele lugar do velho teatro sem sentido algum - não me interessa mais, não tem mais nenhum valor concreto... tanta (ilegível) recheada de palavras vazias para justificar o nada, ou mesmo o que pode ter algum valor, tanto enunciado substituindo a ação, o ato, a coisa, tanta (ilegível), que aqui não parece mais ter vida inteligente, ao menos sensatez... recoberto de um ar pretensioso, com um aval crítico igualmente ou maior- mente (ilegível), que o melhor é sair correndo...basta ver os textos de apresentação das companhias e suas (ilegível) propostas...” Segue-se a transcrição de um desses textos, com respectivos comentários. Para ajudar a entender o raciocínio do pen- sador distraído (pois acabou perdendo a caderneta onde anotava suas “profundas” reflexões) copio também o trecho de apresentação de algum espetáculo do festival (não consegui identificar qual), que ele por sua vez transcreveu. E, naturalmente, acrescento seus comentários, às vezes brevíssimos - por exemplo, um simples “ah!” - mas sempre irôni- cos e incomodados. Para facilitar, ponho os comentários entre parênteses. “A dedicação prioritária do grupo é a pesquisa da técnica cênica (e o que seria se não? a prospecção de petróleo?)... com especial atenção para a arte do ator (ah!). O grupo destaca-se por dedicar-se a áreas inexploradas da prática teatral (pqp a pretensão, pqp a imprecisão, a vacuidade, a... ilegível)...” E, desiludido com o teatro, o perdedor (da caderneta, bem entendido) termina seus apontamentos insinuando o que, penso, seria um sonho de mudar de vida. “...o cinema, talvez eu encontre aí uma razão, o que estou fazendo longe dele? ...a literatura... um cineasta falido pela impossibilidade de filmar, um escritor de talento limitado... ainda melhor do que um artista de teatro que hoje domina razoavelmente bem suas possibilidades expressivas para nada.” Talvez deva dizer também as circunstâncias em que encontrei essa caderneta. Ela estava caída no chão, perto do bar de um desses locais de convivência que sempre existem nos festivais de teatro e onde geralmente terminam as noites, o justo descanso de guerreiros e guerreiras do teatro, embora descanso não seja o termo mais adequado. Olhei pra ver se tinha alguma identificação, um nome, telefone, qualquer coisa que pudesse me ajudar a devolvê-la ao dono. Nada. Fiquei acintosamente com ela na mão por um bom pedaço de tempo. Pensei em entregar no bar, mas não valia a pena, cerveja demais, venda de fichas, nem iam me dar atenção, a caderneta ia acabar no lixo, junto com copinhos de plás- ticos, túmulo indigno para tão ilustres pensamentos. Perguntei a algumas pessoas das redondezas se tinham perdido uma caderneta preta, assim, assado, até que desisti. No dia seguinte entregava para alguém da organização e quando o perdedor desse pela falta dela o mais provável era que procurasse mesmo o seu anjo, não o da guarda, mas uma daquelas moças simpáticas que cuidam de nós nos festivais. Bom, a verdade, como se vê, é que não resisti à tentação e pesquei essas “confissões”. E elas me servem muito, porque, apesar das lacunas devidas à letra de médico do artista que escreveu (pelo menos pela letra, um desviado de profissão), apesar do pensamento inconcluso, certamente anotações para serem continuadas no hotel depois do agito - e seria um artista muito agitado, mais do que agitador, pois seus pulos, danças e contradanças ejetaram a caderneta do bolso (da calça? da jaqueta?) -, apesar de tudo isso acho que entendo sua angústia. Estão se formando guetos, seitas, religiões, e meu rascunhador parece prever isso, parece prever que nos aproxi- mamos perigosamente dos fanatismos. Não por acaso nos festivais de teatro a palavra de ordem tende a ser “não gostei”. E em tudo penso identificar um desvio perigoso: o que começou da forma mais saudável possível, parece tornar-se pouco a pouco um ameaçador sectarismo (de secta, seita). O saudável começo de tudo é a volta progressiva

ESQUISA E CRIAÇÃO do teatro de grupos – e digo volta, porque essa foi a tradição também no Brasil e não só por causa dos grupos dos anos

P 60, Arena, Oficina, mas pelas companhias do velho teatro popular –, um movimento que começou timidamente uns anos 30 atrás e que agora já se configura como a mais importante contribuição para o desenvolvimento do teatro brasileiro. Infelizmente, o que nos desgraça é a tendência do ser humano, ou ao menos do homem tropical – de quem o honrado professor Silva Mello atestava a superioridade – a tendência, repito, para o pensamento e a ação excludentes. Se é isso, não é aquilo, quando muito freqüentemente é isso e aquilo. Já disse, e repito, que é formidável o movimento de grupos no teatro brasileiro atual, muito provavelmente a coisa mais importante que aconteceu na nossa praia nos últimos anos. Digo e repito porque sei que, apesar dessa ênfase, como vou fazer algumas críticas daqui pra frente, sei que vou provocar reações iradas que me acusarão de ser contra o movi- mento. Sou mais do que a favor, sou parte dele, dediquei minha vida a sua defesa e isso desde sempre, uma vida que já está se estendendo demais (se eu me apropriasse da caderneta encontrada, escreveria numa página qualquer: no meu caso, nem cinema, nem literatura, já vivi muito, já chega). E minhas críticas dirigem-se a esses dois aspectos, o teori- cismo vazio e o exclusivismo. O caderninho preto que encontrei no chão me revela uma alma aflita com o primeiro desses problemas, que eu disse entender perfeitamente. Todo grupo acha que está descobrindo a pólvora, e freqüentemente perde mais tempo nessa falsa descoberta do que em seguir o preceito número um do velho Brecht e criar uma boa diversão. Também, claro, nada contra a teoria. Há algum tempo fiz uma apaixonada defesa das teorizações apontando uma razão muito simples para justificá-las: o caráter efêmero do teatro. Eu disse naquela ocasião (um artigo, uma palestra, ou um papo de bar? qual dessas mídias?) que, por causa desse dado da natureza do teatro, era muito saudável que os artistas de teatro, e especialmente os encenadores, escrevessem sobre seus espetáculos. Os filmes, os livros, os discos tem duração e mobilidade suficiente. Logo, ao mesmo tempo em que divertem, alimentam o espírito, etc, podem ir compondo as respectivas histórias (e os necessários ganhos) do cinema, da música, da literatura. O teatro, imóvel e de vida brevíssi- ma, não. Estão feitos para o esquecimento, o que, se de um lado é maravilhoso, pois acompanha o destino do homem, por outro é cruel, pois limita seus avanços, recomeçando sempre, esvaziando sempre o saco das referências. Então, para compensar um pouco, muito pouco, essa carência e o que ela representa de falta de uma história viva, os artistas de teatro deviam escrever sobre o que faziam. Foi isso que eu, e sei lá quantos mil mais, pensamos e dissemos. O que aconteceu depois é que acabamos perdendo a mão. É muito importante que encenadores difundam as reve- lações da prática, especialmente se eles, além de artistas, são também bons pensadores. É o caso, por exemplo, de Eugenio Barba, que tão notável contribuição tem dado para o conhecimento dos mistérios do ator, e de outros mais que buscam desvendar os mistérios da cena. Mas, assim como Meyerhold um dia fez uma conferência contra os Meyerholdismos, talvez já esteja na hora do Barba fazer um discurso contra os barbarismos. Basta mesmo ler os textos, os breves textos que apresentam espetáculos e grupos em algum festival para se surpreender com a repetição de obviedades, de lugares comuns, com a absurda vacuidade que tanto afligiu o desconhecido dono do caderninho de capa preta. Talvez tenha sido essa aflição que ele quis exorcizar, dançando tão freneticamente que ejetou o próprio repositório das suas queixas. E entre os males dessa profusão de maus escritos, não é menor a ampliação do teatrês. Essa língua artificial corre o risco de se tornar um dialeto incompreensível. E tolo. Já vai muito além de expressões agora sem volta, como o uso de “trabalho” em lugar de espetáculo (caso de “quero que você veja meu último trabalho”). A cada dia que passa o teatrês parece consagrar novas variações: como traduzir o espanhol quefazer teatral por fazer teatral, pobre quehacer que entre nós ficou muito tempo na cozinha, afazeres domésticos; outro caso é o de ofício teatral, derivado talvez da mudança de sentido de trabalho (gasto para espetáculo), que tem a desvantagem de dar-se ares de pomposa dignidade; como trabalho é espetáculo, ofício substitui presunçosamente o simples e velho trabalho. Lembro sempre do excelente Diccionário del argentino exquisito, do argentino Bioy Casares, que podia inspirar um dicionário de teatrês. Mas o mal maior desses escritos é a geração de equívocos, a criação de falsas tendências, o sectarismo sem causa. Pobre anotador, pondo no seu caderninho o sonho de fugir para o cinema, para a literatura, um sonho absolutamente compreensível. Melhor - é ele quem insinua - conviver com quem faz filmes, com quem escreve histórias, do que com gente que cerca seu trabalho - às vezes comum e corrente - de tantas empáfias que acaba por criar seitas, recusar o outro, alimentar fanatismos. A outra questão que decorre do formidável e saudável florescimento do teatro de grupos, a questão do exclusivismo, merecia um texto à parte. Até porque o teatro de grupos, de companhias, é a salvação, mas, na particularíssima estru- tura do teatro brasileiro, não é a única fonte de bom teatro. Nesse momento de luta por mudanças há interesses ocul- tos ou ignorância ou ingenuidade ou tudo junto e muito mais criando um falso conflito entre os grupos, de um lado, e atrizes e atores que produzem bom teatro, de outro. Esses atores e atrizes, intencionalmente (más intenções, claro) enquadrados sob o rótulo de “famosos”, estariam sendo apontados como vilões do teatro brasileiro, sendo muito útil usá-los para desviar a atenção dos verdadeiros problemas de falta de apoio aos grupos. ESQUISA E CRIAÇÃO P O teatro brasileiro andante - como cavaleiro andante - deve muito às produções avulsas de atrizes e atores que se 31 valem do seu prestígio para alavancar belos projetos. Muitos diretores cuja origem foi o grupo ou, melhor ainda, cuja fonte da sua criação ainda é o grupo, fizeram e fazem incursões importantes em produções independentes, podendo aí desenvolver sua arte em novas circunstâncias, o que é sempre saudável. Já disse aqui mesmo nesse texto que minha juventude não é tanta, passei dos sessenta, vacina contra gripe, essas coisas. Não sei o que seria de mim se não fossem essas produções. Passei minha vida inteira querendo juntar-me a outros companheiros em um grupo ou companhia e a vida inteira fra- cassando. Já nos meus primeiros anos de diretor de teatro criei o Grêmio Dramático Brasileiro, que estreou com um repertório de quatro espetáculos, em quatro noites seguidas. Não foi longe. Muitos anos depois começou a aventura do Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, que “invadiu” um teatro abandonado no Rio e reuniu, em encon- tros inesquecíveis, grupos que então começavam sua caminhada, com outros, em geral os estrangeiros, que já tinham muita estrada. Entre uns e outros estavam: o próprio Galpão; seu homônimo uruguaio, o Galpón; o Poronga, do (com o querido João das Neves); o Olodum; o Piolim; grupos do Rio, começando pelo Tá na Rua; o próprio Odin, com o Barba, referência e pilar; o Abraxa, de Roma; outros mais, todos igualmente importantes. Mas o grosso da minha história pessoal foi vivido em produções independentes. E se hoje sei alguma coisa, se domino razoavelmente minhas possibilidades expressivas (como o anotador da caderneta de capa preta do festival), devo, sobretudo, ao que apren- di fazendo teatro assim. Foi aí que me desenvolvi nos mistérios da poética do palco. Porque as atrizes e os atores que me convidaram sempre me ofereceram o bom combate: aí tive a companhia de bons autores, de bons elencos, de bons cenógrafos, compositores, figurinistas, iluminadores, etc. O que levei para aí dos grupos em que estive, ou dos grupos com que sonhei, foi o que eles podem dar de mais importante: a ética. Quis sempre juntar a estética que buscava em cada espetáculo a uma ética de grupo. E quis tanto fazer esse casamento que sempre chamei meus encontros com os artistas eventuais de um só espetáculo de grupos de morte anunciada. Depois da temporada, todos se dispersavam, o “grupo” morria. Mas tinha sido um grupo. Ah! Devolvi a caderneta perdida para uma moça da produção do festival, uma moça chamada... Como é mesmo o nome dela? Não vá o dono da caderneta enfurecer-se comigo. Ele que perdeu suas anotações pode reencontrá-las aqui, se é que a moça não o encontrou e devolveu a caderneta, que muito uso ainda podia ter. E eu que esqueci o nome da moça, quem vai me lembrar? FRATERNAL, a comédia para ver, ouvir, rir e pensar Luís Alberto de Abreu

