ISSN 1982-1670

NÚMERO 48 DEZ 2010/JAN 2011 r$ 15,00

BRASIL 2.1 O furor de "país do futuro" está de volta, mas o século é novo e as ideias de modernidade e atraso já não são mais as mesmas

Editorial Índice O início do começo EIRNER

televisão em cadeia nacional registrou a emoção de uma OBRA DE NELSON L

senhora, moradora do Complexo do Alemão, quando a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas bandeira brasileira foi fincada no alto do morro, após a DiretorA Maria Tereza Leme Fleury 44 derrocada dos traficantes. É como se a sua dignidade tivesse Asido resgatada, o seu território recuperado, a sua identidade devolvida. COORDENADOR Mario Monzoni Reviveu-se também a esperança de que a polícia retome sua única função, COORDENADora-adjunta Rachel Biderman jornalistas fundadoras Amália Safatle e Flavia Pardini que é a de proteger as pessoas de bem. Editora Amália Safatle repórter Carolina Derivi Foram essas pessoas, acenando panos brancos em meio ao tiroteio, EDIção de Arte Vendo Design Marcius Marques (edição), Dora Dias (design) que deram a chancela e o apoio para a ação da polícia, em uma coesão www.vendoeditorial.com.br Ilustrações Sírio Braz editor de fotografia Bruno Bernardi fundamental que é a base da construção de qualquer identidade. E as- Revisor José Genulino Moura Ribeiro ALER coordenadora de produção Bel Brunharo

sim, por um instante, o Brasil saboreou a alegria de um Ensaio fotográfico A Ponte Estratégia U L R AI CHT Colaboraram nesta edição Ana Cristina d’Angelo, 16 R A paradisíaco combinada com a segurança da civilidade e da ordem. Daniela Gomes Pinto, Eli Ridolfi, Flavia Pardini, Gisele Neuls, Gustavo Faleiros, José Eli da Veiga, Malu Villela, Milena Mendes, Por um momento. Os bandidos fugitivos provavelmente voltarão a Raul Raichtaler, Renato Guimarães, Rubens Chaves Jornalista Responsável Notas 6 se organizar em outros territórios, e buscarão formas de se recapitalizar. Amália Safatle (MTb 22.790) Clima & economia 12 O sistema da criminalidade e do tráfico, se hoje foi atingido em cheio, comercial e publicidade coordenação Jorge Saad possui ramificações que certamente vão tentar se articular. As milícias (11) 3807-7084 / (11) 8381 2903 / [email protected] Entrevista 16 O Brasil, que subverte o modelo clássico executivo Tupiná Assessoria de Comunicação Ltda europeu, tem um pacote estratégico a ocuparão espaços. O consumidor continuará alimentando o tráfico. O Júnior Tupiná (11) 2597-0090 / 2597-0091 / (11) 8202-4825 [email protected] oferecer ao planeta: afeto, diz Gilberto Gil

filmeTropa de Elite 2 bem mostrou como essa rede funciona. A bandeira Redação e Administração Rua Itararé, 123 - CEP 01308-030 - São Paulo - SP Coluna 21 fincada no topo do morro, amparada pelas suas bases, é apenas “o início (11) 3284-0754 / [email protected] www.fgv.br/ces/pagina22

do começo”. Há muito trabalho de reconstrução pela frente. Conselho Editorial Identidade 22 Nem só a busca do bem viver, nem só a Aron Belinky, Cynthia Rosenburg, José Carlos Barbieri, civilidade da ética: há espaço para o País Mas as histórias na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão José Eli da Veiga, Mario Monzoni, Pedro Roberto Jacobi, Ricardo Guimarães, Roberto Waack combinar o melhor dos dois mundos mostram que o morro, coeso, sabedor do que quer, tem vez. Neste Conceito de Comunicação e planejamento 38 Denise Chaer, Fernanda H. Figueiredo, Jorge Saad Aiuê: conteúdo relevante ([email protected]) Retrato 30 final de novembro,P á g i n a 22 fecha a edição da virada de ano inspirada Impressão NeoBand Soluções Gráficas na emoção daquela moradora que teve sua identidade resgatada. Ela é distribuição Door to Door Logística e Distribuição Ciência 38 Historicamente, o País foi mais de livros Tiragem desta edição: 5.000 exemplares que de laboratórios. A virada recente só uma entre os 190.732.694 habitantes unidos por uma língua e um Os artigos e textos de caráter opinativo assinados por colaboradores expressam a visão de seus autores, não representando, requer olhar um estratégico território, mas dá a cara de um Brasil capaz de alcançar e garantir sua necessariamente, o ponto de vista de Pá g i n a 22 e do GVces. felicidade, caso sonhe em conjunto. Análise 43 Energia 44 Qual a melhor forma de operar o baixo carbono: concentrar no que temos Boa leitura e até fevereiro! a Revista Página 22 foi impressa em papel certificado, proveniente de reflorestamentos certificados pelo FSC de acordo com rigorosos padrões sociais e ambientais expertise ou diversificar as fontes?

Página 22, nas versões impressa e digital, aderiu à licença Creative Commons. Assim, é livre a reprodução do conteúdo –exceto imagens – desde que sejam citados como fontes a publicação e o autor. Artigo 48

CAPA: Obra de Nelson Leirner, exposta na 29ª Bienal de Arte de São Paulo, fotografada por Bruno Bernardi. Nascido em São Paulo e morador do Rio, Leirner é um artista premiado. Em 2009, recebeu homenagem do Instituto Itaú Cultural pela exposição Ocupação Última 50 22 MENDES MILENA

DEZ/JAN_4_Página 22 DEZ/JAN_5_PÁGINA 22 Notas

[Eletrônicos I] melhor do que reciclar, ajuda a proteger o na Europa e no sul da África a partir de planeta, custa menos e incentiva a dados gerados por computadores pessoais. Senta que lá curiosidade. Para os mentores do iFixit, se “Com a ajuda do público, podemos você não pode consertar seu aparelho rodar o modelo muito mais vezes do que vem a história eletrônico, ele não te pertence. com um supercomputador e literalmente aiu no início de novembro o mais recente “Uma vez que você desmonta, conserta contar eventos que ocorrem uma vez em Scapítulo da série de filmetes sobre a e monta seu laptop ou iPod de novo, você 100 anos para ver como as mudanças nossa sociedade do consumo e desta vez o tem uma compreensão muito melhor de climáticas estão afetando os riscos alvo são os aparelhos eletrônicos. Trata-se suas partes”, diz o site, criado por dois climáticos”, disse Myles Allen, da das animações criadas pela ativista estudantes de engenharia. “É Universidade de Oxford, ao jornal The americana Annie Leonard, que em fins de impressionante como apenas 20 minutos Guardian, que apoia o projeto. “É também 2007 lançou The Story of Stuff para chamar de trabalho e U$10 tornam um iPod usado muito mais responsável ambientalmente atenção sobre como os produtos de tão bom quanto um novo – mas a maioria fazer esses cálculos usando tempo de consumo são feitos e descartados. Segundo das pessoas não tem ideia de que há processador ‘reciclado’ em PCs do que o site do projeto, The Story of Stuff foi visto instruções disponíveis para facilitar esse comprar um supercomputador enorme e 12 milhões de vezes na internet (há versões trabalho.” Elas podem ser encontradas em um prédio para abrigá-lo com uma planta com legendas em português: www. vários manuais compilados de forma de ar condicionado.” storyofstuff.org/international). Os capítulos colaborativa pela internet e disponibilizados O desenvolvimento de modelos anteriores abordaram cosméticos, água de graça pelo iFixit (http://www.ifixit.com/ climáticos regionais poderá ajudar a dizer engarrafada, sistema de cap-and-trade para Guide). Ao incentivar que mais gente se fenômenos recentes, como as as emissões de carbono. conserte seus aparelhos em vez de inundações no Paquistão ou os incêndios No novo The Story of Electronics (http:// simplesmente comprar novos, o iFixit quer na Rússia, são atribuíveis ao aumento da storyofstuff.org/electronics), Annie explica contribuir para consertar o mundo. – (FP) concentração de gases de efeito estufa na como a indústria de eletrônicos faz uso da atmosfera. – (FP) “obsolescência planejada”, desenhando [Mudança climática I] produtos para serem substituídos o mais [Mudança climática II] rapidamente possível, além de apontar os Use seu PC em efeitos na saúde e no meio ambiente de O destino do metais e outros recursos usados na favor do clima fabricação e liberados no descarte dos projeto climateprediction.net está mundo em jogo aparelhos. O filmete, feito em colaboração Ointeressado naquele período de tempo s dados gerados pelo projeto com a Electronics TakeBack Coalition, uma em que o seu computador está ligado, mas Oclimateprediction.net foram usados rede de ONGs, pede que os fabricantes não em uso. Durante essa inatividade, sua para criar o Fate of the World (www. tornem os eletrônicos mais seguros, façam máquina pode ser parte do esforço para fateoftheworld.net), um videogame em que com que durem, e recebam de volta prever o clima da Terra até 2100 e testar a os jogadores dirigem uma entidade no estilo aparelhos usados para reciclagem. Os exatidão de modelos climáticos. Em curso da Organização Mundial do Comércio com espectadores são convidados a enviar desde 2003, o projeto acaba de inaugurar fins ambientais. Sua missão é decidir o mensagens aos fabricantes pedindo que uma segunda fase em que pretende criar destino do mundo, seja reduzindo emissões abandonem a política de “design para o lixo”. modelos climáticos regionais. É o de carbono para mitigar as mudanças do – por Flavia Pardini weatherathome (http://climateprediction. clima, seja deixando as temperaturas net/weatherathome), que inicialmente vai subirem para ver todo tipo de evento [Eletrônicos II] modelar o clima na região oeste dos EUA, climático, de enchentes a secas e incêndios. Os idealizadores do jogo acreditam que Consertar em os videogames são um ótimo canal para lidar com as complexidades das mudanças vez de reciclar climáticas, pois fornecem oportunidade ara aqueles que querem mais do que para que as pessoas sintam e vejam a Preciclar seus aparelhos eletrônicos, o evolução de variáveis – por exemplo, tempo site iFixit lançou o Self-Repair Manifesto e geografia – em um sistema. “O que eu (www.ifixit.com/Manifesto), em defesa do gosto nesse jogo é que ele permite que as direito dos usuários de consertar seus pessoas experimentem, em um mundo gadgets. Segundo o manifesto, consertar é idealizado, claro, os tipos de decisões que Notas

teremos que enfrentar, e deixa claro que interactive/2010/11/21weekinreview/ projeto Escola em Ação, liderado pelo não há respostas fáceis”, afirmou Myles 21leonhardt-graphic.html). Comitê de Entidades no Combate à Fome e Allen, da Universidade de Oxford e chefe do A opção mais popular – citada em 80% pela Vida (Coep), rede de mobilização climateprediction.net, que receberá a renda das 6.989 soluções enviadas pelos leitores criada pelo sociólogo Betinho e que hoje das vendas do jogo. – (FP) – foi enxugar o Exército americano e torná- congrega cerca de 1.100 instituições. lo menor do que antes da invasão do Iraque. Com o tema Meio Ambiente, Mudanças [Mudança climática III] Com 62%, em média, a taxa sobre o carbono Climáticas e Pobreza, a ideia é ajudar foi muito mais proeminente (84%) nas crianças e jovens a entenderem mais sobre Uma mão contra respostas dos leitores que favorecem o consumo sustentável, gestão da água e aumento dos impostos como estratégia aumento da temperatura global. Com mais o déficit? para cortar o déficit do que entre aqueles de 8 mil mobilizadores, o projeto oferece a m imposto sobre emissões de carbono que preferem cortar gastos (13%). O Senado professores das redes pública e privada de Ufoi apontado por 62% dos participantes americano abandonou em julho projeto que todo o Brasil material didático a fim de em um experimento feito pelo The New York previa a redução das emissões. – (FP) orientar discussões e desenvolver Times como uma boa maneira de ajudar a atividades práticas sobre o assunto. reduzir o galopante déficit orçamentário [Educação] “As ações são voltadas para as americano. O jornal analisou o orçamento e populações mais vulneráveis às mudanças apresentou um menu de opções para que O ambiente na do clima e realizadas para que as escolas os leitores fizessem suas escolhas sobre ampliem a sensibilização dos jovens, com a como cortar o déficit. Um quebra-cabeça sala de aula finalidade de que encontrem seu próprio interativo foi publicado em 13 de novembro em protocolo, mas com muito jeito, sua maneira de lidar com o problema”, e recebeu mais de um milhão de visitas. Scompromisso. Mais de 600 escolas, em afirma Amélia Medeiros, secretária- Onze mil pessoas postaram mensagens no 89 cidades brasileiras, estão coordenando executiva adjunta do Coep Nacional. Twitter, a maioria apontando soluções. O uma série de atividades sobre aquecimento Ao final, as melhores ideias concorrem jornal tabulou as respostas e, lembrando global e pobreza como parte das ao Prêmio Betinho Escola em Ação. Gratuita, a que não se trata de amostra científica, discussões sobre a conferência do clima de inscrição das escolas pode ser feita pelo site publicou os resultados (www.nytimes.com/ Cancún, a COP-16. A iniciativa faz parte do www.escolaemacao.org.br. – Eli Ridolfi

fala, LEITOR Histórias e ideias de quem lê Pá g i n a 22

Nascido em São Paulo e formado em pronta também para o adulto”. Em 2005, Turismo, Andreoni queria valorizar a cultura passou a organizar a formação de agentes e a produção locais a partir de ações na sociais, o que lhe rendeu experiências em área turística, mas achou pouco inovador São Paulo, Rio de Janeiro e , trabalhar com o poder público. Começou formando mão de obra em tecnologia social. então a fazer programas de recreação com Depois, em 2008, assumiu as crianças e adolescentes, embalado por uma pesquisas avaliadoras do trabalho de pós-graduação na área de Educação. Foi formação e levantamento dos resultados. A quando conheceu e passou a integrar o passagem pelo Fórum Social Mundial, em quadro de colaboradores da Associação Belém, no ano seguinte, foi fundamental Cidade Escola Aprendiz, ou, para os mais para se conectar com outros movimentos e próximos, o Aprendiz. pessoas que trabalhavam questões runo Andreoni foi um dos primeiros De estagiário a coordenador de similares. O processo o levou a assumir a Bassinantes da revista Pá g i n a 22, antes comunicação, foram muitas as ações, os área de comunicação do Aprendiz, desde a de a publicação tornar gratuito todo o projetos e os aprendizados, ainda que em estruturação (antes sob responsabilidade conteúdo por meio de sua plataforma um período rápido. Andreoni tem 27 anos e externa) até criar uma linha para o projeto multimídia. Fomos atrás dele para saber o ingressou no Aprendiz em 2006. Desde o de comunicação e traduzir aos diversos que anda fazendo. Sim, ele continua princípio, ele guarda uma diretriz da ONG públicos que tipo de trabalho é feito ali. recebendo e, perdoe-nos o cabotinismo, que vale a pena ser compartilhada: “Se uma Busca da sustentabilidade, de maneira gostando desta versão impressa da revista. cidade está pronta para uma criança, estará ampla e irrestrita. (ACD)

