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Estudo Comparativo Das Traduções Sobre As Expressões De Tratamento

Estudo Comparativo Das Traduções Sobre As Expressões De Tratamento

André Luiz Lopes Perides

Estudo comparativo das traduções sobre as expressões de tratamento da língua japonesa sob a ótica da teoria dos polissistemas nos mangás , e

São Paulo-SP 2018

André Luiz Lopes Perides

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS PROGRAMA DE LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA JAPONESA

Estudo comparativo das traduções sobre as expressões de tratamento da língua japonesa sob a ótica da teoria dos polissistemas nos mangás Love Hina, Yu Yu Hakusho e Chobits

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Leiko Matsubara Morales

São Paulo-SP 2018

PERIDES, André Luiz Lopes. Estudo comparativo das traduções sobre as expressões de tratamento da língua japonesa sob a ótica da teoria dos polissistemas nos mangás Love Hina, Yu Yu Hakusho e Chobits. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ______Instituição: ______Julgamento: ______Assinatura: ______

Prof. Dr. ______Instituição: ______Julgamento: ______Assinatura: ______

Prof. Dr. ______Instituição: ______Julgamento: ______Assinatura: ______

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e irmãos que sempre estimularam e apoiaram todos os meus objetivos.

À minha orientadora, Leiko Matsubara Morales, por todo o apoio, confiança e ensinamentos.

Aos professores João Azenha Júnior, John Milton, Lenita Esteves e Wataru Kikuchi, cujas disciplinas foram fundamentais para a composição deste trabalho.

E todos os professores e colegas que de alguma forma contribuíram e têm contribuído para o meu crescimento pessoal e profissional.

RESUMO

PERIDES, André Luiz Lopes. Estudo comparativo das traduções sobre as expressões de tratamento da língua japonesa sob a ótica da teoria dos polissistemas nos mangás Love Hina, Yu Yu Hakusho e Chobits. 2018. 153 . Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

As histórias em quadrinhos japonesas, conhecidas como mangás, vêm se popularizando muito fora do Japão nas últimas décadas. Partindo de uma abordagem que, nos estudos da tradução, considera a relevância de também se estudar os contextos e fatores externos ao texto, analisamos em nossa pesquisa a tradução para expressões de tratamento japonesas presentes nos mangás Love Hina, Yu Yu Hakusho e Chobits, publicados no Brasil no início dos anos 2000, quando o mercado de histórias quadrinhos japonesas ainda estava se estabelecendo no país, e que, uma década depois, foram reeditados pela mesma editora, mas com a tradução revisada. Questionamo se a experiência acumulada com a prática regular envolvendo a publicação de mangás, a consolidação de uma cultura do mangá no Brasil e consequente formação de um público leitor mais acostumado com características e especificades do gênero trazem reflexos que são perceptíveis na tradução, veríficaveis por meio das estratégias de tradução empregadas.

Palavra-chaves: Mangás. Cultura japonesa. Estudos da tradução. Teoria dos Polissistemas. Normas. Retradução. Linguagem de tratamento. Polidez. Pragmática. Sociolinguística.

ABSTRACT

PERIDES, André Luiz Lopes. Comparative study of the japanese treatment expressions from the point of view of the polysystems theory in the Love Hina, Yu Yu Hakusho and Chobits. 2018. 153 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Japanese comics, known as manga, have become very popular outside in the last few decades. Based on an approach that in the translation studies considers the relevance of also studying the contexts and factors external to the text, we analyzed in our research the translation for japanese treatment expressions present in Love Hina, Yu Yu Hakusho and Chobits, manga published in in the early 2000s, when the japanese market was still settling in the country; a decade later these manga were reprinted by the same publisher, but with a revised translation. We question whether the regular practice involving the publication of manga, the consolidation of a manga culture in Brazil and the consequent formation of a readership more accustomed to characteristics and specificities of the genre brings reflexes that are perceptible in translations, verifiable by means of translation strategies employed.

Keywords: Manga. Japanese culture. Translation studies. Theory of Polysystems. Norms. Retranslation. Language of treatment. Politeness. Pragmatics. Sociolinguistics.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Folha de S. Paulo, 05.04.2014 ...... 17 Figura 2 - Candidatura Tóquio-2020 ...... 19 Figura 3 - Folha Online, 2016 ...... 21 Figura 4 - Turma da Mônica Jovem, Nº 5, Panini Comics ...... 25 Figura 5 - Turma da Mônica Jovem, Nº 61, Panini Comics ...... 26 Figura 6 - Obras clássicas ocidentais em mangás ...... 26 Figura 7 - Manga Host: traduções feitas por fãs na internet ...... 40 Figura 8 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 48 Figura 9 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 48 Figura 10 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 48 Figura 11 - Yu Yu Hakusho, 2014 ...... 48 Figura 12 - Chobits, JBC, 2003 ...... 48 Figura 13 - Chobits, JBC, 2015 ...... 48 Figura 14 - Comércio de edições digitais de mangá ...... 72 Figura 15 - Kindle Unlimited no Japão ...... 72 Figura 16 - Veja, 16.11.1994...... 74 Figura 17 - Veja, 02.04.1997 ...... 74 Figura 18 – Temáticas que não chegam ao leitor brasileiro ...... 88 Figura 19 - Mai, , 1985 ...... 89 Figura 20 - Mai, the Psychic Girl, Viz, 1989 ...... 89 Figura 21 - Mai, a garota sensitiva, Editora Abril, 1992 ...... 89 Figura 22 - Mai, Shogakukan, 1985 ...... 90 Figura 23 - Mai, Editora Abril, 1992 ...... 90 Figura 24 - Página de aviso, Conrad...... 91 Figura 25 - Página de aviso, JBC ...... 91 Figura 26 - Página de aviso, Panini Comics ...... 92 Figura 27 - Página de aviso, NewPop...... 92 Figura 28 - Página de aviso, Turma da Mônica Jovem, Panini Comics ...... 92 Figura 29 - Mai, Shogakukan, 1985 ...... 93 Figura 30 - Mai, Editora Abril, 1992 ...... 93 Figura 31 - Crying Freeman, Shogakukan, 1986...... 93 Figura 32 - Crying Freeman, Nova Sampa, 1991 ...... 93

Figura 33 - Cavaleiros do Zodíaco, Conrad, 2001 ...... 94 Figura 34 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 94 Figura 35 - Dr. Slump, Conrad ...... 95 Figura 36 - 1 Litro de Lágrimas, NewPop ...... 95 Figura 37 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 95 Figura 38 - , Panini Comics ...... 96 Figura 39 - , JBC ...... 96 Figura 40 - Capas das edições brasileiras de Love Hina ...... 97 Figura 41 - Folhetim, Folha de S. Paulo, 1982 ...... 98 Figura 42 - Folhinha, Folha de S. Paulo, 1991 ...... 99 Figura 43 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 1993 ...... 101 Figura 44 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 1997 ...... 102 Figura 45 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 2002 ...... 103 Figura 46 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 2002 ...... 103 Figura 47 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 2004...... 105 Figura 48 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 2008...... 105 Figura 49 - Love Hina, , 1998 ...... 111 Figura 50 - Love Hina, Kodansha, 1998 ...... 111 Figura 51 - Love Hina, JBC, 2002...... 111 Figura 52 - Love Hina, JBC, 2002...... 111 Figura 53 - Love Hina, JBC, 2013...... 111 Figura 54 - Love Hina, JBC, 2013...... 111 Figura 55 - Love Hina, Kodansha, 1998 ...... 116 Figura 56 - Love Hina, JBC, 2002...... 116 Figura 57 - Love Hina, JBC, 2013...... 116 Figura 58 - Chobits, Kodansha, 2000 ...... 118 Figura 59 - Chobits, JBC, 2003 ...... 118 Figura 60 - Chobits, JBC, 2015 ...... 118 Figura 61 - Love Hina, JBC, 2002...... 119 Figura 62 - Love Hina, JBC, 2013...... 119 Figura 63 - Chobits, JBC, 2003 ...... 119 Figura 64 - Chobits, JBC, 2015 ...... 119 Figura 65 - Yu Yu Hakusho, , 1990 ...... 121 Figura 66 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 121

Figura 67 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 121 Figura 68 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 124 Figura 69 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 124 Figura 70 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 125 Figura 71 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 125 Figura 72 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 125 Figura 73 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 125 Figura 74 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 126 Figura 75 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 126 Figura 76 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 126 Figura 77 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 127 Figura 78 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 127 Figura 79 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 128 Figura 80 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 129 Figura 81 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 129 Figura 82 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 129 Figura 83 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 130 Figura 84 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 130 Figura 85 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 130 Figura 86 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 130 Figura 87 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 130 Figura 88 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 130 Figura 89 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 131 Figura 90 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 131 Figura 91 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 131 Figura 92 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 132 Figura 93 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 132 Figura 94 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 132 Figura 95 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 133 Figura 96 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 133 Figura 97 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 134 Figura 98 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 134 Figura 99 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 135 Figura 100 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 135

Figura 101 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 135 Figura 102 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 135 Figura 103 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 136 Figura 104 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 136 Figura 105 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 136 Figura 106 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 137 Figura 107 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 137 Figura 108 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 138 Figura 109 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 138 Figura 110 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 139 Figura 111 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 139 Figura 112 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 139 Figura 113 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 139 Figura 114 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 139 Figura 115 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 139 Figura 116 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 140 Figura 117 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 140 Figura 118 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 140 Figura 119 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 ...... 141 Figura 120 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002...... 141 Figura 121 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014...... 141

LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 1 - Corpus de mangás ...... 29 Tabela 2 - Expressões de polidez: formas polida e não polida ...... 64 Tabela 3 - Séries iniciadas pela editora Conrad de 1999 até 2011 ...... 77 Tabela 4 - Séries iniciadas pela editora JBC de 2001 até 20177 ...... 78 Tabela 5 - Séries iniciadas pela editora Panini Comics de 2002 até 2017 ...... 81 Tabela 6 - Séries iniciadas pela editora NewPop de 2007 até 2017 ...... 85 Tabela 7 - Números séries iniciadas ano a ano das quatro principais editoras ...... 86 Tabela 8 - Manchetes: final dos anos 1980 e início dos anos 1990...... 99 Tabela 9 - Manchetes: final dos anos 1990 e início dos anos 2000...... 102 Tabela 10 - Manchetes: a partir de meados dos anos 2000 ...... 104 Tabela 11 - Traduções para o sufixo -san...... 115 Tabela 12 - Estratégias de tradução para o sufixo -san ...... 116 Tabela 13 - Estratégias de tradução para senpai ...... 120 Tabela 14 - Traduções para o termo sensei ...... 122 Tabela 15 - Traduções para o termo kanrinin...... 122 Tabela 16 - Traduções para o termo ryouchou ...... 123 Tabela 17 - Traduções para o termo tenchou ...... 123 Tabela 18 - Tradução para o termo taishou ...... 123

SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO ...... 16 1.1 Surgimento do interesse no tema ...... 16 1.2 Apresentação do tema ...... 17 1.3 Objetivos da pesquisa ...... 27 1.4 Fundamentação teórica e metodologia ...... 27 1.5 Procedimentos metodológicos ...... 30 1.6 Estrutura da dissertação ...... 30 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...... 32 2.1 Teorias da tradução ...... 32 2.1.1 Teoria dos polissistemas ...... 32 2.1.1.1 O polissistema de tradução literária...... 38 2.1.1.2 A tradução de mangás com base na teoria dos polissistemas ...... 39 2.1.2 Normas...... 42 2.1.3 Identidades culturais ...... 45 2.1.4 Retradução ...... 46 2.1.5 Visões de tradução ...... 49 2.2 Linguagem de tratamento ...... 51 2.2.1 A polidez nos estudos da pragmática ...... 51 2.2.1.1 Teoria da polidez e preservação da face ...... 51 2.2.1.1.1 A noção de face ...... 51 2.2.1.1.2 Atos que ameaçam a face ...... 52 2.2.1.1.3 Estratégias de polidez ...... 53 2.2.2 O tratamento na língua japonesa ...... 55 2.2.2.1 Expressões de tratamento ...... 55 2.2.2.2 Keigo no Shishin: um posicionamento oficial sobre o uso de expressões honoríficas na sociedade japonesa ...... 56 2.2.2.3 Relações sociais japonesas e expressões de tratamento: fatores contextuais que determinam o uso do tratamento ...... 59 2.2.2.3.1 Eixo horizontal ...... 60 2.2.2.3.2 Eixo ...... 61 2.2.2.4 Proposta de classificação das expressões de tratamento japonesas em função do referente...... 63 2.2.2.4.1 Referente interlocutor ...... 63 2.2.2.4.1.1 Expressões de polidez (Teineigo) ...... 63 2.2.2.4.1.2 Expressões de formalidade (Teichôgo) ...... 64 2.2.2.4.2 Referente conteúdo do enunciado...... 64

2.2.2.4.2.1 Expressões de respeito (sonkeigo) ...... 65 2.2.2.4.2.2 Expressões de modéstia (kenjôgo) ...... 65 2.2.2.4.3 Referente interlocutor ou conteúdo do enunciado ...... 65 2.2.2.4.3.1 Expressões de carinho/intimidade (Shin’aigo) ...... 65 2.2.2.3.4.2 Expressões depreciativas (Higo) ...... 66 3 - AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS JAPONESAS ...... 67 3.1 O mangá no Japão ...... 67 3.1.1 Breve histórico ...... 67 3.1.2 Os formatos de publicação ...... 70 3.1.3 As principais editoras ...... 73 3.2 O mangá no Brasil ...... 73 3.2.1 Breve histórico ...... 73 3.2.2 O mercado de mangás no Brasil ...... 75 3.2.3 Características formais das edições brasileiras ...... 88 3.2.3.1 Tradução indireta e tradução direta ...... 88 3.2.3.2 Ordem de leitura ...... 90 3.2.3.3 Tradução de onomatopeias ...... 93 3.2.3.4 Notas de tradução e glossários...... 94 3.2.3.5 Formatos ...... 96 3.2.4 Evolução da imagem do mangá no Brasil desde a década de 1980 com base no que se publicou sobre o tema no jornal Folha de S. Paulo ...... 97 3.2.4.1 Final dos anos de 1980 e início dos anos 1990...... 99 3.2.4.2 Final dos anos de 1990 e ínicio dos anos 2000...... 101 3.2.4.3 A partir de meados dos anos 2000 ...... 104 3.2.5 O discurso assumido pelas editoras ...... 106 4 - ANÁLISE DE TRADUÇÕES ...... 110 4.1.1 "Por aqui, senhor Urashima": tradução do sufixo -san...... 110 4.1.2 Visão geral ...... 114 4.2.1 "Posso chamá-lo de veterano?": tradução de senpai ...... 116 4.2.2 Diferentes mangás, diferentes estratégias: a evolução na tradução senpai/veterano ao longo dos mangás ...... 117 4.3 "Me chame de professor": tradução para designativos de cargos...... 120 4.4 O uso de tratamento com base nas relações interpessoais em ambiente escolar retratadas no mangá Yu Yu Hakusho ...... 124 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 143 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ...... 147 16

1 - INTRODUÇÃO

1.1 Surgimento do interesse no tema

Eu faço parte de uma geração que desde pequena recebe influências daquela que hoje é considerada como sendo a cultura pop japonesa. Antes dos mangás, propriamente, dois fenômenos de massa, ambos exibidos com grande repercussão no Brasil, são referências comuns àqueles de uma faixa etária semelhante à minha, e representaram o meu primeiro contato, ainda criança, com elementos da cultura japonesa: o seriado Jaspion, transmitido pela TV Manchete no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990; e, posteriormente, o desenho Cavaleiros do Zodíaco, inicialmente exibido no Brasil pela mesma emissora de televisão, em meados da década de 1990. Desde criança, e antes mesmo de entrar na escola, eu já era um fã, - e consumidor - dos produtos que exploravam a marca Jaspion no Brasil: álbuns de figurinhas, revistinhas em quadrinhos baseada no personagem (e ainda não estamos falando de mangás), brinquedos, fantasias, etc. O Japão também esteve presente no meu imaginário, neste primeiro momento, por meio dos videogames. A maioria dos jogos de videogame que tanto me atraíam vinham de lá. É natural, por tanto, que o país exercesse uma espécie de fascinação. Em termos de quadrinhos, no entanto, a associação não foi imediata. Sempre gostei de histórias em quadrinhos, de maneira geral, e destaco um papel importante que elas tiveram para despertar o meu interesse por leitura e temas relacionados com a linguagem. Pude, no entanto, presenciar um período de transição no mercado de quadrinhos brasileiro. Ou seja, como leitor, vivenciei um momento em que as histórias em quadrinhos japonesas não eram tão acessíveis como hoje, cenário desconhecido para aqueles nascidos após os anos 2000, e um momento seguinte no qual elas já constituem uma realidade. A criança que iniciasse o gosto por histórias em quadrinhos a partir da variedade de títulos infantis então disponíveis, como no meu caso, ao entrar na adolescência, teria poucas opções que a permitissem prosseguir o interesse pelo tema. Além dos títulos considerados infantis, as revistas de super-heróis dominavam o mercado. Os gibis de heróis, no entanto, com numeração elevada que na maioria dos títulos ultrapassava a centésima edição, mostravam-se pouco convidativos e apresentavam sagas já iniciadas e que não raro exigiam um conhecimento prévio de acontecimentos anteriores envolvendo a narrativa dos quais o novo leitor não dispunha e teria muita dificuldade em recuperar. 17

1.2 Apresentação do tema

O crescente interesse no ocidente por histórias em quadrinhos japonesas, conhecidas como mangás, bem como artigos relacionados com uma cultura popular japonesa contemporânea, como vem se observando, sobretudo, nas últimas décadas, é um fenômeno que suscita diversos enfoques e abordagens de estudo. No Brasil, desde o início dos anos 2000, títulos de mangás vêm sendo publicados com regularidade, inclusive com reedições de determinadas séries, tanto pela mesma editora como por editoras diferentes, o que nos permitiria diversas possibilidades de análises e recortes teórico-metodológicos. Entendemos que os mangás proporcionam não apenas uma rica fonte de informações linguísticas como também representam um objeto atual e de significativa penetração em uma faixa etária mais jovem. Reflexos que apontariam para uma possível influência dos mangás, entre leitores brasileiros, por exemplo, talvez já possam ser identificados; como sugere a seguinte tirinha, sem qualquer relação com mangás ou cultura japonesa, publicada em 5 de abril de 2014, na Folhinha, suplemento dedicado ao público infantil, do jornal Folha de S. Paulo, em que o termo japonês é empregado casualmente, como se fosse um termo comum. A tirinha em questão é trabalho do cartunista Pedro Cobiaco que, em 2010, aos 13 anos, assumiu a criação de quadrinhos para o suplemento1.

Figura 1- Folha de S. Paulo, 05.04.2014 Nessa perspectiva, os mangás deixariam de ser um produto de interesse meramente local e passariam a servir como um instrumento de divulgação que não apenas apresenta

1 Pedro C. é o novo quadrinista da Folhinha. Folha de S. Paulo, 29.05.2010 18 uma visão de Japão como também contribuiriam para difusão de elementos da cultura japonesa. Como explicam Isshiki e Miyazaki (2016) em artigo publicado na revista Estudos Japoneses, ao definir o conceito soft power, termo cunhado por Nye (1990), trata-se de uma estratégia de política internacional que vem sendo conscientemente empregada pelo Japão como um meio de divulgar e melhorar a imagem do país.

A partir de meados da década de 1990, a economia japonesa perdeu o seu vigor. Nos últimos anos, o Japão tem enfrentado crescimento de níveis modestos à estagnação econômica, de 1995 a 2000 a taxa média de crescimento fora de 0,83%, e isso se refletiu também em suas relações com outros países. Nessa conjuntura, o Japão tenta recuperar sua influência e importância de outras formas, através de recursos denominados como soft power, em que Nye (1990) define como o poder que um país possui para influenciar indiretamente o comportamento de outros países através de recursos que não a força militar ou econômica, por exemplo, através de atrações culturais, ideologia e instituições internacionais. Segundo o ex- ministro do Japão, Taro Aso, o seu país está buscando melhorar a imagem regional e global, através da cultura pop como instrumento diplomático. Entre eles podemos citar: mangá, animê, música e a moda. (ISSHIKI e MIAZAKI, 2016, p.41)

Segundo os autores, a estratégia foi proposta pelo governo “com o intuito expandir a influência do país nos campos cultural, econômico, social e político para outros países”; tendo ficado conhecida como , termo que “teve origem no artigo Japan’s Gross National Cool, publicada na revista Foreign Policy por Douglas McGray em 2001”.

O Cool Japan foi uma medida tomada pelo governo para melhorar a imagem do país, que tem sido abalada por eventos históricos, tais como participações em guerras, atuação de governos anteriores, problemas com outros países asiáticos. Esses eventos fizeram o Japão ter uma imagem de país conservador e pouco amigável. Com o Cool Japan, o Japão reconstruiria sua imagem, gerando condições favoráveis na sua relação com o mundo. Sendo assim, a circulação de produtos japoneses no mundo, inspiraria consumidores do globo ansiando por produtos de origem japonesa, com isso o país ampliaria as exportações de seus produtos culturais. (ibidem, p.43-44)

Em abril de 2009, o primeiro ministro japonês Taro Aso se manifestou sobre o tema e suas declarações repercutiram na impressa internacional, como mostra texto da agência de notícias Reuters publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

O primeiro-ministro do Japão é fã de mangás, Taro Aso, sempre alardeou a importância de conteúdos "soft power" como as histórias em quadrinhos e para fortalecer o status diplomático global do seu país. 19

Agora ele está de olho também no potencial econômico da cultura pop. Um gigantesco pacote de estímulo econômico que ele divulgou nesta sexta- feira estipula como meta aumentar as vendas de "conteúdo" para o exterior dos atuais 2 por cento para 18 por cento do total das exportações. O pacote é o maior da história do Japão. O objetivo é tirar o país da sua pior recessão em 60 anos. Ao explicar sua estratégia de crescimento em longo prazo, numa entrevista coletiva na véspera, Aso brandiu revistas da China e de Taiwan que mostravam astros pop japoneses nas suas capas. "O conteúdo japonês, como os animes e os videogames, e a moda chamam a atenção de consumidores no mundo inteiro", afirmou. "Infelizmente, esse 'soft power' não está sendo vinculado a negócios no exterior. (Com o projeto) quero criar um mercado de 20-30 trilhões de ienes (200-300 bilhões de dólares) até 2020, e criar 500 mil empregos. Pelo menos um órgão público já está atento ao uso de verbas do pacote em um projeto cultural. A Agência de Assuntos Culturais quer quase 12 bilhões de ienes para construir um "Centro Nacional Abrangente para a Arte da Mídia", que exibiria itens culturais japoneses contemporâneos, como mangás, animes e videogames, segundo o jornal Asahi. (O Estado de S. Paulo, 10.04.2009, edição digital)

E não faltam exemplos que nos permitem ilustrar como, de fato, os mangás, vêm sendo fortemente utilizados, no contexto atual, como um meio de divulgação da imagem do Japão perante a comunidade internacional. Durante a candidatura de Tóquio para sediar os Jogos Olímpicos de 2020, por exemplo, o personagem de mangá e animê foi apresentado como “embaixador especial” da candidatura.

Figura 2 - Notícia no site oficial Tóquio-2020 apresentando o personagem de mangá e animê Doraemon como um dos embaixadores especiais dos jogos olímpicos. Acesso em: 11 dez. 2017. 20

Inclusive na Cerimônia de Encerramento dos Jogos Olímpicos Rio-2016, já com a candidatura de Tóquio-2020 confirmada, no segmento em que o país anfitrião do próximo evento faz uma pequena apresentação, referências à cultura pop japonesa, entre elas o mangá, receberam significativo destaque; explicitando em um evento de repercussão mundial que se tratam de símbolos estimulados pelo governo japonês.

Como de costume, o país anfitrião das olimpíadas seguintes fez uma breve apresentação para convidar a todos para os próximos jogos. A abertura começou com um vídeo de apresentação dos principais pontos turísticos da metrópole japonesa e incluiu uma interação com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. No vídeo, ele aparece saindo do parlamento e percebe que não chegará a tempo para a cerimônia do Rio de Janeiro. Segurando uma bola vermelha, ele pega o boné igual ao do Super Mário (em que aparece “” no lugar do “M”), se transforma no personagem do game, corre pelas ruas de e, com a ajuda do Doraemon (embaixador especial da candidatura de Tokyo para as Olimpíadas de 2020) pega um atalho para o outro lado do mundo. Durante o vídeo de “aquecimento para Tokyo 2020”, aparecem personagens da cultura pop japonesa como a , Doraemon e Oliver Tsubasa (Super Campeões) ao lado dos atletas que se já se preparam para as próximas olimpíadas. (Made in Japan, 22.08.2016)

Em setembro de 2016, a versão digital do caderno Turismo do jornal Folha de S. Paulo repercute informação da agência de notícias Associated Press sobre a criação de uma rota turística baseada em locais retratados em mangás.

Oitenta e oito lugares no Japão serão designados "pontos animados", em uma tentativa de incrementar o turismo – são estações de trem, escolas e outros locais corriqueiros, em que personagens populares de mangás estão retratados. Esses pontos são contados às dezenas de milhares, dados a popularidade e o volume de revistas de mangá no Japão. A seleção feita agora é uma espécie de lista oficial para a peregrinação de qualquer fã de desenhos animados e HQs, já que os lugares serão conhecidos como "seichi", ou sagrados. Pessoas de todo o mundo podem votar na seleção, em um site da campanha, disponível em vários idiomas, incluindo o inglês. "A cultura pop japonesa cresceu a ponto de rivalizar com Hollywood. A animação pode mudar nosso tempo", disse, em uma entrevista coletiva, Tsugihiko Kadokawa, um dos responsáveis pelo projeto e presidente da editora e estúdio Kadokawa Corp. (18.09.2016)

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Figura 3 - Folha Online, 18.09.2016

No Brasil, identifica-se não só uma tendência manifestada por jovens sem ascendência nipônica em conhecer mais sobre aspectos da língua e cultura japonesa, motivados por mangás e animês (termo pelo qual são conhecidos os desenhos animados japoneses), mas também inúmeras iniciativas por parte de grandes editoras e veículos de comunicação em explorar a linguagem dos mangás. Laura Tey Iwakami (2012) ao escrever sobre experiência de ensino da língua japonesa no núcleo de línguas estrangeiras da Universidade Estadual do Ceará comenta sobre um significativo aparecimento de um novo perfil de interessados pelo estudo da língua, de faixa etária mais jovem e atraídos por influência de animês e mangás.

O perfil dos alunos do nosso curso mudou bastante do início para cá [...] curiosos com o novo perfil de alunos mais jovens, em geral entre 15 a 30 anos, questionamos deles, então, o porquê desse interesse pela aprendizagem da língua japonesa e verificamos que, entre os inúmeros motivadores para o início da aprendizagem do japonês, um elemento da cultura popular japonesa contemporânea se destacava: o gosto pelas 22

histórias em quadrinhos japonesas, conhecidas como mangá, e os desenhos animados – animê [...] O estudo de Ueda e Morales (2006) atesta que há uma tendência global de um crescimento de número de aprendizes sem ascendência nipônica, “manifesta inclusive onde não há um contingente significativo de descendentes japoneses”, [...] aprendizes esses que “têm como maior motivação para o estudo da língua japonesa o interesse por animê e mangá” (UEDA; MORALES, 2006). Assim, percebe-se que nossa realidade, aqui no Ceará, também acompanha essa tendência mundial. (IWAKAMI, 2012)

Um exemplo do cenário descrito por Iwakami aparece retratado no romance francês A Elegância do Ouriço2, de Muriel Barbery, publicado em 2006. Uma das personagens do livro, uma menina de 12 anos, estuda japonês como segunda língua tendo como motivação a expectativa por ler mangás no original. A França, onde a história se passa, é um país que, assim como o Brasil, os mangás alcançaram grande popularidade.

Estou cursando a sétima série e aprendo o japonês como segunda língua. O professor de japonês não é lá essas coisas, come as palavras em francês e vive coçando a cabeça com um ar de perplexidade, mas tem um manual bonzinho, e desde a volta às aulas eu avancei muito. Tenho a esperança de que, daqui a uns meses, possa ler no original meus mangás prediletos. Mamãe não entende que uma menina-tão-dotada-como-você possa ler mangás. Nem sequer me dei o trabalho de lhe explicar que mangá em japonês quer dizer, simplesmente, "história em quadrinho". Ela acha que me alimento de subcultura, e deixo que ela se iluda. (BARBERY, 2006)

A publicação de mangás em países ocidentais, e o Brasil está plenamente inserido dentro deste contexto, constitui uma prática consideravelmente recente e que passou por diferentes etapas ao longo das últimas três décadas, como detalharemos ao longo da dissertação. Sobre isso comenta o pesquisador Alfons Moliné (2004), destacando que a presença dos mangás no mercado ocidental no início dos anos de 1980 “era quase nula” e que hoje constitui “uma parte mais que apreciável” do mercado global de quadrinhos.

Muitas coisas aconteceram desde aqueles relativamente não tão distantes tempos em que, para um leitor fora do Japão ter em suas mãos um exemplar daquelas estranhas histórias em quadrinhos japonesas - com seu elevado número de páginas e seu papel de baixa qualidade que lhes davam um aspecto de "lista telefônica" - era como possuir uma raridade, quase uma "peça de museu". Hoje em dia, as obras dos principais autores de mangás são traduzidas regularmente para o português, o inglês, o espanhol, o francês, o italiano e outros idiomas europeus. O que mais se destaca na animação nipônica pode estar em nossos televisores, em fitas de vídeo ou DVD; em toda a Europa e nas Américas, são organizados fãs-clubes e convenções em torno dos mangás e animes. Em resumo, o fenômeno

2 BARBERY, Muriel. A elegância do ouriço. Tradução: Rosa Freire d’Aguia. Companhia da Letras, 2008. 23

mangá, que alguns classificavam como passageiro está definitivamente consolidado. (Moliné, 2004, p.12)

Sonia Luyten, na 1ª edição de Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses (1991), estudo de referência no Brasil sobre o tema, embora já percebesse um claro movimento de internacionalização do mangá, quanto à absorção dos quadrinhos japoneses por diferentes países e culturas, descrevia uma realidade ainda distante daquela que se presencia hoje.

