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Ephestia unicolorella woodiella E Cadra figulilella: DUAS NOVAS “TRAÇAS-DA-UVA” PRESENTES NAS VINHAS DO DOURO

Cristina CARLOS1,2; Fátima GONÇALVES2; Susana SOUSA1; M. Carmo VAL 1; Branca TEIXEIRA1; Cátia MELANDA1; Luís SILVA1; Isabel GARCIA- CABRAL3; Laura TORRES2

RESUMO No presente trabalho, reporta-se a ocorrência, nas vinhas da região do Douro, de duas espécies de lepidópteros da família , i.e. unicolorella woodiella (Richards & Thomson) e Cadra figulilella (Gregson) a causarem, estragos muito semelhantes aos resultantes da 3ª geração da traça-da-uva, Lobesia botrana (Den. & Schiff.). Pela semelhança da sintomatologia do ataque, estas espécies podem, à primeira vista, ser confundidas com L. botrana, aquando das estimativas do risco. Por este facto, os resultados da aplicação de meios de protecção contra esta praga, e em particular do método da confusão sexual, poderão ser comprometidos. Pouco se sabe acerca da bio- ecologia das duas espécies aqui referidas, apenas que estão normalmente associadas a material vegetal seco ou desidratado. Na região do Douro observaram-se pela primeira vez na vindima de 2009 e desde então, tem-se assistido à expansão da sua distribuição. Futuros trabalhos deverão passar pelo estudo da sua bioecologia, para o que é importante dispôr de feromonas para a moni- torização dos adultos, em particular no caso de E. unicolorella woodiella.

Palavras-chave: Ephestia unicolorella woodiella, Cadra figulilella, Pyralidae, vinha, traça-da- uva.

1 ADVID – Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense, Quinta de Santa Maria, Apt. 137, 5050-106 Godim, Portugal; [email protected] 2 CITAB – Centro de Investigação e de Tecnologias Agro-Ambientais e Biológicas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5001-801, Vila Real, Portugal; [email protected], [email protected] 3 Departamento de Biologia e Ambiente, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5001-801, Vila Real, Portugal

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1 - INTRODUÇÃO Nos países da Bacia do Mediterrâneo, a traça-da-uva, Lobesia botrana (Den. & Schiff.) (: Tortricidae), é considerada praga-chave da vinha, devido à importância dos prejuízos que causa ao alimentar-se dos cachos e ao promover o ataque de fungos, como a podridão-cinzenta, Botrytis cinerea. Contudo, na Europa, existem outras espécies de lepidópteros que se alimentam de cachos de uvas, das quais se destacam Eupoecilia ambiguella (Hübner) e Argyrotaenia ljungiana (Thunberg), da família Tortricidae e Cryptoblabes gnidiella (Milliére) e Ephestia unicolorella woodiella Richards & Thom- son (= Ephestia parasitella unicorella Staudinger) da família Pyralidae (IORIATTI et al., 2012). A última destas espécies é considerada praga ocasional da vinha em França e Itália (XUEREB et al., 2003). No presente trabalho, refere-se a ocorrência, em vinhas do Douro, de, E. unicolorella woodiella e de outra espécie de Pyralidae, Cadra figulilella (Gregson) (= Ephestia figulilella) referida como praga da uva-passa na Austrália (BUCHANAN et al., 1984). Por não ter sido possível obter informação, acerca destas duas espécies, em vinhas portuguesas, apresenta-se também uma breve revisão acerca da sua morfologia, ciclo de vida e hospedeiros.