Se você deseja participar desta seção, escreva para [email protected] e conte um pouco sobre você e seus projetos. Para se comunicar com Bruno Andreoni, escreva para [email protected]

DEZ/JAN_8_Página 22 O futurível está fora do eixo

Entre o Fórum Internacional Geopolítica da Cultura e da Tecnologia (leia Entrevista à pág. 16) e o Fórum da Cultura Digital (www.culturadigital.br) houve o show Futurível, em São Paulo, no Auditório do Ibirapuera, apontando direções remixadas para o futuro da cultura e da música brasileira. Gilberto Gil se encontrou com a banda revelação de Cuiabá Macaco Bong (um power trio que faz parte do coletivo Cubo, desenhos primitivos se fundindo a ondas eletromagnéticas e que, por sua vez, integra uma rede bacanérrima de coletivos aos personagens daquele futurível momentâneo. O nome do chamada www.foradoeixo.org.br). No palco, teve ainda a Banda show, aliás, é emprestado de uma música de Gil de 1969, o de Pife Princesa do Agreste, que tocou, dançou e contou futuro possível pensado pelo tropicalista, pouco antes de partir causos para uma plateia doida por um baile. Em alguns para o exílio em Londres. Neste Futurível de 41 anos depois, a momentos, a sonoridade de Caruaru mesclou-se com as convergência se estabeleceu no palco, na plateia e nas redes, tramoias do DJ Tudo e Sua Gente de Todo Lugar – com transmissão ao vivo pela web. reverberações instrumentais unindo os povos. Foram mais de duas horas de passado e futuro, tradição e Anote: Artista Igual Pedreiro é o nome do primeiro álbum do tecnologia, MPB e rock se materializando em novas canções e Macaco Bong, mistura de peso e delicadeza na carpintaria da imagens projetadas num telão ao vivo pelo DJ Scan. Eram música. (www.myspace.com/macacobong)

Lugares, estranhos e quietos ilusionista que é, confunde quadro a de baixo nível no lugar de alta tecnologia, O cineasta alemão Wim Wenders quadro. O artificial e o natural são o deslocamento industrial, utilizando fotografa como filma? A crítica se indistinguíveis e as fronteiras se aparelhos para finalidades distintas às dividiu para avaliar a exposição inédita dissolvem enquanto ele passeia com quais foram inicialmente programados. de WW em cartaz no Museu de Arte de sua câmera. Neste caso são 23 imagens São Paulo (Masp). Eu vejo uma aura de de grandes cidades ao redor do mundo. Meu mundo em perigo mistério a cada momento capturado Até o dia 9 de janeiro no Masp. Chega aos cinemas neste dezembro o pelas suas lentes. Com ou sem longa Meu Mundo em Perigo, quarto filme movimento, Wenders te leva à beira do A gambiarra caiu na rede de José Eduardo Belmonte. Um diretor precipício da fantasia. Na exposição A exposição coletiva dos bons, que demora para Lugares, Estranhos e Quietos, o Gambiólogos está em chegar às salas comerciais punctum (ponto principal de uma cartaz no simpático – o filme ficou pronto em questão, segundo o Aurélio) trafega por Centro Cultural da capital 2007 –, apesar de cadeiras vermelhas em cenários mineira de nome festejado pelo público e verdes, grandes paisagens desoladas, CentoeQuatro (www. pela crítica dos festivais. A roda-gigante, personagens do túnel de centoequatro.org). É história mostra Elias, um metrô, a cratera deixada por um uma seleção de obras fotógrafo desempregado meteorito. E Wenders, grande que articulam conceitos que vê seu mundo desabar da gambiologia. A saber, quando a ex-mulher objetos físicos e sistemas digitais consegue a guarda do seu filho na experimentais que relacionam, de Justiça. Desesperado, ele se envolve em formas diversas, a ideia de “gambiarra um acidente de trânsito e mata um tecnológica”. São 24 artistas que homem. No meio disso, conhece uma pegam materiais reciclados do jovem que mora num hotel decadente no cotidiano e juntam com tecnologias centro da cidade, e finge ser muda. Nos eletrônicas de maior ou menor grau de cinemas das principais capitais até sofisticação. Dessa forma, articulam quando tiver público. Portanto, temas como a utilização de eletrônica compareçam!

DEZ/JAN_10_Página 22 Clima&economia gisele neuls e gustavo faleiros Jornalistas especializados em meio ambiente

o fundador da organização não implementado para beneficiar comunidades existe uma grande chance de que pequenos proprietários de terra, qualquer solução A fusão entre clima governamental Global Witness, Patrick Alley, pobres e de fato atingir o objetivo de reduzir proprietários de terra não sejam os maiores terá de prover algum tipo de compensação definiu bem o status do Redd: “É a melhor as emissões causadas pelo desmatamento. beneficiários da compensação. Um estudo por suas perdas”, explicou o autor principal e biodiversidade oportunidade já vista para direcionar Um dos trabalhos tem sido desenvolvido do Centro Internacional de Pesquisa do estudo, Sven Wunder. Interromper de recursos para a floresta”, disse. Por outro pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Florestal (Cifor) feito no Brasil indica que, na fato o desmatamento significaria pagar aos O Redd avança usando a lógica de compensar o custo de lado, a possibilidade de que milhões de Amazônia (Imazon) e o Instituto Centro de Amazônia, o mais provável é que grandes seus principais causadores valores oportunidade do desmatamento. Um dos riscos é favorecer dólares comecem a fluir para nações em Vida (ICV), em parceria com o World fazendeiros, mesmo os que já vêm semelhantes aos lucros obtidos com a desenvolvimento fez com que ele Resources Institute (WRI). Um bom projeto, desmatando há anos, sejam aqueles com derrubada da mata. O custo de grandes proprietários rurais em detrimento dos pequenos levantasse questões importantes sobre a segundo sua metodologia, necessita maior potencial de ganhar dinheiro. A oportunidade na floresta brasileira significa m decorrência do formato das decisões é hoje a proposta mais concreta para se capacidade de gerenciar com transparência respeitar questões como posse de terra, explicação está na lógica de compensação equiparar o valor do carbono em um Etomadas em 1992 na Cúpula da Terra no compensar a floresta em pé. os projetos florestais. “Estamos falando de monitoramento e distribuição de recursos. do custo de oportunidade que existe no hectare aos ganhos obtidos com a Rio de Janeiro, a proteção da biodiversidade Muitos ambientalistas veem com países como Brasil e Camboja, que têm Talvez o ponto sobre como dividir os Redd. “Quando 80% de um problema pecuária ou a soja, a madeira ou outro e o combate ao aquecimento global são ressalvas a estratégia de calcular o valor longo histórico de corrupção no manejo de benefícios seja o mais delicado. Isso porque ambiental é causado por grandes produto que gere desmatamento. (GF) temas que não se misturam na agenda das das florestas com o uso do preço de suas florestas”, alertou ele, na ocasião. Nações Unidas. No entanto, o mercado de carbono. O pesquisador de De acordo com estudo comissionado desmatamento de florestas tropicais, por primatas Ian Redmond, por exemplo, tem pelo governo britânico em 2008 a um time Corte de subsídios pode reduzir emissões nos EUA ser uma fonte relevante nas emissões de dito em diversas conferências que as liderado pelo empresário Johan Eliasch, uma ortar subsídios diretos e indiretos ajudaria os EUA a reduzir suas “Tesoura verde”: áreas prioritárias gases de efeito estufa, tem colocado essas florestas são muito mais do que carbono. quantia de US$ 27 bilhões poderia ser Cemissões de CO² e, ainda, a enfrentar sua dívida pública de US$ para cortes no orçamento duas dimensões da questão ambiental no “Uma floresta cheia de grandes árvores investida anualmente até 2020 em 13,1 trilhões. É o que sugere o relatório Green Scissors 2010, mesmo tabuleiro. Essa fusão tem sido pode parecer saudável, mas ela estará esquemas de redução de emissões por produzido pela Amigos da Terra Internacional e mais três Agricultura e Projetos de Atividades Setor Energia Biocombustíveis em terras acelerada pela busca de instrumentos condenada a morrer se não houver vida sob desmatamento, dos quais possivelmente organizações americanas. O documento aponta quatro áreas infraestrutura públicas* econômicos que permitam conservação da o dossel, pois são os animais que ajudam a um terço seria obtido no mercado de prioritárias para cortes no orçamento do período de 2011-2015 que 46,4 48,4 natureza com geração de renda. polinizar as plantas.” Por essa razão, nas carbono. Esse investimento permitiria cortar poderiam representar uma economia de até US$ 200 bilhões e 31,2 27, 8 O mais conhecido é o Redd-plus, sigla negociações de Redd que ocorrem na ONU, pela metade o desmatamento de florestas incluem subsídios como o Oil Pollution Act, de 1990, que limita a US$ bilhões 19,2 17, 3 9,7 para Redução de Emissões por algumas ONGs têm advogado a inclusão de tropicais ao redor do globo. responsabilidade da indústria para acidentes de perfuração em alto- 5,8 Desmatamento e Degradação (o plus salvaguardas para proteção da fauna, como Desde a conversa com Patrick Alley, mar, como o da BP no Golfo do México em abril deste ano. O estudo

Que têm inclui conservação da natureza e a proibição de caça nos projetos aprovados. muita coisa aconteceu no desenvolvimento reconhece que a proposta necessita de muita vontade política para Carvão Nuclear Óleo e gás Agronegócio Rodoviários reflorestamento). Embora dependa ainda Outra grande preocupação diz respeito de estratégias da chamada “governança ser posta em prática, mas pequenos passos foram dados. No ano Biocombustíveis desperdício de água de uma série de decisões a serem à corrupção. Há cerca de dois anos, em uma florestal”. ONGs do mundo inteiro passado, o governo cancelou um programa de reprocessamento de

tomadas pela ONU, o conceito por trás do conversa durante a Conferência sobre começaram a desenvolver metodologia de lixo nuclear que custaria US$ 500 bilhões. Acesse o estudo completo * Atividades como pastoreio, extração de minérios e madeira instrumento já está estabelecido. O Redd Mudança Climática, em Poznan, na Polônia, como um projeto de Redd deve ser em www.greenscissors.com. (GN) Obs.: Os valores são o potencial de corte somando-se um conjunto variado de subsídios e programas

ENTREVISTA Craig Hanson

novo levantamento feito pelo World reaproveitadas? Primeiro identificamos Príncipe para Florestas Tropicais já estava obter concessões sobre as terras não são Terras degradadas em jogo Resources Institute em parceria com a terras que estavam degradadas, o que de pé e apontando que a expansão agrícola claros. Por exemplo, algumas terras studo do World Resources Institute Universidade de South Dakota. A análise envolveu uma análise do total de carbono é o principal vetor de desmatamento nos degradadas na Indonésia que poderiam ser Eaponta 1 bilhão de áreas que podem sugere que existe cerca de 1 bilhão de na paisagem e nos estoques de trópicos. Nós então nos encontramos (com usadas para óleo de palma estão ser reaproveitadas pela agricultura terras degradadas ao redor do mundo e que biodiversidade. Depois aplicamos uma série os executores do projeto) e decidimos classificadas como florestas do Estado. elas poderiam ser restauradas como forma de critérios. São eles: adequação biofísica, colaborar, olhando especificamente para o Então, em alguns casos, o zoneamento Sabe-se que mudanças no uso da terra, de quebrar o dilema comida versus viabilidade econômica, aceitação social e potencial de restaurar terras degradadas necessita ser refeito para permitir como desmatamento e queimadas, são uma florestas. (Mais em www.wri.org/ disponibilidade legal. para o uso agrícola como um meio de atividades nas áreas degradadas. das principais causas de emissões de stories/2009/12/new-hope-restoring-forest- Como a iniciativa foi criada e como reduzir a pressão sobre as florestas. Como o Brasil poderia utilizar terras gases-estufa. Lidar com o problema, landscapes) ganhou o apoio do príncipe de Gales? O Que tipo de incentivo financeiro ou degradadas de forma economicamente entretanto, tem-se provado difícil. Uma das O projeto, encampado pelo príncipe Word Resources Institute estava político está faltando para a restauração viável? Pelo que sei, existe muita conversa razões é a disputa por terras para a Charles, foi lançado oficialmente em concentrado em utilizar terras degradadas em larga escala dessas terras? Uma sobre “terras degradadas” no Brasil e uma produção alimentar. Como produzir comida novembro durante um evento em Londres. (especialmente a savana alang-alang na questão é que as companhias não sabem variedade de números flutuando sobre pressão sobre as florestas brasileiras. O para uma população mundial em Para saber mais, conversamos com Craig Indonésia) para a expansão de óleo de exatamente onde essas terras estão. Assim, quanta terra degradada está disponível. Brasil pode ter comida e florestas ao crescimento e ao mesmo tempo conservar Hanson, um dos coordenadores da análise: palma (em vez de a cultura se desenvolver consideramos muito importantes a análise Recuperar essas áreas e colocá-las de mesmo tempo. E é claro que algumas das as áreas com vegetação natural? Qual foi a metodologia para calcular o desmatando florestas nativas). Mais ou e o mapeamento que estamos fazendo. volta para pastagem ou agricultura pode áreas degradadas poderiam voltar a ser Uma das respostas pode estar em um total de áreas degradadas que podem ser menos na mesma época, o Projeto do Outra questão é que os processos para ter um papel importante, aliviando a floresta também. (GF)

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Entrevista GILBERTO GIL p o r Amália Safatle e Ana d’Angelo f o t o s Raul Raichtaler

O Brasil é feitiço

em que saber disso. A rima rítmica na fala de Gilberto Gil está no seu entendimento do que é Brasil. Na leitura do músico, quando José de AnchietaT colocou os índios no colo, em profunda manifestação de afeto, reforçou um traço definidor da nossa sociedade. Traço este que havia começado a se delinear na formação de um reino europeu diferenciado. Pois, enquanto os demais exploradores foram guiados pela ambição material e pela busca de acumulação de riquezas, o projeto de expansão territorial dos portugueses fundamentou-se “no reino do Espírito Santo, no reino da criança, da inocência”. Degredados que aqui deram início à miscigenação eram considerados criminosos porque fugiam da Inquisição, diz Gil nesta entrevista. Assim, o Brasil se fundou no ideário de liberdade e espiritualidade, reavivando o mito de que esta é a terra da promessa, do encantamento, do conto de fadas, dançado nos Carnavais – com todos os problemas que isso também acarreta. Um lugar que, para contragosto de muitos, subverte o modelo clássico europeu e tem nas mãos um pacote estratégico a oferecer a um mundo carente: afeto. Mas que não está condenado a ser alguma coisa, e sim fadado a ser. Lembrando que o fado não é uma rigidez no tempo e no espaço, o fado é uma canção. “O fado é o que a gente faz”, diz o bruxo Gil.