A Fraternal Companhia de Arte e Malas-artes surgiu em 1993, em São Paulo, com o objetivo de pesquisar os elementos da comédia popular brasileira, quer em seus personagens, quer em suas narrativas orais, suas representações teatrais, sua música, suas formas e cores. Como é evidente, o universo da pesquisa é imenso - em extensão e profundidade - porém, há mais de dez anos, quando nos metemos nessa empreitada, não sabíamos disso, o que desculpa nossa temeridade. Uma década e doze peças encenadas depois, cremos que é possível realizar um balanço do caminho trilhado. Do nosso ponto de vista, foi um longo e rico caminho de descobertas nos processos de encenação, dramaturgia, interpretação que nos levou a novas formas de ver e trabalhar o acontecimento teatral e, principalmente, construir novas pontes na relação espetáculo-público. No entanto, temos absoluta certeza de que ainda estamos no limiar do universo da comédia popular e apenas tocamos as amplas possibilidades que a cultura popular nos oferece. Podemos dizer que a trajetória da Fraternal foi “do ver ao ouvir e imaginar”. Este conceito, cremos, sintetiza o caminho que o grupo percorreu nesses anos de sua existência, pois partimos de um espetáculo “cômico”/“dramático”, fechado pela quarta parede do palco italiano, até chegar a uma comédia épica, aberta ao público, com a predominância do ator-narrador, inclusive, com algumas experiências fora do palco italiano, em praças públicas. Essa transição do teatro, digamos, de representação para um teatro de narração, implicou, obviamente, em toda uma mudança, não só na maneira de ver o fenômeno teatral, mas principalmente na própria proposta e nos elementos de construção do espetáculo. Cremos que o relato dessa experiência, pontuando os elementos que, a nosso ver, fundamentaram a nossa pesquisa formal, possa ser de interesse para outros grupos. Principalmente se levarmos em conta que as formas narrativas têm-se multiplicado de forma extremamente consistente na cena contemporânea.

COMÉDIA POPULAR BRASILEIRA O projeto de pesquisa da comédia popular surgiu para preencher um vácuo na cena brasileira. No início da década de 90, as comédias com entrechos ou personagens nitidamente populares presentes nas comédias de Ariano Suassuna, Chico de Assis e Lauro César Muniz estavam ausentes da cena paulista. Em seu lugar havia - e não vai aqui nenhum juízo de valor - as comédias de living ou de alcova, textos que tinham aberto mão da verve anárquica dos personagens populares e de seus temas em benefício de uma comédia mais moral (ou imoral) e romântica. Parecia que a tradição dos personagens de rua ou da praça pública, como diria Mikhail Bakhtin, não tinha tido renovação e não interessava mais a nossos dramaturgos. E, no entanto, era fácil verificar a força desses tipos de personagens e histórias nas comédias da década de 60. O que nos moveu, então, foi o desejo de, por um lado, abrir uma vertente na cena contemporânea para esses personagens e enredos. Por outro, renovar esses tradicionais personagens e seus temas, dar-lhes feições menos ingênuas, situá-los dentro do território urbano já que, por tradição, eram legítimos representantes de uma cultura rural. Iniciamos a pesquisa da comédia popular brasileira tendo como inspiração a commedia dell’arte italiana. Interessava-nos menos o decalque ou a adaptação dessas comédias e sim os procedimentos que as trupes da commedia dell´arte empregavam na construção de seus espetáculos e na relação com seu público. Em que pesem as dificuldades de empreender a fundo essa pesquisa - o material acessível era parco e nossa pesquisa não tinha um caráter acadêmico – começamos trabalhar alguns de seus elementos. Um deles foi a criação e a fixação de alguns tipos que pudessem ser ampliados e re-trabalhados em vários espetáculos. Entendíamos que, para uma pesquisa a longo prazo, a fixação de tipos era tão importante para nossa pesquisa artística, construindo e reconstruindo personagens baseados num mesmo tipo, quanto para o público, que poderia rever tipos já conheci- dos em outros enredos e outros espetáculos. Assim, iniciamos a pesquisa de tipos correspondentes aos da commedia dell’arte dentro do imaginário popular brasileiro. João Teité, um mineirinho tolo, mas sagaz, inspirado em Pedro Malasartes, era o nosso Arlecchino; Matias Cão, um nordestino esperto e, às vezes, aguerrido correspondia a Brighela; Mane Marruá, um português brutalhão, comerciante de secos e molhados, ligava-se a Pantalone; Tabarone, um descendente de italiano, irritadiço e sem muita polidez, apesar de advogado, estava na linha direta do Dottore da comédia italiana. E assim por diante. O resultado dessa “nacionalização” da comédia italiana foi tão bom e agradou tanto ao público que tais per- sonagens se mantiveram fixos em quatro espetáculos totalmente diferentes quanto ao tema e enredos. E, mesmo os personagens, embora pertencentes à mesma matriz, ao mesmo arquétipo, se diferenciavam quanto aos seus objetivos. Por exemplo, se no primeiro espetáculo, O Parturião, João Teité era o empregado faminto cujo sonho é apenas se alimentar, no terceiro espetáculo, Burundanga, o mesmo João Teité continua ansiando por comida, mas já se torna líder militar de uma revolução brasileira que tem como principal objetivo a realização de um banquete permanente, numa antecipação de quase dez anos do “Fome Zero”. Assim, não havia a repetição de personagens, mas um processo contínuo de descoberta de novas faces de uma mesma matriz. E assim fechamos a primeira fase de nosso projeto de pesquisa que chamamos de Tetralogia Popular Brasileira, com a publicação de um livro com as quatro primeiras peças (O Parturião, O Anel de Magalão, Burundanga e Sacra Folia). Aliás, no último espetáculo, Sacra Folia, um auto de natal cuja ação se passa no Brasil, já estavam presentes os ele- mentos narrativos que iriam influenciar de maneira determinante os nossos próximos trabalhos.

UM POUCO SOBRE O CONCEITO POPULAR

O conceito popular comumente vem acompanhado de preconceitos e desqualificações. O sentido dado ao termo ESQUISA E CRIAÇÃO refere-se a algo tosco, mal ajambrado, às vezes até possuidor de alguma beleza, porém simplória e superficial. O P popular, dentro dessa visão, não atingiria a profundidade filosófica ou o rigor e a complexidade estética do trata- 33 mento que uma cultura elevada dedica às coisas do Espírito. Outras vezes, o conceito popular refere-se ao folclore, entendido como um conjunto de expressões simbólicas, geralmente olhado como resíduos decadentes, anacrônicos, expressão do saber de uma gente atrasada cultural- mente e de uma época ainda imersa em concepções simplórias e supersticiosas sobre o mundo. A arte e a cultura popular carregam desde sempre essa noção preconceituosa, como se a sua própria existência servisse apenas como prova de que até o ser mais rústico e ignorante pudesse ser tocado de alguma forma pelo poder inefável da Arte. E que só o ser verdadeiramente elevado, pudesse partilhar de suas sublimes alturas. É a mesma visão elitista que vê as classes populares apenas como turba ou massa, negando-lhe individualidade e refinamento espiritual. Só o ser da elite atingiu o status de indivíduo, de ser em si, íntegro, inteiro, dentro dessa visão eivada de preconceitos. Ao pobre sujeito das massas populares resta ser educado e salvo do seio da massa irracional, ascendendo pouco a pouco ao refinamento e à compreensão da verdadeira Arte, da mesma forma como o pagão ou o infiel precisaria ser batizado e instruído na verdadeira fé para que saltasse das trevas da ignorância para a luz. Parece-nos que anacrônicas não são a arte e a cultura popular, mas a visão torpe que as chamadas “classes cultas” têm a seu respeito. Parece-nos que, se há ignorância, ela se situa no outro extremo. Em nossa pesquisa sobre a cultura popular e suas manifestações cômicas, partimos do princípio de que tínhamos muito a aprender e que deveríamos olhar a cultura popular como um conhecimento acumulado, profundo e refinado e, a partir daí, realizar nosso trabalho. Era claro para nós que não queríamos a reprodução pura e simples de bailados, personagens, expressões, temas e estruturas dramáticas. Interessava-nos entender a dinâmica da cultura popular, que elementos a mantêm viva, forte e inesgotável. O estudo da obra do filólogo russo Mikhail Bakhtin - em especial, sua reflexão sobre a obra de Rabelais - nos foi bastante útil para o entendimento mais aprofundado da cultura popular. A partir daí e com a complementação de autores como Wladimir Propp, Walter Benjamin, Luís da Câmara Cascudo, Amadeu Amaral, Cornélio Pires, Mário de Andrade e outros que se debruçaram de maneira aberta e profunda sobre a cultura popular, pudemos ver abrir um universo antigo, profundo, com obras extremamente complexas em sua geometria, sob a aparente simplicidade de suas formas. Percebemos dentro de uma cultura que se transmite de forma oral um manancial de experiências 34 PESQUISA E CRIAÇÃO encenamos primeiramentea o projetodecomédiapopularbrasileiracontinuoufomentadoe abrigadonomesmoteatroatéofinalde2004.Lá jeto. ALeidoFomentopreviaapoiofinanceiroeteatropeloprazo deumano,masemrazãodosresultadosobtidos, do apoiofinanceiro,conseguimosumteatrodebairro(oTeatro PauloEiró,emSantoAmaro)parasediarnossopro- que nossoprojetofosseaprovadopelaLeidoFomento,daSecretaria deCulturadaPrefeituraSãoPaulo.Além de nossapesquisaemanterogrupoematividade.Oresultado foi bastantebomenoanoseguinteconseguimos brasileira, aempresapatrocinadoraentendeuqueculturapopularnãoerainteressanteparaseu do milênio,apesarsucessodecríticaepúblicoalcançadopeloprojetopesquisadacomédiapopular catorze atores.Oapoiocobriaasdespesascomprodução,alugueldeteatroeajudacustoaoelenco.Navirada Desde seuinícioapesquisadaFraternalfoisubsidiadaporumaempresaprivadaecontavacomumelencode narrativo elasforamtotalmentedirimidas. o textoeencenamosapeça.Arespostadopúblicofoiexcelentesetínhamosdúvidassobrepotênciateatro Malasartes. Traduzimos pertodecempequenashistóriasdele,escolhemosasmaisrepresentativas,estabelecemos Com dramaturgia, cenografia,geometriacênicaepreparaçãodoator-narrador. transmitindo experiênciasficcionais.Issohaveriademudarconsideravelmentenossaconcepçãoconstrução Descobríamos aíobásicodeumanovarelaçãocompúblico:contatodireto,olhodonarradornopúblico, experiências entreonarradorepúbliconãoexistenarração.Ofatonarradotorna-sedesimportantesuperficial. apenas informa,mastransmiteexperiênciasvividasourelatadasdequemasviveu.Semessepartilhamento Com Walter Benjaminaprendemos, entreoutroselementos,ofundamentaldosistemanarrativo:narradornão o públiconosanimaramacontinuarnessasenda. rativo (ondeointerlocutorédiretamentepúblicoeacenaaberta),osresultadosconseguidosnarelaçãocom de representaçãodramáticatradicional(ondeointerlocutorépersonagemfechadonacena)parasistemanar- parábola sobreaviolênciaecorrupçãodopoder. Apesardasdificuldadesenfrentadasemsepassardosistema A peça O TEATRO NARRATIVO que isso,alteranossaprópriavisãodemundo. A pesquisadoselementosdaculturapopulartemabertoinúmerassendasparaonossotrabalhocriativoe,mais encerra emsiumsistemadepráticascomplexasquealcançatodooconhecimentohumano. e informaçõesaseremvividas,descobertastransmitidas.Econclusãoquechegamoséculturapopular peça Foi eestásendoumlongocaminhodedescobertasque,comcerteza,nãoteráfim.Começouamontagemda que contribuísseeparticipasseativamentedele. no palco.Pretendíamosqueopúbliconãoapenasassistissepassivamenteaoespetáculofeitopelosatores,mas Por participaçãoentendíamosumarelaçãoimaginativamaisíntimadopúblicocomoespetáculoqueseconstruía conceito deinteração,aparticipaçãofísicadopúblicocomoespetáculo,atravésjogosouelementossimilares. público deixavade“assistir”aoespetáculoparadeleparticipar. E“participar”,paranós,nadatinhaavercomo para nósumnovoconceitoquehaveriadeinfluenciarcadavezmaisnossotrabalhoepesquisa:participação.O parede imagináriaqueseparaarepresentaçãodaplatéia“assiste”.Começavanascerembrionariamente investir maisradicalmentenaformadoteatroépico,abolindodefinitivamenteachamada“quartaparede”, Encenamos noano2000umpequenoespetáculo, O ESPETÁCULONAIMAGINAÇÃO a Fraternalresolveuradicalizaraindamaisnossapropostadeteatronarrativo. atores, umcenógrafo,dramaturgoediretor, obrigandoaumareestruturaçãodetodo otrabalho.Comosaída, resolveu dirigirseuapoioparaatividadesmaiseruditas.Semfinanceiro,aFraternalficoureduzidaquatro comunidades eodesaparecimento daculturarural.Alémdisso,re-encenamos,agoradentrodo sistema narrativo, Cristo; ciclo dosautospopulares:o Eulenspiegel Iepe Iepe Borandá Sacra Folia Sacra , recriaçãodoclássicodacomédiadinamarquesaséculoXVIII,deautoriaLudvigHolberg,uma começamos anosinteressarpelosheróiscômicosdeoutrasculturaseopróximotrabalhofoi , personagemcômicomedievalalemão,comcaracterísticasmuitopróximasdenossoibéricoPedro , umautotragicômicosobreomigrante;e, encerrou oprimeirociclodepesquisadaFraternal,inspiradona Nau dos Loucos dos Nau Auto da Paixão e da Alegria da e Paixão da Auto , fechandoatrilogiasobreheróisdaculturauniversal,einiciamos o Masteclé, tratado geral da comédia da geral tratado Masteclé, , umavisãocômicaedramáticasobreavidapaixãode Eh, Turtuvia Eh, , autosobreadecadênciadaspequenas , comoformadefazerumbalanço commedia dell’arte commedia marketing . Decidimos Till e o auto de natal Sacra Folia, peça da primeira fase de nossa pesquisa. Foram quatro anos de trabalho intenso, cinco montagens e descobertas fundamentais, para nós, no entendimento do teatro narrativo. Uma constatação primeira e básica que modificou consideravelmente nossa forma de trabalho foi que a ação teatral, dentro do espetáculo narrativo, não precisa necessariamente ser vista, mas é imprescindível que seja imaginada pelo público. Isso levou a mudanças radicais. A ação teatral salta do palco e instaura-se na imaginação do público. Os atores podem permanecer imóveis no palco e ao mesmo tempo proporcionar ao público, através das narrativas, a experiência ativa de uma batalha ou um conflito intenso vivido por um ou mais personagens. Não importa o que acontece no palco, mas, fundamentalmente, o que ocorre na imaginação do público. Isso vai alterar toda a forma da preparação do espetáculo e o próprio espetáculo. O ator, via de regra, não vai mais “mostrar” a ação ao público e sim sugeri-la para que este a imagine e, imaginando-a, a vivencie. Para se conseguir isso é necessário uma relação bastante estreita com a platéia, estimulando-a com a performance , e estar atento ao ritmo da apropriação do público das imagens narradas. Isso requer uma outra espécie de “verdade cênica” obrigando o ator a uma performance muito mais imaginativa do que física. Se o ator não imagina o que narra, e se não narra como se fosse experiência vivida, o espetáculo não chega até o público. A cenografia e o figurino também mudam de conceito. Não são mais necessários os cenários monumentais ou ilus- trativos que determinem o território da ação. A própria narrativa já traz em si elementos do território da ação. Da mesma forma os figurinos já não têm mais nem a função realista de situar o personagem ou determinar suas características pois, a rigor, o que temos é um narrador que leva o público a imaginar os personagens e sua vesti- mentas. À cenografia, agora não mais ilustrativa, resta um desafio muito maior que é ocupar o espaço com signos e elementos sintéticos que conduzam o público ao território da ação. Da mesma forma cabe ao figurinista mais a composição de formas e cores do espetáculo de uma forma bem mais livre, dialogando com os outros elementos da criação do espetáculo (direção, dramaturgia, cenografia, etc) do que a adequação das vestimentas aos personagem. Do ponto de vista da direção, as mudanças vão desde estabelecer um novo método de treinamento para o ator (físi- co e imaginativo) até a concepção da geometria cênica e outros elementos, como a iluminação que não mais bus-