2 - MORFOLOGIA Os adultos de L. botrana, E. unicolorella woodiella e C. figulilella distinguem-se facil- mente, quer pelo tamanho, quer pela coloração. Assim, no caso de E. unicolorella woo- diella têm entre 14 e 20 mm de envergadura, as asas anteriores são acinzentadas e as posteriores de cor cinzenta a cinzenta-acastanhada, tingidas de vermelho-púrpura, com uma banda transversal pálida (muitas vezes indistinta) e bandas verticais mais escuras (ALFORD, 2007) (Figura 1). Já os adultos de C. figulilella, têm entre 12 e 20 mm de envergadura, as asas anteriores são esbranquiçadas e as posteriores acinzentadas, com escamas rosadas (HERBISON-EVANS & CROSSLEY, 2008) (Figura 2). Por outro lado, os adultos de L. botrana têm apenas 11 a 13 mm de envergadura, as asas anteriores são acinzentadas e franjadas e as posteriores apresentam uma tonalidade bronzeada com manchas de tom cinzento-azulado e pretas (IORIATTI et al., 2012) (Figura 3). Relativamente aos ovos, os de E. unicolorella woodiella têm forma oval e cor branca (XUEREB et al., 2003) enquanto os de C. figulilella são redondos, amarelo- alaranjados

160 Livro Actas e ligeiramente pegajosos (BURKS & JOHNSON, 2012); por outro lado, os de L. botrana têm forma ligeiramente elíptica e cor inicialmente amarelada, tornando-se depois cin- zentos transparentes com reflexos brilhantes (IORIATTI et al., 2012). As lagartas de E. unicolorella woodiella têm a cabeça castanha-avermelhada e o resto do corpo amarelo claro com manchas rosadas, onde se destacam numerosas sedas e tubérculos pilosos alongados, de cor escura (IORIATTI et al., 2012) (Figura 4). Por sua vez, as larvas de C. figulilella são brancas e possuem dorsalmente quatro linhas longi- tudinais de pontos de cor púrpura (HERBISON-EVANS & CROSSLEY, 2008). Já as larvas de L. botrana possuem coloração que varia de verde-claro a acastanhado, depen- dendo da alimentação; a cabeça é amarela-acastanhada e o escudo protorácico tem a mesma cor, apresentando uma borda mais escura; possuem ainda pêlos em tubérculos de cor branca (IORIATTI et al., 2012) (Figura 5). As lagartas de qualquer das espécies medem no máximo desenvolvimento cerca de 10 mm de comprimento. As pupas de L. botrana (Figura 6) medem cerca de 4-6 mm e têm coloração acastanhada, enquanto as de E. unicolorella woodiella têm 7 a 8 mm de comprimento e coloração castanha alaranjada (IORIATTI et al., 2012; ALFORD, 2007).

3 - BIOECOLOGIA Pouco se sabe sobre os hospedeiros de E. unicolorella woodiella e C. figulilella, excepto que E. unicolorella woodiella está normalmente associada a material vegetal seco, bagas secas, rebentos secos de heras (ANÓNIMO s.d.) e, no caso da vinha, a bagos secos ou desidratados de uva (IORIATTI et al., 2012). Já C. figulilella é referida como estando associada a frutos desidratados (KHAJEPOUR et al., 2012), designadamente figos, pês- segos ou nectarinas caídas e uvas (FLAHERTY, 1992; HERBISON-EVANS & CROS- SLEY, 2008). Ambas as espécies hibernam no estado de lagarta num casulo que tecem para o efeito em locais abrigados, como ranhuras da casca da videira (SIMMONS & NELSON, 1975, IORIATTI et al., 2012). E. unicolorella woodiella pode ainda hibernar no interior de bagos secos deixados na vinha enquanto C. figulilella pode hibernar nos primeiros cen- tímetros de solo, junto ao tronco da videira (FLAHERTY, 1992; SIMMONS & NELSON, 1975); em ambas as espécies, a pupação ocorre durante a Primavera (SIM-

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MONS & NELSON, 1975; IORIATTI et al., 2012). Os adultos de E. unicolorella woo- diella emergem a partir de Abril e estão activos durante o período de Abril a Setembro (FLEMISH ENTOMOLOGICAL SOCIETY, 2004), dando origem, em regra, a uma geração anual (HOWARD, 2011). Os adultos de C. figulilella também começam a emer- gir a partir de Abril, podendo dar origem a quatro gerações anuais (SIMMONS & NELSON, 1975; FLAHERTY, 1992). Apesar disso, aparentemente o ataque na videira só ocorre a partir de Agosto, quando começam a existir frutos maduros.