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Na sua opinião, o que melhor a sociedade brasileira tem para pelo Espírito Santo. Anchieta colocava os índios no colo e, Sim. Mas por que, segundo a canção, eles viram e nós não? Por que ação do homem. O fado é o que a gente faz. Não é só aquilo oferecer ao mundo? O que o Brasil produz que faz a diferença? O apesar de minimamente estar submetido aos desígnios colo- não vimos? A gente se autossabota? É porque a gente só se vê a que estamos destinados. Não é o destino. É um caminho Brasil é uma nação que resulta de uma série de coisas particu- nizadores do seu povo europeu, tinha pelos índios um amor... no espelho. A gente só se vê na superfície quieta das águas, ou para o destino. Não é como cair no fundo do poço de Alice lares, próprias, de que outros povos não resultaram. Isso para Foi ele quem insistiu e conseguiu que a Corte Portuguesa no espelho no sentido mais moderno do termo, essa superfície no País das Maravilhas, e sermos jogados no lugar. Nós temos tratar do Brasil que depois leva este nome e se torna a nação não escravizasse os índios. Então essas coisas estão na origem lisa na parede que reflete nossa imagem. Quem vê a gente por de caminhar até esse lugar. É um progresso, um processo, um configurada neste território, com presença dessas múltiplas brasileira. Foi ele quem colocou os instrumentos, os violões, inteiro são os outros, são os de fora. A gente só vê uma parte caminhar. Portanto, a tomada de consciência em relação a isso vertentes étnicas. A ameríndia estava aqui já, o português as guitarras, as flautas na mão dos índios. Essa musicalidade da gente, a mão... A gente não vê nossas costas. Não vê o que é profundamente importante. Nós só vamos caminhar numa que chega, o africano que é trazido depois. A formação da extraordinária brasileira tem embrião nesses primeiros momen- está por trás... A gente só se vê parcialmente. Quem pode ver direção se soubermos qual é essa direção, se tivermos olhos sociedade brasileira, e depois o Estado brasileiro: primeiro o tos. São ingredientes que podem configurar a construção de um a gente mais inteiramente é o outro, então a canção é sobre voltados para vê-la, identificá-la, e construir o caminho que Estado monárquico, depois o imperial, depois o republicano “pacote estratégico brasileiro”, que pode servir não só para nós, isso: como os outros viram o Brasil. (Acesse em www.youtube. leva até ela. Essa é a questão brasileira. Não é uma condenação. e, em meio a tudo isso, a sociedade foi marcando seu dia a para nos relacionarmos com altivez e grandeza com o resto do com/watch?v=hsk0I73RcsY) O brasileiro não está condenado a ser alguma coisa. Ele está dia dentro dessas possibilidades de configuração e com todos mundo, mas também para sermos elemento importante para fadado a ser alguma coisa. esses elementos. O português chegando aqui, começando a essas outras culturas do mundo. Para ensinarmos, para sermos E como viram? Como um lugar da promessa. Porque esse nome miscigenação com os índios, depois com os africanos e criando exemplo, referência a um mundo que está ficando muito com- Brasil vem da raiz celta bras, que significa “terra encantada”. Um dos problemas do Brasil e da América Latina é a corrupção? A essa nação mestiça, mameluca, cabocla... plexo, está ficando muito confuso, está ficando muito célere, Quer dizer, já antes da descoberta pelos portugueses, o Brasil corrupção é um problema da América Latina? Não, a corrupção em que a formação de conflitos novos é exponencial. Portanto, aparecia nos mapas medievais como uma terra da promessa. Ao é um problema da humanidade. Há sistemas de relacionamento Então é a diversidade que faz a diferença? A diversidade existe têm valor estratégico humanidades que possam desenvolver longo da História, foi havendo uma reiteração dessa imagem, social que facilitam, propiciam – uns mais do que outros –, em qualquer lugar. A diversidade capacidade de afeto, de concórdia, de dessa visão, primeiro por causa dos ín- a corrupção. Há sistemas jurídicos brasileira é esta. É diferente da diver- compreensão mútua, de fruição, de dios levados para as cortes europeias, e sistemas econômicos que facilitam sidade americana, é diferente da Eu- Por acaso, o Brasil é um entendimento mais profundo de sua como exemplo de um ser humano A gente só se vê na mais ou menos a corrupção. Mas a ropa gaulesa, que é outra, da Europa relação com a natureza, de pertenci- íntegro, inocente, completo, pleno, corrupção hoje em dia, nesse sistema escandinava, que é outra, da Europa dos povos que mais podem mento à natureza – e, portanto, de belo. E depois toda a criação artística superfície quieta das águas. que está aí, que foi autorizando cada eslava, que é outra, das Áfricas várias, contribuir para a perspectiva respeito à natureza –, de integração de brasileira, o Carnaval, todas essas Não vê nossas costas. Não vê vez mais a exploração de uns por que são várias, da América Latina, que necessidades materiais com profunda coisas que foram “sendo saídas” de um outros, a imposição de poder de uns é outra configuração, com a vertente futura da humanidade (pautada capacidade de reverenciar o espírito. encantamento, de um conto de fadas. o que está por trás. Quem vê a sobre outros, surge por decorrência espanhola que se mistura a povos pela ideia do bem viver) São questões estratégicas para a huma- Então o Brasil está fadado um pouco gente por inteiro é o outro da própria falência natural que os andinos... Então a brasileira é a sua, nidade, vendo aí não mais a estratégia a essa coisa, embora muita gente lute sistemas vão sofrendo. A falência dos a que foi “conscrita” neste território, parcial da nação contra outra nação, contra, porque queria uma inserção controles, dos princípios. Toda vez que com esses povos que fizeram o Brasil com essas expressões não de um território contra outro território, e, sim, estratégia do Brasil em um modelo clássico, em um modelo ocidental se quer escorregar para infringir uma norma, a corrupção é culturais desenvolvidas aqui. Brasil é Brasil, não é a Argentina de vida para a humanidade no planeta. europeu, que está justamente na cisão do processo civilizatório uma das formas. E não é uma questão brasileira. nem a Inglaterra. É o Brasil. gestado na Europa. Gestado ali exatamente no início, quando Podemos considerar isso como o que há de mais moderno, no os Cruzados vêm, uns para criar os reinos europeus montados Qual é a questão brasileira? Não há uma. A questão brasileira é Este Fórum Internacional Geopolítica da Cultura e da Tecnologia sentido de estar na ponta, estar na frente? Se houvesse um radar na ambição material, na ideia de mais conquistas de territórios sermos o que somos no dia a dia transformador. Transformar- (ocorrido em São Paulo em meados de novembro), cuja curadoria de inovação no globo, ele apontaria essas características como a e produção de riquezas, de acumulação etc. etc., e outros, no mo-nos do que somos no que seremos e no que não seremos. teve sua colaboração, fala em transformar nossa singularidade “modernidade” que temos a oferecer? É isso o que a Terra está projeto de ocupação dos portugueses, fundamentados no reino É essa a atuação permanente da vida sobre nós e de nós sobre em um valor estratégico que beneficie quem a inventou – o povo. dizendo no modo mais atual, mais contemporâneo de entender do Espírito Santo, no reino da criança, da inocência. Essas coi- a vida. O Brasil não precisa desenhar destinos e nem nada Que características estão aptas a ser transformadas em valor a vida. Bem viver. Produção de futuro. Como produzir futuros sas são distintas na origem e o brasileiro não tem conhecimento disso, não... Basta viver e pautar esse viver pela ideia do bem, estratégico real nesse reposicionamento do mundo, nessa nova desejáveis e sustentáveis, como produzir sociedades humanas dessas suas origens. Até rejeita um pouco a origem portuguesa, do bem viver. Cada vez entender melhor, coletivamente, o que geopolítica? A vocação para uma configuração de uma comu- mais integradas, como produzir sociedades humanas que vivam a coisa dos degredados. Mas quem eram os degredados? Quem é bem viver, o que é produzir a sua continuidade da maneira nidade mais integrada. Mais integrada a partir de elementos compartilhamentos mais efetivos de tudo, de riqueza material, eram esses criminosos? Eram criminosos porque estavam mais amena possível. É criar bem-estar! fortes da espiritualidade, da fantasia, de uma subjetividade de riqueza simbólica. É assim que a Terra vê o seu futuro, não é fugindo da Inquisição, porque professavam a fé no Espírito criativa, “celebracional”, mestiça em vários sentidos, com a o Brasil (risos). Por acaso, coincide que o Brasil é um dos povos Santo, na chegada de um outro reino, na beleza da bondade e Nós temos alguns caminhos aí, como a indústria criativa. Es- preferência pela efusividade, pela alegria, enfim, pela solução hoje em dia que mais podem contribuir para essa perspectiva da verdade. O Brasil está nessas origens, enquanto a América távamos falando de diversidade cultural. Temos também uma afetiva de conflitos, gentil, cordial. futura da humanidade, porque ele já vem, desde sua formação, do Norte e outras áreas da expansão europeia pelo mundo com diversidade biológica muito grande. São grandes riquezas, mas consolidando essa nova matriz de vida social. a colonização estavam fundadas em outros pressupostos. curiosamente a economia brasileira não vive disso. Por que será? Que ao mesmo tempo tem uma violência... Tem. Nada é só bom. Em que medida o Brasil será capaz de se desgarrar dessa mono- Mas a gente está falando dessas características configuradas Naquela sua canção com o Jorge Mautner, Outros Virão (sic)... Isso que chamamos de fundação, esses traços fundadores que cultura mundial, em que vemos o utilitarismo, a produtividade num território, numa população mestiça, falando uma língua Outros Viram. parecem tão definidores, faz com estejamos fadados a repetir vista sob um certo aspecto enviesado e a prevalência do poder trazida da Europa, mas ao mesmo tempo trazida por um povo para sempre as coisas boas e também as ruins, como desigual- do mais forte, o “privilegiamento” dessa hierarquização, dessa europeu muito distinto dos outros povos, quer dizer, com am- Sim, desculpe. Mas pode ser Outros Virão, nesse sentido que dade, preconceito etc? O fado é uma canção, o fado não é forma de aceitar o primado do mais forte sobre o mais fraco? bições diferenciadas em relação aos espanhóis, aos ingleses, aos nós estamos falando aqui. Mas ali é o oposto, é outros viram uma rigidez no tempo e no espaço. O fado é dinâmico, ele A questão é se o Brasil será capaz de sair disso para realmente franceses. Os descobrimentos portugueses estavam inspirados essa coisa no Brasil. continua submetido à dinâmica da passagem do tempo e da produzir uma sociedade de mais igualdade e fraternidade, mais