cará efeitos ou atmosferas e, sim, deverá estabelecer um outro diálogo com o público e o espetáculo, pois a tendên- ESQUISA E CRIAÇÃO

cia do teatro narrativo é eliminar ou pelo menos diminuir a dicotomia público às escuras/palco iluminado. P Também na dramaturgia as mudanças foram significativas. Grande parte dos diálogos (ou sua totalidade) entre 35 personagens são substituídos por narrativas diretas ao público. A forma épica, por outro lado, tende a atenuar ou eliminar a unidade de ação, o que leva, às vezes, a uma perda significativa dos climas dramáticos. Em compen- sação, há um significativo ganho na relação direta com a imaginação do público. Por outro lado, o texto torna-se necessariamente mais imagético e sonoro, permitindo ousadias poéticas difíceis de se imaginar num teatro de representação. Saber orquestrar essas perdas e ganhos é, talvez, o maior desafio do dramaturgo. Foram muitos os elementos novos apreendidos na pesquisa do espetáculo narrativo e, com certeza, as novidades estão longe de se esgotar.

O ATOR-SALTIMBANCO A drástica diminuição do número de atores (de 14 para 4) no ano de 2000, decorrente da perda do patrocínio à pesquisa, levou a Fraternal a mudanças importantes na construção de seus espetáculos. Uma questão se fazia pre- sente: como manter a dinâmica de nossas comédias com apenas quatro atores? A resposta, como não poderia deixar de ser foi no investimento criativo do próprio responsável pelo espetáculo: o ator. Resolvemos radicalizar nossa proposta narrativa e começamos a trabalhar com o conceito do ator-saltimbanco, ou seja, teoricamente um único ator seria suficiente para a construção do espetáculo. A idéia básica era a seguinte: um narrador que se apresenta com seus elementos de cena essenciais e que se desdobra e se multiplica em inúmeros personagens e situações para realizar o espetáculo. Assim, invertemos nosso ponto de vista. Quatro atores que poderiam significar um elenco reduzido, passaram a significar fartura. Tanto que o mesmo espetáculo pode ser feito por três ou cinco atores sem perda estética significativa. Para isso, o texto tornou-se mais fortemente narrativo, as cenas ganharam em síntese e intensidade e tornaram-se mais numerosas no espetáculo, bem como o número de personagens que o ator-saltimbanco tem de dar conta. Criamos um caráter diferenciado para cada um dos narradores e estabelecemos alguns níveis de ação no espetáculo. Existem as ações e confrontos determinados pelos caracteres dos narradores; ações e conflitos nos personagens e nas histórias por eles narradas; e, ainda sobra, se necessário for, um nível de ações e conflitos entre os próprios atores. Esses níveis ajudaram a manter a dinâmica que queríamos nos espetáculos da Fraternal. Por outro lado, exploramos alguns níveis de performance pouco usuais quando se trata de teatro narrativo. O que é mais comum acontecer é a performance do narrador, que age como porta-voz ou transmissor da coisa narrada. É um narrador, via de regra, neutro, que conduz ou explicita ou questiona a cena composta por atores-personagens. Sua função se confunde com a do antigo corifeu. Eventualmente,esse corifeu pode transformar-se em protagonista ou personagem coadjuvante de sua própria narração e retornar novamente à sua função de corifeu. A essa performance básica do narrador começamos a explorar outras. Em vez da neutralidade, utilizamos, algumas vezes, o narrador completamente envolvido com a coisa narrada ou mesmo evidenciamos o processo dramático de envolvimento do narrador com o assunto que narra, estabelecendo um diálogo bastante interessante entre as lingua- gens épica e dramática. Outras vezes estabelecemos conflitos claros ou latentes entre o narrador e os personagens por eles criados. Exploramos também o narrador que narra a si mesmo, estabelecendo um jogo entre primeira e ter- ceira pessoa. Utilizamos também, dependendo da necessidade do personagem ou da cena, narradores que criam per- sonagens que se tornam narradores num jogo imaginativo que pode se estender ad libitum et ad infinitum. Obviamente, muitas dessas descobertas não são novas e vieram do garimpo e do estudo de formas presentes no teatro narrativo oriental, como o teatro Noh japonês ou o kathakali indiano. No momento, a Fraternal encerra sua pesquisa centrada nos autos populares e volta-se à pesquisa de outra ver- tente característica da cultura popular que são as paródias clássicas. Iniciamos estudos visando à encenação do Hamlet, de Shakespeare, a partir da visão cômica popular.

TEATRO DE RUA PARA CEGOS E SURDOS A abertura de uma nova frente de pesquisa dentro do universo da cultura popular, a paródia clássica, coincidiu com o ânimo generalizado dos integrantes da Fraternal de que se deveria aprofundar ainda mais a experiência com o teatro narrativo. ESQUISA E CRIAÇÃO Na construção do espetáculo Borandá, um auto do migrante (2003),tomamos algumas pessoas do público como par- P ceiros de pesquisa. Realizamos uma série de entrevistas com familiares e conhecidos dessas pessoas (todos 36 migrantes) e fizemos um levantamento de suas histórias, em seus lugares de origem e na capital paulista. O resul- tado dessa pesquisa foi a matéria-prima do nosso espetáculo. Agora pensamos em agregar novos parceiros em nossa pesquisa sobre o teatro narrativo: os deficientes visuais e os deficientes auditivos. Teatro é, por tradição, uma arte fortemente fundamentada na oralidade e, embora os elementos visuais do espetáculo sejam importantes, a palavra falada e ouvida continua, até hoje, estruturando a maioria das experiên- cias teatrais. É por essa razão que estamos iniciando com deficientes visuais para que eles possam nos guiar – e essa é a palavra – para que possamos penetrar mais profundamente no universo sonoro e imagético das narrativas. Por outro lado, a comédia e, principalmente a comédia popular, têm nos elementos visuais um embasamento bas- tante expressivo. Desde a comédia romana, passando pela commedia dell’arte até chegar às esquetes e comédias circenses, o mimo, a performance corporal do ator tem sido elemento visual imprescindível. Aí entra nossa parce- ria com deficientes auditivos que, se não ouvirão as narrativas, poderão nos ajudar a avaliar a performance cômi- ca/corporal dos atores. A idéia dessa parceria criativa com deficientes nos veio por causa de uma cena do Auto da Paixão e da Alegria, que brincava com vários tipos de deficientes. Cadeirantes, cegos, surdos-mudos vinham em grupos ao espetáculo e se divertiam muito. E quando pensamos na nova fase de nosso trabalho, percebemos que poderíamos aprender muito com os cegos e os surdos. Por outro lado, algumas experiências bem sucedidas em apresentar alguns autos em praças públicas nos estimu- lou a colocar no horizonte de nossa pesquisa a comédia popular de rua. Cremos que as ruas e praças são espaços que deveremos privilegiar de agora em diante, o que não significa abandonar o espaço teatral tradicional que, de uma forma ou de outra, tem dado suporte ao nosso trabalho. Hoje, onze anos depois da fundação da Fraternal Companhia de Arte e Malas-artes, doze peças em nosso currículo, cinco peças em repertório, alguns prêmios da crítica e o que é fundamental, muito público em nossos espetáculos, sentimos que apenas tocamos nas possibilidades e na riqueza formidável da cultura popular brasileira. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 1