As cenas de violência e sexo, embora presentes nas revistas direcionadas ao público juvenil no Japão, não teriam aceitabilidade em outros países [...] No Japão, tanto os livros como as revistas de mangá são manuseados e lidos da direita para a esquerda e, por isso mesmo, será necessário adaptá- los ao sistema ocidental, da esquerda para a direita. Essa alteração no fluxo de manuseio envolveria uma total rediagramação da revista pelas mudanças da posição das histórias e a inversão da páginas e dos quadrinhos [...] no conjunto, tudo isso significaria um alto custo de produção, levando- se em conta o grande número de páginas contidas numa revista. (LUYTEN, 1991, p.178-179)

De fato, a experiência de um garoto que frequentasse a seção de quadrinhos de uma banca de jornal vinte anos atrás não coincide com aquela vivenciada por um garoto que hoje vá para o setor de quadrinhos, eventualmente na mesma banca ainda em atividade, mas que se depara com um visível espaço dedicado ao mangá. Sem considerarmos as possibilidades de leitura por meios digitais, como os proporcionados com a internet, disponível a esse garoto de hoje; inexistente em outros momentos. Em um espaço de tempo relativamente curto, muitas das dificuldades inicialmente apontadas por Luyten se mostraram, em certa medida, possível de serem solucionadas. Se no início dos anos de 1990, quando editoras brasileiras apostaram em alguns poucos títulos que começavam a obter prestígio em mercados como o norte-americano, ainda se descrevia com certo ceticismo, em jornais de grande circulação, quanto ao potencial de sucesso para os quadrinhos japoneses em território nacional; uma década depois, não só já se identificava a ascensão do mangá como também se anunciava o declínio do modelo de super-heróis, predominante no mercado de quadrinhos até então3. É o que se percebe, por exemplo, a partir dos comentários e descrições negativas do jornal O Estado de S. Paulo ao resenhar Mai, a Garota Sensitiva, publicado pela Editora Abril, em 1992: “A maioria das páginas é preenchida apenas com close-ups de olhos

3 Golpe de misericórdia: Heróis da maior editora de HQs dos Estados Unidos rendem-se ao universo do mangá. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 set. 2002. 24 arregalados, bocas abertas, etc. Os mangás chegam ao cúmulo de trazer onomatopéia para expressar o silêncio entre os personagens”. No mesmo texto, o jornal comenta que “os mangás nunca deram muito certo no mercado brasileiro” e conclui cético: “foge ao estilo que o leitor brasileiro está acostumado. Não tem muito refinamento, mas é um clássico da era do consumo. Resta saber se vai ser consumido por aqui.”. É interessante observar como, do ponto de vista da recepção, em um primeiro momento, quando os quadrinhos japoneses ainda eram majoritariamente desconhecidos entre os leitores brasileiros, de um modo geral, determinadas visões, fortemente estereotipadas, apareceram reiteradamente difundidas por diferentes veículos de mídia.

• Mais gastos com papel para mangá do que papel higiênico.

Segundo pesquisa citada na revista francesa "Metal Hurlant" em 86, o Japão gasta mais em papel em mangás que em papel higiênico. (Folha de S. Paulo, 25.02.1991) (grifo nosso)

O mangá típico tem 700 páginas! Há estimativas de que o Japão gaste mais celulose em mangás do que em papel higiênico. (Jornal do Brasil, 13.07.1997) (grifo nosso)

• 3,75 segundos como tempo de médio de leitura de uma página.

No Japão, os gibis são conhecidos como "mangás", famosos por criarem enredos repletos de aventuras com imagens vibrantes, pouquíssimo texto e entendimento instantâneo. Perfeccionistas, os japoneses se deram ao trabalho de cronometrar o tempo médio que gastam lendo os seus mangás. Chegaram ao índice de 3,75 segundos por páginas. (Veja, 19.08.1992) (grifo nosso)

Quem tem pressa come cru, é por isso que o sushi reina no império dos fast foods. E os japoneses têm muita pressa - são obcecados pelos motores mais possantes, os computadores mais rápidos, a maior produtividade. Uma página de mangá, os quadrinhos japoneses, tem tempo médio de leitura ridículo: 3,75 segundos, cronometrados, com orgulho, pelos leitores orientais. É o fast food do entretenimento. (O Estado de S. Paulo, 23.08.1992) (grifo nosso)

• Violência.

O percentual de estupros, surras e flagelações nos quadrinhos ditos masculinos não tem equivalentes no ramo. Vale tudo, até com crianças. Violência pode; sexo explícito não. No Japão, as genitálias femininas e masculina são tabus em todas as expressões visuais. (Tribuna da Imprensa, 27.03.1986) (grifo nosso) 25

Os quadrinhos japoneses - ou "mangás", como são chamadas lá - são na sua maioria obras-primas da violência gráfica que exploram os lados negros da alma humana. (Tribuna da Imprensa, 26.07.1996) (grifo nosso)

Complementa Luyten, no início dos anos 2000, em introdução escrita para a segunda edição de Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses, diante de um cenário que começava a se modificar significativamente, em virtude da maior difusão, conhecimento sobre os quadrinhos japoneses e absorção por parte do mercado:

Muitas novidades ocorreram na produção dos mangás após a primeira edição deste livro em 1991. As histórias em quadrinhos japonesas, desde há alguns anos caracterizadas por suas tiragens astronômicas e por um estilo peculiar de desenho e produção, alteraram-se em sua estrutura devido a diversos fatores como o grande volume de traduções para línguas ocidentais e um programa de internacionalização dos mangás. As H.Qs japonesas deixaram de ser um produto exótico no ocidente e podem ser encontradas até em pequenas localidades na Europa. O número de fanzines e associações de fãs de mangá e animê espalhadas por todos os continentes aumentou e há hoje em dia inúmeras obras, teses acadêmicas e sites na internet falando sobre eles. (LUTYEN, 2012 [2001], p.9)

Mais do que um estilo ou modelo de se fazer histórias em quadrinhos, a associação entre uma ideia de mangá e Japão parece que se fortalece à medida em que o gênero se consolida. Tão associada que se perceberia presente mesmo em produções nacionais que visam incorporar a linguagem do mangá, como se observa em história da Turma da Mônica Jovem, por exemplo - um produto com a marca do cartunista Maurício de Sousa, criado na esteira do sucesso do mangá no Brasil - em que as personagens aparecem jogando uma partida de beisebol, esporte pouco familiar do brasileiro, de um modo geral, mas retratado como se fosse uma ação rotineira:

Figura 4 - Turma da Mônica Jovem, Nº 5, Panini Comics, 2008. 26

Ou ainda, em expressões do idioma japonês, como “totemo kawaii”, presentes diretamente na fala de personagens.

Figura 5 - Turma da Mônica Jovem, Nº 61, Panini Comics, 2013.

Outro exemplo disso é a publicação de obras ocidentais clássicas adaptadas para a linguagem do mangá, como a coleção publicada pela editora L&PM.

Figura 6 - A publicação de obras ocidentais clássicas em formato mangá revela a existência de uma cultura do mangá no país que já está preparada para receber essas adaptações

Neste caso, chama a atenção, em especial, o projeto gráfico da capa. Como não são obras que se costuma associar com mangás, foram utilizados nas capas balões e textos em japonês, o que mostra, mais uma vez, a forte ligação que se faz entre a noção de mangá e um imaginário de Japão. 27

Diante do cenário exposto acima, entendemos que a tradução possibilita um campo fértil para discussões quanto ao processo de inserção dos quadrinhos japoneses em um diferente país e cultura.

1.3 Objetivos da pesquisa

a. Gerais

Contextualizar o fenômeno de internacionalização dos mangás, bem como refletir sobre o processo de introdução das histórias em quadrinhos japonesas em um diferente país e cultura, mais especificamente, o Brasil. Questionamo-nos se a experiência acumulada com a prática constante envolvendo a publicação de mangás, a consolidação de uma cultura do mangá no Brasil e consequente formação de um público leitor apresentaria reflexos perceptíveis não apenas no que diz respeito ao formato em que os títulos são publicados, mas também no próprio texto traduzido.

b. Específicos

• Identificar como a percepção quanto aos quadrinhos japoneses evoluiu ao longo das últimas três décadas. • Identificar e analisar estratégias utilizadas ao se lidar com a tradução de formas de tratamento japonesas observadas em traduções representativas de dois momentos distintos no desenvolvimento da prática da tradução de mangás no Brasil.

1.4 Fundamentação teórica e metodologia

Por se tratar de um segmento consideravelmente novo e que lidou com modificações no posicionamento que ocupa no mercado de quadrinhos, desde que os mangás começaram a ser lançados no país, julgamos pertinente uma abordagem descritiva, sensível aos contextos em que as traduções foram realizadas. Desta forma, consideramos que muitas das reflexões e modelos tradutológicos propostos por autores como Itamar Even-Zohar (Teoria dos Polissistemas) e Gideon 28

Toury (Normas), vinculados a uma corrente teórica que nos estudos da tradução se convencionou chamar de Estudos Descritivos da Tradução, possibilitam uma moldura teórica importante para pensarmos o processo de internacionalização das histórias em quadrinhos japonesas. Estes autores, em linhas gerais, compartilham uma visão de que as obras traduzidas não devem ser estudadas isoladamente, mas a partir de uma abordagem que relaciona a linguagem com sua função sociocultural; valendo-se de uma definição não prescritiva de equivalência e adequação que permite variações de acordo com a situação histórica e cultural do texto. É com base nessa perspectiva que acreditamos que a publicação de um mangá em um momento no qual os quadrinhos japoneses estão sendo introduzidos no país e a publicação de um mangá em outro momento, quando o gênero já está consolidado, mostrará diferenças em como esse mangá será traduzido, verificáveis por meio das estratégias de tradução utilizadas. Visando maior compreensão do objeto, antes de nos aprofundarmos na análise de questões mais específicas relativas ao texto traduzido, entendemos ser necessário um primeiro momento para contextualização e reflexão quanto ao interesse crescente por histórias em quadrinhos japonesas, fora do Japão, percebido nas últimas décadas. Assim, com base em estudos bibliográficos sobre o tema, análise de comentários e meta-textos inseridos em edições brasileiras de mangás, e também a partir de pesquisa em acervos digitais de jornais buscaremos descrever o fenômeno e verificar como, do ponto de vista da recepção, a percepção sobre os quadrinhos japoneses vem evoluindo, no Brasil, ao longo dos últimos trinta anos. Em um segundo momento, depois de exploramos os contextos que envolvem a publicação de mangás, voltamos nossa atenção para as traduções propriamente ditas e propomos uma análise contrastiva de títulos de mangás que foram publicados no Brasil e posteriormente reeditados com tradução revisada. Adotamos como corpus para essa etapa pesquisa o volume inicial dos mangás Love Hina, Yu Yu Hakusho e Chobits, 3 títulos publicados no início dos anos 2000 pela editora Japan-Brazil Communications (JBC), ainda hoje um dos principais agentes envolvidos com a publicação de mangás no país, e que foram reeditados uma década depois, com tradução revisada, sob a mesma editora e mantendo o mesmo tradutor tanto na primeira como na nova publicação. 29

Orientamos nosso estudo a partir de títulos cuja tradução ficou sob responsabilidade de um mesmo profissional, no caso, o tradutor Arnaldo Massato Oka. Este recorte nos permite verificar como a experiência de um trabalho, ao se lidar com questões recorrentes na tradução de mangás do japonês para o português, aparece retomada nos trabalhos posteriores.

Mangá Vol. Autor Editora Tradutor Ano de Publicação Yu Yu Hakusho 1 Shueisha - 1990 Love Hina 1 Ken Akamatsu Kodansha - 1998 Chobits 1 Kosansha - 2000 Love Hina 1-2 Ken Akamatsu JBC Arnaldo Massato Oka 2002 Yu Yu Hakusho 1-2 Yoshihiro Togashi JBC Arnaldo Massato Oka 2002 Chobits 1-2 Clamp JBC Arnaldo Massato Oka 2003 Love Hina 1 Ken Akamatsu JBC Arnaldo Massato Oka 2013 Yu Yu Hakusho 1 Yoshihiro Togashi JBC Arnaldo Massato Oka 2014 Chobits 1 Clamp JBC Arnaldo Massato Oka 2015 Tabela 1 - Corpus de mangás

Os três títulos, quando foram inicialmente publicados no Brasil, adotaram um formato que dividia um volume japonês em duas edições. Por isso, nestes casos, consideramos os dois primeiros volumes da publicação. Para a análise proposta, também fizemos uso dos respectivos textos de partida. Contempla-se, assim, dois momentos no percurso histórico que envolve a tradução e publicação de mangás no Brasil: uma etapa inicial em que os mangás estavam sendo introduzidos no país; uma etapa posterior em que já se conta com a experiência de mais de uma década de publicações regulares. Os mangás selecionados para compor o corpus da pesquisa representam títulos que foram importantes no processo de afirmação do mangá no mercado de quadrinhos brasileiro. Embora se tratassem de mangás com potencial sucesso – Yu Yu Hakusho, por exemplo, já conhecido no Brasil por meio de sua versão animada exibida em canal de televisão aberta – eles estavam sendo introduzidos em um segmento que ainda se iniciava. Ao serem relançados uma década depois, já sob o status de clássico, conta-se não apenas com um mercado plenamente estabelecido, mas também com um público leitor e profissionais mais familiarizados com as especificidades do gênero. Delimitamos como foco da análise passagens que envolvem a tradução de formas linguísticas que estão relacionadas com o uso do tratamento. No japonês, as chamadas expressões de tratamento são fortemente sistematizadas e tendem a marcar as interações 30 sociais por meio do uso da língua, distinguindo, por exemplo, papéis sociais, posições hierárquicas, maior intimidade ou distanciamento entre os falantes; correspondendo, portanto, a um campo fértil em desafios para o tradutor tanto do ponto de vista linguístico como cultural. Desta forma, buscamos verificar se ambas as traduções preservam ou não a relação de tratamento que aparece linguisticamente marcada nos textos de partida bem como as estratégias de tradução utilizadas em cada caso, atentando para possíveis diferenças que possam ser percebidas entre a primeira e a segunda tradução.

1.5 Procedimentos metodológicos

Os principais procedimentos metodológicos utilizados ao longo da dissertação foram:

• Pesquisa bibliográfica proveniente, sobretudo, de 3 grandes áreas de interesse: histórias em quadrinhos e mangás; estudos da tradução; linguagem de tratamento na linguística e na sociedade japonesa. • Pesquisa em acervo digital de periódicos brasileiros: Acervo Folha, Acervo Estadão, Acervo Digital Veja, Hemeroteca Digital Brasileira. • Análise de meta-textos e comentários inseridos em edições brasileiras de mangás. • Elaboração de tabelas referentes a publicação de novos títulos de mangás publicados no Brasil desde o início dos anos 2000 até o momento atual. • Análise contrastiva de diferentes traduções para um mesmo título de mangá.

1.6 Estrutura da dissertação

A dissertação está estruturada da seguinte forma:

Capítulo 1: Introdução e apresentação do tema; objetivos da pesquisa; fundamentação teórica e metodologia.

Capítulo 2: Apresentação das premissas teóricas que servirão como base para o capítulo 3 (contextualização) e capítulo 4 (análise de traduções). Na primeira parte do capitulo introduzimos os conceitos e autores que fundamentam o nosso entendimento de tradução. Em seguida, abordamos noções referentes ao uso da linguagem de tratamento na sociedade japonesa a partir das quais apoiaremos a análise proposta para o capítulo 4. 31

Capítulo 3: Buscamos descrever o objeto com que estamos trabalhando, os mangás, e discutir os contextos que envolvem a inserção das histórias em quadrinhos japonesas em um diferente país e cultura.

Capítulo 4: Voltando nossa atenção para o texto, selecionamos nos mangás passagens que, no idioma japonês, envolveram o uso de linguagem tratamento para analisar as soluções apresentadas pelas edições em português em dois momentos distintos na trajetória dos mangás no Brasil.

Capítulo 5: Considerações Finais. 32

2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo introduzimos os conceitos e premissas teóricas sobre tradução e linguagem de tratamento que fundamentam nossa pesquisa. Na seção 2.1 são apresentados os conceitos e autores que estão relacionados aos estudos da tradução. A seção 2.1.1 aborda a Teoria dos Polissistemas, paradigma teórico proposto por Itamar Even-Zohar. A seção 2.1.2 descreve o conceito de norma nos trabalhos de Gideon Toury. A seção 2.1.3 apresenta a visão de Lawrence Venuti quanto ao papel desempenhado pelas traduções na formação de identidades culturais. A seção 2.1.4 descreve o conceito de retradução como visto em Antoine Berman. A seção 2.1.5 discute alguns posicionamentos para se pensar a tradução a partir de valores que são defendidos por Antoine Berman, favorável a uma atitude estrangeirizadora e contrário ao que denomina tradução etnocêntrica. Na seção 2.2 apresentamos os estudos envolvendo os usos de linguagem de tratamento que nortearão a análise proposta para o capítulo 4. A seção 2.2.1 aborda as pesquisas sobre a polidez no âmbito da pragmática desenvolvidas por Penelope Brown e Stephen Levinson. A seção 2.2.2 introduz estudos referentes ao uso de expressões de tratamento na sociedade japonesa.

2.1 Teorias da tradução

Nesta parte do capítulo apresentamos autores cujos estudos fundamentam o nosso entendimento sobre tradução, vista a partir de uma perspectiva sistêmica, sensível aos contextos de publicação e fatores externos ao texto, que nos possibilita uma base teórica para pensarmos sobre a crescente demanda por traduções de histórias em quadrinhos japonesas, fênomeno discutido mais detidamente ao longo do capítulo 3.

2.1.1 Teoria dos polissistemas

O paradigma teórico conhecido como Teoria dos Polissistemas foi introduzido no campo dos Estudos da Tradução pelo israelense Itamar Even-Zohar no final da década de 1960, tendo sido revisto e atualizado pelo autor até os anos de 1990. De acordo com essa teoria, uma determinada cultura é concebida como uma grande rede de sistemas que se inter-relacionam. 33

Polissistema, um “sistema múltiplo”, na definição de Even-Zohar, corresponderia a um "sistema de vários sistemas que se entrecruzam uns com os outros e em parte se sobrepõem, empregando simultaneamente opções diferentes, contundo, funcionando como um todo estruturado, cujos membros são interdependentes"4. (1990, p.11) O autor se vale das imagens de “centro” e “periferia” para estabelecer as relações de poder entre os sistemas. Escreve Even-Zohar:

Estes sistemas não são iguais, mas hierarquizados dentro do polissistema. É o permanente embate entre os vários estratos (...) que constitui o estado sincrônico (dinâmico) do sistema. A vitória de um estrato sobre outro constitui a mudança no eixo diacrônico. Neste movimento centrífugo vs. centrípeto, fenômenos são conduzidos do centro para a periferia enquanto, inversamente, fenômenos podem percorrer o caminho até o centro e ocupá- lo. Entretanto, com um polissistema não se deve pensar em termos de um centro e uma periferia, uma vez que várias posições semelhantes são hipotetizadas. Um movimento pode ocorrer, por exemplo, quando determinado item (elemento, função) é transferido da periferia de um sistema para a periferia de um sistema adjacente dentro do mesmo polissistema, e então pode ou não se mover para o centro deste5. (EVEN- ZOHAR, 1990, p.14) (tradução nossa)

Assim, para explicar o desenvolvimento da literatura israenlense, Even-Zohar volta-se para a compreensão do funcionamento do polissistema literário, um dos vários sistemas que constituem uma cultura. É no centro do polissistema literário e dos sistemas com que este se relaciona que se situam os repertórios que em uma cultura são considerados canônicos, modelos seguidos por aqueles que buscam aceitação.

Via de regra, o centro do polissistema coincide com o repertório canonizado de maior prestígio. Assim, é o grupo que comanda o polissistema que em última análise determina a canonicidade de um certo repertório. Uma vez que o cânone foi determinado, tal grupo adere às propriedades canonizadas por ele (o que de modo subsequente dá a eles controle de todo o polissistema) ou, se necessário, altera propriedade do repertório canonizado visando manter o controle. Por outro lado, nos casos de insucesso seja no primeiro ou no segundo procedimento, tanto o grupo e seu repertório canonizado são postos de lado por algum outro grupo, que se movimenta para o centro ao canonizar um repertório diferente. Aqueles que ainda tentam aderir àquele repertório canonizado que foi desalojado quase nunca conseguem ganhar o controle

4 A system of various systems which intersect with each other and partly overlap, using concurrently different options, yet functioning as structured whole, whose members are interdependent. 5 These systems are not equal, but hierarchized within the polysystem. It is the permanent struggle between the various strata (…) which constitutes the (dynamic) synchronic state of the system. It is the victory of one stratum over another which constitutes the change on the diachronic axis. In this centrifugal vs. centripetal motion, phenomena are driven from the center to the periphery while, conversely, phenomena may push their way into the center and occupy it. However, with a polysystem one must not think in terms of one center and one periphery, since several such positions are hypothesized. A move may take place, for instance, whereby a certain item (element, function) is transferred from the periphery of one system to the periphery of an adjacent system within the same polysystem, and then may or may not move on to the center of the latter.

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do centro do polissistema; como regra, aqueles que se acham na periferia do cânone, são referidos (por transmissores da cultura oficial) pejorativamente como "imitadores". Contudo, enquanto polissistemas podem estagnar, "imitadores" podem perpetuar um repertório consagrado por um longo tempo, deste modo, tornando-se idêntico - do ponto de vista da estratificação - ao grupo original que iniciou esse estado de coisas6. (ibidem, p.17) (tradução nossa)

O autor define repertório como sendo "o agregado de leis e elementos que regem a produção de textos". Além disso, "o status de qualquer repertório é determinado pelas relações que obtêm no polissistema". (ibidem, p.17-18)

O repertório canonizado é apoiado por elites conservadoras ou elites inovadoras, portanto, é limitado a esses padrões culturais que o comportamento do segundo grupo é regido. Se sofisticação e excentricidade (ou o oposto, isto é, simplicidade e conformismo) são requeridos pela elite para satisfazer seus gostos e controlar o centro do sistema cultural, então o repertório canonizado vai aderir a essas características tão próximo seja possível7. (ibidem, p.18) (tradução nossa)

É com base nessa visão sistêmica que Even-Zohar argumenta que a literatura não pode ser concebida meramente como "um conjunto de textos, um agregado de textos ou um repertório". (ibidem, p.18)

Textos e repertório são apenas manifestações parciais da literatura, manifestações cujo comportamento não pode ser explicado por sua própria estrutura. É no nível do polissistema literário que seus comportamentos são explicáveis (...) No polissistema literário, textos, ao invés de desempenhar um papel no processo de canonização, são os resultados destes processos. É apenas em sua função como representantes dos modelos que textos constituem um fator ativo nas relações sistêmicas8. (ibidem, p.18) (tradução nossa)

6 As a rule, the center of the whole polysystem is identical with the most prestigious canonized repertoire. Thus, it is the group which governs the polysystem that ultimately determines the canonicity of a certain repertoire. Once canonicity has been determined, such a group either adheres to the properties canonized by it (which subsequently gives them control of the polysystem) or, if necessary, alters the repertoire of canonized properties in order to maintain control. On the other hand, if unsuccessful in either the first or the second procedure, both the group and its canonized repertoire are pushed aside by some other group, which makes its way to the center by canonizing a different repertoire. Those who still try to adhere to that displaced canonized repertoire can only seldom gain control of the center of the polysystem; as a rule, one finds them on the periphery of the canonized, referred to (by the carriers of official culture) pejoratively as "epigones." Yet, as polysystems may stagnate, "epigones" may perpetuate an established repertoire for a long time, thus eventually becoming identical - from the stratificational point of view - with the original group which initiated that state of affairs. 7 Canonized repertoire is supported by either conservatory or innovatory elites, and therefore is constrained by those cultural patterns which govern the behavior of the latter. If sophistication and eccentricity (or the opposite, i.e., "simple-mindedness" and conformism) are required by the elite to gratify its taste and control the center of the cultural system, then canonized repertoire will adhere to these features as closely as it can. 8 Texts and repertoire are only partial manifestations of literature, manifestations whose behavior cannot be explained by their own structure. It is on the level of the literary (poly)system that their behavior is explicable. (...) It is only in their function as representatives of models that texts constitute an active factor in systemic relations. 35

Even-Zohar, sem desconsiderar os contextos e fatores que são externos ao texto, adapta o modelo de comunicação e linguagem proposto Jakobson (1980 [1956]; 1960), relacionando-o aos fatores que estariam envolvidos na constituição do polissistema literário. (ibidem, p.31)

Fonte: Even-Zohar, 1990, p.31 (tradução nossa)

(a) Instituição: "consiste do agregado de fatores envolvidos com a manutenção da literatura como uma atividade sociocultural. É a instituição que governa as normas vigentes nesta atividade, sancionando algumas e rejeitando outras". (ibidem, p.37) Engloba produtores, críticos, editoras, periódicos, clubes, grupos de escritores, órgãos governamentais, instituições educacionais, meios de comunicação de massa, entre outros. Assim, "como parte da cultura oficial, também determina quem, e quais produtos, serão lembrados por uma comunidade por maiores períodos de tempo". (ibidem, p.37)

(b) Repertório: "designa o agregado de regras e materiais que governam tanto a elaboração como o uso de qualquer produto. Estas regras e materiais são, deste modo, indispensáveis para qualquer processo de produção e consumo". Even-Zohar destaca "conhecimento prévio" (pre-knowledge) e "entendimento" (agreement) como "noções chaves” para o conceito de “repertório". (ibidem, p.39)

Quanto maior a comunidade que elabora e usa determinados produtos, maior deve ser o entendimento sobre um repertório. Ainda que o nível de familiaridade com um repertório específico não precise ser plenamente idêntico para interlocutores (seja "remetente" ou "destinatário") em uma situação específica de troca (comunicação), sem um mínimo de 36

conhecimento partilhado não haverá virtualmente nenhuma troca 9 . (ibidem, p.39) (tradução nossa)

(c) Produtor: dentro do polissistema literário não se restringe à figura do "escritor". Na concepção de Even-Zohar o "produtor" corresponde a alguém que está engajado em um discurso de poder voltado para a legitimação do repertório que emprega.

Enquanto em nossa cultura contemporânea parece estar claro o que é que o "produtor" produz, não é de todo assim do ponto de vista da nossa teoria. Pode ser útil pensar em "texto" como o trabalho final de um produtor literário, mas, por outro lado, o papel da elaboração de textos na soma total da produção pode ser particularmente pequeno, por exemplo, em períodos e culturas em que a principal tarefa de um produtor literário é executar ou rearranjar textos estabelecidos, ou quando a principal "mercadoria", na verdade, é apenas declaradamente e oficialmente "o texto", mas a real se situa em uma diferente esfera sociocultural e psicológica: interpessoal assim como a produção política de imagens, humores, e opções de ação. De fato, em tais períodos, um produtor literário não é um artista mal pago que é mais ou menos forçado a se apresentar no salão real na presença de bêbados barulhentos, mas aquele cujas reinvindicações de poder não são menores do que aquelas de qualquer agente político central. Este produtor está, assim, vinculado no discurso de poder moldado a partir de um repertório aceitável e legitimado (...) Obviamente, estes produtores não estão confinados a um único papel na rede literária, mas podem, e são levados a participar em inúmeras atividades, as quais em certos aspectos podem se tornar parcialmente ou inteiramente incompatíveis umas com as outras. Não é meramente "um produtor" que nós encontramos, nem apenas um conjunto de "produtores" individuais, mas grupos, comunidades sociais, de pessoas engajadas na produção, organizadas em variadas formas, e de alguma maneira não menos relacionadas umas com as outras do que com seus potenciais consumidores. Sendo assim, elas constituem parte tanto da instituição literária e do mercado literário10. (ibidem, p.35) (tradução nossa)

(d) Consumidor: assim como na definição de "produtor", a concepção empregada por Even-Zohar é mais abrangente e não se limita à figura do "leitor" de um texto literário. O

9 The larger the community which makes and uses products, the larger must be the agreement about such a repertoire. Although the degree of familiarity with a specific repertoire need not be fully identical for interlocutors (either "addresser" or "addressee") in a specific exchange (communication) situation, without a minimum of shared knowledge there will be virtually no exchange. 10 While in our contemporary culture it seems to be clear what it is that the "producer" produces, it is not at all so from the point of view of our theory. It may be useful to think of "texts" as the ultimate making of a literary producer, but on the other hand the role of text-making in the sum total of production may be rather small, e.g., in periods and cultures where the task of a literary producer is performing established texts or reshuffling ones, or when the major "merchandise" is actually only overtly and officially "the text," but the actual one lies in a completely different socio-cultural and psychological sphere: interpersonal as well as political production of images, moods, and options of action. Indeed, in such periods, a literary producer is not a poorly paid entertainer who is more or less forced to perform in the royal hall in the presence of noisy drunkards, but one whose claim to power falls no lower than that of any other central political agent. Such a producer is thus engaged in power discourse modelled after a certain acceptable, legitimized, repertoire (...) Obviously, these producers are not confined to a single role in the literary network, but may, and are driven to, participate in a number of activities, which in certain aspects can become partly or wholly incompatible with each other. It is not merely "a producer" we encounter, nor just a set of individual "producers," but groups, or social communities, of people engaged in production, organized in a number of ways, and at any rate relating to each other no less than to their potential consumers. As such, they already constitute part of both the literary institution and the literary market. 37 autor argumenta que o consumo de textos integrais "tem sido, e permanece, periférico para a maior parte dos consumidores “diretos” de literatura". Além disso, segundo Even- Zohar, todos os membros de uma comunidade são consumidores "indiretos" de textos literários, uma vez que "consumimos uma certa quantidade de fragmentos literários, digeridos e transmitidos por vários agentes de cultura e produzidos como uma parte integral do discurso diário". Estes fragmentos, tal como "fragmentos de velhas narrativas, idiomas e alusões", por exemplo, constituem, nos termos do autor, o "repertório vivo armazenado nos depósitos de nossa cultura". (ibidem, p.36)

"Consumidores" de literatura (como consumidores de música, teatro, balé, e muitas outras atividades socioculturais institucionalizadas) muitas vezes consumem o uso sociocultural dos atos envolvidos com a atividade em questão (...) Eles fazem este tipo de consumo quando obviamente consumem "o texto", mas (...) podem fazer assim mesmo se não está envolvido o consumo de nenhum texto11. (ibidem, p.36) (tradução nossa)

Podemos citar um exemplo recente relacionado aos mangás que ilustra bem sobre as formas de apropriação indireta mencionada por Even-Zohar. Em agosto de 2017, portais de notícias na internet repercutiram a cena de uma novela exibida pela Rede Globo na qual a atriz Betty Faria simula um golpe do personagem Goku, do mangá Z.

Quem imaginaria que um dia veríamos Betty Faria imitando Goku, de "", em uma novela? Pois este momento foi exibido pela Globo nesta quinta-feira (3), em "A Força do Querer". A atriz de 76 anos entrou nesta semana na trama de Gloria Perez e já está "causando". Ela interpreta Elvira, mulher de Garcia (Othon Bastos), pai misterioso de Heleninha (Totia Meireles) e Caio (Rodrigo Lombardi). Mas o que o herói japonês tem a ver com tudo isso? Elvira apareceu no capítulo desta quinta brincando com Yuri (Drico Alves), filho de Heleninha, que é um cosplayer. Fantasiado de Goku, ele ensinou a avó soltar o famoso golpe do personagem de "Dragon Ball Z". "Aí ele junta as duas mãos, joga para trás... kamehame... haaaaa!", disse o adolescente para Elvira, que soltou o golpe de Goku sentada no sofá. A brincadeira acabou quando Heleninha chegou em casa com Silvana (Lilia Cabral). Nas redes sociais, o público vibrou com a cena inusitada de Betty Faria imitando Goku em "A Força do Querer". (UOL, 03.08.2017)

(e) Mercado: "é o agregado de fatores envolvidos com a venda e compra de produtos literários e com a promoção de tipos de consumo". Inclui não apenas as instituições

11 "Consumers" of literature (like consumers of music, theater, ballet, and many other institutionalized socio-cultural activities) often consume the socio-cultural function of the acts involved with the activity in question (...) They do this kind of consumption even when they obviously consume "the text," but the point here is that they may do so even if no text consumption is involved at all. 38 comerciais mais evidentes como "livrarias, clubes literários ou bibliotecas, mas também todos os agentes que participam na troca semiótica ("simbólica") destes e de outras atividades ligadas". (EVEN-ZOHAR, 1990, p.38)

(f) Produto: na concepção de Evan-Zohar, entende-se por produto literário não apenas as obras propriamente, mas todo o conjunto de fragmentos a ela referentes.