DEZ/JAN_18_Página 22 DEZ/JAN_19_Página 22 entrevista_GILBERTO GIL Coluna DANIELA GOMES PINTO Pesquisadora do GVces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London School of Economics and Political Science fundada em princípios que são enunciados, anunciados, mas de expectativa positiva em relação ao Brasil tinha muito de muito pouco perseguidos verdadeiramente pelo conjunto da modelos anteriores que se buscava repetir, dimensões utópicas No meu tempo de faculdade, o preconceito humanidade. A questão é se o Brasil será capaz – e possivelmen- já consagradas, que se gostaria de ver realizadas, manifestadas. era tratado de uma forma bastante peculiar. te não poderá fazer isso sozinho – de juntar outros povos do Tinha muito de um sonho da Europa frustrada por não ter sido Ao contrário do mundo politicamente correto mundo nessa proposta. Quer dizer, vamos caminhar mesmo? aquilo que ela própria quis ser. A Revolução Francesa que ficou aqui de fora, no curso de Geologia o que cada Vamos ter o caminho do nosso destino? Isso é o nosso fazer. pelo caminho, a Revolução Americana que ficou pelo caminho, um tinha de diferente não era tratado com O fato de estarmos discutindo isso, procurando compreender as revoluções todas outras que ficaram pelo caminho. E, de o cuidado cirúrgico dos dias de hoje, mas possibilidades agora de fazermos isso já é um sinal de que repente, a gente quer outra dimensão messiânica, alguém que escancarado. Lá, todo mundo era conhecido estamos querendo caminhar nessa direção. Por que vocês que seja o restaurador, o salvador. E chega uma hora em que o não pelo nome, mas por apelido. É narigudo? produzem e publicam informação estão querendo saber disso? mundo também começa a querer ver o Brasil sob essa ótica. Tamanduá. Tem perna comprida? Seriema. É Por alguma razão. Porque percebem que se quer saber disso. E talvez não, possivelmente o Brasil não será nada disso e é pálida e esquálida? Mortiça. É negro? Feijoada. Percebem que o Brasil e o mundo cada vez mais querem saber desejável que não seja exatamente isso. É desejável que seja Usa aparelho? Fepasa. É velho? Brotinho. disso. É sinal de um sinal que está por aí. Sinal de que está no uma coisa nova, desconhecida, a ser construída. Nesse senti- Hoje, talvez isso fosse considerado bullying e radar, usando a expressão que você colocou. do, acho que essa expectativa cresce, mas com uma qualidade seríamos obrigados, por liminares judiciais, a instrutiva, quer dizer: cada vez mais o mundo todo espera do nos chamar de Leonardo, Daniela, Marcelo. Há seis anos, metade do primeiro mandato do presidente Lula, eu Brasil, mas cada vez mais se espera uma coisa que não se sabe Não sei se nossos apelidos prejudicavam (Ana d’Angelo) o entrevistei como ministro da Cultura e convida- o que é (risos). Isso vai proporcionando capacidade de diálo- nossa identidade, nos desrespeitavam, do do Fórum Mundial das Culturas, em go, de conversa, de entendimento, de Mais amor, por favor feriam nossos direitos individuais. (Não sou Barcelona. Interessante lembrar disso, afetividade, atratividade. O Brasil vai Na luta contra o preconceito, ser politicamente correto cientista social ou antropóloga, sou geóloga). porque naquela época o País entrava Apesar de as sociedades se tornando atraente e vai atraindo Mas, para mim, aquilo foi o começo de uma na moda na Europa, havia um clima de também... talvez mais atrapalhe do que ajude grande experiência de reconhecimento e otimismo, não se falava em crise. Havia não saberem para onde querem respeito ao diferente, ao outro. Ao escancarar quase uma reverência para com o Brasil. andar, o governo precisa ter Quando se sabe muito bem o que se quer eu filho estuda em uma escola cheia das crianças uma história cujo protagonista nossas peculiaridades, nos desprendíamos de pais como eu – classe média alta, é negro. (Da série Respostas Cretinas Para de nossos preconceitos pelo avesso. Nunca E hoje, seis anos depois? Acho que isso não se tem inovação, certo? Não tem! M meio intelectual, meio de esquerda, hippie- Perguntas Imbecis). Do outro lado da sala, vi um curso tão diverso, com pessoas tão aumentou muito no mundo. Evidente- uma capacidade de leitura Então é assim, feitiço. O Brasil é feitiço, chique, conscientes dos problemas globais, uma mãe insistiu: “Concordo que o tema é diferentes, de várias partes do país, de várias mente que toda essa atitude reverente dos desejos ocultos tem que saber disso... preocupados com a desigualdade social. Todo bem delicado, pois minha filha nunca tinha classes sociais, raças, crenças e opções mundo ali é bem-intencionado, quer melhorar falado nada sobre a faxineira, até que outro sexuais, estreitarem laços e conviverem tão E no governo Dilma, alguma possibilida- o país e o mundo, tem um trabalho descolado, dia ela falou na frente da moça: ‘Olha!, você intensamente. Nomeando nossas diferenças, de política? Para mim, não. Não quero mais, não. usa crocs e tem pele bonita. é marrom!’” A mãe ficou constrangida: “Não chegávamos a algum estranho campo de Claro que a escola é construtivista, sei nem por que ela falou isso, pois a moça aceitação sobre elas. Já teve a experiência... Já e não quero, não me sinto capacitado. nem precisava dizer. Pois o tema de estudo nem negra é... ela é mulata... na verdade, nem Não ouso recomendar a técnica de O político tem de trabalhar com exiguidades muito precisas. deste ano é África. As crianças estão sendo mulata ela é... ela é assim, como vou dizer...” apelidamento cruel para toda a sociedade, nem Um senso muito preciso de impossibilidades, de limites, de apresentadas ao continente por meio de um Enquanto ela buscava, sem sucesso, a palavra a reprodução do Mussum em horário nobre. redução de horizontes etc. livro infantil que conta a história de um menino correta, um pai perguntou, maroto: “...ela é Mas é nítido o desajeito das pessoas com o no Chade. Meu filho já chegou em casa com marrom?” A turma riu e a reunião acabou. tema do preconceito. Ainda não sabemos É o oposto da arte, não é? É o oposto da arte. carro feito de latinha. Outro dia me trouxe um Realmente, o tema é difícil. O mundo vem lidar com o assunto. Talvez a gente só consiga colar de estopa, muito colorido e bonito. mudando quanto a isso, mas às vezes tenho testar verdadeiramente nossos preconceitos Além disso, o orçamento da Cultura diante dos outros ministérios é Na última reunião de pais, a professora dúvidas se a onda politicamente correta mais quando tivermos efetivamente diversidade de chorar... Também é muito pequeno. Com toda a gritaria que mostrou o livrinho, página por página, para atrapalha que ajuda. social, racial e sexual. Somente quando a a gente fez, a gente não conseguiu chegar a níveis razoáveis de nós, pais, conhecermos um pouco o que escola do meu filho tiver mais, muito mais recursos. Mas estamos aí para ajudar. Acho que a parceria dos nossos filhos andam fazendo enquanto a Preconceitis meninos negros e marrons, é que poderemos governos com a sociedade é algo cada vez mais importante, no gente trabalha para melhorar o país e o mundo. Quando era criança, um dos meus ídolos verdadeiramente julgar a dificuldade daquela sentido de que os governos entendam que as sociedades preci- Lá pelas tantas, uma mãe muito consciente era o Mussum, dos Trapalhões. Não perdia um mãe perante a constatação da filha. sam andar. Apesar de as sociedades não saberem para onde, o e preocupada com a humanidade atentou episódio, nas velhas tardes de domingo na Uma coisa é clara: o preconceito não governo tem de ter um pouco dessa capacidade interpretativa, para o cuidado que é preciso ter ao tratar Globo. Outro dia fui rever, no YouTube, algumas vai conseguir ser superado apenas com leis de leitura dos desejos ocultos. Espero que o governo da Dilma de tema tão delicado: “Como a escola está cenas clássicas do humorista que eu mais ou regras sociais impostas pela bandeira e tantos outros governos no mundo tenham essa capacidade lidando com a questão do preconceito racial, amei na infância, e fiquei perplexa. O Mussum do politicamente correto. O convívio com o de entender essa relação profunda com o desconhecido, essa considerando que nossos filhos não convivem simplesmente não existiria hoje em dia. Um diferente não pode ser um casamento por relação respeitosa com o desconhecido para que ele seja fonte – infelizmente – com crianças de cor negra?” personagem negro, bêbado e que falava conveniência. Ele precisa ser um casamento de instrução para o conhecido, para a busca do conhecimento. A coordenadora, com uma paciência errado, fazendo apologias semanais ao álcool por amor. Amor ao próximo. Teoria de Espero que esse espírito, essa visão, esteja – se possível – em de dar inveja a Jó, respondeu que o tema é no programa infantil mais famoso da televisão botequim: na Geologia, éramos cruéis uns com todos os governos do mundo. tratado justamente trazendo para o dia a dia brasileira. Definitivamente, o mundo mudou. os outros, mas nos amávamos. Já ajuda.

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O avesso do avesso

do avesso do avesso

Combinar a espontaneidade dos afetos com a civilidade ética parece ser o grande desafio brasileiro. É das dinâmicas populares que esse outro modelo pode emergir, subvertendo ideias eurocêntricas de modernidade e atraso p o r Amália Safatle # Co l a b o r o u Ana d’Angelo # Fo t o s Milena Mendes

bre a cortina do passado e mostra a tua cara! Esquentai vossos pandeiros e iluminai os terreiros! Grande pátria desimportante, isto aqui, ô ô, é um pouquinho de Brasil, iá iá. Eu fui à Penha e pedi à Padroeira para me ajudar. Será que ela vai continuar uma tradição? Será que ela quer modificar uma geração? Lá vem ela! 2000! AO Brasil que vem lá é 2011. Nesta nova década, sob novo mandato de governo, o Neste ensaio intitulado País em relativa transformação depara-se com as armadilhas que os próprios conceitos Herméticos, a fotógrafa Milena Mendes retrata seres de modernidade e atraso encerram. Que cara vai mostrar? Que novidade vem trazer? que causam estranheza, incômodo e curiosidade. "O Qualquer mergulho na discussão sobre identidade nacional em uma sociedade cultu- que me interessa é questionar o indivíduo e as ralmente múltipla como a brasileira é como ser navegado pelo mar, sem cabelos que a relações pessoais na gente possa agarrar. [1] sociedade contemporânea", diz Milena. A escolha do trabalho para ilustrar a reportagem tem o intuito de Os dois primeiros parágrafos contêm trechos adaptados das letras Isto aqui, o que é? (Ary Barroso), Brasil provocar essas sensações. 1Pandeiro (Assis Valente), Brasil (Cazuza, Nilo Romero e George Israel), Miss Brasil 2000 (Rita Lee e Lee Pois o reconhecimento da Marcucci) e Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho). No título, Sampa (Caetano Veloso). identidade, longe de ser fácil, é um instigante processo

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Mas vale o esforço de aqui buscar a identificação. Ao menos, embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia descobrimos a importância da identidade: sem ela, perde-se a Até que ponto a da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), teme cantar-se noção de pertencimento e se deixa de se sentir como uma parte vitória antes do tempo. Ele lembra que a Conferência das Nações de um todo. “Identidade não são laços que prendem ou cerceiam, melhoria econômica Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), da qual foi mas, sim, elos e pontes que unem”, explica a escritora e doutora secretário-geral, só considera êxito econômico o de países que em História Márcia Camargos. O que torna um povo coeso, já contribui para o crescem ininterruptamente, a taxas robustas, por dez, quinze diziam outros autores, é tudo o que ele recorda e comemora em anos ou mais. É o caso de países asiáticos e, na América Latina, conjunto. Sem valores ou referências para lembrar, o indivíduo progresso humano? apenas do Chile. nada tem a perder – e nem a ganhar. Identidade faz com que o O risco é ainda maior quando vem um elemento adicional, que outro seja importante para você, e você para o outro. é a expectativa de ganhos com o pré-sal, avalia A maldição significa que a “Quanto mais certo de sua identidade – quem é, onde está e a A civilidade Giannetti. “A ‘maldição do petróleo’ existe, é só riqueza trazida pelo petróleo acaba por que pertence, – menor a possibilidade de se sentir ameaçado pelo Mas esse brasileirismo tem o seu lado B, pondera Giannetti. cair na mão de um governo populista que queira desestimular o desenvolvimento de que é diferente.” Márcia diz isso especialmente tocada após uma É justamente a preponderância do vínculo pessoal e afetivo que usá-lo para se perpetuar no poder”, afirma. um país ou região rápida passagem por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. torna as leis no Brasil tão frágeis na prática. Por isso ele considera Um lugar que ela interpreta como erigido sem qualquer como grande utopia brasileira preservar o vigor dos afetos e essa A transformação dos traços noção de pertencimento. Que ergueu uma enormidade de espontaneidade do sentimento e da cordialidade – no sentido O segundo questionamento a que se refere Ricupero é saber monumentos artificiais à riqueza, ao mesmo tempo que des- original desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda –, ao mes- até que ponto as melhorias no âmbito econômico e material são prezava saberes ancestrais árabes, beduínos. Tenta ser palatável mo tempo que se alcança um padrão razoavelmente civilizado de capazes de contribuir para transformações efetivas na sociedade, ao Ocidente, hipervalorizando os aspectos mais epidérmicos, convivência, baseado em normas, leis, e respeito de base ética. no que se refere a valores humanos, em oposição a um terrível superficiais, e não pelo respeito a valores humanos. Ela relata, – Freud dizia que a civilização acarreta o mal-estar. O risco traço fundador, que foi a exploração da colônia sob os auspícios por exemplo, que os trabalhadores estrangeiros atraídos pelos do Brasil é ficar com o mal-estar e sem a civilização, ou seja, da escravidão. empregos em Dubai têm ordem expressa de deixar o emirado perdem-se a inocência e o vigor e não se obtém a prosperidade. – Essa é a nossa verdadeira herança maldita. O Brasil foi, por assim que são demitidos. Não se aceita a presença de desem- Mas acho que estamos nos salvando de combinar o pior dos dois excelência, o país da escravidão, chocando-se com os valores da pregados. E as mulheres ainda são perseguidas dentro de uma Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor de pós-graduação em mundos – diz Giannetti. época e com os próprios ideais de pregação dos jesuítas – diz visão estreita do islamismo. [2] Geografia da Universidade Federal Fluminense, e autor do livro As razões para acreditar nisso são de que o Brasil, segundo ele, o embaixador. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. está vivendo um momento de grande confiança em relação a Assim, o Brasil do afeto era o mesmo das chibatadas, Para o Leia crônica de Márcia Camargos sobre Dubai em http://cartamaior.com.br/ Gilberto Gil, em entrevista nesta edição, fala de um José seu futuro, como há muito tempo não se via: o País passou historiador, o fundando, quem sabe aí, o contraditório que veio caracteri- 2templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4878 homem cordial é de Anchieta que amou o diferente e colocou os índios no relativamente bem por uma forte crise financeira mundial, aquele que se move zar tão fortemente este país desde o começo da sua história. fundamentalmente colo, em um momento fundador da sociedade brasileira. A com redução da desigualdade e melhoria real do emprego pela paixão do O Brasil é o homem que tem sede/ Ou o que vive da seca coração (do latim Ao cruzar as ruas que separam os edifícios climatizados de colunista Daniela Gomes Pinto, na página 21, discorre sobre e da renda. A participação do cidadão nas urnas também é cordis), ou seja, no sertão?/ Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo/ O abraça tanto a doçura Dubai, Márcia reparou na areia do deserto que escapava pelas a turma de faculdade que escancarava suas diferenças pessoais crescente, fortalecendo, de certa forma, a democracia. como a raiva – como que vai é o que vem na contramão? (A Cara do Brasil, de atenta Porto- frestas do asfalto, como se tentasse, grão por grão, devolver e se curtia assim. Isso gera dois questionamentos. O primeiro é o risco Gonçalves. Assim, a Vicente Barreto e Celso Viáfora) violência do nosso algum traço de identidade àquele lugar. Secretamente, ela torce Quando veio morar no Brasil, a professora nascida na Suíça de que as recentes conquistas levem a uma complacência, cotidiano tem muito a Em razão disso, a luta contra a desigualdade precisa para que a areia um dia cubra o que considera uma excrescência Liv Sovik, da Escola de Comunicação da Universidade Federal uma fé cega de que tudo, a partir de agora, vai se resolver. O ver com isso ser o grande valor a ser trabalhado pelo brasileiro, na da civilização. Será Dubai apenas uma caricatura dos tempos do Rio de Janeiro, ficou admirada com a expansividade, com ocidentais modernos? a capacidade comunicativa e afetiva dos brasileiros em geral. “Quando se gosta, há um entusiasmo, uma entrega. O brasileiro O afeto se conecta mesmo com seu interlocutor.” Para ela, o preconceito Tolerante? Feliz? Confiável? Cultivar mais o laço empregatício do que o humano, definin- e o racismo que aqui se manifestam com força denotam, ainda Volta e meia o noticiário relata casos de apenas 25% consideram o brasileiro feliz. observa de fora. E vendo as condições do as pessoas pela função e utilidade, não é uma exclusividade que pelo lado ruim, uma consciência da presença do outro, em preconceito e intolerância – de jovens Eduardo Giannetti da Fonseca passou a objetivas em que a pessoa vive – de lá. Nas regiões Sul e Sudeste brasileiras, o nordestino também vez de simplesmente ignorá-lo. “Aqui, é impossível sair de casa agredidos por homofobia em plena se perguntar qual é a verdade. No caso moradia, emprego, transporte público, costuma ser bem-vindo enquanto mão de obra barata. O mesmo sem interagir de alguma forma com alguém”, observa Liv. Avenida Paulista à estudante de Direito da felicidade, interpretou três cenários: segurança – deduz que, daquele jeito, a vale para imigrantes árabes, turcos, africanos e indianos em Partilhe-se ou não dessa opinião, o jeito caloroso do brasileiro que tuitou mensagens conclamando ou a pessoa está errada no que diz pessoa não pode ser feliz. muitos países europeus, em manifestações de maior ou menor é visto como uma grande contribuição para um mundo que morte aos nordestinos. Interessante sobre ela e certa no que diz sobre os Já no caso do racismo, Giannetti grau da xenofobia, do preconceito, da intolerância. (mais em corre o risco de estabelecer relações frias, impessoais, guiadas que, no Brasil, 98% da população não se outros, ou o contrário, ou está usando considera que se trata de autoengano. quadro na página ao lado) pela assepsia do politicamente correto. considera racista. Mas, quando se indaga critérios diferentes para falar de si e “Você tem olhos de lince para a – Respeitem meus cabelos, brancos – pede o compositor parai- Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, apesar de à mesma amostra se há racismo no para falar de outros. “Tendo a acreditar sociedade, mas não é capaz de detectar bano Chico César, que fez esta música em defesa das particularida- toda a precariedade material e das condições objetivas de vida, as Brasil, mais de 90% respondem que sim. na terceira hipótese.” o mesmo traço em si mesmo.” E cita des humanas – Se eu quero pixaim, deixa,/ se eu quero assanhar, pessoas no Brasil não se rendem, e preservam uma certa vitalida- Da mesma forma, a maioria não vê aqui Assim, quando pensa em si, o brasileiro François de La Rochefoucauld, filósofo deixa./ Cabelo veio da África,/ junto com meus santos. de e espontaneidade dos afetos. “É o que (o filósofo Jean-Jacques) um ambiente de confiança, mas se julga considera o estado subjetivo, o próprio francês do século XVII: “Cada um Respeito? Tolerância? “Não quero tolerar ninguém. Quero é Rousseau chamava de ‘o doce sentimento da existência’”, diz o confiável. No quesito felicidade, mais sentimento. Mas, quando pensa nos descobre nos outros as mesmas falhas sentir a alegria da diferença. Quero amar o diferente”, provoca professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). de dois terços se julgam felizes, mas outros, considera o objetivo, pois o que os outros descobrem nele.”