CULTURA, globalização e o que mais... Regina Helena Alves da Silva*

“... a cultura não é apenas o lugar onde se sabe que dois mais dois são quatro. É também a indecisa posição em que se procura imaginar o que é possível fazer com números não muito claros, cuja potência acumulativa e expressiva ainda se está tentando descobrir. Há um setor da cultura que pro- duz conhecimento em nome dos quais é possível afirmar com certeza... o que efetivamente dá dois mais dois: trata-se do saber que possibilita entender o ‘real’ com alguma objetividade, desenvolver tecnologias de comunicação globalizadas, medir o consumo das indústrias culturais e conceber programas midiáticos que ampliem o conhecimento em massa e criem consenso social. Outra parte da cultura, desde a modernidade, se desenvolve em função da insatisfação com a desordem, e às vezes com a ordem, do mundo: além de conhecer e planejar, interessa transformar e inovar.” Nestor Garcia Canclini OMPARTILHAMENTO C 37

Grandes debates marcam hoje o campo da ciência, e mais particularmente das ciências humanas e sociais. O desenvolvimento tecnológico, as novas tecnologias e seus significados éticos e sociais; a globalização da econo- mia e da cultura e as interseções global / local, com o reaparecimento dos grupos étnicos, o fortalecimento de fun- damentalismos de várias ordens, a organização e luta das minorias oprimidas; a diluição das fronteiras e a recon- figuração dos grupos de pertencimento e os sentimentos identitários; a homogeneização e instantaneidade da infor- mação concomitante à proliferação das formas comunicativas; a individualização da sociedade e personalização * Diretora do Centro Cultural UFMG e profa. dos interesses, aliadas à busca das vivências grupais e reativação dos laços comunitários; a presentificação da do depto. de História temporalidade contemporânea e o obscurecimento da idéia de futuro são temáticas que, acolhendo contradições e da pós-graduação em e marcando a diversidade desafiadora do contemporâneo, instigam o trabalho do conhecimento. Comunicação Social - UFMG. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 2

Hoje, a globalização, os avanços tecnológicos e os efeitos sobre o trabalho, a constituição da sociedade informa- cional, a ocidentalização da cultura e superexposição da mídia são processos contemporâneos que produzem mudanças nos modos de estar e sentir-se juntos, desarticulam formas tradicionais de coesão e a modificam mode- los de sociabilidade. Com freqüência temos acompanhado um certo repúdio à globalização que surge da preocupação de que as culturas locais sejam suprimidas pelos valores ocidentais associados à expansão das políticas de mercado. A globalização é percebida como uma imposição de uma forma estranha de vida e nos coloca como impotentes por não termos nenhuma voz nas decisões sobre políticas. A globalização aumenta o potencial de tensões sociais. Por outro lado, a globalização pode também despertar um sentimento contraditório de potencial diante de novas formas de exercer a liberdade e a responsabilidade para melhorar as condições materiais de vida. Para, além disso, temos a consciência de que, com este potencial, emerge na vida cotidiana algo assim como uma identidade global, que coexiste de alguma maneira com a cultura local. Daí, a necessidade de entender a globalização em relação às culturas locais. A cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvi- mento de uma economia fundada no saber que tem levantado algumas questões: quem há de garantir a vitalidade do debate e o diálogo público que condicionam a criatividade coletiva e a vitalidade cultural; como combinar a uni- versalidade dos direitos com o reconhecimento dos interesses sociais e os valores culturais particulares; e, como pensar os direitos culturais e a preservação e consolidação da diversidade cultural como parte inseparável da con- solidação dos direitos políticos, econômicos e humanos? Responder a estas questões requer um olhar multifacetado, uma perspectiva que promova não apenas a união de fronteiras do conhecimento, mas que seja capaz de articular um rompimento das mesmas e ampliá-las, propiciando o diálogo.

OMPARTILHAMENTO ... IDENTIDADES C

38 O surgimento das sociedades modernas transfere as relações sociais para um território mais amplo onde as fron- teiras desaparecem e, ao mesmo tempo, colocam à disposição das coletividades um conjunto de referências resultado da mundialização da cultura. Cada grupo social, na elaboração de suas identidades coletivas, irá se apropriar destas das mais variadas maneiras. A sociedade global, longe de incentivar a igualdade das identidades, está marcada por uma hierarquia clara e injusta. As identidades são diferentes e desiguais porque as instâncias que as constroem têm distintas posições de poder e de legitimidade. Hoje em dia, os processos de constituição de identidades se dão através de projetos culturais aonde pessoas vêm se organizando em redes alternativas ou redes de solidariedade social, como forma de se garantirem perante as relações sociais assimétricas e tomarem a direção da constituição da sua identidade e o acesso à cidadania. O ponto mais significativo deste processo reside na questão da constituição/construção das identidades das pes- soas. As pessoas têm uma necessidade premente de pertencimento/reconhecimento em relação à comunidade ou grupo social no qual estão inseridas. Nesse sentido, a sua organização em torno de projetos comuns, sobretudo projetos culturais, onde os indivíduos compartilham não só o mesmo território, mas seus interesses, suas necessi- dades, enfim desejos comuns é que se constitui neste processo de formação de identidade individual e coletiva. Uma identidade cultural se constitui como síntese da construção de múltiplos significados distintivos, fruto de com- plexas interações sociais que desenvolvem internamente cada grupo e em suas relações com outros, mediante as quais seus membros se unificam e se diferenciam dos demais. E, além de proporcionar elementos concretos de referência e comparação, resume o universo simbólico que caracteriza a coletividade, porque estabelecem padrões singulares de interpretação da realidade, códigos de vida e pensamento que permeiam as diversas formas de manifestação, valores e sentidos. Isso requer um sentido de pertencimento como forma de inscrição no univer- so simbólico de uma dada coletividade. Esse pertencimento é o elemento aglutinador e mobilizador de atividades e constitui um gerador de valores e de coesão para o grupo. Em um processo de constituição de identidades através de projetos culturais as pessoas vêm se organizando em redes alternativas ou redes de solidariedade social, como forma de se garantirem perante as relações sociais assimétricas e na direção da constituição da sua identidade e acesso à cidadania. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 3

... REDES COLABORATIVAS

Toda cultura tem suas próprias práticas distintivas para criar e manter redes sociais, e estar em rede, em tempos de globalização, é um processo no qual os indivíduos, num processo de interação, de intersubjetividade, de medi- ação cultural, buscam um redimensionamento do espaço público, ainda que, muitas vezes, de forma inconsciente. Ao se pensar nas maneiras culturalmente apropriadas de usar tecnologias sociais, o melhor ponto de partida são as pessoas e as maneiras como elas pensam e como podem se incorporar em processos sociais mais amplos. As tecnologias de rede em geral podem ser usadas para criar um espaço para as "comunidades da prática", e para desenvolverem práticas culturais da comunicação. O ato da comunicação está no cerne da globalização e da sustentação da diversidade cultural. É na comunicação que o indivíduo expressa sua identidade, opiniões e intenções, e as confronta com outros indivíduos oriundos de contextos culturais distintos. O espaço mundializado deu lugar a uma maior visibilidade das culturas. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação também desempenhou neste espaço um papel importante. Fez com que a proximidade das culturas tornasse a sua coexistência muito mais palpável. Tem sido tecida uma gama infindável de relações múltiplas que nascem entre as culturas quando estas tomam umas das outras seus traços distintivos, quando se mesclam e se mestiçam partindo de seus traços específicos para integrá-los em seu espaço social e simbólico próprio. A noção de rede colaborativa compreende o entrelaçamento de iniciativas sociais, articuladas em torno de propósi- tos comuns. Tal reticulação baseia-se na ação das células, organizações de natureza similar ou diversa que se propõem a aglutinar esforços de maneira cooperativa, produzindo complementaridade aos trabalhos que vão sendo desenvolvidos. Projetos culturais têm adotado a forma de redes como maneira organizativa capaz de promover interações entre as várias células, que podem estar interligadas de várias maneiras. O alcance dos resultados esperados através do OMPARTILHAMENTO funcionamento das redes depende da configuração implementada, capaz de produzir a troca de informações e a C articulação para a realização de objetivos comuns. 39 A estrutura das redes deve promover a participação dos indivíduos e instituições que a compõem em relações hori- zontais e colaborativas. Esses sistemas reticulares, construídos através de deliberações gestadas e tomadas de maneira participativa, constituem agregações de tipo comunitário, ou seja, identificam-se com comunidades, sejam elas presenciais ou virtuais, podendo congregar indivíduos, grupos locais, regionais, nacionais e internacionais. Assim, a expansão das redes pode ser resultado de conexões com outras redes, garantindo as operações indepen- dentes de cada célula (nós ou links), a descentralização do processo decisório, através de multilideranças, e a capi- larização dos propósitos e ações comuns. Conciliada a essas possibilidades de proposições autônomas, a criação de produtos culturais através de redes torna-se um processo de experimentação artística e intelectual coletiva e abre espaço para a diversidade cultural explicitando manifestações populares muito mais amplas e multifacetadas. Hoje é fundamental buscar a pluralidade de manifestações que a sociedade engendra, especialmente no que diz respeito àqueles à margem dos processos interculturais, sociais e políticos. E também enfocar essa diversidade e a criatividade político-cultural, as experiências coletivas que conformam a história das práticas sociais na busca de estabelecer uma troca com a comunidade, potencializando a produção cultural e a construção da cidadania. Por cidadania entende-se o conjunto de deveres políticos, civis e sociais de um indivíduo perante a sociedade em que ele vive. Dentre os seus direitos sociais estão os direitos culturais, que correspondem, por exemplo, ao direito ao acesso à informação, à produção cultural e o direito à memória histórica. Esse conjunto de direitos compõe o que chamamos de cidadania cultural. Essa noção de cidadania cultural é baseada na idéia de que o exercício da plena cidadania passa necessariamente pelo exercício dos direitos culturais. A produção cultural em redes colaborativas pode elaborar meios realmente efi- cazes que garantam a democratização da cultura e dos bens culturais, que, atualmente, estão restritos a uma parcela reduzida da sociedade brasileira. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 4

... CIDADES

A diversidade marca territorialmente nossos espaços de viver a partir de formas de vida específicas que se refletem em padrões de comportamento diversos e, às vezes, em tensões e conflitos. A gestão destas tensões, a construção da convivência com o respeito à diferença são alguns dos desafios mais importantes que todas as sociedades enfrentaram ou têm enfrentado. A expressão concentrada da diversidade cultural, das tensões dela conseqüentes e da riqueza de possibilidades que também encerra esta diversidade se dá preferencialmente nas cidades. As cidades crescem e a população mundial se concentra cada vez mais nas zonas urbanas. As cidades se con- vertem no principal lugar da diversidade cultural, dos contatos e da criatividade cultural. Mas esta diversidade implica um desafio: encontrar os meios institucionais capazes de garantir a interculturalidade, e principalmente - nos tempos atuais -, com um espírito de paz e democracia. Neste contexto, as cidades aparecem como imensos caleidoscópios de padrões, valores culturais, línguas e dialetos, religiões e seitas, etnias e raças. Modos distintos de ser passam a concentrar-se, a conviver em um mesmo lugar . Os tempos atuais produzem, simultaneamente, o desenvolvimento de uma cultura de massa através dos meios de comunicação e o florescimento das chamadas culturas locais. Estes dois elementos da transformação cultural encon- tram um lugar privilegiado nas cidades onde formam parte de um processo mais amplo de construção de identidades. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 5

As cidades são o espaço da diversidade, do encontro com o estrangeiro, do reconhecimento da distinção em "eu" e "os outros". A tendência da globalização - um mundo "uno", interconectado e interdependente - supõe simultaneamente e como parte de um mesmo processo, a reafirmação da diversidade cultural e das identidades locais e nacionais. Hoje temos uma profunda mudança na compreensão do que entendemos por diversidade. Até algum tempo, diver- sidade cultural era entendida como heterogeneidade radical entre culturas, cada uma delas enraizada em um ter- ritório específico, dotadas de um centro e de fronteiras nítidas. Qualquer relação com outra cultura se dava como estranha/estrangeira e, concomitante, perturbação e ameaça em si mesma, para a identidade própria. O avanço tecnológico dos transportes e da comunicação transformou o tempo e o espaço derrubando as barreiras que rodeavam as culturas. O processo de globalização que agora vivemos, no entanto, é ao mesmo tempo um movimento de potencialização da diferença e de exposição constante de cada cultura às outras, de minha identidade àquela do outro. Reaparece a noção de fronteira, dentro da cidade, na medida em que a multiplicação de identidades está ligada à multiplicidade de territórios, às desigualdades sociais e a distinta capacidade de acesso a serviços.