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4 - SINTOMATOLOGIA E ESTRAGOS EM VINHA As lagartas de E. unicolorella woodiella são normalmente observadas após o estado feno- lógico “pintor” parecendo manifestar preferência por bagos secos ou murchos (IORIATTI et al., 2012) enquanto C. figulilella terá preferência por uvas maduras e em particular pelas que estiverem danificadas, com podridões ou desidratadas (FLAHERTY, 1992; HERBI- SON-EVANS & CROSSLEY, 2008). Aparentemente, as lagartas jovens de E. unicolorella woodiella alimentam-se do ráquis e, quando mais desenvolvidas, conseguem penetrar os frutos e alimentar-se do seu interior (ALFORD, 2007; XUEREB et al., 2003). Em termos comportamentais estas lagartas distinguem-se com relativa facilidade das de L. botrana por serem menos activas. Assim, enquanto as lagartas desta espécie se mexem freneticamente quando importunadas, deixando-se cair por um fio de seda, as de E. uni- colorella woodiella permanecem quase imóveis e frequentemente dobradas em forma de C (IORIATTI et al., 2012).

5 - DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL A presença de E. unicolorella woodiella foi reportada em Espanha, França, Croácia, Rússia, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos (FAUNA EUROPAEA, 2013), Ilhas Bri- tânicas, Suíça e Itália (ALFORD, 2007). C. figulilella é uma espécie com maior expansão, sendo primariamente encontrada nos países da região do Mediterrâneo e em regiões da América e Austrália que apresentem climas semelhantes (BURKS & JOHNSON, 2012).

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6 - NOTA SOBRE A OCORRÊNCIA DE E. UNICOLORELLA WOODIELLA E C. FIGULILELLA EM VINHAS DO DOURO As espécies analisadas no presente trabalho observaram-se pela primeira vez em vinhas do Douro, com o registo da ocorrência de E. unicolorella woodiella em 2009 (Quadro 1). Em 2011 e 2012, o alargamento das observações a maior número de parcelas, Quintas e sub-regiões, permitiu obter informação adicional sobre a ocorrência desta espécie na região e permitiu também identificar em 2012, C. figulilella embora com uma ocorrência comparativamente menor (Quadro 1). A análise dos dados obtidos mostra que na região do Cima Corgo, E. unicolorella woo- diella se observou em 16,7% das parcelas amostradas em 2009, em 11,5% das amostra- das em 2011 e em 25,9 % das amostradas em 2012. Comparando a importância relativa das três espécies de “traças-da-uva” identificadas, verifica-se que em 2011, das 151 lagartas colhidas, 89,4% eram de L. botrana e 10,6% eram de E. unicolorella woodiella. Já em 2012, das 124 lagartas obtidas, 61,2% eram de L. botrana, 33,9% eram de E. uni- colorella woodiella e 4% eram de C. figulilella (Quadro 2).

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Estes resultados parecem indicar, que E. unicolorella woodiella está adaptada a climas mais quentes, pelo facto de ter sido observada apenas nas sub-regiões do Cima Corgo e Douro Superior, sendo que no Baixo Corgo não foi registada a sua presença (Quadro 1). O reconhecimento da existência destas duas espécies de piralídeos nas vinhas do Douro, aponta para a necessidade da realização de estudos destinados a, conhecer a sua verda- deira importância na região. Por outro lado, será também interessante avaliar o impacto das condições climáticas na ocorrência das espécies em causa. Neste sentido, e no que respeita a E. unicolorella woodiella será de grande utilidade identificar a sua feromona sexual e proceder à sua síntese em laboratório, sendo que para C. figulilella o principal componente dessa feromona já está identificado e já existe a correspondente formulação comercial (EL-SAYED, 2012), embora não se comercialize em Portugal.

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Trabalho realizado no âmbito do projecto “EcoVitis - Maximização dos Serviços do Ecossistema Vinha na Região Demarcada do Douro”, co-financiado pelo Programa de Desenvolvimento Rural – Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território – Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural – “A Europa investe nas zonas rurais”. Os auto- res agradecem ao Dr. Andrea Lucchi, da Universidade de Pisa e Dr. Bruno Bagnoli, do Centro de Investigação em Agrobiologia e Pedologia, Florença, a identificação das espécies de pira- lídeos.

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