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Segundo o visão de Ricupero. Essa luta vem no contexto de quatro Instituto Data Outra Globalização. Lá ele escreveu sobre a potência dos Popular, especializado “ideias-força” que ajudam a definir o que é o progresso em pesquisas de Copiamos um pobres na produção do presente e do futuro, subvertendo a consumo das classes humano: a dos direitos humanos, a do meio ambiente, C, D e E, entre julho ordem hegemônica. Isso porque “os pobres não se entregam”. passado e julho do a da igualdade de gênero, e a do desenvolvimento. “Esta ano que vem 8,7 modelo que leva A cada dia descobrem formas inéditas de trabalho e luta diante milhões de pessoas última o papa Paulo VI definiu muito bem como ‘a pro- no Brasil terão feito a das dificuldades. “Nessa condição de alerta permanente, não sua primeira viagem moção de todos os homens e a promoção do homem de avião as pessoas à têm repouso intelectual. A herança do passado é temperada como um todo’.” pelo sentimento de urgência, essa consciência do novo que é, Na direção dessa busca de integridade, o que a inclusão infelicidade e o também, um motor do conhecimento.” social pelo consumo e pelo assistencialismo – que parece ser a Além do caráter inovador dessa inversão de forças, as dinâ- tônica do próximo mandato presidencial – pode trazer? Após planeta ao colapso micas sociais populares teriam, no Brasil, um valor estratégico décadas de demanda reprimida, as classes sociais mais baixas devido à sua multiplicidade, à sua diversidade, à sua “dinâmica ascendem ao mundo das compras, do transporte aéreo, do da diferença”, para usar uma expressão de Cocco. turismo, enquanto as indigentes superam a linha de miséria. moradia de qualidade? Mas como exigir esse tipo de sacrifício A descrição de uma cena no Rio de Janeiro por uma mulher Para Márcia Camargos, a movimentação econômica, qualquer das classes emergentes, quando as favorecidas há tempos se francesa do século XIX dá elementos para discutir como essas que seja, permite às pessoas adquirirem maior consciência da beneficiam do modelo consumista e individualista? forças “de baixo” são poderosas o suficiente para afetar as “de realidade que as cerca, facilitando o seu processo de transfor- Poder ter ou não um carro, viajar ou não de avião – os dile- cima”. Liv Sovik, da UFRJ, em seus estudos sobre a relação mação em cidadãos que vão reivindicar melhorias na saúde, no mas são desdobramentos de uma questão anterior: o significado do brasileiro com o corpo, deparou-se com o relato de Adèle transporte, na educação, e assim por diante. “Poder de compra do próprio conceito de modernidade e progresso. Toussaint-Samson, que entre 1849 e 1870 morou no Rio e e mobilidade social dão sentido de cidadania.” publicou Uma parisiense no Brasil. Diferenciar consumo de consumismo é, portanto, crucial. Outra proposta Ao escrever sobre as negras Mina (originárias de etnias “Nem tudo o que é consumo e investimento em infraestrutura é Quando pergunto ao professor Porto-Gonçalves sobre mo- Mina do Benin e do Togo, na África Ocidental) – que, orna- ruim”, ressalta José Augusto Pádua, professor do Departamento dernidade e atraso no Brasil, ele atenta para o problema que das dos mais belos enfeites, “acocoravam-se” na Rua Direita de História da UFRJ, lembrando que são elementos importantes a própria pergunta contém. Que referencial de modernidade –, Adèle destila seu racismo, mas com uma ponta de ciúmes, das pernas econômica e social da sustentabilidade. estamos usando? O moderno-desenvolvimentismo europeu de sol. Já na segunda-feira, engravatam o primitivo e retomam contra aquelas negras de “enorme boca de lábios bestiais” que A preocupação é que o consumo resvale facilmente no e estadunidense, que resultou em um modelo fracassado de seu dia a dia “moderno” – observa Porto-Gonçalves. muitos homens estrangeiros achavam belas e por elas faziam consumismo. O geógrafo Milton Santos, em Por Uma Outra bem-estar e de bem viver? De que civilidade estamos falando? O professor logo esclarece não quer virar um Yanomami. loucuras. O que mais chama a atenção de Liv é a admiração Globalização, foi feroz no seu entendimento da expressão. Es- (Ele se lembra do filósofo e sociólogo Theodor Adorno, para Deseja, sim, um modelo capaz de trazer um novo sentido de de Adèle pelo andar desembaraçado e altivo das negras. “O creveu que consumismo e competitividade levam ao emagreci- quem toda civilização é um ato de barbárie.) felicidade, um novo sentido para o bem viver, com justiça que têm de pouco vulgar é o andar. Elas caminham de cabeça mento moral e intelectual da pessoa, à redução da De fato, é um modelo que apartou o homem da natureza, social e justiça ambiental. erguida, o busto muito saliente, a cintura arqueada, os braços Também de personalidade e da visão do mundo, convidando, que se alimentou da exploração predatória dos recursos natu- Talvez isso seja o mais inovador. Não precisamos repetir em equilíbrio, sustentando sua carga de frutas, sempre colocada acordo com o Data Popular, as também, a esquecer a oposição fundamental entre rais – distribuídos de forma absolutamente nem mesmo o modelo das sociedades consideradas mais “evo- sobre a cabeça.” classes C e D já respondiam por a figura do consumidor e a do cidadão, o sujeito desigual –, e colocou o homem a serviço da Segundo a ONU, luídas”. “Quem disse que queremos ser uma Escandinávia?”, Liv buscou entender por que o corpo se tornou para o 72,4% dos estudantes 20% dos mais universitários em esclarecido que cobra melhoras na sociedade. acumulação de riquezas. Há também uma ricos consomem 84% pergunta Giannetti. Ainda mais considerando-se que a abor- brasileiro um elemento de valor, de autoestima, de um estar- 2009. Em 2002, a da matéria e energia participação desses Na sequência, o geógrafo ressalvou que no Bra- desorganização social: a sociedade está basi- transformadas dagem sobre o moderno e o arcaico é imposta pelo modelo no-mundo de forma altiva – o corpo como um domínio, como estratos sociais era anualmente no de 45,3% sil essa oposição entre o consumidor e o cidadão camente dividida entre pessoas desesperadas mundo dominante, como afirma Giuseppe Cocco, professor titular na um território. O gingado das negras, sustenta a professora, foi é menos sentida. Mas isso porque as classes cha- em busca de trabalho para sobreviver e pessoas Escola de Comunicação da UFRJ e autor do livro MundoBraz: de certa forma assimilado pelas mulheres das elites no Brasil, madas superiores, incluindo as médias, foram condicionadas exaustas por trabalhar em excesso. Apesar de toda a evolução o Devir Mundo do Brasil e o Devir Brasil do Mundo. “A grande como uma forma de libertação feminina. Para as mulheres a querer privilégios, e não direitos. “Estas jamais quiseram ser tecnocientífica, trabalha-se tanto como no início da Revolução chance que o Brasil tem hoje é de ir além dessa dicotomia, brancas, cobertas de roupas das cabeças aos pés, infantili- cidadãs. E as pobres nunca puderam.” Industrial (mais na edição 38 de Pá g i n a 22, sobre o Tempo). construindo e inventando a sua inserção no mundo e a inserção zadas, mantidas em casa e sempre acompanhadas nas ruas Estudioso da obra de Santos, Wagner Costa Ribeiro, pro- – Vejo tudo isso como uma crise que não é só do capita- do mundo dentro dele”, defende. por criados, era de invejar as negras de finas blusas abertas, fessor do Departamento de Geografia e coordenador do Grupo lismo: é uma crise civilizatória – diz Porto-Gonçalves, – ainda andando com desenvoltura ao ar livre, sem o jugo patriarcal, de Pesquisa em Ciências Ambientais do Instituto de Estudos assim, há cinco séculos, o Brasil segue esse exemplo de mo- Outro poder libertas sexualmente. Avançados, da USP, critica o desenvolvimento centrado não na dernidade que tem levado o planeta ao colapso e as pessoas Quando perguntado sobre a possibilidade de transfor- (O seu balançado é mais que um poema/ Ah, se ela soubesse/ realização do indivíduo e na obra que constrói em sua vida, à infelicidade. mação dos traços fundadores, Cocco responde que estes são Que quando ela passa,/ o mundo inteirinho se enche de graça. mas apenas na acumulação de riqueza, que começou com Um dia eu quero ser índio/ viver pelado pintado de verde/ sempre mutáveis e que hoje em dia essa renovação está cada Garota de Ipanema, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim) geladeira, televisão, fogão e celular. “Não sei se a meta agora é num eterno domingo, cantava Rita Lee em Baila Comigo. Sin- vez mais aberta a movimentos capazes de constituir novos incluir o carro nessa ‘cesta básica’. Esse ciclo de consumo não tomático que a busca de um bem viver aflore com força pelas sentidos. “Acho que a figura central disso é a do pobre. Se As oportunidades vai se sustentar. O carro, para começar, não cabe na favela.” brechas do cotidiano. Chega o final da semana e as pessoas logo pensar que o capitalismo neoliberal organizado em rede explo- Nesse processo de “empoderamento das bases”, o jogo estra- Depois, não dá para todos os habitantes do mundo terem um esquecem o cansaço do trabalho para viver seu domingo. Um rou os pobres como tais, hoje, por outro lado, vemos que os tégico do Brasil emergente na geopolítica passa necessariamente carro, não há planeta suficiente para isso. certo resgate da identidade ancestral vem na forma do trekking pobres se organizam dentro de uma nova ordem, renovando por seu corpo: o imenso território tropical. “Todos os Bric (Brasil, Em vez de todos se renderem à sedução do automóvel como na mata, da tanga à beira-mar, do encontro da tribo em volta do os fundamentos.” Rússia, Índia e China) possuem extensos territórios, mas só o objeto de consumo, a luta não deveria ser por transporte e fogo no churrasco com os amigos, do banho de rio, do banho O que me remete de novo a Milton Santos, em Por Uma brasileiro é tropical”, observa Pádua, da UFRJ.

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Trocas no tempo A tropicalidade, É ponto pacífico que, sem educação, nada prospera. O estadista José Bonifácio já clamava por isso nos idos do século XVIII. O que antes vista só explica, então, o atraso renitente do Brasil nesse ponto? (No Pisa, grande teste comparativo internacional de aprendizado, o Brasil como exótica, tem fica sistematicamente nas últimas colocações entre 57 países. Vale notar que nas eleições de 2010, 53% do eleitorado não tinha o ganhado novos fundamental completo.) Para Giannetti, a educação é um dos maiores exemplos do que significados chama de miopia temporal, ou seja, a baixa capacidade de fazer trocas no tempo: sacrifícios no presente em prol do futuro. Isso vale igualmente para a sustentabilidade (pensar nas gerações Uma enorme janela que se abre para o Brasil é a demográfica, futuras) e para a previdência (poupar para o amanhã). lembra o economista. Serão duas décadas com oportunidades O economista tem uma hipótese para isso: a falta de suporte de ouro para o País: a queda na natalidade permitirá aumentar o familiar para um projeto de vida. “No Brasil me preocupa a investimento humano per capita. Haverá mais jovens e adultos ausência da figura paterna. A mãe não dá conta da criação dos trabalhando para sustentar crianças e idosos. “E também um filhos sozinha e o vínculo afetivo fala mais alto. A musculatura da amadurecimento da sociedade à medida que o tom geral não espera – suportar alguma frustração agora sabendo que vai ter um será dado de forma tão marcante pelo jovem.” benefício futuro – é algo que depende muito da presença paterna. E O crescimento demográfico desenfreado teve impactos normalmente é o pai quem exerce essa musculatura”, acredita. profundos na sociedade. O Brasil simples- De 1950 a 1995, Isso de forma alguma desmerece o papel da mãe, fundamental mente triplicou a população em 45 anos a população passou de cerca de para evitar uma crise social maior que a existente, diz Porto- e ainda houve um deslocamento brutal da 50 milhões a 150 milhões de Gonçalves. Ao se desdobrar em múltiplas funções domésticas população no território. “A gente não se dá habitantes e profissionais, ela – que mais do que ninguém exerce sua conta da enormidade e dos efeitos que isso musculatura de espera em nove meses de gravidez – é quem tem na vida brasileira, na urbanização, na educação, na saúde, costura vínculos familiares e algum futuro nessa sociedade em no emprego. Não fizemos os investimentos para lidar com isso, que muitos atores masculinos buscam o aqui e agora. o que gerou um caos.” Mas a janela em breve se fecha. Depois virá o envelhecimento E essa tropicalidade, antes vista pelo mundo apenas como das populações, com outras problemáticas. Para se ter ideia, em exótica e determinante do atraso socioeconômico, já ganhou 1980 havia cerca de nove pessoas trabalhando para sustentar novos e melhores significados, na visão do professor. As ressig- um aposentado. Em 2050, essa relação vai despencar para 1,2. nificações vêm por meio do reconhecimento mundial da impor- Como vamos nos organizar para isso? tância da biodiversidade – tema que só ganhou visibilidade há Será um bom exercício do que Giannetti chama de muscula- poucas décadas –, das bacias hidrológicas e da alta capacidade tura da espera. Sacrificar-se hoje para colher benefícios amanhã. de renovação da biomassa nos trópicos, como o eucalipto e a Isso vale para educação, sustentabilidade, previdência (mais em cana-de-açúcar (mais em reportagem à pág. 44). O caso do quadro na página ao lado). “Poucas sociedades no mundo têm a etanol, inclusive, é citado por Wagner Costa Ribeiro, da USP, capacidade de desfrutar intensamente o presente como a nossa. como o exemplo dessa inversão de forças: em meio à demanda O futebol, o Carnaval, alegria de viver, o samba, a celebração de escala mundial que é a produção de automóveis, surge um dos afetos. Mas também poucas têm tanta dificuldade de agir elemento local que interfere no global, inclusive no âmbito da no presente para construir o seu futuro.” mudança climática. Tem uma marchinha que pede para deixar a festa acabar, A partir desse novo sentido de tropicalidade, Eduardo Gian- deixar o barco correr, deixar o dia raiar, seja você quem for, seja o netti considera que meio ambiente e capital humano são os dois que Deus quiser (Noite dos Mascarados, Chico Buarque). E tem vetores estratégicos brasileiros por excelência. Eles, até mesmo, outro samba de Chico que, em tom de recolhimento à espera do alimentam-se mutuamente, pois a educação e dia libertador daqueles anos de chumbo, avisa: Tô me guardando Conforme publicado na The a formação de competências levam à melhor pra quando o Carnaval chegar. Entre a amargura do sacrifício e Economist de 3 de julho de 2010, gestão do meio ambiente. E as boas condições o doce sentimento da existência, não é possível que não caiba doenças parasitárias ou infecciosas na ambientais são vitais para a educação – a co- um Brasil inteiro, de braços abertos e abraço redentor. primeira infância afetam a formação meçar do saneamento, que tem reflexos no do cérebro, gerando Acesse na versão digital desta reportagem em www.fgv.br/ces/pagina22 um déficits cognitivos desenvolvimento de um país maiores do que debate sobre os novos papéis dos países emergentes, pauta do Fórum permanentes se imaginava. Internacional Geopolítica da Cultura e da Tecnologia, realizado em São Paulo