... BELO HORIZONTE

A cidade de Belo Horizonte conviveu com duas imagens que se contrapõem ao mesmo tempo em que se comple- mentam. A cidade moderna idealizada pelos planejadores, almejada pela administração pública e a cidade real, com seus problemas e seus hábitos provincianos. Belo Horizonte, que foi apresentada e construída como uma cidade ideal, se tornou uma cidade como qualquer outra deste país chamado Brasil. Mas, se ela foi uma cidade sonhada pelos planejadores como sendo um espaço sem problemas ou conflitos, qual era a cidade por debaixo desta imagem? Para contrapormos ao discurso/imagem da cidade oficial, do desenho racional e perfeito, podemos passar a olhar a cidade como um livro, um texto OMPARTILHAMENTO passível de ser decifrado. C Em um primeiro momento temos uma cidade que sempre é apresentada como um “vir a ser”, uma cidade com um 41 futuro claramente definido que se queria irradiadora de significados simbólicos – sociais, políticos, econômicos. O privilégio dado ao futuro indica uma falta de responsabilização pelo presente e a eterna promessa de uma redenção para a cidade em algum lugar do futuro. Belo Horizonte é fundada pela promessa de se tornar um pólo administra- tivo para as Minas Gerais. Quando se percebe a impossibilidade de futuro, Belo Horizonte se volta para o passado (principalmente a partir da preparação da comemoração do centenário da cidade em 1997) onde assistimos a uma intensa recuperação daqui- lo que era considerado importante para a preservação da memória cultural de uma “cidade sem memória”. Esses projetos procuravam colocar em pauta a necessidade de se reverter a imagem de uma cidade sem memória e buscavam criar a imagem de uma capital nacional da cultura. Naquele momento, a importância que se procurou dar à cidade era a de recuperação do papel de Belo Horizonte dentro do contexto urbano brasileiro. Há uma tenta- tiva de resgate dos fundamentos do projeto inicial da cidade: a importância da construção de um pólo administrati- vo e econômico para o estado; e, a imagem de uma nova cidade moderna e republicana para se contrapor à antiga capital Ouro Preto que tanto lembrava os tempos coloniais. Neste conjunto de eventos, o slogan “BH - capital do século” adquire o significado de construção de um papel histórico para a cidade, enquanto primeira capital plane- jada e construída dentro de “preceitos urbanísticos, os mais modernos” e aponta para uma nova “vida política” para o país. Aliado a isto “inventa-se” uma tradição cultural para a cidade. Busca-se assim uma nova imagem para Belo Horizonte, uma imagem que irradie para além das Minas Gerais, que internacionalize a cidade e a coloque em algum lugar no universo globalizado. Há assim uma tentativa do poder público municipal de construir uma nova imagem/cultura para a cidade: a de uma capital cultural e de um lugar onde poderá ser desenvolvido um pólo turístico de negócios. Se antes o poder público investia no futuro da cidade, em novas propostas urbanísticas em novos espaços (projetos modernistas, cidades satélites, Pampulha, conjuntos habitacionais, etc...) apontando no futuro o que se queria para a cidade, hoje o investimento é no passado, na recuperação/restauração de espaços que aparentemente podem se transformar em espaços da memória de uma cidade (como se isso pudesse existir assim... como se um lugar pudesse representar uma cidade que hoje sabemos ser muitas). É uma construção de um passado que parece “resolver” a cidade, que parece achar uma “vocação” para Belo Horizonte. Projeto segundaparteFIN8/30/065:40PMPage6 42 COMPARTILHAMENTO PALLAMIN, Vera M. tentativa decriardiálogospúblicoseagirenquantoprodutoraumapropostamaiscoletivaespaçocultural. Neste contexto,aartepodeserpossibilidadederompermosoespaçoprivatizadoeinvadirmospraçaruana e criaummodelodeprivatizaçãodaspráticasculturais. visão sobreacidadeeconsolidaosignificadodeumpoderculturalqueinterpreta,administra,produzvisibilidade urbanas rentáveis,emespetáculocriadordepossibilidadesnegócios.A“disneyficação”dacidadeimpõeuma urbanos emambientespúblicoseopoderpúblicoqueseapropriadosfazeresculturaisostransformaimagens da cidade.Existeumconflitoentreasociedadequetentamanterespaçosculturaisetransformarequipamentos Em BeloHorizonteexistesempreatentativaporpartedoEstadodedefinirqualequemconformaoespaçocultural espaços culturaiseconfundeissocomaimposiçãodeambientespúblicos. campos. MastemosqueconvivercomatensãocriadapeloEstadoquandoestesecolocacomoviabilizadorde Hoje entendemosqueéimpossívelconceberumacidadesemcriatividadeeautenticidadeculturalemtodosos feita eplanificada.Sãoosartistasquedão,àsvezes,osinaldealarme. racional éumespaçoondeaspulsõeseossentimentosenvolvemhabitantesdaconstruçãoquesepretendeper- nosso séculotêmrecordadomuitasvezesquenãosepodealcançartodososmeandrosdacidade.Acidade uma sóvezmemóriaorganizadaeconstruçãoconvencional,naturezacultura,passadofuturo.Osartistasde A cidadeéumacoisadoshomense,portanto,nãopodeserconstruçãoestritamenteracional.a oficiais, passagens,ladeiras,quesetransformamnafacedeummacrocosmosocialeensinamatravésdaexperiência. corrida comoumlivroéacúmulodeobjetos,monumentos,ruascomautoria,semautor, painéisdeescrita,textos da deimagens.Ahistóriaimagemurbananãoéumameradescriçãofísica,masinstantâneosculturais.cidadeper- As váriasmudanças,astransformaçõeseconômicasesociaisdeixammarcasousinaisquecontamumahistóriapontilha- os emespaçosdeexclusãoecontrolesocial. requalificação urbanaquepromovema“gentrificação”e“disneyficação”deespaçosdacidadetransformando- O ladoperversodessanoçãodecidadecomosignoeimageméaproliferaçãoprojetosrevitalização ZUKIN, Sharon. ARANTES, Antônio(org.) BIBLIOGRAFIA cultural, espaços comerciais.Oqueécentralparaestenovotipodepolíticaurbanasãoosestéticosconsumo tar areceitamunicipalcompropostasdeeventosculturais,turismováriostipos,convençõesealuguel O discursoatualdacidadecomoimageméodos“paiscidade”,empreendedoresepolíticosquetentamaumen- teóricos, filósofos,historiadores,determinadosaexplorarecriarnovosvocabuláriosparaoespaçourbano. curso dacidadecomotexto,nosanos1970,erasobretudoumdiscursoqueenvolviaarquitetos,críticosliterários, signos, hojeseimpõeaimagem.Masmudançadaescritaparaimagemtrazumasignificativainversão.Odis- Se antestínhamosanoçãodacidadeenquantotexto,possibilidadedelercomoumconglomerado mais queao sempre figuroucomoumhabitante,emvezdeviajantemovimento.Mas,hojediaéaoturista, CANCLINI, NestorGarcia. FEATHERSTONE, Mike. n.43-44, jan/dez2003. Cidade, Cultura,(In)Civilidade.Espaço&Debates.RevistadeEstudos RegionaiseUrbanos.SãoPaulo:NERU,v. 23, HUYSSEN, Andreas. que vieramsubstituirovelhomodelodoocioso de turista–desdeovisitanteferiadooufreqüentadoreventosatéincansávelcaminhadormetropolitano, megastores flâneur The cultures of cities of cultures The , queanovaculturadacidadequerapelar. Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. transformação e pública esfera cultura: e Cidade Seduzidos pela memória. pela Seduzidos e eventosemmuseus,festivaisespetáculosdetodotipo,todostentandoatrairváriostipos Cultura de consumo e pós-modernismo. e consumo de Cultura O espaço da diferença. da espaço O A Globalização Imaginada Globalização A . OxfordandCambridge,MA:Blackwell,1995. Rio deJaneiro:Aeroplano,2000. flâneur Campinas: Papirus,2000. . SP:Iluminuras,2003. . O flâneur São Paulo:StudioNobel,1995. , mesmosendoum São Paulo:EstaçãoLiberdade,2002. outsider outsider em suaprópriacidade, Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 7