Do ponto de vista do consumo, "textos" circulam no mercado em uma variedade de formas, e raramente, em especial quando altamente canonizados e pertencentes ao cânone histórico, tal como os críticos literários os veem, como textos integrais. Assim, pode-se também argumentar que fragmentos textuais (...) são um produto literário muito evidente. Citações, parábolas curtas, e episódios que prontamente a ele se referem são alguns exemplos de tais fragmentos. (...) Mas o que eles realmente fazem em sentido sociocultural? Aqui, também, uma perspectiva semiótica não trataria esses fragmentos simplesmente como um estoque neutro, mas como um que ajuda a sociedade a manter seus modelos de realidade, os quais em seus turnos governa os modelos de interação interpessoal. Eles, assim, constituem uma fonte para os tipos de habitus preponderante nos vários níveis da sociedade, ajudando a preservar e estabilizá-lo12. (ibidem, p.44) (tradução nossa)

2.1.1.1 O polissistema de tradução literária

Even-Zohar defende que as obras traduzidas se correlacionam no mínimo de duas formas: "no modo em que seus textos-fontes são selecionados pela literatura alvo" e no modo como elas empregam o repertório literário de um sistema ao adotar "normas, comportamentos e políticas específicas", resultado de suas relações com outros co- sistemas nativos. (ibidem, p.46)

Estes não estão restritos ao nível linguístico apenas, mas também são manifestados em seleções de qualquer nível. Assim, a literatura traduzida pode possuir um repertório próprio, o que em certa medida pode mesmo ser exclusivo dela13. (ibidem, p.46) (tradução nossa)

12 From the point of view of consumption, "texts" circulate on the market in a variety of ways, and hardly ever, especially when highly canonized and eventually stored in the historical canon, as literary critics see them, i.e., as integral texts. Thus, one may also argue that textual fragments (segments) for daily use are a very conspicuous literary product. Quotations, short parables, and episodes readily referred to are some instances of such fragments (...) But what do they actually do in the socio-cultural sense? Here, too, a semiotic approach would treat these fragments not simply as a neutral stock, but as one which helps society maintain its models of reality, which in their turn govern the models of interpersonal interaction. They thus constitute a source for the kinds of habitus prevailing in the various levels of society, helping to preserve and stabilize it. 13 My argument is that translated works do correlate in at least two ways: (a) in the way their source texts are selected by the target literature, the principles of selection never being uncorrelatable with the home co-systems of the target literature (to put it in the most cautious way); and (b) in the way they adopt specific norms, behaviors, and policies--in short, in their use of the literary repertoire--which results from their relations with the other home co-systems. These are not confined to the linguistic level only, but are manifest on any selection level as well. Thus, translated literature may possess a repertoire of its own, which to a certain extent could even be exclusive to it. 39

O polissistema de literatura traduzida pode ocupar no polissistema literário uma posição mais periférica ou mais central. Sendo assim, a posição que a literatura traduzida ocupa no interior de um sistema condiciona as estratégias de tradução. Tradutores tenderiam a se utilizar de modelos da cultura-alvo nos casos em que a literatura traduzida ocupa uma posição mais secundária e nos casos em que a literatura traduzida ocupa uma posição mais primária, os tradutores se sentiriam mais livres para violar convenções da cultura-alvo, aproximando-se mais do texto de partida.

Even-Zohar descreve três situações em que a tradução ocupa uma posição mais central no polissistema literário. (ibidem, p.47)

(a) Quando uma literatura "jovem" está se estabelecendo e busca por modelos em literaturas mais velhas;

(b) Quando uma literatura é "periférica" ou "fraca" e importa da literatura traduzida modelos que não dispõe;

(c) Quando há momentos críticos de mudança e os modelos estabelecidos já não são mais suficientes.

Para o autor “não apenas o status sócio literário da tradução depende de sua posição dentro do polissistema, mas a própria prática da tradução está também fortemente subordinada a essa posição”. O próprio conceito de tradução, nessa perspectiva, não pode ser determinado a priori fora do contexto estudado. (ibidem, p.51)

Visto deste ponto de vista, tradução não é mais um fenômeno cuja natureza e limites são dados de uma vez por todas, mas uma atividade dependente das relações no interior de um determinado sistema cultural14. (ibidem, p.51) (tradução nossa)

2.1.1.2 A tradução de mangás com base na teoria dos polissistemas

Especificamente no caso dos mangás, inúmeros fatores podem influenciar decisões sobre tradução tais como o posicionamento que ocupam no mercado de quadrinhos

14 Seen from this point of view, translation is no longer a phenomenon whose nature and borders are given once and for all, but an activity dependent on the relations within a certain cultural system. 40 brasileiro, o nível de inserção e conhecimento sobre mangás na cultura receptora, o envolvimento e participação da comunidade de fãs, entre outros. Não se pode desconsiderar, por exemplo, que as mudanças que as novas tecnologias proporcionaram ao campo da tradução e que, como já apontou Pym (2012, p.3-4), “permitem que quase todos produzam algum tipo de tradução”, mostram-se de forte relevância quando pensamos sobre a tradução de mangás. Assim como a internet pode ter favorecido a popularização das histórias em quadrinhos japonesas, ela também facilitou o aparecimento de outras formas de acesso que não existiam décadas atrás, tal como a leitura por meios digitais em computadores, tablets e smartphones, por exemplo. Ao mesmo tempo que grandes editoras voltam o olhar para o mangá, observa-se, também, o surgimento de inúmeros grupos de traduções feitas por fãs espalhados pelo mundo e que compõe uma comunidade extremamente atuante. Em janeiro de 2018, o site Manga Host, que disponibiliza para leitura na internet traduções feitas por grupos de fãs brasileiros, contabilizava mais de 5000 títulos de mangás, incluindo desde histórias curtas, séries completas e traduções ainda em andamento. Um produto que hoje está disponível comercialmente, pode ser facilmente encontrado em versões traduzidas e disponibilizadas por fãs; ainda que estes não detenham os direitos sobre as obras.

Figura 7 - Seção com perguntas e respostas no site Manga Host. Acesso em: 27.01.2018

Um contexto como esse, em que circulam na comunidade consumidora de mangás tanto traduções feitas por editoras profissionais como as que são feitas por fãs, tende a ampliar a responsabilidade por parte das editoras e profissionais de tradução; se compararmos, por exemplo, com as primeiras experiências no processo de introdução das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil. Diferentemente do que acontecia no final dos anos de 1980, quando a publicação tradicional em papel era a única opção que um leitor dispunha, hoje, uma editora que publica um título de mangá no país está, de certa 41 forma, competindo com o vasto número de traduções disponíveis gratuitamente via internet. É uma situação particularmente ambígua para as editoras, pois ao mesmo tempo que esses grupos contribuem para a divulgação e popularização de determinados conteúdos, mantendo vivo o interesse por mangás e, nesse sentido, atuando significativemente tanto nos fatores instituição e repertório como definidos por Even-Zohar, esses mesmos grupos competem com o material licenciado que é publicado pelas editoras. Possíveis medidas por parte das editoras contra os grupos de fãs que praticam esse tipo de tradução provocam reação negativa. Uma ação extrajudicial da editora JBC solicitando a retirado dos mangás que licencia de um site motivou Cassius Medauar, gerente de conteúdo da editora JBC, a se posicionar sobre o tema em vídeo postado em 2 de junho de 2017 no canal Henshin Online mantido pela editora no Youtube para promover a interação com os leitores15.

Essa semana a gente vai falar sobre a polêmica que rolou na internet, tudo que aconteceu sobre scans e o que que rolou. Como todo mundo sabe hoje em dia qualquer assunto polêmico toma um vulto, um tamanho enorme na internet e as pessoas ouvem falar e já falam em cima (...) agora a gente vai contar pra vocês certinho o que que aconteceu (...) pra todo mundo entender direitinho a situação. O que rolou foi o seguinte, pessoal, bem simples, a gente não está acabando com a internet, (...) a gente não vai fechar a internet, fiquem tranquilos. A JBC recentemente recebeu várias denúncias, comunicados de vários leitores sobre alguns scans que tavam rolando aí, algumas coisas diferentes do normal, não sei por que agora as pessoas resolveram falar pra gente, talvez algum problema tenha, e com isso a JBC precisa tomar uma atitude, a gente não pode ficar na nossa e não fazer nada. Não fazer nada também é fazer alguma coisa, também é uma atitude: é decidir não fazer nada. A JBC licencia produtos no Brasil e é responsável por cuidar desses produtos no Brasil. A gente tem que prestar conta aos donos do produto, os japoneses. O que a JBC fez? A JBC notificou extrajudicialmente (...) é uma notificação para que os nossos mangás, os da JBC, os que a gente licencia no Brasil, fossem tirados de um site específico, um portal, no qual a gente recebeu essas denúncias (...) Desde muito tempo, uma coisa que sempre aconteceu no mercado, é que havia antigamente fansubbers... (...) não sei se era uma época mais romântica, mas sempre era um negócio feito de fã pra fã, como eles gostavam de falar, e sempre que a coisa oficial vinha pro Brasil eles ficavam super contentes que estava sendo publicado no Brasil e tiravam do ar. Isso infelizmente em alguns lugares acaba não acontecendo mais, mas isso era o que rolava no passado (...) A gente não está nem julgando se isso é bom ou se é ruim. Na verdade, não tem uma coisa 100% certa nisso. Em alguns casos ajuda, sim, o mercado aqui e ali, em outros casos atrapalha. Tem algumas pessoas que leem e acabam comprando, tem muitas outras que leem e não compram, não dá pra ter certeza disso e a gente não está julgando isso. Ajuda um pouco, atrapalha um pouco, é meio a meio. A editora JBC tem a licença das obras e publica mangás aqui há mais de 15 anos, então a gente tenta melhorar o mercado o máximo possível. A gente quer divulgar os nossos títulos, a

15 Henshin Online #118, Youtube, vídeo publicado em 2 de junho de 2017. 42

gente quer que o mercado seja um mercado forte. Então, na verdade, o que a gente está fazendo é trabalhar por isso (...) sabe o que significa a gente ser licenciado? Quer dizer que a gente tem um contrato com a editora japonesa e com o autor da obra. O cara que criou essa obra, que teve tanto trabalho pra criar os mangás, recebe o dinheiro da venda das coisas da JBC, a gente paga royalties pra editora e pro autor da obra. Então a gente precisa proteger as obras que a gente tem e proteger o trabalho do autor e da editora japonesa aqui no território nacional. Então, quando a gente recebe denúncias a gente precisa verificar e a editora japonesa espera da gente que a gente proteja o trabalho deles e é o que gente está fazendo. Foi só isso que aconteceu: uma notificação, pra um portal, não tem processo (...), foi só uma notificação para que os nossos títulos fossem tirados e eles foram. A gente faz isso exatamente pra poder continuar trabalhando, trazendo coisas pra vocês. (MEDAUAR, 2017)

O depoimento de Medauar mostra como, no caso dos mangás, de fato, existe uma série de fatores inter-relacionados e que podem determinar ações e posicionamentos por parte da editora. Como propõe a teoria de Even-Zohar, esses fatores são interdependentes e, sendo assim, mesmo a tradução feita por fãs é capaz de interferir e influenciar a tradução feita profissionalmente. Na situação exemplificada, assim como os editores assumem a responsabilidade com a editora japonesa de proteger a obra; eles também mostram a preocupação de tranquilizar a comunidade de fãs de mangás, potenciais consumidores na área em que atuam, ao se justificar por uma ação que poderia ser considerada negativa, como neste caso, fazendo questão de ressaltar que foi apenas “uma notificação” para “um site específico”. A ambiguidade na relação aparece expressa quando Medauar afirma que “não dá pra ter certeza” sobre o impacto gerado no mercado de mangá por grupos que disponibilizam gratuitamente na internet material não licenciado: “Ajuda um pouco, atrapalha um pouco, é meio a meio”.

2.1.2 Normas

O modelo teórico para os estudos da tradução proposto por Gideon Toury deriva da visão sistêmica para o entendimento de tradução dos trabalhos de Even-Zohar e explora em grande medida o conceito de norma. Toury define tradução como sendo uma atividade que “inevitavelmente envolve no mínimo duas línguas e duas tradições culturais”. (TOURY, 1995, p.56) O foco principal da abordagem defendida pelo autor está voltado para o sistema do texto-alvo. Para ele, é a partir da cultura-alvo que em geral se determina a necessidade de uma tradução; sendo que esta é produzida com o objetivo de ocupar um lugar ou preencher espaços vazios no interior de um de um sistema de uma cultura-alvo. 43

O modelo proposto por Toury se baseia no conceito de normas, entendidas como comportamentos internalizados pelos indivíduos durante o processo de formação e que “refletem os valores e ideias partilhadas por uma comunidade”. As normas decorrem das convenções sociais e se caracterizam por comportamentos regulares na conduta dos tradutores para a solução de problemas recorrentes. Elas adquirem força normativa à medida em que aumentam a previsibilidade das ações e restringem as opções de resposta para as situações recorrentes. Puramente descritivas, é durante a socialização que as normas são adquiridas pelos indivíduos, servindo como parâmetros de avaliação do comportamento. Elas “sempre implicam em sanções - reais ou potenciais, tanto negativas como positivas” (ibidem, p.55).

Em sua dimensão sociocultural, tradução pode ser descrita como sujeita a restrições de vários tipos e níveis variados. Estas se estendem para além do texto-fonte, as diferenças sistêmicas entre as línguas e tradições textuais envolvidas no ato, ou mesmo as possibilidade e limitações do aparato cognitivo do tradutor como um mediador necessário. De fato, a cognição em si é influenciada, provavelmente até modificada por fatores socioculturais. De qualquer forma, tradutores atuando sob diferentes condições (por exemplo, a tradução de diferentes tipos de texto, e/ou para diferentes audiências) com frequência adotam estratégias diferentes, e em última análise, elaboram produtos marcadamente distintos16. (ibidem, p.54) (tradução nossa)

Em termos de sua potência, restrições socioculturais têm sido descritas junto com uma escala ancorada entre dois extremos: geral, regras relativamente absolutas por um lado, e idiossincrasias puras por outro. Entre esses dois polos reside uma vasta área intermediária ocupada por fatores intersubjetivos comumente designado normas. As normas por si só formam um continuum classificado juntamente com a escala: algumas são mais fortes, mais como regras, outras são mais fracas, quase idiossincrasias. As fronteiras entre os vários tipos de restrições são deste modo difusas17. (ibidem, p.54) (tradução nossa)

Toury classifica os tipos de normas como pertencentes a três grupos: “normas iniciais”, “normas preliminares”, “normas operacionais”.

16 In its socio-cultural dimension, translation can be described as subject to constraints of several types and varying degree. These extend far beyond the source text, the systemic differences between the languages and textual traditions involved in the act, or even the possibilities and limitations of the cognitive apparatus of the translator as a necessary mediator. In fact, cognition itself is influenced, probably even modified by socio-cultural factors. At any rate, translators performing under different conditions (e.g., translating texts of different kinds, and/or for different audiences) often adopt different strategies, and ultimately come up with markedly different products. 17 In terms of their potency, socio-cultural constraints have been described along a scale anchored between two extremes: general, relatively absolute rules on the one hand, and pure idiosyncrasies on the other. Between these two poles lies a vast middle-ground occupied by intersubjective factors commonly designated norms. The norms themselves form a graded continuum along the scale: some are stronger, and hence more rule-like, others are weaker, and hence almost idiosyncratic. The borderlines between the various types of constraints are thus diffuse. 44

(a) Normas iniciais: regem a decisão do tradutor quanto a seguir as normas estabelecidas no texto de partida ou aceitar as normas da língua e cultura de chegada. Na definição do autor, a adesão às normas-fontes, na comparação com o texto de partida, "determina uma adequabilidade da tradução”. A submissão às “normas originárias na cultura-alvo determina sua aceitabilidade". (ibidem, p.56-57)

(b) Normas preliminares: estão relacionadas com os fatores que determinam uma política de textos a serem traduzidos para uma dada língua, cultura ou em um particular período no tempo. Também envolve as questões quanto a direcionalidade da tradução; se o texto será traduzido diretamente da língua-fonte, tradução direta, ou se a tradução será feita por meio de uma língua intermediária, tradução indireta. (ibidem, p.58)

(c) Normas operacionais: descrevem a apresentação e o material linguístico do texto de chegada. Dividem-se em normas matriciais e normas linguístico-textuais.

Normas matriciais: determinam a estrutura macro do texto. “Afetam a matriz do texto, ou seja, os modos de distribuição do material linguístico nele - assim como o conjunto textual e formulações verbais”. Direta ou indiretamente, elas regem “as relações obtidas entre texto-alvo e texto-fonte” e estão relacionadas com o nível de completude da tradução bem como com as formas de distribuição do material linguístico no texto por meio de omissões, acréscimos, realocação de passagens, segmentação textual, etc. (ibidem, p.58-59)

Normas linguístico-textuais: regem a seleção de material linguístico do texto de chegada, em seu nível micro, tais como itens lexicais, frases e características estilísticas. (ibidem, p.59)

Não sendo diretamente observáveis, Toury aponta duas principais fontes para reconstrução de normas de tradução: textual e extratextual.

(a) Textual: são os produtos primários e correspondem aos “textos traduzidos” propriamente ditos. “Para todos os tipos de normas, assim como inventários analíticos de traduções e para variadas normas preliminares”. (ibidem, p.65)

45

(b) Extratextual: são os produtos secundários e englobam toda uma variedade de paratextos e meta-textos a partir dos quais os interesses na tradução podem ser inferidos. “Formulações críticas ou semi-teóricas, tal como ‘teorias’ prescritivas de tradução” e também “relatos feitos por tradutores, editores e outras pessoas envolvidas ou relacionadas com a atividade, avaliações críticas de traduções individuais, ou a atividade do tradutor ou ‘escola’ de tradutores”. (ibidem, p.65)

2.1.3 Identidades culturais

Lawrence Venuti (2002) destaca um relevante papel que a tradução desempenha na formação de identidades culturais que já se faria notar a partir da própria seleção dos textos bem como no desenvolvimento de estratégias de tradução - estabelecendo-se assim um cânone daquilo que é traduzido, escolhidos essencialmente com base em determinadas características que se amoldam a valores estéticos domésticos; opondo-se, desta forma, aos textos excluídos e que corresponderiam a outros interesses e valores não contemplados. Isto contribuiria, por exemplo, na fixação de estereótipos para culturas estrangeiras.

A tradução exerce um poder enorme na construção de representações de culturas estrangeiras. A seleção de textos estrangeiros e o desenvolvimento de estratégias de tradução podem estabelecer cânones peculiarmente domésticos para literaturas estrangeiras, cânones que se amoldam a valores estéticos domésticos, revelando assim exclusões e admissões, centros e periferias que se distanciam daqueles existentes na língua estrangeira. As literaturas estrangeiras tendem a ser desvinculadas do seu sentido histórico pela seleção de textos para tradução, afastadas das tradições literárias estrangeiras nas quais estabelecem seu significado. Os textos estrangeiros são, em geral, reescritos para se amoldarem a estilos e temas que prevalecem naquele período nas literaturas domésticas, em detrimento de discursos tradutórios mais caracterizados pela historicidade, que recuperam estilos e temas do passado, inserindo-os nas tradições domésticas. Os padrões tradutórios que venham a ser razoavelmente estabelecidos fixam estereótipos para culturas estrangeiras, excluindo valores, debates e conflitos que não estejam a serviço de agendas domésticas. Ao criar estereótipos, a tradução pode vincular respeito ou estigma a grupos étnicos, raciais e nacionais específicos, gerando respeito pela diferença cultural ou aversão baseada no etnocentrismo, racismo ou patriotismo. A longo prazo, a tradução penetra nas relações geopolíticas ao estabelecer as bases culturais da diplomacia, reforçando alianças, antagonismos e hegemonias entre nações. (VENUTI, 2002, p.130)

Venuti (2002, p.130) observa que as traduções são destinadas a comunidade culturais específicas e, sendo assim, iniciam um processo de formação de identidade ambíguo. As 46 traduções, para este autor, ao mesmo tempo que construiriam representações domésticas paras textos ou culturas estrangeiras atuariam na construção de “um sujeito doméstico, uma posição de inteligibilidade que também é uma posição ideológica, informada pelos códigos e cânones, interesses e agendas de certos grupos sociais domésticos". À medida em que uma tradução circula na sociedade ela "pode ter o poder de manter ou revisar a hierarquia de valores na língua-alvo". A escolha dos textos ou estratégias tradutórias, nesta perspectiva, podem “mudar ou consolidar cânones literários, paradigmas conceituais, metodologias de pesquisa, técnicas clínicas e práticas comerciais na cultura doméstica”. Para Venuti, os efeitos de uma tradução se mostrarem "conservadores ou transgressores" dependerá "fundamentalmente das estratégias discursivas desenvolvidas pelo tradutor" e também dos variados fatores que envolvem a sua recepção tais como "o layout da página e a arte da capa do livro impresso, a cópia para divulgação, a opinião dos resenhistas, o uso que é feito da tradução nas instituições socioculturais, o modo como é lida e ensinada". Estes fatores, segundo o autor, "mediam o impacto de toda e qualquer tradução", uma vez que ajudam a posicionar os sujeitos domésticos, "equipando-os com práticas de leitura específicas, afiliando-os a comunidades e valores culturais específicos, fortalecendo ou transpondo limites institucionais". (ibidem, p.131)

2.1.4 Retradução

Consideraremos, para este trabalho, a noção de retradução, pressuposto teórico desenvolvido por Antoine Berman em que discorre sobre a tradução de textos já previamente traduzidos em uma dada língua e cultura e no qual propõe que uma segunda tradução tende a se aproximar mais dos textos e culturas de partida em um movimento que recuperaria aquilo que o texto apresenta de especificidade. Em sua reflexão sobre a temporalidade do traduzir, Berman considera essencial "distinguir dois espaços (e dois tempos) de tradução: das primeiras traduções e das retraduções". Para o autor, ao se fazer uma retradução, o tradutor não estaria mais "frente a um só texto, o original, mas a dois, ou mais, o que desenha um espaço específico". (BERMAN, 2007 [1985], p.96-97)

A retradução serve como original e contra as traduções existentes. E pode- se observar que é neste espaço que geralmente a tradução produz suas obras-primas. As primeiras traduções não são (e não podem ser) as 47

maiores. Tudo acontece como se a secundaridade do traduzir se desdobrasse com a retradução, a "segunda tradução" (de certa forma, nunca há uma terceira, mas outras "segundas"). Quero dizer com isto que a grande tradução é duplamente segunda: em relação ao original, em relação à primeira tradução. (ibidem, p.96-97)

Berman defende uma visão de que, para melhor integrar a obra estrangeira à cultura receptora, a primeira tradução tende a ser naturalizadora, reduzindo a alteridade e aclimatando-a, como explicam Mattos e Faleiros (2014) "a partir de imperativos socioculturais que privilegiam o destinatário". A segunda tradução, entretanto, faz um movimento que tende a se aproximar mais do texto de partida e no qual se busca a afirmação do outro na tradução, reconhecendo-o como estrangeiro. "A tradução-introdução/tradução-aclimatação dá lugar, assim, a uma tradução que lança luz às especificidades linguísticas, estilísticas, textuais daquele texto- fonte, retraduzindo-o na sua singularidade". (ibidem, 2014)

Tudo acontece como se, face ao original e à sua língua, o primeiro movimento fosse de anexação, e o segundo (a retradução) de invasão da língua materna pela língua estrangeira. A literalidade e a retradução são, portanto, sinais de uma relação amadurecida com a língua materna; amadurecida significando: capaz de aceitar, buscar a "comoção" (Pannwitz) da língua estrangeira. (BERMAN, 2007 [1985], p.97-98)

Gambier (1994), outro autor alinhado a esta corrente de pensamento, resume a hipótese de Berman com base nas noções de retour [retorno] e détour [desvio] (apud MATTOS; FALEIROS, 2014). A retradução, entendida como uma nova tradução de um texto já previamente traduzido em uma mesma língua, seja de forma integral ou não, é feita para que se possa reatualizar um texto; determinado pela evolução dos receptores, tais como, gostos, necessidades e competências.

Mudam os tempos, mudam as traduções: é essa a dimensão histórica da retradução, atravessada por uma dimensão sócio-cultural: “só a retradução conjuga a essa dimensão sócio-cultural a dimensão histórica: traz mudanças porque os tempos mudaram” (GAMBIER, 1994, p. 413). Filiado a Berman, Gambier defende que a primeira tradução tende a ser assimiladora, reduzindo a alteridade e familiarizando aspectos linguísticos, textuais, culturais etc. (dimensão do détour). Nesse contexto, a retradução é um retour ao texto-fonte: a possibilidade de que um segundo, terceiro, quarto gesto de leitura seja também um gesto de retorno. (MATTOS; FALEIROS, 2014)

Observações iniciais nos mangás que analisaremos mais detidamente no capítulo 4 sugerem que as retraduções para estes mangás seguem a tendência apontada por Berman. 48

As figuras abaixo, por exemplo, mostram a presença de marcadores culturais inicialmente adaptados, na primeira tradução, para elementos mais próximos da cultura receptora e, na segunda tradução, uma década depois, preservados, mais de acordo com características do texto e cultura fonte.

• Deus / Sr. Buda

Figura 8 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 Figura 9 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

• Nota escolar: 1,2 / 12 pontos.

Figura 10 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 Figura 11 - Yu Yu Hakusho, 2014

• Uma daquelas histórias com uma VG / Uma versão feminina do Doraemon.

Figura 12 - Chobits, JBC, 2003 Figura 13 - Chobits, JBC, 2015

49

2.1.5 Visões de tradução

Berman está filiado a uma corrente teórica que opõe duas atitudes tradutórias distintas: uma que prioriza texto e cultura de partida; e outra que prioriza texto e cultura de chegada. Para este autor o ato ético em tradução “consiste em reconhecer e em receber o Outro enquanto Outro" (BERMAN, 2007 [1985], p.68). Berman é contrário àquela que, no seu entender, corresponderia a uma tradução de má qualidade, a qual denomina tradução etnocêntrica; postura apontada por ele como tradicional e dominante ao longo da história da tradução, sendo “o modo segundo o qual uma porcentagem impressionante de traduções se efetua há séculos”.

Etnocêntrico significará aqui: que traz tudo à sua própria cultura, às suas normas e valores, e considera o que se encontra fora dela - o Estrangeiro - como negativo ou, no máximo, bom para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura. (ibidem, p.28)

Venuti sintetiza o que na visão de Berman distinguiriam traduções de má e de boa qualidade:

Berman baseou seu conceito de tradução ética na relação entre as culturas doméstica e estrangeira que está incorporada ao texto traduzido. A tradução de má qualidade forma uma atitude doméstica que é etnocêntrica com relação à cultura estrangeira: "geralmente sob o disfarce de transmissibilidade, ela realiza uma negação sistemática da estranheza da obra estrangeira" (Berman, 1992, p.5). A tradução de boa qualidade visa a limitar essa negação etnocêntrica: ela representa "uma abertura, um diálogo, uma hibridação, uma descentralização" e, dessa forma, força a língua e a cultura domésticas a registrarem a estrangeiridade do texto estrangeiro (VENUTI, 2002, p.155)

Os julgamentos éticos de Berman, explica Venuti, “dependem das estratégias discursivas empregadas no processo tradutório”.

A questão é se elas são completamente domesticadoras ou se incorporam tendências de estrangeirização; se recorrem a "truques" que encobrem suas "manipulações" do texto estrangeiro ou se mostram "respeito" por ele "oferecendo" uma "correspondência" que "engrandece, amplia e enriquece a língua que traduz" (ibidem, p.155)

Anthony Pym na introdução de On Translator Ethics – Principles for mediation between cultures (2012) desenvolve uma argumentação motivado pelo posicionamento defendido por Berman em favor da estrangeirização nas traduções, baseado em princípios que pregariam o respeito à integridade e exatidão da expressão estrangeira. 50

A questão, para Pym, seria mais complexa, sendo que as escolhas e processos raramente estariam limitadas a uma mera polarização entre Língua/Cultura Fonte vs Língua/Cultura Alvo, como as teorias da tradução teriam historicamente feito, entre elas a de Berman. Para mudar o foco do debate e ajudar a pensar a tradução a partir de outra perspectiva, em vez do tradicional questionamento "como traduzir", Pym sugere a pergunta: “por que traduzir” (PYM, 2012, p.6). Pym propõe que o tradutor deveria atuar para promover a cooperação e identifica na figura do tradutor um papel de intermediador cultural, situando-o em um espaço que considera de intersecção entre duas ou mais culturas e que seria regido a partir de um princípio de interculturalidade. Nesse sentido, os tradutores, na visão de Pym, em virtude de uma “identidade intercultural”, não operariam com base na ética de uma única cultura. Este é justamente um dos pontos em que o autor refuta a visão de Berman, cuja proposição seria em grande medida equivalente àquela que Pym denomina ética de conteúdo e que pressupõe a concepção de um espaço monocultural.

Quando Berman propôs que se deva "receber o Outro enquanto Outro," a consequência a grosso modo era que se deva traduzir literalmente de modo que o leitor compreenda que o texto-fonte vem de uma cultura diferente. O conselho é prático e viável, mas o princípio básico é irremediavelmente abstrato: ele objetiva aplicar a todos os textos estrangeiros, independente de conteúdos específicos. Na realidade, a suposição resulta ser notadamente idêntica à ética de conteúdo. Afinal, se o que se pretende é que estrangeiro permaneça estrangeiro - Berman metaforicamente distribui permissão de residência, mas não de cidadania – e se o tradutor se propõe a recepcionar os estrangeiros como tal, deve haver uma clara fronteira entre as culturas em questão, e assim uma clara concepção de espaço monocultural. Em vigor, Berman assume, não empiricamente, que o tradutor pertence à cultura alvo, agindo como um guarda de fronteira delegado a assegurar que o estrangeiro seja prontamente distinguido do nativo18. (ibidem, p.10) (tradução nossa)

18 When Berman proposed that one should “receive the Other as an Other,” the consequence was roughly that one should translate literally so that the reader understands that the source text comes from a different culture. The advice is practical and practicable, but the basic principle is irredeemably abstract: it purports to to apply to all foreign texts, independent of specific contents. In fact, the founding assumption turns out to be remarkably the same as the ethics of content. After all, if what is foreign is meant to remain foreign — Berman metaphorically distributes residence permits but not citizenship — and if the translator is meant to welcome foreigners as such, there must be a clear border between the cultures concerned, and thus a clear assumption of monocultural space. In effect, Berman assumes, unempirically, that the translator belongs to the target culture, acting as a border‐guard delegated to ensure the foreigner is readily distinguished from the native. 51

2.2 Linguagem de tratamento

Para auxiliar a análise de traduções proposta para o capítulo 4, apresentamos as pesquisas sobre polidez no âmbito da pragmática e também estudos que abordam os usos de linguagem de tratamento na sociedade japonesa.