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Belo pra mim f o t o s Autores diversos # t e x t o Ana d’Angelo

As fotos deste Retrato são resultado de uma sondagem entre O sócio-diretor da consultoria, André Torretta, notou que os objetos pessoas que a empresa de consultoria A Ponte Estratégia considerou considerados bonitos são os de fácil acesso. Pessoas bonitas, para pertencentes à nova classe média. Esse conjunto de novos consumi- os entrevistados, são amigos e familiares, bem como o bairro bonito dores é o ouro das economias emergentes e a tentativa foi conhecer é onde se mora. No quesito celebridades, apareceram Juliana Paes, um pouco mais quem são os “outrora pobres” que ascenderam na Beyoncé, Taís Araújo e a comida mais bela é aquela que vem com chan- vida no Rio e em São Paulo. Munidos de câmeras, aos abordados foi tilly, cereja e pêssego, não necessariamente nessa ordem. As propa- pedido que fotografassem “coisas bonitas”: o bairro, a propaganda, o gandas favoritas foram das Casas e de companhias de telefonia, carro, a celebridade e outros itens que lhes chamasse a atenção. ou seja, de itens cuja aquisição foi facilitada. Ao contrário do que se Aí está. Bonitos são os santos, a praia, os animais, as crianças, as pensa, o repertório estético da baixa renda está mais ligado à realidade gostosas da propaganda, churrasquinho, cerveja, senhoras orientais. local que ao mundo vendido pela indústria da comunicação.

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Referência sobre a obra de Archigram Group, exposta na 29ª Bienal de São Paulo , a familiaridade dos dos , a familiaridade Bruno Bernardi Bruno o t o s # F Derivi Carolina Samba, sol e sapiência coloniais tempos os desde intempéries de trajetória a uma Graças hoje, de dias Nos historiadores. dizem recente, muito é científico o fazer com brasileiros socioeconômicos objetivos os com pesquisas de aumento o afinar falta p o r

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uando o cineasta João Moreira Salles foi convi- explicam a história toda, ao menos indicam heranças fundadoras Obra da artista Graziela Kunsch, dado a discursar sobre as humanidades em um cujos efeitos se fazem sentir até hoje. exposta na 29ª encontro da Academia Brasileira de Ciências, no Bienal de São Paulo começo deste ano, abriu sua fala com um pedido A barreira lusitana de desculpas. Não estava ali para comemorar a Talvez o leitor tenha a sensação de que já entendeu tudo ape- Qcriatividade das artes brasileiras ou as diversas nas com o seguinte cenário inaugural: os primeiros 300 anos da Em 2008, possibilidades em torno das ciências sociais. segundo o Inep, história brasileira foram de cerceamento e perseguição à produção foram 1.114 físicos, Em lugar disso, escolheu refletir sobre o fato 1.972 matemáticos e de conhecimento. Até a mudança definitiva da família real para de que o País forma mais bacharéis em moda 2.066 modistas. o Novo Mundo, em 1808, estavam proibidas as universidades, que físicos ou matemáticos. a imprensa e a maior parte dos livros. “Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não “A Aduana, como se chamava a alfândega, fazia a triagem dos decolarão, mas todos nós seremos muito mais elegantes”, disse. navios e jogava os livros no mar, ali mesmo na barra do porto. Ao longo de todo o seu discurso, Salles desfilou indicadores de Quando alguém caía em desgraça com o governo, a primeira que o Brasil ainda falha em conferir à Ciência & Tecnologia o pa- medida era a devassa da biblioteca pessoal do sujeito. Antes do pel estratégico que lhe é devido nos rumos do desenvolvimento. século XIX, até a Bíblia em português estava proibida”, conta a Um exemplo cativante: em 2009, a soma de todas as patentes professora Márcia Ferraz, coordenadora do Programa de Estudos requeridas pelo País não chega à metade do que realizou apenas Pós-Graduados em História da Ciência da PUC de São Paulo. a montadora japonesa Toyota. Quando, finalmente, o Brasil começou a buscar uma virada Nas trincheiras do vestibular, em que as diferentes áreas intelectual, contava com um império que também já estava no do conhecimento disputam jovens atraso. A academia científica portu- assombrados pela decisão definitiva de A carência de guesa foi fundada em 1779, mais de uma carreira, as artes e as humanidades um século depois de outros centros da estão ganhando. Apenas um em cada infraestrutura e Europa. Foram pedir socorro aos in- cinco estudantes de graduação frequen- laboratórios deu origem gleses e aos franceses, como no caso da ta curso de exatas. fundação da Escola de Minas, em Ouro Entidades como o Instituto de uma cultura livresca, Preto (MG), apenas para descobrir que Estudos para o Desenvolvimento In- as noções de matemática e física dos dustrial (Iedi) e o Instituto de Pesquisa mais erudita e menos alunos brasileiros eram insuficientes Econômica Aplicada (Ipea) já alertam experimental para o ensino superior. que, mantido o andar da carruagem, a Para Márcia, não é correto admitir falta de engenheiros deve se tornar crítica para o crescimento do que o brasileiro se identificou mais com as humanas desde tem- País. Enquanto a engenharia civil encerra 50 mil graduandos, a pos remotos, considerando que as primeiras carreiras científicas imprensa brasileira aguarda a enxurrada de 178 mil estudantes por aqui foram as clássicas: direito, medicina, engenharia. A de jornalismo, em breve, no mercado. explicação é mais circunstancial. É possível formar um jurista Todo esse cenário inspira diferentes interpretações. Pode ser apenas com professor, sala de aula e livros. Já um engenheiro e consequência de fatores meramente econômicos, como defende um médico demandam infraestrutura, laboratórios, ambiente o físico José Roberto Drugowich, recém-saído de um período experimental. E o mesmo vale para todas as core sciences. de sete anos como diretor do Conselho Nacional de Desenvolvi- A dificuldade histórica de instalar laboratórios altamente mento Científico e Tecnológico (CNPq). Para ele, a instabilidade dispendiosos para estudos de tecnologia deu origem ao que a econômica do Brasil até recentemente desmotivou a busca por professora chama de “cultura livresca”, própria dos cursos a que nascimento de um sistema nacional de ciência e tecnologia é a precisam trabalhar. A possibilidade de frequentar cursos noturnos carreiras mais ligadas à produção. Retomado o crescimento, o os acadêmicos hoje se referem como “de cuspe e giz”. fundação do CNPq, em 1951. aumenta o tempo da graduação e sofre concorrência das Ou geociências, jogo deve se inverter. Essa realidade se estendeu durante muito tempo. “Os primei- A carência de laboratórios não é página virada. Um aquelas voltadas ofertas populares na linha “dois diplomas em dois anos”. para o estudo dos Outra interpretação possível é a de que a cultura nacional se ros cientistas brasileiros com reputação internacional vão surgir levantamento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, sistemas naturais do Mesmo assim, apenas 16% dos jovens entre 18 e 24 planeta Terra estabeleceu ao longo da história com pouca ou nenhuma identifi- apenas no século XX. No entanto, Machado de Assis tem renome vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, mostra que anos estão fazendo curso superior. Para Barroso, da UnB, cação com a ciência. O feito do matemático indiano Brahmagupta, já no século XIX”, ecoa o matemático e historiador da Universidade a expansão da pós-graduação no Brasil é puxada pelas humani- antes de pensar na economia e nos empregos, é preciso se preo- que já no ano de 628 criou o conceito do número zero, oferece de Brasília, Wilton Barroso. Os primeiros laboratórios de nível dades. À Folha de S.Paulo o coordenador do estudo, Eduardo cupar com a massa crítica brasileira. A seu ver, a população está alguma pista. Com uma economia menos relevante e problemas internacional no Brasil só apareceram nos anos 80, enquanto as Viotti, justifica com base nos altos custos a baixa ampliação de despreparada para discutir temas de interesse coletivo de natureza sociais tão profundos quanto os nossos, a Índia goleia o Brasil universidades foram inauguradas no começo do século XX. doutorados em ciências exatas e da terra. científica, como bioética, aborto, células tronco. em todos os indicadores de produção científica. “A cultura livresca se estabeleceu completamente apartada Márcia e Ana Maria acrescentam a essa explicação o aumento “É como aquele middle class americano. São pessoas de baixa Para investigar essa hipótese, Pá g i n a 22 consultou um time da científica. Já está melhorando muito, mas não se muda uma de vagas nas faculdades particulares, concentradas em carreiras instrução, mas que podem comprar. A gente caminha para isso”, de historiadores da ciência no Brasil, além de outros estudiosos. cultura de séculos em apenas 60 anos”, diz a historiadora Ana de custo baixo. A formação de caráter científico quase sempre diz o professor. A sentença combina com o diagnóstico de Moreira O que encontrou foi uma trajetória de intempéries que, se não Maria Goldfarb, também professora da PUC-SP. O marco do requer dedicação integral, o que já elimina aqueles candidatos que Salles: “O País prospera à força de consumo, não de investimento