Espaço da ARTE, espaço da política Antonio Grassi

Os órgãos públicos da área cultural não devem produzir cultura, mas não podem ser omissos em sua respon- sabilidade de gerar as condições para que a criação artística se transforme em um direito elementar de todos os cidadãos. É com essa visão política que o Ministério da Cultura e a Funarte têm sido geridos nos dois últi- mos anos. Para poder cumprir com essas atribuições, vem sendo necessário realizar um profundo trabalho de recuperação das instituições. Recuperação de sua estrutura funcional e recuperação de sua tradição em gerir os assuntos públicos de forma transparente e universal. Nos últimos anos, o aparelho de Estado, na área cultural, entregou suas atribuições às “leis do mercado”. A crença que deu suporte a essa decisão foi a de que o mercado, com sua neutralidade, determinaria o que era cul- tura e o que deveria ser apoiado. Essa opção não levou em conta que vivemos em um país onde há uma profun- da desigualdade social e cultural. Não podemos perder do horizonte, quando se ocupa um cargo público, que o Governo deve servir de instrumento para favorecer a eliminação das desigualdades propiciadas por um desen- volvimento que não tem em conta, em seu planejamento, redistribuir os ganhos do capital. E essa realidade injus- ta não é diferente na área cultural. Quando assumi a Funarte, encontrei-a despreparada para exercer suas atribuições, quer seja para executar as suas atividades-meio, quer seja para cumprir com as suas atividades-fim. Nesses dois primeiros anos, um grande esforço foi feito para que, dentro das limitações orçamentárias e de tempo, se iniciasse o seu processo de Projeto segundaparteFIN8/30/065:40PMPage8 44 COMPARTILHAMENTO estas diferentesfacesdobemcultural.Paraopoderpúblico,nãodevemexistirprivilégios,discriminações,cen- difusão eaformação.Comcaráteruniversal,deformapossibilitarquetodososinteressadostenhamacesso As políticaspúblicasdevemcontemplartodoocírculoquecompõeacriaçãoartística:produção,circulação, políticas queseestabelecementreseustécnicoseespecialistasoscriadoresagentesdasociedadecivil. devem serimposiçõesdeumcírculofechadoiluminadosquesecrêemdonosdosaber, masfrutodas relações artísticas eacorrigirdistribuiçãoinjustadobemcultural.Masessaspolíticas,parasaúdedademocracia,não Compete aoMinistériodaCulturaeàFunartegerarpolíticasquevenhamadesenvolverasdiferenteslinguagens condições igualitárias,fundamentaisparaoexercíciodacidadaniaeliberdadedecriaçãoartística. política queseestabeleceentreointeresseprivadoepúblico.Édiálogoconstróicriaas cer asformasparaatenderreivindicaçõesedireitos.Aconstruçãodeumapolíticapúblicasedáapartirdarelação democrática, odiálogoentreasociedadecivileGovernoqueemnomedelaexercepoderédeveestabele- interessados, oquejágaranteaisençãoeseriedadedasproposiçõesdelapossamsair. Numasociedade construção desuaspolíticas.Discussõesereflexõesapartirumapautadefinidapelosseusorganizadores sociedade brasileira,contribuamcomsuascríticasereflexõesoGovernoe,emparticular, comaFunartena momento importanteparaqueoscriadoresteatrais,responsáveishistóricospeladifusãodobemculturalna O encontrodeBeloHorizonte,iniciativadoGrupoGalpão,atendeaessesobjetivosMinCedaFunarte.Éum continuem desconectadasdarealidade. que necessitamseranalisadas,discutidasepesadas,pelopoderpúblico,paraanovaspolíticaspúblicasnão de seusinstrumentospolíticos,realizouconquistasimportantesemdiferentesáreassuaatuação.Conquistas resumem ouselimitamàquestãoorçamentária.Poroutrolado,háqueconstatarasociedadecivil,através questões queopoderpúblicodeixousemrespostatodosessesanoscomrelaçãoàsartes.Enemtodaselasse e paraamaioriadapopulação,saberadministrarodesejotempodematuraçãodaspropostas.Sãomuitasas caráter democrático,transparente,duradouroequecriemascondiçõesigualitáriasparaotododouniversodecriadores desempenhar assuasatribuições.Maséimportante,sequeremosconstruirpolíticaspúblicasquetenhamum O relatodessasiniciativasnãovisajustificaroqueaindatemdeserfeitoparaMinCeaFunartevoltem desses primeirosdiálogos. cas ecomaimplementaçãodeações,atravéseditaispúblicos,foiformaescolhidaparaoestabelecimento vação dassuasrelaçõespolíticaseculturaisatravésdeencontrosdiscussõescomasdiferentesáreasartísti- da sociedadecivil,preocupadosqueestavamemadministrarapenasassuasdemandasinternas.Iniciarareati- muitos anos,naáreadacultura,osórgãospúblicosmantiveram-sedistanciadosdeseusprincipaisinterlocutores tém umadiversidaderegionalquenãopermitepensarpolíticaspúblicassemlevá-laemconsideração.Durante abrangidas pelainstituiçãoemecanismosquepossibilitemoacessodoscidadãosaessasações.OBrasilcon- criação depolíticaspúblicasquecontemplemasnecessidadesdasdiferenteslinguagensartísticassão A gestãoatualentendeseressencialparaademocratizaçãoeuniversalizaçãodasaçõesculturaisdaFunarte ao seufuncionamento,motivomaiordesuaexistência. reconstrução nãoparalisouassuasações,masdirecionouparaatenderaessaprioridade,queéfundamental reconstrução, paraquepossacumprircomassuasatribuiçõesemelhoratenderoscidadãos.Esteprocessode torná-la, defato,umdireitoelementar dacidadania. construção depolíticaspúblicasparaacultura,objetivando reconstrução doespaçodacenaepolíticana sociais edobemcultural.Édarcontinuidadeaoesforçode longa jornadadelutaemproldademocratizaçãodasrelações que asartescênicase,emparticular, oTeatro continuemsua apoiar oencontroédarcontinuidadeaonossoesforçopara criação, promoçãoedifusãodasartescênicas.Participar panhias teatraisdetodoopaís,comlargaexperiênciaem Galpão. Nelaestarãoreunidossignificativosgruposecom- tir diantedeumainiciativacomoessapromovidapeloGrupo Dentro desteespírito,oMinCeaFunartenãopoderiamseomi- para asuaadministraçãoeosseusórgãosinstitucionais. dade eàliberdadedecriaçãoécondiçãoessencialparaaarte, bem detodaacoletividade.Orespeitoàdiversidade,plurali- dinheiro docontribuinteestásendousadoparapromovero suras oudirigismo,mas,aocontrário,agarantiadequeo Projeto segundaparteFIN8/30/065:40PMPage9 A questãodoespaçodacena,na históriadoteatrobrasileirocontemporâneo,éumaquestãoa seranalisadase limitações eobstáculosencontrados,quandosedependedeterceiros paraseensaiareapresentarosespetáculos. demarcação deum“território”queé,aomesmotempo,cidadela etrincheiraparaoexercíciodoofíciosemas neste caso,comanoçãoburguesada“propriedadeprivada”, mas simcomaliberdadequeseadquire próprio, paraarealizaçãoeconcretizaçãodosprojetosartísticos almejados.Ter umespaçocêniconadatemaver, social, questõesfundamentais:aimportânciada“utopia”para os criadoreseaconquistadeumespaçocênico, Creio queoTeatro doCurralcolocapara aquelesquecriamepensamoteatro,acreditandotereleumafunção e comofazedordeteatro. que noscercam,recordoessa“vivência”paracontinuaraminha jornada,paramelhormeentendercomocidadão quando mesintodesanimado,enfastiadodocotidiano“fazer teatral” urbano,daspequenasvaidadeseciúmes da tradiçãocênicaqueformaofioinvisívelhistóriadoteatro universal.Fazemoteatroquelhesserve.Hoje, tasse Shakespeare,Moliére,MartinsPenas,ArturAzevedo,Brecht,oOficina,Arena,massãolegítimosherdeiros espírito. Nãoreferendaramsuaexperiênciaemconhecimentosespecializados,nemteoriasquelhesapresen- vivência material,noseutempoociososãocriadoresrefletindosobreomundoasuavolta,paraalimentar mentar: odecriaremasuaculturaediversão.Nodia-a-diasãotrabalhadoresrurais,cuidandosobre- não sevêemcomoseresexcepcionais,“heróis”,mascidadãosexercendoumdireitoele- realizam ecomumafunçãomuitoobjetiva:constituiralimentardevaloressimbólicosacomunidade.Osfazedores espetáculos, doscríticoseespecialistas)ofenômenocênicocomoparteintegrantedavidadaspessoasque do fenômenoteatralparaoserhumano.Longebarulhoedasluzesgrandescidades(dassalasde ao conhecimentodeumaexperiênciapráticapequenacomunidaderural.Alípudeconstataraimportância Confesso queapósessavisitameuentendimentosobreoofícioteatralsetransformou.Transformação essagraças que sóestavaconhecendo,poracaso,graçasaointeressepelas“coisaspopulares”daByaeÂngela. cristã, massimcomofatodeestardianteumaexperiênciaquemuitomeexplicitavasobreaculturabrasileirae ficaram cheiosdelágrimasváriasvezesduranteanarrativa.Eessasnadativeramvercomcomiseração o conhecimentoadquiridocomastranscriçõespassaramacriarseusprópriostextos.Confessoquemeusolhos assistiam aosespetáculose,claro,muitoeracomplementadopelaimaginaçãodo“anotador”.Comotempoecom circos dramáticosquepassavampelaregiãoparaanotaras“falas”.Asanotaçõeseramfeitasàmãopelos se colou:comoconseguirtextosparaasmontagens?Osmembrosalfabetizadosdafamíliapassaramaperseguiros festas dacomunidade.Quasecego,eleditavaaospedreirosaplantadoedifício.Construídooteatro,novodesafio tendo vividonacidadeefreqüentado“teatro”,oconstruiu,comsuaslembrançasarquitetônicas,pararealizaras tempo/espaço. Umdescendentedofundadornosrelatouahistória.Aconstruçãofoiiniciativadeseubisavôque, lembrar osteatrosbarrocosmineiros.Senti-meaocruzaraportaprincipaltransportadoparaumoutro teatro seapresentacomtodaasuaauramítica.Platéia,bancos,rodeadaporvarandalateral,palcoitaliano, cio, atravessamosocurralpisando,literalmente,noestrumedosanimais.Abre-seaportaepequeno/grande sar porumgalpãoondeseguardamosinstrumentosusadosnalidadiária.Estacionamose,parachegaratéoedifí- Chegamos elogoavistamosacasagrandedafazenda,ocurralumaedificaçãoque,paradesavisado,podepas- descreve, formamocenário. em direçãoaointeriordoEstado.Pequenascidadescomsuascasasebananeiras,comoDrummondtãobemnos muitos anos,frutodoesforçodeumafamíliaamanteteatro.Porduashoraspercorremosassinuosasestradas uma manhãensolaradasaímosdeBeloHorizonteemdireçãoaodistritoruralondeaexperiênciaacontecehá tura mineiraebrasileira–oTeatro doCurral.Curiosoporconhecê-lapediparaquemelevassematéolocal.Em Em conversacomByaBragaeÂngelaMourão,háalgunsanos,fiqueisabendodeumaexperiênciasingulardacul- Vou iniciaressetextocontandoumaexperiênciadessetipo. me os“acadêmicos”deplantão,masoconhecimento,também,temavercomqueapreendenossossentidos. mente”, masosentimentoqueficanosdáacertezadealgomuitoespecialaconteceuconosco.Desculpem- A memória,àsvezes,nãonosajudaarelembrartodososdadosdeumaexperiênciaparadescrevê-la“cientifica- O Espaçoda CENA Reinaldo Maia 45 ESPAÇO DE CRIAÇÃO Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 10

queremos transformar nossa relação com a sociedade e com os órgãos públicos encarregados de pensar e implementar políticas públicas na área teatral. Discussão que tem sido desvalorizada e que a simples desvalorização já demonstra a sua importân- cia política e social. É como se todo o fazer cultural do Brasil só tivesse acontecido nas “Salas e Salões” ofi- ciais. Visão que tira da história os “espaços não-ofi- ciais”, os espaços populares e que, assumida pelas classes subalternas como um estigma e verdade definitiva, acabam desmobilizando-as para as lutas que venham a garantir e ampliar os espaços culturais independentes. Não é por outro motivo que o TBC continua sendo o exemplo exemplar de uma ação “privada” de iniciativa para a constituição de um teatro brasileiro. É como se antes do TBC nenhuma ação houvesse para se criar um teatro autônomo e de repertório, no país, por outras classes sociais. Ao se resumir a esta experiência histórica, se desconhece e se apaga todas as demais tentativas. Essa visão oficial, por exemplo, não leva em conta a existência dos grêmios, dos Clubes literários e dramáticos dos Anarquistas no início do século XX. Das centenas de salas que existiram pelo país afora e que ainda hoje resistem. Como exemplo vale citar o Teatro das Classes Laboriosas, no centro velho de São Paulo e que, recentemente, foi reativada por um grupo financiado pela Lei de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo. O não registro dessas experiên- cias é uma maneira de mantê-las desconhecidas e de colocar a classe trabalhadora como dependente, também, na Questão Cultural da “boa vontade e generosidade” das elites e do Estado, no que diz respeito a terem cultura e diversão. Visão, da elite, que acabou sendo assumida pelas organizações populares: sindicatos, partidos políticos de “esquer- da”, organizações de bairro, quando abriram mão de ser criadores e distribuidores de cultura e diversão e se conformaram em ser apenas consumidores do que lhes dá a classe hegemônica política e econômica. Exemplos de continuidade e de defesa de um espaço autônomo cultural, que estão na contramão da história, hoje, são dados pela resistência há várias décadas pelo Teatro União e Olho Vivo, pelo Teatro Oficina, pelo Vento Forte, de São Paulo, que mantêm os ideais e o território de sua criação que sobre- viveram aos terrores da repressão. Pelo Brasil afora devem existir outros tantos resistentes que nossa falha memória histórica não nos permite lembrar. A hegemonia atual da ideologia Liberal, na área cultural, só veio contribuir para aumentar ainda mais esse desconhecimento e descaso para com as “conquis- tas populares”, já que para o liberal não há mais luta de classes e a Questão Cultural é uma questão mer- cadológica entre outras que existem na sociedade. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 11