2.2.1 A polidez nos estudos da pragmática

2.2.1.1 Teoria da polidez e preservação da face

É a partir da dualidade da noção de face que opera o modelo de polidez proposto pelos linguistas Brown e Levinson (1987), cujos pressupostos teóricos derivam do Princípio de Cooperação de Grice e do conceito de face desenvolvido pelo sociólogo Goffman (1967).

2.2.1.1.1 A noção de face

Brown e Levinson partem da noção proposta por Goffman que define face como sendo uma autoimagem pública que os falantes reivindicam para si mesmos no processo de interação social.

Nossa noção de "face" deriva da de Goffman e do termo popular em inglês que liga a face às noções de estar constrangido ou humilhado, ou "perdendo a face". Assim, a face é algo em que há investimento emocional, que pode ser perdida, mantida ou intensificada, e que tem de ser constantemente cuidada numa interação. Em geral, as pessoas cooperam (e pressupõem a cooperação dos outros) na manutenção da face na interação, sendo essa cooperação baseada na vulnerabilidade mútua da face. Isto é, normalmente, a face de qualquer um depende da manutenção da face todos os outros e, como se pode esperar que as pessoas defendam suas faces quando ameaçadas, e, defendendo suas próprias faces, elas ameaçam a face dos outros, geralmente, é de interesse de cada participante manter a face do outro, isto é, agir de forma a assegurar aos outros participantes que o agente está atento às pressuposições relativas à face ameaçada19. (BROWN & LEVINSON, 1987, p.61)

19 Our notion of ‘face’ is derived from that of Goffman (1967) and from the English folk term, which ties face up with notions of being embarrassed or humiliated, or ‘losing face’. Thus face is something that is emotionally invested, and that can be lost, maintained, or enhanced, and must be constantly attended to in interaction. In general, people cooperate (and assume each other’s cooperation) in maintaining face in interaction, such cooperation being based on the mutual vulnerability of face. That is, normally everyone’s face depends on everyone else’s being maintained, and since people can be expected to defend their faces if threatened, and in defending their own to threaten others’ faces, it is in general in every participant’s best interest to maintain each others’ face, that is to act in ways that assure the other participants that the agent is heedful of the assumptions concerning face given under (i) above. 52

Ampliando o conceito de Goffman, a face apresentada por um indivíduo, segundo Brown e Levinson, seria constituída a partir de dois aspectos que estão relacionados: face negativa e face positiva. A face negativa corresponde ao desejo por parte dos indivíduos de não serem impedidos em suas ações. A face positiva diz respeito à necessidade de que essa autoimagem seja apreciada e reconhecida, o desejo de aceitação diante dos membros de um grupo social. (ibidem., p.61)

2.2.1.1.2 Atos que ameaçam a face

Para estes autores, a polidez, usada como estratégia pelos falantes durante a interação, corresponde a um meio para que sejam evitados atos de ameaça à face (Face Threatening Acts ou FTA, nos termos de Brown e Levinson) e que seriam ameaças sobre a própria imagem que o falante ou o interlocutor fazem de si. Deste modo, em um diálogo que conte com dois participantes quatro faces estariam em jogo: a face negativa e face positiva de cada um dos envolvidos no ato de comunicação. Os autores distinguem os atos entre aqueles que ameaçam a face negativa e aqueles que ameaçam a face positiva (ibidem, p.65-66).

• Atos que ameaçam a face positiva do falante. Exemplos: auto humilhação, reconhecimento de fraquezas, limitações pessoais, pedidos de desculpas.

• Atos que ameaçam a face negativa do falante. Exemplos: agradecimentos, aceitação de favores, promessas.

• Atos que ameaçam a face positiva do interlocutor. São atos que indicam que o falante faz uma avaliação negativa de algum aspecto da face positiva do interlocutor ou que mostram que o falante não se importa ou é indiferente em relação a face positiva do interlocutor. Exemplos: desaprovação, críticas, queixas, menção a temas considerados tabus.

• Atos que ameaçam a face negativa do interlocutor. São atos que ameaçam a face negativa do interlocutor "por indicar que (potencialmente) o falante não pretende evitar obstruir a liberdade de ação do interlocutor". Exemplos: pedidos, ordens, ameaças, advertências. 53

2.2.1.1.3 Estratégias de polidez

As estratégias de polidez decorreriam de uma preocupação em manter a face do outro, correspondendo a procedimentos de atenuação aos atos ameaçadores. Assim, tem-se o que os autores denominam polidez negativa e polidez positiva. A polidez negativa ocorreria em situações em que o falante evita situações de conflito ou que possam comprometê-lo com outro; evitam-se imposições ao interlocutor. Brown e Levinson identificam as seguintes estratégias para a polidez negativa:

1. Ser convencionalmente indireto. 2. Questionar, atenuar. 3. Ser pessimista. 4. Minimizar as imposições. 5. Mostrar deferência. 6. Pedir desculpas. 7. Impessoalizar o falante e o interlocutor. 8. Declarar o ato ameaçador da face como uma regra geral. 9. Nominalizar. 10. Mostrar abertamente que está assumindo um débito com o interlocutor.

A polidez positiva, por sua vez, é caracterizada pela busca de aproximação e solidariedade entre os falantes. Os autores descrevem as seguintes estratégias usadas como polidez positiva:

1. Perceber e demonstrar interesse ao interlocutor por seus interesses, desejos, necessidades e pertences. 2. Exagere ao demonstrar interesse, aprovação, simpatia pelo interlocutor. 3. Intensificar o interesse pelo outro. 4. Uso em grupo de marcadores de identidade. 5. Procurar concordância. 6. Evitar discordância. 7. Pressupor, aumentar, expressar assuntos em comum. 8. Fazer piadas. 9. Expressar ou pressupor os conhecimentos sobre os desejos do outro. 54

10. Oferecimentos, promessas. 11. Ser otimista. 12. Incluir tanto o falante como o interlocutor na atividade. 13. Dar ou pedir explicações. 14. Supor ou expressar a reciprocidade. 15. Presentar o ouvinte (elogios, simpatia, compreensão e cooperação)

Brown e Levinson descrevem ainda estratégias de polidez que denominam indiretas ("off record", nos termos dos autores). Essas estratégias corresponderiam ao não cumprimento das máximas de cooperação conversacionais formuladas por Grice. São estratégias em que "não é possível atribuir apenas uma única intenção comunicativa para o ato". O falante deixa uma saída para si, possibilitando “um número de interpretação defensáveis”. Trata-se de um tipo de estratégia que permite ao falante emitir um ato ameaçador da face evitando responsabilidades e deixando a interpretação para o interlocutor decidir. (ibidem, p.211)

Dentre as estratégias indiretas descritas pelos autores estão:

1. Dar dicas. 2. Fornecer pistas de associação. 3. Fazer pressuposições. 4. Diminuir a importância. 5. Exagerar a importância. 6. Uso de tautologias. 7. Uso de contradições. 8. Ser irônico. 9. Uso de metáforas. 10. Uso de perguntas retóricas. 11. Ser ambíguo. 12. Ser vago. 13. Generalizar. 14. Deslocar o interlocutor. 15. Ser incompleto, usar elipse.

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2.2.2 O tratamento na língua japonesa

2.2.2.1 Expressões de tratamento

Diversos estudiosos já destacaram o vínculo entre língua e sociedade que aparece manifestado no plano linguístico, não se restringindo à língua japonesa. Suzuki (1983) observa que “embora não se possa condicionar diretamente a língua aos fatores sociais ou culturais, existe uma relação intrínseca entre a língua e a sociedade”. A língua, diz a autora, “atua como um elemento de interação entre o homem e a sociedade em que ele vive, estabelecendo a comunicação linguística através dos signos pelos quais traduz a realidade”. Para Suzuki (1995, p.9) “o tratamento, em seu sentido mais amplo, pode ser entendido como os cuidados e atenções que um indivíduo dispensa a outro em seu ato de comunicação”, correspondendo a um “produto da consideração de vários fatores que definem a posição de um e de outro no contexto de situação criado”. O uso do tratamento, segundo Suzuki, “depende de normas de conduta estabelecidas e convencionadas numa determinada esfera espaço-temporal e, de acordo com elas, variam suas formas”. O que é considerado tratamento em um meio pode não ser em outro; o que era considerado tratamento, em outro momento pode não ser mais. (1995, p.10) Na definição de Suzuki (1995, p.12) as expressões de tratamento correspondem ao “expediente linguístico pelo qual o locutor estabelece o distanciamento social e/ou psicológico que o separa das pessoas de seu discurso". Nesta categoria de tratamento as formas linguísticas “bastam a si mesmas para serem a manifestação da atenção ao locutor por uma pessoa de seu discurso”. O japonês, em especial, costuma ser descrito como um idioma que tende a marcar no próprio uso da língua papéis e posições sociais de forma sistemática e elaborada.

A tão decantada "ocidentalização" do Japão é um fator verdadeiro somente em alguns aspectos bastante específicos (industrialização, objetos, esportes e outros) do japonês. O estudo de sua língua revela-nos o homem japonês ainda radicalmente ligado às noções de "yoso" (os outros) "uchi" (nós, da família) ou de "meshitawa meshitarashiku, onnawa onnarashiku, kodomowa kodomorashiku hanasu". /O subalterno deve falar como um subalterno, a mulher deve falar como uma mulher, a criança, como uma criança/. Sem se ter conscientização plena dessa linguagem altamente codificada do Japonês, torna-se difícil a penetração na sua cultura e na sua realidade. Embora o conhecimento pleno do conjunto das noções codificadas de uma língua ou da sua rede de estereótipos constitua fator fundamental para a 56

compreensão de qualquer realidade por ela retratada, no caso Japonês, essa necessidade se torna ainda mais premente, na medida em que o seu modo de comunicação se caracteriza pela não-explicitação de todos os dados e pela veiculação de mensagens através de símbolos. Nesse sentido, para o japonês, o conhecimento da "forma" (katachi) se faz requisito indispensável, sem o qual a transmissão dos conteúdos não se torna possível. (FUKASAWA, 1983)

Os termos honoríficos são, na definição do linguista japonês Kikuchi Yasuto, “expressões próprias usadas para expressar sentimento de respeito ou polidez usando formas diferentes para expressar um mesmo conteúdo” 20 . (1994, p.72) Eles se caracterizam em contraste com uma forma considerada neutra. Assim, embora o conteúdo semântico seja o mesmo, o que difere é o tratamento que se atribui ao referente. O locutor, levando em consideração uma série de fatores contextuais, faz a avaliação da relação e emprega o repertório de honoríficos. Em última análise, usar ou não é decisão do locutor.

2.2.2.2 Keigo no Shishin: um posicionamento oficial sobre o uso de expressões honoríficas na sociedade japonesa

Keigo no Shishin (Diretrizes para honoríficos), documento de 2007 com diretrizes para o uso do honoríficos elaborado pelo Ministério da Educação japonês, traz considerações importantes sobre como o emprego dos honoríficos é atualmente compreendido, a partir de um posicionamento oficial, na sociedade japonesa contemporânea. De acordo com este documento, os honoríficos desempenharam um papel importante e consistente na história japonesa desde os tempos antigos até os tempos modernos. Eles não se limitam em expressar conteúdos, mas também expressam uma avaliação do próprio falante no que diz respeito às relações pessoais e relações sociais com base, por exemplo, em diferenças de posição, papéis, idade e experiência. Os honoríficos, como expressão linguística, resultariam da avaliação que se faz de determinada situação e contexto. O não uso de honoríficos em contextos cujo emprego seria esperado já estabelece um tipo relação. Os honoríficos, neste sentido, expressam uma relação interpessoal ao estabelecer uma relação que a própria língua pressupõe. O documento pondera que embora seja necessário que se preste atenção às relações humanas expressas quando os honoríficos são empregados, é igualmente necessário prestar atenção às relações

20 敬語とは、 同じ事柄を述べるのに、 述べ方を変えることによって敬意あるいは丁寧さをあらわす 、 そ のための専用の表現である。 57 expressas nos contextos em que os honoríficos não são usados. Ao se usar honoríficos o relacionamento será expresso por meio dessa linguagem honorífica, independentemente de o falante pretender ou não, assim como, quando não se usa honoríficos, outras relações são expressas. (2007, p.5) Uma vez que os honoríficos expressam a relação entre as pessoas, o documento justifica a importância do conhecimento dos honoríficos na sociedade japonesa de modo a serem evitados problemas de comunicação e se construam relacionamentos confiáveis. O texto menciona que a importância dos honoríficos é reconhecida entre os japoneses e cita pesquisa de opinião realizada em 2004 em que 96,1% se posicionaram favoravelmente quando indagados sobre a necessidade do emprego dos honoríficos. Elaborada pela Agência de Assuntos Culturais, órgão do Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia japonês, a pesquisa mencionada pelo relatório apresentou os seguintes resultados, que mostravam posicionamento amplamente favorável ao uso dos honoríficos:

NECESSIDADE DOS HONORÍFICOS

Acho que é necessário - 67,8% Acho que é necessário até certo ponto - 28,3% Acho que é necessário (total) - 96,1%

Não acho que seja muito necessário - 2,6% Não acho que seja necessário (total) - 3,3% Não acho que seja necessário - 0,7%

Fonte: Agência de Assuntos Culturais, Japão, 2004. (Tradução nossa). Disponível em: http://www.bunka.go.jp/tokei_hakusho_shuppan/tokeichosa/kokugo_yoronchosa/h15/ (Acesso: 08.01.2018)

A pesquisa investigou também as razões pelos quais o uso de honoríficos seriam considerados necessários, na visão daqueles que responderam favoravelmente. Dentro os motivos apontados estão:

• Expressam sentimentos de respeito pelo outro - 66,8% • Deixam clara a posição em relação ao outro - 50,2% • Deixam as relações interpessoais mais atenuadas - 46,1% • Deixam a linguagem mais elegante - 12,6%

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O relatório de 2007 defende que o uso dos honoríficos deve se basear na ideia de respeito mútuo entre as pessoas. Assim como as palavras mudam com o tempo, o papel dos honoríficos na sociedade também acompanharia essas mudanças. A sociedade contemporânea identifica as pessoas como iguais, de modo que os honoríficos não são fixos ou absolutos como em outros momentos da história japonesa. Na antiga sociedade japonesa baseada em uma hierarquia rígida com papéis e posições fixos, os honoríficos eram usados obedecendo a uma estrutura fixa e absoluta. Por outro lado, a sociedade moderna é uma sociedade que tem como princípio o reconhecimento mútuo do outro como igual. Assim, os honoríficos não são fixos ou absolutos, mas refletiriam as relações humanas entre pessoas que se respeitam mutuamente. (2007, p.6)

Sobre isto, explica Suzuki:

O tratamento da língua japonesa percorre seu caminho de uso, do mais absoluto ao mais relativo. Tendo constituído, em seus primórdios, a forma de expressar veneração e respeito a entes sobrenaturais, apresentava apenas duas categorias de tratamento: as expressões de respeito (sonkeigo), e de modéstia (kenjôgo), que eram atribuídas sob quaisquer circunstâncias, aquelas, a deuses, imperador e pequena parcela da nobiliarquia, e estas às demais pessoas inferiores. Com as transformações ocorridas na sociedade, assistimos à decadência da nobreza, à ascensão da classe guerreira e ao surgimento da burguesia, sofrendo também o tratamento algumas transformações. Sendo, inicialmente, tributados exclusivamente de acordo com a posição social elevada da pessoa enfocada, os tratamentos passam a ser equacionados, num primeiro momento, de acordo com os diferentes níveis sociais e, posteriormente, conforme as tensões interindividuais estabelecidas a cada contexto de situação. O status deixou de ser o critério único para a determinação do uso do tratamento, importando mais as relações pessoais de cada situação de discurso e, nessa medida, surgem as expressões de polidez (teineigo) empregadas pelo dono do discurso para dirigir sua consideração, direta e imediatamente, a seu interlocutor, que é a pessoa mais presente e concreta naquela situação. (SUZUKI, 1995, p.54-55)

O documento observa, no entanto, que reconhecer as pessoas como iguais e se basear em valores de respeito mútuo, não quer dizer que se deva ignorar a existência de diferentes cargos e papéis na sociedade ou diferenças de idade, experiência, conhecimento, habilidade e mesmo diferenças de posição e hierarquia dentro de um grupo social. Não é algo que estaria atrelado ao status, mas ao relacionamento que se tem com a pessoa. (2007, p.6)

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2.2.2.3 Relações sociais japonesas e expressões de tratamento: fatores contextuais que determinam o uso do tratamento

Para Suzuki (1995, p.15) "o fator contextual é essencial no tratamento", uma vez que "implica uma série de fatores ditados, uns por circunstâncias momentâneas inerentes a cada situação, outros por regras ou convenções mais ou menos definidas pela práxis social". Nesse sentido, as expressões de tratamento, fortemente vinculadas com “o meio de sua produção”, saltariam do “campo puramente linguístico para o sociolinguístico”. Nos termos da autora, “as expressões de tratamento marcam as relações interindividuais no discurso, definindo a posição ou o status das pessoas em um contexto atual”, de modo que “formas linguísticas se ligam a fatores extralinguísticos que identificam os sujeitos e personagens do discurso”.

De um lado, há os fatores que definem socialmente o indivíduo e que marcam a(s) pessoa(s) com o papel que irá(ão) desempenhar numa relação tratamental - são os marcadores sociais do indivíduo. De outro, há os que são mais afetos aos contextos de situação, fazendo com que a própria situação defina as normas tratamentais - são os fatores contextuais de tratamento. Os fatores são particulares a cada contexto criado e, nesse sentido, todos são contextuais, mas uns são mais gerais e objetivos, isto é, mais dependentes de normas e convenções ditadas pela prática social; outros são mais circunstanciais e contingentes, mais particulares à situação criada. (SUZUKI, 1995, p.21)

Segundo Kikuchi, de acordo com esta visão, o tratamento pode ser definido como “distinção no uso da língua tendo como base as relações sociais” e “consistem em projeção das relações sociais na língua”. O uso da língua adotada em uma determinada sociedade, observa o autor, “reflete sua visão de mundo, seus valores, práticas sociais, que pautam a conduta, a interação entre os seus participantes." (KIKUCHI, 2011, p.197) Kikuchi (2011), baseado em estudos sobre a sociedade japonesa, apresenta um modelo para compreensão das relações sociais japonesas que considera a existência de dois eixos de análise: horizontal e vertical.

Do ponto de vista das relações sociais, é possível afirmar que a sociedade japonesa é regida por dois eixos: o eixo horizontal e o eixo vertical. É possível definir os eixos como coordenadas que estabelecem a classificação dos interagentes, indivíduos em interação entre si. São essas coordenadas que norteiam a escolha da tomada de atitudes, expressões corporais e, sobretudo, linguística, entre os envolvidos na interação. (ibidem, p.197-198)

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2.2.2.3.1 Eixo horizontal

(a) Interioridade e exterioridade.

Corresponde ao que os japoneses definem por "uchi" e "soto" (os de dentro e os de fora). Diz respeito à "distinção entre aqueles que fazem parte da instituição ao qual o locutor pertence e outros que não pertencem". É o que se verifica nos casos de instituições como "família, empresas e outros estabelecimentos profissionais, grupos sociais, etc." (ibidem, p.198)

(b) Afinidade e interesses comuns.

"Os interagentes podem ser classificados conforme afinidades seletivas e interesses comuns". Kikuchi ilustra esta categoria citando como exemplos contextos em que há a formação momentânea de "grupos de mobilização" "para defender uma causa", bem como a "formação de correntes de posição numa votação" e a "separação em times para disputar uma modalidade esportiva". (ibidem, 198)

(c) Intimidade.

"Critério eminentemente subjetivo", a intimidade também é classificada como um fator de distinção nas relações interpessoais. A intimidade, observa Kikuchi, muitas vezes, "pode atenuar ou até subverter a hierarquia existente, em contextos de rotinização onde os membros estão constantemente em contato, como numa seção de empresa". (ibidem, p.198)

O autor destaca que embora não sejam exclusivos da sociedade japonesa, estes fatores "interferem com maior intensidade na interação entre os japoneses, constituindo uma visão dicotômica do mundo em círculo interno e círculo externo". (ibidem, p.199)

O círculo interno é formado pelos familiares e parentes, colegas de trabalho, membros do grupo ou instituição à qual o indivíduo pertence (...) e ainda, pelos "aliados" com quem tem afinidade e compartilha interesses comuns, e os íntimos. Nessa classificação, incluem-se os pertences, sentimentos, opiniões, etc., dessas pessoas. Por outro lado, por exclusão, o círculo externo é formado por tudo que não faz parte do círculo interno. Assim, 61

essa visão dicotômica classifica o mundo em "os de dentro" e "os de fora" em todos os aspectos da vida, na vida privada ou profissional, no nível material ou imaterial, real ou virtual. (ibidem, p.199)

As expressões de tratamento da língua japonesa se inserem nesse contexto como componente linguístico das relações sociais (...) Numa interação linguística com os membros do círculo interno, sobretudo no caso de família, predomina uma linguagem informal desprovida de polidez e de expressões de respeito. No trabalho, embora existindo respeito à hierarquia interna, o grau de polidez e de respeito é menos acentuado do que na interação com alguém do círculo externo. (ibidem, p.201)

2.2.2.3.2 Eixo vertical

O eixo vertical expressa a hierarquia existente sociedade, no nível macro, e também a hierarquia no eixo horizontal, ou seja, no nível micro. Vários fatores determinam a hierarquia, estabelecendo as posições de superior e inferior entre os interagentes, sendo alguns atribuídos e outros adquiridos. (ibidem, p.199)

(a) Status e classe social.

Kikuchi destaca que "o fator classe social foi atenuado após a Segunda Guerra Mundial, com a derrocada do antigo regime". "O desenvolvimento econômico verificado no Japão a partir de 1955" contribuiu para uma diminuição na desigualdade social e "consequente diferenciação social pela aparência e estilo de vida". No entanto, o autor observa que ainda hoje "o fator classe e também status social não podem ser desprezados", ressaltando a "presença de corte imperial e famílias tradicionais". Além disso, as duas últimas décadas às quais o Japão vivencia um período de estagnação econômica "tem acarretado maior diferenciação das classes sociais". (ibidem, p.199)

(b) Cargos e papéis sociais.

Diz respeito aos “cargos hierárquicos verificados nas empresas, ou ainda, de patentes nos meios militares e afins". Também são apontadas "relações de papéis em que um é considerado superior a outro, como na relação mestre e aprendiz, professor e aluno, doutor (médicos, dentistas, etc.) e paciente, cliente e vendedor de lojas, etc." (ibidem, p.200)

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(c) Antiguidade na área e ordem de ingresso no meio.

"Marcadamente japonês", nos termos de Kikuchi, a antiguidade na área e ordem de ingresso no meio corresponde a um critério no qual "as pessoas mais antigas” são “tratadas com maior respeito pelos que ingressaram depois". (ibidem, p.200")

É marcante o fato de que os ex-alunos de uma mesma escola ou universidade mantém a relação outrora vigente, mesmo depois de formados, tratando o "veterano" com respeito, ainda que o "novato", status este adquirido em tempos de estudante, exerça uma profissão ou ocupe um cargo com maior prestígio social no presente. (ibidem, p.200)

(d) Idade.

O fator idade, de acordo com Kikuchi, "tende a coincidir com o cargo e a ordem de ingresso nas empresas" e "constitui um critério preponderante no estabelecimento da hierarquia, embora em menor grau do que antigamente". (ibidem, p.200)

(e) Sexo.

No que diz respeito ao sexo, entendido como critério hierárquico, observa Kikuchi, "notadamente a partir da década de 1980, houve no Japão uma alteração no estabelecimento da hierarquia tendo como critério o sexo, na concepção tradicional do homem superior e mulher inferior". No entanto, escreve o autor, "há que se registrar a permanência dessa hierarquização ainda nos dias de hoje, em certos meios empresariais, profissionais, artísticos e esportivos" (ibidem, p.200)

(f) Competência.

Capaz de "subverter outros fatores, como idade, sexo e antiguidade na área", a competência pode ser um critério para o estabelecimento da hierarquia "em certos meios em que prevalecem o talento, o conhecimento e o desempenho individuais". Como explica Kikuchi, "é o que se verifica nas artes de um modo geral, principalmente nas tradicionais, como cerimônia do chá e ikebana, nas artes marciais, nos esportes e outras modalidades competitivas como shôgi e go". (ibidem, p.201)

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(g) Relação de ônus.

São os casos em que "uma das partes se sente ter conferido ônus à outra, e, por isso, se posiciona como inferior na relação". Como exemplifica Kikuchi, é o que se verifica nas relações entre "credor e devedor, e em outros inúmeros casos em que uma das partes 'deve favor' ao outros, numa relação de beneficiador e beneficiário". (ibidem, p.201)

2.2.2.4 Proposta de classificação das expressões de tratamento japonesas em função do referente.

A classificação para as expressões de tratamento japonesas sistematiza por Kikuchi (2011, p.202) segue uma corrente teórica que as classifica em três tipos de acordo com o referente, “a pessoa para o qual o tratamento é direcionado no discurso”, e que, de certa maneira, segue uma linha de pesquisa que é o desenvolvimento das classificações propostas por linguistas japoneses ao longo do tempo.

• Referente interlocutor: expressões de polidez (teineigo) e expressões de formalidade (teichôgo). • Referente conteúdo do enunciado: expressões de respeito (sonkeigo) e expressões de modéstia (kenjôgo). • Referente interlocutor ou conteúdo do enunciado: expressões de carinho/intimidade (shin’aigo) e expressões depreciativas (higo).

2.2.2.4.1 Referente interlocutor

Dividem-se em expressões de polidez e expressões de formalidade. Elas ocorrem no nível da enunciação e são dirigidas "pelo locutor ao interlocutor com polidez, independentemente das relações interpessoais estabelecidas no conteúdo do discurso”. (ibidem, p.202)

2.2.2.4.1.1 Expressões de polidez (Teineigo)

As chamadas expressões de polidez expressam “distinção e consideração ao interlocutor em contraste com a linguagem não polida”. (ibidem, p.202) 64

POLIDO NÃO POLIDO Ashita wa nichiyôbi desu. Ashita wa nichiyôbi da. Amanhã é domingo. Amanhã é domingo. Isha dewa arimasen deshita. Isha dewa nakatta. O médico não estava. O médico não estava. Yasumi ni ryokou shimashita. Yasumi ni ryokou shita. Viajei no ferido. Viajei no ferido. Tabela 2 - Expressões de polidez: formas polida e não polida Fonte: KIKUCHI, 2011, p.203 As expressões de polidez caracterizam-se pelo uso de “desu” e “masu” e suas formas flexionadas.

A rigor, as expressões de polidez não levam mais em conta as tensões interindividuais estabelecidas no contexto do discurso, apenas exprimem a cordialidade do locutor com relação ao ato da enunciação. No entanto, sua presença atribui um caráter mais sóbrio, mais polido ao discurso, tornando- se, por vezes, uma maneira indireta de o locutor tratar seu interlocutor com respeito, principalmente em discursos que se refiram a fatos diretamente relacionados ao interlocutor. (SUZUKI, 1995, p.43)

De acordo com Introdução à gramática da língua japonesa (2001, p.100), “essa noção não poderá ser detectada na tradução para o português, porque o código da língua portuguesa não prevê formas equivalentes”.

2.2.2.4.1.2 Expressões de formalidade (Teichôgo)

Expressa consideração ao interlocutor, em ambientes e contextos em que predomina a formalidade. Costumam ser direcionadas a clientes ou público em geral e são empregadas "com maior frequência em estabelecimentos comerciais, em ambiente de trabalho, nos anúncios de serviços, etc." (ibidem, p.203)

2.2.2.4.2 Referente conteúdo do enunciado

São expressões que ocorrem "no nível do conteúdo do enunciado, atribuído pelo locutor às pessoas citadas no enunciado”. Elas consistem em honorífico (keigo), empregado em um sentido restrito, e que está subdivido em expressão de respeito (sonkeigo) e expressão de modéstia (kenjôgo). (ibidem, p.204)

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De acordo com Kikuchi (ibidem, p.204), o honorífico (keigo) expressa respeito a dois tipos de referentes:

a. Superior do círculo interno; b. Membros do círculo externo, sobretudo na relação profissional.

A divisão em expressões de respeito (sonkeigo) e expressões de modéstia (kenjôgo) reflete, segundo o autor, "o mecanismo pelo qual o respeito pode ser expresso": No primeiro caso, "atribuindo-se as formas de respeito diretamente ao referente”. No segundo caso, "fazendo menção sobre o próprio locutor ou personagem do enunciado, que pertence ao círculo interno do locutor, em termos de modéstia ou humildade" (ibidem, p.204)

2.2.2.4.2.1 Expressões de respeito (sonkeigo)

O respeito é expresso empregando-se as formas de respeito "sobre a ação, pertences, pensamentos, etc. do referente respeitado” e pode ocorrer praticamente em todas as classes gramaticais. (ibidem, p.205)

2.2.2.4.2.2 Expressões de modéstia (kenjôgo)

Nas expressões de modéstia, o respeito é expresso pelo emprego de formas de modéstia “sobre a ação do próprio locutor, os membros do seu círculo, pertences, pensamentos, etc., que tenham algum vínculo ou relação com o respeitado”. Nem todos os termos que estão relacionados com o locutor ou membros do seu círculo são convertidos para a forma de modéstia. Como explica Kikuchi, um termo que não tenha relação com o referente respeitado, permanecerá na forma neutra. (ibidem, p.209)

2.2.2.4.3 Referente interlocutor ou conteúdo do enunciado

Estão divididas na classificação sistematizada por Kikuchi (2011) em expressões de carinho/intimidade (shin’aigo) e expressões depreciativas (higo).

2.2.2.4.3.1 Expressões de carinho/intimidade (Shin’aigo)

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“São expressões que têm como finalidade expressar o carinho ou a intimidade do locutor em relação ao referente ou interlocutor”. (ibidem, p.213) É o caso, por exemplo, do emprego de apelidos; uso dos sufixos -chan e -kun pospostos a nomes próprios e pronomes específicos, tais como “omae” e “anta”. Kikuchi observa que, quando usadas para se referir a membros do círculo interno, “muitas palavras consideradas depreciativas podem, dependendo da intenção do falante, ser consideradas shin’aigo” (ibidem, p.213) De certa maneira, o mesmo também ocorre no português quando, por exemplo, amigos se cumprimentam usando termos que em outro tipo de relação interpessoal seriam considerados xingamento.