DEZ/JAN_40_Página 22 DEZ/JAN_41_Página 22 REPORTAGEM_CIÊNCIA Análise JOSÉ ELI DA VEIGA Professor titular da FEA e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. www.zeeli.pro.br Memória seletiva Para o historiador da Universidade no meio agrário, definiu os traços mais Um dos motivos que levaram esses apenas seis delas foram selecionadas pelo Federal do Rio de Janeiro, Carlos Ziller, se o marcantes da nossa cultura. “Enquanto aspectos ao esquecimento, segundo Pra cá de Marrakesh governo federal para os próximos três anos: fator ciência não aparece nas elaborações os historiadores estão preocupados Ziller, foram as mudanças do centro das Educação para o Consumo Sustentável, sobre identidade nacional, isso se deve com as relações sociais nas fazendas decisões políticas e econômicas, da Bahia O plano brasileiro para uma “economia verde” corre Compras Públicas Sustentáveis, Agenda mais ao radar dos brasileiros que à própria da época colonial, deixam de lado as para o Rio de Janeiro e, mais tarde, para o risco de ser uma coleção de ações microeconômicas Ambiental da Administração Pública (A3P), história. O professor afirma que o Brasil atividades culturais produzidas nos o Distrito Federal. “No fim do século XVIII, sem conexão com o todo Aumento da Reciclagem de Resíduos Sólidos, começou urbano, no litoral, e que, apesar centros urbanos. O Brasil já começou com Salvador estava vicejando. Quando a Promoção de Iniciativas de PCS em Construção dos mecanismos de censura, havia a marca do conhecimento astronômico, capital se desloca, essa história se perde. Sustentável e Varejo e Consumo Sustentáveis. circulação de ciência nesses ambientes. trazido pelas caravelas. O próprio engenho Os novos centros vão interpretando o á duas esquisitices bem sintomáticas na primeira reunião. Visa essencialmente Depois do detalhamento dessa meia dúzia Segundo Ziller, a obra de Gilberto de açúcar já era uma inovação enorme”, Brasil a partir daquilo que eles eram, ou Hversão do Plano de Ação para Produção e dar aplicabilidade e expressão concreta à de prioridades, são explicadas as estratégias Freyre fixou a ideia de que a casa-grande, defende o professor. seja, o Brasil não era nada.” Consumo Sustentáveis (PPCS), lançada em noção de PCS, solicitando e estimulando os e os mecanismos de execução do plano, setembro pelo Ministério do Meio Ambiente países participantes a elaborar planos de assim como um esquema de monitoramento. para consulta pública. ação que serão compartilhados em nível Pois é justamente nesse fecho que o leitor ou invenção. Compramos coisas que foram pensadas lá longe, as nas universidades sem conexão com o setor produtivo também A primeira surge logo na capa: não foi regional e mundial, gerando subsídios para a perceberá qual é a segunda esquisitice. Em quais serão brevemente superadas por outras coisas que também tem raízes históricas, acentuadas durante o regime militar: “A possível identificar uma central sindical construção do Global Framework for Action on 80 páginas, não há sequer uma menção ao não terão sido pensadas aqui. É um processo estéril”. gente achava errado porque a universidade era o último reduto de trabalhadores que esteja envolvida em SCP (acesse www.unep.fr/scp/marrakech). Programa de Aceleração do Crescimento de autonomia que não tinha sido vendido para os militares. atividades de gestão ambiental, produção Na apresentação do PPCS brasileiro, a (PAC). Pior, o termo “investimento” só aparece Passo acelerado Essa interação academia-indústria começa muito timidamente mais limpa e desenvolvimento sustentável. ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira em quatro passagens: duas consagradas Nas palavras do professor Drugowich, o Brasil aprendeu a na década de 80 e só desabrocha nos anos 2000”. Se existisse, ela compartilharia a autoria do alerta que sua elaboração foi mais do que à Política de Desenvolvimento Produtivo investir dinheiro em pesquisa, mas ainda não sabe transformar É talvez irônico que as grandes realizações da ciência brasileira documento com seis ministérios (Cidades, cumprir esse compromisso assumido com (PDP), lançada em maio de 2008 para pesquisa em dinheiro. Isso significa que há um gap entre o sejam justamente resultado de projetos econômicos estratégicos. Ciência & Tecnologia, Fazenda, Indústria, Meio as Nações Unidas na adesão ao Processo de enfrentamento da crise, outra dedicada à A3P, aumento exponencial da produção científica e os benefícios Destacam-se a Embrapa, a dupla ITA/Embraer e a indústria do Ambiente e Minas e Energia), três entidades Marrakesh. “Foi um ato revolucionário em e a quarta numa curta menção ao Programa de empresas responsáveis (Cebds, Cempre muitos aspectos, pois desde sempre os atores Minha Casa Minha Vida. socioeconômicos percebidos. etanol (leia mais na pág. 44). Projetos de longo prazo que, no e Ethos), duas confederações (Indústria que discutem a produção mais limpa não são os É muito estranho que a nação adote um O relatório mais recente sobre o Brasil do think tank Thomson entanto, ainda não inspiraram aventura semelhante em outras áre- e Comércio), dois serviços do sistema mesmos que buscam aumentar a consciência Plano de Ação para Produção e Consumo Reuters qualifica o salto de produtividade científica como “feno- as. No ano passado, o País perdeu 18 posições Uma das maiores “S” (Sebrae e Senai), um banco (BNDES), do consumidor em relação ao impacto ambiental Sustentáveis que conversa com praticamente menal”. O País passou de 8 mil artigos publicados em 1998 para no ranking de inovação global da Insead – de escolas de negócios do mundo, uma organização de defesa dos e social de suas escolhas.” todos os programas do governo federal, mais de 20 mil em apenas dez anos. Só o estado de São Paulo 150º para 168º – e a revista The Economist [1] com campi na Europa e na Ásia consumidores (Idec), uma fundação O Processo De fato, há uma ótima passagem exceto com o que ele considera o principal. Só publica tanto quanto Argentina, México e Chile somados. pergunta: “O Brasil pode se tornar inovador em Marrakesh teve de ensino e pesquisa (FGV) e uma início durante a no documento brasileiro na qual se pode deduzir que o PPCS será uma ótima O salto marcado em pouco mais de uma década reflete o seus próprios termos ou o crescimento recente não passa de um reunião da Cúpula associação de instituições de Mundial sobre foram apresentados 20 exemplos coleção de boas intenções microeconômicas resultado de políticas públicas importantes. Os 16 efeito colateral do apetite chinês por commodities?” Desenvolvimento Instrumentos de pesquisa (Abipti). Sustentável, realizada ilustrativos de iniciativas de PCS: Boas sem qualquer conexão com a efetiva financiamento de fundos setoriais iniciados em 1999 bombearam em Johannesburgo, projetos de pesquisa. Esses dezessete atores com o objetivo de Práticas Agropecuárias, Campanhas estratégia macroeconômica do governo: pisar Os recursos vêm de novos recursos para Pesquisa & Desenvolvimento, 1 Leia a análise completa em http://www.economist.com/node/17522484 acelerar as mudanças impostos incidentes elaboraram um excelente texto de globais em direção a de Consumo Consciente, Compras no acelerador da insustentabilidade. sobre setores apesar de um longo período de contingenciamento padrões sustentáveis específicos da 80 páginas que aponta o caminho de consumo e Públicas Sustentáveis, Portal de economia voltado para garantir superávit fiscal. Embora o or- Para a Unesco, que no relatório sobre ciência em 2010 elogia que poderá levar o Brasil a ter uma produção Contratações Públicas Sustentáveis, çamento do Ministério da Ciência e Tecnologia esteja os avanços brasileiros, restam ainda três desafios fundamentais: “economia verde”, conforme a Novo Protocolo Verde ou Protocolo estagnado há anos em torno de 1% do PIB, o próprio crescimento reduzir as disparidades regionais (quatro universidades no estado terminologia recentemente adotada pela de Intenções pela Responsabilidade do País possibilitou melhora dos investimentos nessa área. de São Paulo respondem por 60% das publicações científicas do ONU para se referir àquilo que desde 2003 o Socioambiental, Estímulo às Cooperativas “O problema é que nos países desenvolvidos, como EUA e País), incentivar P&D para os negócios, não apenas com recursos Processo de Marrakesh vem chamando de de Catadores, Fixação de Preço Mínimo de Japão, os investimentos privados têm muito mais importância. E públicos, mas criando um ambiente profícuo para o investimento Produção e Consumo Sustentáveis (PCS). Produtos do Extrativismo, Varejo Sustentável, no Brasil são muito pequenos. Se tirarmos a indústria de infor- privado, e internacionalizar as melhores universidades. Em 2002, quando se fez um balanço ISE Bovespa, Selo Procel, Procel Edifica, mática, o resto é praticamente nulo”, diz o físico José Davidovich, No capítulo de conclusão, os autores observam que o inves- da década na Cúpula Mundial sobre Construção Sustentável, Agenda Ambiental representante da Academia Brasileira de Ciências. timento público em ciência ainda é questionado nos círculos Desenvolvimento Sustentável, em na Administração Pública (A3P), Sistema Para Davidovich, remediar esse panorama requer uma mu- políticos brasileiros. Prepararam dois bons argumentos que Johannesburgo, ficou patente que a questão Integrado de Bolsa de Resíduos (Sirb), dança cultural no setor produtivo, acostumado durante décadas reproduzimos aqui: “Contribuir para o conhecimento universal do consumo não tinha evoluído na maioria Resíduos Sólidos, Inovação Tecnológica, Nota a um mercado fechado e à inflação extremada, que estimulavam torna os brasileiros mais aptos a determinar seu próprio destino”. dos países. Então, uma parceria de dois Verde, Turismo Sustentável, Programa de mais especulação que produção. Em pesquisa realizada pelo Ou, para os mais pragmáticos: “Quanto mais conhecimento órgãos da ONU – o Programa para o Meio Substituição de Geladeiras, e Programa de IBGE, em 2005, com 95.300 empresas, apenas 6.168 declara- uma sociedade obtém com base em métodos científicos, mais Ambiente (Pnuma) e o Departamento de Qualidade Ambiental – Colibri/ABNT. ram alguma atividade de P&D. A Lei da Inovação, aprovada em rica ela se torna”. Assuntos Econômicos e Sociais (Undesa) Também é quase integral a coincidência 2004, oferece incentivos fiscais, mas até o ano passado só 441 – ficou encarregada de promover um entre esses 20 exemplos de iniciativas de PCS Leia o discurso de João Moreira Salles na íntegra e também o “Manifesto da empresas haviam buscado o benefício. Ciência Tropical”, do físico Miguel Nicolelis, na versão digital desta reportagem em processo de mudança que acabou batizado já em curso e as 17 prioridades identificadas Segundo o professor Drugowich, a concentração de C&T www.fgv.br/ces/pagina22. de Marrakesh, devido ao local de sua como “espinha dorsal” do plano. Todavia,

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urante muito tempo, o Brasil era conhecido mundialmente por sua capacidade de inovação e domínio da tecnologia de umaD atividade considerada fundamental Etanol é em grande parte do mundo: o futebol. Se hoje já não somos a mesma potência futebolística de outros tempos, há outra área em que nos últimos anos ficamos imbatíveis, na opinião de especialis- tas: o domínio do ciclo de produção e distribuição do etanol feito à base de cana-de-açúcar. Mas este também é um jogo pesado, e que levanta importantes dúvidas. Estamos preparados para man- Concentrar as apostastudo no que já temos expertise ou diversificar? as fontes? ter a liderança nos próximos anos? Mais que isso, as fichas em fontes de energia O investimento em energia de baixo carbono no Brasil pede uma estratégia de baixo carbono devem ser colocadas mais bem definida p o r Renato Guimarães # f o t o Bruno Bernardi principalmente no etanol?

Obra do artista Eduardo Coimbra, exposta na 29ª Bienal de São Paulo

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iante do alto risco de o Brasil aos desafios econômicos e ambientais exemplo, divulgou em julho uma série se deve excluir nem mesmo o uso de sujar a sua matriz – o plane- gerados pela busca de alternativas de de regras que produtores e distribuidores Propostas para o baixo carbono combustíveis fósseis, desde que exista jamento energético brasileiro energia de baixo carbono. “Em termos de biocombustíveis deverão seguir para A forte crítica ao processo de “ensujamento” da matriz energética brasileira, feita a capacidade de usá-los de maneira em 2030 aponta justamente de tecnologia, de condições competiti- que seus produtos recebam a certificação por Marcos Jank, presidente da Unica, foi um dos pontos de destaque do seminário mais eficiente. nessaD direção –, o Plano Nacional de vas, considerando-se o ciclo completo de sustentabilidade do bloco, atendendo "Caminhos internacionais para uma economia de baixo carbono", promovido em 9 Nesse contexto, o papel indutor Mudança de Clima (PNMC) indica a de produção do etanol, o Brasil é im- a critérios sociais e ambientais. de novembro pela plataforma Empresas pelo Clima (EPC), do Centro de Estudos em do governo, por meio das políticas expansão das fontes renováveis nos batível. Produzimos maior quantidade Uma das exigências é a de que o Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces). públicas na área de energia, assume próximos 20 anos. a um menor custo e com condições de biocombustível em questão deverá Mais do que conhecer experiências nacionais e internacionais de gestão empresarial uma relevância especial, como destaca O destaque fica para os biocom- sustentabilidade incomparáveis.” emitir ao menos 35% menos de gases para baixo carbono, o evento foi uma oportunidade para apresentar à sociedade uma Alfred Szwarc, consultor de Emissões bustíveis, entre os quais o etanol figura Para o executivo, a posição do Brasil de efeito estufa em comparação aos série de propostas para políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de uma economia e Tecnologia da União da Indústria de como principal estrela. Não é por me- no mercado de etanol ficará ainda mais combustíveis de origem fóssil. Essa “verde” no País. Cana-de-Açúcar (Unica). Para ele, ações nos: o PNMC calcula que a substituição consolidada a partir do Zoneamento porcentagem aumentará para 50% em Mario Monzoni, coordenador do GVces, mostrou os estudos que levaram à confecção do como o Proinfa, o programa federal de do combustível fóssil pelo etanol evitará Agroecológico da cana-de-açúcar, lan- 2017 e 60% em 2018, no caso dos documento Recomendação de Políticas Públicas para uma Economia de Baixo Carbono estímulo às fontes alternativas de ener- o lançamento de cerca de 508 milhões çado pelo governo federal em 2009, produzidos em novas instalações. O no Brasil. O trabalho é resultado de um ano de estudos centrados nos setores de energia, gia elétrica, são importantes para sinali- de toneladas de CO2 no período com- que prevê a possibilidade de a área de etanol produzido no Brasil enquadra-se transporte e agricultura, mostrando a inter-relação entre eles e trazendo uma série de zar para o mercado a direção estratégica preendido entre 2008 e 2017. plantio chegar a 64 milhões de hecta- e supera esses critérios, ao gerar acima recomendações que em seguida foram encaminhadas ao novo governo. que o Brasil deseja seguir. Desde que não provoque desma- res, ocupando até 7,5% do território de 80% a menos de emissões. Entre elas estão: a ampliação do uso de fontes renováveis de energia (desconsiderando “Na verdade, não conheço nenhum tamento, o etanol de cana reduz 80% nacional. Isto – espera-se – sem a neces- as grandes hidrelétricas, devido ao seu alto impacto socioambiental) e a conservação programa de energias alternativas no das emissões de gases de efeito estufa sidade de incorporar novas áreas e com Novas gerações ou uso de forma mais eficiente dos recursos energéticos; a busca por mais eficiência do mundo que tenha dado certo ou tido se usado em substituição à gasolina cobertura nativa ao processo produtivo Tudo isso se refere ao chamado setor de transportes por meio da integração intermodal, além da ampliação do uso de continuidade sem apoio inicial dos pura, e em 77% das emissões no caso ou afetar diretamente as terras utilizadas “etanol de primeira geração”, ou seja, biocombustíveis na matriz energética do transporte; e o desenvolvimento e difusão de governos.” Szwarc lembra que com o do diesel. (mais informações em http:// para a produção de alimentos. ao processo de obtenção do combustível tecnologia agropecuária de menor intensidade carbônica. O documento pode ser baixado etanol também foi assim, por meio do goo.gl/rMtlP.) O Zoneamento para a cana-de- por meio da transformação da glucose em: http://intranet.gvces.com.br/cms/arquivos/recomendacoes_epc.pdf Proálcool. “Hoje ele se firmou e prati- açúcar proíbe a expansão dos cultivos da cana-de-açúcar. Mas a busca por ino- camente segue sem grandes ajudas do Lugar certo, na hora certa nos biomas mais sensíveis – Amazônia, vações não para e já há diversos países, governo. No caso de outras possibilida- Para o professor da USP e coordena- Pantanal e Bacia do Alto Paraguai – ou incluindo o próprio Brasil, investindo muito alto, são rápidos em desenvolver remos elevar em 30% a 40% o volume des, como o etanol de segunda geração, dor do Instituto Nacional de Ciência e por meio de desmatamento de vege- em pesquisas para dar escala comercial soluções e o fazem a partir de uma co- total de álcool produzido sem aumentar esse apoio será fundamental.” Tecnologia do Bioetanol (INCT), Marcos tação nativa, como o Cerrado. (mais ao chamado “etanol de segunda gera- nexão muito boa com a indústria. “Caso a área cultivada.” Como destaca Marcos Buckeridge, Buckeridge, o Brasil deve investir em em www.cnps.embrapa.br/zoneamen- ção”, proveniente da transformação da o Brasil não se mexa em níveis compa- trata-se de uma questão de visão polí- outras fontes renováveis de energia, tal to_cana_de_acucar) celulose, cuja fonte é muito mais ampla ráveis, podemos acabar perdendo nossa Sem descarte tica a decisão de garantir que existam como está previsto no PNMC, mas o Na safra de 2008, para se ter uma e inclui, além da cana e do milho, até supremacia tecnológica no setor.” Quando se fala em economia de bai- recursos suficientes para pesquisa e foco principal precisa ser o etanol. Ele ideia, foram plantados 8,89 milhões de mesmo cascas de árvores, resíduos ve- Opinião semelhante tem José Ma- xo carbono, os desafios não ficam apenas que as inovações tecnológicas sejam acredita que os recursos para investir hectares de cana-de-açúcar, o que repre- getais e capim. nuel Cabral, chefe de comunicação e no desenvolvimento de alternativas aos incorporadas pela indústria e cheguem são limitados se comparados, por exem- senta cerca de 1% do território nacional. Para Marcos Buckeridge, ainda há negócios da Embrapa Agroenergia, que combustíveis fósseis, como o etanol, mas aos consumidores finais. A esse ciclo plo, aos Estados Unidos e, por isso, acha “Isso mostra o potencial de expansão muito espaço para a exploração do reforça que o nível de investimento to- incluem também o uso mais eficiente ele chama de “prova de conceito”. “Se que o País deve se concentrar naquilo da cultura, que se soma a inovações etanol de primeira geração, mas o Bra- tal em pesquisa, inovação e tecnologia dos recursos já existentes. Este é outro o Brasil consolidar isso com o etanol, em que já é bom. tecnológicas no sentido de aumentar a sil não pode “dormir no ponto”. “Não dos Estados Unidos é de aproximada- ponto para o qual o Brasil precisa ficar se completar esse ciclo, aí poderemos “Com isso não quero dizer que não produtividade por área plantada.” podemos dizer que estamos em uma mente 2,75% do PIB e no Japão passa mais atento, segundo a opinião do pro- passar para outros setores, investindo devemos pesquisar e produzir outras Outro ponto importante que deve situação confortável no que se refere às dos 3%. No Brasil está em torno de fessor Gilberto Jannuzzi, coordenador de maneira coordenada em outras áreas fontes alternativas de energia, mas acho ajudar o etanol brasileiro a aumentar pesquisas de novas gerações de etanol 1,1% do PIB, perdendo até para outros do Núcleo Interdisciplinar de Planeja- estratégicas.” que temos de consolidar o Brasil como a sua participação no mercado inter- ou de outros biocombustíveis.” países emergentes. mento Energético da Unicamp. Ou seja, para o pesquisador, o inves- liderança mundial em biocombustíveis. nacional são as diversas iniciativas de Em sua opinião, Estados Unidos, Eu- Cabral acredita que no País existe Ele cita o exemplo da grande reserva timento no etanol como produto estrela Somos considerados agora líderes mun- certificação sendo desenvolvidas e im- ropa, China e Coreia, por exemplo, têm ótima capacidade técnica, com bons de carvão mineral que o Brasil tem e da economia de baixo carbono brasileira diais no etanol, mas, até quando?” plantadas. A Comissão Europeia, por um nível de investimento em pesquisa profissionais e laboratórios, mas que é que poderia ser explorada de maneira não se justifica apenas pelo produto em José Luiz Oliverio, vice-presidente preciso aumentar o número de pessoas mais eficiente, se houvesse tecnologia si e seu valor de mercado. “É essa prova de Tecnologia e Desenvolvimento da envolvidas na pesquisa de etanol e para isso. “É um carvão muito ruim, de conceito de que o Brasil consegue Dedini, indústria pioneira no forne- biocombustíveis. “Isso tem um aspecto mas é uma grande reserva passível de realmente se planejar e atuar de maneira cimento de equipamentos e plantas Especialista defende uma estratégico para o Brasil. É só pensar, ser explorada. Só que estamos muito coordenada e estratégica.” completas para o setor sucroalcooleiro, por exemplo, que, se formos capazes atrasados em descobrir como usá-lo de é enfático ao defender o álcool brasileiro de dar escala comercial à transformação uma maneira mais limpa.” Acompanhe a história do álcool combustível estratégia que inclua até no Brasil, que remonta à década de 1920, produzido a partir da cana-de-açúcar do bagaço da cana em etanol, usando Jannuzzi defende que, quando se na versão digital desta reportagem em www.fgv.br/ces/pagina22 como o mais adequado para fazer frente mesmo as fontes fósseis tecnologia de segunda geração, pode- fala em economia de baixo carbono, não