Desde esse ponto de vista, a cultura continua sendo um privilégio e direito daqueles que detém o Capital e o poder de Estado. Para as massas se dá o “circo” para que elas esqueçam a necessidade do pão. Não há que se ter uma política pública que objetive contribuir para que os “criadores culturais” (os trabalhadores) conquistem sua autono- mia e independência política e econômica. No máximo, na visão generosa e compreensiva dos que “tudo podem”, praticam ações públicas que transformam a cultura numa ação diminuidora das dificuldades sociais vividas pelas populações de baixa renda. Para a “alta cultura”, aquela consumida pelos “iluminados” e detentores dos poderes, há as Leis de Incentivo que, com o dinheiro público, constroem seus espaços, suas programações culturais que atendem as suas “necessidades” espirituais. A diversão dos detentores do Capital é altamente subsidiada pelo imposto de toda a sociedade, mas a diversão dos subalternos é realizada com as migalhas dos orçamentos públi- cos esvaziados. A razão alegada para os cortes orçamentários é a existência das Leis de Incentivos e de Mercado, que passam a determinar o que é cultura e o que deve ser subvencionado. Na Questão cultural ficou valendo a mesma máxima válida para o Capital: “dinheiro atrai mais dinheiro”, “cultura” atrai mais “cultura” A cultura, no Brasil, não é um direito garantido a todos os cidadãos, mas um privilégio daqueles que tem recursos para produzi-la, fazê-la circular e fruí-la. Apesar de constar na Constituição como uma atribuição do Estado, a sua distribuição e produção é injusta, tal como é injusta a distribuição da renda, da terra, da educação, da saúde... O aparelho de Estado, enxuto, abriu mão de sua responsabilidade de garantir ao cidadão a igualdade de direito no que diz respeito ao “bem cultural”. No caso do Brasil essa situação é ainda mais grave, já que os gastos na área cul- tural nunca foram vistos como investimento e dever dos governantes. A questão cultural e, em particular, o teatro, é uma “perfumaria”, um gasto não priorizado, útil como abono da inteligência e cultura dos ocupantes dos cargos públicos, mas uma questão de Estado. E não é porque a maioria da população é vista apenas como mão de obra destinada a produzir a riqueza do país e quanto mais forem mantidas alienadas de seus direitos, melhor. A “cultura”, da maioria excluída da população, é vista como algo exótico, sem “utilidade”, necessária para o “turismo” e para dar uma imagem “cordial e festeira” do povo aos estrangeiros. É comum se ouvir que não “existe uma cultura nacional”, já que somos um povo colonizado. Não se tem por que defender uma “cultura nacional” se não somos os “sujeitos” de sua história. Quando há o reconhecimento de um criador nativo, geralmente reconhecido primeiro pelos nossos colonizadores, tratamos de domesticá-lo e de lhe arrancar as “vísceras” da sua origem social, para SPAÇO DE CRIAÇÃO SPAÇO que não se coloque em discussão a tese que os mantêm como colonizados. E A importância da conquista de espaços próprios para os criadores e/ou as organizações populares realizarem suas 47 experimentações culturais, sem dependerem da generosidade e benevolência dos que detém o poder econômico e/ou político, torna-se crucial se acreditamos que a liberdade é fundamental para se constituir a diversidade cul- tural, necessária para a existência de uma sociedade, de fato, democrática e igualitária. No Brasil, a diversidade é algo presente nos discursos e ausente na prática cotidiana. A nossa história está cheia de exemplos de eliminação do “outro”, quando este começa a ocupar um espaço que coloque em discussão os privilégios e a cultura domi- nante. A higienização dos “diferentes” culturais, da classe subalterna, no Brasil teve início com a modernização da cidade do Rio de Janeiro, no século XIX, realizada por Pereira Bastos e continua, hoje, com as políticas de recu- peração dos centros das grandes capitais do país. No século XIX, alegando ser necessário a modernização da capital imperial expulsou-se os negros para os morros, para que não ficassem aos olhos dos ilustres visitantes estrangeiros. Com a expulsão da população pobre, na maioria ex-escravos, se destruiu a possibilidade da preser- vação de seus espaços culturais. Hoje, para se valorizar o estoque imobiliário do centro das grandes cidades, que se encontram na mão de poucos especuladores imobiliários, elimina-se, junto, os moradores de rua, com o mesmo despudor de outros tempos. Com a renovação urbana os inúmeros espaços de diversão e cultura existentes estão perdendo espaço para novos “negócios”. Para substituí-los são construídos os complexos de lazer, nos Shoppings, obedecendo às leis do mercado e que, por si só, já limitam o acesso dos que podem e são bem-vindos a freqüentá- los. Não devemos esquecer que o processo de constituição da primeira grande Rede televisiva do país, a Rede Globo, foi uma forma de higienização das diferenças regionais e do estabelecimento de um pólo único de criação e difusão da “imagem nacional”. O monopólio da televisão foi a eliminação, da programação, das culturas regionais. Foi o estabelecimento do padrão reconhecido de “brasileiro e brasilidade” tão útil para o sucesso do regime autoritário. E, de alguma forma, tudo isso foi realizado com a ajuda dos “antigos” opositores da conservadora cul- tura da “tradição, família e propriedade”. Essa política de “higienização” das cidades tem contribuído com o abandono, em que se encontram os equipa- mentos culturais públicos que, em grande parte, estão localizados nas zonas urbanas centrais. Não são poucas as cidades que, de um dia para outro, assistiram a deterioração dos seus equipamentos culturais. Deteriorados que estão para o uso artístico, com raras exceções, foram abandonados pela população, que passou a não reconhecê- los como “espaços” para a sua diversão. No imaginário do cidadão comum, que é alimentado com a ilusão de que a vida cultural tem mais a ver com os seus aspectos exteriores do que com a cultura em si, esses espaços públicos Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 12

são tudo, menos locais de “diversão”. As criações que ocupam esses espaços, pelo simples fato de os ocuparem, são vistas como sendo “fracassos”, como não “sociais”, como fora do circuito do que se chama “arte”. Abandonados pelo público e pelos artistas, acabam se tornando inúteis. Sem perceber, consciente ou inconscien- temente, os criadores/fazedores culturais e a população contribuem para aumentar o fosso que as separa do “bem simbólico”. Não é por outro motivo que várias iniciativas da sociedade civil, com relação à cultura, nos últimos anos, para sobreviverem, se transformaram em ONGs de prestação de serviço social. O circuito cultural que é reconhecido e freqüentado por “todos” é aquele das grandes casas de espetáculo. Não importa o que esteja sendo apresentado como programação. O fato de se estar em cartaz nessas salas é o sufi- ciente para que se caracterizem como culturais e dignas de serem assistidas. É lá que se apresentam os “artistas”, sejam eles do teatro, da música e/ou da dança. Papel importante desempenha a televisão na definição do que seja arte e/ou artístico para a maioria da população. É ela que referenda o “circuito oficial” das artes. Circuito que está fechado para criadores culturais que não correspondem aos seus objetivos e princípios artísticos, isto é, o de gerar lucros aos seus proprietários. A criação artística, em si, não tem importância. Ela deve atender às necessidades da reprodução do Capital e da pequena e rica parcela da sociedade que pode pagar seu preço. Para esse público, o fenômeno cultural é visto como uma, entre outras, oportunidade de afirmação do seu poder (político e econômico) e do seu “charme”. A Burguesia nacional há muitos anos abriu mão da ambição de “criar uma cultura a sua imagem”. Ela se contenta em consumir o que consomem os seus pares da metrópole. Acreditam, assim, estar se inserindo no mundo globalizado e adotando, para si, a identidade e o projeto do “outro”, que acreditam ser um “vencedor” e, por isso, um paradigma a ser seguido. Os empresários “iluminados” do Brasil morreram com o Modernismo e com o TBC. Mas para a análise desse processo se completar, há que se analisar o “papel” desempenhado pela classe trabalhadora nesta espetacularização e estetização da vida nacional. Ou seja, analisar o outro lado da moeda envolvido na questão cultural. Com o processo de abertura lenta e gradual do regime autoritário, no qual incluiu a legalização de algumas forças políticas ditas de esquerda, momento em que se deu a fundação do Partido dos Trabalhadores, houve um esvaziamento da questão cultural para as organizações da sociedade civil que resistiram

SPAÇO DE CRIAÇÃO SPAÇO à ditadura. Não devemos esquecer que, durante os anos de chumbo, o movimento cultural foi um grande veículo de

E aglutinação, reflexão e organização das forças populares. Era a forma possível de reunir as pessoas para se dis- 48 cutir os rumos da sociedade brasileira. Neste cenário, papel importante desempenhou os grupos teatrais. A cidade de São Paulo, na década de 70, contou com inúmeros espaços próprios de grupos teatrais. Esses espaços, ver- dadeiras “praças públicas” dos cidadãos, com a normalização da vida política ficaram esvaziados de seu público e da sua importância. A partir da abertura, o teatro não foi mais necessário para se promover a “reunião” política. Os sindicatos, as pastorais da igreja católica, as organizações de bairro e os partidos políticos sentiram-se desobriga- dos de continuarem a incentivar e promover, entre os seus participantes, a questão cultural, já que não precisavam dessa desculpa para realizarem suas ações. Consciente ou inconscientemente os criadores/fazedores de cultura foram “usados” e/ou se deixaram “usar” durante a ditadura, acreditando que tinham, para a sociedade, um valor e função social a partir de sua ação estéti- ca. Não só pela abertura política, mas, também, pela flexibilização da vida política as conquistas efetuadas, no que diz respeito a se ter um “espaço” próprio, pelos grupos teatrais, foram, paulatinamente, sendo perdidas. A sobre- vivência das sedes dos grupos estava demasiadamente vinculada à necessidade da sociedade em ter um “espaço” para discutir e fazer política. Diante do abandono em que se viram, tiveram que repensar suas políticas e muitos encerraram suas atividades. Os grupos haviam se transformado em “intelectuais orgânicos” da luta política do pro- letariado que, com a abertura, não tinha mais serventia. Colocou-se o teatro a serviço da “revolução” e esqueceu-se de fazer a “revolução” do próprio teatro. A última entrevista de Oduvaldo Viana Filho a Nelson Werneck, analisando o CPC, pode nos iluminar muito sobre esse “falso” entendimento do papel do teatro e do fenômeno estético. O distanciamento entre as organizações políticas dos trabalhadores e o movimento cultural foi aumentando com o passar dos anos. O circuito das salas dos sindicatos, dos salões das igrejas, das sociedades amigos de bairro foi desativado. A comemoração do Primeiro de Maio deixou de ser um ato político, para se transformar em festividade com shows espetaculares, sorteios de carro, onde a política passou para o segundo plano, refletindo a própria vida política dos sindicatos. Os líderes sindicais, sob a égide do pensamento Liberal, abandonaram o sonho de criarem uma Nova Sociedade, para aceitarem o papel de gerentes pragmáticos da crise do Capital. Com o fim do Socialismo Soviético, com a queda do Muro de Berlim, a sociedade assumiu como verdade absoluta a decretação do “fim da história” e da “luta de classes”. Tal qual a burguesia nacional, que abdicou de projeto próprio para se inserir na era da globalização, passando a assumir como sendo sua a pauta ditada pelas grandes transnacionais. Pauta globaliza- da que, após muitos anos de luta, possibilitou um trabalhador chegar à Presidência da República, com o apoio e a Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 13

confiança das instituições encarregadas de garantir o Capital Internacional, como o FMI, o BID, como “gerente con- fiável dos interesses do Capital”. As novas alianças, necessárias para a conquista do Poder, deixaram à deriva os antigos aliados. Na política e na sociedade não existe espaço vazio. O vácuo deixado pelos sindicatos, organizações de base, asso- ciações de moradores, pastorais eclesiais, com relação a ação cultural, foi ocupado pelas entidades sociais do patronato que começaram a realizar uma política cultural visando dar a seus associados “diversão e lazer”. No caso da cidade de São Paulo, papel importante desempenhou o SESC na assunção desse papel. Os seus espaços, destinados ao lazer e diversão do comerciário, formam, hoje, um importante circuito cultural. Na ausência e/ou pouca presença, na área cultural, do Estado, o SESC passou a ser o grande fomentador e direcionador da criação cultural da cidade, por extensão, do país. Na crença de que tinham encontrado um interlocutor democrático, os gru- pos teatrais direcionaram seus esforços para fazer parte dos “escolhidos” a gozar dos favores desse “novo mece- nas”. Não havia porque discutir, refletir ou se preocupar com a questão de um circuito próprio, da conquista de seu próprio espaço ou da ativação dos espaços públicos existentes. Não havia motivo para se discutir a necessidade da autonomia e independência dos criadores/fazedores. Alguns anos se passaram para se perceber que, entidades como o SESC, SESI e SENAI não são públicas, mas privadas, estando ligadas a um determinado interesse e objeti- vo de classe. A liberdade tão reivindicada para a existência das artes, constatou-se, mais uma vez, que não seria garantida por concessão de terceiros, mas teria que ser conquistada e garantida com políticas públicas transparentes que possibilitem aos grupos terem suas sedes e criarem seus circuitos. O espaço da cena, como definidor dos caminhos que podem vir a tomar as artes cênicas no século que se inicia, e que poderá transformá-las em uma “instituição” reconhecida e reivindicada pelos cidadãos, passa a ser uma questão fundamental. A questão de uma sede própria pelos grupos não se resume apenas a questão da independência do espaço físico e de uma autonomia administrativa, mas tem a ver, sobretudo, com as possibilidades de experimentação cultural que ultrapassa, em muito, a mera criação e realização de espetáculos. A transformação da cultura em mercadoria; o esvaziamento dos orçamentos públicos para a área cultural; a falta de investimento em espaços públicos; a hege- Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 14

monia do circuito comercial de salas de espetáculos, seus preços exorbitantes e as suas limitações de uso; a necessidade de se recorrer às Leis de Incentivo para se viabilizar a produção e a circulação, transformou a “liber- dade” de criação em uma obediência a um receituário que nada tem a ver com o fenômeno estético e teatral. A cen- sura política dos anos de chumbo foi substituída pela censura econômica e estética dos atuais programadores e agenciadores culturais. Limitações e cerceamentos que refletem, diretamente, na criação artística, que se vê obri- gada a atender as demandas e regras das “leis do mercado” e a necessidade de gerar lucro. Essas “exigências” exteriores e estranhas ao fenômeno estético cerceiam a forma e impõem os conteúdos que podem ser discutidos e retratados. A polêmica recente com relação às agências de regulamentação das mídias colocou a nu esta luta a ser empreendida, se queremos fugir do “monopólio” de um só produtor/criador de “bens simbólicos”. O teatro, dentro desse cenário, passou a ser o retrato da classe hegemônica da sociedade. Nessa medida pode-se dizer que, em seu atraso e conservadorismo, corresponde ao seu tempo e à sua época. Os conteúdos e as formas, desse teatro politicamente correto, espelham o pensamento único que estabeleceu, autoritariamente, a sua hege- monia na área cultural nos últimos anos. Os temas candentes da sociedade encontram-se excluídos dos projetos artísticos das “companhias” que visam, antes de tudo, os resultados econômicos da bilheteria. Quando são trata- dos é para descaracterizá-los do que tem de “tragédia nacional” por não serem resolvidos. Ri-se deles, para que se aumente o conformismo de “somos assim mesmo”. Não se deve exigir que o “outro” faça aquilo que “nos compete”. Isto é, não se pode exigir que o teatro comercial venha a realizar o projeto artístico e cultural das companhias/grupos que querem transformar as relações de produção e humanas da sociedade brasileira. Assim como não se pode exi- gir que o Capital venha a financiar aquilo que o coloca em discussão. Numa sociedade plural, o diálogo entre os diferentes interesses só se dará se todos tiverem as mesmas condições de se manifestarem. E para que isso venha a acontecer há que se travar uma “luta política”. A conquista de sedes próprias pelos coletivos criativos e pelas organizações da sociedade civil é a construção de um circuito que se contraponha ao circuito do Capital, que existe para veicular suas formas e seus conteúdos artís- ticos. E essa visão não tem nada de arrivista, nem de belicista, ela só quer tocar na raiz da questão da disputa do Pensamento em uma sociedade onde a pluralidade não é vista com bons olhos. Criar os espaços “dissonantes” não