2.2.2.3.4.2 Expressões depreciativas (Higo)

São expressões de cunho pejorativo, “empregadas em maledicências, ultrajes, brigas, etc”. (ibidem, p.214)

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3 - AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS JAPONESAS

Neste capítulo focamos no mangá como nosso objeto de estudo para contextualizar e discutir a presença das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil e o aumento do interesse pelo tema percebido nas últimas décadas. Na seção 3.1 apresentamos um panorama sobre os mangás no Japão. A seção 3.1.1 introduz um breve histórico sobre o desenvolvimento do mercado de mangás japonês. A seção 3.1.2 descreve os formatos de publicação. A seção 3.1.3 aborda as principais editoras envolvidas com a publicação de mangás no Japão. Na seção 3.2 discutimos a presença das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil. A seção 3.2.1 traz um breve histórico. A seção 3.2.2 enfoca o mercado de mangás no Brasil. A seção 3.2.3 descreve algumas das características formais das edições brasileiras. A seção 3.2.4 mostra como a percepção sobre os mangás no Brasil foi evoluindo desde os anos 1980, do ponto de vista da recepção, com base no que se publicou sobre o tema no jornal Folha de S. Paulo. A seção 3.2.5 analisa os principais argumentos bem como como a visão de mangá que se depreende nos discursos oferecidos pelas editoras em comentários e meta-textas inseridos em edições brasileiras de mangá.

3.1 O mangá no Japão

3.1.1 Breve histórico

Moliné (2004) elenca uma série de manifestações gráficas empregadas ao longo da história japonesa que poderiam ser consideradas precursoras dos quadrinhos japoneses. O pintor Katsuhika Hokusai (1760-1849) é apontado como “o primeiro a desenvolver as imagens em sucessão de desenhos, com a aparição, em 1814, do primeiro encadernado – de uma série de 15 – de seu Hokusai Manga”; de onde deriva o termo manga atualmente consolidado. (MOLINÉ, 2004, p.18)

Ao criar o estilo, que unia os caracteres man ("involuntário") e ga ("desenho", "imagem") - cuja palavra resultante significava "imagens involuntárias" -, este se impôs definitivamente como sinônimo de tudo o que é relacionado à caricatura ou ao humor gráfico, à semelhança da palavra inglesa cartoon. Mesmo tendo de esperar até a segunda década do século 20 para que o termo mangá fosse consolidado, Hokusai não poderia imaginar que a palavra por ele inventada abriria caminho, a partir da 68

referida década, a uma das mais prósperas e gigantescas indústrias do país. (MOLINÉ, 2004, p.18-19)

Rakuten Kitazawa é considerado o primeiro “verdadeiro autor japonês de quadrinho” ao criar, em 1901, a primeira história japonesa com personagens fixos, “Tagosaku to Mokubê no Tokyo Kenbutsu ("A viagem a Tokyo de Tagosaku e Mokubê"), para a qual recuperaria a denominação de mangá.” (ibidem, p.19) Segundo Moliné, presenciou-se durante as duas primeiras décadas do século a “implantação definitiva da narrativa ilustrada no Japão”, com destaque para a forte influência que “a introdução das primeiras strips (tiras)” provenientes do Estados Unidos exerce entre os desenhistas japoneses. (ibidem, p.19) É a partir dos anos de 1930 que surgem, segundo Moliné, as "primeiras autênticas estrelas do mangás", tanto no segmento infantil como em tiras diárias e dominicais (ibidem, p.22-23). O início da II Guerra Mundial é marcado por um período de “considerável redução da produção de mangás, causada pela restrição de papel” e, em especial, “pela censura”.

Quase todas as publicações foram destinadas à propaganda bélica, frequentemente mostrando os países inimigos no conflito sob um ponto de vista pouco menos que satânico. Os trágicos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki culminariam em uma etapa obscura e iniciaram outra nova e esperançosa era na história do Japão, o período Heisen (1945 até hoje), e, com ela um novo ciclo na história dos mangás. (ibidem, p.21)

Após o fim da Guerra, período em que "a indústria dos mangás se vê forçada a começar do zero, ou quase" dois elementos são destacados como tendo contribuído na difusão dos mangás, ao mesmo tempo que funcionavam como “entretenimento e distração para esquecer os dolorosos e recentes acontecimentos”: “os kamishibai, ou ‘teatro de papel’” e “os kashibon manga, ou ‘mangás de aluguel’”.

Kamishibai, ou “teatro de papel”: tratava-se de um “meio de entretenimento das ruas, parente próximo dos mangás”, nos termos de Moliné, que “oferecia ao público relatos desenvolvidos em quadrinhos que eram desenhados em lenços e apresentados por um narrador”. O início da televisão no Japão, em 1953, e a expansão das publicações de mangás são apontados como motivadores para a decadência do gênero. (ibidem, p.21)

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Kashibon manga, ou “mangás de aluguel”: distribuído em bibliotecas ambulantes, o sistema que se iniciou em Osaka e se estendeu por todo o país, fez sucesso “em uma época em que os volumes de mangás eram raros e com preços elevados”, tendo editado revistas e volumes unitários. Assim como os kamishibai, eles foram perdendo a importância à medida em que os mangás deixavam se ser um produto caro. (ibidem, p.21-22) A partir da segunda metade da década de 1940, , um dos nomes fundamentais na história do mangá Japão, começa a publicar os primeiros trabalhos. "Em 1946, foi editada Shin Takarajima ("Nova Ilha do Tesouro"), primeira obra longa do então iniciante desenhista Osamu Tezuka, com roteiro de Shichima Sakai". Este trabalho, segundo Moliné, "chegou a vender milhares de exemplares e implantou dinamismo, ritmo e estilo até então pouco habituais, ou inéditos, nos quadrinhos do país". Essas inovações foram influenciadas em grande medida pelo "cinema - tanto de imagem real como de animação - e o comic norte-americano" (ibidem, p.22). O trabalho de Tezuka influenciou significativamente as gerações posteriores de criadores de mangá. Os "olhos e grande e amplas e brilhantes pupilas", umas das características dos personagens Tezuka, são detalhes ainda hoje “imitados por diversos autores” que “fazem dos ‘olhos grandes’ uma das principais características e, particularmente para o público ocidental, servem para personificar os quadrinhos e a animação nipônica”. (ibidem, p.22) Moliné destaca o aparecimento, em 1947, da "primeira publicação mensal totalmente composta de mangá, Manga Shonen, que abriria caminho a toda uma geração de mangakás". As décadas de 1950 e 1960 são apontadas como décadas prodigiosas por Moliné. A partir dos anos 50, segundo este autor, "os acontecimentos na história dos mangás se dão em uma velocidade vertiginosa". (ibidem, p.23) Dentre esses acontecimentos destacam-se o surgimento em 1955 das primeiras revistas “totalmente compostas de shojo manga, ou mangá para meninas” bem como mudanças significativas no panorama editorial japonês, ao final da década de 1950, iniciando-se um aumento no número de publicações de mangá semanais. (ibidem, p.23) Moliné observa que o sucesso obtido pelos mangás no Japão nesse período contrasta com a trajetória das histórias em quadrinhos vivenciada no ocidente.

Ironicamente, na mesma época que a Europa e as Américas estavam conhecendo a decadência das HQs, motivada principalmente pela expansão da televisão e outras novas alternativas de entretenimento, no Japão a 70

situação era totalmente inversa: a indústria de mangás experimentou, a partir de então, um aumento espetacular tanto nas tiragens como no número de títulos. O auge da televisão proporcionou uma fantástica expansão da indústria da animação japonesa ao propiciar as adaptações dos mangás mais populares para séries de . (ibidem, p.24)

Durante a década de 1960, acompanhando uma tendência que também era percebida na Europa e na América do Norte, em que os quadrinhos “começavam a se tornar um meio de expressão adulto”, surgem os primeiros mangás voltados para o público adulto “com publicações alternativas ou underground”. (ibidem, p.24) O shojo manga, os mangás para meninas, alcança um grande sucesso entre o final dos 1960 e início de 1970, com o surgimento diversas autoras de mangás introduzindo “novas temáticas e sensibilidades ao gênero”. (ibidem, p.24) As décadas de 1970 e 1980 são descritas por Moliné como um período em que se buscou novos caminhos, destacando que, “paralelamente ao contínuo desenvolvimento industrial, os anos 70 presenciaram a intensificação de movimentos de autores de mangás aficionados e dos dôjinshi (fanzines)”. Inúmeros autores de mangás que iniciaram produzindo dôjinshi tiveram os trabalhos posteriormente publicados por grandes editoras. Nos anos de 1990, Moliné descreve um cenário em que o mercado de mangás no Japão conta com "títulos para cada sexo, faixa etária e ocupação, cujos semanários têm tiragens de milhões de exemplares por número; com uma média de 15 publicações per capita”. Segundo este autor, haveria a “certeza de que o mangá soube explorar ao máximo todas as possibilidades - frequentemente qualificadas de infinitas - que podem ser oferecidas". Apesar disso, diz Moliné, "também para a aparentemente inatingível indústria dos mangás sopram ventos de crise, tanto nos níveis econômicos como criativos", inclusive com o surgimento, no princípio dos anos 1990, de movimentos que seriam “contrários aos mangás”. "Os videogames, a expansão de computadores e a internet parecem ter afetado esse segmento nas últimas duas décadas", fazendo que as editoras procurem por "fórmulas que permitam manter estável o mercado dos mangás, ainda que a crise não seja tão grave quanto a que afeta, já há muitos anos, as editoras dos países ocidentais”. (ibidem, p.25-26)

3.1.2 Os formatos de publicação

Ao descrever os formatos em que os quadrinhos japoneses são consumidos no Japão Moliné (2004) aponta diferenças para os modelos editoriais ocidentais. 71

No Japão, diz o autor, as séries de mangás são inicialmente compiladas em revistas com numeração alta de páginas e impressas em papel de baixa qualidade. “Títulos como Comic Arternoon, editada pela Kodansha, podem chegar às mil páginas”.

Cada revista pode conter de 15 a 20 séries diferentes que podem ter aproximadamente entre 15 e 30 páginas por edição. A porcentagem de páginas de conteúdo que não seja quadrinhos (publicidade, correio dos leitores etc.) é ínfima, raramente superando 0,25 % do total (...) é comum que cada exemplar contenha um formulário para que os leitores votem em suas séries de mangá favoritas presentes no citado exemplar; as mais votadas continuam aparecendo na revista e as menos populares, logicamente, são canceladas. (MOLINÉ, 2004, p.28)

Essas revistas costumam ser descartáveis, sendo recolhidas e recicladas depois de lidas. "Nem se pensa em colecioná-las em vista do espaço enorme que seria preciso para armazená-las, especialmente em um pais tão pequeno, em que cada espaço é muito bem aproveitado". (ibidem, p.28) As séries que fazem maior sucesso nessas revistas são aquelas que recebem edições encadernadas, impressas em papel de boa qualidade. É a partir desses volumes encadernados, vale destacar, que são feitas as traduções.

Sempre são publicadas em branco-e-preto, mas alguns encadernados podem ter algumas páginas introdutórias coloridas; as edições impressas totalmente em quatro cores são realmente escassas, bem como os artistas que cultivaram o mangá colorido. (ibidem, p.28)

Gravett (2006, p.160) acrescenta que o público ocidental “está experimentando os mangás de forma bastante diferente dos leitores japoneses”. Publicadas em revistas no Japão, explica o autor, “uma história completa, que pode ter levado anos para ser concluída” pode ser “traduzida do início ao fim em um período muito mais curto em livros mensais e bimestrais". Moliné observa que os mangás de maior sucesso são constantemente reeditados, sendo possível encontrar em livrarias japonesas, por exemplo, as primeiras obras de Osamu Tezuka, que “datam da segunda metade dos anos 40, ou mangás anteriores à II Guerra Mundial, como ”. O autor menciona ainda que no Japão há uma significativa presença de mangás encontrados fora de seu segmento. “Desde um painel publicitário até o manual de instruções de eletrodomésticos, pode estar expresso em vinhetas”. (MOLINÉ, 2004, p.29)

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Destacamos também que nos últimos anos tem se percebido significativo crescimento dos mangás em suporte eletrônico, dispensando o uso de papel. Diversos sites como EbookJapan comercializam edições digitais dos volumes de mangás, que vão desde os lançamentos mais recentes às edições de títulos antigos que compõem o catálogo das editoras. No Japão, a gigante Amazon oferece o serviço Kindle Unlimited que permite a leitura eletrônica de milhares de séries mangás pelo preço de uma mensalidade, além de outros gêneros editoriais; similar ao que vêm ocorrendo por meios de serviços como e Spotify, nas áreas do cinema e da música, respectivamente.

Figura 14 - Sites como EbookJapan oferecem a possibilidade de compra de edições digitais

Figura 15 - Serviço oferecida pela Amazon no qual milhares de títulos de mangá ficam disponíveis para leitura por meio eletrônico mediante assinatura mensal

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3.1.3 As principais editoras

Moliné aponta 3 editoras como responsáveis pela publicação de 70% dos mangás no país: Kodansha, Shueisha, Shogakukan. No entender do autor, a editora Kadokawa corresponderia a uma quarta força como merecedora de destaque no mercado editorial de mangás japonês. Dentre as demais editoras que se também se destacam pela publicação de mangás o autor menciona: Akita Shoten, Futabasha, Gakken, , Media Works, San Shuppan, Seirindo, Seishinsha, Shonen Gahosha, Take Shobô, Tokuma Shoten, Chuokoronsha, Hobunsha, Liido Sha, Shimaisha e . (ibidem, p.33-35)

3.2 O mangá no Brasil

3.2.1 Breve histórico

Luyten (1995, p.137) faz considerações a respeito da particularidade brasileira em virtude da presença da colônia japonesa em território nacional. “Por muitas décadas, as revistas de mangá chegavam ao Brasil através de importadores que se encarregavam de distribuí-las nas livrarias da colônia japonesa”. A autora conta que antes mesmos dos primeiros títulos de mangá serem traduzido no Brasil os mangás já exerciam alguma influência.

Sem dúvida alguma, além da função didática, os mangás influenciaram sobremaneira a carreira de muitos desenhistas nisseis, de maneira estética, pelo traço do desenho e na temática das histórias. Nesse aspecto, o Brasil é um dos pioneiros do mundo. Já desde os anos 50, Julio Shimamoto marcou presença nos clássicos brasileiros de história em quadrinhos do gênero terror. No decorrer das décadas há inúmero exemplos da utilização da técnica mangá nas histórias em quadrinhos nacionais pelos desenhistas nipo-brasileiros sem que o mundo tomasse conhecimento desta grande inovação. Na década de 70, também no Brasil, foram iniciados os primeiros estudos acadêmicos sobre o mangá, publicados pela revista Quadreca, em 1976, pela Escola de Comunicações e Artes da USP, além da formação de biblioteca especializada em revistas de mangá e a criação da Abredmi (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustradores), com exposições itinerantes pelo país. Tudo isso, pioneiramente, sem que a Europa e os Estados Unidos tomassem conhecimento, sem que o Brasil fosse ponte de referência para o mundo. (LUYTEN, 1995, p.137)

No entanto, mesmo com este contexto favorável, foi só a partir de 1988, com a divulgação e publicação de determinadas obras nos Estados Unidos, como Lobo Solitário 74 e , que os primeiros títulos de quadrinhos japoneses de fato começaram a ser traduzidos por editoras brasileiras.

Após a tradução de alguns mangás clássicos para o inglês, a declaração de desenhistas americanos e europeus, pela imprensa mundial, que receberam influências do mangá, a importação maciça de desenhos animados nipônicos para a TV - só aí as editoras brasileiras "acordaram" para o fenômeno mangá. (ibidem, p.137)

Esses primeiros títulos traduzidos no país não obtiveram grande repercussão e o mercado para os quadrinhos japoneses ficou, de certa forma, adormecido até o início dos anos 2000, momento em que ocorre uma retomada das publicações e o segmento efetivamente se estabelece no país (OKA, 2005). Durante esse período, embora não se tenham publicados novos títulos de mangás, animações japonesas fizeram muito sucesso na televisão aberta. Séries como Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seya, no título japonês) conquistaram enorme sucesso comercial, licenciado a imagem para inúmeros produtos como brinquedos, álbuns de figurinhas, etc.

O sucesso do desenho fez com que a distribuidora brasileira investisse 3 milhões de dólares na importação de 400.000 bonecos da série japonesa e mais meio milhão para promovê-los numa campanha publicitária. Com isso, o Brasil acompanha outros países que já se encantara, com as peripécias de Seya e seus seguidores. França, Portugal, Espanha e México movimentam um faturamento estimado em 100 milhões de dólares com a venda de gibos, camisetas, bonecos, discos e até produtos de higiene para crianças. (Veja, 16.11.1994)

Figura 17 - Veja, 02.04.1997. "O charme violento de Yu Figura 16 - Veja, 16.11.1994. "Com os Cavaleiros do Yu Hakusho, o desenho que destronou Os Cavaleiros do Zodíaco, uma mistura de ficção científica com ética Zodíaco”. medieval, a Rede Manchete tira o pé da lama".

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É importante destacar o papel vital que as séries de animação desempenharam para o estabelecimento e popularização das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil. Em um primeiro momento, no início dos anos 2000, as editoras brasileiras investiram, sobretudo, em títulos que já eram conhecidos do público brasileiro por meio da versão animada.

Quando os filmes de animação produzidos no Japão começaram a conquistar o mercado televisivo internacional, os personagens da telinha popularizaram-se e tiveram a chance de ser publicados também nas revistas. (MOYA, 1998)

A quantidade e variedade dos títulos lançados, como veremos na seção 3.2.2, foram aumentando gradualmente ano a ano à medida em que o mercado amadurecia e se consolidava. O interesse por histórias em quadrinhos japonesas corresponde a um fenômeno global e quando editoras brasileiras passaram a investir com mais força no segmento, vale ressaltar, o potencial de sucesso dos mangás já vinha sendo demonstrado em outros países. Álvaro de Moya, estudioso sobre histórias em quadrinhos, identificava no final dos anos de 1990 o rápido avanço obtido pelos mangás em determinados mercados, como o italiano, por exemplo, que estaria começando, inclusive, a sufocar os autores nacionais de quadrinhos daquele país.

Atualmente, na Itália há uma invasão japonesa. Com exceção das revistas do editor Sérgio Bonelli, incluindo Tex, Dylan Dog e Mr. No, todas as editoras se rendem ao mangá. (MOYA, 1998)

3.2.2 O mercado de mangás no Brasil

Gradualmente introduzidos nos país desde o final dos anos de 1980, foi a partir dos anos 2000, sobretudo, que os mangás passaram a ocupar uma posição mais central no mercado de quadrinhos brasileiro. Nota-se, é importante destacar, diferenças significativas nos contextos de publicação, se considerarmos as primeiras experiências de publicação de histórias em quadrinhos japonesas no Brasil, como explica Arnaldo Massato Oka, tradutor da editora Japan Brazil Communication (JBC).

A história em quadrinhos do Japão - o mangá - vem fazendo um grande sucesso no mercado brasileiro nos últimos anos (...) Uma situação inimaginável em 1988, ano em que foi publicado o primeiro título de mangá no Brasil: o Lobo Solitário. Em seguida veio Akira, em 1990. As duas obras pegaram carona no sucesso das graphic novels - os quadrinhos norte-americanos adultos - na época em que a HQ deixou de ser um produto 76

infantil dentro do mercado brasileiro (...) Depois dessas duas obras que inauguraram o mercado de publicações de mangás no Brasil, houve uma pausa de dez anos, período em que alguns títulos foram lançados sem grande repercussão (...) A situação mudou entre 1999 e 2001, quando animês como Pokémon, X, Dragon Ball Z e Sakura Card Captors viraram mania na TV aberta. Isso criou um ambiente propício para a vinda dos mangás que originaram as séries animadas de TV (...) (OKA, 2005)

A partir de 2000, com Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, ambos publicados pela editora Conrad, ao se adotar o modelo de leitura oriental, introduziu-se pela primeira vez no país uma prática que se tornou padrão para as novas publicações de quadrinhos japoneses. Já em meados dos anos 2000 Sidney Gusman, jornalista especializado em quadrinhos apontava, o mangá como sendo "único formador de leitores do mercado brasileiro de quadrinhos".

Como os quadrinhos de super-heróis, até então 'donos' do mercado, estavam em crise, a principal editora do gênero, a Abril, optou por lançar edições luxuosas, apostando no público mais fanático. No entanto, esqueceu-se de algo vital: a formação de novos leitores, indispensável em um mercado como o nosso. Os mangás assumiram esse papel. O que alguns 'especialistas' classificaram como uma 'moda passageira' tornou-se a principal fatia do mercado brasileiro de quadrinhos (...) Como ex-editor da Conrad, uma das coisas mais assustadoras era a constatação da existência de leitores que jamais haviam lido uma história em quadrinhos no sentido ocidental. Ou seja, eles só liam mangás, o que é quase uma devoção. (GUSMAN, 2005)

Desde que começaram a ser publicados com regularidade, quatro editoras, em especial, destacaram-se pela publicação de mangás no país: Conrad, Japan Brazil Communication (JBC), Panini Comics e, mais recentemente, NewPOP. A seguir podemos ver a relação de novos títulos de mangás publicados ano a ano por essas editoras, e que mostram o gradativo aumento de novos títulos de mangás publicados disponíveis ao leitor brasileiro desde o início deste século.

Conrad

Primeira editora a investir na publicação de mangás no Brasil preservando o mesmo formato de leitura dos títulos japoneses, no início dos anos 2000. Foi a primeira a adotar alguns dos modelos que posteriormente passariam a ser seguidos pelas demais editoras que apostaram no segmento. Teve um papel de destaque, nesse primeiro momento de afirmação dos mangás no país, sobretudo durante a primeira metade da década. 77

O caráter de pioneirismo em relação aos mangás desempenhado pela editora Conrad é ressaltado em texto institucional divulgado pela editora na internet:

A Conrad tem sido a principal editora de quadrinhos no Brasil. Aquela que indica os rumos que o mercado irá seguir (...) Uma das principais manifestações do pioneirismo da Conrad foi o lançamento (...) do mangá Dragon Ball no Brasil, que inaugurou o mercado brasileiro de mangás e também inaugurou nossa parceria com a Shueisha. A Conrad é a editora que investiu em distribuição e marketing e levou os mangás ao grande público. (acessado em 14.01.2018)

Em 2009 a editora Conrad é vendida para o grupo IBEP-Companhia Editora Nacional 21 e deixa de investir na publicação de histórias em quadrinhos japonesas, fazendo com que muitos títulos de seu catálogo, inclusive séries populares, tivessem a publicação interrompida no país, até que fossem assumidos por outras editoras, caso por exemplo, do mangá . Por ser um mangá longo e que demandaria muito tempo até que uma nova editora alcançasse o ponto em que a publicação foi interrompida pela editora Conrad, quando este mangá passou a ser publicado no Brasil pela Panini Comics, a editora lançou simultaneamente tanto o volume 1 como também o volume 36, como forma de agradar os leitores que já vinham acompanhando o mangá pela antiga editora.

Tabela 3 - Mangás publicados pela editora Conrad entre 1999 e 2011

1999 [1 nova série] Hadashi no Gen22 [Gen - Pés Descalços] 2000 [2 novas séries] Dragon Ball [Cavaleiros do Zodíaco] 2001 [4 novas séries] Tekkon Kinkreet [Preto & Branco] Dragon Ball Z 2002 [4 novas séries] Fushigi Yūgi One Piece Dr. Slump Mangaká: Lições de 2003 [2 novas séries] Osamu Tezuka: Uma Biografia Mangá 2004 [8 novas séries] Mugen no Juunin [Blade - A Lâmina do Imortal] Saint Seiya [Cavaleiros do Zodíaco (versão revisada e corrigida)] Chonchu (O Guerreiro Maldito) Saint Seiya: Episode.G [Cavaleiros do Zodíaco: Episódio G] Warau Kyuketsuki [O Vampiro que Ri] Saint Seiya Taizen [Cavaleiros do Zodíaco - Enciclopédia] Ragnarök Saint Seiya: Gigantomachia [Cavaleiros do Zodíaco: Gigantomaquia]

21 Folha Online - Editora Conrad é vendida para grupo Ibep-Nacional, 05.02.2009 22 Publicado em formato de livro, com orientação de leitura ocidentalizada e edição condensada. O título foi reeditado a partir de 2011 preservando as características da edição japonesa. 78

2005 [12 novas séries] Saint Seiya - Anime Comics [Cavaleiros do Zodíaco - Anime Classics] Buddha [Buda] Dragon Ball - Kanzenban [Dragon Ball - Edição Definitiva] MegaMan NT Warrior Neon Genesis Evangelion: The Iron Maiden 2nd Neon Genesis Evangelion Ring (O Chamado) Vagabond (A História de Musashi) Dragon Ball Z - Perfect Anime Guide [Dragon Ball Z - Enciclopédia] Ero-Guro (O Erótico Grotesco) Keimusho no Naka [Na Prisão, pela Conrad] 2006 [19 novas séries] Sade Adolf ni Tsugu [Adolf] SandLand Angry BAMBi Marusaku Sanctuary Cinderalla Kaze no Tani no Nausicaä [Nausicaä do Vale do Vento] (A Espiral do Horror) Nekomajin Shura Yuki-hime [Yuki - Vingança na Neve] Baraiso - Warau Kyuketsuki [Paraíso - O Sorriso do Vampiro] Tempest Jigoku-hen [Panorama do Inferno] Battle Royale Gorin no Sho [O Livro dos Cinco Anéis] 2007 [4 novas séries] Zettai Kareshi (O Namorado Perfeito) Cowa! 200823 [1 nova série] Delivery Service of Corpse 200924 [1 nova série] Gourmet 2011 [1 série] Hadashi no Gen [Gen - Pés Descalços (reedição fiel à original)] Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados disponíveis na Wikipédia.

JBC

Iniciou as publicações de mangás no Brasil a partir de 2001. Atualmente é aquela que, juntamente com a Panini Comics, possui um dos maiores catálogos de mangás publicados em língua portuguesa. Define-se como uma editora nipo-brasileira cujo objetivo é publicar os mangás de uma maneira “mais próxima do original”, mas "com a comodidade de estar em português".

Tabela 4 - Mangás publicados pela editora JBC entre 2001 e 2017

2001 [4 novas séries] [Samurai X] [Sakura Card Captors]

23 Publicou outros títulos de origem chinesa e coreana neste ano. 24 Publicou outros títulos de origem chinesa e coreana neste ano. 79

Mahō Kishi Rayearth [Guerreiras Mágicas de Rayearth] 2002 [5 novas séries] Love Hina [Inu-Yasha] Ribbon no Kishi [A Princesa e o Cavaleiro] Yu Yu Hakusho 2003 [5 novas séries] Gunnm (Hyper Future Vision) Chobits Love Junkies X 2004 [4 novas séries] Rurouni Kenshin: Yahiko no Sakabatou [Samurai X: A Sabakatou de Yahiko] Bastard!! Rurouni Kenshin - Kenshin Kaden [Samurai X - Kenshin Kaden] 2005 [6 novas séries] B't X Onegai Teacher 2006 [7 novas séries] Mahō Sensei Negima! [Negima! - Magister Negi Magi] ×××HOLiC Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE Yu-Gi-Oh! El-Hazard .hack//Tasogare no Udewa Densetsu [.Hack//A Lenda do Bracelete do Crepúsculo] Rurouni Kenshin Samurai X - Crônicas de um Samurai na Era Meiji 2007 [8 novas séries] Samurai Girl Love Hina Mugendai [Love Hina Infinity] Inu-Neko Saint Seiya: The Lost Canvas [Os Cavaleiros do Zodíaco: The Lost Canvas] Socrates in Love (O Amor Sobrevive ao Tempo) 2008 [5 novas séries] Hunter x Hunter Shōjo Kakumei Utena [Utena] Onegai Twins 2009 [6 novas séries] Tenjō Tenge [] Futari H Shoujo Kakumei Utena: Adolescence Mokushiroku [Utena - Uma Aventura Mágica] Full Moon o Sagashite DNA² Ranma ½ 2010 [13 novas séries] Blue Dragon - Ral Ω Grad D.N.Angel Fushigi no Kuni no -chan [Miyuki-chan no País das Maravilhas] Rosario + Vampire Blue Dragon - Secret Trick (Märchen Awakens Romance) Hiroshima (a Cidade da Calmaria) Monster Hunter Orage Neon Genesis Evangelion (continuação da publicação da Conrad) 2011 [13 novas séries] : Hangyaku no Lelouch [Code Geass: A Rebelião de Lelouch] 80

Ga-rei Saber Marionette J Death Note - Another Note (O Caso dos Assassinatos de Los Angeles) Saint Seiya: Next Dimension [Os Cavaleiros do Zodíaco: Next Dimension] Code Geass: Hankō no Suzaku [Code Geass: O Contra-ataque de Suzaku] Death Note - L Change the World Neon Genesis Evangelion Rosario + Vampire: Ano II Code Geass: Nightmare of Nunnally [Code Geass: O Pesadelo de Nunnally] 2012 [11 novas séries] Saint Seiya [Cavaleiros do Zodíaco] Fullmetal Alchemist - Guidebook [Fullmetal Alchemist - Guia Completo] Freezing Cardcaptor Sakura [Card Captor Sakura] Saint Seiya: The Lost Canvas Gaiden [Os Cavaleiros do Zodíaco: The Lost Canvas Gaiden] Mashima-en RG Veda Nurarihyon no Mago [Nura - A Ascensão do Clã das Sombras] Rurouni Kenshin 2013 [16 novas séries] Mirai Nikki [Diário do Futuro] Burn-Up: Excess & W Another Love Hina The Innocent Death Note - Black Edition Genshiken Ibara no Ō [O Senhor dos Espinhos] Ao no Exorcist [] Densha Otoko (O Homem do Trem) Thermæ Romæ [Super Onze] Mahō Kishi Rayearth [Guerreiras Mágicas de Rayearth] Ō-sama Game [Jogo do Rei] Manga of the Dead 2014 [16 novas séries] Btooom! Mirai Nikki - Mosaic [Diário do Futuro - Mosaic] Mirai Nikki - Paradox [Diário do Futuro - Paradox] Yokokuhan [Prophecy] Hoshi no Samidare [Lúcifer e o Martelo] Tsumitsuki (Espírito da Culpa) Magi (O Labirinto da Magia) Doubt Hoshi Mamoru Inu [O Cão Que Guarda as Estrelas] Chikyuu no Houkago [After School of the Earth] Tom Sawyer Yu Yu Hakusho Kimi ni Shika Kikoenai [Só Você Pode Ouvir] Soul Eater NOT! All You Need Is Kill 2015 [33 novas séries] Ageha (Efeito Borboleta) Jigokuren [Love in the Hell] Zetsuen no Tempest (O Destruidor da Civilização) Kizu [Feridas] Nanatsu no Taizai [The Seven Deadly Sins] Eien no Zero [Zero Eterno] Enigma Sailor Moon - Short Stories Steins;Gate Chobits Hellsing 81

Codename: Sailor V Eden Limit Rurouni Kenshin: Yahiko no Sakabatou [Rurouni Kenshin: A Sakabatou de Yahiko] Kiseijuu [] Savanna Game Ultraman Zoku - Hoshi Mamoru Inu [O Outro Cão Que Guarda As Estrelas] Bullet Gangsta. To Love-Ru All You Need Is Kill Another Mugen no Juunin [Blade - A Lâmina do Imortal] The Hound and Other Stories [O Cão de Caça e Outras Histórias] Vitamin 2016 [13 novas séries] Rurouni Kenshin: Tokuhitsuban [Rurouni Kenshin: Versão do Autor] Kekkai Sensen [Blood Blockade Battlefront] Sidonia no Kishi [] UQ Holder! AnoHana (Ainda não sabemos o nome da flor que vimos naquele dia) Fullmetal Alchemist Boku no Hero Academia [] Saint Seiya: Saintia Sho [Os Cavaleiros do Zodíaco: Saintia Shô] Nijigahara Holograph Blame! in the Shell Saint Seiya -Kanzenban- (Cavaleiros do Zodíaco) Saint Seiya: The Lost Canvas - Illustrations [Os Cavaleiros do Zodíaco: The Lost Canvas - Ilustrações] 2017 [13 novas séries] Nigeru Otoko [O Homem que Foge] Dragon's Dogma: Progress Apocalypse no Toride [Fort of Apocalypse] - Perfect Book Akira Kimi no Na wa. [.] Fairy Tail Zero Coin Laundry Lady Gunnm [] Boku no Hero Academia Smash!! [My Hero Academia Smash!!] Fairy Tail Gaiden Ghost in the Shell 2 Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados disponíveis na Wikipédia. Panini Comics

Pertencente ao Grupo Panini, com sede em Modena, na Itália, iniciou as atividades envolvendo a publicação de mangás no Brasil em 2002. Alguns dos primeiros títulos publicados pela editora foram cancelados e não tiveram a serialização concluída no país. É a partir da segunda metade da década que a Panini Comics passa a investir de forma acentuada na publicação de mangás sendo, atualmente, a responsável pelo maior número de séries de mangás traduzidas em língua portuguesa.