DEZ/JAN_46_Página 22 DEZ/JAN_47_Página 22 Artigo Malu Villela Pesquisadora do GVces no Programa de Consumo Sustentável

local –, Paragominas tornou-se o município econômico à proteção ambiental, sinalizando era feita por meio do correntão e Técnica que fechamento de inúmeras madeireiras, duas madeireiras. Após a visita, em outubro funciona com Paragominas: que menos desmata na Amazônia, com uma a busca pela sustentabilidade na prática. da garimpagem florestal, técnicas dois tratores lado a e deixando a população indignada por de 2008, o prefeito fez uma audiência pública lado, a 50 metros de redução, nesse período, de mais de 90%, Para entender como essa revolução altamente predatórias. A fama de distância, unidos por ter de arcar com a irresponsabilidade e, junto com a TNC e o Imazon, lançou o uma corrente equivalente a 38 quilômetros quadrados aconteceu em Paragominas, é preciso voltar Paragominas, já nessa época, não era esticada. À medida dos que operavam na ilegalidade. Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta sim, ainda é que os tratores de desmate. E, para compensar o prejuízo um pouco no tempo e conhecer melhor das melhores. A cidade era conhecida avançam, a corrente A resposta veio no mesmo mês, de identificação de imóveis rurais emitida derruba tudo que do passado, o município já plantou mais sua história. O ciclo do desmatamento na como “Paragobalas”, pois os encontra pelo quando o prefeito Adnan Demachki pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do caminho, com alto possível de 50 milhões de árvores em áreas de região em que o município se encontra, jagunços protegiam os grileiros e as impacto ambiental e assinou o Pacto pela Valorização Pará, que é o passo inicial para o licenciamento baixíssimo reflorestamento, o que contribuiu para gerar nordeste do estado paraense, iniciou-se com desavenças eram resolvidas na base aproveitamento da da Floresta e pela Eliminação dos ambiental das propriedades. A expectativa era O município paraense madeira para fins a maior área de floresta certificada com Selo a construção da Rodovia BR-010, a Belém- do tiro. A conta sobrou para o meio comerciais Desmatamentos na Amazônia, que Paragominas fosse o primeiro município é exemplo de uma bem- Verde da Amazônia, no Pará. O pioneirismo Brasília, na década de 50. Primeiramente, o ambiente, que viu aproximadamente conhecido como Pacto pelo do bioma amazônico a atingir 100% de suas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), por sua foco estava na intensa exploração da madeira, 45% da sua cobertura vegetal ser devastada. Desmatamento Zero, lançado por organizações propriedades rurais cadastradas, o que, para sucedida estratégia vez, já atingiu 92% das propriedades rurais com mais de 300 madeireiras em ação. Aos Até os planos de manejo não operavam ambientalistas com o objetivo de eliminar o um município com 88% do seu território na local replicável à região da região, trazendo para a luz da legalidade poucos, essa atividade econômica foi sendo de forma regular. Um relatório de 1996 da desmatamento amazônico até 2015. zona rural, é de grande relevância. milhares de produtores e facilitando o substituída e, atualmente, existem apenas 15 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Mas isso não era o bastante, era preciso Recentemente, em março deste amazônica processo de regularização fundiária, ainda madeireiras na região. (Embrapa) de Belém, em colaboração garantir o envolvimento e o comprometimento ano, a prefeitura reafirmou o Pacto pelo pendente em toda a Amazônia. Segundo estudos do Instituto Nacional com o Ibama, revelou que 93% dos planos da população para vencer, definitivamente, Desmatamento Zero e assinou um novo pacto, m município com 97 mil habitantes, do A economia de Paragominas não mais de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1995 empregados no município o problema do desmatamento. Ciente disso, buscando ir além da legalidade. Trata-se do Técnica pela qual Utamanho de , que já teve quase se baseia apenas na exploração madeireira, – o pior ano da história ambiental de os exploradores não consideravam as o prefeito convocou membros de toda a Pacto pelo Produto Legal e Sustentável, que entram na floresta metade do seu território desmatado ao mas em um conjunto de atividades Paragominas – foram derrubados com um trator de trilhas de arraste das sociedade paragominense para discutir passa a exigir da produção agropecuária Sigla em inglês esteira que derruba o longo de décadas de exploração que incluem, por ordem para designar 29 mil quilômetros quadrados de que for necessário toras, necessárias para uma solução que fosse compartilhada e da região a observância do tripé da O ranking, criado placa de fibra de para encontrar predatória, mostra que é possível em 2007 pelo de importância no PIB, madeira de média floresta, o equivalente ao território madeira de valor minimizar o impacto apoiada por todos. Foi então que nasceu o sustentabilidade e vem estudando a criação de MMA, contempla hoje densidade combater o fogo e a motosserra 43 municípios, a mineração (projeto de da Bélgica. Nessa época, a extração causado pela extração da Projeto Município Verde, por meio de uma um selo de origem para certificar os produtos responsáveis por 55% com integração social, educação do desmatamento da beneficiamento de bauxita madeira na floresta. Além disso, conclui-se que cooperação entre a Prefeitura Municipal e o locais. O pacto inaugurou uma nova fase do Amazônia Legal em e vontade política. Os ganhos não 2008. Os critérios da Vale do Rio Doce), a agricultura as madeireiras usavam os planos de manejo Sindicato dos Produtores Rurais, com o apoio Projeto Município Verde, ao incluir a busca pela para inclusão na lista foram somente ambientais. O pacote são área total (soja, milho e arroz), as indústrias florestal para “legalizar” a exploração ilegal. de entidades municipais, estaduais e não sustentabilidade na produção e criar condições desmatada, aumento de sustentabilidade adotado pelo da taxa de madeireira e de reflorestamento Anos depois, em abril de 2008, dois meses governamentais (Instituto do Homem e Meio para que o município pudesse se tornar modelo desmatamento nos município trouxe impactos sociais, últimos cinco anos e (produção de MDF), a pecuária após Paragominas ter sido incluída na lista dos Ambiente da Amazônia – Imazon e The Nature de desenvolvimento sustentável. derrubada de área culturais e econômicos positivos. igual ou maior que e serviços. Em algumas dessas municípios que mais desmataram a Amazônia, Conservancy – TNC). Todos esses avanços fizeram o município 200 quilômetros Paragominas, no Pará, colocou quadrados de floresta atividades, pode-se já notar o a região foi alvo da Operação Arco de Fogo, da Para avaliar o alcance das metas literalmente renascer das cinzas, mas ainda em prática uma série de políticas em 2008 alinhamento do desenvolvimento Polícia Federal, que visava combater a extração estipuladas no projeto – entre as quais se há grandes desafios pela frente. O impasse da que lhe renderam, recentemente, o e a venda clandestina de madeira. A operação destacam o microzoneamento econômico- regularização fundiária, segundo o prefeito Prêmio Chico Mendes 2010 e a exclusão do causou um grande impacto no município, ecológico; a capacitação de agentes Demachki, é o maior desafio para a região. nome da cidade da Lista do Desmatamento elevando ainda mais o desemprego, com o ambientais; a inclusão da educação ambiental Ele acredita que, para acelerar o processo – foi o primeiro município incluído na relação no currículo escolar; e a ampliação e o incentivo burocrático, o governo federal deveria doar do Ministério do Meio Ambiente a conseguir a áreas de reflorestamento e de manejo suas glebas para os estados, de forma que o esse feito. A queda no desmatamento não foi florestal –, foi elaborado um diagnóstico município pudesse se articular diretamente o único critério de avaliação da performance socioeconômico e florestal do município, com uma instância somente. “A regularização do município, mas também a participação bem como um monitoramento mensal do fundiária é necessária para viabilizar o manejo popular, a efetividade das ações, o impacto desmatamento detectado pelo Sistema de florestal sustentável na região e gerar renda social (na educação, por exemplo) e os Alerta de Desmatamento (SAD), em parceria no campo – além de ser uma poderosa arma potenciais de inovação e difusão. com o Imazon. A frequência mensal do para combater o desmatamento, uma vez que Apesar de essas mudanças terem monitoramento para uma cidade era algo identifica o proprietário da terra que deve ser surgido somente a partir da última década inédito até então, e foi fundamental para responsabilizado”, avalia. e se intensificado nos últimos dois anos, identificar com mais rapidez e exatidão os A experiência de Paragominas nos mostra devido a pressões externas – seja do mercado madeireiros criminosos. que cumprir com as obrigações é apenas o internacional, seja do governo federal –, o Mesmo com a aprovação do projeto pela primeiro passo. Lançar desafios, questionar município soube ir além do cumprimento legal população, Paragominas sofreu, pouco tempo modelos e promover diálogos inclusivos é um e envolver diretamente a sociedade na busca depois, com o vandalismo de exploradores corajoso caminho para que transformações por soluções efetivas e duradouras. ilegais de áreas indígenas que atacaram a realmente aconteçam. Com apenas dois anos do Projeto base do Ibama no município. Esse episódio Leia sobre os avanços do município na área da Município Verde – uma criação coletiva da levou o então ministro do Meio Ambiente, educação na versão digital desta reportagem em prefeitura e de membros de toda a sociedade Carlos Minc, a visitar a região e fechar mais www.fgv.br/ces/pagina22

DEZ/JAN_ 48_Página 22 DEZ/JAN_49_Página 22 Última gastronomia

Pintado de verde-amarelo em só de atum, salmão e peixe-branco Grupo Axial, também contribuem para Nvive a culinária oriental. O uso de espécies combater a pesca predatória nas águas brasileiras alivia a pressão de consumo sobre doces brasileiras. Em novembro, na capital aquelas que tradicionalmente frequentam paulista, o restaurante Nakombi promoveu as bandejas do japonês. Aqui, o "molho" uma temporada com as iguarias. Entre outros da Amazônia e do Pantanal melhorou seu restaurantes que se servem dos peixes prato. Tambaqui e pirarucu; pintado e pacu da Mar&Terra, estão Almanara, Galeto’s, são peixes desses biomas, que, criados Barbacoa e Shintori,além dos hotéis Caesar em cativeiro pela empresa Mar&Terra, do Park e Renaissance. – por Amália Safatle ves : Rubens ch a : Rubens oto f

DEZ/JAN_50_Página 22 ISSN 1982-1670

NÚMERO 48 DEZ 2010/JAN 2011 r$ 15,00

BRASIL 2.1 O furor de "país do futuro" está de volta, mas o século é novo e as ideias de modernidade e atraso já não são mais as mesmas