SPAÇO DE CRIAÇÃO SPAÇO é abrir mão ou abdicar da discussão dos espaços privados existentes e que são “públicos”, por serem financiados

E e subsidiados, direta e indiretamente pelo Poder Público, através das Leis de Incentivo, mas romper a dependência 50 que nos faz a contragosto conceder em nosso ofício. É deixar clara a distância que existe entre a “casa grande” e a “senzala”. É desmascarar o retrato de democracia cultural que nos querem vender. É ser contra o direito de uma única classe monopolizar o imaginário nacional. Na área da cultura, também tem que ser rompido o monopólio no que diz respeito à produção, circulação e dis- tribuição do “bem cultural”. O que aconteceu, nos últimos anos, a partir do desmonte dos organismos públicos encarregados de gerirem as políticas públicas da área cultural não tem precedentes na nossa história. Se a sociedade civil esteve atenta para a privatização ocorrida na área econômica do aparelho de Estado, mantém-se indiferente no que diz respeito à “privatização da área cultural”. E o interessante, privatização feita com o dinheiro dos impostos da maioria da população, para atender uma minoria, que tem acesso aos mecanismos de captação, já que são os financiadores de si mesmos. Pode-se dizer que nunca houve tanto dinheiro para a cultura como nos últimos anos. Mas, também, pode-se afirmar, sem correr o risco de sectarismos ideológicos, que nunca houve uma maior concentração de recursos da cultura para uma mesma classe social como na atualidade. Os recursos orça- mentários públicos, quando existem, são direcionados para ações que tem, paulatinamente, tirado da área cultural a questão estética. São as tão decantadas políticas culturais voltadas para a inclusão social. Como se competisse às artes realizar as atribuições da área social e do trabalho do aparelho de Estado. No Estado de São Paulo, o BID Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 15

está financiando a construção de centros culturais, mas exige que toda a política pública da Secretaria de Estado da Cultura seja voltada para ações que visem a inclusão social. Isto é, a Secretaria de Cultura está sendo transfor- mada em um braço da Secretaria de Ação Social, com perda para as duas áreas e para o todo da sociedade. E aqui podemos retomar a descrição da experiência pessoal de ter conhecido o Teatro do Curral. O fenômeno cul- tural, para eles, tem importância em si. Não dependem do reconhecimento do “outro” para criarem a sua diversão. Não imploram a sanção do mundo oficial da cultura para se acharem criadores/ fazedores de teatro. Se encontram- se isolados do circuito urbano e oficial de cultura não é por livre opção. Mas por estarem isolados e não serem reconhecidos não deixaram de fazer o que tinha que ser feito para criarem sua diversão e conhecimento. Se vierem a ser inseridos no mundo da cultura citadina, acredito que será pelo que já fazem e não por terem assumido uma “identidade” que não é sua. E se forem cooptados, será graças ao desconhecimento que tem as forças de oposição ao “pensamento único” das classes dominantes, que nada fazem para ampliar seus conhecimentos para além do que lhes pauta a globalização e a necessidade de sobrevivência. Assim, também, se dão as coisas com as “ilhas” isoladas dos espaços e sedes existentes de companhias e grupos, que não conseguem se manter por se encon- trarem sem “aliados” para se contraporem ao poder dos “representantes da cultura oficial”. É a falta de organização que nos fragiliza e torna “inútil” a resistência e luta por políticas públicas que venham a contemplar a maioria da população. Mas há que se pensar como se dará essa organização, para não se cair no erro de se repetir velhas “estruturas burocráticas” que impedem a ação e não criam as condições necessárias à luta. Como criadores/fazedores de teatro produzimos pensamento. Se não tivermos excelência no nosso pensar, acred- itando estar combatendo o “inimigo”, estaremos reproduzindo sua forma de ser. Lidando com a criatividade, nossas ações têm que ser criativas, para termos como aliados a população para a qual “queremos” fazer nosso teatro. E não nos enganemos: o teatro não é um meio de comunicação de massa. Como ofício artesanal, ele não tem armas para combater, no mesmo campo de batalha, as “artes” que são filhas da época da reprodutividade técnica. Temos que recuperar nossa singularidade entendê-la, para que possamos determinar quais as táticas que nos favorece. O que deve nos importar, sempre, é a qualidade do que fazemos e não a quantidade dos que atingimos. Senão estare- mos lutando com as “armas” que tem nos fragilizado, nos colocado dependentes de “exigências” que não nos

dizem respeito. Não se trata de se fechar para as conquistas que estão sendo realizadas nos diferentes campos do DE CRIAÇÃO SPAÇO

conhecimento humano, mas de saber quais delas podem contribuir para que melhor possamos continuar exercendo E o nosso ofício. 51 Não se pode iniciar uma mobilização desse porte e dessa importância pedindo licença para se executá-la. Não se pode iniciar tal batalha não se acreditando que a cultura é um direito elementar do cidadão e que, por isso, tem e deve ser subsidiada pelo aparelho de Estado. Não compete ao Estado produzir cultura. Como não compete ao Estado “subsidiar” o Capital privado em benefício de interesses individuais. Mas compete ao Estado criar as condições para que todos tenham as mesmas oportunidades de produção, acesso e fruição do “bem cultural”. Num país onde as diferenças sociais são gritantes; onde a distribuição de renda é uma vergonha; onde a educação se resume a preparar, porcamente, mão obra desqualificada para o mercado do trabalho; onde o trabalho não dignifica e esta deixando de existir; onde a distribuição injusta do bem simbólico é ma forma de manter o cidadão alienado de seus direitos; temos um importante papel a desempenhar. E cabe aos criadores/fazedores de cultura alimentar e fomentar essa luta. Não para a defesa de seus interesses corporativos, mas porque ela é fundamental para a construção de uma sociedade justa. Forçar o aparelho de Estado a investir em cultura é criar as condições para que haja um aumento da consciência crítica de seus cidadãos. Consciência crítica que ajudará a pensar, discutir e formular qual país desejamos e queremos para nós. Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 16

Ficha técnica GALPÃO CINE HORTO

Coordenação Geral ...... Chico Pelúcio Orientação Pedagógica ...... Fernando Mencarelli Gerência Administrativa ...... Maria José dos Santos Gerência de Programação ...... Laura Bastos Assistência de Programação ...... Rose Campos Técnicos ...... Juliano Coelho ...... Felipe Cosse Estagiário de Produção ...... Rodrigo Fidélis Design Gráfico ...... Glaura Santos ...... Laura Guimarães Coordenação do Projeto Conexão Galpão .Lúcia Ferreira Recepcionista ...... Carla Barbabela Serviços Gerais ...... Juarez Pereira ...... Dalva Santos ...... Leandro Dias

Coordenação de Produção dos Projetos

Ficha técnica GRUPO GALPÃO

Elenco ...... Antonio Edson ...... Arildo de Barros

ICHA TÉCNICA E EXPEDIENTE ...... Beto Franco

F ...... Chico Pelúcio 52 ...... Eduardo Moreira ...... Fernanda Vianna ...... Inês Peixoto ...... Júlio Maciel ...... Lydia Del Picchia ...... Paulo André ...... Rodolfo Vaz ...... Simone Ordones ...... Teuda Bara Direção de Produção ...... Gilma Oliveira Assessoria de Planejamento ...... Romulo Avelar Assessoria de Comunicação ...... Júnia Alvarenga Assistência de Produção ...... Beatriz Radicchi Iluminação e Sonoplastia ...... Alexandre Galvão Iluminação ...... Wladimir Medeiros Cenotécnica ...... Helvécio Izabel Gerência Administrativa ...... Silvia Batista Assistência Administrativa ...... Arlene Marques Auxiliar Administrativo ...... Cristiano Medeiros Recepcionista ...... Liliana Nonato Serviços Gerais ...... Fátima Nonato Projeto segunda parte FIN 8/30/06 5:40 PM Page 17

Expediente SUBTEXTO

Subtexto - Revista de Teatro do Galpão Cine Horto - n° 1 ISSN 1807-5959 Conselho Editorial ...... Chico Pelúcio ...... Fernando Mencarelli ...... Júnia Alvarenga ...... Laura Bastos ...... Romulo Avelar Jornalista Responsável ...... Júnia Alvarenga ...... (MTb 5230) Projeto Gráfico ...... Glaura Santos ...... Laura Guimarães Revisão ...... Bento Belisário Fotolitos e Impressão ...... Rona Editora Tiragem 2.000 exemplares

Colaboraram nesta edição Aderbal Freire-Filho, Antônio Grassi, Antônio Rogério Toscano, Barracão Teatro, Chico Pelúcio, Cooperativa Paulista de Teatro, Eduardo Moreira, Fernando Yamamoto, Folias D´Arte, Grupo Tá na Rua, Lindolfo Amaral, Luís Alberto de Abreu, Lúcio Bezerra, Nilde Ferreira, Ói Nóis Aqui Traveiz, Regina Helena Alves da Silva, Reinaldo Maia, Teatro da Vertigem e TUSP.

Fotos Laura Guimarães e Glaura Santos: capa Guto Muniz: páginas 03 (Fachada do Galpão Cine Horto); 05 (4º Festival de Cenas Curtas - cena 5 em 1 ); 06 (Oficinão 1999 - espetáculo CX Postal 1500); 11 (Grupo Imbuaça - espetáculo Antônio, meu santo/ 7ºFIT-BH); 14 e 15 (Teatro da Vertigem espetáculo O livro de Jó/ 7ºFIT-BH); 29 (3º Festival de Cenas Curtas - cena Dissertação sobre o nada); 37 e 46 (2º Festival de Cenas Curtas - cena A pipa); 40 (3º Festival de Cenas Curtas - cena Cubo imagético); 43 (5º Festival Cenas Curtas - cena Assim se fez assim se faz); 50 e 51 (1ºFestival de Cenas Curtas - cena O armário). Cláudio Etges: página 09; Lenise Pinheiro: página 10; Renato Velasco: página 13; Beto Garavello: página 16; João Caldas: pági- nas 18 e 19; Thais Stocklos, da L & T Design: página 20; Fábio Arruda: página 21; Fernando Yamamoto: página 22; Divulgação Cooperativa Paulista de Teatro: página 23; Waldir Lau: página 24; Carlos Roberto, do Jornal Hoje em Dia: 26 e 27 (Grupo Galpão - espetáculo Um Molière Imaginário/ Campanha 20 anos para o Teatro/ Praça do Papa-BH); Pedro Motta: página 28; Arnaldo Pereira: página 32; Divulgação Funarte: página 44.

Galpão Cine Horto Rua Pitangui, 3613 - Horto 31.030-210 - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil Telefone 31-3481.5580 www.grupogalpao.com.br - [email protected]

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