Tabela 5 - Mangás publicados pela editora Panini Comics entre 2002 e 2017

2002 [1 novas séries] Gundam Wing 2003 [2 novas séries] 82

Eden (Um Mundo Infinito) 2004 [3 novas séries] Slayers Crayon Shin-chan [Shin-chan] Kozure Okami [Lobo Solitário] 2005 [2 novas séries] 2006 [8 novas séries] O Tigre e o Dragão MeruPuri - Märchen Prince Kaze no Shō [O Livro do Vento] Kare Kano (As razões dele, os motivos dela) Crying Freeman Lodoss Tōsenki: Eiyū Kishi-den [Lodoss War: A Lenda do Cavaleiro] Full Metal Panic! 2007 [17 novas séries] Shiritsu! Bijinzaka Joshi Kōkō [Colégio Feminino Bijinzaka] Astro Boy Dejà vu Lodoss Tōsenki: Haiiro no Majo [Lodoss War: A Bruxa Cinzenta] Kubikiri Asa [Samurai Executor] Blood: The Last Vampire O Estranho Mundo de Jack Kil-Dong - Crônicas de um Guerreiro Lodoss Tōsenki: Deedlit Monogatari [Lodoss War: A História de Deedlit] Princess Princess Hakushaku Cain Series [Conde Cain] Witchblade 2008 [16 novas séries] Galism Seton Kare First Love Sunadokei (O Relógio de Areia) Full Metal Panic! Sigma Ōran Kōkō Host Club [Colégio Ouran Host Club] Lodoss Tōsenki: Pharis no Seijo [Lodoss War: A Dama Pharis] Wanted Blood+ Trigun Maximun Chrno Crusade Toraware no Mi no Ue [Destino Cativo] MPD Psycho 2009 [12 novas séries] Blood+ Yakou Joushi D.Gray-man Aishiteruze Baby Honey & Abara Blood+ Adágio Ultramaniac Otomen Eensy Weensy Monster 2010 [19 novas séries] High School of the Dead Bijojuku (Cursinho de Sedução) Otomental Black Bird 83

Guin Saga (Mestres de Barreiras) Ichigo 100% [100% Morango] Naruto (edição Pocket) PxP Spicy Hoshi wa Utau [As Estrelas Cantam] Rockin' Heaven Wolf's Rain The Gentlemen's Alliance Cross Sugar Sugar Rune 2011 [17 novas séries] NHK ni Yōkoso! [Bem-vindo a NHK!] Astral Project Otogibanashi wo Anata ni [Contos de Amor Para Você] Dorothea (Que Chegue a Você) Kaichou wa Maid-sama! [ Maid-sama!] Darker than Black 07-Ghost (Sete Espectros) (O Pergaminho Secreto dos Kouga) Zone 00 Deadman Arata Kangatari [O Mito de Arata] Sora no Otoshimono (Caiu do Céu) Karin Blood Lad 2012 [8 novas séries] One Piece Dragon Ball Monster Resident Evil: BioHazard Marhawa Desire Kuroshitsuji [] Mad Love Chase Beelzebub 2013 [11 novas séries] Katekyo Hitman Reborn! [Tutor Hitman Reborn!] Psychic Detective Yakumo Triage X Naruto - Databook Blood-C - Fullcolor Edition Tiger & Bunny Tiger & Bunny - Anthology Blood-C - Izayoi Kitan [Blood-C - Contos da Décima Sexta Noite] Shingeki no Kyojin [Ataque dos Titãs] 2014 [14 novas séries] Full Moon ni Sasayaite [Full Moon - Sussurros sob a Lua Cheia] Sankarea @Full Moon [Full Moon - Contos da Lua Cheia] One Piece - Databook (Guia sobre One Piece) Conductor [O Maestro] Defense Devil Ansatsu Kyoushitsu [] Kuroko no Basket Berserk Pokémon: Black & White Hideout : Aincrad High School DxD 2015 [10 novas séries] Gigantomachia Aoharaido (A Primavera de Nossas Vidas) Highschool of the Head 84

Shingeki no Kyojin: Kuinaki Sentaku [Ataque dos Titãs: Sem Arrependimentos] Naruto -Gold- Tokyo Ghoul Shingeki no Kyojin: Before the Fall [Ataque dos Titãs: Antes da Queda] Sword Art Online: Fairy Dance Fate/Stay Night 2016 [23 novas séries] Black Rock Shooter: Innocent Soul Lovely Complex Vagabond Akame ga Kill! One Punch-Man [One-Punch Man] Pandora Hearts Arakawa Under the Bridge Slayer Ore Monogatari!! 21st Century Boys Ajin Noragami no Zenjitsu [The Wedding Eve] Shinmai Maou no Keiyakusha [The Testament of Sister New Devil] Black Rock Shooter: The Game Yo-kai Watch Rust Blaster Naruto Gaiden Pokémon: Red, Green & Blue Slam Dunk Bestiarius Kami-sama ga Uso wo Tsuku [The God's Lie] Kozure Okami [Lobo Solitário] 2017 [26 novas séries] Isshuukan Friends. [One Week Friends] Sakamoto Desu ga? [Quem É Sakamoto?] Sherlock Shin Kozure Okami [Novo Lobo Solitário] Wanted! Owari no Seraph [] Pokémon: Yellow Shigatsu wa Kimi no Uso [Your Lie in April] Hal Inuyashiki Nisekoi Dr. Slump Hikari no Machi Last Notes Katsura Akira Opus Rock Lee no Seishun Full-Power Ninden [Rock Lee e a Primavera da Juventude] Ginga Patrol Jaco [Jaco: O Patrulheiro Galáctico] Witches Monster x Monster Tokyo Ghoul:re Alive Berserk - Guidebook The Legend of Zelda Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados disponíveis na Wikipédia.

NewPOP

Fundada em 2007, a editora NewPOP define-se, segundo texto institucional divulgado na internet no site oficial da editora, como uma sendo uma editora “alinhada com as 85 tendências no Brasil e em todo o mundo”, justificando, deste modo, a publicação de títulos “nomeadamente orientais”.

Presentes em todos os mercados ocidentais atualmente, a publicação de materiais da vanguarda oriental - quadrinhos ditos "mangás" no Japão ou "manhwa" na Coréia do Sul - será o grande carro-chefe da NewPOP, com obras de importância internacional. (acessado em 14.01.2018)

Tabela 6 - Mangás publicados pela editora NewPOP entre 2007 e 2017.

2007 [1 nova série] 1945 2008 [2 novas séries] Dark Metrô Doors of Chaos 2009 [4 novas séries] Mach GoGoGo El Alamein no Shinden 1 Litre no Namida Kimi no Unaji ni Kanpai! 2010 [7 novas séries] Shinshoku Kiss Fushigi no Kuni no Metrópolis Domo Mangá Dororo Joou no Hyakunen Misshitsu Hetalia: Axis Powers 2011 [3 novas séries] Blood Honey Aishi Aisare. K-On! 2012 [3 novas séries] Watashi no Suki na Hito Made in Heaven 2013 [10 novas séries] Shin Shunkaden Jungle Taitei Tsumi to Batsu Futago no Kishi Niju Menso ni Onegai!! Puella Magi Madoka Magica Figure Maker K-On! College Street Fighter Zero 2014 [9 novas séries] K-On! High School Corpse Party: Musume Puella Magi Oriko Magica Cos Kanojo Loveless Azumanga Daioh Usagi Drop Battle Royale: Angels' Border Street Fighter: Sakura Ganbaru! 2015 [13 novas séries] No Game No Croquis Drug-On No.6 Puella Magi Madoka Magica: The Different Story Sekai ga Cake ni Naru Kakuritsu Don Drácula Puella Magi Oriko Magica: Outra História 86

Heart no Kuni no Alice Puella Magi Kazumi Magica: The Innocent Malice Kamisama Onegai! Calling 2016 [4 novas séries] Helter Skelter Kotonoha no Niwa Daten no Tsuki 2017 [7 novas séries] Corpse Party: Another Child Jisatsu Circle [Suicide Club] Pinocchio [Pinóquio] Koe no Katachi [A Voz do Silêncio] Kuchibiru ni Suketa Orange [Sunset Orange] Puella Magi Madoka Magica: The Rebellion Story Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados disponíveis na Wikipédia.

Tabela 7 - Novas séries iniciadas pelas principais editoras que publicam mangás no Brasil de 1999 a 2017

CONRAD JBC PANINI NEWPOP TOTAL 1999 1 - - - 1 2000 2 - - - 2 2001 4 4 - - 8 2002 4 5 1 - 10 2003 2 5 2 - 9 2004 8 4 3 - 16 2005 12 6 2 - 20 2006 19 7 8 - 34 2007 4 8 17 1 30 2008 1 5 16 2 24 2009 1 6 12 4 23 2010 - 13 19 7 39 2011 1 13 17 3 34 2012 - 11 8 3 22 2013 - 16 11 10 37 2014 - 16 14 9 39 2015 - 33 10 13 56 2016 - 13 23 4 40 2017 - 13 26 7 46

Conrad: 59 títulos de mangás.

JBC: 178 títulos de mangás.

Panini Comics: 204 títulos de mangás.

NewPOP: 63 títulos de mangás.

Esses números mostram que a publicação de mangás tem seu auge no país em 2015 com o lançamento de 56 novas séries distribuídas por 3 editoras.

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Apesar do constante crescimento percebido nos últimos anos, o mercado de mangás no Brasil se encontra em um patamar muito limitado quando comparado com aquilo que se publica no Japão. Com base no que se publica no Japão e no Brasil, percebe-se que, por mais que tenha ocorrido, nos últimos anos, um gradativo aumento no número de títulos publicados em língua portuguesa, o material que é traduzido contempla um número muito pequeno diante da quantidade produzida e publicada pela indústria japonesa do mangá. Para efeito de comparação, em janeiro de 2018, o site da Amazon no Japão contabilizava mais de 200 editoras com itens de mangás cadastrados para venda25. As principais editoras apresentaram os seguintes números de itens:

• Kodansha (講談社) - 23,337 • Shogakukan (小学館) - 22,065 • Shueisha (集英社) - 14,608 • Kadokawa (角川書店) - 12.030

Dentre a imensa variedade temática disponível no Japão, somente uma pequena parcela é contemplada para receber as edições em língua portuguesa. Alguns gêneros e determinadas temáticas parecem demonstrar mais facilidade de penetração em diferentes culturas e sociedades do que outros. Sobre isso, acrescenta Oka:

A variedade de mangás no Japão é surpreendente. Além das tradicionais histórias de fantasia, luta, super-heróis e romance adolescente que estamos acostumados a ver nos mangás do Brasil, também existem histórias de culinária, esporte, política, entre outras. A produção japonesa é bastante segmentada e todos esses segmentos só se mantêm graças ao monstruoso tamanho de seu mercado. No atual contexto brasileiro, é ilusão acreditarmos que uma estrutura semelhante possa se formar aqui; portanto a busca de um grande sucesso comercial como Samurai X ou Dragon Ball Z chegar a ser mais uma necessidade existencial do que meramente um desejo capitalista (...) Apesar de, no Brasil, os leitores de mangás serem considerados apreciadores de cultura alternativa, contraditoriamente estão consumindo o que há de mais comercial no Japão. O conhecimento que o público brasileiro possui do mangá é muito específico e limitado, o que constitui apenas a ponta do iceberg de tudo o que é oferecido. (OKA, 2005)

25 Números obtidos em 15 jan. 2018. 88

Figura 18 – Muitas temáticas, embora fortemente desenvolvidas no mercado de mangás japonês ainda permanecem restritas ao país de origem. Mangás que exploram temas como beisebol, golfe, jogos de azar, culinária e corridas de cavalos, por exemplo, são ainda, em geral, desconhecidos do leitor brasileiro. Imagens: http://www.ebookjapan.jp

3.2.3 Características formais das edições brasileiras

No que diz respeito às características formais de títulos de mangás publicados no Brasil podemos destacar algumas normas tradutórias, no sentido empregado por Toury, que se mostraram significativamente diferentes de acordo com o nível de inserção das histórias em quadrinhos japonesas no país no momento da publicação. É possível diferenciar 2 momentos em que as características das publicações se distinguem com maior clareza: um entre o final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990; e outro a partir dos anos 2000. Em cada um desses períodos, as diferentes editoras envolvidas com a publicação de quadrinhos japoneses adotaram igualmente, na maioria dos casos, as mesmas práticas que destacamos a seguir.

3.2.3.1 Tradução indireta e tradução direta

Em um momento no qual não havia ainda um mercado para os quadrinhos japoneses estabelecido no Brasil, a tradução indireta, via língua inglesa, constituía uma prática aceita e que foi adotada para a tradução dos primeiros títulos traduzidos no país. É um tipo de tradução que, de certa maneira, restringe as opções de tradução àquelas previamente tomadas pelo idioma intermediário em que a nova tradução se baseia; reproduzindo tanto adaptações e como eventuais problemas de uma tradução para a outra. Mai – A Garota Sensitiva, publicada em 1992 pela editora Abril, fornece-nos um bom exemplo de como uma tradução indireta aos poucos vai se distanciando do texto de origem.

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Figura 19 - Mai, Shogakukan, 1985

Figura 20 - Mai, the Psychic Girl, Viz, 1989

Figura 21 - Mai, a garota sensitiva, Editora Abril, 1992

Em japonês, na cena ilustrada acima, o personagem Shiroyama está jogando beisebol e se encontra na posição de rebatida; a menina grita para ele utilizando a expressão de incentivo “ganbatte”. A tradução para o inglês acrescentou ao incentivo a ideia de “hit a homer”, motivando o jogador para que acertasse um home run, jogada que compreende a pontuação máxima do esporte. A tradução para o português manteve a ideia introduzida pelo texto em inglês, mas, por se tratar de um jogo pouco familiar no Brasil, simplificou- a para “manda uma bola”. Os títulos publicados a partir dos anos 2000 são, em sua maioria, traduzidos diretamente do idioma japonês.

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3.2.3.2 Ordem de leitura

Os primeiros títulos traduzidos no Brasil, acompanhando o modelo empregado nas publicações americanas, adotavam como prática uma técnica de espelhamento dos quadros de modo que fosse possível publicar os mangás de acordo com as características de leitura e padrões mais familiar aos leitores de países de idiomas ocidentais.

Sendo um idioma escrito verticalmente, cujas colunas são lidas de baixo para cima, começando na direita, a ordem de leitura de um livro ou revista no idioma japonês é inversa à nossa: da direita para a esquerda, cuja capa está no lugar de nossa contracapa, e vice-versa. Por sua vez, os quadrinhos de uma página são lidos também da direita para a esquerda. Por tudo isso ao ser publicado por um editor ocidental (ou de algum país asiático que emprega a ordem de leitura ocidental, como a Coréia), em alguns casos optou-se por "inverter" cada página do mangá, ou seja, reproduzi-la como se estivesse refletida em um espelho. Ao ocorrer a "inversão" de um mangá, a ocidentalização pode originar detalhes curiosos: um personagem que escreve com a mão direita na versão original japonesa se transforma em canhoto na ocidental. (MOLINÉ, 2004, p.27)

Figura 22 - Mai, Shogakukan, 1985 Figura 23 - Mai, Editora Abril, 1992

O espelhamento das páginas, explica Moliné (2004, p.27), correspondia a uma prática que dividia opiniões e nem todos os criadores de mangás permitiam que seus trabalhos sofressem esse tipo de manipulação.

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A "ocidentalização" dos mangás provocou polêmicas. De um lado, alguns defendem que o produto se torna mais atrativo para o leitor não japonês; porém outros são contrários à manipulação da obra como a concebeu originalmente seu(s) autor(es). Nem todos os mangakás permitem que suas respectivas criações sofram tal manipulação ao serem editadas fora de seu país. Tais exigências motivaram as primeiras aparições do mangás editados nos países ocidentais respeitando a ordem de leitura original. (ibidem, p.27)

A partir dos anos 2000, os mangás começam a ser publicados no Brasil preservando os enquadramentos e ordem de leitura tal como aparecem na edição japonesa.

Com o tempo, o conhecimento do universo dos mangás pelo público ocidental fez com que se acostumasse com a leitura oriental. Como resultado, atualmente há editoras ocidentais de mangá que apresentam seus títulos com a ordem de leitura japonesa não necessariamente por que seus autores exigiram isso, mas por que boa parte dos seus leitores assimilaram completamente a maneira de ler e compreender um mangá de acordo com a mentalidade japonesa. Aqui pode-se falar em uma superação do choque cultural, o qual representa um mérito alcançado pelo leitor do mangá ocidental. (ibidem, p.27)

Uma prática comum entre as variadas editoras é a inserção de uma página explicativa no espaço que seria considerado o final do volume, mas início de um produto editorial que obedecesse aos padrões mais comuns no Brasil, advertindo possíveis leitores que pudessem estar iniciando a leitura pelo “lado errado”.

Figura 24 - Página de aviso, Conrad Figura 25 - Página de aviso, JBC

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Figura 26 - Página de aviso, Panini Comics Figura 27 - Página de aviso, NewPop

A série Turma da Mônica Jovem, do cartunista brasileiro Maurício de Souza, foi criada se utilizando de características de mangás, mas não segue a ordem de leitura oriental. A publicação, inclusive, brincou com essa característica ao inserir também uma página de advertência aos leitores que, acostumados com a linguagem dos mangás, iniciassem a leitura pelo fim.

Figura 28 - Página de aviso, Turma da Mônica Jovem, Panini Comics 93

3.2.3.3 Tradução de onomatopeias

O espelhamento das páginas criava a necessidade de tradução das onomatopeias que, em geral, são abundantes nas histórias quadrinhos japoneses e interagem com os desenhos. A tradução dessas onomatopeias corresponde a uma alteração significativa do ponto de vista gráfico, representando modificações profundas ao que foi originalmente concebido pelos criadores.

Figura 29 - Mai, Shogakukan, 1985 Figura 30 - Mai, Editora Abril, 1992

Figura 31 - Crying Freeman, Shogakukan, 1986 Figura 32 - Crying Freeman, Nova Sampa, 1991

Atualmente, as onomatopeias japonesas são preservadas e ao lado são acrescentadas pequenas traduções ou onomatopeias que seriam consideradas equivalentes no português.

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Figura 33 - Cavaleiros do Zodíaco, Conrad, 2001

Figura 34 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

3.2.3.4 Notas de tradução e glossários

A inserção de notas de tradução e glossários, acrescidas logo abaixo dos quadros ou compiladas em páginas ao final do volume, nem sempre bem vista em outros segmentos editorais, constitui uma prática aceita e muito utilizada por editoras brasileiras envolvidas com a publicação de mangás e que a utilizam como estratégia para diminuir o distanciamento cultural e linguístico entre Brasil e Japão. Essas notas, de certa maneira, acabam desempenhando também um papel de formação para o leitor brasileiro. Em alguns casos, sobretudo quando aparecem na forma de glossários, os editores não se limitam a explicar elementos relacionados com a cultura japonesa ou questões 95 específicas sobre a tradução, mas também abordam assuntos de cultura e conhecimento geral, proporcionando um nível de explicação e detalhamento inexistente no texto-fonte.

Figura 35 - Dr. Slump, Conrad Figura 36 - 1 Litro de Lágrimas, NewPop

Figura 37 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

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Figura 38 - Sugar Sugar Rune, Panini Comics Figura 39 - Genshiken, JBC

3.2.3.5 Formatos

Entre os mangás traduzidos a partir dos anos 2000, destacamos ainda uma diferença envolvendo o formato de publicação dos títulos que foram publicados até metade da década e aqueles que vieram a seguir. Durante a primeira metade da década, a divisão de um volume japonês em duas edições brasileiras foi o modelo majoritariamente adotado pelas editoras, em especial as editoras Conrad e JBC, aquelas que mais publicaram histórias em quadrinhos japonesas no período e, de certa maneira, mais associadas ao modelo em questão. A editora Panini Comics também chegou a publicar títulos com este formato, mas sua presença no mercado de mangás durante a primeira metade da década foi mais tímida, se compararmos com as editoras Conrad e JBC. A partir da segunda metade da década, as editoras passaram a publicar os volumes japoneses integralmente em único volume, sem fragmentá-los em dois, como até então.

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JBC, 2002. JBC, 2002. JBC, 2013.

Figura 40 - O mangá Love Hina é um exemplo de título que, quando inicialmente publicado pela Editora JBC no início do século, adotou formato que dividia um volume japonês em duas edições brasileiras com 100 páginas cada. Uma década depois, ao ser reeditado no país, o mesmo conteúdo anteriormente fragmentado em duas edições, foi publicado em um único volume de 204 páginas. Assim, a série completa foi traduzida em 28 volumes na primeira vez em que foi publicado e em 14 volumes na segunda vez.

3.2.4 Evolução da imagem do mangá no Brasil desde a década de 1980 com base no que se publicou sobre o tema no jornal Folha de S. Paulo

Ao estudarmos a recepção dos quadrinhos japoneses por meio de uma análise de textos sobre o tema que foram sendo publicados pelo jornal Folha de S. Paulo, desde os anos de 1980 até o momento atual, disponíveis digitalmente para consulta via internet por meio do site Acervo Folha, é possível perceber que os mangás não apenas deixaram de ser descritos como um objeto desconhecido e distanciado dos brasileiros, de um modo geral, como também, ao longo das décadas, passou-se a destacar determinadas influências comportamentais que estariam motivando em uma parcela do público leitor. Escolhemos analisar o material publicado pelo jornal Folha de S. Paulo por, além de ser um dos principais veículos de mídia impressa do país, ter sido aquele que em nossas pesquisas preliminares a partir de palavras-chaves que remetessem ao tema, retornou a maior quantidade de ocorrências, registrando muito das mudanças na percepção sobre quadrinhos japoneses ao longo dos anos. Além disso, foi o jornal que trouxe a referência mais antiga, com a publicação de artigo sobre as histórias em quadrinhos japonesas 6 anos antes da primeira leva de histórias em quadrinhos japonesas chegar ao país no final dos anos de 1980. Em 1982, em artigo publicado no suplemento Folhetim, anterior, portanto, às traduções dos primeiros títulos disponíveis no país, a pesquisadora Sonia Luyten, já envolvida em estudos sobre o tema, comentava sobre “um mundo maravilhoso de 98 histórias em quadrinhos que quase não é conhecido no Ocidente”. O idioma japonês é apontado, então, como um dos grandes empecilhos para que leitores ocidentais pudessem conhecer um universo em que, segundo a autora, tudo seria permitido “desde as cenas mais violentas às mais românticas" e no qual "fortes doses de erotismo são alternadas com ambientes históricos e tradições familiares".

A coisa que mais se lamenta ao ver os belos quadrinhos japoneses é não se entender a língua. Infelizmente, não há ainda traduções para idiomas ocidentais e há um outro pormenor que dificulta este fato: a própria escrita "kandji", composta de ideogramas (desenhos estilizados), é muito usada na elaboração do desenho do mangá, tornando-se parte integrante do contexto visual. Além disso, o quadrinho japonês vem imbuído de certas peculiaridades, tanto na apresentação formal (número de páginas e formato de revista), como no aspecto editorial, diferenciando-o da produção ocidental. (Folhetim, 08.07.1982)

Figura 41 - Folhetim, Folha de S. Paulo, 1982

Ao observamos como os quadrinhos japoneses foram abordados pelo jornal ao longo do tempo, identificamos 3 momentos que parecem estar diretamente associados com o nível de conhecimento sobre o tema que se tinha no país, no período em que as matérias foram publicadas, bem como sua penetração entre os brasileiros.

99

3.2.4.1 Final dos anos de 1980 e início dos anos 1990

Neste primeiro momento em que os quadrinhos japoneses começam a ganhar destaque na mídia impressa, observa-se o predomínio de resenhas sobre lançamentos específicos no mercado editorial de quadrinhos, muitas vezes acompanhados de textos de introdução aos mangás ou que acentuam o gosto do povo japonês por histórias em quadrinhos.

Violência explícita decorada com elegância em “O Lobo Solitário” Ilustrada, 30.03.1988 Editora tira de catálogo último herói japonês Ilustrada, 19.06.1989 Herói de gibi japonês chora para matar Ilustrada, 28.01.1991 Tem gibi japonês na banca Folhinha, 02.02.1991 Japão é fã de revistinha Folhinha, 02.02.1991 Livro analisa história da HQ japonesa Ilustrada, 25.02.1991 Saiba o que são mangás Ilustrada, 25.02.1991 ‘A Lenda de Kamui’, o ‘mangá’ do ninja renegado, chega às bancas Folhateen, 01.02.1993 Tabela 8 - Fonte: http://acervo.folha.com.br / Elaborado pelo autor.

Figura 42 - Folhinha, Folha de S. Paulo, 1991

Alguns anos atrás, um primeiro-ministro japonês até falou do "Lobo Solitário" em um discurso. É bem diferente daqui, onde tem gente que pensa que só criança é que gosta de gibi. (Folhinha, 02.02.1991)

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O interesse do autor de quadrinhos norte-americano Frank Miller pelo trabalho dos japoneses e Goseki Kojima é recorrentemente destacado. O prestígio de Miller pode ser apontado como uma importante porta de entrada para a recepção dos primeiros mangás traduzidos no ocidente.

Para quem teve a oportunidade de ler o "Cavaleiro das Trevas" ou, principalmente, o "Ronin" de Frank Miller, o primeiro passear de olhos pelas páginas de "Lobo Solitário" deixa claro de onde o desenhista norte- americano absorveu boa parte de seu estilo dinâmico (...) Miller entrou em contato com o trabalho da dupla depois de ter realizado para a Marvel uma série de aventuras do Demolidor (Dare-devil) - e, como conta na introdução de "Lobo Solitário", rendeu sua já reconhecida maestria à genialidade dos traços de Kojima. Não hesitou em homenagear os japoneses, batizando com seus nomes dois personagens de "Ronin" (...) (Ilustrada, 30.03.1988)

"Lobo Solitário", o "mangá" de cabeceira de Frank Miller, é uma saga de 9 mil páginas que não chegou ao décimo número no Brasil (...) O endeusado Frank Miller foi um dos primeiros a babar e mamar neste clássico japonês, admitindo que "Ronin" e "O Cavaleiro das Trevas" não existiriam sem essa leitura. Hoje o mercado de quadrinhos americanos está encharcado , e "mestres" de olhos puxados. Wolverine, um dos heróis mais populares no EUA hoje, viveu várias aventuras no Japão, casou-se com uma japonesa e tem as garras inspiradas em uma arma oriental (...) (Ilustrada, 19.06.1989)

Um dos maiores fãs do "Lobo Solitário" é o norte-americano Frank Miller, que fez o gibi ", o Cavaleiro das Trevas". O visual do filme "Batman” foi inspirado nesse gibi. (Folhinha, 02.02.1991)

A violência e o erotismo presentes nas histórias, comum aos primeiros títulos que chegaram ao país, é fortemente ressaltada.

O sangue corre negro pelos quadrinhos, mãos são decepadas, cabeças rolam. (Ilustrada, 30.03.1988)

Os episódios de "Lobo Solitário" fascinam por introduzir o leitor em um universo onde o pieguismo não tem vez, o humor inexiste, as pessoas morrem e os finais não são felizes. (Ilustrada, 19.06.1989)

"Crying Freeman" é o melhor exemplo do quanto as HQs japonesas podem ser violentas (...) Visualmente, os personagens parecem saídos de uma das muitas revistas para meninas que existem no Japão. O que não deixa de provocar um efeito até mais violento que o esperado. É o caso das cenas de estupro, sadomasoquismo ou por exemplo, a que mostra Freeman (com a cara chorona de Speed Racer) e Koh, seu colega de trabalho, assassinarem a facadas um casal que estava no meio do ato sexual. (Ilustrada, 28.01.1991)

Para Luyten a violência nos gibis japoneses, que vem causando protestos nas entidades conservadoras no exterior, "é consequência do grande controle social que existe no país. É uma sociedade extremamente controlada. É um povo muito travado". (Ilustrada, 25.02.1991) 101

Há mais um herói assassino japonês nas bancas brasileiras (...) como os outros heróis assassinos japoneses, Kamui mata apenas por necessidade. Virou um renegado por que um dia cansou de violência e decidiu só matar em defesa própria. A sorte dos leitores é que o seu criador, o desenhista e roteirista Sanpei Shirato, não perde a chance de colocar em cena vilões cruéis loucos por uma briga de morte com Kamui. (Folhateen, 01.02.1993)

Figura 43 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 1993

3.2.4.2 Final dos anos de 1990 e ínicio dos anos 2000

Mais do que informar sobre lançamentos de títulos específicos, principal motivação percebida nos textos publicados entre o final dos anos 1980 e ínicio de 1990, as reportagens agora se preocupam em descrever e compreender aquilo que estaria se configurando em um fenômeno mais amplo.

Japoneses invadem EUA com mangás - Histórias caíram no gosto dos Ilustrada, 15.04.1997 adolescentes americanos; Masamune Shirow é o autor de maior sucesso "Vagabond" vem pra bater os pokemóns - Um dos maiores sucessos Ilustrada, 21.12.2001 dos quadrinhos japoneses de ação chega ao Brasil e entra na briga por espaço no mercado Golpe de misericórdia - Heróis da maior editora de HQs dos Estados Ilustrada, 13.09.2002 Unidos rendem-se ao universo do mangá 102

Sucesso do mangá está em tom universal - Estilo agrada diferentes Ilustrada, 13.09.2002 gostos e faixas etárias do público brasileiro, afirmam principais editoras do gênero "Histórias reais" dos mangás japoneses atraem mais as garotas para o Folhateen, 24.03.2003 universo dos quadrinhos Tabela 9 - Fonte: http://acervo.folha.com.br / Elaborado pelo autor.

Os mangás começam a ser percebidos como sucesso comercial e já se identifica mudanças no posicionamento em que os quadrinhos japoneses ocupariam no mercado editorial, deixando de ser um produto voltado para um público mais alternativo.

Figura 44 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 1997

Quadrinhos japoneses são uma nova mania nos EUA. Depois de permanecerem durante um bom tempo como artigos “cult”, os mangás – e seu correspondente cinematográfico, o anime, nome pelo qual são conhecidos os desenhos animados japoneses – entraram no gosto da molecada (...) Como toda boa invasão cultural, os mangás estão influenciando os próprios quadrinistas americanos (...) agora a moda são americanos que imitam o estilo nipônico de fazer quadrinhos. (Ilustrada, 15.04.1997)

Observa-se o declínio do modelo de quadrinhos de super-heróis norte-americanos ao mesmo tempo em que se percebe o crescimento de editoras que apostaram no mangá.

Houve quem achasse exagerado afirmar que os mangá, nome genérico usado para se referir às histórias em quadrinhos japonesas, pudessem ameaçar o sólido reinado dos heróis das HQs americanas no Brasil. Nenhuma criaturazinha estilizada, sem nariz e com olhos arregalados, imaginava-se, seria páreo para a supremacia de décadas de Homem- Aranha, X-men e Vingadores, de um lado, e Super-Homem, Batman e a onipotente Liga da Justiça, de outro. Hoje, não se deve mais falar em "ameaça", mas em triunfo. Enquanto duas das principais referências do quadrinho de herói norte- americano, a Marvel e a DC Comics, enfrentaram uma crise de mercado (...) pelo menos outras duas casas editoriais nanicas, a Conrad e a Japan- Brazil Communications (JBC) conquistaram uma boa fatia de leitores nos últimos três anos. (Ilustrada, 13.09.2002)

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Figura 45 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 2002

Figura 46 - Ilustrada, Folha de S. Paulo, 2002

O interesse por parte do público feminino é destacado, assim como a abrangência de público e faixa etária. Questionam-se as motivações que levariam os leitores a se interessar pelos quadrinhos japoneses.

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Por que o mangá atrai tanto as novas gerações de leitores de HQ? A Folha fez a mesma pergunta às principais editoras do gênero atualmente e um aspecto parece ter sido consensual: o quadrinho japonês serve pura e simplesmente para o entretenimento leve, de todas as idades e para todos os gostos (...) Outra diferença em relação aos quadrinhos japoneses (...) é a variedade e o volume de títulos produzidos mensalmente no universo mangá. (Ilustrada, 13.09.2002)

Dos anos 90 para cá, meninas de todas as idades correram para as bancas encantadas pelos olhos grandes e aflitas para descobrir qual a nova aventura de seu personagem favorito de mangá (...) desde que começaram a ser editados no país, os quadrinhos japoneses conquistaram milhares de fãs e estouraram entre as meninas, principalmente porque são como novelinhas, com começo, meio e fim, e têm histórias muito próximas às de seu dia-a-dia. (Folhateen, 24.03.2003)

3.2.4.3 A partir de meados dos anos 2000

Durante os anos 2000, destaca-se um terceiro perfil de reportagens em que o foco principal deixa de ser os quadrinhos em si e se volta, sobretudo, para questões comportamentais envolvendo o público leitor de mangás. Também são retratadas influências que a linguagem dos mangás estaria proporcionando a outros trabalhos.

Quadrinho vivo - Vestidos como personagens de mangás, animes, Folhateen, 21.06.2004 games e seriados japoneses, os cosplayers se reúnem na maior feira do gênero na América Latina, em julho, em São Paulo A língua dos mangás - Febre de mangás e animês leva jovens não Folhateen, 01.11.2004 orientais a encarar aulas de japonês para ler gibis e assistir a séries no original Jovens lotam praça atrás de um Japão imaginário - Fanáticos por Cotidiano 2, 11.07.2007 quadrinhos e desenhos animados, eles se sentem japoneses Concurso de mangá - Faça uma página de história em quadrinhos no Folhateen, 14.01.2008 estilo japonês e mande para o Folhateen presente de um deus da morte - Mangá "Death Note" ganha adaptação Folhateen, 13.10.2008 para o palco na peça "O caderno da morte" Jesus samurai - Histórias bíblicas ganham versão em mangá, com ação Ilustrada, 11.03.2008 e humor O Japão é pop - um grafiteiro sansei, uma banda de rock japonês, um Revista da Folha, baiano autor de mangá e uma dupla que se veste como personagens de 16.03.2008 animes formam um mosaico da cultura pop nipônica no cenário paulistano Tabela 10 - Fonte: http://acervo.folha.com.br / Elaborado pelo autor.

Parece outro mundo: imagine cerca de 2.000 pessoas com fantasias perfeitas de personagens de mangás, animes, games e seriados japoneses. Essa foi a quantidade de cosplayers, pessoas que usam essas fantasias (o nome vem de "costume player"), que circularam em 2003 pelo Anime Friends"), a maior feira de animes e mangás da América Latina. (Folhateen, 21.06.2004)

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"Kawaii", "yatta", "sugoi", "baka"... Não sabe o que significam essas palavras? Pois pode apostar que um monte de jovens não-orientais, que resolveram estudar japonês por causa dos mangás e animês, sabe. Esses termos, que querem dizer, respectivamente, "bonitinho", "consegui", "incrível" e "bobo" (uma palavra muito feia na terra do sol nascente), são muito comuns em gibis, séries e games japoneses - um universo que é uma verdadeira febre entre os adolescentes (...) O interesse cada vez maior de não-orientais pelo japonês chama a atenção dos professores que ensinam o idioma, como a coordenadora do curso de letras/japonês da USP, Leiko Matsubara Morales. "Sempre costumo tirar fotos da classe e vejo que o perfil dos alunos mudou muito nos últimos anos. Hoje, metade dos alunos é de não-descendentes. E todos tiveram uma grande influência dos animês e mangás" (...) Um dos principais motivos que leva os "hi-nikkeys" (não-japoneses) aos cursos é justamente a vontade de ler os mangás no original para não perder nada. (Folhateen, 01.11.2004)

Figura 47 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 2004. Figura 48 - Folhateen, Folha de S. Paulo, 2008. Destaque para a influência em jovens brasileiros. Concurso de mangá promovido pelo jornal e que Reportagem aborda a procura por aulas de língua incentivava a criação de trabalhos inspirados no estilo japonesa por jovens não-orientais motivados pelo japonês. interesse em animês e mangás.

Desde que os desenhos animados japoneses, como "Cavaleiros do Zodíaco", começaram a fazer sucesso no Brasil, na década de 90, o interesse pela cultura japonesa tem aumentado. O bairro da Liberdade se tornou o paraíso dos "otakus", como são chamados os aficionados por animês e mangás (desenhos animados e quadrinhos japoneses). Eles podem ser vistos aos fins de semana na estação Liberdade, muitas vezes vestidos como seus personagens preferidos (...) Mineira e descendente de italianos, Natália Ximene, 20, mora há oito anos em São Paulo. Mas diz que se sente japonesa. Ela aprendeu a falar japonês e tem aulas de kendo, a arte da espada dos samurais. Até hoje todos os namorados da moça eram nikkeis (...) "Na Liberdade, eu me sinto no Japão", diz Natália. "Meu sonho é um dia conhecer o Japão, então aqui tenho a sensação de estar em casa, é onde me sinto mais feliz". (Cotidiano 2, 11.07.2008) 106

Percebe-se cada vez mais em textos que falam sobre mangás a adoção de termos japoneses característicos dos mangás para auxiliar as descrições.

"Gravitation" não parece, em princípio, ser um mangá tão diferente dos outros. Pertence ao gênero dos shoujos (história para meninas) e tem como protagonista um adolescente despreocupado e engraçado. O traço é exagerado, comum nos gibis japoneses, e a história fala de amor. A diferença está no tipo de amor: "shonen-ai" significa amor de meninos, em japonês. (Folhateen, 18.06.2007) (grifo nosso)

A divisão dos temas foi nítida. Os meninos preferiram desenhar no estilo "shounen" (que tem bastante ação e aventura). Já as meninas escolheram criar histórias do tipo "shoujo" (geralmente, de amor). (Folhateen, 14.04.2008) (grifo nosso)

O próximo passo na sua carreira de mangaká (quem desenha mangás) é vencer o concurso de desenho do evento "Anime Friends", que deve acontecer em julho deste ano. (Folhateen, 14.04.2008)

Até aqui, o enredo do mangá se parece com o modelo clássico de "mahou shoujo" - termo que pode ser traduzido por "garota mágica", estilo bastante popular no Japão. (Folhateen, 02.06.2008) (grifo nosso)

Entre os diversos estilos de mangá, talvez o "shoujo" - voltado ao público teen feminino - seja o de maior alcance fora do Japão (...) Para entender melhor do que se trata esse universo específico, vale conferir o "Almanaque Shoujo Mangá" (...) O livro reúne boas listas de melhores, títulos, autores, músicas, animês, etc., além de entrevistas com mangakás brasileiras que atuam nessa área. (Folhateen, 30.11.2009) (grifo nosso)

3.2.5 O discurso assumido pelas editoras

Quando os mangás começaram a ser publicados no Brasil com regularidade, a partir dos anos 2000, os editores com frequência não apenas enfatizavam experiências bem- sucedidas de versões animadas exibidas pela televisão, como também ressaltavam o sucesso internacional obtido pelo título. Neste primeiro momento, o sucesso e prestigio dos trabalhos que estavam sendo publicados foi usado como principal justificativa em textos de apresentação que foram inseridos nos volumes introdutórios da edição brasileira dos mangás. Na época, os editores justificaram a publicação valendo-se, sobretudo, dos seguintes argumentos:

• Sucesso obtido no Japão.

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Em pouco tempo a publicação se transformou em um impressionante sucesso entre os leitores japoneses (Guerreiras Mágicas de Rayearth, 2001) (grifo nosso)

Atendendo a pedidos de leitores do todo o Brasil, a Editora JBC traz mais um grande sucesso dos mangás. (Love Hina, 2002) (grifo nosso)

Chobits foi uma sensação ao ser lançado no Japão em 2000, na revista Young Magazine. A história, pra lá de high-tech, caiu no gosto dos leitores (Chobits, 2003) (grifo nosso)

• Sucesso obtido em outros países.

Sucesso em vários países, chega a vez dos brasileiros curtirem o mangá das Guerreiras Mágicas de Rayearth (Guerreiras Mágicas de Rayearth, 2001) (grifo nosso)

Devido ao enorme sucesso, Dr. Slump não só acabou se transformando em anime, mas também abriu as portas para o surgimento de Dragon Ball. No resto do mundo (...) foi Dragon Ball que abriu caminho para Dr. Slump. Mas Goku fez só a "apresentação": o sucesso de Dr. Slump na Itália, França, Espanha, Alemanha e todos os países em que a série tem sido publicada é mérito próprio. (Dr. Slump, Volume 1, Conrad, 2002) (grifo nosso)

Mesmo não tendo apoio de uma série animada na TV brasileira, Vídeo Girl Ai já tem muitos fãs no Brasil e deve repetir o estrondoso sucesso que fez nos Estados Unidos e no México. (Vídeo Girl Ai, Volume 1, JBC, 2001) (grifo nosso)

• Qualidade da obra, colocando-a entre os principais mangás que já foram publicados.

Uma das principais obras-primas do CLAMP (Guerreiras Mágicas de Rayearth, 2001) (grifo nosso)

Trata-se da obra máxima de Ken Akamatsu, um fanzineiro formado em engenharia elétrica que hoje é considerado um dos maiores expoentes do mangá moderno (Love Hina, 2002) (grifo nosso)

Lançado em 1990 no Japão, na revista semanal Shounen , Yu Yu Hakusho é um dos mangás mais bem sucedidos da história (Yu Yu Hakusho, 2002) (grifo nosso)

E assim serão as edições de Love Hina: emoção do começo ao fim! Por isso, pense bem antes de ler este mangá. Depois da primeira página é impossível largá-lo. (Love Hina, 2002) (grifo nosso)

• Base de fãs no Brasil consolidada a partir do sucesso obtida por versão animada previamente exibida no país.

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Um dos animes de maior sucesso da TV brasileira está de volta em sua versão original de mangá. (Guerreiras Mágicas de Rayearth, 2001) (grifo nosso)

Yu Yu Hakusho virou anime em 1992. A versão animada, assim como o mangá, teve grande repercussão. O desenho também fez sucesso no Brasil, quando foi exibido na extinta TV Manchete, na década de 90. (Yu Yu Hakusho, Volume 1, JBC, 2002) (grifo nosso)

Samurai X foi um dos maiores sucessos entre os animes já exibidos no Brasil. No mundo todo o fenômeno se repetiu. Onde foi apresentado, Rurouni Kenshin se tornou um sucesso. (...) Enquanto os japoneses têm como referência o mangá, os brasileiros têm o anime. Então, na tradução para o português, tivemos o cuidado de usar os termos já utilizados na versão animada, desde que isso respeitasse os diálogos originais. (Samurai X, Volume 1, JBC, 2001) (grifo nosso)

Ao se estabelecer no mercado editorial brasileiro, o mangá parece ter se desenvolvido acompanhado de um discurso que sempre reforça as origens japonesa dos mangás. Defende-se reiteradamente uma desejada "fidelidade” com relação ao material publicado que não apenas se mantém como aparece reforçada com a passagem do tempo e maior experiência e familiaridade com o gênero. Sempre que que um elemento é introduzido, observa-se a retomada do mesmo tipo de discurso que explicita a intenção dos editores de tornar a edição brasileira o mais próximo possível do produto “original” japonês.

Optamos por lançar o mangá com as mesmas características do original publicado no Japão. A começar pela capa que, como foi feito na versão japonesa, publicamos com a imagem na horizontal. Apesar de ser incomum no mercado editorial brasileiro, resolvemos correr o risco para agradar os fãs. Tanto o formato quanto a leitura oriental foram mantidos, assim como as onomatopéias originais (elas vêm acompanhadas de pequenas legendas em português para não prejudicar a belíssima arte do mangá). (...) A intenção da JBC é fazer um produto seguindo o padrão nipônico. Tomaremos todos os cuidados para que você possa curtir as aventuras de seus heróis prediletos como se estivesse lendo no original (só que com a comodidade dele estar em português). (Samurai X, Volume 1, JBC, 2001) (grifo nosso)

Com páginas coloridas como no original japonês. (Chobits, Volume 1, JBC, 2003) (grifo nosso)

A versão brasileira de "X" que você tem em mãos marca a história dos mangás no Brasil. Pela primeira vez, é publicado em português um título no formato "TANKOHON", com cerca de 200 páginas. Um projeto como esse nunca tinha sido desenvolvido no País por conta dos altos custos de direito autoral, desenvolvimento e impressão. (...) Isso só foi possível graças a uma parceria inédita da JBC com a editora japonesa Kadokawa, que publicou a obra no Japão. (...) Agora podemos nos divertir, em português, com uma edição exatamente como a publicada nas bancas do Japão. (X, JBC, Volume 1, 2004) (grifo nosso) 109

Atendendo a vários pedidos dos fãs e leitores, todo o texto foi revisado, readaptando algumas expressões e retraduzindo outras. Além das edições brasileiras serem agora em formato tankobon, uma determinação do licenciador japonês veio ao encontro da expectativa de muitos leitores e agora o mangá está sendo relançado com seu nome original: Rurouni Kenshin. (Rurouni Kenshin, JBC, Volume 1, 2012) (grifo nosso)

Seja bem-vindo a nova edição de Love Hina. A JBC lançou o título pela primeira vez em 2002, em um formato menor e transformando um volume japonês em dois brasileiros, finalizando a coleção em 28 volumes. Agora estamos relançando igual ao original, com tradução revisada e a coleção terminando em 14 volumes no total. (Love Hina, JBC, Volume 1, 2013) (grifo nosso)

Com o enorme sucesso do animê no Brasil, o mangá de Yu Yu Hakusho foi lançado pela JBC de 2002 a 2004 e agora volta em edição em tankobon e para colecionador. Nesta nova edição tentamos manter a tradução mais próxima do original, usando notas para explicar particularidade da cultura japonesa e o que acontecia na época em que o mangá foi publicado. (Yu Yu Hakusho, JBC, Volume 1, 2014) (grifo nosso)

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4 - ANÁLISE DE TRADUÇÕES

Neste capítulo, voltamos nossa atenção para o texto dos mangás. Como detalhado no capítulo introdutório, na seção referente à metodologia, estamos trabalhando com títulos de mangás que receberam duas traduções para o português, publicados pela mesma editora, JBC, e mesmo tradutor, Arnaldo Massato Oka, em um espaço de tempo de cerca de 10 anos entre a primeira e a segunda tradução. A segunda tradução corresponderia a uma retradução no sentido empregado por Berman, para quem as traduções possuíriam um tempo de maturação de modo que a segunda tradução seria melhor do que a primeira, de acordo com valores os quais este autor considera ser uma boa tradução, aproximando-se mais de características percebidas no texto de partida. Selecionamos para análise, dentre os mangás que compuseram o corpus de nossa pesquisa, algumas passagens relacionadas ao uso do tratamento no idioma japonês atentando para as situações em que se verificou o uso de diferentes estratégias de tradução empregadas entre uma edição e outra. A seção 4.1 aborda a tradução sufixo -san posposto a nome próprio e usado como expressão de respeito. A seção 4.2 aborda as estratégias usadas para a tradução do termo senpai usado como expressão de respeito. A seção 4.3 enfoca a tradução para termos designativos de cargos empregado como expressão de respeito. Por fim, na seção 4.4, selecionamos um capítulo do mangá Yu Yu Hakusho, ambientado em contexto escolar, no qual são mostrados diferentes usos no tratamento motivados a partir das relações interpessoais estabelecidas entre os personagens, para verificar se as relações que aparecem linguisticamente marcadas no texto em japonês foram preservadas ou não nas edições traduzidas para o português.

4.1.1 "Por aqui, senhor Urashima": tradução do sufixo -san

Neste item analisamos o tratamento na interação entre os personagens do mangá Love Hina “Keitarô Urashima” e “Shinobu Maehara”. No início da história, o personagem principal, Keitarô Urashima, vai morar em um pensionato e acaba de ser apresentado aos demais moradores. Uma das garotas, Shinobu Maehara, em geral, adota uma postura de maior distanciamento e reverência, não importando os seus interlocutores, que aparece 111 manifestada na fala por meio de uso constante de marcadores de polidez (masu, desu) e sufixos de respeito pospostos ao nome próprio (no caso -san). Nas figuras abaixo destacamos duas cenas em que a personagem Shinobu Maehara se dirige ao protagonista da história Keitarô Urashima empregando o sufixo -san como forma de tratamento respeitoso e as respectivas traduções para o português.

Figura 49 - Love Hina, Kodansha, 1998 Figura 50 - Love Hina, Kodansha, 1998

Figura 51 - Love Hina, JBC, 2002 Figura 52 - Love Hina, JBC, 2002

Figura 53 - Love Hina, JBC, 2013 Figura 54 - Love Hina, JBC, 2013

Verifica-se que, neste caso, ambas as traduções adotaram estratégias completamente distintas para traduzir do japonês “Urashima-san”. A primeira tradução mostra uma abordagem domesticadora enquanto a segunda tradução segue uma linha mais estrangeirizadora que busca preservar na tradução características percebidas no texto de partida. A tradução de 2002, privilegiando a cultura receptora, não apenas omite o sufixo -san na tradução como também adota de forma sistemática o primeiro nome do protagonista, Keitarô, substituindo o nome de família Urashima utilizado pela menina no texto em japonês. Essa é uma diferença cultural relevante, em termos de tradução. O uso do 112 primeiro nome, como nesse caso, aponta para a existência de uma relação de maior proximidade e intimidade entre os personagens. Estudo de Azuma (2014) sobre diferenças nas estratégias de polidez entre brasileiros e japoneses atesta a preferência dos brasileiros em iniciar uma interação pelo que chamou de marcadores informais, categoria constituída no referido estudo por nomes próprios e apelidos. Na pesquisa em questão, foi solicitado a brasileiros e japoneses que respondessem a questionários sobre como se posicionariam diante de algumas situações propostas. Os brasileiros "preferem chamar o nome da pessoa com quem vão iniciar a interação", enquanto os japoneses, afirma Azuma, "quase não recorreram a esse recurso".

Nas línguas naturais, há vários meios de se manter a proximidade ou a distância. Os apelos, como os apelidos e o primeiro nome, podem aproximar os interactantes, mas também podem servir para manter a distância se os pronomes de tratamento forem utilizados. Segundo Takiura (2012 [2008], p. 78), pela visão da antropologia cultural, “chamar alguém pelo nome” significa indiretamente “tocar” nessa pessoa pela voz, por isso em várias culturas, chamar o nome das pessoas era proibido e, nelas, formas de chamar as pessoas com respeito e distância foram desenvolvidas. (AZUMA, 2014, p.83-84)

A tradução de 2013, por sua vez, preserva o nome de família Urashima, como consta no texto de partida, e utiliza o tratamento “senhor” como tradução para o sufixo -san. Se por um lado a nova tradução preserva, mais do que a primeira, traços que apontam para uma fala mais distanciada; por outro, o uso de “senhor Urashima” descreve uma situação que, para um leitor brasileiro, poderia causar estranhamento e soar artificial ao retratar a interação entre dois adolescentes. Neste caso, não é difícil pensarmos em leitores que poderiam manifestar preferência pela primeira tradução. De fato, o sufixo -san frequentemente é equiparado por teóricos, manuais e dicionários, de forma simplicada, ao pronome de tratamento do português "senhor". De acordo com Suzuki (1995, p.32), na língua japonesa, o sufixo de respeito -san, “usado para adultos de ambos os sexos (2ª e 3ª pessoas)”, é posposto “a nomes próprios, mais comumente a sobrenomes" e “corresponde aproximadamente ao “senhor, senhora, senhorita do português”. A definição é semelhante àquela apresentada em Curso de Língua Japonesa I (2001, p.31), elaborado pelo Centro de Estudos Japoneses, vinculado à Universidade de São Paulo, e que define -san como “sufixo de polidez que se usa depois de nomes de pessoas, significando 'Sr...', 'Sra...', etc”.

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Segundo verbete do Dicionário Universal Japonês-Português (1998) -san corresponderia a um sufixo de tratamento "usado com toda a gente", mas "menos formal" do que na comparação com o sufixo -sama. O verbete apresenta as seguintes definições: “a) Senhor(a); (b) Digno [Respeitado/respeitável].” Silva (2010, p.156) ao descrever os usos do pronome de tratamento senhor no contexto brasileiro identifica que o emprego deste é favorecido pela existência de “considerável distância etária”.

Nos casos em que o falante não conhece seu interlocutor, a distância etária existente entre eles é crucial para o emprego de o senhor/a senhora, mesmo quando não há hierarquia ou a situação pode ser caracterizada como informal. Pode ser também utilizado, mesmo que não haja distância etária entre os interactantes, em situações de grande formalidade, de inferior para superior em situações onde haja uma hierarquia marcada e como tratamento destinado a pessoas desconhecidas que exerçam o papel de uma autoridade ou pessoas conhecidas, mesmo que íntimas, que estejam exercendo o papel de uma autoridade. (SILVA, 2010)

No caso do português, o tratamento senhor possui como peculiaridade o fato de nem sempre ser interpretado positivamente. Na pesquisa que realizamos foi possível encontrar inúmeros exemplos na imprensa e na literatura que apontam para relutância em relação ao tratamento “senhor” tanto por parte do falante como por parte daquele que recebe o tratamento.

Oswaldo Assef teve coragem de me mandar um convite para a Noite de Lançamento da Coleção Courréges Alto Verão tendo posto, no envelope, "sr. e sra. Tarso de Castro". Dob ficou uma fera: - Se ele me chamar de senhora mais uma vez, eu rasgo todos os seus vestidos, Tarso". (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 24.09.1982)

Lúcia, seis anos atrás, atendeu a uma oferta para ser caixa do Banco Itamaraty — um dos braços do império de Olacyr. Alguns meses depois, durante um almoço, encontrou-se com Olacyr e, em pouco tempo, se tornou sua secretária. “Foi realmente uma sorte", diz ela. Lúcia não chama o chefe de “doutor Olacyr" e sim de você. “No primeiro dia de trabalho eu o chamei de senhor", explica ela. “Mas ele foi logo dizendo: "Senhor está no céu. Aqui é Olacyr!" (Veja SP, 21.10.1987)

Velhice - "Isso não se decide. Cai em cima de você quando você menos espera. Em certo momento começam a lhe chamar de senhor. Senhor por quê? E respondem: 'Por respeito'. Dá vontade de dizer que senhora é a mãe, mas entendo que algo aconteceu, que alguma coisa mudou." (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 20.12.1996)

114

Relutância por parte do falante em empregar o tratamento senhor já aparece tematizada, por exemplo, em 1871, no romance O Tronco do Ipê, de José de Alencar.

Era a primeira vez que Alice chamava o moço diretamente. Até então ambos valendo-se do nosso tratamento usual na terceira pessoa, evitavam, na conversa, pronunciar o nome um do outro. Alice não queria por forma alguma usar do cerimonioso - senhor - que tornaria seu companheiro de infância um estranho a ela e a família (...) (ALENCAR, 1871)

Glória Kalil em livro sobre regras de etiqueta também aborda a questão. Para ela, na sociedade contemporânea "as pessoas têm tamanho horror de ser consideradas velhas, que um tratamento mais cerimonioso pode ser até ofensivo". (KALIL, 2007, p.110).

Há quem, até hoje, chame os pais de senhor - como sinal de respeito -, hábito que caiu em desuso nos grandes centros urbanos, mas que ainda funciona em alguns lugares. Vivemos num mundo muito mais informal do que foi até metade do século passado. O mais garantido é dirigir-se às pessoas mais velhas por senhor ou senhora, e mudar o tratamento se elas pedirem e disserem que preferem ser chamadas de você. Para não errar, é só prestar atenção em como elas são tratadas pelas pessoas em volta. É uma boa maneira de agir, principalmente nas relações de trabalho. Em geral, pessoas mais modernas e atualizadas gostam de ser chamadas de você. Em todo caso, o melhor é deixar que elas mesmas sinalizem suas preferências para não parecer que se está avançando o sinal e buscando uma intimidade equivocada. (KALIL, 2007, p.110)

Em contextos em que o ouvinte refuta o tratamento senhor, como exemplificado acima, se pensarmos nos termos da teoria da polidez e preservação da face, de Brown e Levinson, o tratamento que a princípio deveria corresponder a uma forma de respeito, na realidade representa um ato ameaçador à face positiva do ouvinte; não sendo, portanto, totalmente equiparável ao sufixo -san japonês.

4.1.2 Visão geral

Fizemos um levantamento nos volumes estudados de todas as ocorrências em que o sufixo de respeito -san foi empregando acompanhando nomes próprios e suas respectivas traduções. Não consideramos, portanto, as ocorrências em que o sufixo apareceu pospostos a termos que designam parentesco, animais, entre outros usos diversos como aqueles vistos nos seguintes exemplos:

115

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Love Hina p.27 おばさん Oba-san Tia Tia Love Hina p.144 誰かさん Dareka-san Uma certa pessoa Uma certa pessoa Love Hina p.159 おめでとさん Omedeto-san Shinobu Shinobu Love Hina p.159 みなさん Mina-san Gente Gente Yu Yu Hakusho p.142 たぬきさん Tanuki-san Senhor texugo Senhor texugo Chobits p.72 お姉さん Onee-san Irmã Irmã

Tanto nas primeiras como nas segundas traduções contextos similares em que houve emprego de sufixo -san acompanhado de nomes próprios apresentaram grande variedade de estratégias de tradução utilizadas, como mostramos no quadro abaixo.

Tabela 11 - Traduções para o sufixo -san. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Love Hina p.34 キツネ…さん Kitsune... Ki, Ki, Ki, S-s-senhorita san Kitsune Ki-kitsune Love Hina p.38 キツネさん Kitsune-san Kitsune Kitsune Love Hina p.45 浦島さん Urashima-san Keitarô Senhor Urashima Love Hina p.148 はるかさん Haruka-san Haruka-san Haruka Yu Yu Hakusho p.26 桑原さん Kuwabara-san Kuwabara Kuwabara Yu Yu Hakusho p.55 ゲンさん Gen-san Senhor Gen Sr. Gen Yu Yu Hakusho p.71 温子さん Atsuko-san Senhora Senhora Atsuko Atsuko Chobits p.60 日比谷さん Hibiya-san Dona Dona Hibiya Hibiya Chobits p.76 ちいさん Chii-san Senhorita Chii Chobits p.80 柚姫さん Yuzuki-san Yuzuki Yuzuki Chobits p.146 本須和秀樹さん Motosuwa Hideki- Hideki Senhor san Motosuwa Hideki Motosuwa

Em todos os volumes estudados a omissão de uma tradução para o sufixo -san foi a estratégia predominante. As novas traduções, no entanto, mostraram aumento de situações em que houve tradução para alguma das formas de tratamento do português, notadamente “senhor”, “senhora” e “senhorita”.

116

Tabela 12 - Estratégias de tradução para o sufixo -san. Elaborado pelo autor.

4.2.1 "Posso chamá-lo de veterano?": tradução de senpai

Em Love Hina, a partir de determinado ponto da narrativa, a mesma personagem vista na seção 4.1.1, Shinobu Maehara começa a usar o termo senpai, veterano, para se dirigir ao protagonista Keitarô Urashima, em substituição ao sufixo -san como forma de tratamento respeitoso.

Figura 55 - Love Hina, Kodansha, 1998 Figura 56 - Love Hina, JBC, 2002 Figura 57 - Love Hina, JBC, 2013

Entre os dois personagens não existe, de fato, uma relação de hierarquia criada por tempo de anterioridade, senpai e kôhai, literalmente veterano e novato. Por causa de uma série de mal-entendidos decorridos no início da narrativa, todos acreditam que o rapaz estuda na Universidade de Tóquio. A menina, impressionada com as qualidades aparentadas por Keitarô, manifesta o desejo de futuramente também ser capaz de estudar na prestigiosa universidade e pergunta se pode trata-lo por senpai. Até esse momento da 117 história o tratamento usado pela menina para se dirigir a Keitarô Urashima havia sido “Urashima-san” e a partir do quadro acima ilustrado começa a usar o tratamento “Urashima-senpai” ou simplesmente “senpai”.

Nas relações sociais japonesas os fatores idade e anterioridade no tempo constituem dois importantes marcadores sociais do indivíduo que são relevantes para o uso do tratamento (SUZUKI, 1995, p.22).

Por anterioridade no tempo refiro-me à permanência maior de um indivíduo em um determinado universo, fazendo com que as pessoas mais antigas no mesmo espaço sejam mais consideradas do que as que chegaram mais recentemente. Assim, um funcionário empregado neste ano é inferior a outro empregado na mesma empresa há dois ou três anos; numa escola, um segundanista é superior a um primeiranista, um terceiranista a um segundanista, um formado em 1980 a outro formado em 1990 e assim por diante. No caso da escola, em particular, esse universo costuma ser transportado para fora dela e é comum os estudantes se tratarem por senpai, "veterano", e kôhai, "novato", mesmo depois de formados e passado muitos anos e cada qual levando sua vida, ainda que o kôhai exerça uma profissão ou ocupação considerada superior em termos socioculturais. (ibidem, p.22)

Kikuchi (2012), acrescenta:

Na sociedade japonesa, a relação "senpai-kôhai" está imbricada com os estudos (e aprendizagem no sentido amplo), o trabalho e com qualquer atividade que seja executada em grupo social, ou que pressupõe antecedentes e precursores. A realidade nos mostra que poucos setores da atividade humana dispensam essas características, e por isso, a relação "senpai-kôhai" pode ser considerada aquela que, relativamente, mais está presente na vida do indivíduo japonês. (KIKUCHI, 2012)

Assim como na tradução do sufixo -san discutida na seção 4.1.1, neste caso, a primeira tradução também privilegiou a cultura receptora ao omitir a noção de senpai em todas as ocorrências ao longo do volume; enquanto a segunda tradução aproxima-se mais de texto e cultura de partida, ao recuperar a noção inicialmente omitida, por meio da tradução “veterano”.

4.2.2 Diferentes mangás, diferentes estratégias: a evolução na tradução senpai/veterano ao longo dos mangás

A relação veterano-novato também está descrita no mangá Chobits e aparece explicitamente tematizada no seguinte diálogo entre os personagens Hideki Motosuwa e Yumi Ohmura.

118

Figura 58 - Chobits, Kodansha, 2000

Figura 59 - Chobits, JBC, 2003

Figura 60 - Chobits, JBC, 2015

Na sequência de diálogos acima, a garota aponta para um tipo de vínculo que o protagonista não percebia. Ao ser tratado por veterano (senpai), o rapaz comenta que não seria veterano da menina pois não estudaram na mesma escola. Ela argumenta afirmativamente, justificando que ele teria entrado antes no local em que ambos trabalham. Neste caso, a ordem cronológica em que os mangás Love Hina e Chobits foram inicialmente publicados é relevante e nos mostra diferentes etapas até chegarmos à 119 estratégia adotada nas edições mais recentes dos mangás e que opta pela tradução “veterano”. As traduções mais antigas fizeram uso de duas estratégias distintas: a total omissão (Love Hina, 2002) e o emprego, por empréstimo, da forma de tratamento senpai diretamente no texto traduzido (Chobits, 2003).

Figura 61 - Love Hina, JBC, 2002 Figura 62 - Love Hina, JBC, 2013

Figura 63 - Chobits, JBC, 2003 Figura 64 - Chobits, JBC, 2015

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Tabela 13 - Estratégias de tradução para senpai. Elaborado pelo autor.

4.3 "Me chame de professor": tradução para designativos de cargos

No idioma japonês determinados substantivos que designam profissões, ocupação ou cargo são usados como forma de respeito e "podem ser apostos a nomes próprios, funcionando como os sufixos" (SUZUKI, 1995, p.32).

Termos que indicam a profissão, ocupação ou cargo da pessoa referida - é a forma mais usual de tratamento de respeito de 2ª e 3ª pessoas, substituindo os pronomes pessoais. Assim, em vez de otaku-wa ikare (iki) masuka, "o senhor/você/vai?", é mais comum encontrarmos formas como sensei-wa ikaremasuka, "o professor/senhor/vai?" Da mesma forma, à pergunta Tanaka-buchô-wa imasuka, "o senhor (chefe de seção) Tanaka está?, tem-se como resposta Buchô-wa seki-o hazushiteorimasu", "ele/o chefe/ não se encontra na seção"., em vez de kare-wa seki-o hazushiteorimasu, "ele não se encontra na seção". (ibidem, p.32)

Como observa Kikuchi (2003), tal característica não corresponde a uma exclusividade da língua japonesa.

121

A peculiaridade do japonês reside no fato de que, tanto o cargo como o título profissional são usados, com maior incidência, como pronomes da terceira pessoa. Dessa forma, não é comum o emprego de kare, "ele" ou kanojo, "ela", referindo-se ao professor(a), superior de trabalho, autoridades etc., exceto nos casos em que se queira fazer uma menção jacosa ou depreciativa, ou se trata de enunciadores que são pessoas íntimas das pessoas referidas. (KIKUCHI, 2003, p.103)

A cena abaixo, do mangá Yu Yu Hakusho, mostra um aluno chamando o professor pelo sobrenome sem nenhum marcador de respeito, quebrando os protocolos sociais que significa total desrespeito. Em contrapartida, o professor exige o emprego do sufixo sensei que assegura a sua superioridade hirárquica., completamente ignorada. A linguagem usada pelo professor é informal e no modo imperativo (Tsukero).

Figura 65 - Yu Yu Hakusho, Figura 66 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 Figura 67 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014 Shueisha, 1990

No caso acima, há um equivoco do tradutor, pois o emprego ou não do termo sensei, não quer dizer se o termo foi usado como vocativo, e sim o termo é usado para demonstrar respeito ao seu interlocutor. Lembrando que na cultura japonesa, termo “sensei” não quer dizer somente a profissão professor, é mais um título honorifico de tratamento que equivale ao nosso “doutor”, ou seja, doutor médico, doutor advogado, doutor deputado. Quanto às ocorrências em que substantivos que indicam profissão, ocupação ou cargo foram usados como tratamento apareceram de três formas nos textos em japonês:

a. Apenas o substantivo que expressa o tratamento. Exemplos: sensei, ryouchou. b. Substantivo que expressa o tratamento e o sufixo de respeito -san. Exemplos: Kanrinin-san, tenchou-san. c. Nome próprio e substantivo que expressa o tratamento na função de sufixo. Exemplos: Takenaka-sensei, Shimizu-sensei.

122

As tabelas abaixo mostram ocorrências e as respectivas traduções para termos designativos de cargos presentes nos mangás estudados:

a. Sensei

Tabela 14 - Traduções para o termo sensei. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Yu Yu Hakusho p.11 竹中先生 Takenaka- Professor Professor sensei Takenaka Takenaka Yu Yu Hakusho p.17 岩本先生 Iwamoto- Professor Professor sensei Iwamoto Iwamoto Yu Yu Hakusho p.161 先生 Sensei Professor Professor Yu Yu Hakusho p.174 明石先生 Akashi- Professor Professor sensei Akashi Akashi Yu Yu Hakusho p.175 竹中先生 Takenaka- Professor Professor sensei Takenaka Takenaka Chobits p.44 清水先生 Shimizu- Professora Professora sensei Shimizu Shimizu Chobits p.44 清水多香子先生 Shimizu Professora Professora Takako- Takako Takako Shimizu sensei Shimizu Chobits p.44 先生 Sensei - Psôra Chobits p.106 清水先生 Shimizu- Professora Professora sensei Shimizu Shimizu Chobits p.171 しみずせんせい Shimizu- Professora Professora sensei Shimizu Shimizu Chobits p.176 先生 Sensei Professora Professora

b. Kanrinin

Tabela 15 - Traduções para o termo kanrinin. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Partida Leitura 1ª 2ª Tradução Tradução Love Hina p.83 管理人さん Kanrinin- Senhor Senhor gerente san gerente Love Hina p.93 管理人見習いさん Kanrinin Senhor Senhor aprendiz minarai-san aprendiz de gerente de gerente Chobits p.95 管理人さん Kanrinin- Senhoria Senhoria san Chobits p.102 管理人さん Kanrinin- Minha A dona lá do apê san senhoria Chobits p.128 管理人さん Kanrinin- A senhora A senhora san Chobits p.132 管理人さーん Kanrinin- Senhoria - saan 123

Chobits p.132 管理人さん Kanrinin- Senhoria Dona Hibiya san Chobits p.162 管理人さん Kanrinin- Senhoria Dona Hibiya san Chobits p.166 管理人さん Kanrinin- Senhoria Dona Hibiya san

c. Ryouchou

Tabela 16 - Traduções para o termo ryouchou. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Love Hina p.23 寮長 Ryouchou Haruka-san Haruka Love Hina p.75 寮長 Ryouchou - -

d. Tenchou

Tabela 17 - Traduções para o termo tenchou. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Chobits p.128 店長さん Tenchou- Gerente Chefe san Chobits p.128 店長さん Tenchou- Gerente Chefe san

e. Taishou

Tabela 18 - Tradução para o termo taishou. Elaborado pelo autor.

Mangá Página Texto de Leitura 1ª 2ª Partida Tradução Tradução Yu Yu Hakusho p.190 大将 Taishou Don Chefia

A primeira tradução de Chobits empregou o tratamento "senhoria" para o termo "karinin". De fato, poderia ser uma tradução adequada se tomássemos como referência a definição para "senhoria" oferecida pelo Guia de uso do Português:

O substantivo "Senhoria" entra na formação de pronomes de tratamento referentes a pessoa que ocupa cargo de certa dignidade. (NEVES, 2003, p.697-698)

Trata-se, no entanto, de um termo pouco empregado atualmente. O exemplo apresentado por Neves, inclusive, faz menção a um evento ocorrido durante a Copa do Mundo de Futebol de 1938.

124

Não tenho informação acerca das posições políticas de SUA SENHORIA, mas é certo que houve pênalti de Domingos da Guia em Piola e a Itália venceu, com justiça, por um gol de diferença (RI). (NEVES, 2003, p.697- 698)

A segunda tradução evitou o uso de senhoria e empregou diversas outras estratégias, ainda que a noção de cargo se perdesse.

4.4 O uso de tratamento com base nas relações interpessoais em ambiente escolar retratadas no mangá Yu Yu Hakusho

Nesta seção analisamos o uso do tratamento nas diversas relações interpessoais em ambiente escolar que aparecem retratadas no capítulo Yakusoku (promessa), do primeiro volume do mangá Yu Yu Hakusho. O capítulo foi intitulado “A Promessa de um Homem!!”, em ambas as traduções para o português.

Figura 68 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 69 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 125

Figura 70 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

O capítulo tem início com um dos professores, o professor Akashi, repreendendo um grupo de alunos, liderados pelo personagem Kuwabara. O professor Akashi diz que foi comunicado pelo professor de outra escola que esses alunos brigaram com alunos de lá e por conta disso estaria cancelando a autorização para trabalhos de meio-período concedida pela escola ao aluno Ookubo, um dos membros do grupo de Kuwabara e que também esteve envolvido na briga.

Figura 71 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 72 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 73 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

126

Ookubo, o aluno que seria afetado pelo cancelamento da autorização para trabalho, implora ao professor para que isso não aconteça, alegando que sua mãe e irmãos menores dependem do dinheiro que recebe. Apesar de Ookubo empregar formas aglutinadas e coloquiais (ineekara e chiiseeshi), o seu discurso permanece com marcador de polidez.

Figura 74 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 75 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 76 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Kuwabara, líder do grupo, também se junta ao amigo no pedido para que a autorização seja mantida e assume a responsabilidade pela briga, argumentando que a briga não tem relação com o trabalho de Ookubo, porém em nenhum momento emprega marcador de polidez (nande da yo, kankei nee janee). A linguagem usada nesse mangá não retrata uma relação hierárquica convencional, esperada entre professor e aluno numa situação considerada sem sobressaltos, comumente descritas pelas gramáticas no qual o professor se encontra em uma posição hierarquicamente superior aos alunos e é respeitado por estes por meio do emprego de tratamento considerado adequado e ideal.

127

Seja dada a situação em que o aluno (locutor) se coloca perante um professor (interlocutor) para lhe comunicar que vai à sua casa. A mensagem é "eu vou à sua casa". Há uma hierarquia sociocultural preestabelecida onde "eu" (aluno) é inferior a "tu" (professor) [eu < professor]. Assim, tudo o que se refere a "eu" é inferior a tudo o que se refere ao professor; portanto, "eu vou < à sua casa": eu [ < professor] é quem pratica a ação de ir e, nesta relação de forças, é uma ação que diz respeito a "eu" inferior; em contrapartida, a casa é do professor e diz respeito a [professor > eu]. (SUZUKI, 1995, p.17)

Com exceção das falas do personagem Ookubo, a linguagem não polida foi a forma predominante utilizada pelos alunos para se dirigir ao professor.

Figura 77 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 78 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 128

Figura 79 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

No exemplo acima, embora a linguagem usada pelos garotos permaneça coloquial tanto na interação com o professor como na interação com Kuwabara, percebe-se que é feita uma distinção no uso de marcadores de polidez. A fala para se dirigir ao professor é não polida (doo sun da), mas para se dirigir à Kuwabara vemos o acréscimo de uma forma contraída para o auxiliar de polidez desu (yarerun su). Além disso, os garotos também empregam o sufixo de respeito -san juntamente com o nome de Kuwabara. Se, do ponto de vista semântico, a nova tradução recupera informações que ficaram ausentes na primeira tradução (a gente tem que fugir), a variação no tratamento usado pelos garotos e que mostra maior consideração ao líder do grupo do que em relação ao professor não foi retratada em nenhuma das edições para o português.

As características demonstradas pelo personagem Ookubo, de certa maneira, justificam a presença de polidez para se dirigir ao professor que está presente na fala dele e ausente na fala dos demais alunos. Ookubo é descrito como um personagem que atua em prol dos grupos a que pertence; alguém que trabalha para ajudar a família e que, pelos amigos, participa das brigas, mesmo não sendo alguém considerado forte e que mais apanha do que bate. Não é um personagem com traços contestadores, como Kuwabara, e tende a ser um seguidor das hierarquias tanto no eixo horizontal como no eixo vertical. Observa-se que ele usa polidez tanto para se dirigir ao professor (komarimasu), superior na hierarquia escolar, como também para se dirigir à Kuwabara (tsuzukete moraemashita), superior na hierarquia do grupo. Dentro do grupo, no entanto, ao 129 conversar com aqueles que seriam considerados “iguais”, o mesmo personagem adota uma linguagem não polida (nan neen da). Contudo, nas traduções, podemos verificar que a variação linguistica que decorre da imbrincada relação social e também de jogos de poder que envolvem os falantes não são representadas fidedignamente na língua portuguesa.

• Presença de polidez na fala de Ookubo na interação com o professor: komarimasu.

Figura 80 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 81 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 82 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

• Presença de polidez na fala de Ookubo na interação com Kuwabara: tsuzukette moremashita.

130

Figura 83 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, Figura 84 - Yu Yu Hakusho, JBC, Figura 85 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014 1990 2002

• Ausência de polidez na fala de Ookubo na interação entre iguais: nan neen da.

Figura 86 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 87 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 88 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Este mangá é particularmente interessante na medida em que a linguagem de tratamento não é usada como nos manuais de gramática. Ela sofre alterações de diferentes ordens, uma vez que a relação social estabelecida entre os personagens se dá num contexto peculiar em que há constantemente um desafio da autoridade, ameaçando a face pois há abusos de ambas as partes na interação entre professor e alunos.

131

Figura 89 - Yu Yu Hakusho, Figura 90 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 Figura 91 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014 Shueisha, 1990

O personagem representado pelo professor Akashi não é de boa índole. Ele assume uma postura de desagregar os jovens, não acreditando na sua boa conduta e sempre procurando prejudicar. A linguagem para se dirigir aos alunos e as ações desse professor não são compatíveis com aquelas que seriam esperadas de um educador. No quadro acima, o professor se dirige ao aluno usando o termo depreciativo bakamono (idiota) e utiliza para si mesmo o pronome ore (eu), marcando o posicionamento superior. Segundo explica Kikuchi (2003, p.95-96), este pronome, atualmente, "é usado numa interação com interlocutores do círculo interno ou para os inferiores” e expressa “certa prepotência, arrogância ou presunção, no sentido de se destacar a masculinidade, poder, força física etc". No mesmo exemplo, depreende-se na fala do professor uma visão de sociedade, com estabelecimento de hierarquias e posições sociais bastante definidas, e na qual ele se mostra plenamente inserido. Assim, os possíveis problemas que o aluno venha a ter durante trabalho de meio-período trarão consequências para aquele que é responsável pelo aluno no ambiente de trabalho (sekininsha), para a escola (gakkô) e sobretudo para o professor responsável, posição ocupado pelo professor Akashi (tannin no ore).

Na sequência da história, o professor Akashi vê no pedido dos alunos para que a autorização de trabalho para Ookubo seja mantida como uma oportunidade para diminuir a união do grupo liderado por Kuwabara, considerado por ele como prejudicial ao ambiente escolar. O professor impõe duas condições que deverão ser cumpridas por todos os membros do grupo. A primeira condição é que nenhum deles poderá se envolver em brigas por uma semana. 132

Figura 92 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 93 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 94 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

A forma de tratamento para com o grupo é marcada de uma linguagem sem consideração e de arrogância, como podemos ver em yurushiteyattemo iizo (yaru é um verbo de benefício que marca doação a um interlocutor socialmente inferior, além de 133 ressaltar que está fazendo um favor, acompanhado de uma partícula final modalizadora de imposição) (tradução nossa “se você cumprir duas coisas eu posso lhe conceder perdão, viu?).

Figura 95 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 96 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

134

Figura 97 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

O professor Akashi acredita que essa exigência seria difícil de ser cumprida, sobretudo por Kuwabara, alvo principal do professor. Para ele, ao quebrar a confiança na liderança de Kuwabara perante o grupo, seria mais fácil de lidar com os demais alunos e ele receberia o mérito por isso. A linguagem empregada pelo professor nesta cena está repleta de termos de diversas classes que são depreciativos aos alunos. Substantivos como aho e oobaka receberam traduções que preservam o sentido pejorativo dos termos japoneses, idiota e burro, respectivamente. Outros como aitsu, yatsura e o sufixo verbal yagatte, no entanto, são atenuados na tradução para o português.

Figura 98 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 135

Figura 99 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 100 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

A segunda condição imposta pelo professor é que todos precisarão conseguir, no mínimo, mais da metade da nota na próxima prova de ciências. Se um dos alunos falhar, a autorização para o trabalho de meio-período estaria cancelada.

Figura 101 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 102 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 136

Figura 103 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Kuwabara prometeu lealdade ao amigo e em seguida é posto à prova quando atacado fisicamente pelos rivais, mas permanece firme em sua posição de não revidar.

Figura 104 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 105 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 137

Figura 106 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Ao mesmo tempo que diariamente continua apanhando dos garotos da outra escola Kuwabara se esforça nos estudos, mesmo não sendo bom aluno, para conseguir tirar a nota esperada. Na figura acima Ookubo tenta, sem sucesso, demover Kuwabara de se esforçar tanto por ele e propõe revidarem as agreções este tem sofrido. Novamente, as falas de Ookubo ao se dirigir à Kuwabara mostram marcadores de polidez como vemos em yacchimmashou e na forma contraída mou ii ssu.

Figura 107 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 138

Figura 108 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 109 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Após constatar que todos conseguiram cumprir com o combinado, o professor Akashi apaga uma das respostas de Kuwabara e, assim, diminui a nota do aluno. A sua ação, no entanto, foi presenciada pelo professor Takenaka, sempre descrito ao longo do volume como um professor com fortes valores éticos, e que, na hierarquia escolar, é superior aos demais professores retratados. As onomatopeias indicam ainda seu sorriso sarcástico expresso pela palavra niya.

139

Figura 112 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014 Figura 110 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990 Figura 111 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Ao perceber que foi prejudicado pelo professor Akashi, Kuwabara vai falar com ele e fica muito próximo de agredi-lo. O professor Takenaka intervém e ordena que o aluno não prossiga com a agressão ao professor Akashi (yose). O professor Akashi, por sua vez, mantém uma postura de deboche e provocação em relação ao aluno.

Figura 113 - Yu Yu Hakusho, Figura 114 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002 Figura 115 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014 Shueisha, 1990

O professor Akashi é um professor que se preocupa com posições dentro da hierarquia escolar e se mantém uma postura arrogante de fala ao se dirigir aos alunos, mostra-se submisso e bajulador quando retratado em diálogo com superior. As expressões de polidez, ausentes na falar do professor em todas as interações com alunos, é imediatamente empregada ao se dirigir ao professor Takaneka, caracterizada no exemplo acima pelo emprego do auxiliar verbal masu em sua forma flexionada. Nessa cena, a nova tradução aponta para maior formalidade na interação entre os dois professores por meio do tratamento “senhor”, ao contrário do tratamento “você” usado na 140 primeira tradução. Nesta mesma cena, uma solução interessante encontrada pela nova tradução para representar a mudança na linguagem por parte do professor Akashi foi o emprego de nominalização, uma estratégia de polidez indireta, na sentença “a violência daquele rapaz”.

Figura 116 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 117 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 118 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

O quadro acima aparece na sequência do exemplo anterior e o professor Takaneka revela ao professor Akashi que está ciente da ação praticada por este para prejudicar a nota do aluno. Aqui, o professor Takenaka, embora hierarquicamente superior ao professor Akashi, adota linguagem polida, o que confere um efeito de sentido irônico ao diálogo, reforçado pelas expressões faciais de ambos os personagens, mas também emprega o pronome anata (você) que, neste contexto, reforça sua posição superior. 141

Também, nesse caso, a tradução fez uso do tratamento "senhor", em ambas as edições, ao representar a interação. Observamos dois usos para o tratamento “senhor”: um na fala do professor Akashi, como respeito a uma condição hierárquica; e outro na fala do professor Takenaka, ao repreender a conduta do professor.

Figura 119 - Yu Yu Hakusho, Shueisha, 1990

Figura 120 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2002

Figura 121 - Yu Yu Hakusho, JBC, 2014

Na sequência seguinte, a crítica ao comportamento do professor Akashi fica mais contundente. O professor Takenaka muda o estilo de linguagem e observamos outras características de fala: ausência de marcadores de polidez e alteração no pronome empregado para kisama, “você”, termo historicamente respeitoso, mas que adquiriu um sentido pejorativo com o tempo (KIKUCHI, 2003, p.98). Ao longo de toda a cena descrita, do contato inicial entre os dois professores até a ordem para que a nota do aluno fosse corrigida, existe uma progressão nas formas de tratamento empregadas pelo professor Takenaka que acompanha as expressões faciais do personagem, verificadas no 142 desenho. No fluxo da conversa, o diálogo que se inicia cordial, com emprego do tratamento respeitoso para designativos de cargos sensei, muda para anata e é encerrado de forma imperativa com o uso da expressão depreciativa kisama. Ao final, como todos cumpriram com aquilo que havia sido combinado, a autorização para o trabalho de meio-período é mantida. Ookubo se mostra agradecido por todo o esforço e lealdade do amigo e o capítulo se encerra transmitindo uma mensagem de valorização à amizade. Este capítulo revela uma inversão na hierarquia que aparece linguisticamente marcada no idioma japonês, seja pela presença ou pela ausência de marcadores de polidez. Para os garotos, as relações estabelecidas no círculo interno no interior do eixo horizontal se mostram mais importantes do que aquelas verificadas no eixo vertical. Neste sentido, o pertencimento ao grupo seria mais considerado do que relações de professor e aluno socialmente estabelecidas. As diferentes variações que, como vimos, aparecem expressas, no idioma japonês, por meio do uso da língua não são preservadas em nenhuma das traduções para o português. 143

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme vimos ao longo deste trabalho, a presença das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil cresceu significativamente durante as últimas 3 décadas, não apenas popularizando no país o termo mangá como um sinônimo para histórias em quadrinhos japonesas, mas também constituindo um segmento dentro do mercado editorial que, em especial a partir dos anos 2000, tem se mostrado em constante crescimento. Se em 1982 a pesquisadora Sônia Luyten lamentava o fato de que os mangás, “um mundo maravilhoso de histórias em quadrinhos que quase não é conhecido no Ocidente”, nos termos da autora, ainda não eram traduzidos para línguas ocidentais; em 2005, o jornalista Sidney Gusman já destacava o mangá como "único formador de leitores do mercado brasileiro de quadrinhos". Nosso estudo está alinhado a uma corrente teórica que ficou conhecida como Estudos Descritivos da Tradução, desenvolvida a partir dos anos de 1970 e que, diferentemente de abordagens mais prescritivas até então predominantes para se estudar traduções, destaca a importância de também serem estudados os contextos de publicação e fatores que são externos ao texto. Com base nessa premissa, antes de nos atermos a questões linguísticas mais específicas envolvendo as traduções, buscamos no capítulo 3 descrever o objeto e discutir o processo de recepção e inserção das histórias em quadrinhos japonesas no Brasil a partir da perspectiva de diferentes agentes (editoras, imprensa). Assim, conforme mostramos, ao analisar a presença de textos sobre o tema publicados no jornal Folha de S. Paulo foi possível perceber como o enfoque dos textos e a percepção sobre os mangás mudou ao longo dos anos. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990 o interesse do jornal era, sobretudo, noticiar e resenhar lançamentos específicos que começavam a ser traduzidos no país, com forte ênfase para a violência dos mangás publicados: “Violência explícita decorada com elegância em ‘O Lobo Solitário’” (Ilustrada, 1988); “Herói de gibi japonês chora para matar” (Ilustrada, 1991); “'A Lenda de Kamui', o 'mangá' do ninja renegado, chega às bancas. A violenta saga de Sanpei Shirato influenciou os quadrinhos japoneses” (Folhateen, 1993). Durante os anos 2000, no entanto, as reportagens abordavam como principal interesse a influência que os mangás vinham exercendo em jovens brasileiros: “‘Histórias reais’ dos mangás japoneses atraem mais as garotas para o universo dos quadrinhos” (Folhateen, 2003); “Febre de mangás e animês leva jovens não-orientais a encarar aulas de japonês para ler gibis e 144 assistir a séries no original" (Folhateen, 2004); “Quadrinho vivo. 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Como vimos no capítulo 3, o atributo de ser japonês, é uma característica reforçada pelos produtores e a proximidade com o produto original é atribuída pelos editores como sendo um atributo considerado positivo e desejável, como fica claro, por exemplo, nos seguintes meta-textos inseridos em edições brasileiras de mangás: “as mesmas características do original publicado no Japão”; “um produto seguindo o padrão nipônico”; “como se estivesse lendo no original”; “uma edição exatamente como a publicada nas bancas do Japão”; “tentamos manter a tradução mais próxima do original”; “você tem um legítimo mangá em mãos, que deve ser lido no sentido oriental”; “esta obra é um genuíno 'mangá', uma história em quadrinhos japonesa”. No capítulo 4, depois de abordarmos os contextos que envolvem a publição de mangás no Brasil, voltamos o nosso estudo para a análise de traduções para verificar se a consolidação de uma cultura do mangá plenamente estabelecida no país apareceria refletida nos textos dos mangás, verificáveis por meio das estratégias de tradução empregadas. Para isso fizemos uma análise contrastiva de três dos primeiros títulos publicados pela editora JBC no início dos 2000 e que uma década depois foram reeditados, pela mesma editora, mas com tradução revisada. Adotamos como recorte para a pesquisa situações em que os textos de partida apresentaram uso de tratamento. Como mostramos no capítulo 2, o tratamento no idioma japonês é sistematicamente elaborado e, do ponto de vista da tradução, apresenta inúmeros desafios tanto linguísticos como culturais. A hipótese apontada por Berman (1985) de que as segundas traduções tendem a ser mais estrangeizadoras do que as primeiras traduções; recuperando nas retraduções aquilo que textos e culturas estrangeiras trazem de singularidade foi percebida em muitos quesitos quando comparadas as primeiras e segundas traduções dos mangás analisados. É o que vimos, por exemplo, na tradução do termo senpai, usado como forma de tratamento, inicialmente omitido em todas as ocorrências na primeira tradução de Love Hina, mas preservado por meio da tradução “veterano”, na segunda tradução. Ou ainda, 145 no mesmo mangá, situações em as edições mais recentes mantiveram o sobrenome do personagem, empregado como vocativo, tal como constava no texto em japonês, e que a primeira tradução, privilegiando a cultura receptora, optou pelo uso do primeiro nome. Mesmo que todos os mangás estudados tenham sido traduzidos por um mesmo profissional, no caso, o tradutor Arnaldo Massato Oka, pudemos observar que as decisões sobre como traduzir o sufixo de respeito -san foram um dos pontos que mostraram grande variação no que diz respeito às estratégias de tradução escolhidas. Isso dá uma ideia de como a questão do tratamento é um tema sensível para a tradução. Nem sempre a estratégia utilizada na tradução mais recente se mostrou, em nosso entender, mais acertada do que a primeira tradução. Em Love Hina, por exemplo, as falas em que uma menina se dirige a um rapaz, usando o tratamento “Senhor Urashima” é um exemplo de situação que consideramos inadequada para retratar uma conversa entre dois adolescentes e que, neste caso, embora preserve características do texto japonês, julgamos ser menos elaborada e refletida do que a primeira tradução que optou pela ausência de uma tradução para o sufixo -san e uso do primeiro nome do personagem “Keitarô”. Segundo Kikuchi (2011, p.216), “os japoneses estão sempre classificando os interlocutores e referentes, se são internos ou externos, se são superiores, inferiores ou iguais, e pautando a conduta e a fala de acordo com essa avaliação”. As relações interpessoais linguisticamente marcadas por meio da presença ou ausência de marcadores de polidez que, como vimos em capítulo do mangá Yu Yu Hakusho, permitem, por exemplo, identificar no texto em japonês variações no uso da língua em função do interlocutor não foram retratadas em nenhuma das edições para o português; corroborando a afirmação de Introdução à gramática da língua japonesa (2001, p.100), de que a noção de polidez “não poderá ser detectada na tradução para o português, porque o código da língua portuguesa não prevê formas equivalentes”. Concluimos que a linguagem de tratamento da língua japonesa, apesar de ser dotada de marcas de polidez e um amplo repertório lexical para determinar as diferentes nuanças de tratamento, por si só não bastam para definir com exatidão as imbricadas relações de poder travadas pelos personagens. As relações de poder são complexas e o tradutor precisará ter em mente a função pragmática do discurso para poder compreender as subversões feitas pelos personagens e consequentemente poder fazer uma escolha lexical adequada na língua de chegada. No caso analisado, as relações de poder entre professor e aluno são muito diferentes do que se apresenta em livros e manuais de gramatica. 146

Dessa forma, a tradução analisada em dois momentos diferentes de edição mostra uma mudança na segunda em detrimento da primeira, uma vez que a segunda possui consideração maior na carga pragmática, o que pode ser explicado pela teoria dos polissistemas. A internet, por exemplo, tem contribuído muito para a disseminação da cultura japonesa mesmo para aqueles leitores de mangá via português, que conhecem menos a língua. Os mangás, no contexto atual, possuem uma comunidade fãs participativa e que, muitas vezes, idealiza a cultura japonesa, como mostraram as reportagens da Folha de S. Paulo. Nesse sentido, a busca por uma tradução que preserve mais a integridade da expressão estrangeira é menos uma postura ética do tradutor de reconhecer e “receber o Outro enquanto Outro”, como defende Berman, mas uma demanda que parte do próprio segmento e no qual fazem parte tanto os produtores como os consumidores de mangás, em uma relação de interdependência.

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